Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ADOLESCENTES E ADOLESCÊNCIAS
ELDER CERQUEIRA-SANTOS
OTHON CARDOSO DE MELO NETO
SÍLVIA H. KOLLER
O objetivo deste capítulo é levantar questões pela Organização Mundial da Saúde (OMS)
sobre o adolescente e as adolescências vivi- como um período biológico, psicológico e
das na atualidade. Não cabe aqui definir ou social compreendido entre os 10 e os 19
conceitualizar, mas inquietar, instigar refle- anos (World Health Organization [WHO],
xões em todos os interessados sobre essa fase 2011). Esse critério cronológico também
cronológica do ciclo vital. O questionamen- tem sido adotado pelo Ministério da Saúde
to de tais conceituações parte da ideia básica do Brasil (Brasil, 2010a, 2010b) e pelo Ins-
de que a adolescência deve estar mais rela- tituto Brasileiro de Geografia e Estatística
cionada a uma fase social e psicológica do (IBGE, 1997). Já para o Estatuto da Criança
ciclo vital do que propriamente vinculada e do Adolescente (ECA), o período da ado-
e definida por idades numéricas. Os aspec- lescência compreende dos 12 aos 18 anos
tos contextuais sobre o surgimento da ado- (Brasil, 1990). Tais tentativas de definição
lescência na psicologia e a sua inserção nos apenas estabelecem parâmetros numéricos
estudos da psicologia do desenvolvimento, específicos, afinal, o ciclo vital do ser huma-
especialmente com temas polêmicos, como no está em constante processo de mudança,
a precocidade do desenvolvimento biológico independentemente da idade que a pessoa
e da iniciação sexual, são desafios teórico- tenha. Isso fragiliza o estabelecimento de
-práticos para psicólogos e outros profissio- um limite desenvolvimental por ter como
nais que trabalham com adolescentes. base apenas um parâmetro etário.
No Brasil, a população adolescente
tem cerca de 35 milhões de representantes
QUEM SÃO OS ADOLESCENTES? (IBGE, 1997). No mundo, existe aproxi-
O QUE É A ADOLESCÊNCIA? madamente 1 bilhão de pessoas nessa faixa
etária, representando mais ou menos 20%
O ciclo vital humano é composto por fa- da população de todo o planeta (Nery,
ses, como infância (período gestacional, Mendonça, Gomes, Fernandes, & Oliveira,
primeira infância, segunda infância); ado- 2011). Por representar uma parcela volu-
lescência (puberdade, adolescência média mosa da população e apresentar especifi-
e final); adultez (jovem, maduro e final) e cidades, a psicologia também tem se dedi-
velhice. A adolescência tem sido definida cado a aprimorar a qualidade dos conheci-
mentos e de trabalhos profissionais para o tins, Trindade, & Almeida, 2003; Santos,
público adolescente. Inúmeras publicações 2005). Mais recentemente, Arnett (2004,
têm sido produzidas para proporcionar à 2006) propôs o construto “adultez emergen-
sociedade um saber mais técnico sobre a te”, como uma fase do desenvolvimento no
adolescência, fornecendo ferramentas para final da adolescência caracterizada pela ex-
que os interessados possam lidar de modo ploração da identidade, pela instabilidade,
mais eficaz com as questões relacionadas pelo autofocus, pela vivência do sentimento
a esse período de suas vidas e aqueles com de “in-between” (“estar entre”) e pela per-
os quais se relacionam em seus contextos cepção de inúmeras possibilidades.
e histórias (ver, p. ex., Dell’Aglio e Koller Durante muito tempo, a adolescência
[2011] e Libório e Koller [2009]). foi concebida como uma etapa natural do
As mudanças biológicas do período desenvolvimento, tendo um caráter univer-
inicial da adolescência, denominado pu- sal e abstrato. Em uma síntese de estudos
berdade, são universais e visíveis, alterando sobre a adolescência, Aguiar, Bock e Ozella
características como altura, forma e desen- (2002) reafirmaram a importância de diver-
volvimento sexual, os quais levam os jovens sas abordagens, ressaltando as mudanças
para o que é esperado na idade adulta. No históricas e as diferentes perspectivas em
entanto, os critérios que definem essa etapa psicologia sobre a adolescência. Segundo os
vão além do desenvolvimento físico visível autores, desde o início do século passado,
e estão claramente relacionados a aspectos Stanley Hall, considerado o “pai” da psico-
sociopsicológicos. Durante muito tempo, a logia da adolescência, já afirmava que essa
psicologia descreveu a adolescência como etapa da vida dos seres humanos (descrita
um período de mudanças corporais desde por eles como na faixa dos 12 aos 25 anos)
a puberdade até a idade em que a pessoa era marcada por tormentos e conturbações.
alcançava a inserção social, profissional e Tais inquietações estariam vinculadas à
econômica na sociedade adulta (Formigli, emergência da sexualidade.
Costa, & Porto, 2000). São dois critérios dis- Segundo Sprinthall e Collins (2003),
tintos para definir o começo (biológico) e o Stanley Hall considerou a adolescência
final de uma fase da vida humana (social) como um novo nascimento, um período
e que, certamente, não se configuram uni- dramático marcado por fortes conflitos e
versalmente. A conpreensão da adolescên tensões; ele propunha que a adolescência
cia não se restringe a esses aspectos e deve era um estágio no qual cada pessoa expe-
considerar as diferentes culturas. rimentava todas as etapas anteriores de seu
A adolescência, em primeira análise, desenvolvimento pela segunda vez. Ou seja,
apresenta-se vinculada à idade, à biologia, adolescentes experimentariam de novo a
ao estado e à capacidade do corpo (Santos, infância, mas em um nível mais complexo.
2005). Essas mudanças, entretanto, não Diversos autores além de Hall, como
transformam, por si sós, a pessoa em um Sprinthall e Collins (2003) e, no Brasil, Cam-
adulto. São necessárias outras transforma- pos (1987) e Pfromm Neto (1976) fortale-
ções para alcançar a maturidade (Berger & ceram a concepção de fase conturbada, des-
Thompson, 1997) – mudanças e adaptações crevendo-a como universal para a sociedade
que conduzem os indivíduos para a vida ocidental. Essa foi uma perspectiva assimilada
adulta (Araújo & Costa, 2009). Dessas mu- como natural pela sociedade e pelos meios de
danças, fazem parte as alterações cognitivas, comunicação social e reafirmada pela Psico-
sociais e de perspectiva sobre a vida (Mar- logia tradicional (Aguiar et al., 2002).
sendo 68% dos Estados Unidos (Arnett, ejaculação e início da menstruação (me-
2008). Isso significa que 96% dos partici- narca) – ajudam a visualizar fisicamente o
pantes da pesquisa eram de países com ape- início da adolescência (puberdade). No en-
nas 12% da população do mundo. Ociden- tanto, delimitar o término dessa fase é uma
tais, educados, amostras industrializadas, tarefa difícil, sobretudo pela falta de mar-
ricos e democráticos, em que a maior parte cadores físicos visíveis que identifiquem a
das pesquisas psicológicas tem sido reali- passagem para a idade adulta e que possam
zada, podem ser discrepantes com relação abranger de maneira satisfatória a popula-
a uma série de características psicológicas ção dessa faixa etária.
quando comparadas com amostras diversas Dessa forma, a ciência que procura
de todo o mundo, tornando potencialmen- sempre dimensões críticas para fazer suas
te impreciso tirar conclusões universais definições, procura meios de suprir a ausên-
sobre o comportamento, a motivação e ou- cia de parâmetros globais, focando em as-
tros aspectos do funcionamento psicológi- pectos sócio-psicológicos, como a forma de
co com base em estudos que usam amostras pensar e agir, e no desempenho dos papéis
limitadas (Henrich, Heine, & Norenzayan, sociais, afetivos e econômicos. Obviamen-
2010). Além de expandir a base de partici- te, as transformações físicas, emocionais e
pantes para que seja mais representativa da sociais provocam mudanças importantes
população mundial, os profissionais que nas relações dos adolescentes com suas fa-
trabalham com adolescentes devem se tor- mílias, seus amigos e seus companheiros,
nar sensíveis ao valor de compreender no- bem como na maneira como eles próprios
vas questões de pesquisa que podem surgir se percebem como seres humanos.
a partir de diferentes origens culturais em
todo o mundo.
A psicologia, portanto, precisa avan- SER ADOLESCENTE AO LONGO
çar com posições e pesquisas críticas, sub- DA HISTÓRIA DA PSICOLOGIA
sidiando políticas adequadas para a ado-
lescência. A conceituação da adolescência, A ideia de que a adolescência é uma fase
como se observa, não é fácil. Há muito, qualitativamente diferente da infância e da
diversos estudos são feitos sem que seja idade adulta tem sua origem já na Antigui-
apresentada uma nova versão ou concei- dade Greco-romana (Aguiar et al., 2002).
tuação de adolescência capaz de superar A base sociopolítica dessa diferenciação só
a visão naturalizante. Adolescere é uma surgiu, no entanto, com a transformação
palavra latina que significa crescer, desen- das estruturas sociais nos fins do século XIX
volver-se, tornar-se jovem. O Dicionário que permitiram que os adolescentes fossem
Houaiss da Língua Portuguesa (Houaiss, retirados do mercado de trabalho para fre-
2000, p. 24), por exemplo, define que a pa- quentarem a escola e outras instituições
lavra “adolescência” significa “[...] crescer educacionais. Com o tempo, a adolescên-
até a maturidade, resultando em transfor- cia passou a representar, para a sociedade,
mações de ordem social, psicológica e fi- o início do processo de distanciamento de
siológica [...]”. comportamentos e privilégios típicos da
As mudanças biológicas – como alte- infância, bem como a aquisição de caracte-
ração da voz e da estatura, crescimento de rísticas e competências que capacitem essas
pelos, seios, pênis e testículos, pomo-de- pessoas a assumirem os deveres e papéis so-
-adão, alargamento dos quadris, primeira ciais de adulto (Felício, 2010).
dade para outra e que nenhuma des- entender as dificuldades em definir con-
sas pontes culturais específicas deve ceitualmente o que vem a ser essa fase
ser considerada o caminho natural e a faixa etária que a delimita. Ao longo
para a maturidade [...].
da história, as dificuldades tendiam a ser
Ainda em 1983, autores como Mckin- contornadas recorrendo-se simplesmente
ney, Fitzgerald e Strommen (1983) men- ao critério cronológico ou a um critério
cionavam que a adolescência estaria situada misto, de idade e escolaridade (Pfromm
entre o final da infância, por volta dos 13 Neto, 1976). Fica fácil entender tal postura
anos, e o começo da idade adulta – a par- de pesquisa, afinal, a adoção de quaisquer
tir dos 19 anos. As mudanças fisiológicas outros critérios demandaria o emprego de
da puberdade marcariam seu início, mas, processos complexos e até mesmo impra-
de maneira distinta dos teóricos atuais, os ticáveis de mensuração prévia das pesso-
autores consideravam que o final da adoles- as. No entanto, essa não tem sido mais a
cência estaria ligado à obtenção sociológica postura da psicologia contemporânea. Há
do status pleno de adulto, escapando aos uma atitude crítica e de busca de definição
critérios meramente biológicos. de perfis relativos à cultura e ao momento
Levinsky (1995) conceituou a adoles- histórico no qual os seres humanos se de-
cência como uma fase do desenvolvimento senvolvem (Castro, 2012). Tratando-se de
evolutivo, em que as crianças gradualmen- um capítulo em um livro brasileiro, essa
te passam para a vida adulta, de acordo perspectiva fica ainda mais evidente.
com as condições ambientais e de história A adolescência é, portanto, um fenô
pessoal. Levinsky enfatizou a natureza psi- meno de forte caracterização cultural, e
cossocial da adolescência, ou seja, ela seria suas definições estão intimamente ligadas à
caracterizada pelo modo como a socieda- transformação da compreensão do desen-
de a representa. No entanto, ao debater o volvimento humano e, também, à transfor-
surgimento dessa fase, vinculou-a à puber- mação da forma como cada geração define
dade e ao desenvolvimento cognitivo. Nas a si própria. Os estudos brasileiros sobre
sociedades modernas, Levinsky descreveu adolescência têm discutido temas relevan-
a adolescência como uma vivência mais tes e debatidos, a partir de uma perspectiva
lenta e dolorosa, devido às dificuldades de crítica, questões que afligem a juventude
afirmação social, pela busca de emprego e brasileira. Um exemplo da relevância des-
qualificação, enquanto nas sociedades con- ses estudos é a criação de um Grupo de
sideradas primitivas ela seria atingida de Trabalho (GT) na Associação Nacional de
maneira mais rápida e atenuada pelos ritos Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia
de passagem, que acontecem cedo, soma- (ANPEPP) chamado “Juventude, Resiliên-
dos às conquistas sociais. A participação no cia e Vulnerabilidade” (ver trabalho do gru-
mundo adulto seria alcançada de maneira po em Dell’Aglio e Koller [2011] e Libório
clara com a constituição de uma família, ser e Koller [2009]).
nomeado um guerreiro ou caçador e, assim, A adolescência é um momento essen
conquistar respeito e assumir um papel na cial de transformação, transposição e au-
sociedade à qual pertence. toafirmação das pessoas que a vivem e da-
A variedade de concepções existen- queles com quem convivem. Por meio de
tes e descritas reflete a diversidade de as- cada nova tarefa ou desafio, os adolescen-
pectos da adolescência. Assim, é possível tes vivenciam o que é novo e o que deixa-
rá de sê-lo, dando lugar a experiências que as ciências que estudam a adolescência in-
contribuíram para seu amadurecimento. É sistem em negligenciar a inserção histórica
uma fase de extrema relevância e que deve do jovem e suas condições objetivas de vida.
ser minuciosamente vivida pelos adoles- A adolescência é uma construção
centes. Brêtas e colaboradores (2008) afir- social, uma fase resultante de momentos
maram que, vivenciando a adolescência, as significados e interpretados pelo ser hu-
pessoas conseguirão descobrir seus papéis mano, com marcas que a sociedade desta-
sociais, valores, atitudes, crenças, princí- ca e significa. Ozella (2002) ponderou, por
pios e vontades, os quais serão organizados exemplo, que mudanças no corpo (altura e
e assumidos para a vida, servindo de base alterações biológicas de gênero, como cres-
para a consolidação do seu processo natural cimento dos seios) e desenvolvimento cog-
de desenvolvimento psíquico. nitivo são marcas que a sociedade destaca.
Mesmo com importantes contribui- No entanto, a sociedade, com seus valores
ções na mudança de paradigmas construí- em constante mutação, modifica também
dos ao redor do assunto, não mais consi- esses “marcadores”, dependendo do con-
derando a adolescência como uma mera texto histórico-cultural em que são vividos.
transição entre a infância e a idade adulta, Enquanto, há algum tempo, marcas como o
os autores, ainda que destacando o fato de aparecimento de pelos no corpo passavam
toda adolescência se caracterizar por ter o significado de que os meninos já estavam
um “selo” individual, cultural e histórico, aptos para guerrear ou ter sua primeira re-
acabam por incorrer no artifício de con- lação sexual, hoje não possuem nenhum
dicionar a realidade biopsicossocial a cir- significado especial, além de que está pró-
cunstâncias interiores ao afirmar uma “cri- ximo o momento de definição da beleza
se essencial da adolescência”. Ozella (2002) adulta, da sensualidade e da masculinida-
criticou essa postura, pois salientou que os de. Entre as meninas, em outro momento,
autores parecem partir de pressupostos de a menarca claramente significava o início
que os adolescentes passam por desequilí- do período fértil, da chegada do momento
brios e instabilidades extremas (circunstân- de uma mulher servir como reprodutora e
cias interiores), além de apresentarem uma perpetuadora da espécie. Hoje, a menarca
vulnerabilidade especial para assimilar os é um momento importante, mas com um
impactos projetivos de pais, irmãos, amigos significado social menos focado para a re-
e de toda a sociedade, ou seja, aquilo que produção e mais relacionado a uma fase na-
esperam deles. tural do desenvolvimento de uma menina.
A tendência mais atual sobre a con- O conceito de adolescência conside-
cepção da adolescência procura descartar rado neste capítulo envolve uma perspec-
a obrigatoriedade de preexistência de uma tiva sócio-histórica, já que só é possível
crise nessa população, de essa etapa ser con- compreender qualquer fato a partir da
siderada necessariamente uma fase crítica, sua inserção na totalidade. A adolescência
influenciada apenas por aspectos biológicos atual é consequência das condições sociais
e naturalistas, negligenciando-se fatores nas quais as pessoas estão inseridas. Clí-
culturais e sociais. Mesmo com os resulta- maco (1991) profetizou de maneira sim-
dos mostrados por antropólogos culturais ples o que viria a ser a construção atual da
como Benedict (1983) – que questionam a adolescência ao dizer que, na sociedade, o
universalidade dos conflitos adolescentes –, trabalho, com sua sofisticação tecnológica,
socioculturais nos quais os indivíduos estão ca: por volta de 1830, a primeira menstrua
inseridos (Araújo & Costa, 2009). ção ocorria por volta dos 17 anos; no co-
Algumas questões, independentemen- meço do século XX, baixou para 14. Hoje,
te do viés adotado, estão atreladas a essa ocorre, em média, aos 12 anos – as meninas
fase do desenvolvimento humano, em espe- menstruam pela primeira vez nove meses
cial nas sociedades ocidentais urbanizadas, mais cedo se comparadas com suas mães.
como, por exemplo, a preocupação com in- Fenômenos como esse mostram como os
serção em grupos e o possível envolvimen- limites utilizados para estabelecer a adoles-
to com comportamentos de risco; a busca cência são variáveis.
por uma identidade social, como forma de Nos últimos 50 anos, a infância so-
participação das relações de poder entre os freu mudanças que estão mais relacionadas
gêneros; a formação da identidade adulta; a estímulos psicossociais, resultantes do
a autonomização com relação aos pais; e a meio em que se vive. Os impulsionadores
atribulação provocada pelos períodos mais da transformação foram a televisão, a nova
característicos dessa fase: as profundas mu- estrutura da família e, a partir da década
danças biopsicossociais, especialmente rela- passada, a popularização das novas mídias,
cionadas a maturação sexual e surgimento que facilitam o acesso a todo tipo de infor-
do interesse pelo sexo oposto e consequente mação por meio de um clique no computa-
trato do início da vida sexual. dor ou celular conectado à internet.
Os fatores levantados não podem ser Mais do que ter acesso a todo tipo de
considerados marcadores essenciais para informações, as crianças estão indiscrimi-
a passagem à fase adulta, pois essa delimi- nadamente expostas a elas. É necessário to-
tação fatalmente excluiria uma enorme mar ciência da importância da sexualidade
parcela de adolescentes. Afinal, mudanças nesses novos adolescentes, pois a chegada
relacionadas à puberdade e à maturação precoce da adolescência traz, a “tiracolo”,
sexual são bastante suscetíveis a uma enor- pequenos jovens suscetíveis à erotização e
me gama de complexos fatores, como, por ao desenvolvimento sexual precoce e, com
exemplo, os desenvolvimentos físico e psi- eles, a preocupação com o surgimento de
cossocial, a exposição a estímulos sexuais doenças sexualmente transmissíveis, gravi-
(que são definidos pela cultura) e os grupos dez e aborto, por exemplo.
de contatos sociais, como amigos e grupos O desaparecimento dos valores tradi-
de esporte. cionais, as atrações do mundo consumista
A aceleração secular, por exemplo, é urbano e as condições econômicas nas ci-
um fenômeno típico do mundo moderno, dades favorecem tanto as relações sexuais
atrelado às mudanças nos desenvolvimen- pré-matrimoniais com diferentes parceiros
tos fisiológico e principalmente biológico, quanto a exploração sexual juvenil. A me-
resultado das mudanças ocorridas desde a lhoria das possibilidades de educação para
Revolução Industrial, que, junto a fatores os adolescentes, bem como diversas razões
como aqueles já descritos, está ajudando a econômicas, resultam no aumento da idade
encurtar a infância e aumentar o período para o casamento (Clímaco, 1991). A maior
da adolescência. De acordo com Tanner liberdade oferecida aos jovens, desprovidos
(1981), a aceleração secular do crescimen- de tanto controle parental e atrelados ao
to e da maturação biológica tem provocado consumo de drogas lícitas e ilícitas, carrega
uma diminuição da idade média da menar- consigo algumas consequências negativas,
como, por exemplo, gravidez não desejada viriam a constituir as futuras gerações de
e aborto. Cada vez mais, a escolha do parcei- adultos no terceiro milênio. Dados do Mi-
ro, anteriormente assunto acordado entre as nistério da Saúde (Secretaria de Estado de
famílias, é assumida pelos próprios jovens, Saúde do Distrito Federal, 2010) mostram
o que, por sua vez, favorece a ocorrência de que essa é uma parcela aproximada de 29%
relações sexuais com diferentes parceiros até da população mundial, sendo que 80% des-
que se encontre o “escolhido” (Ozella, 2002). ses jovens vivem em países em desenvolvi-
Tradicionalmente, a educação sexual mento.
ocorria no contexto das relações familia- Desenvolvido por membros do GT
res, oferecendo aos adolescentes a iniciação da ANPEPP “Juventude, Resiliência e Vul-
social e a proteção. Clímaco (1991) discute nerabilidade”, o estudo sobre a juventude
que a família e as estruturas comunitárias brasileira tem como principal objetivo le-
asseguravam a transmissão de normas e va- vantar dados sobre a população de adoles-
lores. Anteriormente, existia um consenso centes que vivem em várias áreas do País.
social acerca dos papéis dos adolescentes do Em parceria com pesquisadores espalhados
sexo masculino e feminino. Isso, hoje, não por diferentes universidades, o projeto co-
é mais assim, e ainda não existe uma substi- leta dados entre jovens de 14 a 24 anos em
tuição conveniente que possa compensar a escolas e ONGs, traçando um panorama da
perda da educação tradicional. situação desses indivíduos em vários aspec-
Hoje em dia, as crianças adquirem in- tos da vida, como sexualidade, escola, com-
formações sobre sexo de muitos lados: pais, portamentos de risco, questões familiares,
irmãos, colegas da mesma idade, rádio, TV, relações com o trabalho, entre outros (Li-
revistas, conversas ou observando outros bório & Koller, 2009).
(Araújo & Costa, 2009). Essas informações,
porém, com frequência, são incompletas,
enganadoras ou até falsas. Estudos estão sen- CONCLUSÃO
do feitos ao redor do mundo na tentativa de
entender o fenômeno da adolescência e tra- Este capítulo tratou do conceito e da defi-
çar políticas de prevenção e tratamento para nição da adolescência e sua relação com a
essa classe tão importante, futuro de todas psicologia do desenvolvimento. Buscou-se
as nações (Ozella, 2002). No Brasil, não po- questionar a naturalização de tal conceito e
deria ser diferente, mas, apesar das grandes refletir sobre uma definição, não dada, ob-
ações implantadas pelo governo, por ONGs viamente, por viés específico de apenas um
e pela sociedade, como políticas de assistên- dos campos da ciência. Além de questões
cia ao jovem, programa Primeiro Emprego teóricas, foram considerados aspectos prá-
e distribuição gratuita de preservativos, por ticos da problematização do tema, como as
exemplo, muito ainda precisa ser feito. esferas de saúde, a violência e a educação e
A adolescência tem despertado grande os desafios para a prática profissional com
interesse, tanto na mídia quanto no âmbito adolescentes em diversas situações.
das políticas públicas, especialmente a par- Neste capítulo, fica clara a complexi-
tir de 1985, definido pela ONU como o Ano dade que o tema exige, ao mesmo tempo
Internacional da Juventude. Desde então, que reflete, a partir de um olhar plural, so-
inúmeras iniciativas foram desencadeadas bre a pessoa em desenvolvimento. Questões
em todo o mundo, visando o levantamen- de ordens subjetiva e social somam-se para
to das necessidades sociais dos jovens que o entendimento de um processo historica-
mente constituído e ainda em construção. pítulos deste livro permitirão pensar ques-
Dessa forma, este capítulo não responde à tões específicas da adolescência no contexto
questão “o que é a adolescência?”, mas con- atual do Brasil, e ter em mente a construção
vida à reflexão sobre como encaramos essa desse conceito parece fundamental para o
fase e quais as implicações da psicologia na entendimento de diversos tópicos que serão
construção desse conceito. Os demais ca- abordados.
LEMBRE!
Se existe a pretensão de trabalhar com o adolescente concreto, tratado mediante o caráter sócio-
-histórico, constituído por etapas do desenvolvimento psicológico e pedagógico, é imprescindível
falar da condição juvenil como ponto de partida. O processo de formação social nos dias atuais está
permeado por diferentes fatores de variadas ordens, como a instantaneidade provocada pela veloci-
dade tecnológica, que favorece a superficialidade na aquisição de conhecimentos – vide os famosos
trabalhos “copiar e colar” dos colégios e até mesmo das faculdades –; a cultura do consumo inerente
ao capitalismo, que gera uma série de necessidades rapidamente descartáveis; e a ainda reticente
dificuldade de obter um emprego, que no mínimo perpetua uma parcela da população à exclusão
social, à pulverização e ao desinteresse das relações coletivas, as quais favorecem o processo de
individualização e de desinteresse nas esferas pública e política.
Para finalizar este capítulo, mas não a discussão, podemos pensar nas questões aqui levantadas,
sobre como a universalização da adolescência, naturalizada como uma fase do desenvolvimento hu-
mano, é ainda tratada como momento de crise. Continuamos vivenciando uma ideia de adolescência
imersa em rebeldia, desinteresse, crise, instabilidade afetiva, descontentamento, melancolia, agres-
sividade, impulsividade, entusiasmo e timidez, sendo essa a visão predominante que orienta muitos
aspectos da vida dos próprios adolescentes.
Q U E S T Õ E S PA R A R E F L E X Ã O
1. Considerando as reflexões feitas neste capítulo sobre a definição e a conceituação de adolescência,
como podemos pensar nas particularidades dos adolescentes brasileiros de diferentes classes
sociais?
2. Entendendo a adolescência como uma construção sócio-histórica, reflita sobre o desenvolvimento
psicológico do adolescente na interface entre o indivíduo e a cultura.
emergência entre adolescentes de escolas públi- Castro, L. R. de. (2012). The idea of develop-
cas de Pernambuco, Brasil. Cadernos de Saúde ment and the study of children in Brazil as a de-
Pública, 25(3), 551-562. veloping society. Psychology and Developing So-
Arnett, J. J. (2004). Emerging adulthood: The cieties, 24(2), 181-204.
winding road from the late teens through the Clímaco, A. A. S. (1991). Repensando as concep-
twenties. New York: Oxford University Press. ções de adolescência (Dissertação de mestrado
Arnett, J. J. (2006). Emerging adulthood: Un- em Psicologia da Educação, Pontifícia Universi-
derstanding the new way of coming of age. In J. dade Católica de São Paulo, São Paulo).
J. Arnett, J. L. Tanner (Eds.), Emerging adults in Dell’Aglio, D. D., & Koller, S. H. (2011). Adoles-
America: Coming of age in the 21st century (pp. cência e juventude: Vulnerabilidade e contextos
3-19).Washington: American Psychological As- de proteção. São Paulo: Casa do Psicólogo.
sociation. Felício, J. L. (2010). A escolha da profissão na ado-
Arnett, J. J. (2008). The neglected 95%: Why lescência. Psicologia: o portal dos psicólogos. Re-
American psychology needs to become less Ame- tirado de http://www.psicologia.pt/
rican. The American Psychologist, 63(7), 602-614. Formigli, V. L. A., Costa, M. C. O., & Porto, L. A.
Benedict, R. (1983). Os padrões de cultura. São (2000). Evaluation of a comprehensive adoles-
Paulo: Livros do Brasil. cent health care service. Cadernos de Saúde Pú-
Berger, K. S., & Thompson, R. A. (1997). El de- blica, 16(3), 831-841.
sarrollo de la persona desde la niñez a la adoles- Henrich, J., Heine, S. J., & Norenzayan, A. (2010).
cencia (4. ed.). Madrid: Medica Panamericana. The weirdest people in the world? Behavioral
Bock, A. M. B. (2007). A adolescência como and Brain Sciences, 33(2-3), 61-83, 111-135.
construção social: Estudo sobre livros destina- Houaiss, A. (2000). Dicionário Houaiss da Lín-
dos a pais e educadores. Revista Semestral da As- gua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva.
sociação Brasileira de Psicologia Escolar e Educa- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
cional (ABRAPEE), 11(1), 63-76. [IBGE]. (1997). Crianças e adolescentes: indica-
Brasil. (1990). Lei nº. 8069, de 13 de julho de 1990. dores sociais 1997. Rio de Janeiro: IBGE. Retira-
Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adoles- do de http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/
cente e dá outras providências. Retirado de http:// populacao/criancas_adolescentes/
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm Levinsky, D. L. (1995). Adolescência: Reflexões
Brasil. (2010a). Caderneta de saúde da adoles- psicanalíticas. Porto Alegre: Artes Médicas.
cente. Brasília: Ministério da Saúde. Retirado de Libório, R. M. C., & Koller, S. H. (2009). Adoles-
http://www.adolec.br/php/level.php?lang=pt&c cência e juventude: Risco e proteção na realida-
omponent=39&item=16 de brasileira. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Brasil. (2010b). Caderneta de saúde do adoles- Martins, P. de O., Trindade, Z. A., & Almeida, A.
cente. Brasília: Ministério da Saúde. Retirado de M. de O. (2003). O ter e o ser: Representações
http://www.adolec.br/php/level.php?lang=pt&c sociais da adolescência entre adolescentes de in-
omponent=39&item=16 serção urbana e rural. Psicologia: Reflexão e Crí-
Brêtas, J. R. da S., Moreno, R. S., Eugênio, D. S., tica, 16(3), 555-568.
Sala, D. C. P, Vieira, T. F., & Bruno, P. R. (2008). Mckinney, J. P., Fitzgerald, H. E., & Strommen,
Os rituais de passagem segundo adolescentes. Re- E. A. (1983). Psicologia do desenvolvimento: O
vista Acta Paulista de Enfermagem, 21(3), 404-11. adolescente e o adulto jovem (vol. 3). Rio de Ja-
Campos, D. M. S. (1987). Psicologia da adoles- neiro: Campus.
cência: Normalidade e psicopatologia (11. ed.). Muuss, R. E. (1969). Teorias da Adolescência.
Petrópolis: Vozes. Belo Horizonte: Editora do Professor.
Campos, D. M. S. (2002). Psicologia da adoles- Nery, I. S., Mendonça, R. de C. M., Gomes, I. S.,
cência (19. ed.). Petrópolis: Vozes. Fernandes, A. C. N., Oliveira, D. C. de. (2011).
Reincidência da gravidez em adolescentes de Te- Sprinthall, N. A., & Collins, W. A. (2003). Psi-
resina, Piauí, Brasil. Revista Brasileira de Enfer- cologia do adolescente: Uma abordagem desen-
magem, 64(1), 31-37. volvimentista (3. ed.). Lisboa: Fundação Caloust
Newman, J. B. (1960). A rationale for a defini- Gulbenkian.
tion of communication. Journal of Communica- Tanner, J. M. (1981). A history of the study of hu-
tion, 10(3), 115-124. man growth. New York: Cambridge University
Ozella, S. (2002). Adolescência: Uma perspectiva Press.
crítica. In M. de L. J. Contini, S. H. Koller, & M. World Health Organization [WHO]. (2011).
N. dos S. Barros (Orgs.), Adolescência e psicologia: Preventing early pregnancy and poor reproduc-
Concepções, práticas e reflexões críticas (cap. 1, pp. tive outcomes among adolescents in developing
16-24). Brasília: Conselho Federal de Psicologia. countries. Geneva: WHO. Retirado de http://
Pfromm Neto, S. (1976). Psicologia da adoles- www.who.int/maternal_child_adolescent/do-
cência (5. ed.). São Paulo: Pioneira. cuments/preventing_early_pregnancy/en/in-
dex.html
Rocha, M. L. (2002). Contexto do adolescente.
In M. de L. J. Contini, S. H. Koller, & M. N. dos
S. Barros (Orgs.), Adolescência e psicologia: Con-
cepções, práticas e reflexões críticas (cap. 2, pp. LEITURAS RECOMENDADAS
25-32). Brasília: Conselho Federal de Psicologia.
Aquino, E. M. L., Heilborn, M. L., Knauth, D.,
Santos, B. R. (1996). Emergência da concepção Bozon, M., Almeida, M. C., & Araújo, J., Mene-
moderna de infância e adolescência: Mapeamen- zes, G. (2003). Adolescência e reprodução no
to, documentação e reflexão sobre as princi- Brasil: A heterogeneidade dos perfis sociais. Ca-
pais teorias (Dissertação de mestrado, Pontifícia dernos Saúde Pública, 19(supl. 2), 377-388.
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo).
Arnett, J. J. (2010). Adolescence and emerging
Santos, L. M. M. dos. (2005). O papel da família adulthood: A cultural approach (4th ed.). Bos-
e dos pares na escolha profissional. Psicologia em ton: Prentice Hall.
Estudo, 10(1), 57-66.
Hall, G. S. (1904). Adolescence: Its psychology
Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Fede- and its relations to physiology, anthropology, so-
ral [SES-DF]. (2010). Site. Retirado de http:// ciology, sex, crime, religion and education. New
www.saude.df.gov.br/ York: Appleton.