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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015

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INDEX
estante de psicologia

TEORIAS DA ADOLESCÊNCIA - Rolf E. Mmiss

BOOKS
INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA - Stone e Church
LIBERDADE PARA APRENDER - Cari Rogers
LUDOTERAPIA - Virgínia M a e Axline

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INTERLIVROS DE MINAS GERAIS LTDA.
Caixa Postal 1843 - Tel. 22-3268
Belo Horizonte - Minas Gerais

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A DINÂMICA INTERIOR
DA INFÂNCIA

INDEX LUDOTERAPIA

Virginia Mae Axline


SCHOOL OF EDUCATION
NEW YORK UNIVERSITY

BOOKS INTRODUÇÃO:
Carl R. Rogers

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ft 1 interlivros Belo Horizonte - M. G. - 19 7 2

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PLAY THERAPY - V irgin ia Mae Axline

Edição original publicada em 1947 por


Houghton Mifflin Company
Cambridge - Massachusetts - U.S.A.

TRADUÇÃO: A n ge la M aria Valadares Machado Coelho

SUPERVISÃO TÉCNICA: Heloisa de Resende Pires M iranda


Psicóloga do Instituto de Aconselhamento
e Psicoterapia - INACOP

CAPA:

INDEX
Cláudio Martins

BOOKS
Copyright by Virginia M a e Axline

GROUPS
Direitos de tradução em lingua portuguesa:
EDITORA DO PROFESSOR IND. E COM. LTDA.

Direitos para esta edição cedidos à


INTERLIVROS DE MINAS GERAIS LTDA.
Rua Tupis, 38 - Loja 6
Caixa Postal 1843 - Tel. 22-3268
Belo Horizonte - Minas Gerais
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INDEX
BOOKS à memória de meu pa<

ROY G. AXLINI

GROUPS

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INDEX
BOOKS
GROUPS

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PREFÁCIO A EDIÇÃO BRASILEIRA

INDEX
Muitas pessoas interessadas em Psiçoterapia Centrada
na Criança se queixam de não encontrar livros que abordem o as­
sunto de m aneira bem completa, e que sejam escritos em portu­
guês.
Este livro de V irginia M ae Axline, que leva o título em
sua edição brasileira de L U D O T E R A P IA, vem preencher tal va­
zio. Trata-se de um texto bastante completo, escrito num a lingua­
gem simples e direta.

BOOKS
O leitor poderá encontrar, nele, orientação para pro­
blemas bem variados, que vão desde as características da sala de
brinquedos, onde se desenvolve a terapia, até o estudo do proces­
so que se desenrola na criança que vive a experiência dessa terapia.
Por isso mesmo, o livro de V irgin ia M . Axline já se
tornou um clássico, servindo de ponto de partida para o estudo e
desenvolvimento de muitos terapeutas, inclusive de outras corren­
tes de Psicologia.

GROUPS
P ara o leitor que deseja saber a essência da abordagem
contida nesse livro, eu diria que a autora descreve uma terapia
caracterizada por uma profunda aceitação da criança, sejam quais
forem os sentimentos e necessidades por ela apresentados. Aliado
a isso, está presente também um grande respeito — misto de fé
e confiança — para com a capacidade da criança de se desenvol­
ver por si mesma, sem uma a ju d a direta. —
É interessante notar que, partindo da sua própi'ia expe­
riência clínica, a autora relaciona com muita objetividade os prin­
cípios básicos da Psiçoterapia Centrada na Criança. E, ao fazê-lo,
ela se antecipa às formulações mais precisas de Cari R . Rogers

V II

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sobre as condições necessárias e suficientes p ara que ocorra o pro­


cesso terapêutico descrito na Psicoterapia Centrada no Cliente.
P o r tudo isso, sinto-me por demais honrada em ter sido
escolhida pela IN T E R L IV R O S , para prefaciar um livro tão signi­
ficativo como este.
Aproveito o ensejo para recomendar sua leitura não só
aos estudantes de Psicologia e luduterapeutas, como também a
todas as pessoas que lidam com crianças. Particularm ente àque­
las que trabalham como professoras, orientadoras educacionais, e-
ducadoras, pedagogas, diretoras de grupos escolas e de outras es­
colas infantis e enfermeiras de hospitais psiquiátricos para cri­
anças.

INDEX
Tenho certeza que, a cada uma delas, os ensinamentos
contidos nesse livro trarão novas perspectivas, alargando os hori­
zontes e facilitando a tarefa de proporcionar às nossas crianças o
melhor que elas possam obter e alcançar, em termos de am adure­
cimento e realizações pessoais.

Belo Horizonte, novembro de 1972

BOOKS
HELOÍSA DE RESENDE PIRES MIRANDA
Psicóloga do Instituto dé Aconselhamento
e Psicoterapia — INACOP

GROUPS

V III

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PREFÁCIO

INDEX Foi um privilégio para a autora estudar com o D r .


C ari R . Rogers e trabalhar com ele na pesquisa e desenvolvi­
mento das imensas possibilidades da técnica terapêutica não-di-
retiva — ou técnica Rogeriana como é comumente cham ada en­
tre os que trabalham com o D r . Rogers.
O D r . Rogers é um professor que nos entusiasma, e

BOOKS
a autora acha-se em débito para com ele por havê-la encorajado
a explorar m ais profundamente as possibilidades da técnica não-
diretiva e a publicar os resultados do trabalho experimental que
foi realizado sob sua supervisão.
A autora deseja expressar aqui sua gratidão e reco­
nhecimento ao D r . Rogers, um a vez que foi devido à sua leitura
paciente do manuscrito e às suas críticas construtivas que este
livro surgiu como uma apresentação das implicações do proces­
so não-diretivo na ludoterapia e no campo da educação.

GROUPS
A autora estende ainda seu reconhecimento aos m é­
dicos, pais, diretores e funcionários das escolas, cuja cooperação
tornou possível a participação das crianças cujos casos são re­
latados aqui.
Finalmente, a autora deseja expressar sua gratidão
às crianças, que aceitaram a experiência terapêutica como um
desafio, e dela se aproveitaram tão plenamente.

VIRG ÍN IA MAE AXLIN E


Universidade de Chicago

IX
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INDEX
BOOKS
GROUPS

6/5/2015 INDEX BOOKS GROUPS


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INTRODUÇÃO

INDEX
Virginia Mae Axline escreveu um livro penetrante e útil sobre as
possibilidades terapêuticas dos jogos e atividades de grupo. Este livro
destina-se principalmente a professores e orientadores escolares; entre­
tanto, psicólogos, psiquiatras, terapeutas que trabalham com grupos ou
casos individuais, terão muito a ganhar com um estudo profundo dos
princípios e técnicas que ela defende.

BOOKS
São vários os níveis em que este livro pode ser analisado. Super­
ficialmente, é o relato de como um professor veio a atuar como terapeu­
ta com o intuito de libertar as forças terapêuticas que existem em cada
pessoa. Conta como, através de ludoterapia e terapia de grupobem ori­
entadas, jovens deformados e desajustados tornam-se capazes de olhar
honestamente para si próprios, de se aceitarem e de elaborarem um ajus­
tamento construtivo à difícil realidade na qual vivem. Mostra como bone­
cas, fantoches, mamadeiras de brinquedo, revólveres, massa dé modela­

crescimento. GROUPS
gem, tintas e água podem tornar-se participantes ativos nesse drama do

Trata-se de um livro essencialmente prático, nunca se contentando


com afirmações genéricas, fornecendo sempre exemplos e ilustrações es­
pecíficos do modo como atitudes e princípios podem ser postos em prá­
tica durante as sessões de ludoterapia. O profissional que deseja saber
“ Como você faz isto?”, encontrará nestas páginas grande quantidade de
material que responde a esta pergunta.
Contudo, o livro vai muito além, é muito mais do que uma análise
fria de um processo terapêutico, muito mais do que um conjunto de su­
gestões práticas. À medida que o leitor for conhecendo Ema, Tom, Er-
nest e os demais jovens reais que nabitam este livro, irá crescendo em

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sua mente a suspeita de que encontrou a porta de entrada para o mundo


interior da infância, sobre o qual tanto tem sido escrito, mas que rara­
mente é desvendado. Aqui as crianças são vistas de dentro, seus temores,
suas necessidades mais profundas, seus ódios mais amargos, suas emoções
mais remotas, seu desejo de crescer em espírito tanto quanto no físico —
aqui encontramos crianças como elas são. A impressão preponderante que
surge da leitura da grande variedade de casos literalmente transcritos, s
que aqui é desvendado, vagarosamente em alguns casos, mais rapidamen­
te em outros, o eu real da criança. Se o leitor for capaz de ler todo este
material sem sentir, por vezes, um estranho nó na garganta, é porque ele
não foi feito da mesma argila que o autor desta introdução. A fortaleza dian­
te das dificuldades, a honestidade ao olhar para si próprios, o desejo vi­
tal de alcançar a maturidade que estas “ crianças-problema” demonstram,

INDEX
representam um desafio para todos nós.

Deve-se observar que o objetivo básico da autora não é revelar, des­


ta forma, a dinâmica interna da infância, ou a dinâmica da vida adulta
que também fica evidenciada. E é justamente porque surge como subpro­
duto, que isto se torna mais convincente. Embora o livro seja escrito em
uma linguagem simples, onde vários trechos constituem citação literal
das próprias crianças, embora ainda os termos técnicos sejam agradavel­
mente poucos e um delicioso senso de humor impregne todo o livro, ele

BOOKS
ó, não obstante, um livro profundo. Fará o leitor meditar seriamente, le­
vantando perguntas perturbadoras e graves. Por que nossa educação é t
tão embrutecedora e cega, se nossas crianças são tão ricas? Por que a
humanidade teme tanto a espontaneidade, se a atitude espontânea con- \
duz tão rapidamente ao crescimento responsável? Como se pode ajudar í
professores e pais a perceberem os dotes de personalidade que existem j
em cada criança? Por que nos falta confiança no futuro, se forças sociais <
intensas e construtivas podem ser liberadas no indivíduo através da aoei- J
tação de alguns poucos princípios básicos? Estes são alguns dos itens que
o leitor atento se verá levado a considerar.

GROUPS
Alguns lerão este livro e dirão: “ Não pode ser verdade. As crianças
não são assim. Crianças más não têm dentro de si as forças positivas
que são apontadas aqui. É muito bom para ser verdade!” A estes céticos
posso apenas responder que os resultados descritos neste livro realmen­
te ocorrem quando os princípios aqui expostos são fielmente seguidos
Posso afiançar, não apenas que Virgínia Mae Axline obteve tais resul­
tados, mas que muitos outros, mesmo sem tanta tolerância natural e sem
tanta compreensão intuitiva, podem também alcançá-los. Sugiro também
o teste final e conclusivo — que o nosso cético tente ele mesmo colocar
em prática estes princípios e observe atentamente os resultados. Mes-

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mo sendo a terapia levada a efeito desajeitadamente devido ao ceticismo,


podem-se esperar experiências altamente compensadoras.
A escola se tomaria uma instituição muito diferente, com um efei­
to radicalmente diverso sobre a criança, se pelo menos alguns professo­
res se decidissem a lidar com os jovens do modo descrito nos capítulos
que se seguem.

C ar i R. R o g e r s
Universidade de Chicago

INDEX
BOOKS
GROUPS

X III

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INDEX
BOOKS *■

GROUPS

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1. ALGUMAS CRIANÇAS SÃO ASSIM

INDEX
“ É BR IG Á , B R IG A BR IG A, - O D IA IN T E IR O ”

A professora perturbada descia rapidamente para o gabinete da di­


retoria, alguns passos à frente de Tom, que a seguia com obstinado res­
sentimento .

“ Espere aí fora”, disse-lhe rispidamente enquanto entrava, valen­

BOOKS
do-se de sua prioridade de professora, para apresentar a queixa ao di­
retor. ' •

Esse menino de doze anos, provocador e desobediente,*estava le­


vando-a ao desespero. Ele mantinha a classe em constante estado de tu­
multo. Estava continuamente lembrando-a de que ela era “ apenas uma
professora substituta” e insistindo que “ ninguém podia controlá-lo.”
s
Tom era inteligente bastante para fazer satisfatoriamente o traba­
lho escolar, mas recusava-se a fazer os deveres marcados. Se fizesse co­

GROUPS
mo queria, ficaria lendo o tempo todo. Não aceitava críticas. Tratava
hostilmente as outras crianças, queixando-se de que elas "amolavam-no” .

E agora a turma tinha voltado do intervalo e houvera outra briga.


Tom afirmava que os meninos o haviam atacado em turma; e os meni­
nos diziam que Tom havia cuspido na bandeira americana.

Quando voltaram para a sala de aula, ele mostrava sinais de ter


sido severamente espancado pela turma e a professora repreendeu-os por
brigarem no pátio. Os outros meninos peiiram desculpas e contaram o
episódio da bandeira. Mas Tom olhou-a fixamente, com provocação, atirou

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seu livro fora da carteira, num gesto de desprezo e raiva, e disse: “Eu
faço o que eu quero! Eles começaram a briga. Eles me atacaram em tur­
ma. Detesto todo o bando. Tenho ódio mortal deles e vou me vingar.
Pro diabo com eles todos.” Seus olhos pretos ardiam. Sua voz tremia.
Sim, ele até chorou — ele que era tão duro — e cenas como essa eram
tão perturbadoras para a turma e deixavam a professora tão nervosa
que ela estava toda trêmula e a ponto de chorar! Não agüentaria isso mui­
to tempo. Não agüentaria mesmo.

Então, depois que ela terminou sua queixa, Tom foi convocado pa­
ra o santuário do diretor.

“A senhora Blank contou-me que você çsteve brigando de novo.”


“Sim, vieram todos em cima de mim.”

INDEX
“Ela contou-me que você foi desrespeitoso com ia bandeira ameri­
cana , ”

“Eu não cuspi nela não, só falei que tinha cuspido.”

“Ela disse que você foi desrespeitoso na sala de aula, atirou seu li­
vro no chão e xingou.”

“Eu não aguento mais ficar neste lugar.” Tona gxita e uma vez mais

BOOKS
seus olhos encheram-se de lágrimas. “Todo mundo me amola e mente a
meu -respeito e . .. ”

'? “ Chega! Estou ficando bastante cansado com esse trabalho todo que
temos" cóm você. Todo dia trazem você ao gabinete. Todo dia apresentam
queixa de você por mau comportamento. É briga, briga, briga — o dia in­
teiro. Palavras não parecem lhe fazsr nenhum bem. Pois talvez isso faça!”
O diretor psga na palmatória e bate, c ansada e desesperançadamente,
mas de maneira eficaz, onde pensa que ela fará melhor efeito.

GROUPS
Tom e sua professora voltam para a sala de aula. O diretor conti-
sua tarefa de ser diretor. A tarde, a professora comunica que Tom es­
tá ausente. O diretor telefona para a casa dele. Sua mãe não sabe on­
de ele está. Pensava que ele tivesse voltado para a escola. Paz três dias
que ele não vai em casa nem à escola.

Todo mundo relacionado com o caso sente-se insuficiente e inade­


quado. Isso não parece a solução para esse tipo de problema, mas o que
é que se pode fazer? Deve haver ordsm, disciplina e controle, ou o lugat
se tornaria logo um hospício. Certamente Tom é uma criança-problema,
um caso muito difícil.

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“ Q U E R D IZE R Q U E V O C Ê E S T Á IN D O P A R A C A S A ? ”

A diretora do Jardim de Infância parou no portão lateral de tuna


das dependências do alojamento e observou Ema e as outras crianças, pa­
radas no pátio. Ema estava vestida para deixar o lugar. Sua malinha, já
pronta, estava esperando no portão. As outras crianças estavam separadas
dela. Faziam-lhe caretas e ela fazia caretas para elas. Havia uma tensão,
uma atitude quase austera nela, enquanto esperava. Seu lenço, de tão tor­
cido, tinha virado um cordão. Ela se firmava, ora num pé, ora no outro.
“Olhe pessoal, Ema acha que é esperta só porque tá indo embora”,
gritou um dos meninos, com voz de provocação.
"Feche a matraca, seu'gato pelado’’, grita Ema. "Seu rato sujo, im­
becil, cretino!”

INDEX
"Não me jíingue”, grita raivosamente a primeira criança.
Ema se volta para os meninos que a atormentam.
“Eu cuspo n’ocês, viu? E o faz.

“ Crianças! Crianças!” chama a diretora. Todos se separam. Ema


atira a cabeça para trás desafiadoramente. Olha a estrada ansiosa pela
chegada de um carro. Sua mãe tinha prometido buscá-la e levá-la para um
passeio.

BOOKS
Uma porta do alojamento se abre e sai outra das diretoras. As duas
mulheres- conversam por uns minutos, em seguida a primeira toma a ma­
linha de Ema e a chama.
“Ema. Ema, querida. Sua mãe telefonou. Ela não poderá vir para
este fim de semana.”
Ema vira-se para a diretora como se tivesse levado um choque. Seus
olhos verdes parecem se incendiar. Ela olha fixamente para a diretora.

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“Venha, Ema. Tire sua roupa nova.”
As outras crianças gritam com alegria.
“Ah! Ah! Espsrta! Quer dizer que você está indo prá casa, né?”
“ Crianças! Crianças!” gritam as duas senhoras.
Ema vira se e com a rapidez de um gatinho corre através dos cam­
pos até chegar a um lugar isolado. Atira-se no chão, e ali fica, tensa e si­
lenciosa. A diretora a encontra lá, finalmente, e a leva carinhosamente de
volta.
Isso tudo vem acontecendo há muito, muito tempo. A mãe promete

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vir e levar Ema. Ela desaponta a criança e nunca cumpre sua promessa.
Depois destes acontecimentos, Ema não consegue comer, não dor­
me, não consegue nem mesmo chorar. Adoece e vai para a enfermaria.
Quando se recupera — o que se dá logo — e volta para junto das
outras crianças, está raivosa, mesquinha e insociável. Ela, também, é uma
criança-problema.

“ ESSE M ENINO N Ã O P R E C IS A D E R EM ÉD IO ”

Timmy e Bobby não tinham o chão firme sob seus pés desde que
seus pais se separaram e as crianças foram postas numa casa adotiva.
Quando sua mãe veio levá-lo para casa, para uma pequena visita,
Timmy relutou em ir, mas ela insistiu. Timmy estava tendo problemas

INDEX
de apetite e não conseguia reter o que comia. Não parecia natural para
um menino de oito anos estar sem apetite e ser tão infantil. Chorava com
facilidade, era difícil o relacionamento com ele, brigava com Bobby, seu
irmão mais novo. Parecia tenso e nervoso.

Sua mãe levou-o ao médico e este diagnosticou como “uma doença


de nervos” . Timmy roía suas unhas enquanto a mãe discutia com o mé­
dico. Então, em um momento de silêncio, Timmy falou rapidamente, em
voz alta e estridente: “Eu vi ò papai ontem. Ele foi lá em casa. Eles vão
se divorciar. Eles não vão viver mais juntos. Meu pai não gosta de mi­

BOOKS
nha mãe e minha mãe não gosta dè meu pai e talvez ele case outra vez e
mamãe disse que nós quase nãõ vamos ver ele,1 porque ela disse que não
ia deixar ele ficar comigo nem com Bobby e ele disse que ia mostrar pra
ela!"

“Suponho que isso foi discutido na frente de Timmy, não é mesmo?”,


perguntou o médico.

“Bem”, disse a mãe, defensivamente, "ele terá que saber de tudo


mais cedo ou mais tarde. É melhor saber agora!”

GROUPS
“Bobby e eu estamos morando e m .............. .. . agora”, disse Timmy.
Ele estava gritando com o médico. “Nós moramos com mamãe R. Nós
gostamos de lá!”
“ O senhor pode me dar uma receita ou qualquer outra coisa?”, disse
a mãe de Timmy. “Ele não dorme bem à noite. Vomita quase tudo que
come. A mulher que toma conta dele diz que ele está nervoso e compor­
tando-se violentamente. .
“Vou lhe dar uma receita”, responde o me'dico, “mas esse menino
não precisa de remédio.”

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Desanimado, o médico prescreveu a receita e acrescentou secamen­


te, ao estendê-la à mãe: “Ele precisa de um lar e de pais equilibrados,
mais do que de um sedativo.”
Timmy voltou para a casa adotiva. Ele procurou por Bobby: “Ma­
mãe e papai vão se divorciar, e ela disse que ele não ficaria conosco se
ela pudesse evitar isto e . . . ”
Timmy e Bobby são crianças-problema.

Tom, Ema, Timmy e Bobby são descritos todos eles como “ crianças-
problema.” São crianças tensas, infelizes e completamente desajustadas,
que às vezes acham suas vidas dificeis dema.s de suportar. Aqueles que estão
interessados no ajustamento pessoal de tais crianças, olham-nas com preo­

INDEX
cupação autêntica. As forças ambientais são desfavoráveis, quase nenhuma
ajuda pode ser esperada dos pais ou outras pessoas responsáveis por elas.
O que é que pode ser feito, se é que há alguma coisa que se pode fazer,
para ajudá-las a se ajudarem?
Há um método de ajudar tais crianças a vencer suas dificuldades —
um método que foi bem sucedido com Tom, Ema, Timmy e Bobby e com
muitas outras crianças como elas. Este método é chamado ludoterapia.
A finalidade deste livro é explicar exatamente o que é a ludoterapia
e apresentar a estrutura da teoria da personalidade sobre a qual ela é ba­

BOOKS
seada; descrever detalhadamente o processo da ludoterapia e os
que dele participam; apresentar os princípios fundamentais para
que ela seja conduzida com suoesso; relatar casos de nossos
arquivos que mostram sua eficácia na ajuda às assim chamadas crian­
ças problema, auxiliando-as a construir seu ajustamento pessoal, e final­
mente, apontar as implicações da ludoterapia na educação.

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INDEX
BOOKS
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2. LUDOTERAPIA

U M M É T O D O D E A J U D A R A S C R IA N Ç A S A SE A J U D A R E M

INDEX
A ludoterapia é baseada no fato de que o jogo é o meio natural de
auto-expressão da criança. É uma oportunidade dada à criança de se li­
bertar de seus sentimentos e problemas através do brinquedo, da mesma
forma que, em certas formas de terapia para adultos, o indivíduo resolve
suas dificuldades falando.

A ludoterapia, quanto à sua forma, pode ser çiireÜKa — isto é, o tera­


peuta pode assumir a responsabilidade de orientação e de interpretação, ou
não-diretiva: a responsabilidade e a direção são deixadas às crianças. Com
esse último tipo de terapia é que nos preocuparemos.

BOOKS
No entanto, antes de prosseguir com a descrição real da ludoterapia,
devemos formular o ponto de vista de cada indivíduo, observando os po­
tenciais de cada um; isto é, a teoria da estrutura da personalidade, sobre
a qual ela está baseada.
Há muitas fontes de informação a respeito da estrutura básica da
personalidade do indivíduo, porque este é um dos mais intrigantes, senão
desconcertantes aspectos do ser humano. Muitas teorias da personalidade
foram desenvolvidas, abandonadas, re-examínadas, alteradas e estudadas

GROUPS
de novo. Tentativas foram feitas para “ testar”, “prever” traços e explicar
a estrutura da personalidade. No entanto, todo o assunto ainda está em
aberto, e as teorias que foram desenvolvidas até agora não parecem in­
teiramente adequadas para explicar satisfatoriamente tudo o que foi obser­
vado a respeito da dinâmica interior do indivíduo.
Por isso, para organizar um quadto de referências dentro do qual

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prosseguir, a seguinte explanação da teoria da personalidade é desenvolvi­


da, como uma tentativa de teoria, aberta à crítica e avaliação, mas basea­
da na observação e estudo de crianças e adultos durante e depois de uma
experiência terapêutica não-diretiva.

A T E O R IA D A E S T R U T U R A D A P E R S O N A L ID A D E SO B R E A
Q U A L SE B A S E IA A L U D O T E R A P IA N Ã O -D IR E T IV A

Parece haver uma força poderosa dentro de cada indivíduo que luta
continuamente para uma completa auto-realização. Esta força pode ser ca­
racterizada como uma corrida para a maturidade, independência e auto dire­
ção. Tal corrida vai inexoravelmente alcançar a consumação, mas necessita
de bom “terreno” para que se desenvolva uma estrutura bem equilibrada.

INDEX
Como uma planta precisa de sol, chuva e terreno rico e bom para atingir
seu crescimento máximo, assim também o índivíduo, para atingir a satis­
fação direta desse impulso, de; crescimento, necessita de permissividade pa­
ra ser ele mesmo; da completa aceitação de si — tanto por ele mesmo
quanto pelos outros — e atingir a dignidade, direito nato de todo ser hu­
mano.
Crescimento é um processo de mudança em espiral — relativo e
dinâmico. Experiências mudam a perspectiva e o foco do indivíduo. Tu­
do está constantemente mudando, desenvolvendo-se, intercambiando-se, e

BOOKS
assumindo vários graus de importância para o indivíduo à luz da reor­
ganização e integração de suas atitudes, pensamentos e sentimentos.
O impacto das forças da vida, a interação dos indivíduos e a pró­
pria natureza do ser humano põem em pauta essa integração constante­
mente mutável que se processa dentro do indivíduo. Tudo é relativo, e o
padrão é uma espécie de coisa cambiável, reorganizável — como o de­
senho que se vê num calidoscópio, um tubo pelo qual se òlha, através
de um buraquinho, para pedacinhos de vidro coloridos de forma variada;
quando se gira o tubo, o desenho se desmancha e reorganiza-se de ma­

GROUPS
neira bastante diferente. Quando as diversas partes do desenho se tocam,
formam uma nova configuração. Não importa de que maneira se gire o tu­
bo, o desenho mantém seu equilíbrio, estando a diferença no próprio de­
senho que, às vezes, é compacto e indica força e, às vezes, espalha-se e é
aparentemente frágil, e não muito encorpado. Há sempre ritmo e harmo­
nia no desenho. Cada modelo é diferente do outro e a diferença é cau­
sada pela maneira pela qual a luz o atravessa e pela firmeza da mão que
segura o calidoscópio, assim como pelas posições intercambiáveis dos
pedaços de vidro colorido.
r~ Assim, ao que parece, é a personalidade. O organismo vivo tem
I dentro de si os “pedaços de vidro colorido” e a personalidade é estrutu-
/rada pela organização desses “pedaços” .

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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015

A dinâmica da vida é tal que qualquer experiência, atitude ou pen­


samento de todo indivíduo está constantemente mudando em relação à
Interação das forças psicológicas e ambientais sobre todos e cada um dos
indivíduos, de maneira que o que aconteceu ontem não tenha para ele o
mesmo sentido que tinha quando sucedeu, por causa do impacto das for­
ças da vida e da interação dos indivíduos; da mesma forma, amanhã a
experiência será integrada diferentemente.

Essa característica de mudança aplica-se também às respostas de


comportamento. Respostas que parecem bastante semelhantes dia após
dia, são às vezes descritas como hábitos, mas os hábitos parecem desa­
parecer subitamente quando o indivíduo não mais sente a necessidade
deles, ou quando um tipo mais satisfatório de comportamento é encon­

INDEX
trado .

Foi essa flexibilidade, observável na personalidade e no comporta­


mento, que abriu a porta para que se admitisse o elemento de esperança
e uma maneira positiva de considerar os indivíduos que desde o inícíõr
pareciam derrotados. Quando o indivíduo toma consciência do papel que\
pode desempenhar na direção de sua própria vida, e quando aceita a res-,
ponsabilidade que acompanha a liberdade dessa autoridade — é aí que'
está capacitado a fixar seu curso de ação com mais perfeição.

BOOKS
Por que Ema espera, espera sempre, apesar das contínuas desilu­
sões e desapontamentos? O que alimenta sua fé e a anima após cada ex­
periência chocante? Seria o acúmulo dentro dela de “sabedoria” e “ ex­
periência”, mais uma crescente consciência de sua capacidade de enfren­
tar essa situação? Estará ela ganhando confiança em seu poder de supor­
tar desapontamentos e manter-se nos próprios pés? Estará construindo
urna aceitação de sua mãe, que lhe possibilite continuar encontrando-se
com ela cada vez que a chame, através de forte fé na humanidade?
Uma criança geralmente perdoa depressa e esquece as experiên­

GROUPS
cias negativas. A menos que as condições sejam extremamente ruins, ela
aceita a vida como a encontra, tanto quanto às pessoas com quem vive.
Manifesta, por todas as maneiras, uma avidez, uma curiosidade, um gran­
de amor pela vida que a excita e encanta nos seus mais simples praze-
res. Normalmente, uma criança gosta de crescer e lutar por isso cons­
tantemente — algumas vezes, mesmo, ultrapassando-se em sua avidez. É
ao mesmo tempo numilde e orgulhosa, corajosa e temerosa, dominadora
e submissa, curiosa e satisfeita, ávida e indiferente. Ama e odeia, luta e
íaz a paz, fica encantadoramente feliz e desesperadamente triste. Por quêV
Alguns psicólogos podem explicar essas reações como exemplos de res­
postas a estímulos dados. A autora prefere explicá-las como reações de
uma criança que está crescendo, crescendo, crescendo em experiência,
crescendo em compreensão, crescendo na aceitação de si mesma e do seu

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inundo. Está assimilando todos os ingredientes que se integram na con­


figuração, exclusivamente sua, a que se dá o nome de personalidade.
Já foi dito muitas vezes que bá certas necessidades básicas dentro
de cada indivíduo e que o organismo está lutando constantemente para
as satisfazer. Quando bá uma satisfação relativamente direta, diz-se que
o indivíduo é bem ajustado. Quando o esforço de busca de satisfação das
necessidades é bloqueado, tomam-se caminhos tortuosos para se chegar
a esta satisfação. Neste caso, o indivíduo é considerado desajustado. Es­
sa é uma explicação muito superficial de ajustamento e de desajusta­
mento .
Não parece adequado deter-nos em explicações das complexas ati­
vidades do organismo humano. Certamente foi d-to pouco a respeito do
comportamento humano, nesta expiisação, para justificar as expressões

INDEX
“ respeito peio indivíduo” e “ a dignidade que é um direito nato do homem” .
De fato, inclinamo-nos a admirar o “tipo de comportamento desa­
justado” porque parece mais complexo, mais engenhoso e rnais seletivo
do que aquele que é baseado na satisfação direta das necessidades.
A personalidade parece desafiar a classificação, a estereotipia e os
compartimentos estanques. Um indivíduo que é rígido e temeroso em
uma determinada situação, ou com uma determinada pessoa, freqüente-
mente reage de maneira muito diferente sob outras circunstâncias e em
outros relacionamentos. O comportamento do indivíduo parece ser sem­

BOOKS
pre causado por um objetivo: pela completa auto-realização Quan­
do esse objetivo é bloqueado por pressões exteriores, a sua bus-.,
ca não pára, mas continua com seu “momentum” intensificado
por causa da força geradora de tensões, que é criada pelas frustrações.
Quando um indivíduo encontra uma barreira que toma mais difícil
■■t-para ele conseguir a completa realização de si mesmo, é formada uma área
de resistência, atrito e tensão. O anseio pela auto realização continua e o
compoxtamento do indivíduo demonstra que ele está satisfazendo sua as­
piração interior através de luta exterior para estabelecer seu conceito
próprio no mundo da realidade, ou que ele o está satisfazendo de forma

GROUPS
artificiosa, confinandoo em seu mundo interior, onde pode construí-lo
com menor esforço. Quanto mais se volta para o interior, mais perigoso ^
se torna; e quanto mais ele se separa do mundo da realidade, mais difícil
é ajudá-lo.
V

As manifestações do comportamento exterior dependem da integra­


ção de todas as experiências passadas e presentes, condições e relaciona--
mentos e se prestam à realização dessa aspiração interior, que continua
enquanto houver vida. Possivelmente, a di erença entre o comportamento
ajustado e o desajustado pode ser explicada assim: quando o indivíduo
desenvolve confiança suficiente em si para arrancar o conceito que tem de si^__
próprio da terra das sombras e levá-lo até a luz do sol, e, ainda, consciente

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e objetivamente dirigir seu comportamento através da avaliação, seleção


e aplicação, a fim de alcançar sua meta definitiva na vida — uma com­
pleta auto-realização — então parece éstar ajustado.
Por outro lado, quando falta essa confiança ao indivíduo para que
ele possa dirigir abertamente o seu plano de ação, quando ele parece con­
tentar-se em crescer tortuosamente, em vez de diretamente, em auto-rea­
lização, e faz pouco ou nada para que seus anseios sejam canalizados em
direções mais construtivas e produtivas, diz-se então que é um desajus-tf—~
tado.
Os vários tipos de comportamento desajustado, tais como devaneio,
fuga, compensação, identificação, projeção, regressão, repressão — e to­
dos os outros mecanismos desenvolvidos por este tipo de comportamen­

INDEX
to — parecem ser uma prova das tentativas interiores do indivíduo de
aproximar-se de uma realização completa do conceito de si próprio. Mas
essa realização é alcançada de maneira “distorcida” . O comportamento
do indivíduo não está de acordo com o conceito interior de si mesmo que
ele criou em sua tentativa de alcançar a completa auto-realização. Quan­
to mais separados estão o comportamento e o conceito, maior é o grau ^
de desajustamento. Quando o comportamento e o conceito se equivalem,
e este, que se constrói dentro do indivíduo, encontra expressão exterior
adequada, então se diz que o indivíduo é ajustado. Não há mais um fo­
co distorcido. Não há mais conflito interior.

BOOKS
Por exemplo, Ema quer ser um indivíduo respeitado e reconhe­
cido como alguém de importância. Quer sentir que é uma pessoa ama­
da, útil e capaz. Seu meio ambiente coloca a numa situação em que lhe
são negadas as condições necessárias para demonstrar exteriormente seus
anseios interiores para afirmar-se a si mesma ou à sua personalidade
consciente. Por isso, tenta adquirir isto de maneira tortuosa. Ela men­
te, luta e se recolhe ao mundo de seus sonhos, onde pode realizar seu
auto-conceito.
O

GROUPS
mesmo acontece com Tom, Timmy e Bobtay. Parece que estas”)
crianças — como qualquer outra — precisam tér o sentimento de auto-;
estima. Esse sentimento é algumas vezes criado na criança por amor e se-j
gurança e uma consciência de que pertence a alguém; mas, esses fatores
parecem ser provas, para a criança, de que está sendo aceita como j
um indivíduo de valor, em vez de apenas satisfazer a sua necessidade de
amor e de segurança. As crianças, cujos casos são descritos nesse livro, I
não possuem, em sua maioria relacionamentos que lhes forneçam amor, se- 1
gurança e o sentimento de pertencerem a alguém. No entanto, através do \
processo terapêutico, adquiriram o necessário sentimento de valor pessoal, \
o sentimento de serem capazes de dirigir a si mesmas, uma consciência \
crescente de que tinham dentro de si a capacidade de se manterem sobre -J

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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015

seus próprios pés, de se aceitarem e de assumirem a responsabilidade de


suas personalidades conscientes. Assim fazendo, foi-lhes possível sincronizar
as duas projeções de suas personalidades — o que o indivíduo é dentro de sl
e de que maneira manifesta exteriormente esse eu-interior.
; O indivíduo reage desse modo por causa da configuração total de
todas as suas experiências. Sua reação é algo denso e complexo, que pede
clarificação, objetividade, aceitação e a responsàbilidade de fazer alguma
coisa para isso.

T E R A P IA N Ã O -D IR E T IV A

! A terapia não-diretiva é baseada no pressuposto de que o indiví­


duo tem dentro de si mesmo não só a capacidade de resolver os seus

INDEX
1 problemas satisfatoriamente, mas também esse impulso de crescimento
que faz o comportamento maduro mais satisfatório do que o comporta­
mento imaturo.
Esse tipo de terapia começa no ponto em que o indivíduo está e
aí baseia seu processo, permitindo mudanças de minuto a minuto du-
( rante o contato terapêutico; a velocidade da reorganização dep_enda~.das
experiências, atitudes, pensamentos e sentimentos que provocam o “ in-
sight”, o qual é um pré-requisito para uma terapia bem sucetUd^.

BOOKS
í A terapia não-diretiva permite ao indivíduo ser ele mesmo, acei-
tar-se completamente, sem avaliação ou pressão para mudança: reconhe­
ce e esclarece as atitudes emocionais expressas pela reflexão do que o
cliente expressou; é por esse processo de terapia que se ofereoe ao IH-
divíduo a oportunidade de ser ele mesmo, de aprender __a_se conhecer, de
traçar seu próprio curso abertamente e às claras — de rodar o calidos-
cópio, por assim dizer, de maneira que ele forme um desenho mais sa­
tisfatório para sua vida.
f Quando alguém considera o problema de Tom, Ema, Timmy e

! GROUPS
Bobby e as provas evidentes de que essas crianças estão desenvolvendo
personalidades “ deformadas”, esse alguém é desafiado a fazer algo "para
ajudar a cada uma delas a se entender, a se libertar de suas tensões e
frustrações e a se conscientizar das poderosas forças que tem dentro de
si e que estão lutando continuamente para seu crescimento, maturidade
e realização.

L U D O T E R A P IA

( A ludoterapia não-diretiva, como foi dito antes, pode ser descrita


como uma oportunidade que se oferece à criança de poder' crescer sob
( melhores condições. Sendo o brinquedo seu meio natural de auto-expres-
são lhe é dada a oportunidade de, brincando, expandir seus sentimentos

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14 INDEX BOOKS GROUPS
INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015

acumulados de tensão, frustração, insegurança, agressividade, medo, es­


panto e confusão.
Libertando-se desses sentimentos através do brinquedo, ela se cons­
cientiza deles, esclarece-os, enfrenta-os, aprende a controlá-los, ou os es­
quece. Quando ela atinge uma certa estabilidade emocional, percebe sua
capacidade para se realizar como um indivíduo, pensar por si mesma, to- 4 —
mar suas próprias decisões, tornar-se psicologicamente mais madura e,
assim sendo, tomar-se pessoa.
, —J A sala de ludoterapia é um bom lugar de crescimento. Na segu-
/rança dessa sala, onde a "criança” é a pessoa mais importante, onde ela
[ está no comando da situação e de si mesma, onde ninguém lhe diz o
que deve fazer, ninguém critica o que faz, ninguém a importuna, faz su­

INDEX
gestões, estimula-a ou intromete-se em seu mundo particular, subitamen­
te ela sente que pode abrir suas asas, pode olhar diretamente para den­
tro de si mesma, pois é aceita completamente. Pode pôr à prova suas
idéias; pode expressar-se completamente, pois esse é seu mundo e não
tem que competir mais com outras forças, tais como a autoridade adul­
ta, rivais contemporâneos ou situações onde ela é um penhor humano
no jogo entre pais contendores, ou onde é o alvo das frustrações e agres­
sões de outras pessoas. Ela é um indivíduo dentro do seu próprio direi­
to. É tratada com dignidade e respeito. Pode dizer qualquer coisa que

BOOKS
sinta da maneira que quiser — e é aceita completamente. Pode brincar
com os brinquedos do modo que gostar — e é aceita completamente. Po­
de odiar e amar e ser tão indiferente quanto uma estátua — e ainda é
aceita completamente. Pode ser rápida como um furacão ou lenta como
uma tartaruga — e não é nem contida nem apressada.
fi uma experiência única para a criança descobrir de repente que
as sugestões, ordens, recriminações, restrições, críticas, desaprovações, aju­
das e intrusões dos adultos desapareceram . Tudo isso é substituído pe-
la aceitação completa e pela situação permissiva que lhe possibilita ser

GROUPS
ela mesma.
Não é de se estranhar que a criança, durante seu primeiro contato
terapêutico, freqüentemente demonstre espanto. O que vem a ser isso?
Fica desconfiada e curiosa. Durante toda a sua vida, sempre houve al­
guém para ajudá-la a viver. É possível que houvesse até quem tivesse
determinado viver a sua vida por ela. De repente, essa interferência de­
saparece, e ela não vive mais à sombra de alguém que a obscureça. Vê-
se, de repente, à luz do sol e as únicas sombras são as que ela própria
quer lançar.
fi um desafio. E algo profundamente enraizado na criança respon­
de a esse desafio claramente sentido para "ser” — para exercitar esse po­
der de vida dentro de si mesma, dirigi-lo, torná-lo mais útil, decisivo e in­
dividual.

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Tenta fazê-lo — primeiramente de maneira hesitante — depois,


à medida que sente liberdade e segurança na situação terapêutica, avan­
ça com mais firmeza na exploração das possibilidades dessa experiência.
Não está mais bloqueada por forças exteriores e o impulso dentro de si
mesma para crescer não tem barreiras a contornar. A resistência psico­
lógica que anteriormente encontrava, desapareceu.

A presença na salã de brinquedos de uma terapeuta compreensiva


e amigável, que a aceite, dá-lhe essa sensação de segurança, fortalecida
pelo pequeno número de limitações. A participação da terapeuta, duran­
te o contato terapêutico, reforça também o seu sentimento de segurança.
A terapeuta é sensível ao que a criança está sentindo e expressando atra­
vés de seu brinquedo e de sua verbalização, Ela reflete essas atitudes emo­

INDEX
cionalmente expressas, de tal maneira que a ajude a compreender-se me­
lhor. Ela respeita a criança, sua capacidade de manter-se sobre seus pró­
prios pés e de tomar-se um indivíduo mais maduro, independente, se lhe
é dada uma oportunidade para isso.

Além disso, para ajudar a criança a obter uma melhor compreen­


são de si mesma, através do reflexo de suas atitudes emocionais, a tera­
peuta também lhe proporciona o sentimento de que a está compreenden­
do e aceitando, sempre independentemente do que ela diga ou faça. A s-^l_,

BOOKS
sim a terapeuta dá-lhe a coragem para aprofundar-se no seu mundo in­
terior e de lá trazer o seu eu verdadeiro.
k Para a criança, a terapia é realmente um desafio a este impulso
interior que está constantemente lutando pela realização. Um desafio que
nunca foi ignorado na experiência da autora com crianças. A velocidade
com que elas utilizam essa oportunidade varia de pessoa para pessoa,
mas o fato de que essa variação nos graus de crescimento vem a ocorrer
durante a experiência de ludoterapia, já foi demonstrado muitas vezes.
Para a terapeuta, é uma oportunidade de testar a hipótese de que,

GROUPS
se lhe é dada uma chance, a criança pode e realmente torna-se madura,
mais positiva em suas atitudes, e mais construtiva na maneira pela qual
expressa esse impulso interior.
A autora acredita que é essa mesma força interior para a auto rea­
lização, maturidade e independência que cria também as condições para
o que chamamos desajustamento, que parece ser ou uma determinação
agressiva da parte da criança para ser ela mesma, seja de que modo for,
ou uma grande resistência ao bloqueio de sua completa auto-expressão. Por
exemplo, quando Tom é repreendido por seus pais, professores, amigos,
porque sua atitude e comportamento tornaram-no inaceitável para eles,
então ele teima em conservar-se assim, embora eles o ataquem. Lutará
contra eles. Picará emburrado. Há de desafiá-los. Fingirá que cuspiu na

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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015

bandeira. E, em sua completa frustração e conflito, chorará desespera­


do. Isso parece ser também verdadeiro quanto às outras crianças men­
cionadas neste livro.

Estão lutando pela maturidade, pela independência e pelo di­


reito de serem elas mesmas.

Se o leitor examinar todo o material ilustrativo desse livro, tendo


em mente uma pergunta — Na realidade que aconteceu a essa criança du­
rante a hora de terapia? — a resposta parece saltar diante dele. Deu-se
à criança a oportunidade de canalizar esse crescimento interior para um
modo de vida positivo e construtivo. Ela se agarrou avidamente a essa
oportunidade, e é capaz de resolver seus próprios problemas, de fazer

INDEX
suas próprias escolhas, de assumir responsabilidades pelo que faz, muito
mais do que lhe é usualmente permitido.

Citações do que as crianças disseram ao descreverem a experiên­


cia de ludoterapia, levando-se em conta que foram observações feitas
espontaneamente, são mais conclusivas do que essa experiência represen­
ta para elas do que qualquer coisa que a terapeuta possa dizer.
Três meninos de oito anos estavam tendo sessões de lu­
doterapia de grupo. Durante a oitava entrevista, Herby, de repente, per­

BOOKS
guntou à terapeuta: “Você tem de fazer isso? Ou você gosta de fazer is­
so?” E acrescentou: “ Eu não saberia como fazê-lo” . Ronny perguntou:
“Que quer dizer com isso? É só brincar, e pronto. Só brincar.” E Owen
concordou com Ronny: "Claro que sim.” Mas Herby continuou a dis­
cutir: “Quero dizer que não saberia fazer como ela faz. Nem sei bem o
que ela faz. Ela parece não fazer nada. Só que, de repente, estou livre.
Dentro de mim, estou livre.” (Abre largamente os braços) “Sou Herby,
Frankenstein e Tojo, e um diabo.” (Ri e b a te no peito) “ Sou um gran­
de gigante e um herói. Sou maravilhoso e terrível. Sou bobo e esperta­
lhão. Sou duas, quatro, seis, oito, dez pessoas ao mesmo tempo, e luto
e mato.”
GROUPS
Terapeuta: “Você é várias pessoas numa só”
Ronny: “E você fede também.”
Herby (lançando um olhar a Ronny): “ Se eu fedo, você fede tam­
bém.”

Terapeuta: “Você é varios tipos de pessoa quando está aqui. É


maravilhoso e terrível, bobo e espertalhão. . . ”
Herby (interrompendo-a, exultante): “Sou bom e ruim e ainda con­
tinuo sendo Herby. Estou lhes dizendo que sou maravilhoso. Posso ser
qualquer coisa que quiser.”

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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015

Aparentemente, Herby sentiu que durante a hora de terapia podiá


exprimir livremente todas as atitudes e sentimentos que eram uma ex­
pressão de sua personalidade. Sentiu a permissividade e a aceitação que lhe
'permitiam ser ele mesmo. Pareceu reconhecer o poder de auto-direção
que tinha dentro de si.

Outro menino de doze anos comentou durante a primeira sessão


de terapia: “É tudo tão estranho. Tão diferente. Aqui você diz que eu
posso fazer o que eu quiser. Não me diz o que devo fazer. Posso fazer
um bonequinho de argila com a cara de minha professora de trabalhos
manuais, e dar ela pro jacaré comer.” Riu. “Posso fazer qualquer coisa.
Posso ser eu!” -
Billy, de cinco anos de idade, sempre se referia a si próprio na se­

INDEX
gunda ou na terceira pessoa. Quando queria fazer alguma coisa, como
tirar seu casaco, por exemplo, ele diria: “Você vai tirar seu casaco”, ao
invés de “Vou tirar meu casaco.” Ou "Você vai pintar”, em vez de “Vou
pintar.” Gradativamente, durante as sessões de terapia, Billy tomou-se “eu”
e, no fim de uma sessão, disse: “Eu achei a areia interessante hoje.” Du­
rante o sexto contato, finalmente, entrou na caixa de areia, sentou-se e
correu os dedos pela areia branca e limpa, e disse com uma nota de en­
cantamento na voz: “Hoje, eu entrei na caixa de areia. Aos poucos eu
entrei na areia.”

BOOKS
Era bem verdade. Semana após semana, fora chegando cada vez
mais perto da areia, até que, como dissera: “Hoje, eu entrei na caixa de
areia.”

Descobrir seu caminho, testar a si próprio, deixar revelar sua per­


sonalidade, tomar a responsabilidade por seus próprios atos — isso é o
que acontece durante a terapia.
Dúzias de exemplos semelhantes poderiam ser citados. Cada expe­
riência terapêutica demonstra essa manifestação típica: a criança adqui­

GROUPS
re a coragem de seguir em frente e de se tomar um indivíduo mais ma­
duro e independente.
Desde que o elemento de completa aceitação da criança parece ser
de tão vital importância, vale a pena um estudo mais profundo. Aceita­
ção de quê? A resposta parece ser — aceitação da criança e a firme cren­
ça de que esta seja capaz de auto-determinação — respeito por sua ca­
pacidade de tomar se um ser humano pensante, independente e constru­
tivo.

A aceitação parece também implicar numa compreensão desse mo­


vimento ininterrupto em direção à completa auto-realização, como um
indivíduo psicologicamente livre e que, portanto, pode funcionar com
sua capacidade máxima. Uma pessoa ajustada é aquela que não encontra

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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015

excesso de obstáculos em seu caminho — e a quem se deu a oportuni­


dade de se libertar e de se fazer independente e dona de si. A desajustada
é aquela a quem, de uma maneira ou de outra, negou-se o direito de con-
seguir tudo isso sem ter de lutar^ Um exame de nossos arquivos demons­
tra-o repetidamente. As vezes o indivíduo é rejeitado e posto de lado.
Às vezes, é sufocado por cuidados que, ao mesmo tempo que o amparam,
tornam mais difícil para ele romper as barreiras. Os indivíduos não ma­
nifestariam os sintomas de seu comportamento, a menos que estivessem
lutando para conseguir um status individual. Os caminhos que buscam
para isso são muitos e variados, mas têm em comum a resistência do
indivíduo contra o bloqueio de sua maturidade e independência. Mesmo-!
a criança dominada, que se torna rigidamente dependente, consegue in- j

INDEX
dependência deste modo. A criança mimada, que se recusa a aprender a j
ler na escola, parece, à primeira vista, estar lutando por independência e j
maturidade. Este poderia ser o caminho mais eficaz que descobriu para \
manter-se no controle da situação, e é por isso tuna satisfação para ela, i ■
já que isso expressa seu poder de dirigir-se e de individualizar-se. Esta V
é uma hipótese que traz controvérsia e é apresentada apenas como vima f
interpretação de observações primárias feitas em relatórios de ludotera- j
pia: o crescimento interior do indivíduo ocorre algumas vezes, num es- \
paço de tempo inacreditavelmente pequeno, mas está sempre presente, |
seja em grau maior ou menor. —

BOOKS
_J Muitos casos comprovam que a única necessidade do indivíduo é
viver sem amarras, ser libertado e poder expandir-se completamente, sem
se desgastar numa luta frustrante, para que seu impulso interior possa ser
^satisfeito. Isso não significa que ele tenha se preocupado tanto consigo
mesmo, que o resto do mundo cesse de existir para ele. Significa que ele
aspira à liberdade de realizar naturalmente esse impulso interior, sem que
seja necessário fazer disso o objetivo central de sua vida; e, ainda, cana­
lizar todas as suas energias para uma luta contra barreiras que impedem
sua maturidade e que tornam sua atenção voltada para o interior de si
mesmo.
GROUPS
Quando esse impulso interior é satisfeito natural e constantemen­
te — desde que crescimento é um processo contínuo, tanto quanto a vi­
da — isso é excelente. O indivíduo adquire maturidade física e precisa
adquirir maturidade psicológica, para equilibrar a balança.

Assim como o indivíduo utiliza sua crescente independência física


para estender os limites de seu potencial físico, ele usa sua crescente
independência psicológica para alargar as fronteiras de sua capacidade
mental.

A criança que sabe correr, anda mais depressa do que a que só sa­
be engatinhar. A que aprendeu a falar pode comunicar-se de maneira

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f

Çmuito mais eficaz do que a que apenas sabe balbuciar. Com a maturi-
\dade, vem o crescimento do indivíduo para abarcar o mundo, na medida
~*jem que lhe é possível incorporá-lo ao seu esquema de vida. E é assim
< durante a vida inteira. A criança psicologicamente livre pode obter mul­
to mais, de uma maneira construtiva e criadora, do que outra que gasta
todas as suas energias numa batalha tensa e frustrante para se libertar e
atingir o seu status como indivíduo.
Ela será um indivíduo. Se não o conseguir por um meio legítimo,
procurá-lo-á através de ações substitutas. É assim que a criança tem
acessos de mau-humor, faz pirraças, fica emburrada, sonha acordada, bri­
ga e tenta chocar os outros com seu comportamento. Os professores di­
zem muitas vezes, quando tentam “manobrar” uma dessas exibições: “Dê­
em-lhe alguma responsabilidade dentro da sala!” — e têm usado outros

INDEX
artifícios semelhantes, tentando vir de encontro à necessidade da criança
de ser reconhecida como uma pessoa de valor. Similarmente, durante a
ludoterapia, dá-se à criança a possibilidade de realizar esse poder que tem,
dentro de si, de tornar-se ela mesma.

Os brinquedos auxiliam o processo porque são o meio natural de"


auto-expressão da criança. É o material geralmente concedido à criança
àr-
como propriedade sua. Brincar livremente é para ela uma expressão do
que quer fazer. Ela pode orientar o seulSundoTÈ essa a razão pela qualj,

BOOKS
i^o terapeuta não deve dirigir o brinquedo de maneira algumaj Ele coloca,
nas mãos da criança o que lhe pertence — nesse caso, os brinquedos, e o
seu uso não-dirigido. Quando ela brinca livremente e sem ser dirigida, es­
tá expressando a sua personalidade. Está experimentando um período de
pensamento e ação independentes. Está liberando os sentimentos e atitudes
que desde há algum tempo vêm lutando para sair em campo aberto.

Por isso é que não parece necessário dar à criança a consciência de


I que ela tem um problema para que ela possa usufruir das vantagens da
sessão de terapia. Muitas crianças utilizaram a experiência terapêutica e

GROUPS
emergiram dela com sinais visíveis de atitudes mais maduras, e mesmo
•s assim, nunca chegaram a tomar consciência de que isso era mais do que
l um período de brinquedo livre.

A ludoterapia não-diretiya não pretende ser um meio de substituir


um tipo de comportamento “pouco desejável”, por outro que é conside­
rado mais desejável pelos padrões adultos. Não é uma tentativa de impor
à criança a voz da autoridade, que diz: "Você tem um problema. Eu que­
ro que você o corrija” . Quando isso acontece, a criança o recebe com re­
sistência — seja ela ativa ou passiva. Ela não quer ser manipulada. Aci­
ma de tudo, luta para ser ela mesma. Padrões de comportamento que não
foram escolhidos por ela são coisas inconsistentes que não valem a pena
o tempo e o esforço requeridos para forçar sua assimilação.

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O tipo de terapia que estamos descrevendo é baseado numa teoria


positiva das capacidades individuais. Não está limitado a nenhum cresci­
mento do indivíduo. É, antes de tudo, um ponto de partida. Começa on- /j*~
de o indivíduo está e deixa-o ir tão longe quanto ele é capaz de ir. Por is­
so é que não há entrevistas de diagnóstico antes da ludoterapia. Sem levar
em conta o comportamento sintomático, o indivíduo é encontrado pelo te­
rapeuta no ponto em que está. É essa a razão porque a interpretação de­
ve ser evitada o mais possível. O que aconteceu no passado, é fato passa­
do. Já que a dinâmica da vida está constantemente mudando a relativi­
dade das coisas, uma experiência passada é colorida pelas interações da vi­
da e está também constantemente mudando. Tudo que tente impedir o
crescimento do indivíduo é uma experiência bloqueadora. Trazer à tera­

INDEX
pia o seu passado, elimina a possibilidade de que ele tenha crescido nesse
meio tempo, e, conseqüentemente, o passado não tem mais o mesmo sen­
tido que tivera anteriormente. Perguntas de sondagem são também elimi­
nadas pela mesma razão. O indivíduo selecionará as coisas que, para ele,
são mais importantes, quando estiver pronto para fazê-lo. Quando o tersH
peuta não-diretivo diz que a terapia está centrada no cliente, realmente ]
quer dizer isso, porque, para ele, o cliente é a fonte de poder vivo que di-1
rige o crescimento de dentro para fora.

Durante uma experiência de ludoterapia, esse tipo de relacionamen­

BOOKS
to é feito entre o terapeuta e a criança, o que permite à última revelar
seu verdadeiro eu e, — conseguindo a sua aceitação — e através dessa acei­
tação, tendo crescido sua auto-confiança — ela é mais capaz de estender
as fronteiras da sua personalidade.

A criança mora num mundo todo seu e poucos são os adultos que a
compreendem realmente. A vida moderna é tão agitada e opressora, que
fica difícil, para a criança, estabelecer com os adultos o relacionamento
íntimo e delicado que é necessário à compreensão do que se passa em seu
interior. Muitas pessoas tentam explorar a sua personalidade e, assim,

GROUPS
ela defende a sua identidade. Mantém-se de lado, divertindo-se com coi­
sas que para ela são muito mais interessantes e importantes.
Inclinada atentamente sobre uma coisa qualquer, a criança satis- j
faz sua insaciável curiosidade e seus interesses sensoriais. O adulto 1
acha graça ou a critica, quando ela anuncia, tendo na voz a emoção de \ ^
uma verdadeira descoberta: “ Olha, essa areia é áspera, grossa e não tem
gosto de nada. Gosto de nada é assim?” Ou: “Essa tinta de dedo está suan­
do — suando como lama vermelha ou lama verde — êta laminha suada!”
Ou a observação: “ Gente indo do trabalho pra casa, do trabalho pra casa,
do trabalho pra casa. Indo pro leste quando vão do trabalho pra casa —
Indo jantar. Amanhã vão voltar de novo. Vão voltar de novo. Vão voltar
de novo pro oeste. Virão pro oeste de manhãzinha e voltarão pro traba­
lho.” Ou, no caso do menininho de cinco anos que está olhando pela ja-

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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015

nela, para uma grande igreja que há na vizinhança: “Olha lá a igreja, o


igrejão. A igreja que sobe até lá no céu. A igreja que toca música. A igre­
ja que toca uma, duas, três, quatro vezes quando são quatro horas. Um
igrejão com estacas em volta e onde todo o pessoal vai.” E após uma
longa pausa: “E céu! Um montão de céu, lá em cima. E um passarinho.
E um avião. E fumaça.” E depois de uma pausa mais longa: “E Dibs na
janelinha, olhando pr’aquele trenhão.”
"Daqui aquilo ali parece enorme pra você”, disse-lhe a terapeuta, tran­
qüilamente.
“É verdade. Grandãp. Muito grandão.”
“Tudo parece grande, muito grande”, disse a terapeuta.
Dibs sai da janela. Ele suspira. "Mas Dibs não”, disse ele. “Dibs não

INDEX
é do tamanho da igreja.”
Há ritmo, poesia e agudeza nessa observação. Os adultos estão às
vezes tão apressados, que não têm tempo para apreciar as crianças. O
menininho de cinco anos que fez essa observação, três meses antes fora
classificado como “estranho, lento, incapaz de comunicação com os ou­
tros.”
Nossa cultura impõe a dependência na criança — mas ela continua
a crescer independente em seu mundo interior. Na hora da terapia — uma

BOOKS
vez que a criança tenha adquirido confiança no terapeuta e o tenha acei­
tado tanto quanto ele a aceitou — passa a compartilhar com ele seu mun­
do interior e, através dessa participação, alargam os horizontes de seus
mundos.

T E R A P IA N Ã O -D IR E T IV A EM G R U PO

Falamos até agora, em nossa discussão, somente da terapia indivi­


dual. Atualmente as técnicas de ludoterapia não diretiva podem ser apli­
cadas também em grupo. A terapia de grupo é uma experiência tera­

GROUPS
pêutica não-diretiva acrescida dos elementos da avaliação simultânea do
comportamento e das reações das personalidades umas sobre as outras.
A experiência em grupo insere na terapia um elemento bastante realista,
porque a criança convive com outras crianças, tendo, portanto, que con­
siderar as reações delas e desenvolver um respeito aos sentimentos de
cada uma. Entretanto, o grupo que participa da terapia não-diretiva não
é como um “ clube”, um "grupo recreativo” ou “grupo educacional”; nem
é considerado como substituto para uma "situação familiar.”
É óbvio que em casos onde os problemas das crianças são centra­
lizados em torno do ajustamento social, a terapia em grupo -pode ser me­
lhor sucedida que o tratamento individual. Por outro lado, em casos on­
de os problemas giram em tomo de uma dificuldade emocional, profun-

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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015

damente localizada, a terapia individual parece ser melhor para a crian­


ça. Uma vez que freqüentemente é impossível determinar exatamente o
que é o elemento fundamental dos problemas da criança, talvez seja a
melhor politica lhe oferecer ambos os contatos — individual e em gru­
po — quando tal arranjo é possível.
Os problemas de terapia em grupo são melhor discutidos na tercei­
ra parte, onde a aplicação dos princípios não-diretivos é discutida deta­
lhadamente; também no capítulo 18, onde um registro completo da te­
rapia em grupo é apresentada e avaliado e, no capítulo 19, no qual é
apresentado o caso de Ema, em que se fez uma combinação dos dois ti­
pos de contatos.

S E M E L H A N Ç A S COM O A C O N S E L H A M E N T O N Ã O -D IR E T IV O

INDEX
Os princípios da ludoterapia não-diretiva, que são discutidos neste
livro, são baseados na técnica de aconselhamento não-diretivo, a qual foi
desenvolvida pelo Dr. Cari R. Rogers, e é explicada detalhadamente no -àF
seu livro Counseling and Psychotherapy (1)
O aconselhamento não-diretivo é, em verdade, mais que uma técnica.
É uma filosofia das potencialidades humanas que realça a capacidade in­
terior de cada indivíduo se dirigir. É uma experiência que envolve
duas pessoas e que dá unidade de propósito àquela que está procurando

BOOKS
ajuda — tomar consciência da maneira mais completa possível do concei­
to que tem de si mesma, emergir num todo integrado sem conceitos con­
flitantes entre o “eu” e o “mim”, ou seja, entre o auto-conceito interior e o
comportamento exterior.
Considerando-se a ênfase fundamentalmente localizada na partici­
pação ativa do indivíduo nesta experiência evolutiva, o termo “não-dire­
tivo” parece não ser adequado. Enquanto esse termo descreve acurada­
mente o papel do conselheiro o qual é mantido por suficiente auto-disci-
plina para freiar qualquer impulso que possa tirar a responsabilidade do

GROUPS
cliente, é certamente inadequado quando se refere ao papel do cliente.
Ao invés deste, o termo “terapia auto-diretiva" parece dar uma descrição
mais honesta e acurada.
O relacionamento estabelecido entre o conselheiro e o cliente, neste
tipo de terapia, é um resultado das atitudes básicas do terapeuta, as quais
lhe tornam possível aceitar, sem reservas, os direitos inalienáveis do in­
divíduo se auto-dirigir. O conselheiro não põe ou tira estas atitudes como
um paletó; elas são parte integrante de sua personalidade.
Baseada nestas atitudes do terapeuta, a estrutura da terapia auto-c
retiva abrange: completa aceitação do cliente como ele é e permissividac

(1 ) — B oston : H oughton M if flin Com pany, 1041'

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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015

para que este use a hora de aconselhamento da maneira que achar apro­
priada. Ele é quem indica o caminho que a entrevista deve seguir. Sele­
ciona o que lhe é importante. Assume a responsabilidade de tomar de­
cisões. Faz as interpretações. E supera seu problema na atmosfera de
mútuo respeito que caracteriza este relacionamento. Traça o seu curso
de ação — um curso positivo que corresponde ao seu impulso interno em
^direção à maturidade.
Embora tenhamos enfatizado bastante a parte do cliente, o conse­
lheiro não é um agente passivo nesta experiência. De certa forma ele é o
desencadeador da reação, que habilita o cliente a discernir suas atitudes
emocionais e, pela avaliação intelectual delas, o faz aceitá-las ou não na
reorlentação de seus pontos de vista.

O conselheiro obtém este resultado pelo desenvolvimento de uma com­

INDEX
preensão de seu cliente, a qual o sensibiliza para as atitudes emocionais que
vão sendo expressas por ele. Através de clarificações acuradas e seletivas
dessas atitudes expressas, o terapeuta as isola áa torrente de emoções, de
forma que o cliente possa identificá-las e conhecê-las pelo que são: e,
conseqüentemente, constrói um consistente código de valores, que lhe
dá força e estabilidade para manter um honesto relacionamento com os
jDutroa.

O conselheiro é modesto em sua conduta e, em momento algum,


precede seu cliente, uma vez que sabe que este é seu próprio condutor

BOOKS
que “ele", não o terapeuta, é o fator determinante de seu comportamento.
No cálido e amigável relacionamento que o conselheiro estabelece,
o cliente é capacitado a se enfrentar honestamente, a sentir-se seguro
neste relacionamento genuinamente cooperativo e a experimentar uma
absoluta conjunção neste esforço de obter um completo auto-conheci-
mento e auto aceitação. Como resultado de um bem sucedido aconselha­
mento não-diretivo, o cliente parece adquirir uma sólida filosofia de vi­
da, a qual é resumida nos seguintes termos: ele ganha respeito por si
mesmo como um indivíduo de valor, aprende a aceitar-se, concede a si

GROUPS
mesmo a permissividade para utilizar todas as suas capacidades, assume
responsabilidades por si mesmo. Além disso aplica esta filosofia no seu re­
lacionamento com os outros — já que ele tem o verdadeiro respeito e
aceitação deles como são, e acredita em suas capacidades, ele acaba por
lhes conceder permissividade para utilizarem-se delas, deixando-os assumir
suas próprias responsabilidades e tomar suas próprias decisões.
Quando as técnicas não-diretivas ou auto-diretivas são aplicadas ao
tratamento de crianças, seus resultados são grandemente significativos.
Se uma criancinha rejeitada, insegura, sem amor, sem sucesso, sem qual­
quer sentimento de posse, encontra este desafio para realizar plenamente
os seus mais íntímos potenciais, pode opor-se às ignominiosas humilha­

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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015
f
I

ções de sua sorte e mostrar sinais positivos de um comportamento mais


maduro e responsável. Se isso acontece, então os educadores e assisten­
tes sociais e industriais deveriam considerar valioso reexaminar como são
empregadas suas contribuições para o desenvolvimento do indivíduo e
reconhecer a capacidade potencial de cada um, contribuindo para um me­
lhor relacionamento humano. Aqui, também, a responsabilidade do indi­
víduo para com os outros está na razão direta da quantidade de Uber­
dade que lhe é confiada.
Quando a pessoa aprende a se conhecer completamente, então tor­
na-se seu próprio guia e é um homem verdadeiramente livre. Se o acon­
selhamento — ou psicoterapia (chame-o como quiser) — não-diretivo é
um meio de libertação individual que pode tornar o indivíduo mais es­
pontâneo, criador e feliz, então é necessário maior estudo e sua aplica­
ção em maior escala.

INDEX
Se isto parece ser um meio de oferecer hospitalidade emociona-j
para as crianças atribuladas e confusas, então parece muito justo que seja
tentado.
Agora que já tivemos uma introdução geral à ludoterapia, antes que
nos dediquemos a um estudo mais detalhado da situação terapêutica e
dos princípios que governam sua conduta, voltemos a um caso atual pa­
ra ver como a ludoterapia não-diretiva funciona. Vamos ao caso de Tom.
aquela criança-problema que encontramos no capítulo 1.

BOOKS
COMO F U N C IO N A A L U D O T E R A P IA ?

O CASO DE TOM

Tom tinha 12 anos, inteligência acima da média, boa aparência, mas


era seriamente desajustado em casa e na escola. Foi levado à ludoterapia
porque era anti social, agressivo e se desculpava dizendo que todo mundo
o tratava mal. Tinha um padrasto e vima meia-irmã muito mais nova,
que era a preferida da família.

GROUPS
Passara a maior parte de sua vida com a avó materna, mas, dois
anos antes de ter sido levado à ludoterapia, sua mãe o havia trazido para
morar com ela, o padrasto e a meia-irmã. Tom não se deu bem com eles.
Nem com as outras crianças na escola, porque nunca lhe haviam permi­
tido brincar com outras crianças atá aquela idade, tendo, portanto, pro­
blemas de ajustamento à vida em comum.
Nesse caso o leitor notará como o menino rápida e nitidamente ex­
primiu seus problemas, principalmente através do uso de fantoches co­
mo meio de expressão. É interessante notar como as atuações dos fanto­
ches representaram seus relacionamentos. O pai e o diretor da escola re

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presentavam uma autoridade ditatorial para ele. Seus sentimentos ambi­


valentes em relação ao pai mostravam-se através de dois papéis diferen­
tes, representados pelos fantoches: primeiro ele batia no “pai” e depois,
defendia-o. A brincadeira da criança estava definitivamente relacionada
com seus sentimentos, atitudes e problemas.

PRIMEIRO CONTATO

Tom veio para a sala de brinquedos de paletó e chapéu e assentou-


se à mesa. Tinha nas mãos um apito de metal e ficou mexendo com ele
o tempo todo em que esteve sentado. Evitava os olhos da terapeuta.
Tom: Bem, aqui estou eu. Vim justamente porque... por curiosi­

INDEX
dade. Eu não conseguia entender o que minha mãe estava falando. Ela
me disse que você ia me ajudar com meus problemas, mas eu não tenho
nenhum problema.
Terapeuta: Você acha que não tem nenhum problema, mas sua curio­
sidade faz você querer examinar isto.
Tom: Oh! Sim! Eu sou curioso, sempre meto meu nariz em tudo.
Achei que deveria vir e ver.
Terapeuta: Você gostaria de ver como é o aconselhamento.

BOOKS
Tom: Aconselhamento. Esta é a palavra que eu não conseguia lem­
brar. Ah! Eu não tenho problema nenhum. (Pausa.) Exceto que... B em ...
Hummm... Meu pai... Padrasto realmente... Eu não posso ficar mo­
rando com ele e nem ele comigo, e, quando ele está em casa e eu também,
há problemas, problemas, problemas. Eu faço muito barulho. Eu estou
atrapalhando. Só sei que nós não podemos ficar juntos. A única hora
em que eu consigo aguentar minha casa é quando ele não está.
Terapeuta: Você e seu pai não conseguem ficar juntos.

GROUPS
Tom: meu padrasto
Terapeuta: Seu padrasío.
Tom: Mas eu não tenho nenhum problema.
Terapeuta: Você acha que o fato de você e seu padrasto não pode­
rem ficar juntos não seja um problema.
Tom: Não, isso mesmo. Todos os meninos me perseguem. Eles não
gostam de mim. (Pausa.) Acho que nada tenho a dizer. Mamãe disse que
eu ia falar sobre meus problemas, mas eu não tenho nenhum.
Terapeuta: Vamos esquecer o que sua mãe disse. Vamos falar sobre
qualquer coisa que você queira, ou não conversar sobre coisa alguma, se
você prefere.

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Tom: Como o episódio da bandeira na semana passada, por exem­


plo? Você quer ouvir sobre isto? A turma me atacou porque eu disse que
cuspi na bandeira e disse “Heil Hitler!” A turma toda avançou ém mim,
mas eu não cuspi de verdade, não, eu só falei para fazer raiva neles. Acre­
dite. E consegui.
Terapeuta: Você queria enfurecê-los e na verdade o fez.
Tom: Eu não sei porque fiz isso. Eu, na verdade não cuspiria na
bandeira. Eu sou um bom americano. Eu tenho respeito bastante pela
bandeira para não cuspir nela. Mas é isto que eu fiz. Eles me atacaram
em turma e me bateram. Tinha muitos contra mim.
Terapeuta: Você não consegue entender porque às vezes faz coisas

INDEX
como esta.
Tom: Nem porque eu brigo às vezes. Eu só... mas eu nãò tenho
nenhum problema.
Terapeuta: Você não gosta de admitir que tem problema.
Tom (rindo): Depende do tamanho dele. Eu tenho coisas maiores
que problemas. Meu pai adotivo. Nossa professora substituta, caramba,
ela é danada. E ninguém gosta de mim. Não sei por quê. Eu acho que não
existe nenhuma pessoa que não tenha problemas.

BOOKS
Terapeuta: Você acredita que todo mundo tem problemas e que na
verdade você não é diferente ãe ninguém.
Tom: Somente eu é que tenho que admitir que tenho problemas.
Mas os outros não.
Terapeuta: Você está pronto para começar a admitir que tem pro­
blemas.
Tom: Minha vida não é nenhum piquenique.
Terapeuta: Você não é muito feliz.

GROUPS
Tom: Alguém vai ficar sabendo o que eu digo? Mamãe ou alguém
mais? Você está escrevendo o que eu estou desabafando?
Terapeuta: Estou tomando algumas notas. Mas a qualquer pessoa,
jamais será dito qualquer coisa que você disser aqui.
Tom (num suspiro profundo): Você sabe que isto é uma situação
bastante estranha. Você está escrevendo tudo?
Terapeuta: Só um pouco. Somente para minha própria orientação.
T-an: Está bem. (Longa pausa.)
Tom: As professoras não importam com o que acontece. Ninguém
toma conhecimento do que está se passando com o “ cara” e, agora, aqui,

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já é depois da aula e você nem mesmo é minha professora. Eu não vou


te incomodar. Não vou te esquentar a cabeça. E também... (Sacode os
ombros.)
Terapeuta: Você não acha que os outros se importam bastante com
o que acontece a um “ cara” e também...
Tom: Eu estava curioso.
Terapeuta: Você estava curioso.
Tom: De certo! Bem ... eu... não há nada que realmente me inco­
mode. Não mesmo, eu acho. Não vou me importar com isto.
Terapeuta: Você acha que está tudo tem, sob controle.
Tom: Bem... Ah... Somente eu... eu não consigo pensar nada pra
dizer. Não tenho nada a dizer.

INDEX
Terapeuta: Se você não tem nada a dizer, então não tem que dizer
nada. (Pausa.) Se você quiser voltar na próxima quinta-feira, eu estarei
aqui. Se não quiser também, eu gostaria que me dissesse isso ha próxima
quinta-feira às três horas.
Tom: Sim. Tá certo.
Terapeuta: Se você quiser ir embora agora, você pode ir. Se quiser
ficar mais, também pode. Você pode usar este tempo do modo que você
quiser.

BOOKS
Tom: Sim. (Tirando o paletó e o chapéu.) Eu não estou com pressa.
Terapeuta: Você acha que pode ficar um pouco mais.
Tom: Sim. Eu quero dar uma olhada nisso por aqui. Você não im­
porta, né?
Terapeuta: Olhe o que quiser.
Tom (olhando tado o que há na sala): Eu aposto que as criancinhas
gostam é de pintar.

GROUPS
Terapeuta: Você acha isto?
Tom: Eu também gosto. Mas só na minha sala de aula... Digo...
Sóque na minha sala de aula... Olha, se eu já tive algum problema, é
esta professora substituta. Eu te garanto que se ela te desse uma caixa
de bombons, você morreria de indigestão.
Terapeuta: Você não gosta da substituta.
Tom: Ainda bem que você entendeu. (Examina a argila.) Isto se­
ria divertido também. (Peja um fantoche.) Eu poderia fazer um punhado
de poças engraçadas só com as embrulhadas em que me meto. Minha au­
tobiografia dá pra chorar.

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Terapsaía; Você acha que sua vida é triste.


Tom: Bem, eu acho que ela é cheia de coisas. Estou sempre em con­
fusão. (Coloca o fantoche na m ão.) Agora olha aqui. Eu vou te matar
se você não fizer como eu estou falando, tá vendo? (A voz é completamen­
te mudada — baixa, profunda, ameaçadora.)
Terapeuta: Ele sente como se estivesse matando alguém.
Tom: Eu também, às vezes. Só que eu não faço de verdade (Rindo )
Respeito pela lei e tudo o mais, você sabe, não é? Eu vou te contar o què.
Da próxima vez que eu vier eu vou fazer um teatrinho. Ato I: Minha vi­
da e meus problemas.
Terapeuta: Combinado. Da próxima vez que você vier você vai re­
presentar sua vida e seus problemas.

INDEX
Tom (brincando com várfos fantoches): Tenho certeza que consigo
fazer um desses.
Terapeuta: Você acha que é capaz de fabricar fantoches. (Ele con­
tinua a brincar com eles.) Seu tempo por hoje acabou-se, Tom.
Tom: Bem, até logo. Volto amanhã.
Desde o início Tom usou os fantoches durante a maior parte de seu
tempo na sala de brinquedos. Ele dramatizou seus problemas familiares
e externou seus sentimentos agressivos dirigidos ao pai, irmã e escola.

BOOKS
TRECHO DO SEGUNDO CONTATO

Tom chega e faz a montagem de um teatrinho de fantoches. Pega


um fantoche-menino.
Tom (segurando o fantoche): Este é Ronny, o mau menino. Rapaz!
Ele é mau. Ele agora está em casa e na cama. Seu pai está no andar de
baixo. Ele quer que o pai suba. O pai de Ronny está sempre mandando
nele. (Ri.) Mas ele não vai muito longe com Ronny não, conforme você
vai ver.

GROUPS
Tom dirige esta fala inicial à terapeuta. Durante a “peça” ele ma­
nipula todos os fantoches e muda completamente ssu lom de voz, cada
vez que um psrsonagem diferente fala.
Pai (num horrível tom de voz): “Ronny, saia da cama” .
Ronny (sonolento): “ Não quero.”
Pai: “ Você me ouviu? Você sai da cama ou e u ...”
R-oany: “Ou eu ... o quê?”
Pai: "Ou eu subo aí e te faço sair.”

2J.)

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Ronny: “Não precisa fazer este escândalo todo.”


Pai: “Se apronte e vai para a escola.”
Ronny: “Eu não quero ir para a escola. Eu não gosto da escola.
Além disso eu... eu ... estou com dor de barriga.”
Pai: “Dor de barriga? Você é um mentiroso. Você é burro. Não
aprende nada na escola.”
v' Rohriy: “Por que é que èu não aprendo?”
Pai: “ Porque você é burro. Você é o branco mais burro que eu já
vi.”
Ronny: “Eu não sou burro. Eu vou te mostrar. Eu vou ... Eu vou ...

INDEX
Eu vou... Bem, eu vou... ” (O pai espanca Ronny.)
Ronny: “Ai, ai. Você é desgraçado, homem miserável.”
Pai: “Agora você faz o que eu disse.”
Ronny: “Eu vou fugir de casa. Eu vou.” (O fantoche é lançado ao
chão.)
Pai: “Por que seu cachorrinho? Eu vou atrás de você.” (O pai de­
saparece;) O palhaço encontra Ronny )

BOOKS
Palhaço: “Alô. Aonde você está indo? Eu sou Dopey, o Palhaço” .
Ronny: “Eu sou Ronny, o Menino Mau. E tou fugindo de casa.”
Palhaço: "Oh! Venha comigo. Vamos achar alguma coisa engreçada
para fazer.” (Uma bonequinha-fantoche vem no lugar do palhaço A me-
nininha está gritando.)
Menina: “Eu quero minha mamãe. Eu perdi minha mamãe.”
Ronny: "Vai embora. Eu não gosto de pirralhos.”

GROUPS
Menina: "Eu perdi minha mamãe.”
Ronny: “Isto é mesmo mal! Isto é uma calamidade.”
nha grita mais alto que antes.) “Aonde você mora?”
(A menuii-

Menina: “Eu... Eu... Eu... Eu não sei.”


Ronny: “Como é que sua mãe chama?”
Menina: “Mamãe” .
Ronny: “ O primeiro nome?”
Menina: “Mamãe.”
Ronny: “O nome do meio?”
Menina: “Mamãe.”

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Ronny: "O último nome?”


Menina: “Mamãe.”
Ronny: "Agora eu quero saber quem que é o burro.” (A menina chora
e grita Ronny sai de cena e entra o pai.)
Pai: “ O que houve? O que aconteceu?”
Menina: “Aquele menino me bateu.” (A menina desaparece e Ron­
ny retorna à cena.)
Ronny: “ Não fui eu não. Não fui eu não. Eu bem que queria mas
não tinha feito isto ainda."
Pai: “Qual é o seu nome?”

INDEX
Ronny: “ Ronny.”
Pai: “ Ronny de quê?"
Ronny: "Roony Gooseberry.”
Pai: “ Você é um espertalhão.”
Ronny: “Eu sou um espertalhão? Eu odeio a mim mesmo por ser
um espertalhão.”

BOOKS
Pai: “ Escute!”
Ronny “Escuta você”
Pai: “Porque eu vou te matar.”
Ronny: “ Vamos ver se vai mesmo.” (O pai e Ronny se engalfinham.
Ronny bate no pai e este pede clemência.)

Pai: “Eu vou mandar meu filho te bater.”

(Ronny desaparece e retoma, desta vez significando o filh o.)

GROUPS
Ronny: “ Está precisando de mim, Pai?”
Pai: “Você vai pegar aquele menino. Ele me bateu.” (O pai sai de
'cena. Outro menino-fantoche aparece no lugar do pai.)

Ronny (para o garoto): “Eu vou te passar uma esfrega. Você bateu
no meu pai.” (Dá-Ee uma luta terrível. Ronny vence.) “ Isto é de cansar
qualquer um.”

(A menina volta à cena. Ronny bate nela. A garota grita e desapa­


rece. O pai volta.)
Pai: “Alô seu velhaco. Se você bater nela de novo eu vou te espan­
car.”

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Ronny: “Aposto que você não consegue.”


Pai: “Quer ver?”
(O pai bate nele. Ronny grita. O pai desaparece.)
Ronny: “Eu deveria ter ido para a escola. Estou comfome.Mas às
vezes eu acho que a escola é mais segura.”
Palhaço: “ Sanduíches! Sanduíches! Dez centavos! Sanduíches!”
Ronny: “Eu só tenho um níquel.”
Palhaço: “Eu vou vender um para você pelo preço camarada de um
níquel.”
(Tom aparece subitamente e interrompe o teatro neste momento.)

INDEX
Tom: Agora são cachorros-quentes. A gente nãoconsegue às vezes
controlar o espetáculo. (Tom desaparece de novo )
Ronny: “Eu vou para casa. Seria melhor não ir. Meu pai, ele vai
me matar. Eu vou entrar às escondidas no meu quarto.”

Palhaça: “Sanduíches! Dez centavos.”

Ronny: “Aqui, me dá um."


Palhaça (grita): “Por que você... seu falsificador! Eu quero dinhei­

BOOKS
ro de verdade.” (Ronny bate no palhaço.) “Oh, você me deu um soco no
nariz. Meu lindo nariz.” (grita)
Ronny: "Isto é muito engraçado.” (Ronny desaparece.)
(Nos bastidores, sons de correntes e afogamentos.)
Ronny: “Tocou a sirene da escola. Eu só quero saber se eu vou.”

Pai: “ Ronny!”
(Tom reaparece.)

GROUPS
Tom: Este fantoche agora vai ser o diretor da escola.
Ronny: “Sim, Senhor!”

Diretor: “Aonde você esteve hoje de manhã?”

Fonny: “E ... E . .. E . .. E ... Eu... Eu tive dor-de-barriga hoje de


manhã.”

Dire'or: “Hein? Com o que você adoeieu? Você tirou aquelas ma­
çãs do meu pomar?”

Ronny: “ O senhor pode provar que eu fiz isto?”

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Diretor: “Não. ”
Ronny: “Então não permito que me acuse.”
Diretor: “Eu vou dar uma surra em você.”

Ronny: “Vai?”
Diretor: “Por que você não vai para casa?”

Ronny: “Porque eu não quero ir .”


Diretor: “Seria melhor que você fosse.”

Ronny: “Eu não vou lá hoje. Eu vou matar aula.”


Diretor: “Você não deve fazer isso.”

INDEX
Tom: Pora! (Os fantoches desaparecem.)
(Fora de cena, Tom grita e geme.)

Voz fora de cena: “ Oh! Eu caí no lago. Oh! Socorro! Socorro! So­
corro!"

(O pai e Ronny aparecem.)

Ronny: “Alô pai.”


Pai: "O que aconteceu?” (Ronny derruba-o com uma pancada.)

BOOKS
Tom (reaparecendo novamente ): Ah! ele caiu direto lá em baixo.

Pai (espirrando e to.;sindo): “Peguei um resfriado! Piquei doente!


Oh!” (O pai desaparece.)
Ronny: “Ra, ra, ra.”
(A menina volta à cena.)

Menina: “ Eu quero minha mamãe.”

GROUPS
Ronny: “Você de novo?” (Derrubara com um soco e bate-lhe.)
Menina (gritando): “Espera pra eu contar pro meu pai procê vê
uma coisa!”

Ronny: “Eu não posso esperar” .

Tom (reaparecendo): Bem, isto é tudo. Vai continuar amanhã!

TERCEIRO CONTATO INDIVIDUAL


Tom apresentou esta peça do teatrinho de fantoches para uma pla­
téia de crianças de seis anos. No contato individual que se seguiu, Tom

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t
!

avaliou a experiência em grupo. Eis um trecho deste terceiro contato.


Tom: Deixa eu consertar uns brinquedos desses para as crianci­
nhas? Veja como alguns estão quebrados.
Terapeuta: Se você quiser, pode.
Tom: Isto vai agradá-las.
Terapeuta: Você quer fazer alguma coisa pelas criancinhas.
Tom: Sim. Você sabe, eu tenho uma irmãzinha em casa. Ela cha­
ma-se Rose-Marie. Mas ela não é chamada Rozy lá em casa não. Não se­
nhor! É Rose-Marie. (Longa pausa.) Às vezes eu chamo ela de Rozy. (Co­
meça a conseríar as roias de um carrinho.) Eu faço isto só para chatear

INDEX
meus pais. Eu chateio eles só pelo prazer de fazer isto.
Terapeuta: Você chateia-os...
Tom (iníerrompentío): Sabe o quê? Eu acho que fui passado pra
trás. Morei com minha avó durante muito tempo. Não sou acostumado
com meu padrasto. Nem ele é acostumado comigo. Nós nunca concor­
damos. Quando digo que é seis, ele diz que é meia-dúzia. As vezes penso
que se tivesse ficado com meu padrasto desde o começo... não sei.
Terapeuta: Você acha que as coisas entre você e seu padrasto fi­
caram mal porque você não morou com eles desde o começo.

BOOKS
Tom: Vovó me estragou. Ela sempre me deixava fazer o que eu
queria. Eu cresci muito egoísta.
Terapeuta: Você pensa que isto te fez ficar egoísta: fazer sempre
o que queria.
Tom: Certo. (Ele consertou o carrinho.) Aqui, toma. Tá conserta­
do. Vamos ver daqui pra frente. Tá firme agora. (Carrega-o até a mesa
de trabalhos e ajusta-o com o martelo.) Sabe, eu tenho pensado. Você
acha que o teatrinho foi muito pesado para os menininhos outro dia?

GROUPS
Terapeuta: Que é que você quer dizer?
Tom: Quando o pai foi jogado no despenhadeiro e morreu. Pare
ciam estar gostando muito quando Ronny jògou o pai dele lá em baixo.
Mas, mais tarde, fiquei matutando sobre aquilo.
Terapeuta: Você acha que foi um pouco forte.
Tom: Bem, eu não haveria de querer que eles voltassem para casa
e fizessem o mesmo com os pais deles.
Terapeuta: Você acha que eles poderiam tentar fazer o mesmo que
Ronny íez?
Tom: Mas o que mais me surpreendeu... Bem, eu psnsei que era
o único que se sentia assim a respeito do pai, porque o meu é padrasto.

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Mas os deles são pais de verdade e eles pareciam contentes com sua mor­
te.

Terapeuta: Você ficou mesmo surpreso ao pensar que as outras cri­


anças também podiam sentir-se assim como você se sente em relação ao
seu padrasto.

Tom: É, sei lá. Sabe, quando voltei para o meu quarto aquele dia,
escrevi uma carta para o meu pai. Pro meu pai de verdada. Ele está na
marinha. Eu contei pra mamãe. Ela falou que não achava que ele qui­
sesse saber de mim, mas eu nãõ acreditei nela, não. Não acho que ele
tenha outro filho. Acho que ela só estava falando da boca pra fora.
Terapeuta: Você ficou perturbado quando sua mãe disse que não
achava que seu próprio pal quisesse saber de você.

INDEXTom: E que ele tinha outro filho.


Terapeuta: Você não queria que ele tivesse outro filho.

Tom: Eu não acredito nela. Acho que ela só está falando da bóca
pra fora. (Longa pausa Conserta um brinquedo ) Sabe? Eu sempre tinha
um mapa, mas perdi ele.

Terapeata: Perdeu?

BOOKS
Tom: Eles me tomaram ele. Me expulsaram da estação. Aqueles
sujos serventes me devem cinco dólares. Veja você, eu estava só um pou­
co atrasado e deixei escapar alguns fregueses e perdi meu mapa. Mas eu
não me importo.

Terapeuta: Eles te despojaram de cinco dólares porquevocê esta­


va atrasado e deixou escapar uns fregueses e você ficou sem omapa.
Mas você não se importa.

Tom: Sim. (Longa pausa.) É o que eu digo. Isto me deixou fulo

a torcer.
GROUPS
da vida, mas por mais que eu me importe, não digo para não dar o braço

Terapeuta: Você não quer que os outros saibam como realmente vo­
cê se sente com as coisas.

Tom: Sim. Eu não quero dar a eles nada que possam tirar vanta­
gem sobre mim.

Terapeuta: Você acha que os outros poderiam se aproveitar de vo­


cê, se os deixasse saber o que você sente.

Tom: Claro. Eu sei disso. Ê o que eles fariam.


Terapeuta: Você acha que seria assim.

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Tom: É assim que é.


Terapeuta: Você acha que é assim.
Tóm: Bem, há alguma diferença entre o que você sabe que é e o
que você p:nsa que é? Hum... Por certo. (Logo silêncio Ele continua
trabalhando atentamente.) O mundo é assim.

Terapeuta: Hum?
Tom: Eu disse que é desse jeito que o mundo vai.
Terapeuta: De que jeito?

Tom: Oh! Não sei. Eu estava só pensando. (Termina outro conser­

INDEX
to.) Agora vou guardar estas ferramentas. (Sai da sala para guardar as
ferramentas que usou. Retoma.) Nós vamos encontrar de novo amanhã.
Será que tem importância eu trazer alguns menininhos comigo?
Terapeuta: Você acharia melhor se trouxesse alguns de seus ami­
gos com você?
Tom: Bem, eu não digo que vá trazer alguns amigos. Digamos al­
guns dos cabeçudos lá da minha sala.
Terapeuta: Você não tem certeza de ter amigos. Bem, se você qui­

BOOKS
ser trazer alguns dos cabeçudos lá da sua sala, não há problema. Tente
fazer um grupo de, no máximo, seis meninos.
Tom: Pode ser três meninos e três meninas?

Terapeuta: Deixarei a decisão ser sua.


Tom: Vou convidar o Joe. Ele é legal. Talvez ele tenha uma boa
influência. Vou convidar o Tommy também, porque ele é pior do que eu.
Você vê, não quero ser o pior cara daqui.

GROUPS
Terapeuta: Está certo. Traga-os da próxima vez, se quiser.

Tom: Sabe de uma coisa? Eu acho que os menininhos gostam de


mim.

Terapeuta: Você acha que os menininhos gostam de você.

Tom: Sim. Isto é uma experiência nova para mim. As pessoas, em


geral, não gostam de mim.

Terapeuta: Você acha que as pessoas não gostam de você?

Tom: Não. Pelo menos não parece. Mas os menininhos vêm para
perto de mim no pãtio, conversam comigo e parecem ficar alegres ao
me ver. Eles parecem gostar do meu teatro de fantoches, também.

36
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Terapeuta: O fato dos outros meninos o procurarem faz você sen­


tir-se bem.
Tom: Eu acho. Bem, minha hora terminou. Eu encontro você ama­
nhã.

Este trecho ilustra vários fatores terapeuticamente valiosos no ca


so de Tom. O leitor notará como foi flexível a hora de terapia. Embora
Tom permanecesse na sala e tivesse se ocupado em consertar os brinque­
dos quebrados ele não os usou como um me’.o de auto-expressão. Esta foi
uma entrevista exclusivamente de aconselhamento.
Tom tinha representado seu teatrinho de fantoches para um grupo

INDEX
de crianças de seis anos e impressíonara-se com suas manifestações de
prazer. Evidentemente ele presumiu que elas identificavam o pai de Ron-
ny com seus próprios pais. Tom aponta, assim, um dos valores da expe­
riência em grupo, quando diz ter se surpreendido ao descobrir que ou­
tras crianças, aparentemente com menos razão para fazê-lo, reagiram tão
favoravelmente à surra do pai. Sentir que seu problema não era o único
parecia dissipar sentimentos de culpa e aliviar o peso deste problema.
O fato de partilhá-lo com outras pessoas traz em si algum valor terapêu­
tico .

BOOKS
A simpatia que os meninos jie seis anos de idade demonstraram*^
por Tom construiu sua auto-estima, tornando o mais obj etivõ~nã~ãcèita- \
çãõ de ssus problemas. O que~cõntou a respeito de sua tentativa de rea­
tar relações com seu pai verdadeiro (após a representação da cena com
o boneco-pai), bem como a reação de sua mãe (segundo ele), poderia ser
uma possível causa do seu comportamento. É também significativo seu l
pedido de trazer alguns amigos ( “Eu não digo que vá trazer amigos. Di- í
gamos alguns dos cabeçudos lá da sala.” ) Tom tinha sido até então uma
criança solitária, disposta a continuar vivendo sozinha. Ter desejado a (
J
GROUPS
companhia de outras crianças indica uma modificação positiva no seu es-
tado de espirito.
No dia seguinte, ele trouxe consigo quase toda a turma de seis anos
de idade. Todos queriam participar do grupo. Como tinha que escolher
somente ssis crianças, escolheu três meninos e três meninas. Também
dá o que pensar seu critério na seleção dos meninos: um por sua boa influ­
ência; outro, por ser pior do que ele.
Deixar a crianca escolher seu próprio grupo, ao invés de fazê-lo pa- àr~
ra ela, é uma atitude valiosa. Estando a terapia centralizada na criança,
o grupo escolhido por Tom tem mais valor do que se a terapeuta o es­
colhesse para ele, pois isto daria a impressão de que há uma criança em
tratamento e as outras são chamadas para divertila. (Ainda que, a prin­
cipio, isto seja verdade.) No caso de Tom a terapeuta sentiu que uma

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experiência em grupo era o que ele precisava, mais que qualquer outra
coisa. E, como ele a pediu, passou a ser a coisa mais importante.
As crianças convidadas por Tom passaram a olhá-lo com novo inte­
resse e ele tornou-se uma delas. Poi mais significativo, no modo de pen­
sar da terapeuta, tal escolha ter sido feita pelo próprio Tom. Natural­
mente, como decorrência de todos estes aspectos, Tom conseguiu a liber­
tação de seus sentimentos, através de seus brinquedos e conversas.

PRIMEIRO CONTATO EM GRUPO

Eis aqui a primeira experiência em grupo de Tom, com seus seis


amigos.

Tom: Isto vai ser uma espécie de clube pra gente. Nós vamos ser
atores de fantoches.

Theda: Tá. Nós vamos assentar aqui? Olha! Argila!

INDEX
jean: Eu nunca brinquei com argila.

Martha: O que é que nós vamos fazer?

Tom: D.? A., você toma conta das meninas. Eu cuido dos meninos.
(Eles riem.)

Joe: Nós é que vamos tomar conta de você.

Tom (cantarolando): Então nós vamos fazer tudo juntos. D.» A,

BOOKS
você fala o que a gente tem que fazer.

Terapeuta: Suponhamos que vamos fazer assim. Vocês podem vir


aqui todas as quintas-feiras de 3:15 às 4 horas. Podem empregar este tem­
po do modo que vocês quiserem e usar qualquer coisa que esteja aqui
dentro.

Tom: Tá certo. Até que enfim a liberdade!


Terapeuta: Você gosta da idéia de fazer suas própria escolhas.

GROUPS
Tom: Eu diria que gosto sim.

(As meninas sentaram-se à mesa e começaram a brincar com argila.)


Martha: Bem, o Tom falou que a gente ia fazer era teatrinho de
fantoches. Eu acho que a gente devia seguir o plano. Você ensina pra
gente.

Terapeuta: Você quer que eu ensine a você o que fazer.


Martha: Bem, você que é a professora.

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Terapeuta: Esqueça que eu sou a prolessora. E agora, você ainda


quer que eu fale a você o que fazer?
Martha: Bem, Tom falou que a gente vinha era fazer teatrinho.
Tom: Realmente. Falei que ia ser teatro mas ela falou que é para
vocês usarem suas próprias cabeças. Pra que é que vocês têm cabeça?
Martha: Bem, eu gosto de fazer aquilo que acham que eu devo.
Terapeuta: É importante para você fazer aquilo que você acha que
os outros querem que você faça.
Martha: Bem, é isso. Eu acho isso importante. Os outros não gos­
tam da gente se a gente não faz assim.
Tom: E você quer que os outros gostem de você. Bah! (Pegando a
família de bonecas.) Olha! Elas podem servir como fantoches, também.
Olha!(Pega a boneca-menina e arranca seus cabelos.) Oh! Eu vou con­

INDEX
sertar. Só tava meio preso. Eu não resisti à tentação. Qualquer um po­
de ver que ela é um pirralho. (R i.)

Terapeuta: Você não gosta de pirralhos.


Tom: Esta é a verdade. (Os meninos se acercam e olham as bone­
cas. Tom pega o boneco-pai.) Estou feliz de comunicar que está faltando
uma perna no pai. Porém eü vou consertá-lo para as crianças.
Terapeuta: Mesmo pensando assim, não se importando que falte
uma perna no pai, você vai consertá-lo para as crianças.

BOOKS
Tom: Sim. (Conserta o boneco.) Eu não seria capaz de ficar aqui
muito mais tempo. Vou tomar um sorvete agora.

Joe: A noite passada quase que ele foi morto. Um cara lá em baixo
quase atropelou Tom. Ele fez isto de propósito.
Terapeuta: Você acha que ele tentou atropelá-lo com o carro?
Tom: Sim. Mas foi culpa minha.

GROUPS
Joe: Sua culpa! Por que, se hoje mesmo, lá em cima, você disse que
a culpa foi dele? E agora você d iz...

_V Tom: Sim, foi culpa minha. Eu provoquei ele a fazer isto.


Tommy: Mas, você falou na aula hoje...
«=_<£.Tom: Aqui eu sou honesto. Viu? Foi culpa minha. Eu é que causo
a maior parte de meus problemas.
Terapeuta: Você é capaz de admitir, aqui, que talvez você causa a
maior parte de seus problemas?

3?

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Tom: Não precisa se incomodar. Eu não crio mais tanto caso.


(As meninas fazem comentários sobre os fantoches.)
Martha: Que é isso?
Tom: É meu fantoche para o teatro.
Joe: Ah! Essa é boa.
Tom: Bem. É meu e da escola.
Tommy: Não é nem da escola nem seu.
Tom: Então é de D.» A ... e meu.
Joe: Tá esquentando a discussão.

INDEX
Tommy: É de D.? A ... e não seu.
Tom: É meu em parte, porque eu uso ele. Eu faço o teatrinho
aqui, eu sou os fantoches e eies são eu.
Tommy: Oh!
(Longa pausa.)
Tom: Eu não vim aqui brincar com os fantoches nem hoje, nem
ontem.

BOOKS
Tommy: Por que não?
Tom: Oh! Eu não tinha nada para encenar com eles. Veja você, eu
Isó vou falando de improviso, só o que se está passando comigo, na hora.
JNão tenho plano, nem engano, nem ensaio. Aí é que está o bom do ne-
(gócio. É só você pegar o fantoche e ir falando.

Joe: Como?
Tom: Você se deixa vagar e se transforma no fantoche.

GROUPS
Tommy: Faz pra gente.

(Tom pega os fantoches. Sua voz muda completamente.)


Tom: "Agora olha aqui, gente. Eu sou Ronny, o menino mau.”

Goofus: “Alô. Aonde você psnsa que vai?”


Ronny: "A h ... Ah... A h ...” (Tira Goofus de cena.)
Goofus (apirece só com a cabeça — ela é desmontável): “ Cadê meu
corpo? Cadê meu corpo?”
Ronny: “Eu tirei ele de circulação.” (Os fantoches brigam.) “ Olha
gente! Esta é a espécie de menino que eu sou. E 03 menlninhos gostam


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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015

exatamente disto. Quanto mais briga e pancadaria tiver, mais eles gos­
tam.”
(A boneca-menina aparece. Sua voz é suave e doce.)
Menina: “Alô. Eu quero minha..."
Ronny: “Você quer sua mamãe, Mas sabe o que você vai arranjar
em lugar dela? Bem, isto!”
(Uma terrível briga, da qual Ronny sai vitorioso.)
Tom: Bem, meu tempo acabou agora. Eu tenho que ir embora ago­
ra, ou então não vou poder pegar o t.em. Eu quero fazer isto bem feito.
Terapeuta: Você quer realmente fazer isto bem feito e quer seguir

INDEX
as regras.
Tom: Ató logo. Eu verei você amanhã e, especialmente, na pró­
xima quinta-feira.
(Tom sai; os. outros meninos ficam brincando com a argila na me­
sa em que estão as meninas. Começam a modelar cabeças.)
Martha: Ele já não está mais tão chato na escola.
Jean: É mesmo.

BOOKS
Theda: Sim, é verdade, ele anda cantarolando o dia inteiro.
Tommy: Ele deixa a professora lòuca. Quando ela perguntou pa­
ra ele o que lhe estava acontecendo, ele disse que estava feliz, que estava
contente por ser quinta-feira, e perguntou se havia lei que proibisse ser
feliz. (As crianças riram .) Tom é assim. Sempre diz o que pensa.
“ Joe: Ele é que arranja suas próprias confusões.
Theda: £i. Ele sabe disto também.

GROUPS
Joe: Ele é sabido demais. Aquilo é que foi gozeira.

Isto ilustra a dinâmica dos relacionamentos em grupo. Martha re­


vela sentimentos de insegurança. A terapeuta tenta refletir seus senti­
mentos, de modo que ela possa auto-conhecer-se. Freqüentemente, o tipo
de comportamento exibido por Martha é diferente do de Tom, até onde
pode ser: no entanto, ambos recebem ajuda no mesmo grupo. Os grupos
escolhidos por uma criança geralmente incluem meninos tímidos e insegu­
ros, que nem sempre são levados à ludoterapia, por não serem considera­
dos crianças-problema. Os critérios para os comportamentos desajustados
deixam de lado, às vezes, a criança que não causa maiores transtornos
para os adultos. Isto significa que concordância com as normas social-

41
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í mente aceitas, não é necessariamente uma indicação de ajustamento. À
\terapia em grupo geralmente revela estes fatores, e crianças tímidas, que
Jbuscam uma auto-afirmação, quase sempre conseguem uma oportunidade
/de auto-esttmar-se, por comparação com outros membros do grupo, algo
l^que sempre as ajuda.

A identificação de Tom com os fantoches é interessante; sua expli­


cação de como ele usa um fantoche e sua expressão "Só falo de improvi­
so” são bastante sugestivas. O modo dele brincar com a boneca centra­
liza, logo de início, no seu problema de agressividade voltada para a irmã
menor. A surpresa que ele manifestou com o prazer das crianças pela lu­
ta dos fantoches continuou a redução de seus sentimentos de culpa e,
na opinião da autora, deu-lhe coragem para trazer à tona sentimentos
ainda mais profundos. Ele sente a aceitação e a permissividade da situação
terapêutica.

INDEX
E interessante que Tom diferencie entre a situação da sala de au­
la é a da sala de terapia: “Aqui eu sou honesto”, diz ele. E quando exa­
mina com franqueza seu comportamento, acrescenta: "Eu realmente cau­
so a maior parte dos meus problemas.”

r" Que é a terapia, senão um exame e reexame de cada um, num esfor-
Iço de reorganizar seus valores e, através de uma honesta introspecção, adqui-
/rir “insight” dos modos de satisfação dirigidos para uma completa auto-
( realização e aquisição de força e coragem para ser ele mesmo?

BOOKS
SEGUNDO CONTATO EM GRUPO

Neste segundo contato em grupo foi feita a apresentação de fan­


toches; o grupo confeccionou cabeças de fantoches, feitas de amianto,
grude e água.
Eis um trecho do contato:
Jean (para Tom): Você é tão mesquinho!

GROUPS
Tom: É bom saber como é o negócio comigo.

Jean: Você não toma providência nenhuma.

Tom: É bom saber também. Se eu quisesse melhorar, eu poderia.

Jean: Se você melhorasse, você não estaria sempre metido em con­


fusão.

Tom: Certo. Mas se a professora não vivesse me perseguindo, podia


ser até mesmo você que me perseguisse. Alguma vez já te ocorreu pensar
que eu fiz uma coisa espetacular para os outros meninos? Eu só sou re­
preendido. Por qualquer coisa. O vento derrubou os papéis da mesa da­

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quela diaba velha rabujenta e ela me acusou. Será que agora eu pareço
com vento também?
Jean: Ela não falou que foi você.
Tom: Ela olhou primeiro para jnim, depois é que olhou para o vento.
Tommy: Ela olhou para o vento.
Martha: Mas às vezes você faz mesmo alguma coisa desse tipo.
Tom: Sempre eu é que sou repreendido mas, pelo que.eu vi, tinha
lá muito mais gente que deveria ter passado o dia.de castigo comigo.
(Para a terapeuta.) Você sabia? Ontem, tive que passar a tarde inteira
de castigo. Isto lá é educação, eu te pergunto? Perdi meu trabalho: todo.
Joe: Ela te esqueceu.

INDEX
Tom: Ah! Quer dizer que ela então me esqueceu? Tá bom .Eu não
m e importo. Só olhei para a janela e pensei.

Jean: Tom disse que estava tomando banho de sol.

Tom É. Estava tomando banho de sol. Passar o dia inteiro de cas­


tigo! Tomei prejuízo com este negócio de ficar educadinho!

Martha: Não sei pçr quê... se você não gosta de ser repreendido,
por que você vive fazendo coisa errada?

Tom: Ela precisa de alguém para xingar. É esta a minha especiali­

BOOKS
dade. Tom, Saco-de-Pancadas. (Ri, parece encantado com a atenção dis­
pensada à sua rebeldia.)

Joe: Quando qualquer pessoa sai da sala, Tom diz que ela vai tomar
seu banhozinho de sol.
Martha: Ele não liga pra nada.

Tom: A única coisa que ms incomoda é levar castigo por agir com
educação.

GROUPS
Terapeuta: Você realmente não gostou de ser castigado, ainda mais
tendo agido com educação.
Tom: Sim. (Silêncio. As crianças trabalham com o amianto.) Sabe
de uma coisa? Este negócio fede igual carniça.
Jean: Sei lá. Eu nunca cheirei carniça.

Tom: Bem, é igualzinho.

Jean: Como é que você sabe?


Tom: Eu imagino.

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(Silêncio. Todo mundo modela cabeças.)

Tom: Vou fazer um Hitler. Assim a gente pode pegar uma briga com
ele e bater nele.

Martha: Oh! não! Não faz Hitler não! Faz coisas bacanas e depois
deixa elas brigarem.

Tom: Eu disse Hitler.

Martha: Mas as outras crianças — bem, para elas — eu não acho


certo fazer um Hitler e então...

Tom: Não é certo fazer um Hitler em primeiro lugar.

INDEX
Martha: Mas eu nãq acho___

Tom: Eu sei o que você acha. Eu vou fazer um Hitler e depois des­
truí-lo.

Martha: Então faz, tá? Faz seu velfio Hitler. Mas eu não vou fazer
não.

(Silêncio.)
Tom: Olha a boca dele. É toda quadradinha. Este cara não ri nunca.

BOOKS
Jean: É lógico que não. Ele é um cara detestável.
Martha: Deixa eu furar os olhos dele. (Vaza os olhos de Hitler com
seu lápis.)

Tom: Epa! Você estragou ele todo.


Martha: Eu quero rebentar ele todo.

Tom: Mas acontece que este é meu.

GROUPS
Theda (zombando): Aí, viu?

(Tom sobe ao fundo do teatro de fantoches e os pega. Sua voz mo­


difica-se completamente. Torna-se dura e pesada.)

Ronny: “Agora olhem aqui. Eu vou matar vocês todos se as coisas


não saírem como eu quero. Eu sou um bobão.” (Os outros riem deleita­
dos.) “Eu vou começar alguma coisa. Eu já vou perturbar alguém.”

Outro fantoche: “É assim? É assim? Seu saco de vento. O que te leva


a pensar que você pode encher qualquer um?"

Ronny: “ Desculpa! Você não me entendeu bem! Eu não quis dizer


isto. Por favor, não me entenda desta maneira.”

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Segamdo fantoche: “Bem.” (Este está voltado de costas para o pri­


meiro, que sorrateiramente, acerca-se desta e lhe bate. Urros e gritos vêm
da luta.)
Primeiro fantoche: “Agora nós veremos. Isto te ensina a não se me­
ter a bobo comigo.”
(Tom Joga os fantoches para o ar e sai do palco.)
Tom: Eu vou fazer alguma coisa de argila.
’vtartha: Eu também vou.
Tom: Eu vou fazer um cassetete.
(Todos eles fazem cassetetes de argila. Segue-se uma batalha simu­

INDEX
lada. Tom golpeia a cabeça de Jean; obviamente não a machuca, mas ela
grita.)
Jean: Este é que é seu problema. Você é muito desgraçado.
Tom: Sim, eu sou. Eu estava só brincando e sei disso.
Jean: É isso sim. Você não brinca delicadamente. Você é tão ruim
que sempre tem que machucar alguém.
Tom: Eu não te machuquei. Você não caiu desmaiada, caiu?
Jean: Você é desgraçado. Ê por isso que você arranja todos os seus

BOOKS
problemas. Você é o cara mais desgraçado que eu já vi.
Tom: Bem, até que é interessante saber o que é que causa todos os
meus problemas. Mas, francamente, eu sempre digo que gente como você
é que causa meus problemas. Você veio brincar e logo que acontsceu uma
coisinha, vooê começou a grasnar. De que é que você consegue brincar,
se tem medo da própria sombra?
(Je.an bate na cabeça de Tom com seu cassetete de argila.)
Tom (gozando): Oh! sua coisa ruim! Isto é que te causa todos os

GROUPS
seus problemas. Você me machucou. (A menina sorri para ele. Tom sorri
e joga fora a cabeça de H itler.) Venha todo mundo, todo mundo pode.
Quem quer bater em Hitler?
CO grupo ataca a cabeça de Hitler e em pouco tempo ela é reduzida
a migalhas. Quando a terapeuta anuncia o término do tempo, as crian­
ças deixam os brinquedos. Tom, ao sair, diz à terapeuta: “Bem, até lo­
go. Depois nos encontramos.”

Neste contato a terapeuta quase não disse nada. A própria brinca­


deira entre as crianças pareceu ser o elemento que clarificou os sentimen­
tos de Tom.

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TRECHOS DOS ÚLTIMOS CONTATOS

No contato individual seguinte, Tom comentou com a terapeuta: “ Sa­


be de uma coisa? É engraçado, mas eu descobri que as pessoas não me en­
tendem."
Terapeuta: Você acha que as pessoas não entendem você.
Tom: Sim, como na última quinta-feira. Ela disse que eu estava sen­
do mau e eu não estava. Sinceramente, eu só estava brincando.
Terapeuta: Ela não entendeu que você estava somente brincando.
Pensou que você a estivesse ofendendo deliberadamente.
Tom: Sim. Realmente, é isto que acontece a maioria das vezes. Eu
faço alguma coisa e as pessoas não compreendem que eu não quero feri-
las.

INDEX
Terapeuta: Você faz as coisas que às vezes ferem os outros e eles
não entendem que você não quer feri-los.
Tom: Sim. (Longo silêncio. Afunda o queixo entre as mãos.) Eu te­
nho que dar um jeito nisto.
Terapeuta: Você acha que deverá dar um jeito nisto.

Tom: Sim. Eu vou ter que pensar bem sobre isto. (Levanta-se e pe­
ga um fantoche.) Que farei, Ronny?

Ronny: "Você se importa! Bate neles, bate neles!”

BOOKS
Tom: Você está muito duro; me diz o que fazer.

Ronny: “Dá um pontapé nos dentes deles.”

Tom (Derruba o fantoche na mesa.) Não serve. Ele é tão mau como
eu. De fato ele sou eu.
Terapeuta: Ele representa um aspecto seu. Você acha que deveria
dar um jeito nisto, mas ele quer que seu modo de conseguir as coisas seja
através de briga.

GROUPS
Tom: Sim. Bem. Eu tenho que ir agora. (Levanta-se.) Até logo.

Aparentemente a última observação da terapeuta foi muito crítica,


tentando forçar as coisas e por isto ele, abruptamente, deu a entrevista
por terminada, meia-hora antes do tempo normal. Entretanto, esta entre­
vista indica que Tom usou a reação do grupo como uma medida de seu
próprio ajustamento. Ele estava tentando revelar o seu problema, since­
ramente. O seu teatro de fantoches começou a ser mais delicado. O fan-
toche-menina, — mãe, — pai e Ronny continuam suas brigas. Um dia a

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briga entre os fantoches foi "de acordo com as regras.” Seguem-se mos­
tras disto:
Ronny: “Esta vai ser uma luta limpa.”
Palhaço: “Sim. Nós queremos que esta seja legal.”
Ronny (Sons de luta.): “É uma luta de boxe. Será de acordo com as
regras.” (O palhaço Toge.) “Desista de fugir.” (Luta.) “Agora escuta: eu
estou cansado disto!”
Palhaço: Olha. Eu vou te esmagar!
Ronny: Oh! Meu nariz! Meu lindo nariz! Meu lindo narigão. Agora
eu não vou poder meter ele nos negócios dos outros. Eu não te falei que
a luta ia ser limpa?!” (Lu ta.) Isto é uma luta de boxe. Isto tem que se­
guir as regras.

INDEX
E agora, um trecho dos últimos contatos:
Ronny: “Eu me sinto como se estivesse brigando com alguém.”

Menina: “Eu vou te acusar!”


Ronny: “Eu não vou te machucar, irmã. Você ainda é uma crian­
cinha. Você não sabe nada. Eu me sinto como se estivesse brigando —
como uma questão de honra — de acordo com as regras.”

BOOKS
Palhaço: “Você gosta de mim?”

Ronny: “Você quer brigar?”


Palhaço: “Eu adoro brigar.”

Ronny: “Então lute, mas lute bem, lute limpo, seguindo as regras.”

Palhaço: “Tá certo. De acordo com as regras.” (Os fantoches lu­


tam .)

GROUPS
Tom (levantando-se com os fantoches): Pronto, gente. A luta aca­
bou. Agora dêem-se as mãos. (Os fantoches são levados a cumprimentar-
se. ) Está bem. De acordo com as regras.

S U M A R I O

Nos primeiros contatos, Tom necessitava do anonimato dos fanto­


ches para revelar seus sentimentos. Seguro, ao saber que não seria pu­
nido pelo que os fantoches dissessem, ele pôde penetrar mais profunda­
mente no complexo problema de seu relacionamento familiar, mantendo
ao mesmo tempo, sua dignidade e auto-respeito. A terapeuta, neste caso,

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não interrompeu Tom para xefletir qualquer dos- sentimentos expressos


por ele. Parecia que ele havia escolhido o meio que lhe daria maior pro­
teção. Estava representando uma peça. Ele próprio estava fora de foco.
Os sentimentos fluiam livremente. Era uma saída válida, segundo suas
observações. Constituiria uma violação a seu isolamento qualquer inter­
rupção por parte da terapeuta. Além do respeito por sua capacidade de
dirigir a peça por sua própria conta, não caberiam tais interrupções de­
vido às circunstâncias. Isto pareceu adequado para a clarificação dos sen­
timentos de Tom.
À medida que a terapia progredia, no teatro de fantoches tornavam-
se mais curtas e menos freqüentes as psças, até chegarem a se extinguir.
Incidentalmente, a platéia foi perdendo o interesse quando as peças pas­
saram a ser “de acordo com as regras.”

INDEX
O último encontro em grupo foi todo gasto com a apresentação de
outra peça de fantoches, que não foi nada mais que uma diversão. Os
fantoches cantaram, dançaram, e Tom fazia o fundo musical com um tam­
bor e outros instrumentos rítmicos. Ele resolveu seu problema de ajus­
tamento . De acordo com uma avaliação feita seis meses mais tarde, ele
se tornara bem ajustado e líder em sua sala de aula.
O tratamento recebido por ele foi uma combinação de contatos in­
dividuais e em grupo. A terapeuta notou que um tipo de contato suple­

BOOKS
mentava o outro e que a terapia tivera maior sucesso por causa do con­
tato em grupo. Tom jamais tinha sido aceito como membro de um gru­
po. Ao término da terapia ele havia encontrado seu lugar no grupo, en­
tendera-se melhor; tomara-se um líder. Embora ele ainda tenha dificul­
dades ocasionais, parece ter conseguido a auto-compreensão necessária
para manter seu status em relação aos colegas e para superar a necessi­
dade de manter um comportamento defensivo, anti-social.

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INDEX Segunda Parte

A LUDOTERAPIA NÃO-DIRETIVA

BOOKSSITUAÇÃO E PARTICIPANTES

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3. A SALA DE BRINQUEDOS/E

INDEX OS MATERIAIS SUGERIDOS

Em nossa discussão sobre ludoterapia e nos relatos dos contatos


terapêuticos de Tom, mencionamos, freqüentemente, a sala de brinque­
dos e falamos rapidamente sobre o material lúdico. Neste capítulo des­
creveremos as características desejáveis para uma sala de brinquedos 3
•discutiremos os materiais apropriados à ludoterapia não-diretiva.

BOOKS Ainda que seja desejável ter uma sala mobiliada e isolada para a
ludoterapia, tal coisa não é indispensável. Algumas das sessões terapêu­
ticas descritas neste livro tiveram lugar em uma sala de ludoterapia es­
pecialmente equipada; outras numa sala de aulas de um grupo escolar;
outras, num canto não usado de um berçário, a terapeuta trazendo em
uma maleta o material para cada sessão. Isto é salientado para indicar
as vastas possibilidades de serem utilizadas técnicas de ludoterapia com
pequeno orçamento e falta de lugar apropriado.

GROUPS
Se há dinheiro e espaço disponíveis para mobiliar uma sala de lu­
doterapia, as seguintes sugestões são oferecidas: a sala deveria ser, se
possível, totalmente à prova de som. Possuiria uma pia com água cor­
rente quente e fria; as janelas seriam protegidas por grade ou tela. O
chão e o teto seriam protegidos por materiais facilmente laváveis, que
resistam a água, argila, tinta e pancadas fortes. Se a sala puder ser pro­
vida de gravador de som e aparelhagem ótica que permita serem feitas
observações sem que as crianças notem que estão sendo obseirvadas,
tanto melhor. Mas este equipamento somente poderia ser usado para es­
tudo e treino de novos terapeutas. A autora não defende a idéia de que
os pais observem os contatos terapêuticos ou escutem as gravações do
que foi dito durante as sessões.

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. Os materiais que têm sido usados, com graus variáveis de sucesso,


são: mamadeiras, famílias de bonecas, casinha de bonecas mobiliada, sol­
dadinhos e equipamento militar, animais de brinquedo, material para
uma pequena casa, incluindo mesa, cadeiras, casa-de-bonecas, fogão, ber­
ço, latas, panelas, buchas, roupas de boneca, varais, pregadores de rou­
pa, cestos, uma bonequinha, uma boneca grande, fantoches, um biombo
para fantoches, lápis de cor, argila, pintura de dedo, areia, água, revólver,
pregos, maleta de carpinteiro, bonecos de papel, carrinhos, aviões, uma
mesa e um cavalete de pintura, uma mesa esmaltada para brincar com
argila e trabalhar com pintura de dedo, telefoninho, prateleiras, bacia, vas­
soura, trapos, papel de desenho, papel de pintura, jornais velhos e papéis
baratos para cortar, figuras de pessoas, cásas, animais e outros objetos,
cestos de frutas ocas, para serem quebradas. Jogos de dama ou de xadrez

INDEX
têm sido usados com sucesso, mas não constituem o melhor tipo de ma­
terial que permite expansões da criança. Brinquedos mecânicos não são
sugeridos porque não permitem criatividade lúdica.

Se não é possível assegurar todos os materiais sugeridos, pode-se


''começar equipando-se a sala com uma família de bonecas, pequenas pe­
ças de mobília em tamanho normal como camas, mesas e cadeiras. Ma­
madeiras, argila, caixas de tintas, se não for possível ter muitas aqua­
relas; papel de desenho, lápis de cor, revólveres, soldadinhos, carrinhos,
fantoches, bonecos de pano e um telefone. Esses materiais podem ser

BOOKS
facilmente trazidos pelo terapeuta em uma maleta.

Todos esses brinquedos são de construção simples e fáceis de ma­


nejar, de maneira que a criança não fique frustrada por causa de um
equipamento que não consiga manipular. Além disso, devem ser durá­
veis e construídos para resistir ao penoso uso na sala de ludoterapia. A
casa de bonecas seria feita de madeira compensada, com repartições va­
riadas e removíveis; a mobília deve ser forte o suficiente para resistir a
tombos e arremessos, permanecendo relativamente intacta. A família de
bonecas, se possível, deve ser inquebrável e provida de roupas removí­

GROUPS
veis. Famílias de bonecas, bastante satisfatórias, podem ser feitas com
escovinhas de limpar frascos, vestindo a escova com lã para fazer o cor­
po, fixando-a com fita adesiva. As cabeças podem ser feitas de pompons
de lã, desses que são usados em roupas. Seriam a mãe, o pai, a irmã, o
irmão, o bebê, e os avós, o que forneceria à criança todos os símbolos
familiares possíveis. Os fantoches podem ser feitos também de roupas
velhas, com cabeças feitas de lã e cabelos de algodão. Entre os fantoches
seriam Incluídos, também, todos os símbolos familiares possíveis.
Uma grande caixa de areia serve como lugar ideal para instalar a
casa e a família de bonecas, os soldadinhos, animais, carros e aviões.
Além do mais, é a areia um excelente lugar para as crianças agressivas
brincarem, pois oferece bastante segurança. As bonecas e outros brin-

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quedos podem ser enterrados nela. Pode servir como “neve”, “ água”, “ ce­
mitério” ou “bombas” . Coaduna-se com a mais fantasiosa imaginação. Se
a caixa de areia é escavada 110 assoalho e tem apenas uma pequena cer­
ca, é mais acessível às crianças de todos os tamanhos do que o seria uma
caixa com paredes altas.
Se a sala é suficientemente grande, seria bom possuir um “palco"
construído num dos cantos, com uma altura de cerca de vinte centíme­
tros. Este seria equipado com uma mobília doméstica tamanho mirim,
que atenderia também aos mesmos padrões de durabilidade, oferecendo
às crianças a vantagem de terem uma casa de brinquedo do tamanho de­
las e, ao mesmo tempo, um palco para dramatizações. Tal elevação não

INDEX
é absolutamente necessária, mas tem o efeito de colocar à parte a casinha
e também parece inspirar representações teatrais de maior conteúdo emo­
cional. As possibilidades de psicodrama são bastante valiosas como meio
de terapia e merecem melhores estudos.

Os materiais deveriam ser guardados em prateleiras facilmente aces­


síveis às crianças. A autora acredita que são obtidos melhores resultados
quando todos os brinquedos ficam à vista e as crianças podem escolhê-
los como seus meios de expressão, do que quando o terapeuta dispõe de
materiais selecionados, na mesa em frente à criança e assenta-se, quieta­

BOOKS
mente, esperando sua conduta não-diretiva. Alguns terapeutas preferem
usar um mínimo de materiais e têm observado interessantes resultados
com objetos selecionados por eles, para as crianças.

É de responsabilidade do terapeuta manter os brinquedos constan­


temente inspecionados, removendo os quebrados e mantendo a sala em
ordem. Se a sala é usada por diversos terapeutas, cada um deles tem a
obrigação de zelar para que a sala seja deixada em ordem, de tal forma
que vestígios das brincadeiras de uma criança não venham a influenciar
a outra. Por exemplo, se a caixa de areia é usada como uma reprodução

GROUPS
da casa de um dos clientes, não deverá ser deixada assim para o próximo.
As tintas e a argila seriam guardadas limpas e higienizadas. Se as tintas
coloridas estão misturadas, deverão ser limpas e novamente preparadas.
As mamadeiras seriam mantidas esterilizadas. Todas as pinturas e tra­
balhos em argila deveriam ser removidos da sala de brinquedos no fim
de cada sessão, de forma que a sala fique sempre livre de possíveis su­
gestões no uso dos materiais.

Dado a natureza de alguns materiais usados na ludoterapia, suge­


re-se prover a criança com um avental para proteger suas roupas; este
pode ser fornecido tanto pelo terapeuta quanto pelos pais. A criança se
sentirá livre para usar os materiais da forma que quiser, apenas com as
poucas limitações estabelecidas, sem o constrangimento de sujar as roupas.

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INDEX
BOOKS
GROUPS

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4. A CRIANÇA

INDEX
À sala de ludoterapia, com sua profusão de brinquedos e materiais
lúdicos, chega uma criança, à qual se dispensa toda a atenção. Que espé­
cie de criança será aquela e como veio parar aqui? Tom, Ema, Timmy e
Bobby são exemplos de crianças como ela. Estão na sala de ludoterapia
porque alguns adultos que tinham que lidar com elas acham-nas “ crianças-
problema.” Neste capitulo, descreveremos mais profundamente estas cri­
anças e falaremos sobre os vários tipos de problema que elas apresentam.
Tom, Ema, Timmy, Bobby e todas as outras são crianças reais, mer­

BOOKS
gulhadas em adversidades o dia inteiro, pouco favorecidas, infelizes, que
não tiveram nem mesmo a mais ínfima migalha de amor,} segurança e fe­
licidade devidos a toda criança. Estão lutando para se situarem num m u »
do hostil. Empenham-se em obter algo valioso a seus próprios olhos. Têm
coragem, perseverança e firmeza, mas são crianças-problema.
Tom briga, briga, briga o dia inteiro. Ema inferniza as pessoas que
seriam suas amigas. Timmy e Bobby chegam a adoecer por causa de suas
tensões íntimas. Onde quer que estejam, entram em dissonância com o
meio. Alienam-se e marginalizam-se, em decorrência de suas próprias po­

GROUPS
sições defensivas. Têm problemas e não sabem exatamente como resol­
vê-los. Aliviam-se de algumas de suas tensões, descarregando-as através
de oeu comportamento agressivo, mas isto só faz criar-lhes outros proble­
mas. É a má orientação na consecução de suas íntimas auto-realizaçõe a '
que parece causar-lhes desajustamentos. É preciso que haja uma canal
zação de seus esforços, no sentido de um comportamento mais construti­
vo. Estes são exemplos de crianças-pròblema, freqüentemente encaminha­
das à ludoterapia por pais, professores, fiscais, médicos ou outro qual­
quer responsável. As agressivas, perturbadoras, barulhentas são as mais
facilmente identificadas como crianças-protlsma, porque estão constante-

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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015

mente criando novas dificuldades, não somente para elas próprias, mas
também para os que têm contato mais prolongado e íntimo com elas.
Existem outras crianças — justamente as mais desesperadamente
necessitadas de auxílio — que perante seu mundo difícil e hostil, vivem
fragilmente, retraídas, apartadas do calor humano; e, porque são quietas e
não provocam distúrbios, são deixadas sozinhas. Mas essas crianças tí- '
midas necessitam da terapia e dos benefícios que ela possa lhes propor­
cionar.
São crianças que parecem recusar-se a crescer e se apegam às ma­
neiras infantis. Nervosas, roem as unhas, têm pssadelos, urinam na cama,
têm tiques nervosos, recusam-se a comer, e manifestam outros tipos de
comportamento que indicam ansiedade e tumultos internos. A ludotera-1

INDEX
pia oferece a essas crianças uma oportunidade de resolver seus problemas, y
aprender a conhecê-los, aceitá-los como são e amadurecer através da ex- j
periência terapêutica.
Também as crianças com defeitos físicos beneficiam-se da experi­
ência terapêutica, no caso do problema físico dar origem a ansiedade, dis­
túrbios e conflitos emocionais. Neste livro cita-se o caso de um menino
cego que foi bastante auxiliado. Há também o caso de Ernest, um garoto
com defeito físico, cuja recuperação foi bloqueada por um distúrbio emo­
cional, que ele foi capaz de superar. Há casos de crianças espásticas que

BOOKS
são ajudadas pela ludoterapia. Estas crianças têm em seu íntimo os mes­
mos desejos e sentimentos de uma criança normal. Muitas vezes, o de­
feito físico frustra e bloqueia de tal forma que gera tensões quase insu­
portáveis para a criança. Não é raro encontrarmos crianças acometidas
de males físicos e de suas conseqüências, vivendo em uma casa em que
não recebem compreensão e onde não são valorizadas como merecem.
Recusar-se a encarar esses problemas não os resolve. Tudo o que puder
ser feito por essas crianças deve ser feito. Alguns médicos estão inteira­
mente dispostos a trabalhar cooperativamente com a ludoterapia, tentan­
do dar à criança toda a ajuda necessária a propiciar-lhe um máximo de
ajustamento.
GROUPS
Em geral, a ludoterapia fornece ao psicólogo e à professora uma
técnica de entendimento e ajuda àquelas crianças, tão freqüentemente ta­
xadas de crianças-problema, e mesmo àquelas que apresentam problemas
de comportamento, deficiências de pronúncia e até problemas somáticos,
quando são encaminhadas pelo médico.
Os problemas de comportamento incluem todos os tipos que podem
constituir desajustamento: desde os muito reprimidos e tímidos até os
de muita agressividade e inibição.
Os problemas com os estudos escolares freqüentemente coexistem
com conflitos emocionais e tensões. As sessões de ludoterapia têm-se de-

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monstrado eficazes para resolver esses problemas, dando à criança con­


dições de explorar seus sentimentos e atitudes, de se libertar de suas
emoções reprimidas. Ao término da terapia, elas alcançam uma evolução
psicológica e uma maturidade suficientes para a realização dos trabalhos
escolares.
Os problemas de pronúncia, tais como gagueira, fala infantil, lin­
guagem repetitiva, falar errado, também parecem ser corrigidos pela lu-
doterapia. Até mesmo o mutismo tem sido resolvido logo após o início
da ludoterapia. Os problemas de pronúncia também parecem estar liga­
dos à vida emocional, da criança. Quando existem embaraços e confusões
nos sentimentos da criança, estes se manifestam quase sempre através
de dificuldades em falar.

INDEX
Problemas com a leitura também demonstram uma melhora, quan”
do a terapia suplementa ou, em certos casos, substitui a instrução nor­
mal. Em muitos casos, a criança que não lê é uma criança com distúrbios
emocionais. De outras vezes, o distúrbio é tão pequeno que não é cons-
derado como um sério elemento nos problemas de incapacidade para a j
leitura e a ludoterapia já tem revelado casos de tensões, medos, ansieda-J
des, que foram superados, depois que se obteve estabilização.
Há grande necessidade de maiores estudos em todas as áreas men­
cionadas. A evidência dos casos que têm respondido muito bem a esse

BOOKS
tratamento aponta para onde devem ser dirigidos os estudos mais inten­
sivos, a fim de que tais áreas sejam estudadas mais completa e cientifi­
camente. Até as presentes notas, o campo da terapia não-diretiva é rela­
tivamente novo. Um território virgem para quem se interesse em estu
dá-lo. As implicações são enormes e parece valioso prosseguir.
Não há nenhuma justificativa em esperar até que a criança esteja
seriamente desajustada para que se tente ministrar-lhe alguma ajuda. Pa­
rece haver uma certa higiene mental preventiva nas experiências de lu­
doterapia. E a criança, mesmo que não esteja seriamente desajustada, di­

GROUPS
verte-se muito com a experiência. Isto para ela é uma brincadeira. O
fato da própria criança se dirigir, fazendo o que quer, remove qualquer,
vestígio de medo da situação terapêutica, desde o primeiro contato.
As crianças desconhecem o fato de constituírem problema. Pelo ]
menos o terapeuta, de forma nenhuma, deixa isto transparecer. Tom sa- /
be que é infeliz, cheio de defesas e sozinho contra o mundo. Ema não
consegue entender o vazio que sente em seu coração, por causa da rejei­
ção que recebe. Timmy e Bobby sentem que o mundo fugiu sob seus
pés. Todas as quatro são crianças solitárias contra um mundo insensível
e inamistoso e freqüentemente fazem sua posição piorar com seu com­
portamento indesejado. Estão presas a um círculo vicioso, que pode ser
quebrado apenas pela realização de suas próprias habilidades de agirem

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como indivíduos com seus próprios direitos e de poderem expressar seus


sentimentos, de maneira marcante e dramática, em seus jogos e ativida­
des artísticas.

E de se ver a reação física da criança que se liberta: se está feliz,


: ela o é completamente. Seus olhos brilham e dançam. Seu andar é leve e
despreocupado. Seu riso é franco e vem facilmente. Quando se sente
amada, segura e bem sucedida, avança corajosamente para os negócios
9 da vida, e viver é uma aventura divertida, ao encontro da qual ela se lan­
ça ansiosamente. Está fortificada contra os pequenos altos e baixos que
fazem a vida interessante. Está preparada para viver, e é protegida por
relações familiares satisfatórias.

Por outro lado, quando uma criança está triste e deprimida, sua

Í
INDEX
imagem perde o brilho, seus movimentos são lentos e pesados, seus olhos
refletem a infelicidade em que está mergulhada. É infeliz da cabeça aos
p *.

As crianças respondem rápida e sinceramente a qualquer tentativa


de estender-lhes a mão e ajudá-las. Mesmo as que sofreram cruéis priva­
ções, reagem rapidamente a esta experiência de serem aceitas, que lhes
permite libertarem-se de seus sentimentos, e íhes abre as portas para seu
auto-conhecimento, de tal forma que elas possam ingressar numa nova era

BOOKS
de completa auto-realização.

Na verdade, Tom, Ema, Timmy é Bobby são crianças comuns. Fo­


ram encaminhadas à ludoterapia e se utilizaram dos meios oferecidos para
superar seus problemas de ajustamento. O caso de cada uma é relatado
integralmente neste livro.

GROUPS

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5. O TERAPEUTA

INDEX Com a criança na sala, o terapeuta não é nem um supervisor, nem


um professor, nem mu substituto dos pais. Descreveremos agora os re­
quisitos de sua personalidade e a sua atuação no relacionamento da lu-
do terapia não-diretiva.
O papel do terapeuta, embora seja não-diretivo, não é de modo al­
gum passivo e sim de alerta, de sensibilidade e de constante apreciação

BOOKS
daquilo que a criança está dizendo ou fazendo. São necessários uma com-
preensão e um genuino interesse pela criança. O terapeuta deve ser sem­
pre permissivo e aceitador. Estas atitudes são baseadas numa filosofia
do relacionamento humano que salienta a importância do indivíduo
como capaz e digno de confiança ao assumir a responsabilidade so­
bre si mesmo. Conseqüentemente, o terapeuta respeita a criança.
Trata-a com honestidade e sinceridade. Não há nem irritação nem exces­
so de doçura em suas atitudes ao lidar com ela. É franco e sente-se à
vontade na presença da criança. —■

GROUPS
O terapeuta não manda na criança, não a apressa nem, por impa­
ciência, toma atitudes precipitadas que a façam perceber qualquer falta
de confiança em sua capacidade de ser responsável por si mesmâ. Nun­
ca ri dela. Ei com ela, às vezes; mas dela, nunca!
Tem uma paciência especial e um estado de espírito que relaxa a
criança, coloca-a à vontade, e a encoraja a compartilhar com ele seu
mundo interior.

E uma pessoa madura que reconhece a responsabilidade aSsumida


ao se propor trabalhar com uma criança. O terapeuta mantém uma ati­
tude profissional em seu trabalho e não revelai s confidências da crian­
ça aos pais, professores ou quem quer que seja que pergunte sobre o que
ela fez ou disse durante a sua hora de terapia. A hora de terapia é real-

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6/5/2015 INDEX BOOKS GROUPS
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mente a hora da criança e mantém-se total observância ao princípio de
que aquilo que ela diz ou faz é estritamente confidencial.
O terapeuta deve gostar de crianças e conhecê-las realmente. É
interessante que tenha algumas experiências pessoais com crianças fora
da situação terapêutica, para que ele as conheça e entenda como são real­
mente, em seu mundo fora do consultório.
A idade e a aparência física parecem ser sem importância. Nem
mesmo o sexo do terapeuta parece influir. Terapeutas de ambososse­
xos têm tido bastante sucesso nesse trabalho. O importante parece ser a
atitude básica para com a criança e a consciência de sua profissão.
As crianças são extremamente sensíveis à sinceridade dos adultos.

Í Apreendem rapidamente as inconsistências nas atitudes e no comporta­


mento deles. Portanto é aconselhável o terapeuta observar seu procedi­
mento como terapeuta, e prosseguir com honestidade e firmeza em seu

INDEX
trabalho.

Um bom terapeuta é muitas vezes como um professor favorito. Co-


mumente o professor favorito conseguiu essa distinção em decorrência
de suas atitudes básicas para com os alunos — atitudes estas que usual­
mente revelam habilidade, paciência, compreensão e serenidade, somados
à disciplina, o que estimula a responsabilidade e a confiança por parte
dos alunos. O professor ou terapeuta bem sucedidos podem ser jovens
ou velhos, bonitos ou feios, bem trajados ou indiferentemente vestidos,

BOOKS
mas sua atitude em relação à criança é sempre de respeito e aceitação
O terapeuta não poderá simular estas atitudes. Elas deverão ser
parte integrante de sua personalidade. Nunca, antes dele ter compreen­
dido a significação do que é a completa aceitação de outra pessoa, e de
ter suficiente entendimento das implicações deste termo, será capaz de
ser tão permissivo a ponto de possibilitar à criança ser ela mesma, poder
expressar-se plenamente, e será capaz de aceitá-la sem julgamentos ante­
cipados. Embora a atitude não-diretiva do terapeuta pareça ser de passi­
vidade, isto está muito longe da verdade. Não há disciplina mais sereva

GROUPS
do que a de manter a atitude de completa aceitação, de abster-se de fazer
qualquer insinuação ou orientação ao brinquedo da criança. ~PermaneT|
cer aíerta para apreender e réflêtir~profundamente sobre os sentimentos
revelados pelo cliente em seu brinquedo ou em sua conversa requer uma 1
completa participação durante todo o tempo que dura a sessão de ludo-j
terapia.

O sucesso da terapia começa com o terapeuta. Ele deve ter segu­


rança em sua técnica. Deve ter confiança em suas convicções. Deve ini­
ciar cada novo contato com confiança e calma. Um terapeuta tenso e in­
seguro cria um relacionamento tenso e inseguro entre ele a criança. De­
ve estar verdadeiramente interessado em ajudar a criança. Deve apresen-

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tar-se amigavelmente adulto e digno, trazendo à sala de terapia algo mais
que sua presença, lápis e papel. É necessário, para o sucesso da terapia,
que a criança confie no terapeuta. É preciso conter-se para evitar os
extremos no relacionamento. Mostrar excessivo afeto, muito aconchego
pode facilmente extinguir a terapia e criar novos problemas para a cri-y
ança. O amparo de uma atitude protetora é justamente algo de que aj
criança precisa se afastar antes que esteja “ liberta".
O terapeuta não está pronto para levar a criança à sala de terapia,
enquanto não tiver desenvolvido sua auto-disciplina, auto-contenção e um
profundo respeito pela personalidade da criança. E não há disciplina <3
tão severa quanto a que exige que a cada indivíduo sejam dados o direito
\ e a oportunidade de sustentar-se sobre seus próprios pés e tomar suas
--t7i próprias decisões.

O terapeuta é um profissional ao lidar com a criança: respeita seus

INDEX
compromissos para com ela com toda a pontualidade com que os aten­
deria ao tratar com adultos; só falha aos compromissos no caso disso ser
absolutamente necessário; não encerra os contatos antes de considerar os
sentimentos da criança, e sem informá-la disso com antecedência, de modo
que ela não se sinta rejeitada.
O terapeuta não deve se envolver emocionalmente com a criança
pois, quando isso acontece, a terapia desvirtua-se, e a criança não se be­
neficia nestas complicadas circunstâncias. O envolvimento emocional nor­
malmente é eliminado, se o terapeuta assimilou os princípios e atitudes

BOOKS
básicas, se já tem a visão dos limites que existirão, e se já sabe o que
fará se a criança adotar algum comportamento imprevisível (o que mui­
tas vezes ocorre). Com suficiente auto-confiança por parte do terapeuta^
pouco provável que ele se embarace, caso o cliente se tome uma cria- 1
tura provocadora e cheia de recursos, e tente envolvê-lo com sutis arti- I
manhas, é necessário que haja serenidade, sensibilidade e desembaraço l
por parte do terapeuta, para levar adiante a terapia. Se ele se sente en-j
tediado e sonolento durante os contatos terapêuticos, então será melhor )
^que não lide com crianças. .J

GROUPS
Uma vez que o terapeuta julgue valioso anotar as atividades e con­
versas que ocorrem na sala, deverá ter à mão os materiais necessários pa­
ra isto. O terapeuta descobrirá se uma avaliação crítica das notas feitas
em cada sessão vai melhorar sua habilidade em manejar os vários pro­
blemas que ocorrem na sala de ludoterapia, desenvolvendo sua compre­
ensão a respeito do comportamento da criança e tornando-o mais sus­
cetível aos sentimentos e atitudes que ela expressa. Estas notas, e todas
as outras observações feitas durante a sessão de ludoterapia deverão ser
mantidas em sigilo, pois são confidenciais. E, quando for necessário dis­
cuti-las por razões profissionais, isso deverá ser feito de modo a enco­
brir os nomes o suficiente para não prejudicar quem quer que seja.

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Tudo o que foi dito no que se refere ao terapeuta pode ser resu­
mido dizendo-se que ele deve ser uma pessoa capaz de aceitar de corpo
e alma, os oito princípios básicos que orientam seus contatos com as cri­
anças. Estes princípios serão enunciados e discutidos detalhadamente
na terceira parte. Antes de prosseguirmos, porém, é interessante falarmos
brevemente sobre a posição de um participante indireto no processo de
ludoterapia: os pais, ou como é bastante freqüente no caso de crianças
problema, os pais adotivos.

INDEX
BOOKS
GROUPS

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6. UM PARTICIPANTE INDIRETO:
OS PAIS (OU PAIS ADOTIVOS)

INDEX Basta-nos apenas um passar de olhos pelos casos relatados neste livro
para entender a parte extremamente importante que os pais — ou os pais
substitutos, ou amas — têm no curso do processo terapêutico.

Embora os pais, ou substitutos dos pais, sejam freqüentemente um


fator agravante no caso da criança mal ajustada, e ainda que possa a tera­
pia prosseguir mais rapidamente se os adultos receberem também alguma

BOOKS
ajuda terapêutica ou aconselhamento, não é necessário que isto aconteça
para assegurar o sucesso da ludoterapia.
O leitor notará que muitos dos casos deste livro são de crianças que
estavam em situações em que não hãvia um mínimo de “insight” por parte
dos adultos que visasse a melhorar seus problemas. Em pouquíssimos ca­
sos os adultos receberam algum tratamento, mas ainda assim as crianças
se tornaram aptas a se fortalecerem intimamente o bastante para resisti­
rem a condições muito penosas, como se parecesse que o “insight” e a auto-
compreensão obtidos por estas crianças desse origem a modos mais ade­

GROUPS
quados de lider com a situação. E, à medida que as tensões cessassem, isto,
por sua vez, provocaria uma certa rnudança nos adultos. Isso é o mesmo
que ocorre com a explanação das reações dinâmicas que estão constante­
mente mudando, à luz de novas experiências. Se a criança toma-se madura
e Responsável, também os adultos se irritam menos e sentem menos neces­
sidade de entrar em choque com ela.

Quando Tom parou de brigar e de ficar mal-humorado em casa, quan­


do se tornou apto a aceitar sua meia-irmã e quando mostrou sinais de com­
portar-se mais maduramente, seu padrasto foi capaz de aceitá-lo. E, tendo
acalmado as relações familiares, a mãe chegou a considerá-lo de modo mais

63
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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015

afetuoso e construtivo. Eles tinham progredido além do estágio em que


cada um brigava pela própria estima e reconhecimento. Tom não mais se
opôs ao pai adotivo. O pai adotivo não mais hostilizou Tom. A fonte de
atrito desapareceu. Quando os problemas em família se esclareceram, Tom
não sentiu necessidade de buscar compensação com as outras crianças na
escola. A compreensão sobre seu próprio comportamento, feita durante a
experiência terapêutica, ajudou-o a modificar seu modo de proceder, de tal
forma que chegou a ser capaz de progredir em seu relacionamento com as
outras crianças. Quando conseguiu um status aos olhos delas, quando estas
mostraram uma sincera consideração por Tom como pessoa, quando ele
ytornou-se uma delas, então ele deixou de ser uma “criança-problema” .

Neste caso, como em todos os outros, nem os pais de Tom nem seus
professores, tiveram qualquer informação sobre o que ele estivera fazendo

INDEX
durante as sessões de ludoterapia. Os pais sabiam que ele estava recebendo
alguma ajuda, mas a terapeuta nunca os encontrou, ou manteve com eles
qualquer contato. Isto indica que não há nenhuma necessidade de terapia
simultânea em tais casos. Entretanto, ela não é sem valor. Tivessem a mãe
ou o pai de Tom vindo para o aconselhamento, seria possível ter havido
sucesso mais rapidamente, e os próprios pais teriam conseguido uma com­
preensão que iria além de seus problemas com Tom, recebendo ajuda para
eles mesmos.

/' Isto também parece ser verdade quando é efetuado de outra maneira.

BOOKS
Se os pais recebem ajuda terapêutica e a criança não, freqüentemente a
compreensão deles é suficiente para ativar uma melhora no relacionamento
com a criança, resultando disto uma mudança positiva nas reações desta. Y
\ Daí, pode-se concluir como seria mais simples e eficiente a terapia de país
í e filhos levada a efeito simultaneamente.
O caso de Ema é também interessante, nesse ponto. A mãe não era
acessível à terapia, nem quis assumir qualquer responsabilidade de partici­
pação no relacionamento. A terapeuta não teve nenhum contato com a mãe.
Dessa forma, nada foi feito para facilitar a situação. As diretoras da insti­

GROUPS
tuição tinham decidido pôr fim ao procedimento absurdo da mãe quando
esta criou um verdadeiro distúrbio íntimo na criança, por não cumprir suas
promessas, mas isso só foi feito após a terapia estar completamente bem
sucedida. Entretanto, Ema conseguiu adaptar se ao comportamento de sua
mãe, mesmo com as dificuldades e dissabores que este lhe trouxe. A tera­
peuta também não teve contato com a professora de Ema e, mesmo assim,
um relato de sua situação escolar mostrava considerável progresso em suas
atitudes e em seu comportamento na escola, indicando ter ela obtido um
ajustamento satisfatório.
" O caso de Timmy e Bobby é outro exemplo de situação análoga. De
fato, muitas das crianças citadas neste livro são vítimas de negligência pa-

64

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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015

terna, rejeição, desconsideração e sozinhas elas conseguiram superar estes


problemas, tão difíceis quanto pode ser qualquer problema pessoal. Esta
evidência é que impressiona a terapeuta — a força íntima do indivíduo para
lutar..cnntra seus problemas, sem ajuda do ambiente. Isto, porém, não sig­
nifica que uma mudança do ambiente deixe de ser, às vezes, desejável e
valiosa. Indica apenas que a capacidade interior do indivíduo de ajustar-se
às condições exteriores, que ele às vezes tem dificuldade em encarar, é muito
maior do que usualmente se pensa ser.
No caso de criança com perturbação somática, entretanto, parece mais
eficiente haver uma ativa participação dos pais, principalmente se ela é men­
talmente deficiente e estes têm dificuldade em aceitar o fato. Apesar disso,
não se pode forçar ninguém a compreender. A menos que os pais desejem
realmente assumir parte da responsabilidade da resolução do problema,
então melhor seria deixar a criança vencê-lo sozinha. Muito pouco tem sido
feito nesta área específica, ccm o objetivo de determinar a eficiência da

INDEX
ajuda terapêutica para crianças com deficiências mentais.

Existem poucos indícios nos relatos deste livro que indiquem terem
os pais, ou pais adotivos, cooperado voluntariamente. Algumas vezes isto
tem sido de pouca valia. Parece que a única espécie de sugestões que são
seguidas são aquelas com as quais os pais, eventualmente, concordam.

A ludoterapia tem sido feita em escolas nas quais somente a criança


participa, e os resultados obtidos são muito compensadores, não somente no
tocante aos relacionamentos escolares, mas também aos domésticos. Isto

BOOKS
acrescenta mais um argumento importante no tratamento da criança-proble-
\ma e indica com bastante clareza que os impulsos interiores da criança, no
I sentido da cura, são realmente poderosos.

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INDEX Terceira Parte

OS PRINCÍPIOS DA

BOOKS
LUDOTERAPIA NÃO-DIRETIVA

GROUPS

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7. o s OITO princípios b á s ic o s

INDEX
Os princípios básicos que guiam o terapeuta em todos os seus conta­
tos não-diretivps são muito simples, mas grandiosos em suas possibilidades,
quando seguidos com sinceridade, segurança e inteligência.
Os princípios são os seguintes:

1. O terapeuta deve desenvolver um amistoso e cálido relaciona­


mento com a criança, de forma que logo se estabeleça o "ràpport".

BOOKS
2. O terapeuta aceita a criança exatamente como ela é.

3. O terapeuta estabelece uma sensação, de permissividade. no rela­


cionamento, de tal- modo que a criança se sinta completamente li­
vre para expressar seus sentimentos.
4. O terapeuta está sempre alerta para identificar os sentimentos
que a criança está expressando é para refleti-los para ela, de tal
forma que ela adquira conhecimento sobre seu comportamento.

5. O terapeuta mantém profundo respeito pala capacidade da crian­

GROUPS
ça em resolver seus próprios problemas, dando-lhe oportunidade
para isto. A responsabilidade de escolher e de fazer mudanças
é deixada à criança.

6. O terapeuta não tenta dirigir as ações ou conversas da criança de


forma alguma. Ela indica o caminho e o terapeuta o segue.
7. O terapeuta não tenta abreviar a duração da terapia. O processo
é gradativo e assim deve ser reconhecido por ele.
8. O terapeuta estabelcee somente as limitações necessárias para
fundamentar a terapia no mundo da realidade e fazer a criança
consciente de sua responsabilidade no relacionamento.

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O terapeuta compreende que a terapia não-diretiva não é uma “pana­


ceia” . Admite que — como todas as coisas — ela também tem as suas limi­
tações, mas experiências diversas indicam que suas implicações são um de­
safio e uma inspiração às pessoas ligadas aos problemas de ajustamento.
Quando uma criança vem para a ludoterapia é normalmente porque
algum adulto a trouxe ou mandou-a ao consultório para tratamento. Ela
se lança nessa experiência singular do mesmo modo que penetraria em
outras novas experiências — amedrontada, entusiasmada, cuidadosa, ou de
qualquer outra maneira que lhe seja típica em sua reação ante situações no­
vas. O contato inicial é de imensa importância para o sucesso da terapia.
É neste primeiro contato que é estabelecido o cenário, que possibilitará o
andamento posterior da terapia. Os princípios são demonstrados à criança,
não somente por palavras, mas pelas relações que são, estabelecidas entre
terapeuta e cliente.

INDEX
A palavra estruturação é usada neste caso para representar o desen-
( volvimento do relacionamento, de acordo com os princípios básicos ante-
) riormente citados, de forma que a criança entenda a natureza dos contatos
’ I terapêuticos e fiqúe apta a usufruir deles plenamente. A estruturação não
/ é uma coisa casual, mas um modò cuidadosamente planejado para condu­
zir a criança a um meio de auto-expressão, que traga o entendimento de
seus sentimentos e o valioso auto-conhecimento. Não é uma explanação so­
mente verbal, mas um estabelecimento concreto de um relacionamento.
\'

BOOKS
O relacionamento que é criado entre terapeuta è cliente é fator deci­
sivo para o fracasso ou sucesso da terapia. Este não é um relacionamento
fácil de ser obtido. O terapeuta deve demonstrar úm empenho sincero em
entender a criança e constantemente controlar as suas respostas que possam
ser contrárias aos princípios básicos. Deve, ainda, avaliar seu trabalho em
cada caso, de forma que ele, também, evolua em seu entendimento da dinâ­
mica do comportamento humano.

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8. ESTABELECENDO O "HAPPORT"

INDEX
O terapeuta deve desenvolver um amistoso e cálido relacio­
namento com a criança, de form a que logo se estabeleça o “rap-
port”.

Uma terapeuta encontra a criança pela primeira vez. Ela está come-,
çando o contato inicial. A estruturação começou. O que deve fazer? Um
sorriso é usualmente tuna indicação de calor e amizade. As primeiras palar,
vras de saudação estabeleceriam o "rapport". Então, a terapeuta iria até a

BOOKS
criança e, sorrindo lhe diria ‘‘Boa tarde, Johnny. Estou feliz em ver você.
Você gosta daquele Mickey ali em cima da mesa?” Neste momento, Johnny
corresponderia ao sorriso e diria: "Sim, ele é engraçado.” Ele poderia ter
dito isto, mas o próprio fato de ter sido encaminhado à ludoterapia, indica
que ele não vai agir “de acordo com as regras” . Ele poderia muito provavel­
mente ter voltado as costas para a terapeuta. E então? A busca do enten­
dimento mútuo por parte dela não deve desvanecer tão facilmente. “ Você
gostaria de vir para a sala de brinquedos comigo e ver todos os brinquedos
bonitos que estão lá?” “ N ão.” “ Ora, venha Johnny, lá você vai encontrar tin­

GROUPS
tas, argila e soldadinhos. Você gosta de soldadinhos não é mesmo?” “Não.
Eu não quero ir!” diz Johnny.

A terapeuta deve, então, fazer uma pausa. De fato, ela deveria ter in­
terrompido talvez até antes. Baseada em qual dos princípios básicos ela
tenta convenoer Johnny? Tenta estabelecer um relacionamento cálido e ami­
gável, sacrificando, porém, alguns dos outros princípios básicos. Ela não
está aceitando Johnny como ele é.Não está refletindo seus sentimentos. Ele
disse que não queria ir ver os brinquedos com ela. Aparentemente, esta te­
rapeuta ainda não começou a permitir que a criança assuma sua responsa­
bilidade em fazer escolhas. “ Muitas crianças vêm aqui e gostam da nossa
sala de brinquedos,” ela diz, persistente. “Nós temos uma casa de brinque­

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do e uma família de bonecas." A terapeuta o olha suplicante. Ele lhe dá
uma olhadela. Ela está tentando fazê-lo agir como outras crianças. Está coa
gindo-o. Está cálida e amigável mas, talvez, em excesso. Johnny, que se res­
sente cada vez mais com tudo isso, começa a choramingar. “ Mamãe, eu
não quero.” A mãe torna-se enérgica. “Agora, Johnny, vá com a senhorita
Ela tem muitos brinquedos para você brincar.” Johnny começa a chorar.
“Eu não quero. Eu quero ir para casa.” “Anda, Johnny”, diz a mãe, “eu es­
tou envergonhada de você. Aqui está uma linda moça oferecendo a você
uma sala de brinquedos e você faz isso. A moça não vai gostar de você!” A
mãe interferirá na estruturação, se a terapeuta não se prevenir contra isto.
“A senhorita não vai gostar de você”, não é especificamente uma boa base
para se estabelecer um relacionamento terapêutico.

O que a terapeuta deveria fazer? Pegar a criança e levá-la no colo para


a sala de brinquedos e, quando ela gritasse seu protesto, refletiria seus sen­

INDEX
timentos? Você está furioso porque eu o carreguei e trouxe até aqui. Vo­
cê não gosta de ser tratado desta form a.” Assim ela seria introduzida na
sala de brinquedos. Entretanto, nem todas as terapeutas são “ amazonas”
e nem todas as crianças são “pesos-leves” .

Talvez fosse melhor levar o menino para a sala de brinquedos por suas
próprias forças. Ela deveria dizer: “Alô Johnny. Eu estou feliz por ver você.
Você gosta do Mickey, em cima da mesa?” Johnny vira-lhe as costas. “Oh.
você não gosta de conversar comigo. Você não me conhece.” A terapeuta deve
observar seu tom de voz. Ele não deve soar como uma reprovação. Mas,

BOOKS
ela não pode esquecer a mãe. Esta deveria estar dizendo: "Johnny, olhe para
a moça quando ela fala com você.” Johnny diria choramingando: “Eu não
quero. Eu quero ir para casa.” Então a terapeuta diria: “Você não quer na­
da comigo. Você quer voltar para casa. A sala de brinquedos está logo ali,
caso você queira vê-la antes de se decidir ir para casa.” Ela se encaminharia
para lá. A mãe a seguiria. Johnny iria, relutante. Então a terapeuta pode­
ria ter uma inspiração. “A senhora tem que ir falar com o senhor X ..., não
é D ...? ” “Sim, eu tenho.” “Bem”, diria a terapeuta, “ se Johnny não quiser
ficar na sala comigo e brincar, ele pode ficar aguardando a senhora na sala

GROUPS
de espera.” “É Johnny”, diria a mãe, “você prefere ficar na sala de espera?
Eu volto dentro de uma hora.” “Eu quero ir com a senhora” diria Johnny,
choroso. “Você não pode ir com ela, Johnny. Ela tem que conversar em
particular com o senhor X. Você fica na sala de espera ou na sala de brin­
quedos. Você é quem sabe.” Mais um pouco de choro e Johnny entra na
sala de brinquedos. Metade da batalha está ganha.
A terapeuta deve estar pronta para o caso da mãe não ser coopera-
dora, mas sim daquelas que tomam seu Johnny dependente. Esta quererá
entrar na sala de brinquedos com ele. O que deverá a terapeuta fazer neste
caso? Levará a mãe consigo pensando que, a menos que faça esta concessão,
os contatos terapêuticos jamais se realizarão? Ela dirá: “ Só as crianças são

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admitidas na sala de brinquedos, Johnny.. Sua mãe ficará esperando por
você. Ela não vai embora deixando-o aqui.” Mas Johnny chora. "Johnny
não quer largar da mamãe”, diz a terapeuta. “Ele está com medo de ir so­
zinho para a sala de brinquedos.” A mãe acorre, incentivando. E Johnny
se esgueira para a sala de brinquedos. A porta é fechada. A mãe espera fora.

- E se a mãe não quisesse deixar Johnny sozinho? Haveria ainda espe­


rança na terapia? Tem havido ocasiões em que a mãe entra na sala, assen­
ta-se durante a sessão e a própria criança pede que ela se retire, o que é
considerado um sinal de progresso. Mas, e se a mãe de Johnny insiste em
permanecer na sala, qual deverá ser á atitude da terapeuta?, Parece que
esta deve permitir isto, se segue os princípios básicos. De fato ela deve ser
capaz de clarificar muitos sentimentos entre a mãe e Johnny, tendo-os am­
bos na sala de terapia. Esta é uma teoria ainda não testada, mas parece
oferecer possibilidades, no caso de ser o único caminho. A mãe, pelo me­

INDEX
nos, pode conseguir algum “ insight” se a terapeuta conduzir habilmente
a situação. Johnny pode demonstrar sua completa dependência em relação
à mãe, por seus constantes pedidos de que ela lhe faça isto ou aquilo. A
terapeuta, alerta às atitudes e sentimentos, pode aproveitar-se de alguns de­
les. “Johnny quer que a mamãe lhe mostre como brincar com a boneca.”
“ Johnny quer que a mamãe lhe diga o que fazer agora.” Ela pode até mes­
mo chegar a refletir alguns dos sentimentos da mãe. Talvez ela esteja, vo­
luntariamente, conduzindo Johnny. “Não faça isto, Johnny. Brinque desse
modo.” A terapeuta deve ajudar a mãe a obter algum “insight” dizendo-lhe:
“Você acha que Johnny não pode fazer isto por si mesmo. Você gosta de

BOOKS
dizer a ele tudo o que tem que fazer.’’ Entretanto, .uma tentativa,.assim
não é indicada aos terapeutas inexperientes.
É interessante notar que a maioria das crianças entra prontamente
na sala de brinquedos. Isto torna-se uma fonte de grande satisfação para
elas. Não há um sério problema no estabelecimento de um cálido e ami­
gável relacionamento com a criança que vai espontaneamente com a tera­
peuta.
15 bom lembrar que a terapeuta pode, desapercebidamente, influir de

GROUPS
maneira sutil no relacionamento, num esforço para obter um bom entendi­
mento. Por exemplo, dizendo a um cliente cooperador: “ Oh, que belo garoto
você é! Você quer vir para a sala de brinquedos? Lá tem argila, tinta, e mui­
tos brinquedos.” üma vez dentro da sala, talvez ele comece a pintar e diga
à terapeuta: “ Eu não pinto muito bem ." E ela responde: “Qual nada, eu
acho que está um desenho ótimo! E vocô o fez sozinho. E você não acha que
ele está assim tão bom , ” Finalmente ela reflete a atitude expressa pela crian­
ça, mas este procedimento é bastante diminuído em seu valor, pelo tempo
que ela gasta em rodeios, o que não deveria ser feito.
E ainda há o caso de dois irmãos, um de quatro e outro de cinco
anos, que estavam tendo sessão de ludoterapia. Um deles estava pintando

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e, acidentalmente, espirrou tinta. Pegando um pano, ele limpou tudo, A
terapeuta disse: “Bobby é cuidadoso. Ele limpou tudo que sujou.” Daí en­
tão, o contato passou a ser uma verdadeira exibição de quão cuidadosos
eram ambos, e os comentários eram sempre: "Olha, eu estou sendo cuida­
doso, viu? Estou sendo cuidadoso." Não intencionalmente, a terapeuta agiu
diretivamente quanto ao comportamento das crianças. Elogios feitos àsl
ações praticadas na sala não são condizentes com a terapia.
Uma terapeuta ainda sem muita experiência examinou o caso de Oscar,
um menino de seis anos. Ele foi trazido por sua mãe. O pai tinha sido as­
sassinado quando Oscar contava doÍ3 anos de idade. .No dia em que o pai
foi morto, ele caiu doente com um sério caso de sarampo. A mãe sofreu
um abalo nervoso e ficou hospitalizada durante três meses. Finalmente,
quando ela recobrou a saúde o suficiente para poder voltar á seu emprego
de secretária particular, trouxe Oscar de volta à casa e contratou uma ama

INDEX
para cuidar dele. Esta não foi satisfatória e muitas outras se sucederam
em pequenos intervalos de tempo.
Oscar não tinha o menor sentimento de segurança. Algumas destas em:
pregadas o maltratavam. Tomou-se uma das crianças mais desajustadas
que se possa imaginar. Era agressivo, hostil, negativista, inseguro, depen­
dente e petulante. Era o protótipo de sentimentos conflituosos. Sua mãe,
vacilante e nenrosa, levou-o à psicóloga. Eis um trecho do contato inicial.
Mãe: Este é Oscar. Só Deus sabe o que a senhora pode fazer por ele.
Mas ei-lo.

BOOKS
Terapeuta: Você gostaria de vir à sala de brinquedos comigo?
Oscar: NAO! (grita)

Mãe (gritando também): Oscar! Seja polido. Pare com esta falta de
educação.
Oscar (mais alto que antes): Não! Não! Não!
Mãe: Bem, você está insistindo. Por que você acha que eu o trouxe
aqui? Para passear?

GROUPS
Oscar (choramingando): Eu não quero!
A terapeuta inexperiente se pergunta: “ E agora? Adulá-lo?” Nós te­
mos lindos brinquedos na sala. Você é um lindo garoto. Vem comigo que
eu te mostrarei o. que temos lá para brincar.” Isto não é aceitar o menino,
exatamente como ele é. Ele não quer entrar. Ela deveria dizer, num tom.
de tristeza: “ Sua mãe te trouxe aqui e agora você não quer entrar na sala!”
Esta é uma reflexão dos sentimentos mas também, está transmitindo uma.
certa condenação. Fica implícito. "Ora, você é um garoto ingrato e indeli­
cado!” Sê a terapeuta quer somente refletir seus ssntimentos, o que deve­
ria ela dizer? “Você não quer vir comigo.” A terapsuta tenta isto.

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Terapeuta: Você não quer vir comigo.
Oscar: NAÓ! (Faz caretas para a terapeuta e cerra os punhos. ) Cala
a boca!
Mãe: Se você não for, vou deixar você aqui parâ sempre:
Oscar (Colocando-se à mãe e soluçando.): Não me deixe. (Soluça
histericamente.)
Terapeuta: Oscar está amedrontado porque sua mãe ameaçou deixá-lo
aqui!
Este é um reconhecimento do sentimento de Oscar, porém, inclui
uma condenação à mãe, que subitamente se inflama.
Mãe: Bem, eu tentei fazer alguma coisa; Deus é testemunha, Oscar,
que se você não calar a boca e for com a senhorita eu vou deixar você.

INDEX
Ou dar você para os outros!
Oscar: A senhora me espera? (Com voz queixosa.) A senhora esta­
rá aqui quando eu voltar?
Mãe: Claro que eu estarei, se você se comportar.
Oscar (deixando seu agarramento desesperado à blusa da mãe e
transferindo-o para a blusa da terapeuta): A senhora espera?
Terapeuta: Você quer que sua mãe prometa que vai esperá-lo.

BOOKS
Oscar: A senhora promete?

Mãe: Eu prometo!

(A terapeuta e ele entram na sala de brinquedos. Ela começa a fe­


char a porta.)

Oscar (gritando): Não fecha a porta. Não fecha a porta. (Lágrimas


rolam sobre seu rosto.)

Terapeuta: Você não quer que eu feche a porta. Você tem medo de

GROUPS
ficar comigo se nós fecharmos a porta.

Isto é um reconhecimento de seus sentimentos. Ele levanta os o-


Ihos, surpreso, e concorda com a cabeça. E agora? Após o reconhecimen­
to deste sentimento distrair-se-á e dirá: “Mas quando a gente vem aqui,
a gente fecha a porta” e convence-se de que esta é uma limitação valio­
sa. Para que isto serviria? Para apontar o fato de que reconhecemos o sen­
timento, mas o ignoramos? Está ela aceitando Oscar exatamento como
ele é, com seu medo de portas fechadas e tudo mais? Está ela mos­
trando à criança que pretende deixá-la escolher e tomar iniciativas? Está
estabelecendo uma atmosfera de permissividade suficiente para que ela

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e, acidentalmente, espirrou tinta. Pegando um pano, ele limpou tudo, À
terapeuta disse: “Bobby é cuidadoso. Ele limpou tudo que sujou.” Daí en­
tão, o contato passou a ser uma verdadeira exibição de quão cuidadosos
eram ambos, e os comentários eram sempre: “ Olha, eu estou sendo cuida­
doso, viu? Estou sendo cuidadoso.” Não intencionalmente, a terapeuta agiu
diretivamente quanto ao comportamento dag crianças. Elogios feitos àsl
ações praticadas na sala não são condizentes com a terapia.
Uma terapeuta ainda sem muita experiência examinou o caso de Oscar,
um menino de seis anos. Ele foi trazido por sua mãe. O pai tinha sido as­
sassinado quando Oscar contava doÍ3 anos de idade. No dia em que o pai
foi morto, ele caiu doente com um sério caso de sarampo. A mãe sofreu
um abalo nervoso e ficou hospitalizada durante três meses. Finalmente,
quando ela recobrou a saúde o suficiente para poder voltar á seu emprego
de secretária particular, trouxe Oscar de volta à casa e contratou uma ama

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para cuidar dele. Esta não foi satisfatória e muitas outras se sucedèram
em pequenos intervalos de tempo.
Oscar não tinha o menor sentimento de segurança. Algumas destas em­
pregadas o maltratavam. Tomou-se uma das crianças mais desajustadas
que se possa imaginar. Era agressivo, hostil, negativista, inseguro, depen­
dente e petulante. Era o protótipo de sentimentos conflituosos. Sua mãe,
vacilante e nenrosa, levou-o à psicóloga. Eis um trecho do contato inicial.
Mãe: Este é Oscar. Só Deus sabe o que a senhora pode fazer por ele.
Mas ei-lo.

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Terapeuta: Você gostaria de vir à sala de brinquedos comigo?
Oscar: NAO! (grita)

Mãe (gritando também): Oscar! Seja polido. Pare com esta falta de
educação.
Oscar (mais alto que antes): Não! Não! Não!
Mãe: Bem, você está insistindo. Por que você acha que eu o trouxe
aqui? Para passear?

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Oscar (choramingando): Eu não quero!
A terapeuta inexperiente se pergunta: “E agora? Adulá-lo?” Nós te--
mos lindos brinquedos na sala. Você é um lindo garoto. Vem comigo que
eu te mostrarei o. que temos lá para brincar.” Isto não é aceitar o menino,
exatamente como ele é. Ele não quer entrar. Ela deveria dizer, num tom.
de tristeza: “ Sua mãe te trouxe aqui e agora você não quer entrar na sala!”
Esta é uma reflexão dos sentimentos mas também está transmitindo uma.
certa condenação. Fica implícito. “ Ora, você é um garoto ingrato e indeli­
cado!” Sè a terapeuta quer somente refletir seus ssntimentos, o que deve­
ria, ela dizer? “Você não quer vir comigo.” A terapauta tenta isto.

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Terapeuta: Você não quer vir comigo.
Oscar: NÃO! (Faz caretas para a terapeuta e cerra os punhos!) Cala
a boca!
Mãe: Se você não for, vou deixar você aqui pará sempre.
Oscar (Colocando-se à mãe e soluçando.): Não me deixe. (Soluça
histericamente.)
Terapeuta: Oscar está amedrontado porque sua mãe amea;ou déixá-lo
aqui!
Este é um reconhecimento do sentimento de Oscar, porém, inclui
uma condenação à mãe, que subitamente se inflama.
Mãe: Bem, eu tentei fazer alguma coisa; Deus é testemunha, Oscar,
que se você não calar a boca e for com a senhorita eu vou deixar você.

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Ou dar você para os outros!
Oscar: A senhora me espera? (Com voz queixosa.) A senhora esta­
rá aqui quando eu voltar?
Mãe: Claro que eu estarei, se você se comportar.
Oscar (deixando seu agarramento desesperado à blusa da mãe e
transferindo-o para a blusa da terapeuta): A senhora espera?

Terapeuta: Você quer que sua mãe prometa que vai esperá-lo.

BOOKS
Oscar: A senhora promete?

Mãe: Eu prometo!

(A terapeuta e ele entram na sala de brinquedos. Ela começa a fe­


char a porta.)

Oscar (gritando): Não fecha a porta. Não fecha a porta. (Lágrimas


rolam sobre seu rosto.)

Terapeuta: Você não quer que eu feche a porta. Você tem medo de

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ficar comigo se nós fecharmos a porta.

Isto é um reconhecimento de seus sentimentos. Ele levanta os o-


Ihos, surpreso, e concorda com a cabeça. E agora? Após o reconhecimen­
to deste sentimento distrair-se-á e dirá: "Mas quando a gente vem aqui,
a gente fecha a porta” e convence-se de que esta é uma limitação valio­
sa. Para que isto serviria? Para apontar o fato de que reconhecemos o sen­
timento, mas o ignoramos? Está ela aceitando Oscar exatamento como
ele é, com seu medo de portas fechadas e tudo mais? Está ela mos­
trando à criança que pretende deixá-la escolher e tomar iniciativas? Está
estabelecendo uma atmosfera de permissividade suficiente para que ela

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expresse seus sentimentos verdadeiros? Está ela mantendo um profundo


respeito pela criança? Parece que ela está desprezando todos os princí­
pios básicos, se fecha ã porta. Então? Que deverá dizer?
Terapeuta: Você não quer que eu feche a porta. Você tem medo
de ficar aqui comigo se eu fechá-la. Muito bem. Eu vou deixar a porta
aberta e você vai fechá-la quando quiser.
(Isto deixa a responsabilidade sobre a criança. Compete a ela fa­
zer a escolha. Oscar corre os olhos em tomo da sala. Logo que pára de
chorar, toma-se agressivo.)
Oscar: Eu vou estourar tudo aqui.
O que se pode dizer sobre as limitações? Se a terapeuta dissesse,

INDEX
“Você pode brincar com todos os brinquedos que tem aqui, mas não po­
de quebrá-los”, ou “As outras crianças usam estes brinquedos também,
por isso você não pode quebrá-los”, não estaria respondendo ao senti­
mento expresso. E cairia na armadilha de responder apenas ao que a
criança diz e não ao que ela realmente sente.

Terapeuta: Você agora está se sentindo valente.


Oscar (Fitando a terapeuta.): Eu vou estourar você também.

BOOKS
Terapeuta: Você ainda está se sentindo valente.
Oscar: Eu vou... (De repente r i.) Eu vou... (Perambula pela sala
e pega o telefone de brinquedo.) O que é isto?
Este é outro desafio à terapeuta. Ela dirá “Você quer saber o que
é isto?” ou “ Isto é um telefone” . Parece mais vantajoso ao progresso des­
ta sessão responder simplesmente à pergunta e não a seu verdadeiro sen­
tido.
Terapeuta: Isto é um telefone de brinquedo.

GROUPS
Oscar: Eu vou estourar ele também.
Terapeuta: Você quer quebrar o telefone também.

Oscar (sorrindo como um anjinho): Sim. Eu gosto de quebrar as


coisas e machucar as pessoas.
Terapeuta: Você gosta de quebrar as coisas e machucar as pessoas.

Oscar (calmamente): Sim. Olha! Pratos! Eu vou brincar de casi­


nha. (Começa a arrumar a mesa e pega o telefone. Falando ao telefone.)
Alô, é você, Mary? Eu estou em casa, estou ceiando. (Dirige-se à terapeu­
ta.) Eu estou ceiando, não estou?

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!

Terapeuta: Você está ceiando.


Oscar (de volta ao telefone): Sim. Èstoü ceiando. O que nós te­
mos? (O tom da voz dá a entender que Mary pergunta-lhe e ele repete a
pergunta. Volta-se novamente para a terapeuta.) Que que nós temos pa­
ra ceiar?
Terapeuta: Você quer que eu lhe diga o que nós temos para ceiar?
Oscar: Sim, diga depressa.

Deveria a terapeuta dar rapidamente o menu? Ou deveria dizer:


“ De que você gostaria?" Ou ainda: “ Você quer que eu diga para você,
não é?” O menu pareceria trazer à brincadeira um pouco mais de viva­
cidade. A terapeuta rapidamente cita algumas comidas. Oscar as repe­

INDEX
te, palavra por palavra, ao telefone.
Oscar: Quê? Você quer saber se aqui nós temos uma casinhà de
bonecas? (Virando-se para a terapeuta.) Aqui tem?
(A casa de bonecas está eai completa evidência a li.)
Terapeuta: Nós temos uma casa de bonecas.
Oscar: Nós temos soldadinhos de brinquedo?

BOOKS
(Diz isso à terapeuta, que responde: “ Temos soldadinhos de brin­
quedo.” )
Oscar prossegue nesta lista de todos os brinquedos que estão na
sala. A terapeuta responde a toda pergunta que lhe é dirigida. O que
Oscar está tentando fazer? É lógico que ele sabe a resposta das pergun­
tas. Então, por que continua a perguntar? De que modo mais ele pode­
ria estabelecer o contato com a terapeuta? Parece qúe é isso que ele es­
tá tentando fazer. Após as perguntas sobre' os objetos à vista, diz ao te­
lefone: “Quer saber se vou beijar a moça?” E para a terapeuta: “Vou té

GROUPS
beijar, moça?”

A terapeuta lembra-se da prudência a ser tomada contra excessiva


exibição de ternura, que pode ser prejudicial à terapia. Diria: “Você gos­
taria de me beijar?”, ou deveria levar isto também adiante?
Terapeuta: Você quer saber se poderia beijar a senhorita?
Oscar (aproximando-se): Quero saber, sim.
Vem, e muito gentilmente, beija a mão da terapeuta; e então, retor­
nando a seus veihos modos, lança-se sobre o martelo e começa à golpear
na bigorna. A porta ainda está aberta. Aqui está outro desafio para a te­
rapeuta. Que fazer a respeito da porta? O barulho é insuportável. Pode­
ria ela dirigir a atenção do menino para este fato e perguntar-lhe se ele

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pensava em fechá-la? Deveria ela nada dizer à criança e esperar que al­
guém, ao ser incomodado pelo barulho viesse e pedisse para parar com
aquilo? Neste caso particular ninguém foi incomodado, e não se tornou
necessário fechar a porta. Entretanto, se alguém tivesse vindo, teria si­
do necessário à terapeuta informar a Oscar que o barulho estava incomo­
dando os outros e que, ou a porta deveria ser fechada, ou o barulho in­
terrompido, permitindo a ele fazer a escolha e ficando alerta para refle­
tir todos os sentimentos expressos até então. Isto contribuiria com uma
dose de realidade, o que criaria uma limitação à permissividade da situa­
ção de-terapia. Na semana seguinte, Oscar,. voluntariamente, fechou a
porta, logo ao entrar na sala de brinquedos com a terapeuta. Não tives­
se ele feito isto, a terapeuta deveria esperar que ele decidisse por si mes­
mo. Sugerir isto teria sido uma tentativa de acelerar as coisas, o que não
se justifica. O espontâneo fechamento da porta pode indicar um certo
progresso no estabelecimento de relações. Isto parece ser uma atitu­

INDEX
de de confiança na terapeuta, tanto quanto uma indicação de evolução,
por parte de Oscar, em relação à nova independência e capacidade de de­
cidir.

APLICAÇÃO EM TERAPIA DE GRUPO


Embora pareça que o relacionamento estabelecido na terapia de
grupo entre a criança e o terapeuta seja talvez menos intenso que o es­
tabelecido na terapia individual, a presença de outras crianças — que

BOOKS
reagem de maneiras diferentes em situações semelhantes — parece ser
vantajosa no desenvolvimento do contáto. Uma criânça um pouco mais
desenvolta entusiasma a turma. A criança tímida tem a vantagem de pôr
à prova a segurança da nova situação, observando alguém que lhe abra
o caminho. O desenvolvimento da auto-expressão parece ser alcançado
mais rapidamente, em algumas crianças, nas sessões em grupo. Além dis­
so, uma criança pode se valer da presença das demais, caso as coisas es­
tejam muito penosas para ela.
Os primeiros minutos na sala de brinquedos, usualmente, parecem

GROUPS
ser constrangedores para as crianças. Esta é uma nova experiência e elas
reagem de várias maneiras, proporcionalmente ao medo sentido; com lá­
grimas e até com crises próximas da histeria, aventurando-se em atividades
exploratórias.
O terapeuta precisa ser prudente para evitar se concentrar numa
criança, em detrimentro das outras. Deve fazer um esforço para integrar
no grupo todas as crianças tímidas, mesmo que elas estejam apenas à
espera de um sorriso amigável.

As crianças não costumam se apresentar t&o conscientes durante o


primeiro contato em grupo, como às vezes o fazem quando o contato ó

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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015

individual, porque a presença de outras crianças na sala diminui as ten­


sões e cria uma maior naturalidade nas respostas destas ao terapeuta.

As crianças estão mais dispostas a aceitar mais rapidamente o te­


rapeuta quando em grupo. Possivelmente elas sentem maior segurança
na aglomeração. De qualquer maneira, a criança em um grupo parece
desenvolver um sentimento de confiança no terapauta bem mais cedo do
que quando o faz em contatos individuais. Isto, é claro, varia com o ia“
divíduo, mas há evidências de que o grupo desenvolve melhor o relaciona­
mento desejável entre o terapeuta e a criança.

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BOOKS
GROUPS

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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015

INDEX
BOOKS
GROUPS

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9. ACEITANDO A CRIANÇA
COMPLETAMENTE

O terapeuta aceita a criança exatamente como ela é

INDEX
A completa aceitação da criança é evidenciada pela atitude do te­
rapeuta, que mantém um relacionamento calmo, firme e amigável com
ela. Cuida em nunca mostrar-se impaciente. Evita críticas ou reprimen­
das diretas ou implícitas, assim como evita elogiá-la por atos ou pala­
vras. Tudo isso exige vigilância de sua parte. Há diversas armadilhas
nas quais pode cair um terapeuta descuidado. A criança é um ser muito
sensível e percebe sempre quando é rèjeitada, ainda que de uma forma
velada, por parte do terapeuta.

BOOKS
Quando alguém se detém para considerar que a criança foi trazida j
à clínica porque seus pais querem modificá-la, pode concluir (e acerta-/
damente, ao que parece) que os pais estão rejeitando uma parte da cri-\ *
ança, se não a rejeitam totalmente. Portanto, aceitação completa parece
ser de importância primária para o bom resultado da terapia. De quê
maneira pode a criança adquirir a coragem de exprimir seus verdadeiros
sentimentos, se não é totalmente aceita pelo terapeuta? Como pode evitar
o sentimento de culpa resultante das coisas que faz, se não se sente acei­
ta, a despeito do que possa dizer ou fazer? A aceitação não implica na a-

GROUPS
provação do que ela esteja fazendo, nunca seria demais insistir. A apro­
vação de certos sentimentos negativos que a criança pode exprimir se-j
ria mais um obstáculo do que um auxílio.

Jean foi trazida à clínica por sua mãe. Jean é uma menina de doze
anos, impossível de ser controlada. Não respeita sua mãe, briga com os
lrmãozinhos menores, não quer contato com os outros meninos ná esco­
la. Depois das apresentações, Jean vai para a sala de brinquedos com

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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015

a terapeuta, que tenta estruturar a situação verbalmente: "Você pode


brincar com qualquer um dos brinquedos aqui. Há tinta, argila, pintura
de dedo, bonecas.” Sorri para a menina que lhe devolve um olhar enfa­
dado. A terapeuta espera alguns momentos. Jean senta-se e mantém seu
silêncio de pedra. A terapeuta, ansiosa para pôr as coisas em andamen­
to, fala novamente: “ Você não está sabendo por onde começar? Oh, ali
na casinha de bonecas tem uma família inteirinha dè bonecas. Você gos­
ta de brincar de boneca?"
Jean balança negativamente a cabeça. A terapeuta continua: “Você
não gosta de brincar com bonecas, mas não haverá por aqui alguma coi­
sa com a qual tivesse vontade de brincar? Pode brincar com qualquer coi­
sa, do jeito que quiser.” Ainda um silêncio gelado. Aí a terapeuta diz:
“Você não quer brincar. Quer só ficar sentada.” A menina concorda.
"Muito bem”, diz a terapeuta sentando-se ao lado clela; um silêncio m or
tal desce sobre as duas, mas a terapeuta está tensa. “ Você quer bater um

INDEX
papo?” “N ão.” A terapeuta bate com o lápis em seu bloquinho de ano­
tações, tamborila com os dedos impacientemente, olha para Jean com um
ar de aborrecimento. O silêncio- é enlouquecedor. Há entre as duas uma
batalha silenciosa, da qual Jean está plenamente consciente.
A terapeuta, depois de um longo silêncio, pergunta: "Jean, você sa­
be por que é que está aqui?” Jean olha para ela. "Sua mãe te.trouxe aqui
para que nós te ajudássemos.nos problemas que você tem.” Jean olha
para o outro lado. “ Não tenho problema nenhum” , diz friamente. “ Pois
bem, esta hora você poderá usar do jeito que quiser”, replica a terapeu­

BOOKS
ta. Jean está amuada. A terapeuta está bem próxima de ficar amuada
também. Passam-se vários minutos. Então:
Terapeuta: Você foi à escola hoje?
Jean: Pui.
Terapeuta: Correu tudo bem?
Jean: Sim. (Mais Silêncio.)
Terapeuta: Sabe, Jean, estou aqui para te ajudar e quero que você

GROUPS
me considere sua amiga. Bem que você poderia me contar o que está te
amolando.
Jean (suspirando): Não tem nada me amolando!
Não Kã mais dúvidas; a terapia está bloqueada. O relacionamento
ainda não foi estabelecido. Jean tem a aguda consciência de que aqui,
também, não é aceita e se ressente muito da tentativa de sua mãe de mu­
dá-la, o bastante para que isso a faça resistir até o fim. Em tais circuns­
tâncias, que deve fazer a terapeuta?
Às vezes esta pensa que é possível inspirar o desejo de atividade,
se pegar na argila e começar a enrolá-la de maneira convidativa, fazendo.

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depois a perguntai “Você também gostaria de fazer isso?” Nesse caso,


talvez ela conseguisse uma participação por polidez, mas é duvidoso que
a terapia evoluísse muito além dessa participação polida.

No caso exposto, a terapeuta tenta controlar a atividade da hora.


Parece-lhe importante que a menina faça alguma coisa, por isso é que dá
sugestões e tenta forçar as coisas. "Não sabe comò começar?” implica
numa crítica à falta de participação de Jean. A terapeuta reconhece os
sentimentos de Jean quando lhe diz que ela não quer brincar, mas não
pode aceitar isso. “ Prefere bater papo?” “N ão.” Isso também não foi
aceito. E as batidas impacientes com o lápis e com os dedos! Depois, ela
.comete o erro imperdoávél de introduzir um elemento de ameaça na si­
tuação terapêutica. “ Sabe por que você está aqui?” Em outras palavras:
“É melhor ir tratando de fazer alguma coisa por si mesma. Há muito de
errado com você, do contrário não estaria aqui.” Ela insiste também, na

INDEX
palavra “problema”, o que Jean nega ter. Mas a terapeuta não aceita sua
negação. E lhe diz que gostaria de ouvir a respeito do que a preocupa.
Diz lhe que aquela hora pode ser usada da maneira que bem entender.
A primeira reação de Jean é usá-la para calar-se e resistir. A terapeuta
inexperiente tenta de novo, perguntando-lhe se foi à escola. E, de modo
ainda insistente e inoportuno: “ Quero que você me considere sua amiga.”
De nada adiantou, pois a terapeuta não estava sendo consistente, não a
estava aceitando, nem estava tendo uma atitude terapêutica.

A sugestão alternativa de que a terapeuta deve levar a criança a

BOOKS
participar de maneira mais sutil implica, da mesma forma, numa não-acei-
tação. Se a menina está lutando por aceitação fora da clínica, por que
deveria continuar a fazê-lo aqui dentro? Se é óbvio que ela não quer brin­
car nem conversar, por que não ser compreensiva e permissiva a ponto
de deixar que ela simplesmente fique ali em silêncio? Depois de explicar
a situação claramente, mostrando-lhe que ela pode brincar com qualquer
coisa dentro da sala, ou usar aquela hora da forma que deseje, a terapeu­
ta compreensiva prosseguiria o jogo assim como foi determinado pela
criança e se o silêncio fosse a ordem do dia, ela o observaria. Seria bom

GROUPS
que se incluísse, na explicação preliminar, que a menina, ali, tem o privi­
légio de brincar ou não, de conversar ou não, como quiser; e depois que a
criança tenha feito a sua escolha, o papel da terapeuta é esperar por ela.
Se a terapeuta achar que deve fazer alguma coisa, que se ocupe rabiscan­
do notas ou fazendo caricaturas; mas deve estar alerta, para perceber
qualquer sentimento expresso pela menina. Um suspiro profundo, um
olhar pela janela, podem ser usados por ela — "É chato ficar sentada
aqui comigo. Talvez você preferisse estar lá fora.” Diante dessa compre­
ensão, Jean relaxaria um pouco. Mas se permanecesse insensível, a tera­
peuta deveria continuar aceitando a da mesma forma.
Isto coloca-nos uma questão: quanto tsmpo deve a criança perma-

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necer na sala de brinquedos? Essa pergunta é discutida no capítulo 15:


“ O Valor dos Limites” .
A aceitação da criança vai mais além do que o simples contato ini­
cial, ou do momento em que ela é levada à sala de brinquedos e come­
ça a brincar. Depois que a terapia tem início e vai seguindo normalmen­
te o seu curso, o terapeuta deve manter uma atitude de aceitação em rela-
\£ão a todas as coisas que a criança fala ou faz. O processo de terapia
não-diretiva tem seus princípios tão entrelaçados, que é difícil dizer on­
de um deles começa e onde o outro acaba. Justapõem-se e são interdepen­
dentes. Por exemplo, o terapeuta não pode ser compreensivo sem ser per­
missivo, e não pode ser permissivo sem ser compreensivo. Não seria ca-
” paz de dar a uma criança a responsabilidade de fazer escolhas, se ele
não a respeita. O grau peio qual ele é capaz de pôr em prática esses
princípios parece afetar, em profundidade, até onde pode chegar a tera­
pia. Quando a criança está expressando se.itimentos violentos e agressi­

INDEX
vos, o terapeuta deve ficar alerta para também aceitar esses sentimentos.
i O silêncio, numa hora dessas, pode ser um instrumento usado pela cri-
/ança, indicando desaprovação e falta de aceitação. O tom da voz, a ex-
I pressão facial, até os gestos usados pelo terapauta aumentam ou dimi-
jn u em o grau de aceitação que se está dando à situação.

APLICAÇÃO EM TERAPIA DE GRUPO


Para aplicar esse princípio numa situação de grupo, o terapeuta é
continuamente obrigado a contrblar as respostas, de modo que uma cri­

BOOKS
ança não sinta que está sendo comparada ou posta em contraste com
outro membro do grupo. Tal sentimento pode ser despertado de forma
espontânea, se o elemento de elogio ou crítica, direto ou indireto, é in
troduzido pelas respostas do terapeuta. Uma afirmativa do tipo “ Johnny
sabe o que fazer, estão vendo, já está todo ocupado” poderia muito facil­
mente ser tomada como uma crítica por outros membros do grupo, se
por acaso estiverem gozando do encanto de uns poucos minutos de in­
dolência, enquanto silenciosamente avaliam a situação. Ou quando a cri­
ança enrola uma bola de argila, parecendo que não sabe o que fazer de­

GROUPS
la, uma pergunta do tipo “Não está sabendo o que fazer, Bill?” surge co­
mo uma crítica à atividade indecisa da criança. Parece que os estímulos
mais valiosos do ponto de vista terapêutico são reflexos de sentimentos
e atitudes expressos mais do que estímulos com um conteúdo determi­
nado. O tom de voz e a maneira imparcial psla qual esses estímulos são
distribuídos contribuem muito para eliminar o sentimento, por parte da
criança, de que está sendo criticada pelo terapeuta.
Parece claro que o sentimento de completa aceitação pelo terapeu­
ta estabelece-se mais facilmente nos contatos terapêuticos-individuais, do
que nos contatos de grupo, porque o elemento de comparação ou de crí­
tica implícita não entram na situação.

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10. ESTABELECENDO UM SENTIMENTO


" DE PERMISSIVIDADE

INDEX O tera peu ta estabelece u m s en tim en to de p e rm is s iv id a d e


n o seu re la cio n a m e n to c o m a cria n ça , de fo r m a que esta se s in ­
ta liv r e para expressar p o r c o m p le to os seus se n tim e n to s .

A hora da terapia ê a hora da criança, para ser usada como ela


quiser. A profundidade de sentimento que ela demonstra, durante o tem­

BOOKS
po que passa na sala de brinquedos, é tornada possível pela permissivi­
dade estabelecida pelo terapeuta. Numa certa medida, isso depende de
uma expressão verbal da permissividade por parte do terapeuta, mas vai
bem mais longe que isso. Quando a criança e o terapeuta entram na sa­
la de brinquedo, este díz: “Pode brincar com tudo isso aqui do jeito que
quiser, durante uma hora.” Se a criança for tímida, ou tiver experiên­
cias anteriores tão inexpressivas que não saiba como usar o material,
alguns terapeutas sentem que é uma boa medida demorar-se mais apon­
tando e explicando o modo de usálos, na primeira vez que vão à sala.
“ As tintas nesta caixa foram feitas para pintar quadros. Aqui está o pa­

GROUPS
pel, ali os tubos de tinta. Nes'a jarra tem argila. Você pode trabalhar
com ela e fazer um monte de coisas bonitas. Isso aqui é pintura de de­
dos. Molhe o papel assim, ponha um pouquinho da tinta em cima dele
e espalhe-a com as mãos. Aqui estão os fantoches. Ponha-os na mão as­
sim. Pode falar como se fossem elss — dizer tudo o que você quer que
eles digam. Aqui é a casinha de bonecas. Este é o pai e esta é a mãe, es­
te é o filhinho. Agora pode brincar com tudo o que quiser, do jeito que
quiser. Você vai ter uma hora só para você."
Durante a primeira hora a criança explora o material e fica muito
atenta à atitude do terapeuta. Por isso é que só palavras não são o bas­
tante . A permissividade estabelece-se também pe’a atitude do terapeuta

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'em relação à criança, pela sua expressão facial, pelo seu tom de voz e
—t? I seus gestos.

Se a criança deliberadamente derrama ágüa no chão e o terapeu­


ta logo a enxuga, isso suprime, numa certa medida, a expressão oral da
permissividade.

Se o terapeuta, pensando que os problemas da criança provêm de


relacionamento familiar, empurra-lhe a casinha de bonecas, dizendo: “Es­
tá vendo a família de bonecas? Não quer brincar com ela?”, não está
dando liberdade de escolha à criança. Se esta pega numa bola de argi­
la e começa a enrolá-la com mãos indecisas, o melhor a fazer é evitar o
comentário: “Você não sabe o que fazer.” Tal observação levaria a crian­
ça a pensar que o terapeuta não está satisfeito por vê-la rodar a argila
de um lado para outro, sem nada fazer. A permissividade implica nuir

INDEX
—P escolha de usar ou não usar o material, de acordo com os desejos da ci
ança.

Pergunta-se sempre o que fazer da criança que vem para a sala


cheia de entusiasmo, e depois fica ali sentada, timidamente, sem dizer ou
fazer nada. Isto é produtivo para a terapia? Vem sempre a tentação de
encorajar a criança a usar o material. Às vezes o terapeuta acha que, se
começar a brincar com a criança, despertará nela alguma ação. Nesse
caso, é ele quem escolhe o caminho e tenta fazer com que a criança o a-

BOOKS
companhe. Isso parece mais uma técnica de auxílio, que nada tem a ver
com a terapia não-diretiva. A criança continua a depender do terapeuta
e será mais um bloqueio a romper mais tarde, durante as sessões poste­
riores. Aí então, a mudança de técnica poderá causar confusão na crian­
ça, deixá-la ressentida e, conseqüentemente, provocar um afastamento
da participação ativa. Parece que a absoluta permissividade, construída
sobre absoluta ausência de sugestões, é mais produtiva para a terapia.
Se o terapeuta diz: “Pode brincar como quiser” , e a criança não parece
querer brincar, a melhor solução é deixá-la ali sentada, sem nada fazer. -

GROUPS
Se o terapeuta se mostrar amigável para com a criança e aceitar seu si­
lêncio e indolência, está fazendo-lhe ver que realmente pensava no que
disse e que ela realmente pode fazer como quiser. A criança vai tomando
consciência de sua responsabilidade para escolher. Governa-se a si mes­
ma. É ela quem decidirá o curso da ação que seguirá. Aqui não há nin-
guém para dizer-lhe o que deva fazer. Há segurança no relacionamento,
mas não ajuda. Às vezes leva-se um certo tempo, até que a criança acei­
te esse sentimento de auto-suficiência. Ela própria pode procurar algo
que a ajude a ganhar independência e capacidade de auto-dirigir-se, mas
a interferência do terapeuta só retarda o processo de caminhar para a
obtenção disto.

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Depois que um certo tempo tenha passado, o terapeuta pode; sem


problemas, dizer com voz tranqüila e amistosa: "Começar é sempre di-
fícil. Você ainda não sabe bem o que gostaria de fazer. Ou. talvez, quei­
ra só ficar sentadinho aqui, sem fazer nada?” A criança resmunga uma
resposta, pode ser até que diga sim e continue sentada em silêncio. Pa­
ra o terapeuta, é mais válido que ele fique ali sentado com a criança, du­
rante toda a hora, e demonstre a sinceridade de suas palavras: “Pode
brincar — ou não brincar — como quiser”, do que tentar dirigir o uso
que a criança fará de sua hora de terapia.

Desde a sessão inicial, o terapeuta toma claro para a criança que


respeita sua capacidade de tomar suas próprias decisões e mantém fir­
memente esse princípio.

Às vezes, esse é o período de teste por parte da criança. No prin­

INDEX
cípio, elas encaram ceticamente essa atitude permissiva. Testam-na. A
criança que fica sentada sem nada dizer pode estar testando o terapeu­
ta, para ver se ele realmente tenciona fazer o que lhe disse. Uma vez
mais, essa indolência pode ser uma resistência passiva, contra a mudan­
ça que alguém parece querer lhe impor. A criança resiste a todos os es­
forços para mudá-la. Se a falta de participação, durante a hora de tera­
pia, exprime seu ressentimento contra as pressões exteriores, é melhor
permitir-lhe que mostre esse ressentimento daquela maneira.

A permíssividade no relacionamento vai bem além do contato ini-

BOOKS
Continua em todos os encontros com a criança. É algo delicado de
nanejar. Requer do terapeuta uma constante atenção para que se
itenha uma atmosfera permissiva. Há muitas coisas que podem per­
turbar o sentimento de permíssividade — às vezes, sem que o terapeuta
tenha a menor intenção de fazê-lo. Não se deve tentar güiar, de forma !
alguma, a conversa ou os atos da criança. Isso qúér dizer que nenhun «í"
pergunta, tencionando esquadrinhar sua vida íntima, deve lhe ser feit;

Por exemplo, May, de cinco anos de idade, que foi trazida à clínica

GROUPS
por causa de uma experiência traumatizante no hospital, está brincando
com a família de bonecas. Pega na bonequinha, deita-a em seu carrinho
de bebê e empurra-a pelo assoalho. A terapeuta, pensando captar a ex­
periência crucial, pergunta: “A menininha está indo para o hospital? “Es­
tá”, diz a criança. “Está com medo?" “Está.” “E o que acontece?” Aí,
a criança, virando-lhe as costas, vai para a janela e pergunta: “Ainda fal­
ta muito tempo? A hora ainda não acabou?” É assim que ela afasta a per­
gunta indiscreta. A criança ainda não está pronta para explorar a expe­
riência que, para ela, foi tão perturbadora. Não foi aceita como ela é.
Não lhe permitiram abrir aquela porta no exato momento em que se sen­
tisse com forças para enfrentar o que está por trás dela.

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O terapeuta deve estar atento aos sentimentos que a criança expres­


sa. Raramente uma criança vai para a sala de brinquedos e demonstra,
de saída, seus sentimentos mais profundos, através do brinquedo. Pri­
meiro há um período de exploração, de teste, de tomada de contato. A
^criança deve confiar no terapeuta, se é com ele que dividirá seus senti­
mentos. Deve sentir-se segura bastante, im a poder trazer à luz, tanto j
seus bons, quanto maus sentimentos, e não ter medo de que esse adulto t
a reprove. Essa confiança no terapeuta baseia-se na maneira pela qual ]
leste aplica os princípios básicos.

È importante que a criança não desenvolva sentimentos de culpa,


em conseqüência de seus contatos de ludoterapia. Encorajamento, apro-,
vação e elogio são tabu em uma sessão de ludoterapia não-diretiva. Tais
reações por parte do terapsuta têm uma tendência para influenciar no

INDEX
tipo de atividade ou para criar um sentimento dé culpa. Da mesma for­
ma que a reprovação ou a crítica negativa. A atmosfera deve ser neutra.

Quando uma criança entra na sàla e começa' a pintar, o terapeuta


fica sentado, observando-a. Toma notas. A criança diz: “Não sei pintar.
Que ruim!” Talvez o desenho seja até muito bòm. O terapeuta deveria
dizer isso à criança? Ele talvez dissesse: “Você não acha seu quadro bo­
nito, mas eu acho.” O que ele pensa não tèm importância. Suponhamos'
que ele diga: “Você não acha que pinta bem” e, còmo resultado disso, a
criança espalhe a tinta preta por cima de seu quadro. Quer isso dizer que

BOOKS
ela ficou tão desencorajada que sujou-o todo de preto? Ou está sentida
com o terapeuta, por não ter apreciado a sua obra de arte como devia?
Ou é uma reação da criança contra a sua falta de aceitação? Se o tera­
peuta acompanhar a criança, conseguirá que ela revele seus verdadeiros
sentimentos, de maneira reconhecível. O que não deve é pôr-se à sua
frente, ou tentar ler na situação algo que nela não existe.

f O grau de permissividade que faz com que a terapia seja realmen­


te bem sucedida é diretamente proporcional à aceitação da criança.

GROUPS
Quando esta se sente tão firmemente aceita pelo terapeuta a ponto de
poder bater na boneca-mãe, ou enterrar o bebê na areia, ou deitar-se no
chão e tomar mamadeira, embora já tenha nove ou dez anos, quando ela
\pode fazer todo isso sem um sentimento de culpa ou de ridículo, é aí que
lo terapeuta conseguiu fazê-la sentir sua permissividadej A criança está
livre para exprimir seus sentimentos. Dá vazão a seus impulsos mais a-
gressivos e destruidores. Grita, urra, espalha areia pela sala toda, joga
água no chão. Libertando-se de suas tensões, toma-se emocionalmente re­
laxada. É assim que são estabe’ecidos os alicerces para um comporta­
mento construtivo. Ela se livrou de seus antigos sentimentos; está pron­
ta para experimentar os novos. A experiência traz à criança uma visão
interior de seu comportamento. Ela se entende melhor. Ganha confiança

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em si mesma. É capaz de resolver seus próprios problemas. Sabe, pela


experiência, que pode construir as coisas por si.

APLICAÇÃO NA TERAPIA DE GRUPO


A experiência de grupo parece acelerar o sentimento de permissivi-
dade da criafcça. Cada criança obtém do grupo um sentimento de segu­
rança. À medida que cada uma delas dá um passo à frente, as outras ga­
nham a coragem necessária para prosseguir em suas atividades, obser­
vando a bem sucedida manipulação do ambiente por esse membro' do
grupo. O período de exploração da situação é mais ou menos encurtado,
pois cada indivíduo dentro do grupo avalia o grau de permissividade da
situação, direta e indiretamente. Se Jimmy teve a coragem de pegar a
mamadeira e mamar com prazer evidente, Fred, que é mais reservado,
sente-se encorajado a tentá-lo também. Se May tiver a coragem de batei

INDEX
no boneco-pai, talvez Jean ganhe a coragem necessária para bater no be­
bê (se é isso o que sente). Uma criança que tenha sido sempre muito
inibida em suas ações e que tenha medo de confusão ou sujeira pode sen­
tir-se tentada a brincar com a pintura de dedo, que parece dar tanto
prazer a seus colegas. As crianças notam como o terapeuta aceita pron­
tamente as expressões de cada membro do grupo e essa liberdade de ex­
pressão parece ser contagiante. ■

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11. RECONHECIMENTO E REFLEXÃO


DOS SENTIMENTOS

INDEX
O terapeuta fica em alerta para reconhecer os sentimen­
tos que a criança está exprimindo e os reflete de maneira tal que
possibilite, a ela, obter uma visão interior do seu comportamen­
to.

Muito freqüentemente, durante os primeiros contatos, as respostas do


terapeuta parecem um tanto inxepressivas, e são mais respostas ao conteúdo
do que ao sentimento que a criança está exprimindo. O terapeuta e a crian­
ça estão se expsrimentando e tentando estabelecer contato. A criança está
explorando a sala de brinquedos. Pega uma bonsca. “ Que é.isso?”, pergunta.

BOOKS
“ Uma boneca”, responde o terapeuta. Aponta para as tintas: “E isso?" “Tin­
ta. As crianças pintam naquela tela, se têm vontade disso.” “Que é isso?” e
assim por diante. Alguns terapeutas, tentando captar sentimentos, têm res­
pondido: “ Tente imaginar o que é isso” , mas parece que esse tipo de res­
posta retarda mais a terapia do que a ajuda a prosseguir, g aconselhável
responder a perguntas objetivas de maneira direta, o que permite à crianca
ir adiante, partindo daquele ponto. Na maioria das vezes, não passa de uma
tentativa da criança de fazer relaç5es ccm o tarapsuta. Que mais têm eles
em comum, a respeito do que possam falar? No entanto, o térapeuta d evei
ficar atento aos sentimentos que a criança está expressando, seja por meio

GROUPS
de conversação direta, seja através do brinquedo, que é a maneira natural
dela demonstrar seus sentimentos.
Reconhesimento e interpretação de sentimentos são duas coisas in­

teiramente diferentes. No entanto, é difícil diferenciá-las. O jogo da. criança


simboliza seus sentimentos e, sempre que o terap?uta tenta traduzir o com­
portamento simbólico em palavras, está interpretando, pois está dizendo
o que acha que a criança quis dizer com seus atos. Isso parece inevitável
e, com o tempo, parece ser a melhor política, procurando o terapeuta inter

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pretar o menos possível e, quando o fizer, baseando-se na atividade lúdica


evidente da criança. Mesmo neste caso, a resposta do terapeuta deveria in­
cluir o símbolo usado pela criança.
Por exemplo, um menino de seis anos foi trazido para a clínica para
(contatos de ludoterapia, porque sente medo e angústia exagerados. Brin­
cando com a fa m ília de bonecas, tirou o bonequinho de dentro de casa e
disse: “Ela está mandando o menininho pras areias movediças. Ele tá com
medo. Tá chorando, dizendo pra mãe dele que morre de medo, mas ela man­
da ele ir. Olha, lá vai ele afundando, afundando na areia movediça.” O me­
nino, demonstrando muito medo e ansiedade, enterra o boneco na areia. Es­
tá, certamente, dramatizando seu medo e seu sentimento de insegurança e
falta de compreensão. Como deve a terapeuta responder a isso? É evidentê-
que a criança está exteriorizando, através de seu brinquedo, as bases de seu
problema. Se ela acompanhar a criança, lhe dirá: “ O menino vai ser manda­
do embora de casa, pra onde há areia movediça. Está com medo e chora.

INDEX
I Diz pra sua mãe que está com medo, mas ela o obriga a sair de qualquer j
\ jeito e ele se enterra na areia.” A criança está falando do “menino”, e a te- j
rapeuta fala também do “menino” . Parece estar lhe devolvendo exatamente }
as suas palavras. Se tivesse dito: "Você está com medo e sua mãe não liga j
pra seus medos; e isso lhe deixa ainda mais apavorado”, estaria pondo-se à l
frente da criança e interpretando suas observações. Talvez a interpretação f
seja correta, mas há o perigo de colocar alguma coisa para a criança, antes J
que ela esteja pronta para isso. Quando ela diz: “Estou com medo também.
E às vezes choro, mas mamãe me obriga a fazer isto de qualquer jeito”, aí

BOOKS
sim, está pronta para a resposta direta: "Você está com medo”, etc. En­
quanto sentir que é necessário usar a boneca como intermediário, a tera- l
^pauta deve usá-la também. /

Quando esta capta o sentimento expresso e o reconheoe, a criança


pode continuar, a partir dali, e a terapeuta poderá, de fato, observar que
a criança está tendo “insight” .

Isso ficou claro no primeiro contato individual com Tom, apresentado


à página 26. Nesse contato, fomeceu-se ao menino um grau suficiente de

GROUPS
permissividade para que mudasse do que fora estabelecido nos contatos de
aconselhamento para o que seria nos de ludoterapia. Ele pôde escolher seu
meio de expressão. Seus sentimentos lhe foram devolvidos com clareza su­
ficiente para que lhe fosse possível obter uma visão interior, de forma a po­
der evoluir da negação de que tivesse problemas para a compreensão de que
todo mundo pode tê-los, inclusive ele. A situação permissiva que lhe deu
o direito de ficar ou ir-se embora, de falar ou calar-se, parece tê-lo relaxado
e lhe assegurado de que aquela hora era realmente sua, de que poderia usá-la
como bem entendesse. É interessante notar que, na última parte do con­
tato, uma vez mais ele voltou à sua afirmativa original de que nada tinha
a dizer, e quando isso foi reconhecido e a terapeuta lhe ofereceu a possibili­

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dade de escolher entre ficar ou sair, ele simplesmente tirou o chapéu e o


casaco e decidiu ficar.
Nesse caso, a aceitação de Tom, a permissividade da situação, mais o
reconhecimento e a reflexão de suas atitudes expressas, auxiliaram-no a
clarificar sua maneira de pensar e a dar um passo positivo no sentido de
ajudar-se a si mesmo.
Às vezes, a verbalização e o jogo da crianca parecem entrar em con-
flito . Foí~este o caso com Jack. Ele vivia numa instituição. Seus pais ti­
nham-se divorciado e ambos tornaram a casar. O pai obteve a custódia do
irmão mais velho de Jack. Este, muito sentido, sofria principalmente por
não ter podido trazer consigo seus brinquedos —- “Especialmente o revól­
ver!” como dizia sempre.

INDEX
Um dia, Jack foi em casa fazer uma visita. Há muito tempo que a
planejava. Queria pegar seus brinquedos. Há cinco semanas antes dessa
visita à sua casa que freqüentava as sessões de ludoterapia. No primeiro
dia, depois que voltou, Jack entrou na sala com um sorriso.

Jack: Pois é, fui lá em casa. (Sentou-se à mesa de pintura e puxou


uma folha de papel limpa, abriu a caixa de tintas e começou a pintar, ainda
sorrindo feliz.) Vi meu pai e meu irmão. Sabe por que não vieram me ver?
Terapauta: Não

BOOKS
Jack: Porque acharam que isso ia me fazer ficar triste: ver os dois e
depois ter de ficar lá sozinho. Foi o que meu pai disse. E eles me levaram
pra fazer um piquenique, tomamos sorvete, chupamos bala, passeamos de
barco. Disse pro papai que queria levar meus brinquedos. Perguntei pelo
meu revólver. E fomos passear no campo também. (Durante todo o tem­
po em que Jack esteve contando a sua história, pintava uma mancha ver­
de bem limpa, cercada de tinta preta. No final, todo o papel estava cober­
to de preto.) Pois é, fui lá em casa. Mas não peguei meus brinquedos. E
meu irmão tinha quebrado meu revólver. E olha que ele tem brinquedo

GROUPS
pra burro. Brinca o tempo todo. Ele fica lá.

Terapeuta: Você foi à sua casa, mas ficou desapontado com a visita.
(Essa observação é uma interpretação — ela está tirando uma conclusão do
que lhe foi dito por Jack.) Você não conseguiu os brinquedos que foi pro­
curar e seu irmão quebrou o seu revólver.

Jack: É. (Levantou-se da mesa, foi até a estante e pegou a mamadeira.


Trouxe-a para a mesa e sentou-se de frente para a terapeuta.) Mas eu disse
a eles umas verdades. Eu disse que queria meus brinquedos. (Parecia estar
quase chorando. Olhou para a terapeuta.) Eu sou um bebê. (Começou a
mamar.)

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Terapeuta: Agora você é um bebê. Você não acha que te trataram


bem quando você esteve em casa. (Isso também é interpretação, pois vai
além do que foi expresso pela criança. Na realidade, é aquilo que a tera­
peuta sente a respeito da situação em casa, mas a interpretação está próxi­
ma o bastante dos sentimentos de Jack, para que ele possa aceitá-la.)
(Jack encheu a boca de água e, inclinando-se, cuspiu-a no chão.)
Jack: Olhe, tou cuspindo na minha casa.
Terapeuta: Você está cuspindo na sua casa.
(Jack arrancou o bico e, enchendo mais a boca, cuspiu de novo.)
Jack: Cuspo no meu irmão. Cuspo no papai. Cuspo na cara deles.
Não quiseram me dar meus brinquedos. Ele estragou meu revólver. Eu
ainda mostro pra eles. Eu cuspo neles. (E tomou a encher a boca de água

INDEX
e cuspi-la no chão.)
Terapeuta: Você está muito zangado com seu pai e seu irmão. Você
gostaria de cuspir na cara deles, porque não te trataram bem.
Jack: Eles quebraram meu revólver. (Foi até a pia, tornou a encher
a mamadeira e voltou a cuspir em seu pai e seu irm ão.) Lá em casa tem um
tapete novo. Olhe. Vou cuspir no tapete e molhar ele todo. Vou estragá-lo.;
E no temo novo de meu irmão também. Vou cuspir no temo dele e estragar
ele todo.

BOOKS
Terapeuta: Você vai estragar o tapete novo e o temo novo, e, com
isso, acertará as contas com seu pai e seu irmão.
Jack (violentamente): Odeio meu pai! Odeio meu irmão!
Terapeuta: Você odeia seu pai. Você odeia seu irmão.
(Jack, de repente, senta-se, muito calmo. Sua voz amansou e ele pôs
de novo o bico na mamadeira. Começou a mamar.)
Jack: Quando lui lá em casa, não sabia quanto tempo ia ficar. Não
levei roupa que chegasse. Fiquei mais tempo do que eu pensava. Eu nunca

GROUPS
sei de nada. Eles nunca me contam nada.
Terapeuta: Você nunca sabe o que esperar deles. Não pode fazer pla­
nos para suas visitas, pois nunca lhe dizem quanto tempo você pode ficar.
Por isso é que você nunca tem roupa que chegue.
Jack (pegou no boneco-pai e bateu com sua cabeça na mesa.): Toma!
Isso é pra você! Toma, toma!
Terapeuta: Você está batendo nele.

Jack (torcendo a cabeça do boneco): Vou morrer de rir se a cabeça


dele sair. (R iu .)

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Terapeuta: Você gostaria de arrancar a cabeça dele.


Jack: Seria bem feito. Ele deu meus brinquedos todos para meu ir­
mão. Não me deixou trazer eles pra cá. Meu irmão quebrou meu revólver.
Terapeuta: Você não acha que ele te tratou bem. Ele tirou seus brin­
quedos e deu pra seu irmão. Você quer seus brinquedos. Você quer seu re­
vólver, também.

Jack (jogando o boneco-pai através da sala): Eu não tinha levado


muita roupa e tive de usar roupa suja. E não consegui trazer meus brin­
quedos.

Terapeuta: Você teve de usar roupa velha e suja e não conseguiu o


que foi buscar.

Jack: Aquele ladrão sujo!

INDEX
Terapeuta: Ele te roubou coisas que você acha que são suas.
Jack (pega uma bola de argila): Posso ficar com essa argila pra mim?

Terapeuta: Você gostaria de ficar com ela pra você, mas não posso
dá-la. Ele pertence a essa sala, sabe? Pode Usá-la quando vier aqui, mas
não pode levá-la pra fora daqui.

Jack: Mas eu quero ela.


Terapeuta: Eu sei que você quer, mas não pode. Todas as crianças

BOOKS
querem levar alguma coisa daqui. Se deixássemos, não haveria mais nada
pra vocês brincarem, quando viessem aqui.

Jack (empurrando a mamadeira para a terapeuta): Enche isso pra


mim. (Ela o fez. Notou que, quando Jack achou que ela não o via, enfiou
uma bola de argila no bolso. Ela lhe deu a mamadeira. Ele bebeu.) Isto
não sai depressa. Você tem um alfinete?

Terapeuta: Não.

GROUPS
(Jack tirou de sua calça um enorme alfinete de segurança. Sua calça,
que era uns quatro números maior, quase caiu. Ele tentou alargar o orifi-
cio do bico com o alfinete. Depois olhou para suas calças com desgosto
evidente.)

Jack (irritado): Olha essa calça. um monstro para mim. Quem me


dera que ma dessem umas roupas que servissem em mim.
Terapeuta: Você não gosta de usar roupas tão desconfortáveis.

Jack: Me dá um pedacinho dessa argila?


Terapeuta: Eu sei que você quer que eu te dê a argila, Jack. Eu sei que

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isso significaria muito para você. Você queria pegar seus próprios brinque­
dos e seu revólver, mas não conseguiu. Agora quer que eu te dê essa argila,
mas isso eu não posso fazer, porque ela tem de ficar aqui. (Isso decidida­
mente, foi interpretação da parte da terapeuta, e não é muito boa coisa pra
ser incluída nesse estágio da terapia, pois vai muito além do simples pedido
de argila feito pela criança.)
Jack (triste): Ninguém me dá nada. (Isso é um reflexo do que a te­
rapeuta disse.)
Terapeuta: Isso te faz infeliz. (Isso se baseou no tom de voz e na
expressão facial do garoto.)
Jack: Mas se você desse tudo, aí a gente não podia mais voltar aqui.
(Tirou a argila do bolso e botou-a na mesa.) Quer dizer, poder vir, a gente
podia, mas não ia ter mais nada com que brincar.
Terapeuta: Certo.

INDEX
Jack: Devolvi a argila, viu? Olha aqui o pedaço que eu tirei.
Terapeuta: Você queria a argila e a tirou, mas não ficou com ela.
Quer que eu veja que a devolveu.
Jack (revira os bclsos): Tá vendo? Davolvi. (Tentou botar o alfinete
de volta na calça, mas não conseguiu. Enfiou o alfinete com força e se es­
petou. Praguejou.)
Terapeuta: Você está tendo problemas com esse alfinete?

BOOKS
Jack: Não consigo enfiar.
Terapeuta: Quer que eu te ajude?
Jack: Quero. Quem me dera eles me dessem umas roupas que servis­
sem em mim.

Terapeuta: Você não gosta de roupas que não sirvam em você.

Jack (enfático): Claro que não.(Foi até a pia e encheu a mamadeira.


Depois, pegou o esfregão, que sempre fica no canto da sala, e limpou o chão-)

GROUPS
Fiz uma bela sujeira hoje, hein?

Terapeuta: Você acha que fez uma bela sujeira. (Jack limpou a sala.)

Neste caso, o menino progride de uma verbalização polida sobre sua


viagem para casa, até uma liberação violanta de seus sentimentos. É in­
teressante notar que ele os libera com significado cada vez maior, à medida
/ que cada sentimento expresso é devidamente reconhecido. A aceitação dos
sentimentos negativos de Jack, a permissividade que lhe permite libertar-
se deles daquela maneira, a reflexão desses sentimentos, tudo parece ajudar

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a Jack a ter uma visão suficientemente clara de si mesmo, que lhe permita
devolver a argila roubada, e terminar a sessão de ludoterapia de maneira
mais construtiva, embora não haja indicação alguma de que ele tenha ex-
perimêntado um sentimento de culpa por ter molhado o assoalho. Cuspir
no chão era uma ação típica de Jack, enquanto estava dentro da sala de
terapia. Limpá-la é que foi alguma coisa de novo.

A P L IC A Ç Ã O À T E R A P IA D E G R U P O

Quando há mais de uma criança na sala, as possibilidades do terapeu­


ta de refletir os sentimentos são diminuídas. Não é possível captar todos
os sentimentos que estão sendo expressos. O terapeuta deve centralizar
sua atenção nos indivíduos e, ao mesmo tempo, dividir suas respostas de
forma que nenhuma das crianças se sinta abandonada. Não é uma coisa
fácil de se fazer. Às vezes uma criança imita um membro do grupo apenas
para atrair a atenção do terapeuta. Se ele desenvolve uma sensibilidade

INDEX
para entender a maneira de brincar das crianças, perceberá quando é que
elas estão tentando apenas chamar sua atenção. Sua resposta deve refletir
esse desejo de atenção que está por trás da atividade. No exemplo seguinte,
a terapeuta não considerou esse aspecto.
Delbert: Vou pintar um quadro pra minha mãe.
Terapeuta: Você quer fazer alguma coisa pra sua mãe.
Jenny: Vou pintar um quadro, também.
Terapeuta: Você também quer pintar, como Delbert.

BOOKS
Delbert: Isso ó pra mamãe.
Terapeuta: Vooê quer fazer algo para sua mãe.
Jenny: Isso é pra mamãe... pra minha mãe... pra minha m ãe...
Terapeuta: Você também quer fazer alguma coisa para sua mãe.
Delbert: Isso é um tanque pra minha mãe.
Jenny: Isso é um tanque maior ainda pra minha mãe.
Delbert: O meu vai ser do tamanho do papel. O tanque grandão da
mamãe.

GROUPS
Jenny: O meu ainda vai ser maior que esse papel. Vou colar um no
outro e vou dar pra mamãe o maior tanque do mundo.

Terapeuta: Vocês dois querem dar um presente para suas mães.

A terapeuta não parece ter compreendido o sentimento expresso pelas ,


crianças, pois, na realidade, tratava-se de uma disputa entre Jenny e Delbert;
o fato de que ambos queriam fazer coisas para suas mães é absolutamen­
te secundário.

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Km alguns casos, a adição dè outras crianças nos contatos terapêuti­
cos traz à luz sentimentos e atitudes que não teriam sido mostrados num
contato individual. Para ilustrar isto, a passagem seguinte é contada. Ha­
via três crianças no grupo, todas elas de quatro anos. Billy estava pintan­
do um quadro, quando Carry e Evelyn começaram a brincar e gritar. Car-
ry tinha encontrado a boneca de trapo e Evelyn a tomara dela. Ambas ás
crianças pediram a ajuda da terapeuta. Evelyn parecia capaz de resolver
a situação sozinha. A terapeuta não interferiu:
Terapeuta: Carry achou a boneca e Evelyn tomou-a dela. Carry quer
a boneca de volta e Evelyn quer ficar com ela. Carry quer que eu a ajude
e Evelyn quer que eu a ajude também.

Billy (à terapeuta): Eu também queria brincar com a boneca. (A te­


rapeuta reconheceu o problema novamente, dessa vez incluindo Billy. Carry
começou a chorar e a pedir socorro. Seguiu-se uma briga dé verdade.)

INDEX
Billy: Você não vai fazer elas pararem? Não vai bater nelas?

Terapeuta: Você acha que eu devia fazer elas pararem 6 talvez bater
nelas.

Billy (depois de olhar duramente para ela): Acho que não.


(Carry foi até a caixa de cubos e escolheu o maior e mais pesado.
Voltando para Evelyn, levantou-o acima da cabeça para dar-lhe um violen­
to golpe na cabeça.)

BOOKS
Terapeuta: Você está muito zangada e quer machucar Evelyn pra
valer.

(Carry imediatamente deixou de lado o cubo e Evelyn lhe devolveu


a boneca. Ela pagou a boneca e, parando imediatamente de chorar, colocou-
a sobre a mesa ao lado de B illy:)
Carry: Pode brincar com ela, Billy. (E começou a pintar.)

GROUPS

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12. MANTENDO O RESPEITO


PELA CRIANÇA

INDEX
O terapeuta mantém um profundo respeito pela capacida­
de da criança de solucionar seus próprios problemas, se uma opor­
tunidade lhe for dada. A responsabilidade de fazer escolhas, ou
de estabelecer mudanças, pertence à criança.

Uma mudança no comportamento, para ter um certo valor permanen­

BOOKS
te, deve vir do interior do indivíduo, como resultado de um “insiglit” que
ele adquiriu. Quando o terapeuta coloca nas mãos da criança, a responsa­
bilidade de mudar ou não mudar, é nela que está centralizando a terapia.^/
Mudança em seu comportamento não quer então dizer conformismo de al­
gum tipo de pressão, pois o conformismo a certos padrões estabelecidos
não é um sinal de ajustamento. O terapauta tenta fazer com que a crianca
compreenda aue é responsável por si mesma. Não se aplica pressão alguma
para levá-la a isso. É uma parte da estrutura terapêutica. Começa coní*T
cõisaspequênas — coisas materiais, na sala de brinquedos — e o seu campo !

GROUPS
de ação vai aumentando através do relacionamento. É dada à criança uma 1
possibilidade de conquistar seu equilíbrio. Ela adquire auto-confiança e \
auto-respeito. Constrói sua auto estima. Essa hora é toda sua. Está por sua J
própria conta. Quer brincar? E, em caso afirmativo, com quê? Ela équem
faz a escolha, e seja lá o que escolher, o terapeuta estará de acordo. Quer
simplesmente ficar sentada ali? Para o terapeuta não fará a mínima dife­
rença. Ele permanece amistoso, relaxado e interessado. Não a segura. Ele
a compreende. A criança pode perceber isso palas observações que ele faz.
Parece saber exatamente o que a criança está sentindo, o que faz com que
esta o procure. Ela pode escolher o brinquedo com o qual vai brincar. O
terapeuta nunca faz objeções às coisas em que ela paga.

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Bill, por exemplo, pega a boneca-mãe e revira-a de cabeça para baixo.


Tira suas roupas. Ninguém diz nada. Não se fazem objeções. Apenas a ob­
servação: “Você quer tirar a roupa dela.” Não é uma observação muito
profunda, mas está de acordo com o que ele faz.
Bill: Vou bater nela. (Pega num cubo enorme e o faz.)
Terapeuta: Você está com vontade de bater nela.

Bill: Agora eu vou enterrar ela na areia. Ela vai sufocar.


Terapeuta: Você vai sufocá-la na areia, agora.

Bill: Ninguém vai ver ela de novo.(Enterra-a na areia.)


Terapeuta: Pronto, você está livre dela. Ninguém a verá de novo.
(Bill vai até a estante, paga na mamadeira e leva-a à boca, olhando

INDEX
para a terapeuta para ver como ela vai encarar isso.)
Terapeuta: Você quer. tomar a mamadeira. (Ele chupa o bico com
mais força.)
BUI: Eu sou um bebê. (Fala com voz de bebê.)
Terapeuta: Agora você é um bebê.
Bill: Ti bom! (Falando errado, como um bebê.)
Terapeuta: Às vezes é bom ser um bebê.

BOOKS
(Bill deita-se no chão, balbuciando e tomando a mamadeira. Que im­
portância tem os seus oito anos? Agora ele é um bebê. A terapeuta não dá
mostras de se aborrecer com seu brinquedo de bebezinho. Durante vinte
minutos ele se faz de bebê, pois sabe que a terapeuta o acompanhará du­
rante todo o tempo que lhe aprouver brincar assim. Vive a experiência
relaxado, seguro em seu relacionamento. Não há diferença se ele é um bebê
chorão ou um jovem selvagem sedento de sangue; aceitam-no inteiramente.
Depois que satisfaz seu desejo de mamar e de ser um bebê, ele tira o bico
da mamadeira e bebe o resto da água.)

GROUPS
Bill: Está vendo, estou bebendo cerveja agora, feito papai.
Terapeuta: Agora você já não é mais bebê. Você cresceu. (Isso tam­
bém é interpretação.)
Bill: Pois é. (Deixa de lado a mamadeira. Ele fez sua escolha. E
mais divertido ser um adulto do que um bebê.)
(Bill empunha um revólver e prepara os soldadinhos para a batalha.
Começam suas agressões. Mata um, depois o outro. Divisões inteiras são
ceifadas. Ele urra como um assassino sanguinário. A terapeuta continua a
refletir seus sentimentos.)

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Bill (gritando): Seus filhos da mãe, por que não fazem o que eu digo?
Vou matar vocês. Vou matar vocês todos. (E ele o fa z.)
Terapeuta: Não fizeram o que você mandou e você os matou.
Bill: Esse tanque vai esmagar a única cabana que ficoú. Mas olha,
esse cara vai dar o fora. Esse sou eu, e vou dar o fora daqui.
Terapeuta: O tanque arrebenta a cabana, mas você se livra. Nada
acontece com você.
Bill: Ele dá o fora. Puxa, ele está morrendo de medo! Olha como ele
treme. Acha que eles vão matá-lo.
Terapeuta: Ele está com medo.
Bill: Aí o inimigo vem atrás dele e quase dá cabo dele, mas aí ele dá
uma reviravolta e dá no pá.

INDEX
Terapeuta: Quase que o pegaram, mas ela ainda teve tempo de se
safar.
Bill (gritando): Ele grita “ MAMAE!”
Terapeuta: Ele chama a mãe porque está com medo.
Bill: E quando ela aparece, ele mata ela.
Terapeuta: Ele mata a mãe quando ela aparece.
Bill: É. Ela não queria fazer o que ele disse a ela.
Terapeuta: Ele a matou porque ela não fazia o que ele queria.

BOOKS
Bill: É, mas depois ele leva ela pro hospital e ela fica boa de novo.
Terapeuta: Ele a faz ficar boa de novo.
Bill: Aí foram pro cinema e vimos "O Pirata Vermelho Ataca Outra
V ez.” Você já viu “O Pirata Vermelho Ataca Outra Vez?”
Terapeuta: A mãe e o menino foram ver "O Pirata Vermelho”, depois
que a batalha acabou.
Bill: Você já viu esse filme?

GROUPS
Terapeuta: Não.
Bill: Puxa, é bacana! Há um menino no meu quarto que tem um cin­
turão de Pirata Vermelho. Legal!
Terapeuta: Você gosta dos filmes e dos cinturões do Pirata Vermelho.
Bill: Você ouve os programas do Pirata Vermelho no rádio?
Terapeuta: Infelizmente não.
Bill: É bacana. Basta mandar dez caixas de cereal Hunchy Crunchy e
dez centavos, para ganhar um cinturão daqueles. Vou mandar assim que
puder.
Terapeuta: Você também quer ganhar um cinturão.

ioi

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Bill: É. O cinturão desse menino é marron e tem umas pedrinhas
brilhantes em volta. É assim, quer ver? (Senta-se e desenha uma cópia do
cinturão com os lápis de cor.)
A terapeuta acompanha Bill quando ele muda de bebê para adulto,
e daí para a típica criança de oito anos. É ele quem escolhe. A mudança se
produz dentro dele mesmo.
A terapeuta acredita no fato de que a criança pode ajudar-se a si mes­
ma. Ela a respeita.
Toda criança, que vem à sala de terapia defronta-se com esse desa­
fio: agir por sua própria conta. E quanto à criança dependente? A criança
tímida? A que nunca fez uma escolha importante por si mesma? Será ela
esmagada por essa experiência? Será coisa demais para ela? Temporaria­
mente ela precisará de um apoio?

INDEX
Jerry foi a criança mais tímida e desajustada que jamais deu entrada
numa sala de ludoterapia. Tinha quatro anos, era mentalmente retardado,
e seu crescimento físico estava atrasado. Não falava, sua coordenação mo­
tora era muito pobre, e não parecia possuir a menor auto-direção. Trouxe­
ram-no à sala de terapia por causa de seus medos irracionais, por seus pro­
blemas de alimentação, e porque sua mãe achava que, em resultado dessa ex­
periência, ele aprenderia a falar.

Quando a terapeuta viu Jerry pela primeira vez, deparou com um su-

BOOKS
jeitinho chorão, inseguro e assustado, que não percebia nada do que se
passava à sua volta. Balbuciava e andava em círculos, quando a terapeu­
ta tomou-o pela mão e levou-o para a sala. A mãe de Jerry combinara con­
versar com outra psicóloga que a ajudaria em seus problemas.
A terapeuta levou Jerry para a sala, cheia de apreensão. Que é que
uma criaturinha daquelas poderia fazer na sala de terapia? Esse caso ilustra
o poder do indivíduo para amadurecer, se lhe for dada uma oportunidade.
As notas tomadas pela terapeuta revelam interessante desenvolvimento.

PRIMEIRO CONTATO
GROUPS
Jerry olhou para os brinquedos à sua volta, na sala. Depois, começou
a pegar nos brinquedos, dar-lhes uma olhadela e deixá-los cair no chão de
novo. Grunhiu, murmurou, mas nada disse de inteligível. Pegou no cami­
nhão do exército, deu um sorrisinho e jogou-o no chão. Levantou a caixa
com a família de bonecas, pegou-as uma por uma e foi jogando-as no chão.
Depois foi até a caixa de cubos e repetiu sua atividade, jogando-os a esmo,
sem nem olhar para que lado caíam. Durante essa brincadeira, grunhia e
murmurava baixinho. Seus movimentos eram nervosos, apressados, desco­
ordenados. As coisas caíam-lhe das mãos e ele não fazia qualquer esforço

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para segurá-las. Depois pegou no martelo e começou a dar marteladas na
mesa, mas não conseguia controlá-lo. Depois de um período de marteladas,
pagou os talheres de brinquedo e atirou-os através da sala. Por fim, todos
os objetos existentes na sala tinham sido jogados ao chão. Jerry pegou no
trenzinho e começou a empurra lo pela sala.

Durante essa brincadeira, toda vez que ele ria, a terapeuta dizia: “Jer­
ry gosta de fazer isso”, ou "Jerry acha isso engraçado.” Ocasionalmente, ele
agarrava um caminhãozinho de brinquedo ou uma boneca e grunhia para
a terapeuta. Ela dizia o nome do objeto que ele estava segurando. Jerry
parecia encontrar grande satisfação nisso. Começou a centralizar sua aten­
ção nesse tipo de atividade. Pegava no brinquedo, estendia-o para a tera­
peuta, esta dizia-lhe o seu nome, depois do que ele o deixava cair de volta
ao chão, para ir pegar uma outra coisa.

INDEX
Depois de um momento, começou a preferir o caminhão por mais
tempo. A terapeuta continuou a repetir o nome dos brinquedos, especial­
mente “ caminhão”, que ele segurava com mais freqüência. Até que, en­
fim, Jerry disse “ caminhão”, ao segurá-lo. A maior parte do tempo man­
tinha os olhos fechados e tateava por entre os brinquedos, em vez de
tentar realmente brincar com eles.

Finalmente, voltou ao trenzinho e começou a empurrá-lo. A tera­


peuta disse, acompanhando a sua atividade: “Jerry está empurrando o
trenzinho” , “Jerry está dado um tiro com o revólver”, "Jerry está ba­

BOOKS
tendo os caminhões um no outro.” Aí éle começou a berrar. Batia os
caminhões um no outro, cada vez com mais força, berrando alguma coi­
sa que soava como: “ Caminhão quebrou!”

Nisso, um carro de bombeiros passou pelo edifício. Largando ime­


diatamente o que estava fazendo, Jerry correu para a terapeuta, chora­
mingando e tomou-lhe a mão. “Jerry está com medo do barulho”, disse
a terapeuta. Ele, repentinamente, sorriu. Foi até a casa de bonecas, pe­
gou toda a mobília e despejou-a no chão. Tirou o telefone do gancho,
levou-o ao ouvido, jogou-o no chão, foi até a janela, tentou olhar para fo­

GROUPS
ra, depois voltou a pegar o caminhão. O carro de bombeiros voltou com
todo seu barulho e de novo ele reagiu como fizera antes. Novamente a
terapeuta lhe disse: “Jerry está com medo do barulho.”
Então Jerry segurou a mão da terapeuta e tentou transmitir-lhe
alguma mensagem. Disse-lhe, enfaticamente: “Faz! Faz!” “Você quer que
eu faça alguma coisa”, disse-lhe a terapsuta. Jerry puxou-a com mais for­
ça e repstiu “Faz!" Parecia compreender o que a terapeuta lhe dizia. Fi­
nalmente, quando a terapeuta se levantou, ele a levou até a caixa de brin­
quedos que estava no chão e, pegando sua mão, colosava-a na caixa de
brinquedos. E então, punha um brinquedo na mão dela para, depois, diri-

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gila até sua própria mão. Finalmente a terapeuta compreendeu que Jer­
ry queria que ela lhe entregasse os brinquedos. A terapeuta o fèz, dando-
lhe de cada vez um brinquedo, que ele prontamente jogava no chão. Ele
ainda se agarrou à mão da terapauta, como se quisesse que ela fizesse
alguma coisa. Esta começou a dizer o nome dos brinquedos, à medida
que os estendia a Jerry e era isso realmente o que ele queria. Começou a
sorrir, depois a tagarelar, rir e gritar. Ocasionalmente berrava “cami­
nhão!". Depois ajoelhou-se no chão, coberto de brinquedos espalhados, e
empurrou-os pela sala, rindo e gritando.

No fim do horário, Jerry não quis sair da sala de terapia. Come­


çou a choramingar e a berrar: “Não!" Mas quando a terapeuta saiu da
sala, ele a acompanhou.

INDEX
SEGUNDO CONTATO (dois dias depois)

Jerry pareceu mais tímido durante essa sessão, do que durante a pri­
meira. De cada vez que um bonde passava pela rua, ele choramingava e
dava demonstrações de medo. Quando o horário acabou, a sua mãe con­
tou que, ao vir para a clínica, ele andara c’e bonde pala primeira vez e ti­
vera tanto medo, que ela pensara que seria obrigada a descer. Contudo,
ela insistira e, embora ele chorasse e gritasse durante todo o trajeto para
a clinica, ficaram no bonde.

BOOKS
Durante toda a hora de terapia, Jerry continuou a se libertar de
seus medos. Pegou nos bichinhos de madeira e nas bonecas e atirou-os
longe. Acidentalmente, um deles fi:ou de pá ao cair. Jerry olhou para
ele e riu. A terapeuta lhe disse: “ Jerry gosta de colocar o bichinho de
pé.” Depois de levantá-los, derrubava-os de novo. Brincou com as bonecas
e os bichinhos dessa maneira, durante uns dez minutos, depois voltou à
sua velha brincadeira de jogar tudo pelo chão. Gastou a maior parte do
tempo fazendo isso. Depois pegou o trapo de limpar pincéis, enfiou-o na
vasilha de água para pintura de dedo e passou uns cinco minutos espre­
mendo a água no chão.

GROUPS
Cada vez que um bonde passava, ele choramingava e gritava e, de
cada vez, a terapeuta dizia: “Jerry está com medo do barulho.” No fim
da hora, quando o bonde passou, ele foi até a janela, mas não chorou.
Só tentou olhar para fora. "Bonde” , disse-lhe a terapeuta, e ele repetiu:
"onde, onde” .

TERCEIRO CONTATO (daqui por diante os contatos foram com interva­


los de uma semana.)

Uma caixa de areia tinha sido adicionada ao equipamento da sala,


desde a ultima visita de Jerry. Ele foi direto até lá. A terapeuta ajudou-o
i
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a subir nela. Ele atirou longe punhados de areia, por três minutos, de­
pois tentou sair da caixa. Choramingou, pedindo que a terapeuta o levan­
tasse, e esta disse: “Jerry quer sair da caixa de areia.” Ele tentou fazê-
lo sozinho e ela deu-lhe o mínimo possível de assistência.
Foi até a caixa de brinquedos e começou a tirá-los de lá. Olhava
para a terapeuta e grunhia. Ela sorriu para el3 e lhe disse: “Jerry quer
tirar os brinquedos da caixa." Ele deu as costas à terapeuta e olhou pa­
ra dentro da caixa. Tirou dali o caminhão, estendeu-o para a terapeuta e
disse: "Caminhão.”
Depois fez a mesma coisa com uma vaquinha de madeira; parecia
estar querendo que ela lhe dissesse o seu nome. Voltavam à rotina. En­
tão ele escolheu, deliberadamente, a vaca, o caminhão, e o boneco e es­
tendeu os um a um para a terapeuta, que lhes dava nomes; ele então repe­

INDEX
tia: "Caminhão.” “Vaca." “Menino.” Depois ele atravessou a sala com eles
e foi até a caixa de areia; entrou nela sozinho, ficou jogando areia fora
durante uns cinco minutos, depois saiu de lá de dentro sem ajuda.
Quando os bondes passavam, ele sempre ia até a janela, olhava pa­
ra fora e choramingava, e de cada vez a tarapeuta refletia seu medo do
barulho. Ele foi até onde estava a boneca, pegou nela, embalou-a um pou­
co, depois deixou-a cair.
Subiu no banco e apontou para o vidro de pintura de dedo, com tin­
ta azul. A terapeuta o abriu e derramou um pouco de tinta azul em ciina

BOOKS
do papel. Jerry inclinou-se e olhou para ela. “Está vendo?”, disse a tera­
peuta, mostrando-lhe como espalhar a tinta. Ele começou a chorar. “Jer­
ry não gosta disso." E realmente ele não gostava, e desceu da mesa. Mais
tarde ele voltaria a olhá-la e, levando a terapeuta até a mesa, tomaria sua
mão e a enfiaria na tinta, para logo largá-la, bem depressa. Depois jogou
ims cubos no chão, pegou a boneca maior e a mamadeira e começou a
dar-lhe de mamar. Jogou a boneca no chão, pôs a mamadeira no berço e
tentou olhar pela janela. Depois pegou no caminhão e começou a empur­
rá-lo pelo chão.

QUARTO CONTATO
GROUPS
Jerry entrou sozinho na caixa de areia. Encontrou um caminhãozi-
nho dentro da caixa e gastou dez minutos enchendo-o e esvaziando-o. De­
pois, saiu da caixa sozinho, foi até a janela, olhou para fora, pegou uns sol­
dadinhos e voltou para a caixa. A areia entrou em seus sapatos e ele co­
meçou a chorar. A terapeuta tirou-lhe os sapatos e meias.
Cada vez que um bonde passava, Jerry levantava a cabeça, mas já
não apresentava sinais de medo e, a cada vez, a tsrapeuta lhe repetia a
palavra: “bonde” e ele balançava a cabeça. Lá pela metade da hora, ele
repetiu: "bonde”, quando um deles passou.

105

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Brincou na caixa por mais dez minutos, depois saiu dela e foi pro­
curar os pratos de brinquedo. Levou uma xicara e uma colher para a cai­
xa e ficou brincando de encher a xícara e esvaziá-la com a colher. De­
pois ficou subitamente alegre, e jogava grandes punhados de areia longe,
rindo e gritando.

De repente ele saiu da caixa, pegou a terapeuta pela mão, e levou-a


até a porta. Ela o acompanhou. Ele foi até a sala de espera e òlhou em
tomo. “Está procurando sua mãe?” perguntou a terapeuta. Ele deu meia-
volta, correu para a sala e subiu de novo na caixa de areia. Começou a
enterrar os pratos e o caminhão na areia, depois pegou na mão da te­
rapeuta e fez com que ela os procurasse. Ela os desenterrou, e ele riu.
Depois pegou dois caminhõezinhos e bateu-os um contra o outro, gritan­

INDEX
do: "Caminhão!” e “ Bang, Bang!”, rindo. Quando a campainha tocou anun­
ciando o final da hora, ele teve um estremecimento. Depois riu.
A terapeuta pôs suas meias e sapatos para ele, e Jerry voltou à sa­
la do espera.

QUINTO CONTATO

Quando Jerry, voltou à sala, sentou:se no chão, tentou tirar sapatos e


meias, sem consegui-lo direito, e a terapeuta ajudou-o um pouco. Subiu

BOOKS
na caixa de areia e brincou com os pratinhos e caminhões por meia-ho-
ra. Depois saiu de lá, pegou a boneca, enrolou-a num cobertor e ficou
com ela no colo por uns dez minutos; depois disto colocou-a carinhosa­
mente no berço e voltou para a caixa, onde ficou brincando por uns vin­
te minutos. Durante esse brinquedo, sempre que ele psgavanum objeto di­
ferente a terapeuta dizia: “Agora Jerry está brincando com o patinho”,
ou “Agora Jerry está brincando com o cavalinho.” Jerry fez um esforço
para repetir os nomes e conseguiu dizer: "pato” e “ vaca” .

üma vez, durante esse contato, quando um bonde passou ele olhou

GROUPS
para a terapeuta e disse: “bonde." Nem uma vez deu mostras de ter medo.

No final da hora ele tentou pôr os sapato3 e meias sozinho. Com


uma ajudazinha ele o conseguiu.

SEXTO CONTATO

Quando Jerry entrou na sala, sentou-se, descalçou-se sozinho e en­


trou na caixa de areia. Brincou por uma meia-hora, depois saiu, pegou
a boneca e deu-lhe de mamar por dez minutos. Depois deitou-a carinho­
samente no bercinho e empilhou por cima dela os toquinhos de constru­
ção. Foi até a casa de bonecas e gastou uns dez minutos tirando a mobí­
lia e colocando-a sobre a mesa. Quando a casa estava vazia, ele colocou

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a mobília em seu lugar, mas não na ordem. Só queria tomar a encher


a casa com a mobília. Depois voltou para a caixa de areia e brincou du­
rante todo o resto da hora.

Não pareceu nem uma vez notar o barulho dos bondes, ou qualquer
outro barulho. No final da hora, sentou se no chão e calçou-se sem aju­
da. Precisou de um certo auxílio para pôr os sapatos, mas esforçou-se por
fazê-lo sozinho.

SÉTIMO CONTATO

Jerry gastou a hora inteira na caixa de areia, brincando com pra-


tinhos, caminhões e bichinhos. No início do horário ele se descalçou sem

INDEX
ajuda e, no final, pôs as meias sem dificuldades, mas para calçar os sa­
patos ainda foi preciso ajudá-lo um pouco.

OITAVO CONTATO

Jerry passou a primeira meia-hora no chão, brincando com os bi­


chinhos que tirara da caixa de brinquedos. Punha-os de pé, puxava-os pe­
lo assoalho, e dava mostras de uma organizaçio definida na brincadeira.
Quando ia subir na caixa de areia, lembrou se dos sapatos, sentou-se no
chão e tirou-os sozinho. Estava com sapatos novos, que tinham elásticos

BOOKS
em vez de cadarços. Conseguia manejá-los sozinho. Subiu na caixa de a-
reia e começou a brincar com os brinquedos que tinha eleito como seus
favoritos — os bichinhos, os pratos, os caminhões. Ficou ali até o fim da
hora, rindo a maior parte do tempo. Um carro de bombeiros passou du­
rante esse período, mas ele nem notou. Na hora de ir embora, calçou-se
sem dificuldade. Não conseguia fazer passar o elástico, mas o resto ele
fazia facilmente.

Esse foi o último contato que a terapeuta teve com Jerry. Ela sen­
tiu que ele poderia ser ajudado por contatos mais freqüentes, e não deu o

GROUPS
caso por acabado, mas devido ao fechamento da clínica, não foi possível
vê-lo de novo. Foi a clínica quem deu um fim aos contatos, e não a mãe
Ambos foram encaminhados a uma nova clínica, onde continuaram o seu
tratamento.

A mãe relatou uma notável mudança no comportamento de Jerry


desde o primeiro contato. Ele tornou-se mais positivo, à sua maneira rião-
verbal. Anteriormente, sempre fora muito dócil, e ficava onde o punham,
nada fazendo, a não ser engatinhar de um lado para o outro, no cercado
onde ela o colocava. Ele agora tinha tentado sair. Sua mãe o pôs fora.
Depois, ela notou outras melhoras: ele tentava falar. Dizia umas poucas
palavras, que todo mundo entendia: “ caminhão”, “bonde”, “pato” , "vaca” .
A mãe dizia as novas palavras que tinha ouvido. Jerry deve têlas real-

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mente dito em casa, pois sua mãe não tinha meios de saber com que brin­
quedos ele se distraía e que palavras teria dito, durante a hora de lu-
doterapia. Ficou muito contente, quando ele começou a tentar a calçar-se
e descalçar-se sozinho. Disse que ele estava comendo melhor, e interessa­
va-se mais pelas coisas que o cercavam. Disse que a maior mudança nele
era o aumento de sua atenção e capacidade de concentração. Seus brin­
quedos tinham agora um certo objetivo, e duravam horas, enquanto que,
antes, ele nada mais fazia, senão pegá-los e deixá-los cair novamente.
É claro que a atitude da mãe deve ser levada em consideração,
quando se tenta dar conta das transformações que se operaram em Jer-
ry. Cada vez que ele se encontrava na sala, a mãe visitava um psicólogo,
para uma consulta não-diretiva. Com isso, ganhou uma certa visão dos pro­
blemas de seu relacionamento com o filho, o que influenciou suas atitu­
des e gestos para com ele. Comentou, uma certa vez, que agora Jerry era

INDEX
muito mais difícil de manejar, pois parecia estar desenvolvendo uma ma­
neira própria de pensar, mas sabia que isso era para bem, e recebia a mu­
dança de braços abertos.
Examinando esse caso, o leitor pode perguntar o que aconteceu a
srry, para trazer tanta mudança? Terá sido porque, na sala de terapia,
e experimentou, pela primeira vez na vida, um sentimento de indepen-
ãncia e de auto-suficiência? Será porque nessa experiência ele foi leva-
5 a agir por sua própria conta, e ganhou com isso uma auto-confiança
10 lhe permitiu ir mais adiante? Terá tido um “insight” de seu valor

BOOKS
imo indivíduo atuante?
32 interessante notar a maneira pela qual ele explorou o material
-sto à sua disposição, e como, finalmente, centralizou sua atenção nuns
/ poucos escolhidos, embora todos os outros tivessem estado à sua vista,
durante todos os contatos. Isso é a prova de que até Jerry podia fazer
escolha por si próprio, se lhe dessem uma oportunidade para isso, tanto
quanto dar início a mudanças em seu próprio comportamento. Aparente-
m<>nte nr-Vioi, sua independência muito mais satisfatória do que a depen-
anterior. Deve ter experimentado um sentimento de segu-

GROUPS
ilacionamento, que lhe permitiu dominar seus medos e an-

Pareoe que Jerry obteve tal satisfação em ser auto-suficiente duran­


te essa hora, que ganhou confiança para prosseguir sozinho. Suas tensões
foram eliminadas. Ele conseguiu um sentimento de equilíbrio que lhe
permitiu auto-controlar-se.

APLICAÇÃO NA TERAPIA DE GRUPO


Este princípio é válido em qualquer situação de terapia, seja ela
individual ou de grupo. Aplica-se a qualquer criança, esteja ela sozinha,

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ou em grupo. As várias personalidades dos membros do grupo não alte­
ram o princípio. Até num grupo em que uma determinada criança seja
completamente dominada pelas outras, é ela quem, voluntariamente, es­
colhe o momento de libertar-se dessa dominação. A dinâmica do relacio­
namento do grupo às vezes traz à tona problemas de relacionamento de
um indivíduo com os outros, dentro do grupo. As crianças do grupo lo­
go começam a interagir e discutem as atitudes e sentimentos dos outros
membros. São generosas em sua avaliação e opinião. A reação indivi­
dual de cada criança para com os outros membros é significativa. É possível
ajudar a criança a ganhar uma visão de seu problema de ajustamento
social, devolvendo-lhe os sentimentos que ela exprime, ao brincar com as
outras. Mas, embora o relacionamento de grupo pareça apontar os pro­
blemas e apressar o desenvolvimento desse “ insight”, a responsabilidade
em fazer mudanças pertence à criança. —

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13. A CRIANÇA INDICA O CAMINHO

INDEX
O terapeuta não tenta dirigir os atos ou a conversa da crian­
ça, de maneira alguma. É ela quem o faz. O terapeuta a acompa­
nha.

O terapeuta adere definitivamente à orientação não-diretiva. Não


faz perguntas indiscretas, exceto, talvez: “ Quer falar nisso?”, se a crian­
ça começa uma discussão sobre algo que a tenha perturbado. Exclui os
elogios, de modo a excluir também a possibilidade de que a criança se­
ja levada a agir de determinada maneira, para obter mais cumprimentos.

BOOKS
Não critica o que ela faz, para que ela não se sinta desencorajada e de­
sajustada. Se pede ajuda, ele a dá. Se pedir indicações sobre a maneira
de usar o material, ele as fornece.

O terapeuta não oferece sugestões. A sala e o material estão à dis­


posição da criança, esperando pela sua decisão. O período de terapia é
seu campcTde prova, o tempo no qual ela toma suas próprias medidas.
Se tentar fazer alguma coisa fora do esquema, o terapeuta não lhe su­
gerirá que faça algo por ele especificado. Nem estabelece uma seleção
prévia de brinquedos, esperando que o material ali disposto seja tomado
pela criança.
GROUPS
Uma terapeuta, que sentiu que o seu grupo tinha problemas que se
centravam em torno do relacionamento familiar, colocou a casa de bone-
ças e a família bem no meio da sala, e pôs todo o resto à distância.
Quando as crianças entraram, psrceberam logo o arranjo prévio do ce­
nário, sentaram-se preguiçosamente, perguntando por quanto tempo te­
riam de ficar ali, e se teriam de voltar. Com sua seleção do material,
por mais sutil que ela fosse, ela havia cancelado toda a estruturação an­
terior, tinha confundido e assustado as crianças com sua tentativa de di­
rigir o brinquedo, tinha traído a confiança que tinham nela e obrigado

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as crianças a uma rápida retirada. Tornara-se autoritária para elas, o


que é evidenciado pela pergunta: "Quanto tempo temos de ficar?” . “Será
que temos de voltar aqui?”
Sugestões por parte do terapeuta são igualmente inúteis. Quando
ele diz à criança: “ Os outros meninos estão brincando com as mamadei­
ras. Você não gostaria de tentar?”, está tentando dirigir sua ação. A cri­
ança, às vezes, se ressente dessas sugestões e torna-se indiferente. Às ve­
zes, numa situação de grupo, as outras crianças podem pensar que são
obrigadas a seguir uma delas e a entrar num tipo de atividade da qual
não sentem vontade, nem necessidade.
Infelizmente, muitas crianças já tiveram a experiência de, tendo-lhe

INDEX
sido dito que podiam escolher, descobrir que, a menos que sua escolha
coincidisse com a dos adultos, ela seria nula e vazia. Como resultado de
vários tipos de experiências diferentes, as crianças a princípio mantêm-
se receosas das conseqüências da permissividade na sessão de terapia.1
Isso pode ser notado quando a criança conta sua hora de terapia a um
amigo: — “Juro que você nunca viu nada igual. Você pode fazer tudo o
que quiser, mesmo! Parece mentira, mas é verdade!”
A hora da terapia não é apenas uma outra hora de recreio, ou ho­
ra social, ou experiência escolar. É a hora da criança. O terapeuta não

BOOKS
é um companheiro de brincadeira, não é um professor, não é um subs­
tituto da mãe ou do pai: é uma pessoa única aos olhos da criança. É o
palco onde pode pôr à prova sua personalidade. É a pessoa que segura o
espelho onde ela se verá. O terapeuta guarda para si suas opiniões, seus
entimentos e sua orientação. Quando se considera que a criança está na
sala de terapia para ter contato consigo mesma, percebe-se que as opi­
niões e desejos do terapeuta não são benvindos. A criança é bloqueada
pela intromissão da personalidade do terapeuta, no brinquedo. Conse- j
qüentemente, este deve manter-se de fora. a criança_quem indica o

GROUPS
caminho. ÇMerapeuta a acompanha.
Isto é ilustrado no trecho seguinte. Richard, de nove anos, está
num jardim de infância particular. Indicaram ludotsrapia para ele, por­
que é um sonhador, porque faz xixi na cama e fala feito bebê. Testes de
inteligência provaram que a sua era mediana, e apesar disso, seus tra­
balhos escolares eram um fracasso. Esse trecho é da quarta sessão.
Mostra de que maneira a criança usa a terapia, quando lhe permitem
íazê-lo, e toma clara a diferença entre o papel do terapeuta e o do adul­
to típico com o qual ela está acostumada.
Richard veio para a sala, sentou-se à mesa e começou a pintar
manchas coloridas. Usava tinta vermelha e alaranjada. Sorria para a
terapeuta.

112
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Richard: Estive capinando o jardim pra ganhar algum dinheiro.


Quero comprar um presente pra minha mãe. Vou pra casa no meu ani­
versário e vou passar duas semanas com minha tia. Ela mora pertinho
de mamãe; vai dar pra ir fazer uma visitinha a ela.
Terapeuta: Você quer ir visitar sua mãe.
Richard: Eu quero. Vou levar uma coisa bem bonita pra ela. Vai
ser uma surpresa.
Terapeuta: Você vai levar uma bela surpresa para ela.
Richard: Vou passar duas semanas lá. Talvez três. Puxa, vai ser
bom sair daqui!
Terapeuta: Você gostará de sair daqui por uns tempos.
Richard: Vou fazer dez anos. Estou no quarto ano. Papai quer que

INDEX
eu passe pro quinto ano, mas eu disse pra ele que não quero. Gosto de
tomar bomba.
Terapeuta: Você gosta de tomar bomba.
Richard: Escrevi para minha mãe; disse pra ela que vou pra casa no
meu aniversário. Disse pra ela que ia fazer cinco anos e que queria cin­
co velinhas no meu bolo.
Terapeuta: Você quer fazer cinco anos nesse seu aniversário.
Richard: O aniversário do papai é no mSs que vem. Ele vai pro exér­
cito. No mês passado ele veio me ver. Sabe o que ele me perguntou?

BOOKS
Se eu queria um irmãozinho ou uma irmãzinha. Eu disse que não me
importava. Acho que eles vão arranjar um. (Nesse ponto, ele pinta lis­
tras pretas sobre as bolhas vermelhas e alaranjadas.)
Terapeuta: Você disse a seus pais que não se importava se eles ar­
ranjassem outro bebê.
Richard: É, foi o que eu disse.
Terapeuta: Foi isso o que você disse, mas na realidade você se im­
porta.

GROUPS
Richard: Sabe, meu pai e minha mãe não são mais meus pais. Eles
se divorciaram e papai casou-se de novo. (Suspira fundo e fecha a caixa
de tintas com um baque forte. Vai até a estante e pega a mamadeira.)
Richard: Sou um bebezinho.
Terapeuta: Bem que você poderia ser o nenenzinho deles. (Interpreta­
ção.)
Richard vai pegar o tabuleiro de xadrez e o traz para a mesa, sentan­
do-se em frente à terapeuta.
Richard: Joga comigo.
(Coloca as peças do tabuleiro e começam a jogar, mas é Richard quem
diz à terapeuta que peças mexer e para onde.)
Terapeuta: Você quer me dizer o que devo fazer neste jogo.

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Richard: É sim. Olha, é assim que eu quero que você jogue.


Terapeuta: Você quer me dizer o que devo íazer.
Richard: K sim. Não mexa com essas pedras daqui. (Dessa forma,
Richard está certo de ganhar o jogo. De repente, ele derruba o tabuleiro
e empilha as pedrinhas.) Agora é um jogo novo. Vamos empilhar as pe-
drinhas: fazer um montinho com elas. As vermelhas são minhas. As
pretas são suas. Agora vamos brincar de guerra. (Richard move seus ho­
mens e depois os da terapeuta. Ela vai aos poucos se afastando do jogo
e ele toma conta sozinho. Move os dois grupos de homens, atirando-os
uns contra os outros.) Esse aqui é um grandalhão. Um gigante. Pode fa­
zer tudo nesse mundo. (Voa para cima dos homens da terapeuta e atira-
os para fora do tabuleiro.)

INDEX
Terapeuta: Seja quem for, não resta dúvida que é poderoso.
Richard: Pode fazer tudo. (De repente pára de brincar, reorganiza
as peças como se fosse jogar normalmente, depois coloca um rei verme­
lho do lado do tabuleiro em que está a terapeuta, no canto esquerdo da
última carreira.) Esse aqui é o menininho viu? Está sozinho. Sua mãe
mandou ele embora. Não teve outro jeito, sabe? Não tinha lugar pra ele
e ela tinha de trabalhar. (Está muito nervoso. Move rapidamente os de­
dos por cima do tabuleiro e toca levemente as peças.)
Terapeuta: A mãe mandou o menininho embora.

BOOKS
Richard: Esse é o pai do menino. Esse é o avô dele. Essa aqui é
a outra mãe, que se casou com o pai. Essa é a tia. E essa (a peça no can­
to oposto a todas as outras) é a mãe dele. Agora esse pessoal — (Move-os,
colocando-os entre a mãe e o menino.) — esse pessoal não vai deixar que
ele chegue perto dela, e essa outra mãe também não vai deixar que o pai
venha pra perto dele, e o menino grita: “ Socorro! Socorro!” Aí os solda­
dos escutam, vêm correndo, lutam com o pai. A mãe corre pra lá. O pai
corre pra cá. A outra mãe só fica olhando. A í... (Richard joga longe a
peça que representa o pai. Esta rola pjlo chão.) Não, não!(Ele está mui­

GROUPS
to excitado, aos berros.) A mãe está chegando mais perto. A outra mãe
avança pra ela. Elas lutam. (Mistura as pedras e atira-as para fora do ta­
buleiro, fazendo-as rolar em todas as direções.) Mãe! Mamãezinha! (Ri­
chard chora. Depois levanta-se e enxuga os olhos.)
Terapeuta: Você quer estar com sua mãe. O pai e a mãe querem
ambos ajudar o menino, mas a outra mãe não deixa que eles cheguem
perto.
Richard (concorda com a cabeça): É isso. (Vai para a janela e dá
as costas à terapeuta.)
Terapeuta: Isso te faz ficar muito infeliz.
Richard: Vou estar com minha mãe no dia de meu aniversário.
Terapeuta: Você vai gostar disso.

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(Richard começa a mamar na mamadeira. Volta à mesa e senta-se


diante da terapeuta.)
Richard: jg bom vir cá. (Suspira.) Quando fosse pra casa, gostaria
que Ned viesse ficar em meu lugar.
Terapauta: Você quer que alguém venha ficar em seu lugar quan­
do você for para casa.
Richard: É, não quero que fique um buraco no lugar onde eu es­
tava.
Terapeuta: Você gostaria de que, enquanto estivesse ausente, Ned
viesse guardar seu lugar aqui.
Richard: É, Ned é um bom menino, ele gostaria disso aqui. Será
que ele pode vir no meu lugar?

INDEX
Terapeuta: Se ele quiser, pode vir.
Richard: ótimo. Vou mandar o Ned.

O leitor observará que não houve tentativa alguma de dirigir o brü>


quedo. Não se tentou fazer perguntas a Richard a respeito de sua afir­
mativa de que gostava de levar bomba, ou de corrigi-lo quando disse que
tinha cinco anos de idade. A terapeuta não lhe fez ver que não era boni­
to gostar de perder o ano, ou diminuir a sua idade. Não se tentou desco­

BOOKS
brir a identidade do gigante. A terapeuta deixou que o próprio Richard ►
se dirigisse, e acompanhou-o o melhor que pôde. Não lha ofereceu suai
simpatia nem sua ajuda. Deixou seus próprios sentimentos inteiramente I
fora da situação. —'

APLICAÇÃO EM TERAPIA DE GRUPO


Num contato de grupo, a criança dirige o brinquedo e o terapeuta
a acompanha da mesma forma que no contato individual. Uma das cri­

GROUPS
anças do grupo pode tentar dirigir as aç5es e conversas das outras, mas
essa direção não tem o mesmo sentido da exercida pelo terapeuta. Este,
em tal circunstância, deve prestar muita atenção às suas respostas, de for­
ma que não transmitam à criança dominadora nem o mais leve poder de
direção.

Uma estrita aplicação do princípio deve ser a norma de perguntas I


feitas por ele, à exceção de uma —“Você gostaria de me falar sobre isso?” I
— a qual deixa a criança livre para falar ou não falar, como ela, quiser. I
As vezes o terapeuta sente que algumas perguntinhas poderiam apressar (_
o desenvolvimento da terapia. B possível que seja verdade, em alguns ca- !
sos, mas em outros faz cõm que a criancã-J^tJ^csda^ã~rÍ5]!fflente~ rètaF !
<la~ o processo terapêutico. CõmcT não se podem prever as reações da cri- j

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ança, é melhor não correr esse risco. Esse princípio impõe restrições ao
terapeuta. Não é fácil deixar que a criança dirija ela mesma o brinquedo,
quando parece que ela está bem próxima do centro do problema e, no
èntantó, vê-se que ela gira em tomo dele. A experiência ensina que não se
pode apressar a terapia.

INDEX
BOOKS
GROUPS

■110
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14. A TERAPIA NÃO PODE

INDEXO
SER APRESSADA

terapeuta não deve tentar apressar a terapia. Ê


processo gradativo c assim deve ser reconhecido por ele.

____J~A lei da “prontidão” opera na sessão de terapia. Quando a criança


u

BOOKS
está pronta para exprimir seus sentimentos em presença do terapeuta,
ela o fará. Não se pode forçá-la a fazê-lo às pressas. Uma tentativa des-_
se tipo obriga-a a retroceder. Muito freqüentemente as crianças passam
por um período de brinquedo aparentemente sem significado, durante a
hora de terapia. Tal período exige paciência e compreensão por parte
do terapeuta. Algumas crianças chegam muito vagarosamente àquilo que
o terapeuta consideraria como uso terapêutico da hora. No entanto, até
chegarem aí, elas vão reunindo condições de se expressarem. Se o tera­
peuta deixá-las em paz, deixá-las demorar o quanto quiserem, será larga­

GROUPS
mente recompensado por seu comedimento.
A criança vive num mundo extremamente agitado. As coisas passam
por ela com espantosa velocidade. Fazem-na correr para cá e para lá.
Ela é lenta por natureza. Esse mundo é muito grande e ela precisa de tem­
po para tomá-lo nas mãos. Todo mundo conhece aquele tipo de adulto que
nunca deixa as crianças fazerem as coisas sozinhas, porque — como ele
diz — "elas iam levar a vida toda” . Por exemplo, a exasperação muito co­
mum demonstrada por alguns adultos, quando uma criança não consegue
abotoar o casaco “às pressas”, ou amarrar os sapatos "às pressas” — pois,
na verdade, não há muita coisa que elas consigam fazer, assim, “ às pressas”.
Os adultos, então, vêm correndo e fazem tudo para elas multiplicando assim
as tensões e frustrações.

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Se o terapeuta estiver tentando aliviar tens2es e pressões, e dar à
criança uma sensação de ajustamento, não deve seguir o “ esquema da pres­
sa". Reconhecerá o valor de dar à criança uma oportunidade de ganhar seu
equilíbrio. Deixará que a criança faça as coisas calmamente.
Esta é, finalmente, uma situação na vida da criança em que ela não
é apressada nsm empurrada. Pode se relaxar. Se quiser apenas sentar-se
e ficar olhando, pode fazê-lo — pela hora inteira, se lhe der vontade. Se
segura a areia entre os dedos e deixa cair devagarinho, um grão de cada
vez, assim o faz porque lhe dá prazer. Se se sentir contente em apenas
rolar a argila de um lado para o outro, experimentando sua flexibilida­
de, poderá fazê-lo. Se quiser ficar calada durante a hora inteira, nin­
guém a obrigará a dizer uma só palavra. Finalmente, quando a criança co­
meça a perceber que já não existe aqusla pressão usual para fazê-la andar
depressa, ela se relaxa visivelmente.

INDEX
____ ) Se o terapeuta pensa que a criança tem um problema e quer atacá-lo
fo rn a is depressa possível, deve lembrar-se de que o que ele sente não é
/importante. Se a criança tem um problema, ela o trará para fora apenas
quando estiver pronta. O problema de desajustamento é tão complexo,
que não ss pode simplesmente traçar um círculo em torno de uma expe­
riência individual e dizer: "É isso!” A personalidade da criança é um meca­
nismo tão complexo que é difícil, se não for impossível, isolar um dos ele­
mentos que a fazem assim e dizer: “É isto que está causando todos esses
problemas.” O terapeuta não conhece a criança tão bem quanto ela própria

BOOKS
se conhece. Não pode expressar os verdadeiros sentimentos da criança tão
exatamente quanto ela própria pode expressálos. Ele pode ser capaz de
refletir os sentimentos expressos. Pode ser capaz de, em certos casos, qua­
se adivinhar. Mas não pode pretender conhecer todos os sentimentos da
criança.

Se o terapeuta pensa que a criança não está fazendo progresso algum,

Í depois de semanas de terapia, que examine e tome a examinar suas notas


para ver se descobre algo que possa ter causado a resistência à terapia.
Que se lembre de que a mudança é um processo gradativo e de que certas

GROUPS
-A
crianças se movem lentamente como tartarugas. Que ele se lembre de que
a criança está vivendo em um dinâmico mundo de relacionamentos huma­
nos. As condições que criaram o desajustamento ainda podem estar ope­
rando. A criança talvez não seja capaz de combater as outras forças que a
^tolhem em seu crescimento psicológico.
O terapeuta deve tentar ver as coisas do ponto de vista da criança,
deve tentar desenvolver uma empatia para com ela. Deve ter sempre em
mente o princípio de que a mudança não pode ocorrer sem a participação
do indivíduo, e de que as mudanças que realmente valem a pena vêm de
dentro para fora. Deve lembrar-se de que o crescimento é um processo
gradativo.

118
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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015
Já foi dito algumas vezes que a experiência de grupo parece acelerar a
terapia. No entanto, o terapsuta não deve acelera la. O emprego de uma
técnica que force a criança é perigosa e de resultado duvidoso. Pode ser
que não cause mal algum à terapia, mas pode ser também que provoque
um retrocesso ou uma destruição do “rapport".

INDEX
BOOKS
GROUPS

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15. O VALOR DOS LIMITES

INDEX
O terapeuta estabelece apenas aqueles limites necessário
para que se situe a terapia no mundo da realidade, e para que a
criança tome consciência de sua responsabilidade no relaciona-
I mento
i - ■
I
Os limites estabelecidos nos relacionamentos da terapia não-diretiva
são, naturalmente, muitò poucos, mas muito importantes. Parece essencial
para uma terapia mais profunda que a maioria dos limites~si restrinja às

BOOKS
coisas materiais, tais como evitar que se destrua irremediavelmente o mate­
rial de brinquedo, que se danifique a sala, ou que se ataque o terapeuta.
Também os limites de senso-comum, que visam a proteção da criança de­
vem ser incluídos. Parece haver pouco, ou nenhum valor, numa hora de
terapia gasta com uma criança que se dependura numa janela alta, ou se
ocupa com alguma coisa perigosa para ela. Se ela deve sair da sala de terapia
com uma sensação de segurança e de respeito pelo terapeuta, deve ser tra­
tada de maneira tal, enquanto estiver na sala, que esses sentimentos pos­
sam ser estruturados. Isso não significa que o terapeuta deva tomar-se

GROUPS
um apoio ou uma proteção. Significa, isso sim, que ele está convencido
de que, para ter efeito, a hora de terapia não deve estar tão desvinculada
da vida quotidiana, a ponto de que o que nela acontece não possa ir além
da sala de terapia. O terapeuta deve ter sempre em mente que a terapia"
bem sucedida liberta sentimentos que trazem o desenvolvimento de "insi-
ghts”, que acabarão por trazer uma auto-direção mais positiva. -----

É importante para o terapeuta perceber que, muitas vezes, as ativi­


dades da criança, dentro da sala, se realizadas fora dela, provocariam sérias
críticas. Deve também considerar o fato de que a criança tende a se sentir
culpada quando chuta a boneca-pai, ou bate na boneca-mãe, ou maltrata

,121

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as bonecas-irmão, ou irmã. Para proteger a criança de possíveis sentimen-j


tos de culpa, e para prevenir a formação de qualquer falso conceito em (
sua mente, a respeito do que deveria ser um comportamento aceitável, deve I
se colocar uma certa ênfase no fato de se restringir a terapia apenas à ses- /
são de ludoterapia.

Quando os sentimentos e as atitudes da criança são expressos através


de palavras e brinquedos, a experiência pode ser encarada objetivamente,
e tanto a criança quanto o terapeuta podem aceitar honesta e completa­
mente esse comportamento simbólico e verbal. Se é removido o elemento
simbólico e verbal, certas atitudes e impulsos trazidos à ação podem não
ser aceitos, nem pela criança nem paio terapeuta. Conseqüentemente os~l
limites necessários para que se atinjam essas condições são estabelecidos /
como pré-requisitos para a terapia satisfatória.

INDEX
O elemento tempo é o limite mais óbvio. O encontro está fixado.
À duração do contato de ludoterapia está determinada e é mantida. Se a
sessão está marcada para o horário de dez às onze, e a criança chega às
dez e meia, é às onze que ela termina. Certas circunstâncias, no entanto,
podem alterar até essa determinação de tempo — se as circunstâncias do
atraso, por exemplo, foram inevitáveis. A criança, cu o adulto que a traz, de-
vem perceber que o limite detem po é muito real- Não é aconselhável prolon-
t gar o tempo, a pedido da criança. Eventualmente, ela virá a perceber os
pl limites de tempo, e uma aceitação consciente disso pode ser muito útil.

BOOKS
O material da sala é o meio através do qual a criança expressa seus
sentimentos. Há vários tipos de material à sua disposição. Se ela se sente
agressiva, há brinquedos com os quais pode dar vazão a seus instintos.
Seus sentimentos são reconhecidos e o terapeuta tenta canalizar as ações
em direção ao material mais adequado.

Suponhamos que um menino pegasse num pesado cubo de madeira


e apontasse com ele para a janela. O terapeuta deve dizer — e é melhor
que o faça depressa — “Você quer jogar o cubo pala janela mas não pode
fazer isso. Pode jogá-lo no chão, golpeá-lo com um tronco, amassar a argi­

GROUPS
la com ele, derrubar os brinquedos, mas não pode jogá-lo pela janela.” Se
ele se enfureoe porque o terapeuta tenta intjrferir em algo que queria fa­
zer, esse sentimento deve ser-lhe imediatamente devolvido: “Você está zan­
gado porque não o deixei fazer isso.” Se a criança encara o terapeuta com
ar furioso e parece querer jogar-lhe o cubo no rosto, há outro sentimento
a tornar reconhecido: “Você está furioso comigo, porque só te deixei jogar
o cubo no chão, onde ele não há de fe.ir ninguém, e não vai estragar na­
da.” O terapeuta está ajudando o menino a enfrentar seu problema de de­
sajustamento, em face de um mundo realista. Fora da clínica, ele encon­
trará obstáculos, assim que tentar dar vazão a seus initintos destruidores
— e sem que haja o reflexo de seus sentimentos. Parece mais útil para a

122
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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015

J criança que se a faça enfrentar os limites que lhe serão impostos pelos re-
; lacionamentos humanos, do que deixá-la dar livre curso aos seus impulsos
Ldgstrutivos.

Quando a criança exprime seus sentimentos negativos contra seu pai,


sua mãe, ou sua babá, isso não é censurado na sala de terapia, e lhe é
permitido bater neles, através de bonecos. Ela pode se libertar de seus
sentimentos usando os bonecos. Bate neles, entsrra-os, chuta-os. Por que
então, não poderia ela encontrar mais satisfação usando meios legítimos
para extravazar seus sentimentos? A autora acredita que a criança encon­
tra mais satisfação, quando suas ações são canalizadas em direção ao ma­
terial que está na sala para esse fim, do que encontraria, se lhe permitis­
sem quebrar todas as janelas, sujar as paredes a seu alcance ou atacar o
terapeuta.

INDEX
E quanto à criança que infringe o limite? Suponhamos que apontê~)
com um cubo para a janela e, embora seu sentimento seja reconhecido e j
lhe digam que não o faça, ela o atire. Usualmente, o reconhecimento é su- j
ficiente para impedir que se jogue o cubo; mas suponhamos que, dessa j
vez, não o seja. O terapeuta deve estar alerta para a possibilidade de j
que a criança não deixe o cubo de lado. Deveria tentar impedir que o j
cubo fosse atirado, sem se lançar numa luta corporal com a criança. Mas
se o cubo fosse jogado pela janela, o que fazer? Passar
criança? Expulsá-la da sala de brinquedos? Ou agir como __ ___ __ ,

BOOKS
portasse? Tal situação seria um real desafio para o terapeuta. Ele não ;
poderia, nem mesmo temporariamente, deixar de lado seus princípios bá- /
sicos, e rejeitar a criança porque esta o desobedeceu. Continuaria ali, j
refletindo os sentimentos da criança: "Era importante para você jogá-lo \
de qualquer jeito. Queria me mostrar que podia fazê-lo” . --—/

Já foi dito que o material na sala deve ser o mais sólido possível. \
Certas coisas, entretanto são quebráveis. As mamadeiras e os vidros de j
tinta podem ser quebrados — e quase sempre o são — às vezes por aciden- \
te, e às vezes, deliberadamente. Quando forem quebrados por acidente, o te- \

GROUPS
rapeuta deve retirar os cacos do caminho, como msdida de segurança, da. J
maneira mais rápida e eficiente que puder, reconhscendo o fato de qus~
foi um acidente .O que deve fazer o terapeuta quando a criança quebra al­
guma coisa de propósito? Reconhecer o sentimento que provocou a ação,
remover os cacos, se estes estiverem no meio do caminho, e continuar o
contato sem substituir o objeto quebrado? Parece que tal comportamento
mostraria à criança a sua responsabilidade pelos seus atos. O terapeuta
deve prestar muita atenção à sua atitude e às respostas que dá, nesse mo­
mento, para que não se crie na criança um sentimento de culpa. Se sua
aceitação da criança for verdadeira, esta não se sentirá culpada, mesmo que
tenha infringido um dos limites.

123
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Qualquer ataque ao terapeuta deve ser interrompido imediatamente,


i Não há valor algum em permitir que se ataque o terapeuta fisicamente.
jPode haver prejuízo nessa.prática — e não somente para o terapeuta. Para
j que o relacionamento terapêutico seja um sucesso, deve ser construído em
' tomo de um genuíno respeito da criança pelo terapeuta e vice-versa. A
I criança precisa de uma certa dose de controle. Não é inteiramente auto-su-
'ficiente. O controle proveniente do desenvolvimento do respeito mútuo, pa­
rece levar a boas atitudes mentais bem mais depressa do que qualquer ou­
tro método de controle.

A experiência terapêutica é uma experiência de crescimento. Da-


se à criança a oportunidade de se libertar de suas tensões, de se desfa­
zer, por assim dizer, de seus sentimentos mais perturbadores e, assim fa­

INDEX
zendo, de ganhar uma compreensão de si mesma que lhe permita auto-
controlar-se. Através dessa viva experiência na sala de brinquedos, ela
descobre a si mesma como uma pessoa, assim como novos caminhos
que lhe permitam ajustar-se ao relacionamento humano, de maneira sau­
dável e realista.
É necessário que de uma forma ou de outra, esta experiência es­
teja vinculada à realidade. De que melhor maneira fazê-lo, senão esta--
belecendo os limites que provêm do bom-senso? É importante que, de­
pois de se ter estabelecido os limites, eles sejam seguidos à risca. C orf'

BOOKS
'sistência dentro da sala de terapia é ião importante quanto a consis­
tência no relacionamento diário. Esse elemento de consistência é que
[transmite à criança um sentimento de segurança. A consistência de­
mostrada pelo terapeuta é que dá à criança a certeza de ser aceita. A
|consistência na permissividade com que é encarada a situação é que de­
termina a profundidade até onde pode ir a criança na expressão de seus
sentimentos. —

— Quando devem ser apresentados os limites? O terapeuta deve ex­


plicá-los assim que a criança entra na sala pala primeira vez? Deve es­

GROUPS
perar até que surja a necessidade de uma elucidação desse gênero? Al­
guns terapeutas acham que isso deve ser feito assim que a criança en­
tra na sala pela primeira vez, de modo que ela não se sinta frustrada
ou traída, quando se deparar com um desses limites. Outros pensam que
a expressão verbal dos limites poderia parecer um desafio e chamar a
atenção da criança para as atitudes que eles implicam. Sentem, também,
que isso talvez impedisse certas crianças de manifestar seus sentimen­
tos negativos ou violentos, com medo de, com isso, desagradar ao tera­
peuta.

A autora •acha que é melhor esperar até o momento em que seja


necessário falar desses limites. As experiências quotidianas das crian­
ças geralmente preparam-nas para algumas restrições às suas ações. Se

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os limites são mantidos num mínimo e só vêm à tona quando há neces­


sidade deles, a terapia pode progredir mais facilmente.

Por exemplo, é importante que se impeça a criança de ficar sain­


do a todo momento da sala de terapia, a manos que seja extremamen­
te necessário fazê-lo. Quando uma criança sai da sala e volta, depois tor­
na a sair, está fugindo da terapia, ou tentando transformá-la numa es­
pécie de jogo. Para que se dê uma ênfase maior à responsabilidade da
criança no processo terapêutico, é importante que ela compreenda que,
se sai da sala a todo momento porque está aborrecida, zangada ou por
teimosia, não pode mais voltar, durante essa sessão. O terapeuta não
deve falar nisso, até que a criança comece a sair da sala. Depois, deve
mostrar-lhe porque está querendo sair tanto, se tiver conseguido reco­
nhecer o sentimento; em seguida explicar lhe que, se ela sair da sala, não

INDEX
poderá mais voltar, até a semana seguinte. A menos que isso seja feito,
a criança pode muito facilmente transformar a hora de terapia num en-
tra-esai interminável. Feito isto, a criança percebe que não pode fugir
de sua responsabilidade de enfrentar o problema, a menos que prefira sa­
crificar o que resta de sua hora de contato terapêutico. Se quiser fazer
assim, é porque realmente sente a necessidade de sa safar desta vez —
ainda não está pronta para a terapia. Há exceções para isso, que o te-
Tapeuta deve encarar de maneira inteligente e realista. Um terapeuta sen­
sível será capaz de diferenciar entre esse tipo de comportamento e üma

BOOKS
necessidade real da criança de deixar a sala — por exemplo, para ver
se sua mãe ainda está lá, — ou para esconder suas angústias.

__J Deve-se tomar cuidado para não confundir os limites com formas I
de pressão. A terapia não-diretiva não dessja exercer pressões para pro­
vocar mudanças na criança. Toda mudança digna de nota vem de den­
tro para fora. Por isso, o terapeuta evita usar de um limite para focali­
zar um problema. Por exemplo, uma criança que tenha problemas de ali­
mentação não recebe, como condição para vir à sala, a ordem de comer.

GROUPS
À criança antisocial não se diz que deve b.i.icar com as outras crianças,
ao ingressar num grupo. Esses não são limit’ s honestos. Não passam de
chantagens impostas a uma criança que já está sob o impacto de pressões
excessivas e, por serem chantagens, não são dignas de ocupar um lu­
gar na terapia auto-diretiva. É a criança quem escolhe se vai ou não fa­
lar. O problema é dela e não do terapeuta.

Em resumo, parece que limites usados com inteligência e consistên­


cia servem para estabelecer a ligação entre a sessão de terapia e o mun­
do da realidade, e para defender a terapia de possíveis concepções errô­
neas, confusões, sentimentos de culpa e insegurança. Esse princípio ser­
ve de referência para que a participação da criança, sua responsabilida­
de e cooperação possam ser avaliadas. É o princípio que exige todo o ta­

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to, cuidado, honestidade, coerência e força do terapeuta. O uso dos li-f
mites indica mais ou menos até onde a terapia pode avançar entre te4
rapouta e criança.

APLICAÇÃO EM TERAPIA DE GRUPO


Na terapia de grupo, os limites são mantidos ao mínimo, como na
individual. No entanto, são parte necessária de qualquer terapia, e é pre­
ciso que o terapeuta tenha uma idéia bem definida do tipo de limites que
vai usar com um grupo de crianças, ou na terapia individual. Deve haver
segurança e consistência na prática terapêutica. Dessa maneira, as crian­
ças podem aceitar os limites de maneira mais proveitosa, do que seriam
capazes de fazer, se eles fossem inconsistentes e apresentados ao grupo de
maneira indecisa. Os limites podem tornar-se uma espécie de desafio pa-

INDEX
/7a o grupo se forem manejados indevidamente. Assim como podem tor­
nar-se uma ajuda eficaz e positiva, sempre que forem introduzidos no
brinquedo de maneira sincera e natural. —J

Os limites que dizem respeito ao comportamento destrutivo, agres­


sivo ou perigoso, discutidos em relação à terapia individual, aplicam-se
também à de grupo. O mesmo se aplica à discussão sobre o momento
em que tais limites devem ser introduzidos. Na situação de grupo, mais
um limite aparece: é o que se refere à agressão física a outros membros
do grupo. Com respeito a esse limite há teorias que se opõem. Alguns

BOOKS
pensam que esse tipo de agressividade é atividade valiosa, desde que o
terapeuta consiga mantê-la sob controle, e observar se está sempre pre­
sente o espírito de esportividade. Outros acreditam que há mais prejuí­
zo do que benefício em ataques físicos, e que isso tende a envolver o
terapeuta num papel que exigirá dele uma tomada de posição de autori­
dade e julgamento, o que, vez por outra, poderia parecer parcialidade
para com certo membro — ou membros — do grupo. É opinião da auto­
ra que a exclusão das agressões físicas poderia ser um dos limites da te­
rapia de grupo, mas que a introdução deste limite não ocorra até o mo^
mento em que o terapeuta perceba que o ataque está iminente .Um tapi-

GROUPS
nha ou um murro de leve podem ser aceitos sem problemas pela crian­
ça que os recebe e a introdução de uma “frase limitadora” por parte da )
terapeuta poderia, quando tal ato ocorresse, desviar a atividade do gru- /
po para canais indesejáveis. E se isso, no entanto, acontecer, as atitudes
negativas devem ser manejadas pelo terapeuta. Por exemplo, se uma cri­
ança esbofeteia uma outra de leve porque esta está fazendo alguma coi­
sa que a aborrece, o terapeuta deve dizer: “Você não gosta do que Jim
está fazendo e chegou até a bater nele.” Se dissesse, no momento desse
primeiro incidente: “Mas não pode bater nele, enquanto estiverem aqui
na sala de brinquedos” poderia parecer às outras crianças e ao Jim, que
ele estava sendo protegido. O grupo poderia dividir-se em facções pró e

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contra Jim e estaria lançado às crianças um desafio para que descobris­
sem até onde poderiam ir. Se o limite não fosse mencionado até um se­
gundo incidente desse tipo, ele seria bem mais aceitável para o grupo. O
terapeuta teria de tomar o cuidado de incluir todas as crianças que se
tivessem esbofeteado, se achasse necessário falar a respeito. Por exem­
plo: “Primeiro Jim bateu em Bob, depois foi Bob quem bateu em Jim,
porque um não gostava do que o outro estava fazendo. De agora em diante, /
vamos deixar os tapas e murros de lado. Tentem resolver suas divergências V
de algum outro modo” . O tom de voz é muito importante em tais casos.
Não deve trazer em si nenhuma crítica ou desaprovação. Deve haver a
mesma aceitação das duas crianças. Deve ser uma informação calma e
firme, que apresente o limite de tal maneira, que ele se transforme numa j
parte construtiva da terapia.

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INDEX Quarta Parte

IMPLICAÇÕES NA EDÜCACÃO

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16. APLICAÇÃO PRÁTICA

INDEX NA SALA DE AULA

Os princípios básicos da terapia não-diretiva parecem. ter implicações


que se estendem para os educadores. As pessoas que estão ligadas.de perto
à escola, hoje em dia, sabem que o requisito primário para uma educação
bem sucedida da criança, é a boa saúde mental de todos, os participantes
do processo educacional.

BOOKS
Uma professora cuja mente seja assaltada por ansiedade, medos ê~~j
frustrações, não pode ènsinar satisfatoriamente. Uma criança cuja vida
emocional esteja em conflito e confusão não pode ser um aluno satisfató­
rio. Se a escola pode contar com um programa terapêutico, incluindo ao 4"
mesmo tempo a possibilidade de consulta para os adultos e consulta e ludo-
terapia para as crianças, está equipada, então, para atender quem procura i
sua ajuda. ______
Já foram assinalados progressos feitos pslas escolas na desenvolvi­
mento de técnicas para resolver problemas na área da saúde mental. Vá­

GROUPS
rios volumes já foram escritos sobre seleç?.o de professores, organização
e reorganização de currículo e programas de higiene mental. Repetidamen­
te, enfatiza-se a velha verdade de que mais vale prevenir do que remediar.
Procurando as madidas profiláticas necessárias para prevenir sérios desa­
justamentos por parte dos alunos, as escolas incorporaram em seus pro­
gramas alguns desenvolvimentos bastante admiráveis.
A educação progressista coloca uma ênfase toda especial na aceitação
da criança como ela é, e no encorajamento da auto-expressão. Os progra­
mas progressistas já foram experimentados o suficiente para que se tomas­
se possível, aos estudantes, avaliar os seus resultados. Essa avaliação in­
dica que, apesar da educação progressista ter muitas vantagens sobre a as­
sim chamada educação tradicional, algo tem faltado a ambas, no que diz
respeito à obtenção de saúde mental para todos os alunos.

131
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Parece à autora que o único fator realmente importante no estabeleci­


mento de uma saúde mental é o relacionamento estabelecido entre a profes­
sora e seus alunos. Isso é tão verdadeiro para o jardim de infância, quanto
o é para o ginásio. É tão verdadeiro num esquema tradicional, quanto num
programa progressista. É a permissividade para que ela seja ela mesma, a
compreensão, a aceitação, o reconhecimento de sentimentos, a maneira de
tomar claro o que ela está sentindo e pensando, que ajuda à criança a ad­
quirir auto-respeito; e as possibilidades de crescimento e mudança são cada
vez maiores, à medida que as crianças desenvolvem seus “insights” . O que
há de mais interessante a respeito desse tipo de comportamento se refere
aos diversos usos que lhe podem ser atribuídos. Parece ser esse um pre-
requisito para qualquer desenvolvimento satisfatório. As implicações para
esse tipo de contato (que é também a base de um contato terapêutico) nas

INDEX
práticas educacionais, são enormes.

JS ao ser estabelecido o relacionamento que os princípios básicos de


terapia auto-diretiya assumem uma posição importante.
f Um sentimento de amizade e calor humano por parte da professora
estabelecerá esse tipo de contato entre a criança e ela e parecerá individua­
lizar o ensino, muito embora haja outras quarenta crianças dentro da sala.
A professora que tem a reputação merecida de nunca ter sorrido dentro
\ de uma sala de aula, ou de nunca ter-se desviado do plano de aula que tem
\ nas mãos, é digna de pena e não poderá nunca ser chamada uma educadora.

BOOKS
’ fi numa atmosfera assim tensa e rígida que nervos jovens explodem e ge­
ram-se tempestades emocionais.
Quando May, uma jovem alta, mais velha que sua turma, desengon­
çada e suja, vestida de farrapos e embaraçada entra na sala, a professora
estará tratando melhor de sua saúde mental se lhe endereçar o mesmo
sorriso que destina à filha do diretor da comissão educacional da escola,
em vez de òlhá-la de alto a baixo e, ofensivamente, psrguntar-lhe por que
não se lava. No último caso, May sentirá uma gelada repulsa. Não será ca­
paz de manter qualquer tipo de contato com sua professora. A professora"

GROUPS
rque procura estabelecer uma boa saúde mental, cria amizade e calor huma- j
^no em relação a todos e a cada um de seus alunos.
A professora aceitará cada criança exatamente como ela é. É prática
comum aceitar o fato de Johnn^ ser canhoto, ou Marlene estrábica. E nin­
guém espera que Jimmy, o coxinho, corra junto com os outros meninos.
Essas diferenças físicas são suficientemente óbvias para fazer com que se
dê à criança uma especial consideração. Mas o que fazer do adoles­
cente cuja timidez é torturante, e que, ainda assim é "obrigado a falar dian­
te de seus colègas, para não levar bomba”? Ou o menino de 1'' grau, ima­
turo, que é iniciado nos primeiros exercícios de leitura, só porque cronolo­
gicamente tem seis anos? Talvez ele, intelectualmente, tenha essa idade, mas
e se for emocionalmente infantil? Ou o menino de oito anós cujas relações

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familiares foram tão frustrantes, e que foi privado por tanto tempo de senti­
mento de segurança ou de sucesso, que sua agressividade toma, na escola,
uma forma visível e ativa e ele grita: “Detesto a escola! Detesto você! De­
testo todo mundo I” A professora deveria aceitá-la como um indivíduo dinâ­
mico, que está reagindo compreensivamente contra uma situação ruim, e
dizer-lhe: “Às vezes você sente que nos detesta a todos — a escola, eu, todo
mundo.” Ou deveria atirar sua autoridade contra sua rebeldia, dizendo-lhe:
“ Não diga mais nem uma palavra!”
A professora deve estabelecer um sentimento de permissividade em
seu relacionamento, de modo que a criança se sinta livre para exprimir seus
sentimentos e para ser ela mesma. Numa situação terapêutica, a criança
■exprime completamente seus sentimentos. Numa situação de sala de aula,

INDEX
devem, necessariamente, haver limites impostos à expressão completa de
sentimentos. É nessa área que os educadores progressistas- conseguiram suas
maiores conquistas sobre a educação tradicional. Educadores progressistas
reconheceram o valor da libertação dos sentimentos da criança de alguma
forma tangível — pintura, escultura em argila, escrita criadora, músiòa,
dança, teatro, e dramatização improvisada — todos esses meios são empre­
gados como liberadores dos sentimentos da criança. Foi nesse ponto, tam­
bém, que muitas falsas concepções de educação progressista surgiram. A
expressão pejorativa: “Deixe os coitadinhos se exprimirem livremente”,
tornou-se um lema insultuoso para pessoas que não dispunham •dé capa­

BOOKS
cidade para compreender o desenvolvimento da criança, e para apreciar
o valor da auto-expressão.

Quando uma professora aplica os princípios da terapia não-diretiva


para essa livre expressão, adiciona algo que é de grande importância a
essa. A livre expressão não basta, em si mesma, para trazer à criança
um “insight” . A terapeuta — professora fica alerta para reconhecer os
sentimentos que a criança está expressando e deve refleti-los de volta para
ela, de tal maneira que, com isso, ela tenha um “ insight” de seu comporta­
mento. Isto pode ser feito em grande escala, em qualquer situação de sala de

GROUPS
aula, caso a professora tenha uma compreensão de seus alunos e um “ insight”
do comportamento humano. Se o relacionamento terapêutico foi estabelecido
entre aluno e professora, muitas crianças podem receber ajuda para ga­
nhar um valioso “ insight” de seus problemas, antes que eles se tornem tão
graves que venham ocasionar sérios desajustamentos.
No grupo adolescente, os sentimentos estão muito à flor da pele.,
Muitas vezes, é a professora de português* quem goza de posição privilegia­
da dentro da escola, pois sua matéria se presta mais facilmènte à auto-ex­
pressão. Por exemplo, Ângela, uma menina de dezesseis anos, entregou uma
vez um exercício auto-biográfico que serviu muito para ajudá-la. Naquela

*K . T : In g lê s n o o r ig in a l.

:133
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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015
aula, tinha-se tomado um hábito, para as crianças, escrever suas auto-biogra-
íias colocando uma ênfase toda especial no que pensavam e sentiam. Pe­
diu-se aos pais que não ajudassem às criangas de modo que esses trabalhos
fossem o resultado obtido estritamente de seu esforço. Foram tomadas pro­
vidências para que essas redações fossem feitas durante o período de aula,
de modo que os pais não pudessem influenciar de forma alguma os ma­
nuscritos. Várias semanas foram empregadas na preparação dos exercícios.
Dessa maneira, os alunos tiveram a oportunidade de escrever sob diversos
estados de espírito. Ficou bem claro que tudo o que fosse escrito seria
mantido confidencial, sob total responsabilidade da professora encarrega­
da. Angela libertou seus mais íntimos pensamentos nessa composição. Ela
escreveu uma parte assim:

“ Sou miseravelmente infeliz. Tenho sido infeliz a minha vida toda.


Minha mãe não gosta de mim. Gosta mais de meu irmão. Mas acho que

INDEX
papai gosta de mim. Eu adoro meu pai. Sempre que p o s s o , Saio com ele.
Isso deixa minha mãe danada da vida. Ela tem ciúmes de mim. Acho que
tem mesmo. Às vezes, ela é muito cruel comigo, às vezes até me bate. Às
vezes acho que detesto minha mãe. Ela não me deixa crescer. Controla
minhas roupas. Quer o tempo todo saber o que estou fazendo. Me examina
como se eu fosse uma criminosa. Se não fosse por papai, eu já teria fugi­
do de casa."

Esse foi o parágrafo mais tempestuoso. Angela, menina alta, loura

BOOKS
extremamente reservada, cuja mãe, muito atraente, era bastante ativa em
todas as organizações estudantis da escola — Ângela, cuja vida parecia
tão ideal e feliz, e que tinha tudo o que o dinheiro pode comprar — Angela,
que era a menina mais bem vestida em toda a sala. Nunca tinha se inte­
ressado por rapazes. Parecia amadurecer lentamente.

Era costume também que um debate entre professores e alunos


se seguisse às autobiografias, discutindo seus méritos literários e proble­
mas de interpretação. Foi uma professora inteligente quem pegou a com­
posição de Ângela. Em vez da reação tipo: "Isso-me-espanta, você-tem-

GROUPS
uma-mãe-tão-boazinha”, ela percebeu seus sentimentos e refletiu-os para
ela: “Você é muito infeliz, Angela, e não acredita que sua mãe goste tan­
to de você quanto de seu irmão — não é assim?” Angela, sendo aceita
assim como era, deu vazão a mais alguns de seus sentimentos, e a pro­
fessora a acompanhou, acreditando que assim conseguiria ajudá-la a ter
algum “insight” de seus sentimentos e de suas atitudes, sendo capaz de
trabalhar s e i« problemas de modo a encontrar uma solução construtiva.

Angela não era a única na sala que tinha sentimentos perturbado­


res a libertar. De maneira bastante estranha, os alunos pareciam procu­
rar as aulas de inglês do décimo primeiro grau, com a senhorita S. Erá

134
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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015
um instrumento acadêmico que, na verdade, ensinava às crianças a se
conhecerem.
Na turma de primeiro grau, Charlene, linda menina que uma mãe
ambiciosa forçou até quase o limite máximo, agita as mãos freneticamen­
te, quando a professora fala: “H oje vamos escrever sobre alguma das
coisas que nos fazem ficar zangados. Quem quer ditar uma estória agora?”
E enquanto as outras crianças continuam a ser crianças, desenhan­
do, pintando, modelando em argila, brincando na areia, ou com brin­
quedos, ou com qualquer outra coisa que tenham escolhido, Charlene di­
ta sua história com uma expressão cada vez mais carregada no rosto:
“Meu irmão me deixa louca. Está sempre me batendo. E Eleonor
também. Pico maluca quando tenho de jogar pétalas de flores no chão,
em casamentos. Gosto de carregar flores, não de jogá-las no chão. Papai

INDEX
sempre me mete medo com seus chinelos, se não fizer tudo o que todo
mundo me manda fazer! Meu irmão maior me mete medo também. Me
bate na cara. E, uma vez, John me bateu tanto que desmaiei. E há tra­
balho demais pra fazer. Pico tão cansada. Outra coisa que me deixa bi­
ruta: não consigo escrever até 300. Só até 200, e mamãe está sempre me
fazendo escrever, quando estou em casa. Não posso sair para brincar en­
quanto não tiver escrito até 300. E 300 o quê? Nunca sei. E a leitura
é tão difícil e tão odiosa... Sou tão pequena que nem consigo chegar até
a pia e tomar água; tenho sempre de psdir a alguém que me dê água.

BOOKS
Minha mãe, também, está sempre me dando comida, como nos dias em
que ela faz talharim, e me obriga a comer. Quando ela me aguarra e me
enfia o talharim pela garganta abaixo, até me arrependo de ter nascido!”

Isso é um protesto muito veemente contra as pressões que a es­


magam. À medida que a professora escreve as palavras ela vai refletindo
os sentimentos expressos por Charlene. “Os adultos em sua casa te metem
medo — seu pai com seus chinelos, Eleonor, quando te bate, e você de­
testa ser tão menor do que eles." Encorajada, Charlene prossegue: •E
John me bateu muito.” John é o fiel namoradinho, e essa é uma coisa

GROUPS
terrível que ele lhe fez. “Até John te bateu, uma vez”, diz a professora.
Então, Charlene se queixa de seu trabalho escolar, refletindo nisso a
pressão que sua mãe ambiciosa exerce sobre ela. Durante todo o ditado,
a professora aceita as reações de Charlene, e reflete os sentimentos ex­
pressos. É uma válvula de escape para suas tensões. Tendo-lhe sido da­
da uma oportunidade de trazer a campo aberto seus sentimentos, há me­
nos possibilidade de que eles se acumulem e se tomem tão afastados da
realidade que causem sérios bloqueios. Charlene não seria considerada
uma criança desajustada; mas as tensões, pressões, sentimentos reprimi­
dos, poderiam ser um fator contribuinte para o desajustamento. Trata­
mento profilático tem um valor todo especial.

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Outras crianças na escola estavam também ávidas para ditar suas


autobiografias. Nada havia que as obrigasse a isso. Se uma criança ti­
vesse alguma coisa a dizer, seria essa a oportunidade. John, de sete anos,
tinha uma estória a contar, também.

“Fico danado da vida quando mamãe me bate e meu irmãozinho faz


as mesmas coisas que eu faço e ela não bate nele. Quando vamos fazer
compras, tento fazer meu irmãozinho se perder na loja. Ele é menor do
que eu e você sabe como essãs lojas são grandes. Quando peço alguma
coisa a papai ou a mamãe e eles não me dão, fico maluco. Como acon­
tece quando meu primo vem nos visitar e eu peço o baralho deles em­
prestado pra gente jogar uma partidinha, e eles dizem que não. Quando
me batem eu começo a chorar. Abro a boca. Berro o mais que posso.

INDEX
Aí eles me mandam ir pra cama. Aí eu fico brincando com um troço
qualquer que deixei escondido debaixo da cama e eles dizem: “Olha só,
ele está muito satisfeito lá”, e papai diz: “Pois entãó levante-se” , e eu te­
nho de me levantar. Ontem fiz Joey ficar uma fera. Ele estava com uma
garrafa d’água na mão, batendo com ela no chão, e eu disse pra ele: “ Ba­
ta com mais força, Joey”, e aí ele fez assim até que quebrou a garrafa.
E ele chorou. Depois pegou uma garrafa de anil, eu fui lá fora, peguei a-
reia e dei pra ele, dizendo: "Põe aí dentro, Joey”, . e ele fez, e eu con­
tinuei dizendo: "Mais, mais um pouco!” até que ele ficou todo sujo de

BOOKS
. ' anil, e eu morri de rir por ele. ser tão bobo e sempre me deixar fazer
essas brincadeiras com ele, e ele chorou e mamãe gritou comigo, me ba-
a teu e deu mais anil pro Joey e aí é que eu fiquei doido mesmo. Ela disse
x f que eu estava tirando vantagem de Joey, e eu respondi que ele é que
\ -não passava de um bobão, e ela me fez entrar e me pôs sentado de cas-
0 j tigo numa cadeira, e eu fiquei furioso e chorei, porque ela trata o Joey
melhor do que a mim.”
^ ® Devolver a John a reflexão de que ele era infeliz, porque sua mãe
v 0. dava mais atenção a seu irmãozinho do que a ele, pode ajudá-lo mais
tf do que dizer que ele realmente estava tirando vantagem de seu irmão­
, -oh
^ Sd fln
e bobo. CSeu
GROUPS
zinho de dois anos. Enquanto John vai se libertando de seus sentimen-
j tos, seus olhos brilham. Sorri enquanto conta de que maneira fez Joey
rosto ftrto
n ii nAefrt fica sério quando oa nrnfi3cer»i»o
Pfírin mmn/írv professora 1lhe
V»e» rdiz
iir r que
n ele
ua â dese­
la Haca.

/ jaria que sua mãe lhe dedicasse tanta atenção quanto a que dá ao outro.
E depois de pensar um pouquinho, acrescenta: “Fui filho único durante
muito tempo”, e há um tom magoado em sua voz que demonstra o quan­
to sentiu com a chegada de seu irmãozinho.
A estória de Jimmy é breve:
“Adultos me enjoam. Estão sempre batendo na gente. Ê isso que
ela faz comigo. Fazem a gente ir pra cama cedo antes que escureça. Ma­
mãe não me deixa brincar no quintal, porque plantou grama, por isso

136
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1
I

eu não posso brincar, eu vou brincar fora è aí é o diabo.”


Cari franze a testa enquanto dita:

“ Quando estou fazendo alguma coisa e já vou pela metade e meu


pai vem e me diz que “ Não é assim que se deve fazer” e aí ele pega no
negócio e faz à maneira dele, fico danado da vida. Faz uma grande con­
fusão e aí já não quero a coisa mais.”
O tema varia. Às vezes pergunta-se às crianças se têm alguma coi­
sa a ditar sobre os títulos: As coisas de que tenho medo, ou Se eu fosse
outra pessoa, ou As coisas de que gosto ou detesto, ou As coisas que eu
gostaria de fazer. São grandes as possibilidades.

Uma professora inteligente aproveitará a verdadeira mina de ma­

INDEX
teriais da sala de aula. Em vez de mandar que as crianças copiem “ gato-,
rato-patò-fato-sapato” pode enconrajálas a escrever suas próprias histórias
e a exprimirem seus próprios sentimentos. Enfatiza-se, novamente,
a reflexão, dos sentimentos expressos, e a completa aceitação de cada sen­
timento que a criança expresse. Há valor na catarse — no transbordamen-
to de sentimentos; mas a adição da reflexão dos sentimentos e da acei­
tação dos mesmos é o elemento que ajuda a esclarecê-los e a desenvol-,
ver "insigts".
Uma menina do segundo grau, cuja mãe tinha abandonado a famí­

BOOKS
lia escreveu:
"Gosto de minha mãe. Amo minha mãe. Mamãe é muito bonita.
Mamãe é má. Papai diz que mamãe é má. Mas eu amo minha mãe.”
Mike, de sete anos, recalcado, escreve:
“Minha mãe gosta de meu irmão. Minha mãe não gosta de m im .”
Meu pai gosta de meu irmão. Meu pai não gosta de mim. Todo mundo
gosta de meu irmão. Todo mundo não gosta de mim. Eu detesto todo mun­
do também.”

GROUPS
Nesse caso, o “irmão” é uma coisinha
chechas, com dois anos de idade.
loura, de covinhas nas bo­

Uma menina alegre, do segundo grau, exclama, através de seu lápis:


"Posso escrever. Posso escrever. Posso escrever como meu irmão.
Posso escrever como meu pai. Posso escrever como minha mãe. Não vou
ser um bebezinho mais.”
E a queixa do Lynn, de sete anos, é de partir o coração, embora
seja muito comum.
“Minha mãe quer que eu vá à escola. Meu pai quer que eu vá à
escola. Minha avó quer que eu vá a escola. Meu avô quer que eu vá à escola.

137-
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Tia Flora quer que eu vá à escola. Todo mundo quer que eu vá à escola.
Eles têm um novo neném lá em casa.”
s A professora pode ajudar essas crianças reconhecendo os sentimen­
tos que estão expressando e devolvendo-os a elas. Isso realmente as au­
xilia a adquirir um “insight” e maior compreensão de si mesmas. Traz
.os sentimentos a campo aberto. Ajuda a prevenir um acúmulo de senti­
mentos oprimidos.
Materiais artísticos são também adaptáveis a esse tipo de experiên­
cia. Charlie, uma “ criança-problema” de oito anos, faz um caixão de argi­
la, com um homenzinho dentro. “Vou pôr tampa nelé, também. Vou fe­
char bem fechadinho, ele não vai conseguir nem respirar.” A professora
comenta: “Você não gosta dele. Você vai .colocáJo na caixa e fechá-lo tão

INDEX
firme que ele não vai poder. respirar.” . Charlie dá uma olhadela para a
professora. Aperta ainda rnais.a tampa. “Estava caindo de bêbado ontem
à noite, e me bateu com a correia dele. Olha!” Mostra uma marca azulada
na perna. “ Você está se vingando porque ele te bateu, ontem à noite.”
"É sim, vou dar um jeito nele.” E, realmente, Charlie “ acertou as contas"
com o pai.
Henry fez um desenho gozado. Tinha a forma de um homem, mas
o rosto e a cauda de um porco. Mostrou-o à professora, quando está pas­
sou por ele: “Este é um homem mau, Ele disss que eu como feito um

BOOKS
porco. Pois olhe pra ele. Ele também é um porco.” Henry se vinga de
um insulto que alguém lhe fizera.
Em vez de desenhar quarenta paisagens idênticas, ou cenouras e
margaridas, as crianças devem ser livres para fazerem seus próprios de­
senhos, exprimindo suas próprias idéias e sentimentos. Mesmo a criança
que se limita a ficar sentada, em completa passividade, recebe mais ajuda
da professora que comenta: “ Você está tendo um trabalhão para imaginar
alguma coisa para desenhar”, do que quando lhe dizem bruscamente: “Det
senhe um coelho.” Ou “Venha cá, deixe-me comejar o desenho para você,”

GROUPS
e esboçam o princípio de um quadro, para a criança que parece não ter
iniciativa, e que nunca a desenvolverá, se não lhe permitirem erguer-se so­
bre seus próprios pés e iniciar suas próprias atividades. Atividades impostas
não desenvolvem a iniciativa de ninguém.
Para ilustrar mais claramente a maneira pela qual a criança usa os
materiais artísticos para catarse, e para demonstrar de que maneira a
criança evolui de sentimentos negativos e destrutivos para outros, positi­
vos e construtivos, relata-se a experiência de Ernest com a pintura. (Er-
nest é uma criança-problema de seis anos, cujo caso será relatado no capí­
tulo 23. O incidente ocorreu no período de livre-escolha,.)
Uma vez Ernest pintou quatro grandes quadros, rápida e dramati­
camente. O primeiro era uma montanha verde e púrpura. “Olhe”, disse

138
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Ernest à professora, que estava ali por perto. “32 uma montanha. Ninguém
vai perto dela.”

“Você não quér que ninguém chegue perto de sua montanha.”


Ernest fez que sim e chamou mais dois meninos. “Vem cá Ronny,
Tommy. Me ajudem.” Os dois meninos vieram e ficaram olhando, enquan­
to ele pintava um avião voando sobre a montanha.' Depois cobriu o avião
com uma mancha vermelha.
"Puxa, disse Ronny, olha como Ernest bombardeou aquele Zero.”
“É sim, olhe só”, disse Ernest.
“Devem ter morrido todos”, disse Tommy.
“Claro que sim”, disse Ernest. “O vermelho que você está vendo é

INDEX
fogo e sangue.”
Ernest estendeu seu desenho para a professora, e fez outro de um
aeroplano fazendo um vôo rasante sobre uma montanha. Acrescentou mais
alguma coisa à pintura.
“O que é isso?” perguntaram Ronny e Tommy. Não houve resposta.
“É uma sirena, aposto”, disse Ronny.
"Não é”, replicou Ernest.
“Então o que é?”, perguntou Ronny.

BOOKS
“É um sinal do inimigo. Um sinal japonês.”
“ Não é não”, replicou Ronny.
"Sei o que estou dizendo, disse Ernest. São inimigos. São todos mêus
inimigos.” E uma vez mais manchou o avião de vermelho.
"De quem é esse avião?” perguntou Tommy.
“ Eu estou lá, disse Ernest. Meus inimigos estão todos tentando me
ferir. Estão atirando fogo em m im .” Estendeu mais esse quadro para a
professora.

GROUPS
"Seus inimigos estão tentando te ferir”, disse a professora.
“Eles estão me ferindo”, disse Ernest, todo sério.
Começou imediatamente um terceiro desenho.
“Isso é outra montanha. Me ajude aqui, Tommy. Faça o que estou
fazendo. Você também, Rommy.” Os meninos pegaram nos pincéis e imi­
taram Ernest. Pintaram outra montanha, usando primeiro tinta branca,
depois continuando com verde, púrpura, alaranjado, vermelho, marrom e,
finalmente, preto. Ernest. pintou de novo o avião e o manchoü com tinta
vermelha. Os meninos fizeram barulho de avião e canhão. O quadro tór-
nou-se uma mancha só. A tinta era aplicada com gestos largos e livres.
Gritavam e riam muito. De repente, Ernest gritou: "Olhem só, explodiu o

, 130
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mundo todo. Explodiu o mundo e todo mundo que estava nele. E o avião
tá pegando fogo.” A professora, de pé ao lado deles, reconheceu os senti­
mentos agressivos. Quando o desenho acabou, ele o estendeu à .professora,
e pegou noutra enorme folha de papel. Gritou: “Vamos fazer outra mon­
tanha.’*
“Uma montanha grande e alta”, disse Tommy.
“Vem Bill, vem Bobby, Anna. Vocês querem me ajudar?” Todos o
fizeram, pintando segundo as instruções de Emest. Um observador dessa
experiência não poderia deixar de reparar nas reações intensas das crian­
ças a essa experiência. Tinha grande significado para todas elas. O que
significava para cada uma, é um assunto a ser pensado, mas é inegável que
tinha um conteúdo específico para cada participante.
“ Não é uma montanha alta?”, comentou Emest. “Alta, muito alta.

INDEX
Sabe o que vai ser?”
“Uma montanha muito alta”, disse a professora.
“ Branca, depois verde, depois púrpura e vermelha. Olha Anna, ver­
melha, depois alaranjada, e amarela e azul. Oh, olha, está ficando preta”,
exclamou Emest com um encanto evidente.

“As cores, quando são misturadas assim, ficam pretas”, disse a pro­
fessora.

BOOKS
“É fumaça”, disse Emest. “E está escuro. Mas olhe o aeroplano.
Está pegando fogo. É o inimigo, está vendo? Acabei com eles, viu? Já não
há mais inimigos! E olhe pra montanha."
“Você explodiu a montanha também?”, perguntou Tommy.

“Não. Está vendo? A montanha está salva. Essa e a minha monta­


nha. É toda minha. Só eu consigo subir nela.”

“A montanha é um lugar seguro para você. Ninguém consegue subir


lá, a não ser você”, disse a professora.

GROUPS
Emest parecia alegre, feliz. Esse último desenho tinha mais forma
e nitidez que os outros.

No dia seguinte, Emest pintou outro quadro: um sol amarelo e bri­


lhante, flores amarelas e, atravessando o quadro, escreveu com tinta ama­
rela: “ A primavera chegou. A primavera está aqui, o sol brilha.” Depois
virando-se para a professora, disse: “Esse quadro é feliz, ensolarado. Está,
lembrada dos quadros que pintei ontem? Esse é diferente.”
“ Sim, é um quadro feliz”, disse a professora. “ Nem um pouquinho
parecido com os que você fez ontem.’*

140

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Parecia que Emest tinha, no dia anterior, alguma coisa que o per-,
turbava. Conseguira uma certa libertação, e parecia ter alcançado um certo
sentimento de segurança e relaxamento .Os dessnhos eram ilustrações grá­
ficas dos sentimentos das crianças, indo do caos e do turbilhão até a orde­
nação e uma atitude mais positiva.
Até uma lição primária de aritmética pode dar expressão á alguns
desejos ou sentimentos secretos da criança. Elas podem construir seus
próprios problemas, em estórias que lançam mão de um crescente sentido
do número.
“Tenho vinte e nove balas”, diz Joe. “Azuis, vermelhas e amarelas.
Dou uma bala, com quantas fico?”
"Seu egoísta”, interrompe Jack, "você só dá uma e fica com vinte e
oito?”

INDEX
“ Bem” , diz Joe, na defensiva, “ talvez eu dê algumas a Jimmy.”
“Comigo não seria assim”, diz Cari. “ Tenho dez docinhos. Fico com
um e dou os outros todos. Quantos dou?”
"Nove”, dizem os meninos, em coro. “Eu gosto de você, Cari. Você
é meu amigo.”
“Eu tenho trezentas balas”, diz Joe, “ e fico com todas elas” .
"Joe é um porquinho”, diz Jack.
“ Não sou porquinho coisa nenhuma. Quando vocês já não tiverem

BOOKS
bala nenhuma, ainda terei as minhas.”
“Jack acha que é egoísmo guardar todas as balas para si, mesmo”,
diz a professora, “ mas Joe acha que, se guardá-las todas para si, poderá co­
mê-las quando quiser.”
“Um dia ele acaba perdendo o saquinho inteiro” , diz Cari. "Se ficar
brincando com elas aqui na escola, ainda acabam tirando elas dele.”
Nisso não há apenas aritmética. Na realidade, pode-se até dizer que
não há aritmética alguma. Ponham-se as combinações em cartões, diriam

GROUPS
alguns, e deixem as tolices de lado. Mas a própria natureza da criança re­
clama contra procedimento tão estúpido. Não é possível separar o apren­
dizado da vida. A criança é um ser dinâmico e cheio de força. Não deve
ser colocado numa redoma. Dêem-lhe a oportunidade de agir como um
indivíduo. Dêem-lhe liberdade, responsabilidade e sentimento de que pode
ter sucesso. -
Um currículo escolar digno de ocupar o seu lugar em nosso sistema
educacional prevê uma oportunidade de enriquecimento da vida da crian­
ça, para muito além dos simples requisitos acadêmicos. A verdadeira edu­
cação não dá as costas às mais críticas necessidades do indivíduo. Um
professor é mais do que um informador e um testador de conhecimentos

:141

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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015
adquiridos. Não é bastante ouvir recitar as lições e manter a ordem dentro
da sala de aula. Em vez disso, é obrigação do professor desenvolver sufi­
ciente “insight”, compreensão e interesse no ser humano que surge à sua
'■ *
frente, de modo que ele aprenda não só a matéria ensinada, como também
a se conhecer, e aos outros, um pouco melhor. Não ss quer com isso dizer
que haja, em momento algum, uma perda ou diminuição dos padrões usuais
/da educação. Apenas acentua-se estar provado que, para ser verdadeira-
I mente educado, o indivíduo deve ser considerado uma pessoa digna de
j respeito, a quem deve ser dada a oportunidade de desenvolver-se até atingir
! sua máxima capacidade.
Esses exemplos foram relatados, de forma a mostrar as possi­
bilidades de libertação de sentimentos, quando são criadas condições que
levam a obter confidências da criança. Qualquer professora que tenha ad­
mitido a vida dentro de sua sala de aula, pode narrar seus próprios exem­
plos. Há muitos caminhos pelos quais professores e alunos podem seguir /T"

INDEX
juntos, e que levam a esse estado, desejado de higiene mental, que é o fun­
damento necessário para o crescimento. _J
A responsabilidade para fazer opções e estabelecer mudanças deve
ser da criança, tão freqüentemente quanto isso seja possível. Numa situa­
ção terapêutica, esse é um princípio básico. Numa situação de sala de atila,
tal princípio é possível e desejável, mas, por causa das limitações ineren­
tes à situação escolar, ele precisa ser modificado.

Na manutenção da disciplina numa sala de aula, esses princípios te­

BOOKS
rapêuticos são indispensáveis, se o objetivo do professor é levar adiante
o processo educativo, até mesmo através da punição, em vez de usar o cas­
tigo como um simples ato de retribuição. Se as regras do comportamento
esperado numa sala de aula são determinadas de maneira clara e lógica,
e dá-se à criança a oportunidade de agir dentro da sala de aula como um
indivíduo inteligente, esse tipo de tratamento toma-se uma técnica, atra­
vés da qual a criança pode desenvolver a confiança em si própria, a segu­
rança e a iniciativa. Que professora nunca teve, uma vez ou outra, de lidar
com aquele tipo de aluno, cuja agressividade cria um problema que exige

GROUPS
ação imediata? Nenhuma professora inteligente deixar-sa-á ficar indolente­
mente, observando as crianças se baterem e se empurrarem, ou se compor­
tarem de maneira semenhante, sem tentar fazer algo para impedi-las. “Bobby
está duro de roer hoje. Acha que se usar força, pode passar para a ponta
da fila. Mas as nossas regras, Bobby, dizem que você tem de esperar por
sua vez, ou então sair da fila", diz a professora. E Bobby então faz sua
escolha. Ou obedece a regra ou sai da fila. Essa atitude não é nova; somou-
se a ela um elemento: a professora está refletindo para ele as atitudes que
ele exprime. Talvez esta reflexão tenha fronteiras próximas às da interpre­
tação, mas como é bastante óbvio, pode-se arrissá-la. Se a professora não
tiver razão, Bobby a corrigirá, talvez com uma observação do tipo: “Mas

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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015
ele tirou meu chapéu e escondeu debaixo do casaco." E aí a professora in­
sistirá, com o comentário: “ Quer dizer que você está tentando ajustar con­
tas com B ill.” E talvez Bill e Bobby estejam ambos no fim da fila. Colo­
car-se ali não foi a escolha direta dós meninos, mas a regra da escola é
uma limitação que eles encontraram na realidade. Ou mantiveram a regra,
ou sofreram as conseqüências. A professora tentou trazer à situação vim
"insight” de seu comportamento.

Discussões e diferenças de opinião entre as crianças são facilmente"/


controladas e resolvidas, da mesma maneira. A professora transforma-se
num árbitro, mostrando de que maneira George e Malcolm se sentem, e
pondo em foco as razões para o conflito. Quando Malcolm toma um peda-i
ço de pau e levanta-o para bater em George, a professora pode imediata-)
mente impedir a pancada, se disser: “Malcolm está tão zangado, que quer
usar de violência para resolver sua discussão/' Malcolm deixa cair sua ar­

INDEX
ma e volta a empregar palavras. Isso já foi demonstrado tanto em gru­
pos de terapia, quanto em situações escolares reais. Por isso, parece que I
foi a observação a responsável por não se dar a pancada, e não a presen- !
ça da professora como um símbolo de autoridade, porque numa situação j
de terapia de grupo, em momento algum o terapeuta torna-se um símbolo \
de autoridade. Qualquer pessoa que conheça realmente as crianças, temTj
consciência do fato que uma luta deixada para depois pela voz da autori­
dade, geralmente é terminada quando os participantes estiverem longe de
quem a impediu. "~

BOOKS
Quando um professor respeita a dignidade da criança, tenha ela seis
ou dezesseis anos, e trata-a com compreensão, delicadeza e ajuda construti­
va, está desenvolvendo nela uma capacidade de procurar dentro de si mes­
ma as respostas para seus problemas, e de tomar-se responsável por si
mesma, como um indivíduo independente e na posse de seus direitos.
f Possivelmente, a maior contribuição que os educadores podem fazer
geração mais jovem, é o tipo de orientação que coloca a ênfase sobre a
\auto-iniciativa, e que transmite aos jovens, através de exemplos vivos, o en-
/sinamento de que cada indivíduo é responsável por si mesmo. Em última

GROUPS
janálise, é a capacidade de pensar construtiva e independentemente, que as-
/sinala o homem educado. O crescimento é um processo gradativo, que não
^pode ser imposto por forças que venham de fora.
()
A coisa mais importante é o relacionamento existente entre a profes­
sora e seus alunos. Suas respostas devem vir de encontro às reais neces­
sidades da criança, e não apenas às suas necessidades puramente materiais
— ler, escrever, contar, etc.
Parece fácil. Uma professora que goste de experimentar fica tentada
a fazê-lo. O primeiro dia de aula chega, e entra pela sala a dentro o bando
de garotos, que estão começando naquele dia seu curso escolar; e, nesse

143
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INDEX BOOKS GROUPS 6/5/2015

momento especial, vêm suas mãès também. A maioria delas cumprimenta


a professora, diz até logo a Johnny ou Mary, e vai-se embora. Mas talvez
haja o pequeno Oliver, que se agarra à mão de sua mãe, chorando deses-:
peradamente. A lei diz que ele já tem idade bastante para estar na esco­
la, mas seus sentimentos lhe dizem que isso é um erro terrível. Que deve
fazer a professora? Aproximar-se da mãe e dizer-lhe: “ Como vai, minha se­
nhora?”, e depois mandá-la embora? Tomar a mãozinha dè Oliver (ou pelo
menos tentá-lo) e falar com ele gentilmente: “ Olha, você vai adorar isso
aqui. Está cheio de meninos e meninas simpáticas. Você já é um homen­
zinho. Não vai chorar” (será que não?) “Oliver não vai se divertir aqui,
crianças?”

“ Claro, dona Fulana” .

“Venha dar uma olhada nesse livro de imagens. Está vendo, Mary e

INDEX
Johnny estão olhando os desenhos coloridos. Venha. Você também não
está com vontade de dar uma olhadinha neles?” Depois, chamando a mãe
num canto: “Preferimos que as mães não fiquem aqui, quando vêm tra­
zer as crianças. Apenas para evitar esse tipo de coisa, sabe?” A mãe se
levanta e tenta deixar seu filho. Este urra. A professora dá-lhe as costas,
com reprovação bastante evidente.

Ou suponhamos que a mãe de Oliver more do outro lado da cidade


e o sistema da escola não fosse tão progressista. Oliver é trazido aos pran­
tos. A professora encontra-se com ele à porta e diz: “Agora você está na

BOOKS
escola, pare com essa choradeira. Se não parar num minuto, terá de vol­
tar já para casa!” Oliver seria um idiota se não redobrasse a sua chora­
deira. A mãe leva o culpado de volta para casa e, à noite, diz a seu ma­
rido: "Quase chorei de vergonha. Todos os outros meninos estavam lá.
E Oliver agiu como se fosse um bobo. Acha que devíamos levá-lo á um psi­
cólogo?” Ela, sim, é que talvez devesse consultar um.
Suponhamos que a mãe de Oliver leve-o ainda a uma outra escola.
A professora, nessa escola, vai tentar uma maneira simples de lidar com
esse problema. Oliver ainda é o mesmo chorão; sua mãe também, ainda

GROUPS
é a mesma. Lá vêm eles. A professora cumprimenta-os, convida a mãe pa­
ra entrar cordialmente. Oliver agarra-se a ela. “Você está com medo de
que sua mãe vá embora e te deixe, mas ela vai ficar aqui até que você
mesmo queira que ela vá." A mãe de Oliver fica ruborizada: “Ele é tão cri­
ança”, diz em tom de desculpa. “Algumas crianças têm medo, quando co-.
meçam a vir à escola, tí uma experiência tão diferente para elas” , diz a
professora. "Sim, espero que sim.” A mãe percebe que as outras crianças
já estão brincando e se adaptando à situação. Não pode evitar de pensar
na razão pela qual elas se arranjam melhor do que o seu Oliver. Nesse
meio tempo Oliver já reencontrou a sua segurança; está sendo aceito exa­
tamente como ó. Essa mulher estranha acertou em cheio quando disse

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que ele estava com medo. Há outras crianças ali adiante, brincando com
toquinhos. Talvez ele pudesse... Olha para um lado, para o outro, com
medo de que alguém esteja por perto para pressioná-lo, mas ninguém o
aborrece. Assim que Oliver começa a aproximar-se do grupo, a mãe per­
gunta à professora: “Posso ir saindo agora?” “A senhora pergunta se pode­
ria sair, agora que ele não está olhando.” reflete a professora. “ Ele pode
aprontar um berreiro danado”, diz a mãe, “mas a senhora quer que eu o
faça?” “Faça como achar que deve. Quanto a mim, se a senhora quiser
ficar, seja benvida, ou se achar que já está pronta para ir embora, pode
fazê-lo.”

Qualquer mãe que tenha mantido Oliver tão dependente ou voltará


e sentará ou irá dizer-lhe adeus, antes de ir embora. Não vai escapulir
sem que ele veja.

Sim, os princípios terapêuticos têm implicações para os educadores.

INDEX
Trazem resultados inacreditáveis. Convidam-se os professores a experi­
mentá-los, se já não o tiverem feito muitas e muitas vezes.

Um dia, um aluno do primeiro grau disse à sua professora: "Gosto


um bocado de bater, morder, unhar e machucar as pessoas. Adoro fazer
as criancinhas chorarem!” Outra professora ouviu por acaso essa obser­
vação, e disse mais tarde à professora do menino: "Ouvi a conversa de
vocês. Se aquele menino me tivesse dito que gostava de bater, morder as
pessoas e fazê-las chorar, eu teria lhe dito tudo o que penso dele.”

BOOKS
"Mas Pete estava solidificando nosso relacionamento. Estava me di­
zendo as coisas mais horrorosas que podia, a seu respeito. Daqui a pouco
já será capaz de evoluir para modos de pensar mais positivos.”
“Você gosta que uma criança te diga exatamente o que pensa?”, dis­
se a professora cética, com uma nota mais do que irônica na voz.

No dia seguinte, ela chamou a professora de Pete: “ Sabe que empre­


guei aquela sua técnica?”
“E qual foi o resultado?”

GROUPS
"Você conhece aquele burrinho teimoso chamado Jacob, que é aluno
da minha turma? Bem, quando ele entrou na sala hoje de manhã, peguei-o
pelo ombro e disse-lhe: “ Olha aqui, Jacob, diga me exatamente o que pen­
sa de m im .” Jacob olhou para mim da mesma maneira inexpressiva de
sempre, " á sério. Pode dizer o que quiser, que não farei nada com você.”
jacob grunhiu um pouco, depois disse:
"Eu penso que você é biruta se acha que vou lhe dizer tudo o que
penso de você.”
E a professora de Jacob, rindo animadamente, disse: "Nada mau,
para uma primeira tentativa, não é?”

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“Ele me disse que pusesse Robert num colégio interno. Disse que
Robert precisava d« ser conduzido por uma mão de ferro. Disse que ele
estava arruinando a minha vida. Que devo fazer? Mandá-lo pro colégio
interno?”
“Você não sabe se deve ou não colocá-lo no colégio interno. Gosta-
Tía que eu lhe dissesse o que fazer; mas não posso lhe responder isso.”
“Ele seria bem tratado. Eu poderia conseguir meu emprego de vol­
ta .”
“Você acha que isso resolveria o problema de seu emprego."
“Sim, respondeu a mãe.” Ela sacode os braços, desesperada. “Mas
eu morreria se fizesse isso. Ele é a minha própria vida. Eu disse ao pa­
trão que teria de dormir com uma garrafa ao lado, para afogar minhas
mágoas, e ele é tão rigoroso que teve um acesso de raiva.” Ela riu.
“Você pensou que iria chocar o patrão."
"Sim. O lugar onde ele quer que eu ponha Robert é em S ... £ um

INDEX
bom lugar. Ele seria bem tratado. Lá os meninos são bem alimentados,
andam sempre limpinhos.”
“Você teria a certeza de que ele estaria sendo bem tratado.”
“E depois ele não teria de ficar rodando de um lado para outro.
Poderia ficar sempre com uma mesma pessoa, tempo bastante para se co­
nhecerem bem” .
“Você acha que ficar com uma só pessoa poderia ajudá-lo”, refle­
tiu a professora.

BOOKS
“ Sim, mas eu teria muitas saudades dele. Ele tem tanto medo de
gente nova e de lugares novos. Éle havia d e ...” — e sua voz silenciou-se
aos poucos.
“Você acha que teria saudades dele e que se lembraria do medo que
ele tinha de gente e lugares novos.”
“É sim. Meu Deus, eu acabo mudando para S ..., se o ponho lã.
Hei de mostrar a meu patrão. Ele não pode fazer isso comigo. Ficarei
perto o bastante no caso de Robert precisar de mim, ou ficar doente, ou
coisa parecida.”

GROUPS
“Você acertará as contas com o patrão. Caso ele a faça perder Ro­
bert, você o fará perder uma boa estenógrafa.”
"É sim, ainda posso conseguir uma dúzia de empregos, pois tenho
um treinamento de primeira. Mas como isso me fere! Já não sou mais
tão jovem. Estou com trinta e dois anos, e tenho um monte de respon­
sabilidades . ”
"Isso a fere muito. Você sente que eles lhe devem -alguma coisa,
pelos anos de bons serviços que lhes prestou, agora que está mais velha
e tem tantas responsabilidades.”

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“Na verdade, foi porque faltei na semana passada, quando Robert
teve sarampo. Compreendo o ponto de vista dele. Nós tínhamos que en­
viar o catálogo e os planos já estavam todos prontos. Minha ausência
atrapalhou todo o trabalho. Mas me fazer uma coisa dessas!”
"Você acha que o castigo é mais severo do que o que você merecia
— embora admita que o patrão tenha razão.”
“Sim, mas me diga uma coisa: você acha que Robert está tendo al­
guma melhora? Seu comportamento, é o que quero dizer. Já sei que não
conseguirá aprender a ler, escrever e contar agora. Já não me preocupo
mais com isso. Só quero saber se ele se comporta melhor.”
“Você ácha que o ajustamento dele agora é mais importante do que
forçá-lo a aprender a ler.”
“Sim”, disse a mãe. “Ele está melhorando, eu mesma já posso per­
cebê-lo. Até em casa. E ele tem de aguentar tanta coisa, pois estou muito
nervosa e faço com que ele também fique. É minha culpa, realmente, se
ele age desse jeito. Não seria justo mandá-lo embora, se a culpa é m i n h a '

INDEX
e logo agora que ele está melhorando tanto.”
“Você tem visto boas melhoras nele”, disse a professora.
“ Se tenho! Você não”
“Ele está bem melhor na escola.”
“Não seria direito colocá-lo num colégio interno. Ainda mais ago­
ra que ele está fazendo tanto esforço. Ele precisa de mim, precisa de um
lar.”
“Você acha que não seria justo mandá-lo para o colégio interno»

BOOKS
logo agora que ele está melhorando tanto. E acha que ele precisa de sua
presença. Acha que ele estaria melhor com você.”
"fi sim .” E mostrando um pacote que tinha nas mãos: "Está vendo
isso? E um coelho. Uma das garotas lá do escritório me trouxe ele de
presente. As outras moças disseram que o gato do escritório tinha sumi­
do. Então eu não sei. Talvez seja o gato que esteja aqui dentro!" Ela
riu, e depois de mais alguma conversa sem importância e agradecimen­
tos, foi-se embora.
Alguns dias mais tarde, durante o intervalo do meio-dia, a mãe vol­

g o.”
GROUPS
tou à escola toda sorridente.
“Vim aqui para lhe dizer que consegui reaver o meu antigo empre­

“ Isto é bom”, disse a professora.


“ Contei a meu patrão o que você me disse.”
“ O que foi que eu disse?”
“ Contei-lhe que você não achava direito internar Robert; ele está
melhorando tanto. Além disso, ó por minha culpa que ele age desse jeito.

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Ele sempre loi arrastado de um lado para o outro, sem nunca saber exa­
tamente o que esperar. Eu disse ao patrão que se Robert fosse para S ...
eu me mudaria para lá e arranjaria um emprego perto dele. Senti que Ro­
bert precisa de mim e que eu também preciso um bocado dele. Não con­
seguiria fazer mais nada nessa vida, se ficasse me sentindo culpada o tem­
po todo. ”

A mãe tinha sintetizado seus sentimentos e chegado a uma decisão


pessoal. É interessante notar que ela tinha resistido à sugestão de seu
patrão de que internasse Robert. Assim que lhe foi dada uma oportunida­
de de trazer seus sentimentos a campo aberto e de tomar, ela mesma, as
suas decisões, neste caso, foi capaz de expor seu problema a seu patrão
de tal maneira, que conseguiu não somente ficar com seu filho, mas tam­
bém reaver seu emprego anterior. Isso serviu como um ponto de partida
para ela. Continuou a usar a professora como uma caixa acústica de seus

INDEX
sentimentos e atitudes e conseguiu um “insight” considerável do comporta­
mento de Robert. continuando à procura de métodos mais construtivos
em seus cuidados com ele. Fez questão de transmitir-lhe o sentimento de
segurança de que ele precisava.
Esse tipo de ajuda parece ser mais valiosa do que as respostas
jusuais da professora cuja política seja ditatorial, ou seja de completa
concordância. Há tuna grande diferença entre concordar completamente
e refletir cuidadosamente os sentimentos expressos pelo cliente. —

BOOKS
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18. APLICAÇÃO NOS RELACIONAMENTOS


ENTRE PROFESSOR E DIREÇÃO

INDEX Um exame dos sistemas de nossa escola atual revelaria um índice


assustador de fraca saúde mental entre os professores. Por que será que
tantos professores dão mostras de frustrações e ansiedades? A isso, os
professores poderiam responder rapidamente. É porque, em muitos casos,
encontram na situação pedagógica fatores que contribuem para seus de­
sajustamentos.
Professores são seres humanos, embora tenham sido por muitos
anos alvo dos caricaturistas e dos humoristas. (Os professores, na inti­

BOOKS
midade de seu mundo pedagógico, estão também bastante aptos a carica­
turar as outras pessoas — e assim o têm feito por anos e anos.) Mas há
uma razão para a predominância de um problema bastante real de fraca
saúde mental entre os professores. Isso já foi atribuído a uma série de
razões — aulas longas demais, horários muito pesados, trabalho extra,
pressões da direção e dos cobradores dos impostos.*
Embora todos esses fatores sejam irritantes, agravantes e esfran­
galhem com os nervos de uma pessoa, não parecem ser capazes de cau­
sar todo o mal que se lhe atribui. Parece muito provável que as causas

GROUPS
do desajustamento dos professores sejam as mesmas do desajustamento
de qualquer pessoa. Se é verdade que cada indivíduo tem dentro de si
forças básicas que o impelem à auto-realização, é bem possível que as
circunstâncias que bloqueiam estas forças sejam a causa do desajusta­
mento .
Talvez o professor dominador e sarcástico, que tem a reputação de
ser uma fera, esteja tentando estabelecer sua auto-estima e sua auto-rea­
lização, às custas de seus alunos, porque não pode conseguir satisfação di­

* N . do E . : — N o B rasil, p o d ería m os acrescen lar os saht rios b a ix o s .

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reta dessas forças em seu relacionamento profissional com a direção.
Talvez a criatura timida e desajeitada, que age tal qual um coelhinho as­
sustado, e parece estar à mercê de todo mundo, só consiga alcançar a au-
to-realização recolhendo-se para dentro de sua concha protetora e só ob­
tendo alguma satisfação em seus sonhos.
Todo professor tem a necessidade definida de sentir-se uma pessoa,
de ser tratado com dignidade e respeito e de conseguir atingir o “ status”
que lhe é devido como indivíduo inteligente e capaz. Em muitos sistemas
escolares, negam-se ao professor essas necessidades fundamentais. Di­
zem-lhes o como, o porquê e o quando fazer as coisas. São pressionados
por superiores. Há objetivos já prontos a serem alcançados e que os obri­
gam a competir uns com os outros, e contra as forças exteriores da esco­
la. Em muitas oportunidades são tratados com deplorável falta de consi­
deração. Em tais situações, não se poderia imaginar que o professor fosse
um ser humano inteligente e capaz, digno do emprego que foi chamado
a preencher. Em certas comunidades, diz-se à professora de que maneira

INDEX
proceder, tanto dentro quanto fora da sala de aula, o que deve fazer de
suas horas de folga, que igreja deve freqüentar, em quem deve votar, que
jornal deve ler, que tipo de roupa deve usar, com que cor pintar as unhas
com que cosméticos se maquiar.

As professoras são forçadas a participar de várias atividades, que


absorvem todo o seu tempo livre. Designam-nas para trabalhar no pátio e
fazem com que elas cumpram suas funções “do lado de fora”, sem levar
em conta a maneira como se sentem. Designam-nas para o refeitório, sem
ao menos se lembrarem de lhes deixar uma hora para o almoço. Encarre­

BOOKS
gam-nas de trabalhar no ônibus escolar ou exigem que fiquem um tempo
enorme, depois de terminado o período de aulas, esperando pela partida
do último ônibus,. Mandam-nas montar peças teatrais, o que as obriga a
batalhar horas seguidas com ensaios, preparação de guarda-roupa, venda
de ingressos e, eventualmente, até com a produção.

São chamadas para "organizar” jomaizinhos, venda de pipoca, pi­


queniques, e todo e qualquer outro tipo de atividade com a qual possa
sonhar a mente humana. E através disso tudo, exige-se que consigam
certos padrões educacionais para seus alunos, e que mantenham ordem(

GROUPS
e disciplina em suas salas de aula.

De um lado são compelidas a superestimular os alunos e, de outro,


pedem-lhes que os mantenham calmos e estudiosos. Tudo isso parece fa­
zer parte integrante da atmosfera colorida e dinâmica de algumas escolas
americanas de hoje em dia — algumas, não todas. i*
E pressão demais, que faria com que até a mais saudável delas não
resistisse; mas permanece, como fato significativo, que em muitas esco­
las, embora existam todas essas pressões, provenientes do fato de que há

152
muito a fazer e pouco tempo disponível, não há necessariamente uma cor­
relação entre a fraca saúde mental e um programa sobrecarregado. Há
escolas em que não existe todo esse trabalho-extra e, mesmo assim, uma
atmosfera pesada faz com que os professores se smtam miseráveis, infeli­
zes e desajustados.
Às vezes os professores trazem consigo seus problemas — problemas
que se criaram e se desenvolveram fora do contexto escolar; mas alguns
deles parecem ter sido criados pela situação escolar, e o objetivo da auto­
ra é tentar iluminar um pouco as causas que para isso concorreram e ofe­
recer algumas sugestões construtivas para sua prevenção e correção.
As professoras podem executar tarefas e carregar fardos bastante ;
pesados — aulas longas, tempo integral, trabalho extraordinário — e fazê- i
lo bem, se o moral da escola for bom e se são tratados como seres bu
manos a quem é dada a permissividade para se expressarem, utilizarem

INDEX
suas capacidades ao máximo, para participarem da organização da escola
como membro contribuinte, e funcionarem como um ser pensante, digno
de atenção e de confiança. Se lhes 6 dada a liberdade de escolher o que
dirão e farão, tanto dentro quanto fora da sala de axila, seus deveres para
com seus alunos serão executados de maneira muito mais adequada. Se ,
não se confia que a professora seja capaz de usar um bom discernimento
naquilo que ela diz e faz, quando lhe é dada a permissividade para ser ela,
não se deve empregá-la como professora. Se é dada aos professores a li­
berdade para realizar o conceito que têm de si mesmos, todos colherão

BOOKS
qomo recompensa uma contribuição estimulante e enriquecedora destes j
homens e mulheres que escolheram viver e trabalhar com jovens . ^

O fator mais importante no estabelecimento de boa saúde mental


entre professores é o relacionamento que existe entre eles e a direção. O
diretor está numa posição estratégica, que lhe permite oferecer ajuda
real aos professores, pais e alunos. Tal ajuda paga dividendos suficientes,
para garantir investigações ulteriores, de modo a determinar sua eficácia.
Este país é uma democracia e democracia é um modo de viver. Por
isso, é coerente exigir da administração escolar um procedimento demo­

GROUPS
crático. Ninguém no sistema escolar detém em suas mãos todas as respos­
tas. É planejando e trabalhando juntos que se chega a uma completa rea­
lização. Chegou-se a isso pela experiência do trabalho em conjunto, pelo
bem-comum. Esses sentimentos vêm de dentro para fora e não foram ar­
bitrariamente superpostos do exterior. Liberdade e responsabilidade são
equilibradas numa verdadeira democracia e a liberdade de um intelecto
espontâneo e criativo pode fazer muito mais pela construção de escolas,
de modo que estas possam constituir-se em verdadeiras extensões de uma
democracia dinâmica e funcional.

153
"Sim”, isto está certo, “ o procedimento democrático na administra­
ção escolar é desejável e estamos fazendo todo o possível para consegui-
lo .” E numa reunião de professores, o que acontece? As professoras parti­
cipam ativamente do planejamento? Expõem seus objetivos e os critérios
para sua avaliação? Oferece se-lhes a permissão de externarem seus verda­
deiros sentimentos a respeito das condições de trabalho de que dispõem,
e esses sentimentos são aceitos imparcialmente? Uma reunião de professo­
res é realmente um lugar para o arejamento cooperativo de idéias? Ou,
como é normal nesses casos, é um lugar onde as professoras ficam sen­
tadas, em aborrecido silêncio, pensando em outra coisa, enquanto o dire­
tor lê o boletim n*. 1, o n?. 2, o n?. 3, o n'\ 4 o n”. 5 e assim por diante,
até que a reunião termine?
Quando, para “modernizar” os programas escolares, aplica-se uma

INDEX
pressão, e é assim em muitas escolas, aumentam-se as tensões e frustra­
ções. Examinemos os “ treinamentos por simulação” que são muito co­
muns. A própria natureza desses treinamentos usualmente bloqueia qual­
quer progresso desejado. A impressão que se tem de uma reunião dessê
tipo é a de que esses professores não passam de um grupo de fósseis, que
devem ser pressionados feito loucos: Mude! Mude! Mude! Eles ouvem
isso, até ficarem mortos' de cansaço. Em áreas mais esclarecidas chama-
se a isso “ transição” . “A escola está em transição. Por que você não es­
tá?” As professoras se apavoram. Seu sentimento de segurança se desva­

BOOKS
nece. Seu sentimento de auto-estima desaparece. E, muito possivelmen­
te, sentir-seão como se ninguém gostasse delas. Esquemas e teorias lhes
são enfiados pela garganta abaixo, e ainda acham estranho que elas os re­
jeitem.
Aqui, também, a aceitação de seus sentimento tal qual eles são, o
reconhecimento desses sentimentos e a reflexão do que pensam e sentem,
ajudam-nas a reter seu auto-respeito, e as possilibidades de crescimento,
mudança e auto-direção em formas mais positivas, aumentam à medida
que elas desenvolvem “insight” .

GROUPS
Como conseguir isso? Já se mencionou antes que o diretor está
numa posição estratégica para ajudar os professores a trabalhar através
de seus sentimentos. Suponhamos que uma organização escolar decida
empregar um novo método de ensino de leitura. O superintendente pode
tomar a decisão, autoritariamente, e ordenar sua execução. As professoras
rebeldes podem ser punidas de diversas maneiras: sendo transferidas pa­
ra uma escola ou uma turma menos desejáveis, sendo atacadas com sar­
casmos e palavrinhas ofensivas, ou recebendo “coerções que as obriguem
a cooperar” . Se o novo tipo de ensinamento lhes for imposto, é certo que
lutarão contra ele palmo a palmo. Um superintendente ou diretor inteli­
gente perceberá que o ensino forçado é totalmente ineficaz. O bom ensi­

154
no é o resultado do trabalho de uma professora entusiasta e sinceramen­
te interessada. E essas atitudes não são adquiridas através de força.
Suponhamos que o superintendente ache que o novo método merê-1
ça a tentativa. Suponhamos que esperasse melhores esforços de suas pro- !
fessoras para sua realização. Parece útil, então, que ele discuta com elas, j
franca e honestamente, pedindo sua cooperação na organização do progra- j
ma, no seu prosseguimento e na avaliação de sua eficácia. Se lhes permi- |
te que participem ativamente, que ponham algo de pessoal no trabalho, |
que sintam a responsabilidade que acompanha sua liberdade para desen- j
volvê-lo, seu entusiasmo e interesse serão totais. E se uma professora não
concorda com a intrusão desse novo elemento, o superintendente não de­
ve rejeitá-la por ter discordado, ou pela expressão de sentimentos negati­
vos, mas aceitá-la, dar-lhe uma oportunidade de expressar seus sentimen­
tos mais livremente e, se ele for capaz de refletir adequadamente as ati- j
tudes negativas reveladas, poderá assim ajudá-la a conseguir uma com- j

INDEX
preensão satisfatória e maior satisfação na sua posição. ___
A possibilidade da terapia em grupo para professores necessita me­
lhor investigação. Poderia ser feita convocando um líder que teria prá­
tica suficiente para refletir as emoções reveladas pelos membros do gru­
po. Um líder que não expressaria sentimento pessoal algum, agindo como
uma pessoa neutra que estivesse presente a cada encontro.
Durante estas sessões os membros do grupo deveriam sentir-se li­
vres para expressar seus sentimentos completa e abertamente, para que

BOOKS
pudessem examiná-los, objetivá-los e ganhar alguma compreensão sobre
a causa dos seus problemas. O encontro ofereceria uma oportunidade pa­
ra ser divulgada qualquer irritação que pudesse existir entre os professo­
res ou entre um professor e o diretor, qualquer opinião ou sentimento em
relação à direção — em suma, qualquer coisa que algum membro do grupo
quisesse revelar. O sucesso de cada encontro dependeria da integridade
de seus membros, para que cada um deles pudesse sentir que nada do que
ele dissesse seria usado contra ele. Tal condição só é possível de existir
nas escolas onde os diretores são grandes e honestos o bastante para en­
carar seus problemas corretamente; num lugar onde eles aceitem o indi­

GROUPS
víduo como ele é, respeitem-no e lhe permitam dirigir-se por si mesmo.
Se esta espécie de relacionamento fosse estabelecida nas escolas,
seria possível predizer, como resultado, um melhor padrão de saúde men­
tal dos professores, nestes lugares em que eles são pouco mais que uma
pedra de xadrez movida de acordo com o capricho dos diretores.
Um diretor tem uma obrigação para com os seus professores. Os
professores têm uma obrigação para com os seus diretores. A obrigação
será cumprida mais efetivamente se houver respeito mútuo e união de seus
esforços, se eles concederem uma hospitalidade intelectual e emocional uns
para com os outros e se lutarem por um mesmo fim.

155
INDEX
BOOKS
Quinta Paite

ANOTAÇÕES SOBRE TERAPIAS

GROUPS
INDEX
BOOKS
GROUPS
19. TRECHOS DE NOTAS SOBRE
TERAPIA INDIVIDUAL

INDEX
Conforme já assinalamos anteriormente, o brinquedo é o meio natu­
ral de expressão dos sentimentos da criança. Estas revelam em seu mun­
do de brinquedos os pensamentos e sentimentos que existem em seus rela­
cionamentos com as outras pessoas. As palavras são coisas inadequadas e\
de difícil uso para elas. Têm sentimentos que não conseguem expressar I
por palavras, mas os brinquedos são algo que podem usar adequadamente^

Os seguintes exemplos, tirados sem prévia determinação, ilustram


o quanto a liberdade de brincar está estritamente relacionada com os pro­

BOOKS
blemas da criança.

Ao fim de cada trecho a autora incluiu comentários e um breve su­


mário do problema da criança. Este material no fim do relato dos casos é
para que o leitor possa formular suas próprias hipóteses durante a leitu­
ra e conferi-las, ao término, para ver como são reveladoras as brincadei-,
ras. Ilustram como a criança desabafa os problemas que mantinha para
ela somente, e como em algumas circunstâncias, o faz, usando recursos
gráficos.

GROUPS
A S D E F E S A S D E D IC K IE C O N T R A O M U N D O

CASO DE DICKIE — SETE ANOS DE IDADE — TRECHO DO 1? CONTATO

Dickie pegou a argila, veio até a mesa e sentou-se defronte à terapeu­


ta.
Dickie: Vamos fazer alguma coisa.
Terapeuta: Você quer fazer alguma coisa de argila.

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DlcMe: Eu disse vamos. Você faz alguma coisa, também.
Terapeuta: O que que você quer que eu faça?
Bickie (franzindo a testa e coçando a cabeça): Quero que você faça
um gato. Você esconde ele atrás de uma pedra bem grande.
Terapeuta (começando a fazer o gato e a pedra onde escondê-lo): Vo­
cê gosta de me mandar.
Diclde: Você faz o que eu digo. (A terapeuta e Dickie modelam as fi­
guras. Dickie faz um coelho e uma p'lha de pedras para escondê-lo.) Ago­
ra vem para fora e luta. (A terapeuta encaminha seu gato em direção ao
coelho. Ele imediatamente põe seu coelho sobre o gato e amassa-o). Ago­
ra! Foi o fim do velho gatão. Faça outro gato.
Terapeuta (fazendo outro gato): Você destruiu o meu primeiro gato

INDEX
e agora quer que eu faça outro.
Dickie: Sim. (Ò outro gato feito pela terapeuta tem o mesmo fim que
o primeiro.) Faça outro e dessa vez você joga ele em cima do meu coelho.
(A terapeuta procede deste modo, mas assim que vai jogá-lo sobre o coelho,
Dickie arranca a cabeça do gato e também o que sobrou entre os dedos da
terapeuta.)
Terapeuta: Você gosta de levar a melhor sobre meu gato.
Dickie: É lógico que sim. Eu gosto de brigar.
Terapeuta: Você gosta de brigar, também.

BOOKS
Dickie: É claro que sim. E gosto de levar a melhor nas brigas, tam­
bém. Faça uma cobra agora.
Terapeuta: Você quer que eu faça uma cobra. (Ela faz uma e Dickie
outra. Ele levanta-se, pega a cobra feita pela terapeuta, mede seu compri­
mento. Então, muito deliberadamente faz a sua maior que a dela.)
Terapeuta: Você quer que sua cobra seja maior do que a minha.
Dickie: Sim. E vou arrancar a cabeça da sua cobra. Aqui. Escondie
ela atrás desta pedra. A minha está escondida atrás desta pedra. (Dickie
mantém sua cobra protegida atrás de uma pilha de pedras.)

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Terapeuta: Você gosta de que sua cobra fique bem protegida.
Dickie: Desta vez vou deixar sua cobra matar a minha. Vem. Siiii
Siii...... Shiiii...... (As cobras vão se emparelhando, mas logo que a da te­
rapeuta está pronta para avançar sobre a de Dickie, ele joga sobre ela uma
grande bola de argila e, com a mão, acaba de amassá-la. Ri-se divertido.)
Eu te enganei! Te fiz de boba.
Terapeuta: Você gosta quando consegue me enganar e levar a melhor
sobro mim.
Dickie: É lógico. Agora vê se consegue me enganar. Tenta de verdade
ver se consegue.
Terapeuta: Você quer que eu tente te enganar.

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Dickie: È isto mesmo. Vê se você consegue.
Terapeuta: Você não acha que eu consiga.
Wckie: Não. Não acho que você vai conseguir, mas tenta. (A tera­
peuta e Dickie manobram as cobras de argila. A da terapeuta avança na
de Dickie e corta-lhe a cabeça. Dickie salta da mesa e grita para a tera­
peuta.) Olha o que você fez! Olha o que você fez com a minha cobra!
Terapeuta: Você disse que era para eu tentar enganar você e quando
eu fiz você não gostou.
Dickie: Não, eu não gostei disso não. Agora prega a cabeça da minha
cobra novamente. Presta os primeiros socorros a ela.
Terapeuta: Você quer que eu a cole, uma vez que fui eu que arran­

INDEX
quei a cabeça dela.
Dickie: Eu quero que você faça o que eu digo.
Terapeuta: Você gosta de me mandar.
Dickie (subitamente rindo): Engraçado. Realmente não me importo
com estas porcarias destas cobras de argila. Só estou brincando. (Espera
até que a terapeuta acabe de colar a cobra e então pega-a pelo rabo e faz
delai uma bola. Vai à prateleira, pega os soldadinhos e empreende uma ou­
tra batalha, desta vez de costas para a terapeuta.)

BOOKS
Terapeuta: Você está fazendo uma batalha.
Dickie: Por que você não fica quieta?
Terapeuta: Você quer que eu pare de falar quando você manda.
Dickie: Sim. Por que você não pára? (A terapeuta cala-se. Didde
observa-a com atenção, muito contente por ter obtido silêncio.) Posso
voltar outra vez?
Terapeuta: Sim, se você quiser.
Dickie: Eu só estava brincando com você. Você disse que eu podia

GROUPS
brincar do jeito que eu quisesse.
Terapeuta: Sim, foi isto que eu disse. Você pode, sim.
Dickie: Posso dizer para você qualquer coisa que quiser também?
Terapeuta: Sim.
Dickie: Mesmo se eu quiser xingar, eu posso?
Terapeuta: Se você quiser, pode.
Dickie (rindo às gargalhadas): Quando posso vir aqui outra vez?’
Todo dia?
Terapeuta: Pode vir toda quarta-feira nesta mesma hora.
Dickie: Você é gente grande e eu posso dizer a você o que quiser. (R i.)

161
f
i
i
t
Terapeuta: Você acha engraçado dizer qualquer coisa que sinta, para
mim, que sou gente grande.
Dickie: Sim. (R i ironicamente.) Cala a boca Dona X . .. (Dona X é
a zeladora da instituição.). Cala a boca Dona X . ..
Terapeuta: Às vezes você gostaria de dizer à Dona X . .. que calasse
a boca. ,
\ 1
Dickie: Cala a boca, Sr. M ... (o superintendente do orfanato). Cala
essa bocona danada.
Terapeuta: Às vezes você tem vontade de dizer ao Sr. M. para fechar
“a bocona danada” .
Dickie: Eu gostaria, mas não tenho coragem.
Terapeuta: Você gostaria de dizer-lhe isto, mas não tem coragem.

INDEX
Dickie (sentando de frente para a terapeuta): Sabe?
Terapeuta: Hum?
Dickie: Eu quero engatinhar pelo chão e beber minha mamadeira.
Terapeuta: Você quer agir exatamente como um bebê. Bem, vá em
frente. (Como Dickie hesitasse.) Você não sabe se deve ou não.
(Dickie pega a mamadeira, assenta-se defronte à terapeuta, fecha os
olhos e bebe; escorrega para o chão e deita, sugando a mamadeira com os
olhos fechados.)

BOOKS
Dickie: Eu bebezinho.
Terapeuta: Você gosta de ser um bebezinho.
Dickie: Ummhumm... (Permanece na chão mamando, o resto do
tempo.)

COMENTÁRIOS

Dickie tinha sido encaminhado à ludoterapia porque era “muito ima

GROUPS
turo”, na opinião da zeladora do orfanato. Tinha choro fácil e tempera­
mento irritável. Era enurético também.

Dickie já estava na instituição havia quatro meses, antes que se ini­


ciassem os contatos terapêuticos. Não se ajustara bem à nova situação.
Sua mãe não o visitava freqüentemente. Ela tornara a se casar após di­
vorciar-se do pai de Dickie. O pai adotivo não queria saber dele. Conse­
qüentemente, Dickie havia sido colocado numa instituição. Seu próprio pai
nunca viera vê-lo. De fato, ele abandonara a mãe de Dickie quando este
contava cinco anos de idade. Dickie fora uma criança sozinha. Ficava aos
cuidados de uma senhora idosa enquanto sua mãe trabalhava e não tinha
tido qualquer contato com outras crianças. Agora, repentinamente, atirado
ao meio de muitas crianças, tendo que obedecer a um regulamento e sen-

162
tindo-se só e inseguro, refugiou-se em um comportamento imaturo, ocasio­
nalmente expandindo-se através de um temperamento facilmente irritável,
sempre que qualquer coisa o perturbava.
É interessante notar a maneira pela qual Dickie usou seu primeiro
contato. Parecia estar expressando sua hostilidade contra a autoridade
opressiva da instituição. Escolheu um material moldável, que poderia ma­
nejar facilmente, controlando seu tamanho e durabilidade. Usou a tera­
peuta de uma maneira inusitada, trazendo-a para brincar com ele, como
o símbolo da autoridade adulta, que ele poderia usar para expressar seus
sentimentos, o que não teria coragem de fazer em relação ao controle adul­
to a que estava atualmente submetido. £5 interessante notar como ele pas­
sa de autoritário e ditador para um necessitado e inseguro bebê.

INDEX
Uma vez que este foi o primeiro contato de Dickie, ele ainda não
estava certo sobre o grau de permissividade e de aceitação com que poderia
contar. Isto é mais ou menos indicado através da sua frase “ Estava só brin­
cando” e, posteriormente, depois de perguntar se poderia “até xingar” quis
saber se poderia voltar outra vez. Quase no fim de seu horário, parece
aproximar-se bastante do seu problema, quando “ pede” ao superintenden­
te “para calar essa bocona danada” . A resposta da terapeuta neste ponto
parece ser muito forte para Dickie e então ele se esconde atrás da seguran­
ça de um mundo onde ele era um bebê. O impacto da repetição exata de

BOOKS
suas palavras parece ter sido um choque muito forte para ele. Süa conduta
bebendo na mamadeira foi relaxada, descuidada e livre como a de um bebê.
O comportamento imaturo de Dickie pode muito bem ser sua defesa contra
um mundo difícil demais para ele.
A resposta da terapeuta parece também ter sido inadequada, quando
Dickie mencionou a mamadeira pela primeira vez. Teria sido melhor que
ela tivesse refletido seus sentimentos de querer agir como um bebê, ao in­
vés de dizer “ vá em frente" o que constituiu um encorajamento e um su­
porte consideráveis. A decisão ativa poderia ter sido deixada inteiramente

GROUPS
para ele.

S H IE L A A L IS A OS C A B E L O S D E S U A R IV A L

O CASO DE SHIELA — SETE ANOS DE IDADE — TRECHO DO QUINTO


CONTATO

Shiela entra na sala de brinquedos e imediatamente pega a mamadei­


ra; ela a mantém nas mãos ou em lugar facilmente alcançável. Assenta-se
à mesa defronte da terapeuta, pega o lápis de cor, o papel para desenho
e começa a desenhar.
Shiela: Olha, isto é um relógio. Veja, aqui estão os números, aqui os
ponteiros e aqui as coisas de dentro dele.

163
Terapeuta: Você desenhou tudo de um relógio.
Shiela: Agora olha aqui. (Inclina-se sobre o papel e desenha uma
cabeça com cabelos longos, ruivos e ondulados.) Escreva aqui em baixo
para mim: Dona B ... (a zeladora) disse: "Eu não quero lavar esse horrí­
vel cabelo.” (Shiela ri enquanto a terapeuta escreve a frase.)
Terapeuta: A zeladora não gosta de seu cabelo. Ela não gosta de ter
do lavá-lo. ■■
Shiela ( pegando o lápis preto e riscando o cabelo): Olha como ele é
sujo. Dona B ... disse: “ Não quero lavar esse cabelo ruivo feio e sujo"
Esse tipo de cabelo deve ser ruivo. Seus olhos são azuis, né? Shirley tem
cabelos ruivos e olhos azuis. Ela é bonita também. Ela é feliz. Mas eu vou
fazer ela chorar. Vou fazer ela chorar três vezes.

INDEX
Terapeuta: Shirley tem belos cabelos ruivos e olhos azuis e é feliz, mas
você vai fazer ela chorar três vezes.
Shiela: Sim. Fica olhando. (Desenha mais duas cabeças.) Olha estas
lágrimas, não são grandes? (Joga água sobre o desenho.)
Terapeuta: Você está mesmo fazendo-a chorar. Você decidiu isso e
ela agora não está feliz.
Shiela: Agora eu vou desmanchar os cachos do cabelo dela. Viu?
(Desenha cabelos muito lisos sobre os cachos.)

BOOKS
Terapeuta: Você quer que ela tenha cabelos lisos.
Shiela: É claro que eu quero. Eles agora estão lisos, tá vendo? Olha
agora. (Pega o lápis vermelho e desenha compridas linhas vermelhas pelo
rosto.) Eu arranhei a cara dela. Agora quando a mãe vier buscar ela, não
vai saber quem ela é.
Terapeuta: Você não gosta de que a mãe de Shirley venha vê-la. Vo­
cê arrancou os cachos de seu cabelo para que sua mãe não a reconheça.
Shiela (amargamente): A noite passada a mãe dela veio visitar ela,

GROUPS
trouxe um pacote de doces para ela e Shirley não me deu nenhum.
Terapeuta: Shirley não te deu nenhum doce e você não gostou disso.
Por isso quer deixá-la em apuros.
Shiela (rindo): Olha aqui! (Desenha uma bola marrom no cabelo de
Shirley.) Um chicletes no cabelo dela! (Shiela está completamente feliz
com isto.)
Terapeuta: Você pôs chicletes no cabelo dela. Você está destruindo os
cachos ruivos dela.
Shiela: Eles agora já não estão bonitos, né?
Terapeuta: Eles não estão bonitos.
Shiela (rindo feliz): Agora escreve “chora bebê, chora, enxuga os

164
olhos, aponta para leste, aponta para oeste, aponta para quem você gosta
mais” e depois escreva aqui, como se fosse Shirley que está dizendo, escreva
"Eu gosto mais é da Shiela!” (A terapeuta faa coma ela pediú.)
Terapeuta: Você realmente quer que Shirley goste de você.
Shiela (suspirando): Sim! (Ela pega a mamadeira e mama contente.)

COMENTÁRIOS

Shiela fora encaminhada à ludoterapia por ser agressiva, ciumenta,


irascível, mal-humorada e oposicionista. Fora levada para a instituição
com quatro anos de idade. Era filha de pais divorciados. A mãe casara-se
novamente e mudara-se para outra cidade; raramente vinha ver Shiela. O

INDEX
pai estava na Marinha, longe demais para vir vê-la. Shiela nunca recebera
nada diretamente do pai, embora a diretóra da instituição tivesse dito que
ele mandava dinheiro para que ela comprasse “tudo de extraordinário que
a criança quisesse” .

Este é um exemplo simples de como as crianças usam ludoterapia


para expressar sentimentos recalcados. Shirley era uma garota bonita, com
longos e belos cabelos, ruivos e cacheados. Sua mãe vinha visitá-la todas
as noites e procurava manter um bom relacionamento mãe-filba, desde
que fora obrigada a colocá-la temporariamente no orfanato, após a morte

BOOKS
do pai. Lá todos gostavam de Shirley. Ela era meiga, quieta e bem com­
portada, com inclinações a ser estudiosa e introspectiva. Por outro lado,
Shiela era uma criança muito pouco atraente, com cabelos lisos,, de um
preto desagradável, e de olhos castanhos. Tinha inteligência acima” da
média, mas não se saía bem nos estudos devido a seu comportamento pro­
blemático .
Seu brinquedo favorito na sala de ludoterapia era a mamadeira.
Sempre que entrava, agarrava a mamadeira e sugava-a intermitentemente

GROUPS
durante todo o tempò da terapia.

Neste patético incidente, a criança desenha seu antagonismo à sua


rival no orfanato. Seu ciúme estava tão recalcado que ela expressou seus
sentimentos através dos lápis — três vezes, para marcá-los bem. Parece
que o ciúme dos belos cabelos é uma coisa trivial, mas para Shiela isto era
muito importante. Parece ter feito bem a ela expressar-se através de um
modo que ela mesma escolhia, uma vez que no final do período de terapia,
ela estava apta a expressar sentimentos positivos sobre Shirley, dizendo
que queria que esta gostasse dela.

Este exemplo ilustra também como um comportamento pode ser ca­


nalizado para uma saída socialmente aceitável.

165
O H O M E M D E A R G IL A
CASO DE JOANN — SEIS ANOS DE IDADE — TRECHO DO QUARTO
CONTATO

Joann entra na sala de brinquedos, senta-se à mesa de modelar &


brinca com a argila. Ela é usualmente muito quieta e bastante calada. To­
da vez que vem à sala de brinquedos, brinca com a argila e faz a mesma
coisa — a figura de um homem com uma bengala. Cada vez, depois de ter
modelado o boneco, coisas horríveis acontecem com ele. Ele é todo perfu­
rado, espancado, atropelado por um vagão de brinquedo, enterrado sob
uma pilha de pedras. Na quarta vez que a figura apareceu, a terapeuta
disse: " — Al vem aquele homem de novo.”
Joann: Sim. (Sua voz é tensa e decidida.)

INDEX
Terapeuta: O homem com a bengala.
Joann: Sim. (Começa a perfurá-lo todo.)
Terapeuta: Você está enchendo de buracos o homem de argila.
Joann: Facada! Facada! Facada!
Terapeuta: Você o está esfaqueando.
Joann (com voz sumida): Ai! Você me machucou. (Muda a vo z.) Não
me importo. Eu quero machucar você.
Terapeuta: O homem de argila está chorando porque você o está ma­

BOOKS
chucando.
Joann (interrompendo): Eu quero machucar ele.
Terapeuta: Você quer machucá-lo.
Joann (enfática): Eu não gosto dele.
Terapeuta: Você não gosta dele.
Joann: Eu não gosto dele. Eu o odeio. Olha, este buraco atravessa
ele dum lado a outro. Vai do peito dele até as costas.
Terapeuta: Ele tem um buraco atravessando-o todo. Você o castigou.

GROUPS
Joann: Sim. Vou tirar a cabeça dele também.
Terapeuta: Você vai tirar a cabeça dele.
Joann: Eu sei. Eu vou pôr ele no fundo da jarra e vou pôr argila
por cima dele até ele ficar sufocado.
(Ela o parte em pedacinhos, amassa-o com o polegar, cuidadosamen­
te, põe as peças no fundo do jarro e cabre tudo com o resto da argila.)
Terapeuta: Você o picou em padacinhos e o enterrou no fundo da
jarra.
(Joann concorda e sorri para a terapsuta. Vai até as' bonecas, finge
dar-lhes de mamar, carrega-as ternamente nos braços, coloca-as na cama,
arranja a mesa e brinca de casinha muito quietamente.)

166
Este é um exemplo do comportamento de Joann dentro da sala de te­
rapia. Sempre ela faz o homem de argila, desmonta o, livra-se dele e então
põe-se a brincar com as bonequinhas. Isto continuou até a sétima sessão,
quando então parou de fazê-lo. Às vezes brincava com argila, mas fazia
gatos, pratinhos ou velas. Era muito afeiçoada às bonecas e continuou
com este brinquedo mais tempo.

COMENTÁRIOS

Joann foi encaminhada à ludoterapia porque era nervosa, tensa e tí­


mida. O verdadeiro significado do homem de argila continuou um misté­
rio durante muito tempo.. O pai de Joann havia morrido há três anos e
ela morava com sua mãe e uma irmã de dez anos. Não havia homens em

INDEX
seu círculo familiar. Entretanto, seu brinquedo parecia indicar que existia
em função de algum homem. Na hora em que brincava, a identidade dele
não parecia importante. Joann jamais deu-lhe um nome. A terapeuta não
tentou obter sua identidade, pois parecia importante a Joann escondê-lo
atrás de um anonimato. Finalmente parou de modelá-lo. Mostrava consi­
derável progresso em suas atitudes e comportamento.

Posteriormente, após terem sido terminados os contatos terapêuti­


cos, a terapeuta encontrou a mãe, e esta contou-lhe que estava pensando em
casar-se novamente. “O único inconveniente”, disse a mãe, “ é o fato de

BOOKS
que ele é aleijado e usa uma bengala. Joann age como se tivesse medo
dele.” Isto pareoeu ser uma explicação para o caso do homem da bengala.
À intromissão desse homem no lar de Joann parece ter sido a razão de
tão terrível tratamento que ele sempre recebeu de suas mãos.

P R E P A R A Ç Ã O D E E R N E S T P A R A A H O S P IT A L IZ A Ç Ã O
O CASO DE ERNEST — SETE ANOS DE IDADE — PRIMEIRO RETORNO
AOS CONTATOS TERAPÊUTICOS

GROUPS
Emest, então na sala de brinquedos, dá uma rápida olhada neles.
Ernest: Oh! Tintas! (Olha o jarro com argila. Pega o telefone, move-o
sobre a mesa, pega as bonecas e o berço e os traz para a casinha de bone­
cas.) Oh! que casinha bacana! Vou arrumar ela. (Assim o faz, dizendo o
nome de tudo que pega. Põe as duas meninas na cama e atira a mãe e o
pai na caixa de blocos de madeira. Põe o resto das crianças na caixa. Pega
os blocos de madeira e cerca a casa, deixando apenas uma pequena aber­
tura entre eles.) Esta é a porta dos fundos. A gente pode vir aqui, ir até
a geladeira e pegar uma laranja ou qualquer coisa de comer e sair nova­
mente, tá vendo?
Terapeuta: Tem comida nessa casa.
Emest: Sim. (Pega o telefone.) Alô. Está certo. Vou pegar o bebê

167
neste momento. Até logo. Vou pintar um quadro com a palavra “fechado”
e vou pôr ele na casa para ninguém ir lá incomodar. Olha, a casa está toda
fechada. Ninguém pode ir lá.
Terapeuta: A casa está toda fechada.
Emest: Seria melhor escorar as portas (Vai até a casa e atulha o ca­
minho das portas. Pinta uma casa sem janelas e sem portas. Faz um fun­
do inteiramente azul. Vai até os soldadinhos e retira-lhes as armas. Põe
um revólver em cada porta.) Vou pôr este revólver aqui, porque qualquer
um que tente entrar aqui vai ser morto, viu?
Terapeuta: Você não quer que ninguém mais entre na casa. Eles até
mesmo serão mortos se tentarem entrar.
Ernest: Bang! Bang! (Faz um “ guarda-civil” correr pelo chão e subir
no braço da terapeuta, rindo durante todo o tempo. Volta à mesa de pin­
tura. Pinta outra casa sem janelas nem portas.) Vem cá. Escreve “ FE­

INDEX
CHADA” aqui em cima. (Aponta para o telhado da casa.) Pinta com este
pincel. (Tinta verde ) Faz bem grande. Agora escreve “Esta é minha casa.
Ela é bacana, não é? Até logo. Fechada” (A terapeuta escreve.) Eu gosta­
ria de ter mais tintas em casa: Cor do exército. Então, quando eu pintas­
se jipes e outras coisas, eu poderia fazer da cor certa. Às vezes eu misturo
preto e verde, mas não fica muito bom. Olha, eu pus azul em cima do meu
nome, mas ele ainda está aparecendo. (Volta à casinha.) Agora vocês dei­
tem aí e vão dormir. (Põe um bonequinho na cam a.) Agora tá vindo al­
guém. Vou dar um tiro nele. Bang! Bang! Bang! (Corre, pega o martelo

BOOKS
e a bigorna e bate com toda força. ) Meu braço fica cansado com isto. Ain­
da vou dar mais três marteladas. Vê? (Martela mais um pouco. Tira da
caixa os soldadinhos, algumas espingardas e botes.) Vou tirar todos os bo
tes e espingardas. (Im ita o barulho de uma espingarda.) Ele vai ver que
“destroyer” é este. Viu? acabou com ele. Viu?
Terapeuta: Ele destruiu o bote.
Ernest (pegando pap?l e lápis de cor): Sabe o que isto vai ser?
Terapeuta: Não.
Ernest: Adivinha.
Terapeuta: Um avião?
GROUPS
Ernest: Não. Não é um avião. Isto vai ser vermelho — exatamente
vermelho. Você errou. (Ri.)
Terapeuta: Você está satisfeito porque não consegui adivinhar.
Emest: Eu tinha bolhas no calcanhar- Não tenho calo nenhum. Por
que você não tem fantoches aqui?
Terapeuta: Você gostaria que tivesse fantoches?
Emest: Sim. Como lá na escola.
Terapeuta (apontando os fantoches na prateleira): Olha lá.

168
Emest: Este é Doony, o Palhaço. Ele vai te comer.
Terapeuta: Ele vai me comer.
Ernest: Que vergonha, Doony. Mordendo ela. (Lançando Doony na
caixa.) Pica aí!
Terapeuta: Você acha que Doony devia ficar envergonhado por mor­
der tuna amiga sua?
Ernest: Sim, e logó uma boa amiga! (Pega uma mamadeira e colo-
ca-a nos lábios da b o n e c a bebê.) Bebe isto, nenê. Tá ouvindo? Você vai
beber isto nem que seja à força..
Terapeuta: Você vai forçar o bebê a comer.
Ernest: Ah! Vê? O bebê comerá!
Terapeuta: O bebê comerá.
(Ernest ri. De repente, lança-sé sobre a ambulância de brinquedo.

INDEX
Imita o som da sirene. Empurra a ambulância até a caixa, pega a bonequi-
nha e esconde-a sob a boneca maior na caixa de blocos.)
. Emest: Ela está no hospital. Aonde é o hospital? (Olha em volta.)
Ah! Aqui debaixo desta mesa. (Sirenes novamente. Empurra a ambulância
para debaixo da mesa.) Agora ela está no hospital. (Levanta-se, pega o
telefone. ) Eu vou fingir que estou falando com você. Você responde a con­
versa. Alô.
Terapeuta: Alô.
Emest: Como vai?

BOOKS
Terapeuta: Bem, e você?
Emest: Quando é que eu posso voltar aqui novamente?
Terapeuta: Você quer voltar.
Emest: Eu quero voltar. Quando é que posso? Posso vir na próxi­
ma terça-feira?
Terapeuta: Você gostaria de vir na próxima semana.
Emest: Quero voltar. Gosto daqui. Quando é que eu posso vir?
Terapeuta: Tão logo você saia do hospital.

GROUPS
Emest: Mesmo se eu sair amanhã?
Terapeuta: Mesmo se você sair amanhã.
Emest: Então eu vou sair amanhã.
Terapeuta: Você vai tentar sair amanhã, para vir aqui novamente
antes de ir para casa.
Ernest (pegando a boneca-bebê): Vem cá, nenê. Tá na hora de to­
mar o remedinho. Agora já tá de noite. Cobre e vai dormir. (Carrega-a
para um canto.) Agora ela está na cama. Está dormindo. (Pega o fantoche
palhacinho e o faz estender a mão para a terapeuta, num cumprimento.)'
Até logo D ...

16$
Terapeuta: Ele está se despedindo de mim.
Emest: Sim.
Terapeuta: Até logo.
Emest: Até logo. (Joga o palhacinho na caixa. Pega o boneco-pai.)
O pai vai dar umas marteladas. (Malha a bigorna.) Olha ele esmigalhando
estas coisas aqui. Agora a menininha tá de volta do hospital. Agora ela
tá boa. A casa está aberta outra vez. (Remove os blocos que estavam cer­
cando a casa.) Tá vendo? Tá vendo? Tá tudo bem agora.
Terapeuta: Ela foi para o hospital e já está de vòlta. E agora está
tudo bem.
(Emest coloca uma boneca na mesa da sala de jantar e outra na mesa
da cozinha).

INDEX
Emest: Ela vai ter que comer na cozinha, porque é má.
Terapeuta: Por que ela é má?
Emest: Porque ela desperdiça tudo que eles dão para ela comer.
Olha. (Emest joga a boneca no chão.) Ela caiu e quebrou o pescoço. Isto
é o. fim dela. Vou enterrar ela. (Enterra-a na caixa de blocos.)
Terapeuta: Este é o fim da menininha que desperdiçava a comida
que lhe davam.
Emest: Sim. Ela morreu. Agora vou trocar tudo de lugar na casa.
Aqui vai ser a cozinha. Eu vou mudar o piano pra lá. A lâmpada. Esta ca­

BOOKS
deira. (Pega o reloginho de brinquedo.) Que horas está marcando?
Terapeuta: Oito e vinte.
(Emest troca a mobília do quarto de dormir para a cozinha, a da
cozinha para a sala, a do quarto para sala de jantar, a do quarto de dor­
mir para o andar de cima. De fato, arranja de novo, completamente, a
mobília.)
Emest (pegando uma outra bonequinha): Ela quebrou a perna. A
ambulância vai vir buscá-la. (Barulho de sirene. A ambulância chega; tam­

GROUPS
bém esta bonequinha é jogada na caixa.) Ela voltou para o hospital de
novo.
Terapeuta: Ela está sempre tendo que voltar para o hospital.
Emest: Sim.
Terapeuta: Ela gosta de voltar para lá?
Emest: Sim. (Então, repentinamente.) Não.
Terapeuta: Ela gosta e não gosta do hospital.
Emest: Ela está com medo.
Terapeuta: Ela está com medo de ir para o hospital.
Emest (pegando a boneca-bebê): Ela vai dançar. (Joga a boneca pa-

170
ra cima.) Olha, ela tá com medo. Ela foi. (Joga-a na caixa de blocos.)
Terapeuta: Ela está com medo também.
Ernest (indo até a argila e trazendo um pouco dela): Vou fazer um
negócio. Vou fazer um burrinho. (Assenta-se e começa a trabalhar com ar­
gila .) Vou fazer uma cara, o corpo, e o rabo. (Canta, enquanto trabalha.)
Vou pregar ele neste papel. (Pega o revólver.) Bang! Bang! (Pega a casa
de bonecas. C ôn oío par cônodo, a casa vai sendo destruída. Grita.) To­
d o mundo morreu! (Revolve a casa.) Tá tudo destruído. (Levanta a casa,
■vira-a de cabeça para baixo e sacode a .) Este é o fim da casa.
Terapeuta: Todo mundo morreu. Tudo foi destruído. Este é o fim
da casa. Você quis destruí-la e destruiu.
Ernest (empurrando as peças desmontadas para o outro lado da.
sala.): Eu quebrei isso tudo. (Risadas.)

INDEX
Terapeuta: Isto faz você sentir-se bem — ter destruído tudo.
Ernest: É sim. (Pega a boneca grande e levada até perto da terapeu­
ta, onde a deixa.) Aqui. Você dá de comer a ela. Você é que é a mãe.
Terapeuta: Você gostaria de que eu fosse a mãe.
Ernest: Eu é que vou dar de comer a ela. (Pega a mamadeira e se­
gura-a perto da boca da boneca. Então, coloca-a de novo no berço. Falan­
do para a boneca.) Agora, bebê, você vai dormir. Oh! Você molhou sua
cama. Oh! (Excitadamente.) Leve o bebê para o médico. Ele está doen­
te.

BOOKS
Terapeuta: O que aconteceu com ele?
Ernest: Ele está com uma ferida na garganta. O bebê está doente.
Pobre bebezinho doente!
Terapeuta: Você sente pena do bebê porque ele está doente. (E r­
nest tenta p ô r o bebê atrás da caixa de bloccs.) Você quer livrar-se do be.
bô doente.
Ernest (fingindo ser o bebê, lá de trás da caixa): Eu queria! Está
vendo? (Tira os soldadinhos e move-os sobre a casa, que arrumou.) Os
soldados vão tomar a casa, está vendo? (Brinca com os soldadinhos e ca­

GROUPS
valinhos. Derruba os soldados, os cavalos e a casa. Traz um cavalinho
em direção à terapeuta. Arruma novamente a casa e pega os soldadinhos.)
Terapeuta: Restam cinco minutos, Ernest.
Ernest (pagando o fantoche e trazenio-o para a terapeuta): Eu vim
dizer até-logo. (Veste o fantoche em sua m ão.) Ai! Ele me mordeu.
(R i. ) Quando é que eu posso voltar?
Terapeuta: Você pode voltar quando sair do hospital, antes de ir
para casa.
Ernest (retomou ao seu quadro. Cobre o sinal “ FECHADO” com
tinta amarela ): Eu quero usar o vermelho. (Pinta toda a casa de verme­
lh o .) Olha! Sangue! Sangue!

171
Terapeuta: Isto parece sangue.
Ernest: Sim.
Terapeuta: Nosso tempo terminou.
Emest: Agora nós vamos almoçar e depois eu vou para o hospital
(Suspirou.)
Terapeuta: Você está com medo de ir para o hospital?
Emest: Eu não tenho medo. Eu só não quero ir. Mas depois que
eu voltar nós vamos tomar um refrigerante, antes de eu ir para casa, não
vamos?
Terapeuta: Voce não tem medo. Você só não quer ir. Sim. Nós
tomaremos um refrigerante.

INDEX
COMENTÁRIOS

Emest foi trazido à ludoterapia numa preparação para sua hospita­


lização. Ele tinha tido contatos terapêuticos, com esta mesma terapeuta,
por vários meses no começo do ano. Veio dessa vez porque ia para o hos­
pital nesta tarde. O problema que Emest enfrentava era um distúrbio
emocional, provocado pelo fato dele ter de se hospitalizar para ser sub­
metido a uma pequena cirurgia. Ele tivera uma constrição na garganta e,
no começo da terapia, usava uma sonda inserida até o estômago, para
sua alimentação. Até à época deste contato, ele estava comendo normal­

BOOKS
mente, o que já fazia há meses. Entretanto, ainda era necessário subme-
ter-se periodicamente a uma dilatação na garganta. Era para uma destas
dilatações que Emest estava indo para o hospital. Como conseqüência
da operação, sua garganta apresentava visível hemorragia. A operação
precedente tinha-lhe trazido complicações desagradáveis e por isto Emest
sofria desta vez de uma ansiedade muito maior que a usual. (1)
As brincadeiras de Emest revelavam seu problema de alimentação,
indo para o hospital, ficando doente, morrendo, destruição geral, despedi­
das da terapeuta e dando vazão à sua agressividade através de marteladas.

GROUPS
Sua maneira de brincar segue um padrão. O bebê, o alimento, a casa fe­
chada, os revólveres, as marteladas, o hospital. Ele expressa sua agressL
vidade e seu medo através destas brincadeira. Ao fim da hora, como con­
clusão, alega que não tem medo de ir para o hospital; apenas não quer ir.
É interessante saber que a reação emocional de Emest a esta hospitaliza­
ção foi maior do que qualquer uma das anteriores. No dia seguinte, saiu
do hospital e voltou com um grupo de garotos para o contato terapêuti­
co que havia psdido antes de ir para casa. (2)

1 — P a ra o caso com p leto de Em est, v e r o capitu lo 23.


2 — P a ra um rela to destes contatos em gru p o, v e r o ca pítu lo 21.

172
Por certo, este contato evidencia que a vida emocional de uma cri­
ança é, freqüentemente, a base de sua brincadeiras e, através delas, en­
contra alívio para suas tensões.

S Y L V IA CO NTRO LA O F A N T A S M A

O CASO DE SYLVIA — QUATRO ANOS DE IDADE — TRECHO DO


PR IM EIR O CONTATO COM UMA TERAPEUTA-SUBSTITUTA.

Sylvia já se submetia à ludoterapia há algum tempo antes deste


contato. Este foi assistido por uma terapeuta-substituta, porque a regu­
lar estava incapacitada para fazê-lo. Sylvia gostava de pintar com os de­
dos. Passava uma boa parte do tempo lambuzando-os. Costumava entornar
a tinta aos bocados e espalhá-la livremente no papel com movimentos

INDEX
circulares. Desta vez, Sylvia misturou o azul e o verde, pintando com as
mãos.
Sylvia: Água! Água! São ondas grandes!
Terapeuta: Você fez as ondas e a água.
Sylvia (imita um barulho de ondas): Shiiii.
Terapeuta: As ondas fazem barulhos engraçados.
Sylvia: Me dá o preto. Me dá o preto. (A terapeuta dá-lhe um pou­
co de tinta preta.)

BOOKS
Sylvia (mudando a voz dramaticamente): Aí vem o fantasma.
Terapeuta: O fantasma está vindo.
Sylvia (fazendo uma figura preta no meio do papel): Uuuuuuh!
Terapeuta: O fantasma vem. "Uuuuuuh!” Está no meio da água.
Sylvia (rindo para a terapeuta): Eu gosto disso.
Terapeuta: Você gosta de fazer isto. Você gosta de pintar com os de­
dos.
Sylvia: Olha! Olha! Eu sou o fantasma que mora debaixo d’água.
Tá vendo?
GROUPS
Terapeuta: Aquele é o fantasma que mora debaixo d’água.
Sylvia: Eu sou o fantasma que voa na janela aberta, à noite.
Terapeuta: Você é o fantasma que voa na janela aberta, à noite.
Sylvia: Isto me assusta.
Terapeuta: Seu fantasma te dá medo.
Sylvia: Sim. (Enfia as mãos na água azul e verde.) Vai embora!
Vai embora.
Terapeuta: Você está mandando o fantasma embora.

173
Sylvia: Uuuuuuuh! (Ri para a terapeuta.)
Terapeuta: O fantasma está dizendo “Uuuuuuuh!”
Sylvia: O fantasma está indo embora.
Terapeuta: O fantasma está indo embora agora.
Sylvia: Acha ele.
Terapeuta (examinando o papel): O fantasma não está lá.
Sylvia (assentindo enfaticamente com a cabeça): O fantasma não es­
tá lá. (Uma vez mais enfia os dedos diretamente na tinta e faz borrões cir­
culares. Sai da mesa.) Agora eu vou brincar na areia.

COMENTÁRIOS

INDEX
Sylvia foi recomendada à ludoterapia por causa de seus medos e
ansiedades, que resultaram de uma experiência traumática, quando, sem
qualquer explicação ou preparação por parte de seus pais, foi levada a
um hospital para uma pequena cirurgia. Como manifestação de sua ten­
são, ela arrancou os cabelos até ficar quase que totalmente calva.
O contato que descrevemos foi assistido por uma terapeuta subs­
tituta, por causa de doença da terapeuta que regularmente a assistia. De
acordo com as notas, o fantasma constituía a m aior parte de suas brin­

BOOKS
cadeiras. Ele não tinha nome. Talvez constituísse justamente o medo in­
definível que ela estava revelando. Nesta altura da terapia, Sylvia tinha
superado a maioria de seus medos e ansiedades e perdera a mania de pu­
xar os cabelos. Através de sua brincadeira, Sylvia revelou e destruiu seu
fantasma. Tintas que se usam com os dedos, escolhidas por ela mesma,
pareceram ser o meio mais perfeito para ela revelar esse visitante fan­
tasmagórico.

J E A N E OS B A N H E IR O S

GROUPS
O CASO DE JEAN — QUATRO ANOS DE IDADE — PRIMEIRO CONTATO

No caminho para a sala de brinquedos, Jean retrocede e volta para


a mãe.
Jean (para a terapeuta): Talvez fosse melhor eu não ir com a senhora.
Terapeuta: Você acha que talvez não devesse ir comigo.
Jean: É.
Mãe: Mas eu tenho que ir fazer outra coisa, Jean, e você disse que
ficaria com a moça até eu voltar.
Jean: Sim, mas talvez fosse melhor eu não ficar.
Mãe: Não seja criança, Jean.

174
•Terapeuta: Apesar de você ter prometido, você não está completa­
mente certa de que quer ficar comigo. Você está, talvez, com um pouqui­
nho de medo.
Jean (sussurrando para a terapeuta): É que talvez a senhora não
tenha banheiro.
Terapeuta: Há um logo ali, à direita da sala de brinquedos. Você
gostaria de vê-lo?
Jean: Sim. (A terapeuta mcstra-o a ela)
Jean (assentindo para a terapeuta): Tá certo, mamãe, eu vou ficar.
(A mãe vai. Jean olha em volta da sala de brinquedos.) Oh! Deixa eu
ver! Que vou fazer? Que vou fazer? Tintas. Mas talvez elas me sujem.
Terapeuta: Você tem medo de que elas caiam no seu vestido. Há

INDEX
um avental aqui.
Jean: Então vou pintar. Me ajuda a vestir ele. Me dá a tinta preta.
(Ela começa a pintar com a tinta preta. A tinta escorrega no papel.) Oht
Ela tem caldo! Viu? Oh! (Ela está nitidamente Impressionada com a tin­
ta que escorre.)
Terapeuta: Você não gosta de que ela escorra.
Jean: Não. (Deixa a tinta preta de lado e pede a branca. Quando es­
ta escorre, abandona as tintas.) Me ajuda a tirar o avental. Espera! Que

BOOKS
quê é isto?
Terapeuta: São tintas de pintar com os dedos.
Jean: Elas escorrem?
Terapeuta: Não, a não ser que você queira que elas escorram. (A
terapeuta mostra-lhe como usar esse tipo de tinta.)
Jean: Me dá um pouco daquela ali. (Apontaa tinta preta.) Pr
Um punhadão. (Então, sem tocá-la, empurra a mesa pra trás.) Não! Não!
Isto é muita porcaria! (Não toca nas tintas. Afasta se da mesa.) Tira meu
avental. (A terapeuta tira-o.) Uma casinha de bonecas e uma família de

GROUPS
bonecas. (Vai para a caixa de areia onde estão colocadas a casinha e a
família de bonecas; inclina-se em direção à caixa, mas não consegue brin­
car, pois é pequena demais.)
Terapeuta: Você gostaria de entrar na caixa de areia, Jean? Assim,
poderia alcançar a casinha mais facilmente.
Jean (rindo): Tá certo. (A terapeuta coloca-a dentro da caixa de ar
reia. Quando seus pés tocam a areia, ela pula.) Não! Não! Não! Me tira
daqui de novo. Não quero ficar aqui. Vai entrar areia no meu sapato.
Terapeuta: Você quer que eu tire seus sapatos e suas meias?
Jean: Não! Não! Não! (A terapeuta retira-a da caixa e coloca-a no
chão.)

175
Terapeuta: Você prefere ficar aqiíi fora do que ter que tirar as
meias e os sapatos, ou entrar na areia com seus sapatos.
Jean (brincando com as bonecas e a casa): Onde está a menina? Es­
ta é a menina. Esta é a menina. Ela está com a mãe dela. Ela está com
a mãe dela. (Jean fala constantemente e repete tudo o que fala.) Vem
agora e vai para a cama, queridinha... Eles vão para a cama... para a
cama... para a cama... Eu não posso entender isto. Esta é a mesa da
cozinha... da cozinha... da cozinha. A menina maior vai para a escola
toda manhã... toda manhã... toda manhã. Tem um relógio para a ca­
ma dela... para a cama dela. Eu estou indo me assentar à mesa... à me­
sa... à mesa. Esta é mãe. Este é o papai. O papai. O papai. (Para a te.
rapeuta.) Estou ouvindo alguns meninos. Onde é que eles estão?

INDEX
Terapeuta: Estão brincando lá fora.
Jean: Oh! Vai para a cama. Vai para a cama. Ela está lendo na cama.
Esta é a m ãe... a m ãe... Este é o p a i... o p a i... Eles estão lendo na ca­
m a... na cama. Cedo... Cedo... Estão indo cedo para a cama...
para a cama... Cedo. Cedo. Aonde é que é a casa deles? Casa. Casa. Eu
vou pôr eles na casa. Vão morar nesse andar... Neste andar. Você acha
que tem quartos que dê para todos eles neste andar?
Terapeuta: Você se preocupa em saber se há quartos suficientes para
todos eles.

BOOKS
Jean: Sim. Sim. Tem um quarto para cada um deles dormir.
Terapeuta: Eles vão mesmo dormir neles.
Jean: Olha. Olha. Olha! Eles ainda estão lendo. Se eu tirar estas coi­
sas daqui, vai ter mais quartos. Eles não vão ler mais. Vão pra cama. Vão
para a cama. Onde está minha mamãe?
Terapeuta: Você quer saber onde que sua mãe está. Ela foi fazer uma
coisa e volta quando você terminar aqui.
Jean: Onde é o banheiro?

GROUPS
Terapeuta: Na sala aqui perto.
Jean: Vamos lá ver. (A terapeuta leva a. Ela olha-o diz: “ Vamos vol­
tar agora.” Retornam à sala de brinquedos.) Aqui tem um banheiro tam­
bém. Eu vou pôr os negócios do banheiro no quarto da menina.
Terapeuta: Você vai pôr os negócios do banheiro no quarto da menina.
Jean: Sim, é esta menininha. Ela tem quatro anos. Ela dorme no ba­
nheiro... no banheiro... no banheiro...
Terapeuta: A menininha de quatro anos dorme no banheiro.
Jean: Eu também tenho quatro anos.
T e r a p e u t a : Você tem quatro anos. Logo, a mesma idade da menininha
que dorme no banheiro.

176
Jean: Sim. Aqui tem outro banheiro. Ele está perto dela também. E
o pai e a mãe estão indo para a cama. Para a cama. Eles têm um quarto ba­
cana. Vê? Eles têm um quarto bacana.
Terapeuta: O pai e a mãe estão indo para a cama. Eles têm um quar­
to bonito.
Jean: Eles têm uma geladeira no quarto também. Uma geladeira.
Uma geladeira. (Põe a geladeira no quarto dos pais.) As crianças dormem
no quarto ao lado. E podem ir direto para este quarto se quiserem e se
precisarem do pai ou da mãe.
Terapeuta: O pai e a mãe estão perto, se precisarem deles.
Jean: Estão dormindo agora. Dormindo. Dormindo. (Vira-se e sorri
para a terapeuta.) Vou tirar o sapato e a meia agora e vou entrar na caixa

INDEX
de areia.
Terapeuta: Você agora quer entrar na caixa de areia e brincar.
(Jean tira os sapatos e as meias e a terapeuta ajuda-a a entrar na
caixa.)
Jean: Quero uma geladeira no quarto das crianças.
Terapeuta: Você quer que as crianças tenham uma geladeira no quar­
to também.

BOOKS
Jean: Tem outro banheiro aqui?
Terapeuta: Tem outro banheiro aqui.
Jean: Tem um banheiro na sala de visitas. Tem um banheiro na co­
zinha. Tem um banheiro na sala de jantar. (Ela arruma a casa de novo. Não
há a mínima organização nos quartos. A mobília está colocada ao acaso.
Há banheiros em todos os cômodos da casa.)
Terapeuta: Há um banheiro em cada cômodo da casa.
Jean: O pai tem que acordar cedo... cedo... cedo. Ele está aqui na

GROUPS
sala de visitas. Devia ter livros para ler. Lâmpadas também. Um rádio. A
mãe está dormindo. Isto é a banheira. Eu vou pôr a banheira na sala de vi­
sitas. Alguém podia querer tomar um banho... tomar um banho... Esta
é a pia. A água está caindo. Vou pôr isto na cozinha. Isto é a cozinha...
a cozinha.
Terapeuta: Há banheiros por toda a casa.
Jean: A mãe levanta-se da cama e senta numa cadeira, toma café, vai ao
banheiro e depois volta para a cama. O pai tomou café e foi pro banheiro.
A mãe volta pra cama. Ela conta pro pai que tinha levantado, tomado café,
e tinha ido ao banheiro também e ele diz: “Bom! Bom! Bom!” Bom! (Põe
todas as bonecas na cama outra vez. Então sai da caixa de areia, com a aju­
da da terapeuta.) Tenho mesmo que ir ao banheiro, desta vez.

177
(A terapeuta leva-a ao banheiro. Voltam à sala.)
Jean: Agora vou brincar com o telefone.
Terapeuta: Você quer brincar com outras coisas agora.
Jean (ao telefone): Alô. Eu quero um negócio, agora. Um sanduíche
e um pouco de geléia. Hum? Não. Sim. Como está você? Bem. Oh! Não!
Bem. Meus meninos estão na cama. O pai também, eu acho. Oh, eu não sei.
Jean está... Nós temos agora um novo bebê. Nós já temos ele há três me­
ses. Porque sim. Quando vocês vêm cá? De tarde? (Pega a boneca. Ela está
molhada. Volta-se de repente em direção à terapeuta.) Oh! aconteceu algu­
ma coisa! Ela tem barriga. Ela foi ao banheiro. Vergonha. Vergonha. (Ri.)
Eu não tenho deste tipo de boneca. Meu Deus, olha, ela vai ao banheiro!
Terapeuta: O bebê vai ao banheiro também.

INDEX
Jean (indo até a prateleira e pegando timidamente uma mamadeira):
Os bebês mamam numa garrafa assim.
Terapeuta: Os bebês mamam numa garrafa assim;
Jean (rindo): Eu vou beber também.
Terapeuta: Você vai beber na mamadeira, também.
Jean: Os bebês mamam na mamadeira e eu também vou fazer isso.
(Ri, suga a mamadeira.)
Acaba-se o tempo. A mãe está lá fora esperando por ela. Jean calça

BOOKS
os sapatos e as meias por si mesma e sai rindo. Ao encontrar sua mãe fora
da sala, Ieva.a lá dsntro e mostra-lhe com que brincou. A mãe nota os vá­
rios banheiros nos quartos.
Mãe: Você é que pôs aquelas peças de banheiro lá?
Jean: Sim.
Mãe (para a terapeuta): Esta é que é a coisa mais engraçada. Toda
vez que ela brinca com blocos de armar ou com sua casinha de bonecas,
quer pôr banheiros em todos os quartos. Mas eu tento impedi-la de fazer

GROUPS
isto em casa. Não me canso de dizer-lhe que não é bonito e que se ela fizer
isto em casa tem que parar de brincar.
Jean (alegremente).' Eu mamei na mamadeira também.
Mãe (olhando completamente abismada): O quê? Uma mamadeira!
Jean: Sim. Aqui eu posso.
COMENTÁRIOS

Jean foi trazida à clínica por causa de seus medos e ansiedades de ser
levada embora de sua casa ou de ser deixada pala mãe. Esta foi a segunda
visita de Jean à clínica. Na primeira vez, a terapsuta aplicou lhe um “ Stan-
ford-Binet” (L ). No início do teste a mãe ficou na sala junto com a criança.

178
Quando Jean já estava na metade dq teste, a mãe perguntou-lhe se poderia
sair e ficar na sala de espera até que o teste terminasse, lendo uns livros
que ela vira lá. Jean permitiu, que sua mãe a deixasse. A mãe disse que esta
era a primeira vez que Jean tinha^ ficado sozinha com uma pessoa estranha.
Jean terminou o teste, revelando um QI 138. Voltou à clínica três vezes de­
pois disto. No final do teroeiro contato, a mãe disse que Jean mostrava mui­
to progresso e que não pensava sér necessário trazê-la novamente'. Dissé que
Jean agora saía e brincava com as outras crianças da vizinhança é pérmá.
necia longe da mãe muito tempo. Disse também que se certificaram de que
ela estava realmente “ curada” quando, uma tarde, ela foi, sozinha,, jantar
na casa de um vizinho. Noutra tarde, ela foi para a casa de outro .vizinho
lazer a sesta. De acordo com o relatório da mãe, Jean adquirira a mania
de banheiros em tenra idade.

INDEX
Jean contou à terapeuta, durante seu segundo contato, que Sua mãe
tinha-lhe permitido tomar leite na mamadeira de seu irmãozinho e que ti­
nha-lhe prometido uma “bonequinha-que-fazpipi” para o Natal.
Durante os segundo e terceiro contatos, ela passou a maior parte do
tempo brincando com bonecas.
A repetição de palavras e fráses em sua conversa desapareceu durante
a última parte do primeiro contato e quase não era notada no último con­
tato . Sua mãe contou que ela repetia as próprias palavras quando iestava
perturbada cóm qualquer coisa. Progredira neste ponto também, fòra da

BOOKS
clinica.

E D IT H E X P R E S S A SE U S P E N S A M E N T O S E D E SE JO S

CASO DE EDITH — OITO ANOS DE IDADE — TRECHO DO SEXTO


CONTATO

Edith tira a caixa de bonecas de papel e assenta-se defronte à tera­


peuta.
Editta: Eu sei o que vou fazer. Voú brincar de orfanato cóm as bo­

GROUPS
necas. Esta é a Judy e esta outra aqui é a Nancy. “Alô Edith.” Aonde está
Edith? Ah! Esta aqui vai ser eu. Não é’ bonitinha?
Terapeuta: As bonecas são as meninas aqui do orfanato. E você é a
mais bonita daqui.
Edith: Sim. Menino, como sou bonita!
Terapeuta: Você é bonita.
Edith: E esta aqui é Ann. Ann é uma grande fofoqueira. Eu não gosto
dela. (Arranca a cabeçi de Ann.) Oh! Olha o que aconteceu com Ann. Sua
cabeça saiu,
Terapeuta: Você não gosta de Ann porque ela é fofoqueira e, por isso,
arrancou-lhe a cabeça.

ÍÍ79
Edith: Ela é uma pessoa mesquinha. Assenta logo atrás de mim lá na
escola, e me atrapalha o tempo todo, me põe confusa, está sempre me acu­
sando e acaba a professora me pondo de castigo assentada na frente da sala.
Uma vez eu disse que a professora era fedorenta, Ann contou pra ela e a pro­
fessora bateu em mim.
Terapeuta: Você acha que Ann lho causou uma porção de problemas
na escola.
Edith: Ela faz a mesma coisa aqui no orfanato. (Brinca com as bone­
cas. De repente, ilumina-se com uma idéia.) Este é um dia de inspeção. Vêm
aqui um homem e uma mulher procurando uma menininha para adotar.
“ Crianças! Crianças! Fiquem em seus lugares. Está todo mundo aqui? Este
homem e esta mulher querem adotar uma garotinha. Eles querem uma ga­
rotinha de cabelos louros e olhos azuis.”
Terapeuta: Eles querem uma menina que se pareça com Edith.

INDEX
Edith (rindo): Fica só observando. “ Crianças, rápido! A senhora quer
ver vocês todas! Onde está Mary?" “Mary fugiu.” “ Onde está Jean?” (Ela ar­
ranca a perna de Jean.) “Jean está aleijada. Não pode vir. Ela só tem uma
perna.” “Aonde está Betty?” (Pega um lápis e fura os olhos de Beth.) “Beth
não tem olhos. Não pode ver.” “Aonde está Jim?” “Ele afogou-se quando foi
nadar h oje.” Então a mulher olha em volta e vê esta menininha. “Olha,
quem é aquela linda menininha lá?” ‘‘Aquela é Edith.” Alô, garotinha.
Você ó uma boa menininha?” “Sim.” “Você é boazinha na escola.” “ Sim.
sou.” “Você gostaria de ir viver comigo na minha casa, bem longe daqui?”

BOOKS
(Ela empurra as bonecas para longe dela. Atravessa a sala de brinquedos
e pega a mamadeira. Assenta-se defronte à terapeuta.)
Terapeuta: Você gostaria de que alguém adotasse você. Você gostaria
de ir embora para longe daqui.
Edith: Sim. (Suspira.) Os cachorros e os coelhos tomam banho na
água?
Terapeuta: Os cachorros sim.
Edith: Eu li uma estória uma vez, sobre um cavalo que atolou na la­
ma. Você acha que eles lavaram ele?

GROUPS
Terapeuta: Eu suponho que sim.
Edith (bebendo na mamadeira): Os professores estão sempre zangando
com os alunos. Eu odeio a escola.
Terapeuta: Você não gosta de ir à escola porque acha que os profes­
sores são maus para você.
Edith: Não gosto de nada na escola. Você não tem que ir à escola tem?
Você é que é de sorte. É lógico que sou mais de sorte do que os que estão:
no primeiro ano e que agora é que estão começando; Eles ainda têm que
fazer dois anos mais do que eu. (Pega uma outro boneca.) Esta é Sara. Ela

180
é lá do alojamento das meninas também. Ela é que é a favorita. Ela é que
pode lamber todas as panelas.
Terapeuta: Você não gosta que haja uma favorita que está sempre fa­
zendo as coisas melhores.
Edith (arranca a cabeça de Sara): Eu quero ser a favorita.
Terapeuta: Você gostaria de ser a favorita.
Edith: Eu deveria ser a favorita. Estou aqui há máis tempó que as
outras. Nem me lembro de outro lugar, só daqui.
Terapeuta: Você está aqui há mais tempo que as outras. Você acha
que tem mais direito de ser a favorita.
Edith: (sugando a mamadeira): Eu gostaria de ser um bebezinho.
Terapeuta: Você gostaria de ser um bebezinho.
Edith: Ou uma mulher grande como você.:

INDEX
Terapeuta: Um bebezinho ou uma mulher grande como eu, mas não
uma menininha de oito anos.
Edith: Sim. (Longo silêncio. Ela suga a mamadeira com os olhos fe­
chados.) Você me dá uma dessas para eu levar para a cama comigo esta
noite?
Terapeuta: Você gostaria de ter uma mamadeira para levar para a ca­
ma com você, mas não posso dar uma a você, Edith.
Edith: Oh! Eu só possp beber nela aqui, né?

BOOKS
Terapeuta: Sim, aqui você pode brincar de bebê o quanto quiser.
Edith (vái até a prateleira, pega o chocalho, desce para o chão e en­
gatinha): Da da da da da mamãeee... (Deita.se no chão, fecha os olhos e
mama até a hora terminar. Então levanta-se, põe a mamadeira na prate­
leira, sorri para a terapeuta, diz até logo e sai alegremente.)

COMENTÁRIOS

Edith foi encaminhada à ludoterapia por causa de seu mau-humor,


desobediência e atitudes agressivas. Seu problema parecia ser necessidade

GROUPS
de afeto e segurança, coisas que não obtinha na instituição.
Este trecho das brincadeiras da criança revela pensamentos ambicio­
sos. Edith vivia na constante esperança dé que, algum dia, alguém viesse à
instituição adotá-la. (Incidentalmente, três meses após este contato, alguém
adotou-a.)
Neste caso, como em muitos outros, o uso da mamadeira parece
constituir uma fuga, por parte da criança, que regressa à segurança do
mundo infantil. A mamadeira parece exercer fascínio sobre tpdas. as cri­
anças, mais que quaisquer outros objetos da sala de terapia.

181
CONCLUSÕES

Tendo em vista estes exemplos, afigura-se lógico concluir que as cri­

Í
anças extravasam seus sentimentos muito recalcados, quando experimen­
tam a permissividade da hora da terapia. Naturalmente, nem todos os mo.
mentos dentro da sala de brinquedos são impregnados de sentimentos pro­
fundos, mas estes sempre se revelam à medida que á terapia vai progre­
dindo.

Como, a não ser através de seus brinquedos, poderia o pequeno Dic-


kie, dizer a um adulto: “ Não gosto de ser mandado pelos grandes. Eles.
me fazem sentir inseguro e desajustado. Ou eu mando neles também, ou
mo tomo uma criancinha completamente dependente deles. E como não
posso mandar neles, tenho de ser uma criancinha.” Talvez estas afirmações

INDEX
sejam interpretadas pela terapeuta, mas ela não pode interpretá-las ou ge­
neralizá-las para a criança. Ela chega até a criança com os sentimentos
que esta expressa, tal como são expressos. No caso de.Joann, eritretanto, a
terapeuta parece ir além da criança quando diz: "Lá vem aquele homem
de novo.” Uma observação assim poderia ter tolhido Joaan. Por sorte, nes­
te caso, isto não aconteceu.

E Joann, tímida garotinha que era, não poderia falar claramente de


seu ódio para com um intruso em seu mundo. Mas podia vingar-se à von­

BOOKS
tade, no seu pequeno mundo de brinquedos. Podia fazê-lo e destruí-lo de
pois.

Shiela não poderia ter expressado seu ciúme e seu desejo de ser que­
rida, tão vivamente, sem lápis de cor e papel. Necessitava revelar esses
sentimentos de ciúme, abertamente, num lugar onde pudesse vê-los às cla­
ras. Precisou alisar os cabelos ruivos de sua rival, riscá-los todos de preto,
pregar-lhes chicletes e até fazê-la chorar . Por que Shirley poderia
ser feliz, se Shiela não o era? Shiela cuidou disso. Molhou-a! Molhou-a! E
molhou-a!

GROUPS
Algumas vezes a terapeuta tentou saber que espécie de "bicho.papão”
está atormentando a criança. “ Eu sou o fantasma que mora embaixo d’á-,
gua”, diz Sylvia, "Eu sou o fantasma que voa da janela aberta de noite."
Mergulha a mão nas tintas de pintura digital. Tão logo a tinta escorre pe­
lo papel, a forma fantasmagórica espalhà-se pela pintura. Com as tintas
de pintura digital, Sylvia pôde mostrár como aqueles fantasmas apareci­
am em todas as coisas e, uma vez escolhido o símbolo, pôde apagá-los de
voz. -':

Jean tentara superar seu problema durante longo tempo. O incidem


te relatado, parte das notas de seus contatos de ludoterapia, mostra o va­
182
lor do reconhecimento e da aoeitação do brinquedo da criança. Não é bas­
tante que brinquem. Elas fazem isto o tempo todo. As crianças vivem en­
tre a fantasia e a realidade, num verdadeiro vaivém. Jean introduziu ba­
nheiros em seus brinquedos, o que lhe era proibido fazer em casa. É notá­
vel o fato de ter ela imediatamente se dedicado à brincadeira proibida, na
segurança da sala de terapia. Pareceu algo incomum, ela ter chamado a a-
tenção da sua mãe para a brincadeira proibida. Entretanto, ela disse: “ Aqui
eu posso.” O caso de Jean também mostra o valor de esperar até que haja
necessidade de colocar os limites. Se a terapeuta tivesse dito a Jean: “ Quan­
do vamos para a sala de brinquedos temos de ficar lá; se vamos embora,
só podemos voltar na próxima vez”, isto podia ter amedrontado Jean. É
em casos como este que a terapeuta exercita a inteligência e o modo de pro­
ceder. Se esta criança quisesse sair para procurar sua mãe, durante a ses­
são, pois era esta a sua primeira separação da mãe, provavelmente teria si­
do melhor deixá-la ir do que tentar segurá-la pelo rigor dos princípios. A

INDEX
terapeuta deve apreender os valores de cada contato, tendo em vista o an­
tecedente. As necessidades das crianças não são as mesmas. O que é valioso
para uma, pode ser prejudicial para outra. São necessárias flexibilidade,
adaptabilidade e sensibilidade.
O caso de Ernest revela uma criança agitada com emoções e confli­
tos. Ele os supera todos até o fim e assim pode, ao término, dizer hones­
tamente que não tem medo.
Edith usou um meio que representava destruição. Não existem limi­
tações sobre as bonecas de papel. Elas podem ser despedaçadas e, na ver­

BOOKS
dade, freqüentemente o são. Muitas vezes, desenhos de bebês, mães, pais,
escolas, médicos, casas, animais, etc. são preparados de antemão e é permi­
tido às crianças rasgá-los, se este é o desejo delas. A expressão e a liberta­
ção de sentimentos são canalizados para os objetos com os quais elas brin­
cam.

GROUPS

183
INDEX
BOOKS
GROUPS
2 0 . TRECHOS DE REGISTROS DE
TERAPIA EM GRUPO

Os exemplos seguintes servem para ilustrar os vários princípios,


quando aplicados à situação da terapia em grupo.

INDEX
S H A R O N Q U E R T U D O Q U E E S T E J A COM J A N E

Sharon — de cinco anos de idade — quer tudo que esteja com Jane,
só para tomar dela. Jane pega uma boneca, Sharon tenta tomá-la.
Terapeuta: Sharon quer tomar a boneca de Jane. (Sharon concorda;
é exatamente isto que qner. Jane entretanto aferra-se à boneca. Sharon en­
furece-se e dá puxSes na boneca.)
Terapeuta: Sharon está com raiva porque Jane não quer dar-lhe a

BOOKS
boneca.
Sharon (gritando furiosamente): Me dá esta boneca! Me dá a bone­
ca!
Terapeuta: Sharon está com muita raiva. Pensa que se gritar pode
obtê-la por este modo.
Sharon (puxando de novo a boneca e gritando): Vou quebrar ela!
Terapeuta: Você vai quebrá-la, se não puder ficar com ela.
Sharon: Vou mesmo. (Sua raiva, porém, está amainando. Ela então,

GROUPS
já mais calma, começa a afastar-se de Jane e da boneca.)
Jane (com voz convincente): Pode ficar com ela agora. (Sharon pe­
ga a boneca, Jane vai para as tintas de pintura digital. Sharon solta a bo.
neca e vai atrás de Jane.)
Terapeuta: Jane deu-lhe a boneca, mas você agora não a quer mais.
Jane foi pintar, e então você quer pintar também.
O leitor notará que a reflexão que a terapeuta faz dos sentimentos
expressos é preferível à colocação de um limite, quando Sharon ameaça
quebrar a boneca.

S A R A H E E D N A D IZ E M A D E U S

Sarah e Edna eram duas garotinhas de sete anos, da instituição. Já ti­


nham sido vistas várias vezes pela terapeuta, individualmente. Um dia Edna
perguntou se podia trazer Sarah com ela, porque "Sarah vai embora da­
qui e nunca mais vai voltar e nós queremos vir brincar juntas.” A terapeu
ta concordou com a proposta. Sarah deu-lhe dois beijos muito doces. “ São
para você” disse muito timidamente.

O contato seguinte é terapia em grupo, embora haja apenas duas


crianças. Ilustra o valor da interação na situação de grupo e mostra como
à introdução de outra criança pode trazer valiosas expansões de sentimen­

INDEX
tos. Não é comum que membros de um grupo brinquem juntos do modo
como estas duas meninas brincaram, mas, nessa ocasião, elas estavam “ di­
zendo adeus” uma à outra.

A mãe de Sarah tinha vindo vê-la na noite anterior e contara-lhe que


iria levá-la para casa “ em breve” . Sarah transformou este “em breve”' em
“ imediatamente” . A terapeuta não sabia, até algum tempo depois, que esta
era uma velha prática da mãe, cheia de promèssas què nada significavam;
Sarah vivia muito esperançosamente vários dias após cada "promessa” e

BOOKS
então, quando nada acontecia, caía em prantos. Chegou mesmo a “ adoecer”
algumas vezes, acabando por tomar se uma “ criança-problema” . A mãe tor­
nava a visitá-la, fazia as mesmas promessas e tudo continuava na mesma; e
assim, Sarah nunca duvidava da sinceridade de sua mãe. Sempre acredita­
va e esperava ir embora a cada vez que a mãe lhe prometia isto. É desne­
cessário lembrar que Sarah constituía uma “ criança-problema” .

Mesmo que a terapeuta soubesse da verdadeira condição das promes­


sas da mãe, não teria conduzido ò contato de oütra maneira e nem teria
introduzido, através de qualquer técnica diretiva, planos para a reação de

GROUPS
Sarah em relação ao possível desajustamento.

Neste ponto do relato convém dizer que o orfanato em que Sarah


morava era uma instituição moderna e oferecia muitas vantagens às cri­
anças. Entretanto, elas não o aceitavam como um lar. Mesmo sendo bem
tratadas, para uma criança não existe lugar como sua própria casa. Elas
freqüentavam uma escola pública e de vez em quando visitavam as casas
de seus coleguinhas. Isto apenas avivava sua compreensão de que havia
uma “diferença” e parecia agravar seus problemas.

Segue-se o relato de tal contato.

186
Terapeuta (quando Sarah a beijou): Você quer que eu saiba que vo­
cê gosta de mim.
Sarah (assentindo): Eu vou casar com você quando crescer.
Edna: Uma mulher pode casar com outra?
Sarah: Você trouxe as mamadeiras?
Edna (persistente): Uma mulher pode casar com outra? Heim? Pode?
Terapsuta: Você quer saber alguma coisa sobre quem casa. Um ho­
mem e uma mulher podem se casar. Duas mulheres não podem.
Edna: Nem mesmo se uma delas se vestir de homem?
Terapeuta: Nem mesmo se uma delas se vestir de homem.
Edna: Ah! Então eu não vou querer casar não. Eu tenho medo de
homem.

INDEX
Terapeuta: Você tem medo de homem.
Edna: Sim. Vamos brincar com as bonecas. (Ela e Sarah sentam-se
no chão e começam a brincar com as bonecas.)
Sarah: Esse menino e essa menina vão casar. (Coloca-os juntos. Põe
a mãe e o pai juntos. Tira a roupa do pai. Edna dá-lhe o pai e Sarah des­
pe-o.) Olha! Ele é de pau. Ah! O pai de pau. Olha, Edna. Eles já têm um
hebê!
Edna: Põe eles na cama.

BOOKS
Sarah (colocando o pai e a mãe na cama. Coloca o bebê na caminha
e segura a mamadeira em seus lábios.): Pobrezinho! Não tem nada para
comer!
Edna: Dá pro bebezinho um negócio de comer. (Mantém a mamadei-
Ta em ssus lábios ) Agora você vai ficar com a vovó.(Põe o bebezinho num
ônibus e empurra-o em volta da sala.)
Terapeuta: O neném foi embora.
Sarah: Sim.
(Pararam de brincar com as bonecas e Sarah pegou uma das bonecas

GROUPS
grandes. Segurou-a durante pouco tempo. Colo:ou-a de lado e num impul­
so dirigiu-se para as bonecas de papel. Edna senta-se à toa no chão. Após
longo silêncio levanta se, vai até a caixa de brinquedos e pega uma másca­
ra negra. Segura.a longe dela.)
Edna: Eu tenho medo. Olha! Eu tenho medo disso.
Terapeuta: Você tem medo da máscara negra.
Edna: Eu tenho medo d e ...
Terapeuta: Você tem medo de...?
Edna: Alguma coisa. Eu não sei. (Sacode os ombros.)
Terapeuta: Você não sabe do que tem medo.
(Edna retoma as bonecas e recomeça a brincar. Sarah junta-se a
ela.)
Sarah: O bebezinho vai embora outra vez. Aqui vem a mãe correndo.
Onde está o bebê? Onde está o bebê? O bebê está indo embora! (Fala isto
muito dramaticamente. Depois muda o tom de vo z.) O bebê, eu esqueci o
bebê. Deixei ele na cidade. (R i.) Na realidade joguei ele fora.
Edna (com voz agitada): Você jogou o bebê fora? Você é má! (Bate
na boneca m ãs.) Como é que você pode ser tão desgraçada? Jogou o bebê
fora! (Pega a boneca em seu colo e beija-a. Sarah joga o pai no chão.) Por
que fez isto?
Sarah: O pai é mau...
Terapeuta: O pai é mau?
Sarah: Não gosto do pai.

INDEX
Terapeuta: Você não gosta do pai.
Sarah: Não. Não gosto. (Entrega-o a Edna.)
Edna: Não quero ele não. Não gosto dele também não. Joga ele fo ­
ra! (Joga-o atrás de Sarah.)
Terapeuta: Edna também não gosta do pai.
Edna: Vou tirar o bebê do meio dessa gente. Eles não gostam dele.
(Pega-o, juntamente com sua cama, e coloca-o do outro lado da sala. Bebe-
toda a água da mamadeira.) Gosto de mamar. Gosto de ser um bebê.

BOOKS
Terapeuta: Você gostaria de ser um bebê.
Edna: Sim. Eu gostaria.
Sarah: Eu também. (Bebe na mamadeira, sem o bico.) Gosto de be­
ber sem ele. Eu gosto disto aqui. Não vou querer brincar fora daqui. Olha.
Edna, estou bebendo cerveja.
Edna: Oh! Você tá? (R i.)
Sarah: Vou para casa.
Terapeuta: Você vai?
Sarah: Sim, amanhã.
GROUPS
Edna: Para ficar para sempre.
Sarah: Minha mãe vai perguntar hoje ao juiz se posso ir.
Edna: Vou ficar sozinha.
Sarah: Chorei domingo o dia inteiro.
Terapeuta: Você chorou? Você sentiu-se infeliz.
Sarah: Sim. Eu queria ir para casa. Queria ir embora.
Edna: Você é boba de chorar. Eu queria poder ir pra casa.
Terapeuta: Você gostaria de ir para casa também.

188
Edna (para a terapeuta): Sim. Mas você é boazinha. Quando você
lo r, aí então vou querer ir. Deixa eu ir morar com você.
Terapeuta: Você gostaria de ir morar comigo.
Edna: Sim. Posso ir?
Terapjuta: Infelizmente não é possível.

Edna (parecendo muito infeliz): Eu quero.

Terapeuta: Você gostaria. Você fica triste porque não pode.


Edna: Sim. (Pega os soldadinhos de brinquedo e, junto com Sarah,
começa a brincar com eles.)
Sarah: Nenhum desses soldadinhos vai ser morto, né?
Terapeuta: Você não quer que sejam mortos.
Sarah: Não.

INDEX
Edna: Nem eu.
Sarah: Onde está o bebezinho? (Olha em direção ao bebê.)
Terapeuta: Você se preocupa em saber onde está o bebê.
Sarah: Sim. Onde é que ele foi?
Terapeuta: Você quer achar o bebê.
Edna: Oh! O bebê foi embora? Pobrezinho! (Corre, toma-o nos bra­
ços e beija o .) Eu adoro você, nenenzinho. Vou tomar conta de você. Vou

BOOKS
deixar você vir morar comigo.
Terapeuta: Você gosta do bebezinho e deixaria que ele fosse morar
com você, se pudesse.
Edna: Mas não pode. (Suspira.) Você não pode nem me adotar?
Terapeuta: Sei què isto te entristece muito, mas não posso nem ao
:menos ta adotar.
Edna: Eu sei. Você disse que não podia.
Terapeuta: Éu disse que não podia. Eu sei que você gostaria muito

GROUPS
de ir morar comigo ou então com sua mãe, mas...
Edna: Eu não tenho mãe nenhuma. Nunca tive. Nem pai.
Terapeuta: Você nunca teve pai nem mãe.
Sarah (levanta-se com determinação e exclama): Vou embora pra
casa! Vou embora pra casa!
Edna (caindo em prantos): Não vou ficar aqui! Quero ir embora tam-
t>ém.
Terapeuta: Edna está muito infeliz porque você vai para casa e ela
■vai ter que ficar aqui. (Sarah abraça Edna e lhe psde para não chorar.)
Sarah não gosta de ver Edna chorar. Isto faz com que ela fique triste tam­

189
bém. (Sarah começa a chorar também.) Vocês estão tão tristes que estão
ambas chorando.
(As meninas choram. Sarah e Edna se beijam e choram ainda por
uns momentos. Sarah tira sua fita do cabelo e dá para Edna. Esta enxuga
as lágrimas, vai até a terapeuta, pede-lhe para pôr a fita em seus cabelos.
Esta o faz. Edna assenta-se à mesa de pintura e começa a pintar a esmo.
Sarah senta.se defronte dela.)
Sarah: Vou fazer a mesma coisa que você. Vamos brincar.
Edna: Tá. (Pinta o papel de preto. Sarah pinta da mesma maneira.
Edna empurra sua cadeira para trás e espirra tinta em Sarah.)
Sarah (com raiva): Olha o que você fez com meu vestido limpo!

INDEX
Edna: Não me importo. Não me importo. (Empurra a mesa, delibe­
radamente, na direção de Sarah. Esta joga-lhe o resto da água suja de tin­
ta. O tempo termina, porém, isto não é anunciado. Edna pega seu pincel e
avança como se fosse esfaquear Sarah.) Vou te sujar.
Terapeuta: Agora você quer sujar os outros porque alguma água suja
foi espirrada acidentalmente em você. (Edna solta o pincel, atira-se à tera­
peuta e chora amargamente.) Vovê está muito triste porque vocês duas bri­
garam.
Edna: Eu sujei o vestido limpinho dela.

BOOKS
Terapeuta: Você se sente mal porque, sem querer, sujou de tinta o
vestido dela.
Edna: Não queria fazer isto.
Sarah: Você não queria fazer isto, queridinha. Não se sinta tão mal.
(Uma vez mais elas se abraçaram e se beijaram.)
Terapeuta: Agora vocês são amigas novamente.
(As meninas ficaram ali sorrindo uma para a outra, entre lágrimas.
Edna pega a mamadeira e mama. Sarah assenta-se e olha para ela. Ao ve­

GROUPS
rem que o tempo tinha se acabado, saíram de braços dados.)

COMENTÁRIOS

Neste contato nota-se a forma pala qual as crianças rejeitam as bo­


necas “mãe” e “pai” e demonstram piedade pelo pobre bebezinho. Edna
identifica se com o bebê, mamando e expressando o desejo de ser um bebê.
A confissão de Sarah de ter chorado no domingo anterior foi provavelmente
uma percepção de sua parte de que sua mãe realmente não a levaria embo­
ra. Edna tenta prender.se à terapeuta e, quando vê que não o consegue, pa­
rece censurá-la, dizendo à boneca: “Adoro você nenezinho. Vou-tomar conta
de você. Vou deixar você vir comigo.” Quando a terapeuta reflete esse sen­
timento para Edna, acrescenta o “ se você pudesse”, porque não era pernaiti-

190
do a Edna levar a boneca para fora da sala de brinquedos e a terapeuta
esperava, assim, chamar atenção para os elementos que deveriam limitar
suas ações. Se o conseguiu ou não, é duvidoso; se foi bom que procedesse
assim, também o é. Edna tentou despertar pena na terapeuta, dizendo que
ela nunca tivera pai nem mãe, ou talvez isto vá além duma rejeição de
seus pais. A sentença, pronunciada emocionalmente por Sarah, de que ia
embora, levou Edna ao clímax de seus sentimentos.
A terapeuta imagina que o motivo das lágrimas de Sarah tenha sido
representado pelos muitos desapontamentos que tivera.
Uma indicação do conteúdo emocional deste contato está na rapidez j
com que as crianças mudaram de um grau de carinho para violenta raiva.
Estas flutuações emocionais não teriam sido possíveis se as meninas não
tivessem vindo espontaneamente. O leitor verá o novo ímpeto dado à lu- I /t-

INDEX
doterapia através do efeito recíproco da personalidade de uma criança l
para outra. A terapeuta não anunciou o final do tempo por motivos óbvios.
Teria sido prejudicial para ambas as crianças separá-las no ápice da briga,
sem dar-lhes tempo de restaurar a harmonia. É interessante a volta de Edna
à mamadeira depois da briga.

R IC H A R D , J A C K E P H I L I P E N C O R A J A M -SE M U T U A M E N T E

Outro exemplo de terapia em grupo é incluído para mostrar como

BOOKS
as crianças, na situação de grupo, ganham coragem para fazer coisas que
ordinariamente relutam em fazer.
Richard, Jack e Philip estão entre oito e nove anos de idade. São da
rhesma escola, estão na mesma série e são bons amigos. A terapeuta viu-os
individualmente por várias semanas antes que eles próprios solicitassem
o contato em grupo. Seus problemas são semelhantes — enurese noturna,
negativismo, inadaptação escolar. Richard chegou primeiro. Enquanto es-
Iperava pelo3 outros, pagou o jogo de damas e pediu à terapeuta que jo ­
gasse uma partida com ele. Ela o fez. Durante o jogo, Richard falouJhe
da escola e dos brinquedos do recreio; parecia muito calmo e relaxado.

GROUPS
Depois chegou Jack e assentou-se à mesa.
Jack: Onde está a mamadeira? (Procura e pega uma.)
Richard: Me dá uma. (Jack estende-lhe uma.)
Jack: Anda logo com esse jogo. (O jogo terminou tão rapidamente
qnanto possível.)
Jack (assenta-se defronte à terapeuta e empurra Richard da cadeira):
Me deixa jogar.
Terapeuta: Você quer jogar uma partida de damas como Richard fez.
Jack (rindo): Sim, eu também. Joga rápido comigo uma partida.
Terapeuta: Você quer que eu jogue com você.
Jack: Quero. Vamos. (Arruma as pedras.)

191
Richard: Ele quer que você jogue com ele só porque você jogou co­
migo.
Jack: É sim. Você queria jogar com ela, não queria?
Richard: E por isto você quer fazer a mesma coisa.
Jack: Eu gosto de fazer a mesma coisa que você. Sou ciumento. (R i.)
Richard: Você tem ciúmes. Tá certo. (R i.) Eu também tenho.
(A tsrapeuta joga uma partida com Jack e encurta-a o máximo pos­
sível. Richard e Jack, durante o jogo, fizeram comentários sobre um certo
acorítóoimsnto. A terapsuta não pôde tomar notas por causa do jogo de
damas, mas, certamente, fez uma acurada avaliação dos motivos de um
e de outro. Finalmente, lá pelo meio da partida, Richard foi para o chão
e começou a engatinhar.)

INDEX
Richard: Eu é bebê. (Falando como um bebê.)
(Jack levanta-se, deixa o jogo por acabar, desce ao chão, engatinha
atrás de Richard e mama. Philip chegou, pegou uma mamadeira também.
Os três meninos passaram o resto do tempo engatinhando no chão, falando
como bebês e finalmente começaram a jogar água uns nos outros. Riram muito
e passaram uma hora divertida. Ao término do tempo, Richard despediu-se
da terapeuta e saiu. Philip e Jáck entornaram no chão o resto da águá de
suas mamadeiras e correram. Jack voltou, pegou o pano de chão, limpou a
água e foi embora todo risonho.)

BOOKS
COMENTÁRIOS

Este exemplo mostra o sugestivo elemento que está presente, às ve­


zes, na terapia de grupo. Um garoto quer fazer alguma coisa por­
que o outro a fez. Destes três garotos, somente Jack teve primeiro
a coragem de entornar água no chão. A similaridade de seus problemas
deve ter causado a similaridade de suas reações na sala de brinquedos.

Como foi dito no Capítulo 3, o jogo de damas não é da melhor es­

GROUPS
pécie de material para servir como meio de expressão infantil. Este con­
tato, entretanto, mostra as possibilidades que até mssmo este tipo de brin­
quedo pode ter, quando a permissividade e a liberdade no relacionamento
terapêutico são estabelecidas. Uma das desvantageis desse jogo, quando
usado na terapia em grupo, é a possibilidade da terapeuta ficar presa ao jogo
com um indivíduo somente e, conseqüentemente, centralizar a terapia em
apenas uma criança no grupo.
21. REGISTRO COMPLETO E AVALIAÇÃO

INDEX
DE UMA TERAPIA EM GRUPO

O que se segue é uma anotação de oito contatos terapêuticos com


um grupo de criançasproblema, que estavam temporariamente na mesma
instituição, durante o verão. Havia quinze crianças nesta casa, com idades
variando entre três meses e dezesseis anos. Estes contatos foram combi­
nados para experiência, com o consentimento da mãe adotiva e da agên­
cia de bem estar social. Poi arbitrariamente decidido que haveria oito con­

BOOKS
tatos, com a duração de uma hora cada um. Avisou.se aos garotos, antes
da primeira sessão, que eles poderiam vir uma hora por semana, durante
um período de oito semanas. Era necessário que a terapeuta íosse buscar
e levar os garotos em casa, em ssu carro, por causa da distância da casa'
à clínica e também por suas idades e condições físicas.

Havia cinco garotos no primeiro contato. Timmy e Bobby, nós já


os encontramos antes, no Capítulo 1. Eram irmãos, de oito e sete anos
respectivamente. Saul tinha sete anos. Buddy, que era quase totalmente

GROUPS
cego, tinha nove. Ernest foi um membro temporário do grupo. Tinha tido
ludoterapia com esta terapeuta o ano inteiro. No dia anterior a este con­
tato, tinha se submetido a uma dilatação da garganta, no hospital. Estava
esperando que sua mãe viesse à cidade buscálo para levá-lo para casa e,
antes que ela viesse, havia pedido um encontro a mais com a terapeuta.
( 1 ).

Timmy e Bobby eram descritos pela mãe adotiva como “brigões, ba­
rulhentos, desobedientes, chorões, enuréticos, mal-humorados e sempre
mal-dispostos. Tinham sido deixados na casa adotiva seis meses antes

(1 ) — P a ra o contato com Erncst, um d ia antes da h os p ita liza çã o, v e r pá g. 167. P a r a o


caso com p leto, capitu lo 23.

193
desses contatos, devido à separação de seus pais. A mãe morava numa pe­
quena cidade, cerca de cinquenta milhas distante do lugar onde os garotos
estavam "hospedados” e os vinha visitar a intervalos muito irregulares. O
pai nunca viera vê-los.

Saul tinha sete anos. De acordo com a mãe adotiva era “ quieto, pen­
sativo e dado a crises de mau-humor.” Contou também que ela não pensava
que ele estivesse lá “ para sempre” e que ele era “insuportável e irrespon­
sável e parecia não entender o que lhe mandavam fazer. ” A mãe de Saul es.
tava no hospital público para doentes mentais. Seu pai morava numa ci­
dade a mais ou menos cem milhas de distância da casa adotiva, mas visi­
tava Saul pelo menos uma vez por mês e levou-o para passar as férias com
os avós. Era pequeno para sua idade, muito magro e pálido. Nunca brin­
cava com as outras crianças da casa. Sentava-se durante muito tempo com
a cabeça entre as mãos e, sempre que as outras crianças vinham incomodá-

INDEX
lo, chorava ou cuspia nelas. Tinha passado de um lar adotivo para outro
durante vários anos.

Buddy não tinha conhecido os pais. Era uma criança rejeitada, que
morara em lares adotivos durante toda a sua vida. No inverno, morou nu­
ma escola pública para cegos. Foi descrito como “barulhento o bastante
para enlouquecer qualquer um, incapaz de dizer qualquer coisa, a não ser
berrando a plenos pulmões.” Parecia bastante feliz, mas continuamente
irritava as outras crianças, deixando-as nervosíssimas, porque dava, subi­

BOOKS
tamente, berros altíssimos. Sua quase cegueira fazia-o desajeitado e esta­
va sempre derrubando coisas, tropeçando e quebrando os brinquedos dos
outros, deixando tudo cair, sendo um verdadeiro perigo quando perto dos
bebezinhos. A mãe adotiva repetiu diversas vezes, durante a entrevista:
“ Não há ninguém que aguente Buddy. Ê pior do que uma bomba, explo­
dindo a toda hora.”

Os meninos foram avisados pela terapeuta de que não tinham de


ir para a sala de brinquedos quando ela os chamasse, a não ser que quises­
sem ir. Eles apuparam a idéia de que não precisariam vir todas as sema­

GROUPS
nas. O que se segue é um relato completo das oito ssssões terapêuticas.

PRIMEIRO CONTATO

Terapeuta: Vocês podem brincar aqui durante uma hora. Podem


brincar do jeito que quiserem com os brinquedos; só não podem quebrá-
los nem danificar a sala. (Os cinco meninos entraram na sala e fizeram
uma rápida inspeção no equipamento.)
Timmy: Metralhadoras! Metralhadoras! (Ele faz barulho de metra*
lhadoras.)

.194
Buddy: Oh, menino! Revólveres! Onde está o revólver? Menino, eu
vou dar um tiro nesse... (Timmy dá o revólver a Buddy. Buddy faz um
barulho de metralhadora.)
Ernest: Eu vou pintar um quadro. (Vai até a mesa de pintar e pinta
um pedaço de papjl de amarelo, verde e azul.) Este é um arco-íris. Tem
alguma coisa preta no arco-íris?
Saul: Um arco-íris preto! Sim. Põe preto nele.
Ernest: Eu não acho que tem preto nele não.
Saul: Olha esses negócios aqui! (Ele tem nas mãos uma caixa de sol­
dadinhos e bichinhos.)
Buddy (apalpando a mobília): Eu vou brincar com isto, seja lá o que
íor.
Terap3Uta: Você não consegue dizer o que é isto.

INDEX
Buddy: Eu posso adivinhar.
Timmy (que estava reorganizando a casa de bonecas): Estou arran­
jando o lugar, Buddy.
Buddy (psgando a geladeira): Aqui está uma barra de sabão. (Os ou­
tros riem, Buddy ri também.) Sei o que estou dizendo. Isto aqui é uma
barra de sabão.
Timmy: Eu vou arrumar esta casa.
Saul: Eu vou ... (Senta-se no chão, enfia a cabeça entre os braços.
Os outros apenas o olham e voltam a seus brinquedos.)

BOOKS
Bobby: Eu vou pegar todos estes caminhões e vou brincar com eles.
(Buddy se encaminhara para a caixa de blocos de armar e começara
a apalpá-los, tentando identificá los. Ernest ainda está pintando seu arco-
íris. Buddy pega uma comprida tábua e fica dançando com ela. Esbarra
em Timmy que está arrumando a casa.)
Timmy: Não faz isto, Buddy. Você me esbarrou.
Buddy (rindo): Eu te esbarrei? Aquilo era você, Timmy?
Timmy: Aquilo era eu sim.

GROUPS
(Buddy joga a tábua de volta na caixa. Bobby enfileirou todos os
tanques de guerra. Saul pega o canhão de brinquedo e atira ao acaso.)
Ernest (psgando a boneca-bebê): Eu sou mãe deste bebê. Ninguém
toque nele.
Buddy (esbarrando nele acidental nente, pegando outra boneca e co.
meçando a apalpá-la): E.te é um bebê também. É um bebê grandão.
Bobby (tendo enfileirado os tanques, começa a esbarrar a ambulân­
cia neles, gritando): Bang! Acidente! Acidente! Alguém machucou aqui.
Timmy (pegando um revólver): Vou dar um tiro em você, Bobby.
Bobby: Eu atropslo você com a minha ambulância.

195
Timmy: Bang! Bang!
(Timmy abandona o revólver e volta a brincar com a casinha de bo­
necas. Buddy e Saul começam a colorir. Timmy deixa a casa e começa a
pintar. Bobby dá uma olhada na argila, mas retoma aos tanques de guer­
ra. Pega o revólver e atira em seu irmão Tim m y.) ,
Terapeuta: Você atirou até em Timmy. (Bobby sorri e continua com
estanques.)
Timmy: De que cor é uma casa? Com o que é que uma casa parece?
(Volta-se para a terapeuta.) Com o que é que minha casa parece? De que
cor ela é? Digo minha casa de verdade.
Terapeuta: Você não consegue lembrar com o que é que a sua pró­
pria casa se parece.
Timmy: Não, você sabe?
Terapeuta: A casa de Mamãe R. é cinzenta.
Ernest: A casa de Mamãe R. é suja. (Faz uma careta.)

INDEX
Terapeuta: Você não gosta de que a casa seja suja.
Ernest: É uma bagunça.
Terapeuta: Você não gosta de que ela seja uma bagunça.
Ernest (pega a boneca-bebê novamente, pega a mamadeira e mama):
Olha, companheiros! (Os meninos param o que estão fazendo e voltam-se
para olhar Ernest, pasmados.) A gente pode fazsr isto aqui. Vocês podem
brincaT de bebê aqui. Podem brincar de qualquer coisa que quiserem aqui.
Agora vou brincar de bebê.

BOOKS
Terapeuta: Às vezes, você gosta de brincar de bebê.
Ernest (indo até o martelo, dá umas marteladas nas beiradas da
caixa de blocos. Pega a ambulância e empurra-a impetuosamente; observa
Saul, que tinha achado a caixa de bonecas. Saul pega a boneca-pai): Este
é o pai. (Saul joga-o de volta à caixa.)
Terapeuta: Você não gosta do pai. (Isso é adiantar-sa muito a Saul.
É também muito interpretativo para merecer confiança. “Você não quer
a boneca-pai” teria sido uma resposta melhor. Entretanto, ela foi aceita
por Saul.)

GROUPS
Saul (concordando): Não. Onde está a mãe?
Ernest: Olha aqui a mãe.
Saul (abraçando a boneca-mãe): Pobre mãe! (Suspira profundamente
e põe a boneca-mãe em uma cadeira, na casinha de bonecas.)
Terapeuta: Você gosta da mãe mas se sents triste com ela. (Isto
também é muito interpretativo.) (Saul põe a cabeça entre as mãos.) Isto
faz você esconder seu rosto.
(Isto ó interpretativo, provavelmente devido ao fato da mão adotiva

193
ter relatado a freqüência desta atitude em Saul. A terapeuta está tentando
explicar isto a Saul. É umâ violação dos princípios básicos .“Você se sente
como se escondesse seu rosto”, teria sido a resposta mais objetiva, mais
útil e aceitável.)
Bobby (pegando uma mamadeira e dando-a a Em est): Tá aqui a ma­
madeira.
Emest (pega-a, mama,- chora como um bebezinho, mama como um
bebê; então arranca o bico e torna a beber): Vou beber assim. É mais in­
teressante. Não sou um bebê.
Terapeuta: É mais interessante agir como se você fosse gente gran­
de do que agir como um bebê.
Emest: Às vezes.
Terapeuta: Às vezes.
(Bobby, Saul, Timmy e Emest começam a desenhar com os lápis de
cor. Buddy encontra as tintas e está hesitante com as jarras.)

INDEX
Buddy: Isto aqui é tinta? Posso pintar? Nunca pintei. Vou pintar.
Terapeuta (ajeitando o papel para ele): Agora você pode pintar.
(Buddy ri divertido, pinta grandes listas no papel, começando com à pri­
meira jarra de tinta à esquerda e indo de jarra em jarra.)
Buddy: Eu estou pintando.
Timmy (para Buddy e a terapeuta): A casa que eu pintei era preta
e vermelha. Quando secar, vou pôr janelas e portas pretas nela. (Pega o
martelo e os pregos e martela com toda a força, então èngatinha até a casa

BOOKS
de bonecas novamente.) Vou brincar com a casinha novamente. (Engati­
nha, pega uma mamadeira, engatinha em direção à terapeuta e entrega-
lhe a mamadeira.) Aqui. Põe o bico nela pra mim. (A terapeuta o fa z .)
(Timmy engatinha de volta à casinha de bonecas, segurando a mama­
deira, e começa a brincar com a casa. Saul começa a desenhar uma casa.
Ele faz a casa toda preta. Acaba pegando uma mamadeira também.)
Saul: Quero ser um bebê.
Terapeuta: Você gostaria de ser um bebê. (Saul suga a mamadeira.)

GROUPS
Buddy (acaba seu desenho e depois, apalpando o caminho até o canto
da sala, vai até onde está o martelo): Eu quero o martelo. Onde está ele?
(Timmy entrega-o a Buddy e empurra a prancheta para » frente dele.)
Timmy: Cuidado para não martelar os dedos.
Buddy: Não tem perigo, não. (Ri e começa a martelar.)
(Se a terapeuta tivesse observado neste ponto: “Timmy não quer que
você machuque seus dedos” talvez os outros meninos adotassem uma ati­
tude protetora para com Buddy, procurando parecer simpáticos à terapeu­
ta .)

197
Tlmmy (agora na mesa de argila): Vou fazer uma tartaruga.
Ernest: Seria bom se a gente pudesse levar estas coisas pra casa.
(Emest era familiarizado com as limitações sobre remoção de mate­
rial da sala de brinquedos. É digno de nota como parece estar estruturan­
do a sessão de ludoterapia para os outros meninos. Primeiro demonstrou o
uso das mamadeiras. Agora parece estar pedindo à terapeuta que explique
uma das limitações para o grupo. Entretanto, dessa vez, a terapeuta não
interpreta.)
Terapeuta: Você gostaria de levá-los para casa mas todos os brinque,
dos têm que ficar aqui porque as outras crianças os usam também.
Emest: Se a gente levar eles não vai sôbrar nenhum pra elas.
Terapeuta: Não vai sobrar nenhum pra elas.
Emest (martela a prancheta, fazendo manha): Eu quero levá-los pra

INDEX
casa.
Terapeuta: Você ainda quer levá-los pra casa embora saiba que não
pode. Isto faz você ficar com raiva.
Emest: Eu vou quebrá-los.
Terapeuta: Você ainda gostaria de quebrálos porque não pode levá-
los para casa.
Timmy: É contra as regras quebrar as coisas. Nós podemos voltar
aqui toda semana, de qualquer modo, mas não haveria nada pra brincar,

BOOKS
se a gente quebrasse os brinquedos.
(Talvez fosse por isso que Emest tivesse ameaçado quebrar os brin­
quedos. Ele sabia que aquela era sua última sessão de terapia.)
Emest (encara a terapeuta, depois sorri): Está bem. Nós vamos fa­
zer uma brincadeira aqui hoje, tá?
Bobby e Timmy: Tá!
(Ernest peja uma metralhadora. Timmy pega a outra metralhadora
e Bobby pega o revólver. Fazem barulho de tiros. )

lha. GROUPS
Emest: Limpem a sala. Guardem os lápis. Nós vamos ter uma bata­

Bobby (apartando o revólver nas costas de Timmy): Bang! Euferi


Timmy.
Buddy (na mesa de pintura): Isso é vermelho? Eu quero o vermelho,
onde está?
Terapeuta (dando-lhe o vidro de tinta vermelha): Este é o vermelho.
(Buddy ri e faz listas largas sobre o papel. Os outros meninos olham
para ele. Bobby pega todos os revólveres, Timmy bate com um martelo.
Saul vai para um canto, pega alguns soldados, arruma-os em duas fileiras.

198
e constrói com os blocos uma parede em volta deles.)
Buddy: Eu fiz uma bandeira. Uma bandeira vermelha!
TLmmy (pegando a mamadeira outra vez): Olha aqui, Bobby. Você
agora brinca comigo. Você vai ser o pai.
Bobby: Eu sou o bebê.
Timmy: Você vai ser o pai.
Bobby: Se eu for brincar eu vou ser o bebê.
Timmy: Tá bem. Vá pra cama.
Bobby: Onde está a cama?
Tiinniy: Aqui no chão.
Bobby: Que inferno! Está bem. (Ele deita no chão. Timmy lhe dá
a mamadeira para beber. A ájpia espirra em Bobby e ele xinga Tim m y.)

INDEX
Bobby: Você me molhou! (Timmy apanha a boneca-bebê, enrola-a no
cobertor.)
Ernest (com o canhão): Agora eu vou atirar em D. X . .. (Ele ri e fin­
ge atirar na terapeuta.)
Terapeuta: Você gostaria de atirar em mim.
Tinimy: Vou brincar com o palhaço e vou fazer o bebê rir — ou pe­
lo menos parar de chorar.
Terapeuta: Você não gosta que o bebê chore.

BOOKS
Ernest (para a terapeuta): Bang! Bang!
Saul (apontando para os soldados): Eles não podem sair.
Terapeuta: Eles estão presos.
Ernest (atirando na terapeuta): Bang! Bang!
Terapeuta: Você não gosta que eu converse com os outros meninos.
(Esta foi uma interpretação, baseada nas atitudes de Ernest, mas
mesmo assim uma interpretação.)
Ernest: Não. Bang! Bang! (Atira em cada garoto.) Bang! Bang!
Bang!
GROUPS
Terapeuta: Você quer atirar em todos nós.
Ernest: Eu vou levar este revólver para casa e atirar em mamãe R.
também.
Terapeuta: Você quer atirar em Mamãe R., também.
Ernest: Pode ter a certeza de que vou fazer isto, e também em Bob­
by, Saul, Timmy e Buddy. Bang! Bang! Bang! Bang!
Buddy (lambuzando tudo com a tinta): Atire em mim também.
Ernest: Eu atirei em você.

199
Terapeuta: Só fâltam cinco mtóutos, meninos.
Emest: Bang! Bang! Bang!
Terapeuta: Você quer atirar em todo mundo.
Emest: Crianças, limpem esta sala.
Terapeuta: Você gosta de mandar neles.
Ernest: Bang! Bang!
Timmy (agarrando um revólver): Bang!
Bobby (pegando um revólver e apontando para os garotos): Peguei
vocês todos!
(Os garotos soltam seus revólveres e levantam as mãos — todos, ex­
ceto Emest. Este pega uma pequena metralhadora e fixa-a no trinco da
porta.)
Emest: Ninguém mais pode entrar aqui agora. Se entrar, dou tiro.

INDEX
Terapeuta: Você não quer que ninguém mais venha aqui, quando vo­
cê for para casa.
(Novamente a terapeuta adianta-se a Ernest e interpreta.)
Emest: Não. Vou atirar neles se entrarem aqui.
Bobby: Vamos fingir que somos japoneses. Pronto. Já! Manda fogo!
(Sons de tiroteio.)
Saul: Quero limpar a sala. (Saul e Bobby começam a ajuntar os brin­
quedos. Timmy ainda está na casinha de bonecas. Buddy ainda está pin­

BOOKS
tando .)
Bobby: Todo mundo vai limpar isso aqui.
Emest (olhando para o corredor): Se aquele homem chegar aqui de
novo e olhar, dou um tiro nele. (O homem volta e Emest abre fogo.)
Bobby (pegando a mamadeira): Semana que vem, quero beber uma
garrafa cheia d'água. Semana que vem vou ser um bebezinho.
Timmy: Semana que vem, vou ser um bebê também.
Saul (olhando para a casa de bonecas): Onde está a mãe?
Timmy: Está aqui. (Joga a boneca-mãe para Saul. Este a põe numa

GROUPS
cadeira da casa de bonecas.)
Saul: Você pode ficar aqui, mãe.
Terapeuta: Você quer que a mãe esteja bem confortável.
Ernest: Não. Eu não me importo com o que aconteça a ela.
Terapeuta: Você está com raiva de sua mãe.
(Interpretando novamente, a terapeuta vai além do sentimento ex­
presso .)
Ernest: Eu vou... estou indo pra casa... cedo.
Terapsuta: E você não quer ir.
(A terapeuta certamente não estava refletindo o sentimento com esta

200
resposta. Estava completando a frase para ele, indo além do que a criança
expressava.) •
; Ernest: Não. Sim. Lá tem cavalo, vaca e meu cachorrinho.
Terapeuta: Você não quer ir embora daqui, mas quer ir para casa, vi­
ver na fazenda e ter todos esses animais para cuidar.
Ernest: Sim. (Olha-a fixamente.) Lá deve ser melhor do que aqui.
Terapeuta: Deve ser bem mais interessante.
O tempo terminou, a terapeuta levou o grupo de volta para a casa
adotiva.

COMENTÁRIOS

Uma análise das respostas da terapeuta serve para ilustrar vários


pontos. Das trinta e três respostas dadas, vinte dèlas foram dirigidas a Er­

INDEX
nest, seis a Saul, três a Timmy e Buddy, enquanto Bobby recebeu somen.
te uma resposta. Esta é uma distribuição muito desigual. Muitas das res­
postas da terapeuta, no primeiro contato, são interpretativas e adiantam-se
aos sentimentos que os garotos expressam. O comportamento de Saul na
sala de ludoterapia é interessante, quando comparado com o comportamen­
to relatado por sua mãe adotiva. Não há relutância alguma de sua parte,
na sala de brinquedos. Saul também não coloca resistência aos outros
membros do grupo. ,
O comportamento de Buddy é também interessante. O fato de se co­

BOOKS
locar um garoto com deficiência física, num grupo que não apresentava de­
ficiência semelhante, foi feito. em caráter experimental. Isto não pareceu
ter qualquer influência negativa. Buddy parece ter ficado encantado ao ser
aceito como um membro do grupo. Seu prazer em pintar é evidente. Ele
foi o único garoto que não mamou na mamadeira.
Timmy e Bobby eram irmãos, e isso suscita uma pergunta: seria re­
comendável ter irmãos ou irmãs num mesmo grupo? O primeiro contato
dá a entender que há uma rivalidade entre eles. Essa rivalidade poderia
ser resolvida numa terapia de grupo?

GROUPS
Ernest monopolizou a hora da sessão de terapia. Seu comportamen­
to parece ter sido o resultado de um sentimento de ciúme, o qual se reve­
lou porque ele tinha que dividir a terapeuta e porque esta era sua última
sessão, e ele sabia que os outros garotos viriam ali por mais oito semanas.
Entretanto, Ernest pareceu capaz de aceitar isto e o fato parece não tê.lo
perturbado muito.
Uma análise das atividades lúdicas mostra que os garotos apresen­
taram reações contra suas casas e seus pais, desejo de serem bebês e agres­
sividade em suas brincadeiras. O fato de que os garotos desenhavam e co­
loriam casas de preto indica seus sentimentos em relação às mesmas. Em­

201
bora isso seja apenas uma especulação por parte da terapeuta, um estudo
dos trabalhos artísticos feitos pelas crianças durante as sessões de ludote-
rapia parece sustentar a teoria de que as cores usadas por elas em seus
desenhos e pinturas têm um significado. Até agora, entretanto, não há da­
dos suficientes que comprovem a teoria.

SEGUNDO CONTATO

Os quatro garotos entram na sala, impacientes. Buddy vai até a casi­


nha. Começa a apalpar cada peça, nomeando-as. Saul, Timmy e Bobby
vão até a janela, onde as mamadeiras (cheias de água) estão colocadas.
Timmy: Oh! Olha! Mamadeiras de bebê. Podemos brincar de bebê.
Terapeuta: Você gostaria de brincar de bebê.

INDEX
Saul: Sim. Eu sou o bebê (Para Tim m y.) Você vai ser a mãe.
Bobby: Eu sou bebê também.
Timmy: Tá. Eu vou ser a mãe.
Saul e Bobby (chorando como bebezinhos): Quero minha mamadei­
ra. Quero minha mamadeira.
Timmy (estendendo as mamadeiras para Bobby e Saul): Aqui, ne­
ném. Um linda mamadeira.
(Saul e Boby deitam no chão, balbuciando e agindo como bebês.

BOOKS
Timmy permanece à mesa, espreme a água da mamadeira numa xícara e
bebe.)
Bobby (pegando a família de bonecas): Vou brincar com isto e ma­
mar também.
(Timmy pede à terapeuta para colocar o bico em uma garrafa para
ele. Ela o fa z.)
Timmy (deitando-se no chão e mamando): Vou ser um bebê.
Terapeuta: Você gostaria de ser bebê novamente.

GROUPS
Bobby: Olha. (Para a terapeuta.) Ele é um bebê de oito anos de ida­
de. Eu sou um bebê de sete anos. (Timmy e Bobby ficam no chão, perfei­
tamente relaxados, mamando.)
Saul (gritando no telefone de brinquedo): Vou telefonar para o pa­
pai. Alô! Alô! Alô! Hum, ninguém responde.
Terapeuta: Seu papai não responde a você.
Saul (tristemente): Não. Ele nunca me responde. Já tem uns vinte
anos que não vejo ele.
Terapeuta: Você gostaria de ver seu papai.
Saul: E minha mãe. Pobre mamãe. Ela está no hospital há quinze
anos.

202
Terapeuta: Você sente falta de sua mãe também.
Saul (rolando e agarrando a mamadeira, grita): Mamãe! Mamãe!
Quero minha mamãe.
Terapeuta: Você quer sua mamãe. Você sente íalta dela.
Saul: Ela está doente. Está num hospital.
Terapeuta: Você fica preocupado porque ela está doente no hospital.
Buddy (repantinamente, num tom de voz muito alto): Você sabe de
uma coisa? Nós fizemos tanto barulho ontem, que ela botou esparadrapo
na boca da gente.
Timmy (vindo até a terapeuta): Sim. Veja a marca. (Mostra à tera­
peuta a marca vermelha em seus lábios, feita pela retirada do esparadra­
p o .) .

INDEX
Terapeuta: Vocês não gostaram de que ela pusesse esparadrapo em
suas bocas, por causa do barulho que fizeram.
(O leitor notará a ausência de qualquer pergunta para determinar
quem é "ela” .)
Buddy: Não!
Saul: Nós podemos fazer barulho aqui e ninguém vai tampar a boca
da gente.
Terapeuta: Vocês podem fazer todo o barulho que quiserem aqui, e

BOOKS
ninguém vai tampar a boca de vocês. (A seguir, os quatro gritam a plenos
pulmões, enquanto observam a terapeuta.)
Timmy (desconfiado): Você não é surda, é?
Terapeuta: Você quer saber se eu sou surda, porque não interrompi
o barulho de vocês. Não, eu não sou surda.
(Observação: infelizmente, ninguém mais era surdo nesse edifício! Os
meninos gritaram juntos outra vez e ficaram satisfeitos com os resulta­
dos.)

está morto. GROUPS


Saul: Nós vamos brincar de polícia. Bang! Bang! Bang! Todo mundo

Terapeuta: Você livrou-se de todo mundo.


Buddy (indo até Saul, tateia até encontrar os carrinhos. Tromba uns
nos outros, rindo e gritando): Acidente! Acidenta!
Bobby (pintando um quadro de uma ambulância e pingandn tinta ver­
melha nela): Isto é uma ambulância. Alguém se machucou, olha. Ela está
toda ensanguentada.
Terapeuta: Um acidente, uma ambulância e sangue; alguém se ma­
chucou .
Bobby: Eu sei quem foi.
Terapeuta: Você sabe quem se machucou.
Bobby: Mas não vou contar .
Terapeuta: Você sabe, mas não quer contar .
Thximy: Alguém que eu conheço?
Buddy: Alguém, que eu conheço?
Bobby: Não vou contar.
Terapeuta: Bobby ainda não quer contar quem se machucou.
(Timmy e Saul assentam-se à mesa, despejam água nas xícaras e a to­
mam com colherinhas. Buddy vai até a mesa, procura tateando o bebê no
berço, pega o e dá-lhe a mamadeira, com a ajuda de Tim m y.)
Buddy: Onde está a mamadeira?
Timmy (estendendo uma a Buddy): Aqui. Esta é sua, Buddy.

INDEX
Buddy: Eu sou o pai. (Escorrega a mão pelo braço de Timmy e perce­
be a xícara que este tem nas mãos.) Quê que você está fazsndo?
Timmy: Pondo água nas xícaras.
Buddy: Me dá uma xícara. (Timmy dá-lhe uma xícara: Buddy despe­
ja água nela ssm deixar cair nada fora. Ri encantado.) Eu consigo fazer is.
to também.
Terapeuta: Você gosta de ser capaz de fazer o que Timmy faz.
Timmy: Eu quero pintar. (Timmy pinta, Saul e Bobby assentam-se e

BOOKS
amassam argila.)
Bobby: Eu quero mais água.
Terapeuta: Você gostaria de ter mais água, mas nós não podemos ar­
ranjar agora. Tem uma garrafa cheia para cada um de vocês em cada sessão,
mas não mais.
Timmy: Nós só podemos ter uma garrafa cada um.
(Timmy aceita a limitação.)
Buddy: A gente devia ter mais água aqui, para tornar a encher as gar­
rafas .
GROUPS
Terapeuta: Você gostaria de que tivéssemos mais água. Mas ssrã so­
mente uma garrafa para cada um de cada vez.
Bobby: Eu quero mais água.
Terapsuta: Você gostaria de que as coisas fossem como você quer.
(Bobby esguicha água na terapsuta.) Você está um pouco enraivecido, por­
que não pode ter as coisas como quer. É por isso que me jogou água. Jo­
gue a água no chão ou em você mesmo, mas não em nós.
Bobby (fita a terapeuta, ri, vai à mesa de argila): Tá. Eu vou fazer
uma tartaruga pra mim.

20 '
Buddy (dando uma gargalhada alta): Uma tartaruga precisa de água
também.
(Bobby faz uma tartaruga de argila. Timmy pinta uma estranhíssi­
ma figura, grande, sombria, com pedaços azuis e listas imitando uma gra­
ma verde.)
Timmy: Ólha. Isto aqui é um troço voando no ar com um barbante
nele. Está saindo lá de trás do mato. Ninguém sabe o que é isto. ( Timmy
pinta primeiro em azul claro, depois passa tinta púrpura por cima. Pinta
algumas formas estranhas de branco, até em cima do desenho. Saul obser-
va-o.)
Saul: Isto deve ser uma nuvem.
Buddy: Eu não teria medo de quebrar nada aqui. Devia estar com
medo, mas não estou.
Timmy: Isto não é uma nuvem.

INDEX
Saul: Se é branco, é nuvem. Nada no céu é branco a não ser nuvens.
Buddy (cantando a plenos pulmões): Eu quero um sanduíche.
Todos cantando: Eu quero um sanduíche! Quero um sanduíche!
Buddy (gritando): Eu quero a cabeça de Bobby. (Vai até ele, corre
seus dedos sobre suas faces. Bobby arrepia. Buddy, delicadamente, tampa
os olhos de Bobby.) Quero os olhos de Bobby.
Terapeuta: Você gostaria de ter os olhos como os de Bobby.
Buddy (cantando alto): Bobby no oceano.

BOOKS
Bobby no mar.
Bobby quebrou o litro de leite
E jogou a culpa em mim.
Mamãe contou pro papai,
Papai contou pra mamãe,
Bobby lambeu tudo.
Ra, ra, ra, ra, ra!

nome pelo de Buddy.)GROUPS


(Os meninos todos riram. Bobby repste a música trocando o seu

Buddy (para Bobby): Não tenho medo de jogar tinta em você.


Bobby (p ira Buddy): Assim não! É melhor você não jogar.
Buddy (berrando novamente): Eu não tenho medo de quebrar tudo
aqui.
Terapeuta: Você não tem medo de dizer ou fazer qualquer coisa aqui.
Buddy: Eu não tenho medo!
Terapeuta: Você não tem medo, aqui.

205
Buddy (rindo forçidamente): Aqui.
Terapeuta: Você não tem medo, aqui.
Saul: Nós achamos um cachorrinho ontem. Mamãe R. falou que a
gente podia ficar com ele, se ninguém procurasse ele.
(Buddy bate com a caixa de lápis de cor em Bobby. Este ignora o
fato, Vai até o berço, pega a boneca e abraça-a ternamente. Buddy tenta
tomar a boneca de Bobby e este foge. Buddy pega a caixa de lápis de cor
que estava na mão de Bobby. Bobby larga a boneca no chão e tenta, à for­
ça, reaver os lápis. Buddy deixa-os escapar e volta à mesa de pintura.)
Buddy: Onde está o vermelho? Me mostra o vermelho. (Timmy, que
estava estirado no chão, desenhando um avião, levanta-se e dá 2 tinta ver­
melha a Buddy. Buddy espalha a tinta vermelha no papel.) Vou desenhar
esta casa. Vou pendurar isto na parede. Nunca pintei antes. (Ri às garga­
lhadas .)

INDEX
Terapiuta: Você gosta de pintar e de fazer as coisas que os outros
meninos fazem. Isto faz você feliz.
(Saul está no chão, desenhando um avião e Bobby está brincando de
casinha. Buddy pisa no desenho de Timmy e rasga o .)
Tlmmy: Fora, Buddy. Você rasgou meu desenho.
(Buddy ri. Senta-se no chão e pega a caixa com os tanques de guer_
ra. É estranho como ele já sabe onde está cada uma das coisas e pode achá-
las a seu modo, sem esbarrar em quase nada. Senta-se por lá, apalpa os

BOOKS
carros, empurra-os com violência. Bobby e Timmy brincam com a casinha
de bonecas. Saul, Timmy e Bobby mantêm as mamadeiras com eles duran­
te todo o tempo, poupando um pouco de água. Buddy, tateando, aproxima-
se de Bobby e Tim m y.)
Buddy: Me dá um pouco da mobília. (Pega a caixa de mobília, vai
tirando as peças, apalpando cada uma e perguntando: “ O que é Isso?” “ Isso
é uma mesa?” Parece encantada, quando Bobby, Timmy ou a terapeuta di­
zem que sim. Então, volta às peças dizendo: “ Isso é uma cadeira.” “ Isso ê
uma mesa” . )

alguém tenha de lhe dizer.

çada. )
GROUPS
Terapeuta: Você fica alegre quando sabe o nome das coisas, sem que

Buddy: Nem sempre eles têm que me talar. (Dá uma risadinha for­

Timmy: Quantos minutos ainda faltam?


Terapeuta: Dez minutos mais.
Timmy: Não quero que o tempo acabe.
Terapeuta: Você gostaria de ficar aqui.
(Timmy paga os blocos de armar.)
Buddy (para Bobby, que lhe está dando » mobília, peça por peça):

20 j
Não me dá tanto assim não. Já tenho bastante. É muito e não vou saber o
quê que já tem aqui.
Terapsuta: Se você tem muitas coisas, não consegue lembrar do que
já tem.
Timmy: Vou brincar sozinho. Não vou brincar com mais ninguém.
Terapeuta: Você quer brincar sozinho agora.
(Timmy constrói uma torre com os blocos. Saul acabou de fazer o seu
desenho. Agora, espirra água no mesmo com a mamadeira.)
Saul: Tá chovendo. O céu tá chorando.
(Bobby havia arrumado a casinha de bonecas. Buddy tinha mexido
num dos quartos e derrubado á mobília.)
Bobby: Oh, Buddy!
Buddy (rindo): Bem, conserta ela de novo. (Bobby engatinha afastan­

INDEX
do-se da casinha de bonecas e deixa-se ficar no chão, mamando como um be-
bezinho.)
Bobby: Tem tanto brinquedo aqui, que nem sei com quê que eu vou
brincar.
Terapeuta: Você sempre tem problemas na hora de suas decisões.
Bobby: Quantos minutos mais?
Terapeuta: Mais cinco minutos.
Bobby: Vou fazer tanto barulho aqui, que todo mundo vai pensar que

BOOKS
a cidade inteira tá pegando fogo. (Pega o martelo e a bigorna e bate com to­
das as suas forças. Saul e Timmy estavam fazendo uma terrível batalha de
soldadinhos, gritando, berrando, imitando barulho de metralhadora. Buddy
abre a boca ao máximo e urra.)
Terapeuta: Você quer fazer agora todo o barulho que pode.
Bobby (tirando o bico da mamadeira e acercando-se da terapeuta):
Por favor, põe isto de novo pra mim?
Buddy (martelando no canto da bigorna): Bang! Bang! Bang!
Bobby (para Buddy): Você tá martelando no lugar errado.

GROUPS
Buddy: Não me importo. É do barulho que eu gosto.
(Timmy ajunta duas cadeiras para fazer uma cama, deita-se nela e
mama. Bobby construiu uma cama com os blocos grandes de armar e dei­
ta-se nela como um bebezinho. Buddy pega a boneca-bebê, abraça-a, beija-a
e a p5e de novo na cama. Bobby engatinha pelo chão, pega o cobertor das
bonecas, estende-o no chão e deita por cima.)
Timmy: Mamãe! Mamãe! Eu quero minha mamãe.
Bobby: Eu não sou a mamãe. Sou um bebezinho também. Doutor,
Doutor! Eu estou doente! Oh!
Buddy (imediatamente assumindo a posiçSo do médico): Pronto. A­

207
qui estou eu. (Pega um pedacinho de argila.) Aqui está o remédio. (Ele o
dá a Bobby.)
Bobby (gemenCo): Quero minha mamãe.
Terapeuta: Bobby quer sua mamãe também.
(Buddy pega a jarra de argila e vai andando com ela na cabeça, por
entre o desarrumado quarto de brinquedos.)
Terapeuta (não podia ajudar nesta situação): Tome cuidado!
Buddy (gritando e rindo às gargalhadas): Você tem medo de que eu
caia com isto.
Terapeuta (brandamente): Tenho medo de que você caia com isto.
Buddy: Eu não tenho medo.
Terapeuta: Você não tem medo, mas eu tenho.

INDEX
(Buddy ri alto, mais alto do que antes. Põe a jarra na beirada da mesa.
Timmy aproxima-se dele e empurra a jarra para o meio da mesa, para evitar
qualquer coisa.)
Bobby: O tempo terminou.
Terapeuta (falando baixo): Sim. O tempo terminou.

COMENTÁRIOS

Neste contato, a terapeuta distribuiu suas respostas igualmente pelos

BOOKS
quatro garotos. Novamente Timmy, Saul e Bobby continuaram a brincar de
bebê. Buddy não se associou a eles, também durante este contato.
Buddy tem uma tendência a assumir atitudes mais adultas. É o único
que se oferece para ser o médico, ou anuncia que vai ser o pai.
Durante este contato, os garotos testam as limitações. Buddy e Bobby
têm maior dificuldade para aceitá.las, do que Timmy e Saul. Quando Buddy
anuncia que não tem medo de jogar tinta ou quebrar qualquer coisa na sa­
la, a terapeuta sabiamente escapa da armadilha de repetir as limitações. Em
lugar disso, ela reflete os sentimentos de Buddy, dizendo que ele não tinha
medo de fazer qualquer coisa aqui. Os garotos já estão compreendendo

GROUPS
que a situação ali é diferente. No primeiro contato, Ernest mostrou.lhes is­
to, quando disse: “Você> podem fazer tudo aqui. Vocês aqui podem brinca”
de bebê. Vocês podem brincar de qualquer coisa que quiserem.” Desta vez.
fazem a observação: “ Podemos fazer barulho aqui, que ninguém vai nos
tampar a boca. ” Buddy sente a permissividade da situação e, ainda assi~~
argumenta contra as poucas limitaçõss. “Deveríamos ter mais água aqui, pa­
ra podermos tornar a encher as mamadeiras” , e "Uma tartaruga precisa de
áe;ua também” , ameaçando quebrar as limitações. A terapeuta crê que, re-^
nhecendo os sentimentos dos meninos, ajuda-os a atender às limitações
mais do que se ficasse apenas numa repetição defensiva das mesmas, o que
poderia ser tomado como um desafio.
Outro elemento desse contato que dá o que pensar, é a preocupação

208
dos garotos uns com os outros. A proprietária da casa adotiva disse que ha­
via constante atrito e briga entre eles; disse que Buddy mexia com os ner­
vos dos outros garotos e irritava-os continuamente. Na sala de brinquedos
há uma extraordinária ausência de conflitos. Eles respeitam muito o defeito
físico de Buddy e o ajudam a encontrar os objetos que pede. Ele entra nas
brincadeiras dos outros garotos e estes o aceitam como um dos seus. Na
sala de brinquedos, Saul também age contrariamente ao que foi dito dele.
Participa das brincadeiras, associa se cooperativamente aos outros meninos,
expressa-se livremente.
Um dos fatores mais intrincados do caso de Saul é a atitude expressa
sobre seu pai. O pai de Saul, ao que se sabe, está sempre em contato com
ele. De acordo com as notas sobre Saul, eram boas as relações entre pai e

INDEX
filho. Isso vem demonstrar um possível engano de interpretação. Durante
o primeiro contato, Saul atirou o boneco-pai na caixa de bonecas; a terapeu­
ta comentou: “Você não gosta do pai” e Saul, aparentemente, aceitou isto.
Os sentimentos expressos por Saul em relação à sua mãe são estranhos, con­
siderando o fato de que ele não a via há quatro anos. Durante os primeiros
três anos de sua vida, a mãe já não estava bem de saúde, era dada a convul­
sões e mutismo, num comportamento bastante peculiar. Antes que ela tives­
se sido internada no hospital, tentara matá-lo com um facão, mas fora impe­
dida pelo seu marido. Apesar desse passado, Saul chorava por sua mãe e
parecia pensar muito nela.

BOOKS
Outro ponto alto deste contato é o desejo expresso por Buddy pelos
olhos de Bobby. A isto seguiram-se imediatamente suas declarações agressi­
vas, um ataque de brincadeira a Bobby, o afetuoso tratamento dispensado à
boneca e, finalmente, sua pintura e a frase: “ Vou levar isto para casa. Vou
pendurar isto na parede. Nunca pintei antes.” E, além disso, ssu visível pra­
zer em estar sendo capaz de fazer as mesmas coisas que os outros meninos
faziam. Incidentalmente, a mãe adotiva não parmitira aos meninos colocar
nas paredes de seus quartos nenhuma das pinturas que fizeram. A pintura
de Buddy era bastante reveladora.

GROUPS
Ao final do contato, a terapeuta pergunta se se os freqüentes ataques
de vômito que eram habituais a Bobby e Timmy poderiam ser causados pela
falta de sua mãe. Bobby chora: “ Eu sou um bebê também. Doutor, doutor!
Eu estou doente. Oh!” e mais tarde: "Quero minha mamãe.”
O episódio que concluiu esta sessão demonstra o que pode acontecer,
quando a terapeuta deixa de lado sua conduta como terapeuta e torna-se a-
penas uma pessoa comum. Ela quase perde o controle da situação, quando
grita: "Tenha cuidado!” Buddy, habilmente, reflete os sentimentos expressos
por ela. A advertência feita e a evidente falta de confiança da terapeuta ne­
le, servem-lhe como um desafio. Foi uma sorte que tudo isto ocorresse no
final da sessão. A intervenção calada e útil de Timmy, ajudando Buddy a
colocar a jarra em lugar seguro, foi mais valiosa do que a explosão da tera­
peuta. Mas terapeutas são humanos, também.

209
TERCEIRO CONTATO

Quando a terapeuta foi buscar os garotos para o terceiro contato de


ludoterapia, Timmy estava esperando-a no meio-fio. Os outros precipitaram-
se em direção ao carro. Estavam com Charles. “ Charles pode vir conosco?",
perguntaram. Então Charles, um garoto alto, com cerca de dez anos de ida­
de disse: "Eu gostaria de ir, posso? Veja você, sou o único que fica aqui
quando você leva os outros meninos e Mamãe R. disse que ia pedir para eu
ir também.” A terapeuta concordou em levá-lo.
A mãe adotiva disse que Charles era um menino quieto e reservado,
que ficava abatido e entediado pela casa, a maior parte do tempo; chorava
facilmente e parecia estar sempre confuso.
Após a terapeuta ter concordado em levar Charles, Timmy pediu-lhe
que o deixasse ir até em casa um instante para encontrar sua mãe. Ela ti­

INDEX
nha ido lá visitá-lo uns momentos antes que a terapeuta chegasse.
Quando o grupo entrou na sala de brinquedos, os garotos, com exceçãn
de Buddy, precipitaram-se em direção às mamadeiras e começaram a ma­
mar . Charles pegou o telefone.
Charles: Vou telefonar para minha mãe. Ela trabalha n a ... Eu quero
falar com ela.
Terapeuta: Você gostaria de falar com sua mãe.
Charles: Alô, mamãe. Sou um bebê, mamãe. (Bebe na mamadeira.)
Estou tomando minha mamadeira agora. Seria melhor a senhora vir para

BOOKS
casa.
Terapeuta: Você quer que sua mãe volte para casa e cuide do bebê de­
la.
(Timmy pega as bonequinhas de madeira e fica brincando com elas.
Bobby está pintando uma casa marrom. Buddy está apalpando as novas
mesas, bancos e cavaletes que tinham sido acrescentados à mobília da sala
após a última visita deles. Bobby pusera sua mamadeira na prateleira do
calavete. Buddy, ao apalpar o cavalete, derruba a mamadeira de Bobby e
esta quebra-ss, espalhando cacos de vidro e água por todo o chão. Um bom

GROUPS
pedaço de conversação foi perdido neste ponto, enquanto a terapeuta pega­
va os cacos de vidro e enxugava a água. O rosto de Bobby contraiu-se como
se ele fosse chorar.)
Timmy: Agora Bobby vai chorar.
Terapeuta: Você acha que Bobby vai chorar porque a mamadeira de­
le quebrou.
Bobby: Não, não vou chorar . (Aspira pelo nariz, impedindo que as Iá_
grimas caiam.)
Terapeuta: Você tem vontade de chorar, porém, não vai fazê-lo.
Timmy: Pobre Bobby. Picou sem sua mamadeira. Vou dar um jeito

210
nisso. Vou te ajudar.
Terapeuta: Você quer ajudar Bobby.
(Tímmy puxa os bancos e faz uma cama. Deita Bobby nela, segura a
mamadeira em seus lábios, envolve-o em seus braços, trata-o como se fosse
um bebezinho.)
Terapeuta (para Bobby): Você gosta de ser um bebê. (Bobby concor­
da com um aceno e fecha os olhos. Timmy cobre-o com o cobertor de bebê.
Então, subitamente, com um brilho maldoso nos olhos, Timmy tira o bico da
mamadeira e joga água no rosto de Bobby. Este grita e Tüsamy r i.)
Bobby: Você é mau para mim.
Terapeuta (para Bobby): Você acha que foi maldade enganar você na
brincadeira.
Timmy (ainda rindo): Os bebês têm que tomar banho também. Eu só

INDEX
dei um banho nele.
Bobby (enxugando o rosto com o cobertor): Não foi só eu, não. Mo­
lhou o cobertor também.
Buddy: Tem uma mesa nova aqui agora. E isto é um banco.
Terapeuta: Você descobriu quais são as coisas novas aqui.
Buddy (pulando e gritando): Eu gosto! Eu gosto! Eu gosto!
Terapeuta: Você gosta disto aqui.

BOOKS
(Buddy tenta dar um pouco de água a Bobby, numa das pequenas xíca­
ras. Bobby começa a brincar de bebê novamente. Deita-se no banco e deixa
Buddy levantar sua cabeça e pôr a xícara em ssus lábios. Buddy, acidental­
mente, espirra água no pescoço de Bobby. Este empurra Buddy rudemente
e ele esbarra no cavalete. Buddy vai até o canto da sala, pega uma bonequi-
nha preta, coloca-a dobrada sobre seus joelhos, deitada de costas, e bate-lhe
com uma varinha.)
Buddy: Este é Bobby. Estou surrando ele.
Terapeuta: Você gostaria de castigar Bobby, porque ele empurrou vo­

GROUPS
cê.
Buddy: Sim. (Dá-lhe mais umas palmadas e deixa-a de lado Vai até
a janela, p^ga sua mamadeira, entorna a água numa bacia e, com a ajuda de
Saul, mergulha nela um submarino de brinquedo.)
Buddy (para a terapeuta): Quero mais água.
Terapeuta: Você gostaria de ter mais água, mas não pode arranjar
mais hoje.
Buddy: Eu sei onde é que posso arranjar mais.
Terapeuta: Você sabe onde poderia arranjar mais, porém, da última
vez, dissemos que só haveria uma garrafa para cada um.
Buddy (gritando): Eu quero mais água!

211
Terapeuta: Você pensa que se gritar bem alto poderá obtê-la. '
Buddy: Não tenho medo de ir lá fora e pegar mais.
Terapeuta: Você não tem medo d e .....
Buddy (muito naturalmente): Mas não vou.
Terapeuta: Mas você não vai.
Saul: Vou brincar de guerra.
Bobby <pulando do banco): Eu também vou!
Buddy (derruba outra mamadeira no chão — porém esta não se que­
bra.) Oh! Oh! Quebrei outra!
Terapeuta: Você acha que quebrou outra mamadeira.

INDEX
Buddy: Quebrei?
Terapeuta: Não. (Longa pausa.)
Buddy: Estou alegre de não ter quebrado.
Terapeuta: Você está alegre por não ter quebrado outra.
(Timmy e Charles enchem a casa de bonecas com a família de bone-
quinhas de madeira. Subitamente, tiram todas elas para fora.)
Timmy: Uma tempestade veio e jogou todo mundo para fora da casa.
Terapeuta: Uma tempestade arruinou a casa.

BOOKS
í Timmy (para Charles): Vamos arrumar tudo de novo. Me arranja to­
dos os enfeites. Não vão ficar todos num quarto. Eu gosto da casa toda ar­
rumada e limpa.
í Charles: Vou te ajudar. (Ambos os garotos arrumam a casa muito
bem.)
(Buddy levanta-se e vai para a mesa, apalpando. Nota que há várias
j coisas sobre a mesa, inclusive mamadeiras.)
, Buddy (resmungando): Tem coisas no caminho. (Para a terapeuta):

GROUPS
Tira isto de perto de mim. (A terapeuta o fa z.) Tá tudo longe agora?
Terapeuta: Sim. Não há nada na mesa agora.
! Buddy (resmungando): Eu não quero quebrá-las.
( Terapeuta: Você não gosta de quebrar as coisas, quando esbarra nelas
acidentalmente.
Buddy (rindo): Às vezes não enxergo elas.
Terapeuta: Às vezes você não as enxerga e elas caem. Você não quer
que pensem que faz isto sempre.
! Buddy (começando a desenhar símbolos desconexos e estranhas): Es­
tou desenhando.
Terapeuta: Você gosta de desenhar.
Buddy: Posso desenhar aqui. (Canta a “Ponte de Londres”- Bobby es-

212
tá desenhando, com lápis de cor, no cavalete, aviões lançando bombas. Char­
les ainda está brincando com Timmy na casinha de bonecas, arramando cui­
dadosamente quarto por quarto. Saul está desenhando animais de madeira.
Está perfeitamente relaxado, conversando com Charles e Timmy sobre seu
desenho, os animais e a mobília.) O que você está fazendo, Bobby? (Buddy
está na mesa e Bobby no cavalete.)
Bobby: Estou desenhando.
Buddy: O que que você está desenhando?
Bobby: Um comboio.
Buddy: O quê que eu estou colorindo?
Terapeuta: O que você está fazendo, Buddy?
Buddy: Não sei. Eu não posso ver o que é.

INDEX
Terapeuta: O que você quer que isto seja?
Buddy (sacode cs ombros): Sei lá. Eu só estou pondo uns rabiscos
aqui. Posso levar isso pra casa e pendurar na parede do meu quarto?
Terapeuta: Sim. Você gostaria de pendurar o quadro que fez.
Buddy (rindo): Oh! Sim! Oh! Sim! Eu gostaria.
(Embora todos os meninos tenham olhado para o quadro de Buddy,
não foi feita observação alguma, seja de elogio ou crítica. As cores usadas
por ele foram o preto e o vermelho. Os rabiscos eram pequenos e quadra­

BOOKS
dos.) '
Buddy: Da próxima vez, vou desenhar também.
Terapeuta: É bom vir aqui e desenhar.
Timmy (referindo-se ao quadro de Buddy): Sabe, essas coisas podiam
ser parafusos e porcas.
Buddy (rindo): Ou um esquilo também.
Timmy: Sim. (Volta à casa e empurra cs tanques de guerra em dire­

GROUPS
ção a ela.) Aqui vem um comboio. Aqui tem duas msnininhas vindo para
casa. O pai está com elas. Vamos fingir que vai cair urna tempestade quan­
do está todo mundo em casa. (Este todo mundo são a mãe, a avó, Mamãe
B. e o s meninos.) A tempestade é forte demais e vem de repente. (Ele sopra
a casa e Charles o ajuda.) O pai está voltando pra lá agora. (Lança o pai de
volta à casa. Fala rapidamente.) Está todo mundo na casa agora e a tem­
pestade está ficando cada vez mais forte. (Balança a casa com força.)
Terapeuta: Aquela tempastade terrível está vindo em direção à casa.
Timmy (bate palmas): Vamos fingir que a casa está pegando fogo. E
o fogo está danado de forte. (Enfia suas mãos em cada cômodo e violenta­
mente retira fora a mobília.) Queimou todo mundo e a mobília também.
Queimou eles todos — o pai e a mãe...

213
Saul (que tinha vindo engatinhando e observava a destruição): Nãoí
A mãe não!
Thnmy (olhando-o ferozmente): Sim! A mãe!
Saul (quase chorando): A mãe não!
Terapeuta: Não a mãe de Saul. A mãe de Timmy.
Bobby: Minha mãe também.
Terap?.uta: Ê a mãe de Bobby, mas não a de Saul. (Saul pega a feone.
ca-mãe.)
Timmy (gritando): Você vai se queimar, Saul! Vai se queimar!
Saul (soluçando): Não me importo!
Terapeuta: Saul salvou sua mãe. Ela está salva agora.

INDEX
Timmy: Vem gato. Você pode se salvar. (Timmy salva um gatinho de
brinquedo.)
Charles: O fogo está apagando agora.
Timmy: Não está não! Não está não.
Terapeuta: Charles quer que o fogo se apague, mas Timmy não quer.
(Timjtny pega a casa, vira-a de cabeça para baixo,sacode-a elarga-a.)
Bobby: Foi só o bombeiro que se salvou?
Charles: Pobre homem! Estava bêbado, também. (Charles ajeita uma

BOOKS
das camas e p5e nela uma bonequinha de madeira.) Olha! O homem está em
pá em cima da cama. Ele está com medo do rato.
Terapeuta: O homem está com medo do rato e por isso subiu em cima
de alguma coisa.
Charles: Todo mundo está com medo de alguma coisa. (Charles põe
todos os bonecos de madeira em cima de alguma coisa — mesas, cadeiras,
guarda-roupas, geladeiras, etc.)
Terapeuta: Eles estão todos tentando fugir de coisas de que têm medo.

GROUPS
Bobby (abraçando e beijando a boneaa-bebê): Sou uma mulherzinha
porque eu gosto da boneca-befcê.
Terapeuta: Você gosta de bebês e acha que talvez seja uma mulherzi­
nha por causa disso.
Bobby: Eu queria ainda ser um bebê.
Terapeuta: Você ainda queria ser um bebê.
Timmy: Você pode ser um befcê quando vier aqui. Foi isto que nós fa­
lamos com Mamãe R. Gostamos de vir aqui porque podemos ter dois anos
de idade de novo.
Terapeuta: Vocês gostam de vir aqui e brincar de bebês. ,
Bobby: Gosto daqui. Gostaria de ficar aqui para sempre. (Vai até o
cavalete, pega um lápis amarelo, colore o quadro todo dessa cor, atrapalha-
se um pouco com as tachinhas de fixar o papel e pede ajuda à terapeuta Es.
sa o ajuda. Este fala, referindo-se à sua pintura.) Nuvens, está vendo? O sol
brilhando e as montanhas.
(Reina absoluto silêncio por cinco minutos.)
Bobby (que terminara o desenho nesse momento): Podia tirar o papel
daqui sem ninguém me ajudar, mas não quero estragar ele. Você tira ele
pra mim?
Terapeuta (retirando para ele o papel): Você não quer estragar o qua­
dro bonito.
Bobby: Quero levar ele para o meu quarto. Vou levar ele pra casa.
(Charles ainda está mamando. Pega o martelo e a bigorna e martela
a esmo. Saul pede a Charles para desenhar-lhe umas “bombas” em seu avião.

INDEX
Charles atende-o-prontamente e volta à bigorna, ainda:com a mamadeira.)
Charles: Vou construir uma casa só para mim.
Terapeuta: Você quer construir uma casa só para você.
Timmy (para Chailüs): De que modo você quer ser bebê novamente?
Charles: Vou deitar no chão e dormir.
Terapeuta: Você gostaria de brincar igualzinho a um bebê e até mes­
mo dormir.
Charles (deitando-se no chão e mamando): Vou dormir para sempre.

BOOKS
Terapeuta: Você quer dormir para sempre.
(A calma torna a reinar no ambiente. Timmy desenha aviões. Buddy,
na mesa, continua a fazer seus rabiscos no papel.)
Timmy: Isso é bacana.
Charles (levanta-se de repente e pega o revólver): Quero dar um tiro
em alguém.
Terapeuta: Você gostaria de dar um tiro em alguém.
Charles: Quero atirar em alguém

GROUPS
Saul: Em quem você quer atirar?
Charles: Em quem me faz ir para casa.
Terapeuta: Você não quer ir para casa.
(Silêncio. O sino toca. )
Terapeuta: Mais cinco minutos.
(O grupo ignora a observação. Buddy pega outra folha de papel e co­
meça a apalpar os lápis de cor.)
Charles: Você não tem mais tempo.
Buddy: Claro que tenho. Mais cinco minutos.
Charles (pagando um papel para ele mesmo): Então vou desenhar tam­

215
bém. (Mas não o fa z.)
Buddy: Onde está o preto? Eu quero o preto. Esse desenho vai ser
preto. (Faz rabiscos desconexos no papel. Segura os lápis de cor bem pró­
ximos aos olhos, tentando determinar-lhes a cor. Chega os lápis tão perto dos
olhos que chega quase a furá-los.)
Timmy: Espero que a mamãe ainda esteja lá quando eu voltar.
Terapeuta: Você quer que sua mãe esteja lá quando você voltar.
Bobby: Sim. Ela chegou lá um pouquinho antes de você e queria que
a gente ficasse lá, mas nós dissemos que queríamos vir pra cá.
Terapeuta: Vocês acharam que seria melhor vir aqui do que ficar em
casa com a mãe de vocês.
(Bobby destrói a casa que Saul tinha consertado.)

INDEX
Buddy: Eu queria ir ao dentista.
Terapeuta: Você queria ir ao dentista? (Mais duvidando do que reco­
nhecendo o sentimento.)
Buddy: Sim. Tenho dor de dentes bem no meio da noite e acordo com
isso. Poderia me livrar destas dores se fosse ao dentista.
Terapeuta: O dentista ajudaria você.
Buddy: Sim ...
Terapeuta: Bem, o tempo terminou, meninos.

BOOKS
(Eles saem da sala de brinquedos, lentos e relutantes. A terapeuta le­
va-os para casa.)

COMENTÁRIOS

O grande conteúdo emocional desse encontro terapêutico demonstra o


fato de que, mesmo em grupo, as crianças usam a hora da terapia para li­
bertar seus sentimentos: A interação de sentimentos conflitivos não parece
incomodar Timmy. Os outros garotos do grupo estavam interessados no

GROUPS
brinquedo. Depois que terminou, houve uma calma excepcional em suas
brincadeiras. A voz de Buddy era baixa e calma. Os gritos e os berros habi­
tuais diminuíram. Certamente, esta parte da ludotsrapia ilustra a profundi­
dade dos sentimentos que crianças como estas, carentes de amor e de segu­
rança, são capazes de expressar. Timmy salvou o gato, mas não a mãe e o
pai que o haviam abandonado. A brincadeira das crianças foi tão real, que
Saul foi dramaticamente advertido de que, se tentasse tirar sua mãe do fo­
go, queimar-se.ia.
Saul estava firmemente determinado a salvar sua mãe e tão pertur­
bado emocionalmente que chegou até a chorar. Charles, não estando ainda
pronto para encarar tais sentimentos, tentou dar por terminada a brincadei­
ra. Parece também significativo o fato dos dois irmãos terem deixado a mãe

216
para virem à sala de brinquedos com a terapeuta.
A punição que Buddy inflingiu a Bobby depois deste tê-lo empurrado
contra o cavalete mostra como as brincadeiras, algumas vezes, ajudam as
crianças a sublimarem seus sentimentos, dando vazão a eles e aliviando-os,
Buddy surrou Bobby por éste tê-lo empurrado, porém usou a boneca como
símbolo. Bubby mais vima vez tenta infringir os limites. A autora sente que,
se a terapeuta tivesse aberto mão desse limite, Buddy teria continuado a
buscar coisas que tinham sido proibidas. O fato de serem mantidos os pou­
cos limites estabelecidos, antes que se desenvolva a terapia, parece auxiliar
o processo terapêutico.
Neste contato, outra vez, os garotos demonstram que entendem a sala
de brinquedos como um lugar diferente. Aqui eles podem ter dois anos da

INDEX
idade. As necessidades e problemas destas crianças diferem grandemente
mas, mesmo assim, são capazes de receber ajuda através de uma experiên­
cia terapêutica em grupo.

QUARTO CONTATO

Buddy, Timmy, Bobby e Charles deram à terapeuta oitenta e cinco cen­


tavos para que ela guardasse para eles até o fim da sessão porque eles iam
depois a uma exposição de quadros. Buddy trouxe duas folhas de papel de
carta, deu-as à terapeuta e disse-lhe que queria escrever uma carta para sua

BOOKS
mãe, a qual não via há cinco anos e meio. As notas deste contato estão in­
completas por causa da participação da terapeuta nas atividades de pintura
de dedo dos meninos. Foi necessário que ela os ajudasse a montar o papel
e à remover as gotas e espirros cuidadosamente, e levasse para fora os de­
senhos para secar.

Logo que entraram na sala de brinquedos, os garotos, como usualmen­


te faziam, agarraram as mamadeiras gritando: “ Eu bebê!”, “Eu bebê gran­
de!” e começaram a mamar. A terapeuta reconheceu seus sentimentos de

GROUPS
quererem ser bebês. Buddy não mamou na mamadeira. Segurava-a e sorria
de modo afetado. Saul desta vez não viera com o grupo. Seu pai tirara-o da
casa adotiva e saíra da cidade com o menino. Logo os garotos descobriram
a tinta de pintar com os dedos.
Timmy: Deixa eu! Deixa eu! Olha a tinta de dedo!
Terapeuta: Você já trabalhou com isso antes.
Timmy (ssntando-se à mesa e pegando as tintas): Eu gosto! Eu gosto!
Terapeuta: Você gosta de usar essas tintas.
Timmy: Sim.
A terapeuta ajudou Timmy a começar a pintura deu-lhe o avental, a
bacia de água e alguns trapos. Os outros meninos ficaram em volta, comen­
tando sobre a pintura, querendo aventais e aguardando a vez deles. Mama­

217
vam o tempo todo. A terapeuta ajudou Timmy a tirar as tintas, a amarrar
o avental e refletiu os sentimentos expressos pelos outros garotos, que espe­
ravam por sua oportunidade de experimentar, também, a nova tinta. Esta­
vam muito ansiosos. Finalmente, Timmy, selecionando o amarelo e o preto
sem um momento de hesitação, com as mãos cheias de tinta, espalhava-as
livremente pelo papel com gestos expansivos, gritando o tempo todo. Ter­
minou a pintura com movimentos rotativos, firmando o papel com o coto­
velo. Enquanto isso acontecia, Bobby e Charles jogavam água um no outro.
Buddy estava quisto, em frente à terapeuta, perguntando sempre: “ Você vai
escrever o que vou falar? Quero escrever uma carta para mamãe!” A tera­
peuta respondeu, dizendo que Buddy queria escrever uma carta para sua
mãe e precisaria de sua ajuda. Disse-lhe que dentro de alguns instantes o
ajudaria. Logo que Timmy acabou sua pintura, foi a vez de Charles. Este
pintou cuidadosamente, tendo o seu desenho uma forma definida.

INDEX
Charles: Isto vai ser uma bandeira. Uma bandeira com estrelas.
Terapeuta: Você quer uma figura de uma bandoira. (Várias vezes re­
petiu o mesmo tema, apagando e tornando a fa zer.)
(Timmy correu para a casinha de bonecas, agarrou.3, virou-a de cabe­
ça para baixo e lançou-a contra a parede.)
Timmy: Fogo! Fogo! Tá queimando a casa toda! Estragou tudo!
Terapeuta: Você quer destruir a casa.
Bobby: Eu também! Eu também! Fogo! Fogo!

BOOKS
Terapeuta: Bobby também quer destruir a casa.
Timmy (pegando a boneca-mãe, suspandendo sua saia, exibindo para
os outros e rindo): Olha!
Terapeuta: Você acha engraçado levantar a saia da mãe.
Timmy (para a terapeuta): Eu vou até tirar a saia dela.
Terapsuta: Você não está com medo de tirar a saia dela.
Timmy (tirando a roupa da boneca): Olhe! Olhe!! Engraçado. Ela vai
ficar sem nada.

GROUPS
Terapeuta: Você tirou todas as roupas da mãe.
Timmy (batendo na boneca): Vou bater nela. Vou quebrar ela em pe­
dacinhos!
Terapeuta: Você vai quebrá-la em pedacinhos.
Timmy (tentando parti-la eo meio): Vou desmontar ela toda. Vou dei­
xar ela em pedaços!
Terapauta: Você quer destruir a mãe.
Timmy: Ela vai ver. Vou ensinar ela pra sempre.
Terapeuta: Você vai ensinar a mãe para sempre.
Timmy (puxando os braças removíveis da boneca): Tá vendo? Tirei

218
os braços dela.
Terapeuta; Você tirou os braços dela.
Timmy (jogando a boneca no chão): Vou mostrar pra ela o quê que
é bom. Vou ensinar pra ela.
Terapeuta: Você vai ensinar-lhe.
Bobby (tornando a pegá-la e jogando-a novamente ao chão): Isto há
de mostrar pra ela o quê que é desgraça.
Terapeuta: Você quer mostrar-lhe o que é desgraça.
Bobby (pisando sobre a cabeça da boneca): Vou arrancar os miolos
dela! ( Chuta-a para um canto.)
Terapeuta: Você arrancou-lhe os miolos.
Timmy (olhando ferozments em volta, à procura de algo): Onde está
o homem? Onde está o pai? Vou tirar a roupa dele. Vou dar nele uma surra.

INDEX
Bobby: Onde está o pai? Nós queremos o pai.
Terapeuta: Vocês querem que aqui haja um pai, para que vocês pos­
sam bater nele.
Timmy: Eu arrancaria os miolos dele.
Terapeuta: Você arrancaria os miolos dele.
Bobby: E desmontava ele todo.
Terapeuta: E vocês o desmontariam todo.

BOOKS
Bobby: Ele é um desgraçado, um homem desgraçado!
Terapeuta: O pai é desgraçado, um homem desgraçado.
Timmy (pintando de vermelho a mamadeira): Olha! Sangue! Vou be­
ber o sangue dele (Bebe na mamadeira.) Bebi o sangue dele.
Terapeuta: Você bebeu mesmo o sangue dele. (Timmy vai até o canto
e pisa na boneca-mãe.) Você bebeu o sangue do pai e agora pisa na mãe.
Timmy (rindo às gargalhadas, p?ga o marte’o e a bigorna e martela
com toda a força que tzm . ): Eu sou um sujeito valentão.

GROUPS
Terapeuta: Você é um sujeito valentão e está martelando com toda
força.
Timmy (martela com mais força do que nunca. Chegou a partir a bi­
gorna ao meio e ficou tentando esmigalhar uma das partes.): Tá vendo? Que­
brei ela.
Terapeuta: Você martelou-a com tanta força que a quebrou.
Timmy (desafiante): E estou alegre com o que fiz!
Terapeuta: Você está alegre por íêla quebrado.
Timmy (dando um chute no pé da mesa): Vou quebrar a outra.
Terapeuta: Você ainda quer quebrar a outra.

219
/

(Timmy martela, sobre outra bigorna, mas não tão vigorosamente..


Finalmente, chuta-a também para debaixo da mesa. Enquanto isto, Buddy
estava pintando com os dedos e Charles davalhe as tintas de diversas cores.
Bobby está pintando traços coloridos e bruscos no cavalete, e gritando: “ Sou.
cego. Não consigo enxergar.” Após Timmy chutar a segunda bigorna paira
debaixo da mesa, a terapeuta pôde dar alguma atenção a Bobby e comentar
a afirmação deste.)
Terapeuta: Você acha engraçado ser cego.
Bobby (rindo e furando o P-P-1 com o pincel): Não consigo enxergar.
Eu menino cego.
(Buddy não presta atenção nisso. Calmamente termina sua pintura de
dedo e tranqüilamente pede à terapeuta para escrever uma carta para ele.
Medita muito entre uma frase e outra que dita.)

INDEX
Buddy: “Querida mamãe. Como vai você? Eu estou bem. Quero o meu
dinheiro do banco. Quero meu xilofone. Tenho cinco meninos para brincar
comigo. Tem muitas coisas bacanas aqui na casa da Mamãe. E. Quero
meu patinete, aquele do banquinho pra sentar. Quero minha bicicleta. Que­
ro ir para casa e ver você um sábado destes. Temos carros, bicicletas e pa-
tinetes em casa. A senhora C. vai me dar um teminho de marinheiro ”
Buddy
(A terapeuta atendeu a Buddy da melhor maneira que pôde, dividindo

BOOKS
a atenção entre Timmy e a carta. Timmy estava pintando com tinta verme­
lha, gritando e resmungando durante todo o tampo. As respostas da tera­
peuta incluíram reconhecimento dos desejos de Buddy de possuir ssus brin­
quedos e seu dinheiro e de ir para casa ver sua mãe. Quando este terminou
de ditar a carta, o tempo tinha.se esgotado e a terapeuta anunciou-o, dizen­
do que era o final da sessão. Quando o grupo saiu para o corredor, Timmy
engatinhava, como um bebê.)
Terapeuta (para Timmy): Você é um bebê.
Timmy: Eu bebezinho.

GROUPS
(Foi engatinhando por todo o corredor e escadas, atravessou a rua
até chegar onde estava estacionado o carro da terapeuta. Esta levou-os até
a exposição de quadros, mas o teatro já tinha fechado e a terapeuta levou os
para casa. Quando viram que a exposição estava fechada, permaneceram cal­
mos. Chegando à casa de Mamãe R., a terapeuta parou o carro e os meni­
nos ficaram dentro dele, relutantes em descer.)
Terapeuta: Vocês não querem descer do carro.
Meninos: Não. Leva a gente de volta. Queremos ficar lá o dia inteiro.
Terapeuta: Vocês querem que eu os leve de volta, mas não posso. Ou­
tras crianças usarão a sala de brinquedos nesta tarde.
(Ainda pirmaneceram no carro. Finalmente Timmy desceu.)
Timmy: Vem, gente! Vamos fazer um inferno! (A terapeuta acredita que

220
eles Iam mesmo fazê-lo. Bobby e Charles seguem Timiay. Buddy retraiu-se.)
Buddy (para a terapeuta): Até logo. Põe minha carta no correio, tá?
Não sei o endereço.
Terapeuta: Você quer entrar e pedir a Mamãe R . o endereço?
Buddy: Ela não está aqui. Saiu. Por isto é que íamos na exposição.
Não tem ninguém aqui. (Mesmo Buddy ia “ ver a exposição”, cego como
era .)
Terapeuta: Mando a carta na semana que vem.
Buddy (com uma expressão preocupada): Sim. Sim. Não podemos es­
quecer. Até logo.

COMENTÁRIOS

INDEXQuando a terapeuta, mais tarde, tentou obter o endereço da mãe de


Buddy, ficou sabendo que ele era uma criança rejeitada e que sempre vive­
ra em orfanatos, até atingir a idade de ir para a escola de cegos. Aparente­
mente, a carta de Buddy era só manifestação de seus desejos. Durante todo
este contato, ele esteve muito quieto, não se expandindo aos gritos como era
de seu costume. Quando pintou com os dedos, o fez silenciosamente e foi o
único que comentou sobre o cheiro da tinta. Trabalhou vagarosamente, apal­
pando com as pontas dos dedos. Ao começar a usar as tintas, espalhou-as

BOOKS
livremente com os dedos. Sua mão direita fazia círculos, a esquerda movia-
se normalmente para cima e para baixo. Movia os dedos da mão esquerda e
a palma da direita.
Bobby utilizou as tintas de cores marrom, vermelha e azul. Fez vários
desenhos, sobrepôs as tintas em finas camadas, comprimindo-as com os de­
dos. Rabiscou o último desenho com as unhas, fazendo linhas verticais e
horizontais, fungando como um gato enquanto trabalhava.
O comportamento de Timmy nesta sessão parece ilustrar o ponto de
vista de que a terapia em grupo pode ser — e é — tão proveitosa para o in­

GROUPS
divíduo no grupo, quanto o é na sessão individual. Os garotos deste grupo
parecem ter mais problemas pessoais de que de comportamento anti-social.
A maneira pela qual brincam juntos e se ajudam mutuamente ilustra este
fato. A fraqueza das respostas da terapeuta, na situação grupai, é demons­
trada neste contato. Durante a primeira parte da sessão, sua atividade resu­
miu-se apenas em responder. Os garotos aceitaram a terapeuta tão comple­
tamente quanto ela a eles. Revelam o completo sentimento permissivo, pre­
sente em tal situação.

QUINTO CONTATO

Os quatro meninos encontram a terapeuta com gritos entusiásticos


de: "Adivinha! Mamãe R. deixou a gente beber nas mamadeiras quando a

221
gente pediu pra ela. Disse que se você deixa é porque deve ser bom. Deixou
a gente até beber leite nelas!”
Ao chegarem à sala de brinquedos, gritaram pelas mamadeiras e
Charles, Timmy e Bobby pegaram-nas logo.
Buddy não mostrou qualquer interesse por elas. Disse que queria usar
as tintas de dedo, assentou-se à mesa e começou a trabalhar. Os outros três
meninos deram vivas à caixa de areia e aos fantoches que tinham sido adi­
cionados à sala de brinquedos, desde a sua última sessão. A terapeuta expli­
cou-lhes a manipulação dos fantoches e logo Timmy pegou um, foi para trás
do palco e o colocou em cena.-
Timmy (falando p?lo fantoche): “ Olha aqui! Sou um doido! Sou um
velho palhaço doido. Vou explodir o mundo se você não prestar atenção em
m im .” (Continua falando, m?s é atrapilhado pelo barulho dos outros meni­
nos que estão “ atacando” a caixa de areia.)

INDEX
Bobby (jogando areia na casa de bonecas): Olha esta casa velha! Vou
encher ela de gelo e neve. Vou congelar o povo.
Charles (atirando também areia na casa): Vamos soterrar este povo
todo. Não vai sobrar casa nenhuma. Olha isto. (Despeja as mãos cheias de
areia nas bonecas-mãe e pai, soterrando-ss completamente.)
Bobby: Estão enterrados na neve. Vão ficar durinhos de tão gelados.
E não me importo com isto.
Terapeuta: Os adultos vão ficar congelados, mas você não se importa.

BOOKS
Bobby (engatinhando na areia e sentando nela): Vou ficar aqui e fa­
zer um negócio pra mim. Vou fazer minha fazenda.
Terapeuta: Você quer construir uma fazenda só sua.
Timmy (engatinhando, aproxima-se da caixa de areia): Vou fazer um
negócio pra mim também.
(Charles e Buddy vêm até a caixa de areia. Buddy passa as mãos pela
areia e não parece ficar muito satisfeito com ela. Volta ao cavalete e come­
ça a desenhar com os lápis de cor e a tinta.)
Timmy: Vem, gente! Vamos arrumar a casa e o exército e depois fa­
zer uma guerra.
GROUPS
(Timmy e Charles põem o mobília da casa atrás dela por uns instantes,
mas logo Charles joga uma mão cheia de areia no quarto de dormir. Timmy
faz a mesma coisa. Segue-se uma terrível guerra de areia com gritos e
vaias.)
Timmy: Tá nevando! Tá nevando!
(Todos os garotos, exceto Bobby, deixaram de lado a mamadeira.
Bobby pega três delas e leva-as para a caixa de areia com ele. A terapeuta
avisa lhe para não deixar cair água na areia, porque isto a estragaria. Bobby
diz um “ Tá bem” e toma-se cuidadoso. Durante todo o tempo da terapia,

222
Bobby fica bebendo água nas quatro mamadeiras, tirando o bico e “bebendo
como refrigerante”, segundo ele.)
Charles: Tá nevando. Todos os quartos estão ficando cheios de neve.
O povo tá ficando enterrado aqui.
Terapeuta: A neve está enterrando algumas pessoas.
Charles: Já tinha duas pessoas enterradas, agora tem quatro.
Timmy: Agora tem seis. Este negócio está matando todo mundo.
Terapeuta: Não vai sobrar ninguém.
Timmy: O pai está aqui. Ele vai gelar até morrer. Ele tá morrendo.
Terapeuta: O pai está morrendo.
Charles: Caíram na armadilha. Tá vendo? Não conseguem sair. (Pega
a boneca-filha e joga-a em cima da caixa de areia. Destrói parcialmente a
casa, vira a de lado e joga-lhe mais areia, violentamente.) Tira essa coisa da­

INDEX
qui! Nada de casa! Nada de casa! Nada de casa! (Joga a casinha para fora da
caixa de areia e coloca-a do outro lado da sala.)
Terapauta: Você não quer a casa ali.
Bobby: Aqui não tem lugar para mães e pais não. Não há lugar pra
mais ninguém. Aqui é só pra nós!
Terapeuta: Você não quer mães ou pais e ninguém mais, a não ser vo­
cês mesmos, aqui.
Timmy (gritando): Este é o nosso inundo.

BOOKS
Terapeuta: Este mundo é só de vocês.
(Buddy pergunta à terapeuta se pode ir lá fora beber água. Esta per­
gunta-lhe se ele pode esperar até o tempo terminar. Buddy concorda sorri­
dente e continua pintando.)
Timmy: Vou pagar uns blocos e fazer uma fazenda pra nós.
Bobby: Como é que você vai fazer isto? Vamos fazer as coisas de que
nós gostamos.
Terapauta: Vocês vão fazer as coisas do jeito que vocês querem que
elas sejam agora.

GROUPS
(Bobby faz uma garagem para os carros. Divide os animais.)
Charles: Só quero animais no meu mundo. Não quero pesSoa nenhu­
ma. Só animais e um menininho, que é o fazendeiro.
Terapeuta: Você só quer animais no seu mundo. Só animais e o meni­
ninho, que é o fazendeiro.
Charles (tirando a mobília): E nada de mobília. Nada de cadeiras, na­
da de camas.
Terapeuta: Você não quer nenhuma mobília também.
Bobby: Por que você jogou fora o pai?

223
Charles: Não gosto dele. Joguei ele fora.
Terapeuta: Charles jogou fora o pai, porque não gosta dele.
Charles: Ele também não gosta de mim.
Terapeuta: Ele não gosta de você, então você não gosta dele.
Buddy: Quero levar uns brinquedos destes pra casa.
Terapeuta: Você gostaria de levar, mas não pode. Eles tên), que ser
deixados aqui.
Bobby: Eu gostaria de levar uns também.
Charles jogando fora alguns brinquedos): Nada de tanques de guer­
ra! Nada de revólveres! Nada de brigas em meu mundo.
Terapeuta: Nada de brigas, de tanques de guerra e de revólveres em
seu inundo.

INDEX
Charles: Quem quer a mãe? (Joga a boneca-mãe para Tim m y.)
Timmy: Eu não. (Joga-a de volta para Charles.)
Charles: Pica com ela assim mesmo. (Joga-a de novo para Timmy.)
Timmy: Eu não quero a mãe! (Joga-a de novo para Charles.)
Terapeuta: Nem Charles nem Timmy querem a mãe.
Bobby: Nem eu.
Terapsuta: Nenhum de vocês quer a mãe.
Buddy (do cavalete): Nem eu.

BOOKS
Terapeuta: Nem Buddy também.
E-obby: Quebra ela. Mata ela. Dá um jeito de se livrar dela.
Terapeuta: Você quer dar um jeito de se livrar dela.
(Charles joga a boneca-mãe do outro lado da sala. Ele, Bobby e Tim­
my constróem celeiros e silos com os blocos, na caixa de areia. Buddy está
no cavalete, pintando.)
Timmy (pegando um tanque): Não queremos isto. Sabe por quê?
Bobby: Não. Talvez ele esteja sobrando.

GROUPS
Terapeuta: Você não quer tanques lá.
Charles (colozando os animais no topo do silo): Eles estão com medo,
por isto estão aqui em cima.
Terapeuta: Eles saíram do caminho porque estão com medo.
Bobby (após ter construído uma garagem com os blocos): Olha, vou
tirar o carro da garagem. Vou atropelar o pai!
Timmy: ótimo!
Terapeuta: Você ficou livre do pai.
Timmy (para Charles, referindo-se à divisão de áreas na caixa de areia

221
—cada menino está construindo “o seu mundo” . ): Por que eu e Bobby não po­
demos ir aí visitar você?
Charles: Pode sim.
(Timmy martela estacas para usá-las ha construção de blocos.)
Bobby: Onde está a casa grande?
Terapeuta: Aqui fora.
Bobby: Tá. Deixa ela aí. Eu só queria saber.
Terapeuta: Você só sentiu falta dela, não é?
Bobby: Sim.
Buddy (vindo assentar-s3 ao lado da terapeuta): Quero pôr mais algu­
ma coisa na minha carta. Escreve: “Quero tinta.” Não sei quê mais. Es­
creve isto na carta.
Terapeuta: Você gostaria de ter tintas para você próprio.

INDEX
Buddy: Sim. Não sei quê mais que eu digo.
Terapeuta: Você acha que esqueci que você estava aqui, não? (Inter­
pretação.)
Buddy: Sim. (R i.)
Timmy: Faz uma porteira, Charles. Nós queremos ir visitar você.
Charles: Vocês não podem vir aqui. Estão espantando meus animais.
Jogo meu urso selvagem em cima de vocês. G rrrr... (Expulsa Timmy de sua
parte como ursinho, rosnando.)

BOOKS
Terapeuta: Charles não quer vocês lá.
Timmy: Ele não é um cabritinho, tão pouco. Ele na verdade tem um
urso selvagem. Sai da areia, Bobby, para a gente fazer mais quartos. (Ele
sal e limpa a areia que estava espalhada no chão, com um pano limpo e se­
co. Bobby diz “não” e Timmy insiste. Bobby sai.)
Bobby: Charles, não põe o urso atrás de mim, não.
Charles: Esse urso é que me protege.
(Soa a campainha.)

GROUPS
Bobby: Quanto tempo falta?
Terapeuta: Mais dez minutos.
Timmy: Vamos fingir que os alemães estão aqui. Vamos fingir que es­
tão jogando bombas pra todo lado.
(Começa a atirar areia e blocos em volta da caixa de areia.)
Bobby: Não! Não! Não faz isto não!
(Timmy continua a destruir o que construiu e também as coisas que
os meninos fizeram. Bobby torna a protestar.)
Tcrapsuta: Bobby não quer que você destrua o que ele construiu.

225
(Esta resposta não encontra aceitação por parte de Timmy, nem 6
permissiva. Foi um reflexo do que Bobby dissera, porém dirigido a Timmy
e mais parecia uma intervenção da terapeuta. Foi uma resposta infeliz. A
reação de Timmy foi inevitável.)
Timmy: Você não pode mandar nos alemães. (Continua a bombardear
o lugar.)
Terapeuta: Você não se importa com o que Bobby sente com isto. Vai
fazer assim mesmo. (Esta respcsta soou muito como reprovação para que
pudesso auxiliar.)
Timmy: Sim. (Continua a bombardear.)
(Bobby rapidamente abandona a caixa de areia, vai para um canto da
sala, enfia a cabeça entre os braços, como se estivesse chorando. Levanta-sie
subitamente — nenhum sinal de lágrima — e vai para o teatrinho de fanto­
ches. Põe um fantoche na frente da cortina e o faz falar.)

INDEX
Bobby (falando pelo fantoche): “ Não gosto de você, vou te matar,
Timmy. Você sempre tem que fazer dessa maneira. Nunca sei o que tenho
que fazer. Nunca sei o que vou fazer. Oh! Socorro! Socorro! Socorro! Bem,
aqui vou eu outra vez. Oh, meu Deus! Nem sei o que vou fazer agora.” (Jo­
ga fora o fantoche e sobe na caixa de areia de novo. Joga os blocos grandes
em volta, a esmo. Pega uma mamadeira.) Roubei a mamadeira de alguém.
Terapeuta: Você está mesmo sentido com Timmy. (A mamadeira rou­
bada tinha sido a de Timmy.)
Bobby: Sim. Esta é a de Timmy. Bebe um pouco, Charles. (Charles

BOOKS
bebe.) Esta é a mamadeira de Timmy.
Terapeuta: Você quer que ele saiba que você pegou sua mamadeira.
Timmy (voltando a si e gritando): Ei! Você aí!
Bobby (dando a Timmy a mamadeira): Olha o seu jeito! Olha o seu
jeito! Por favor, controle.se! (Timmy pega a mamadeira e sorri para Bobby,
que tem um fantoche nas mãos novamente.) Não sei o que fazer.
Timmy: Te amasso os miolos. (Bobby fica emudecido.)
Terapeuta: Você certamente não gosta do modo como Timmy te tra­
ta às vezes.
Bobby: Não!
Timmy: Bem!
GROUPS
Bobby: Da próxima vez vou fazer um teatrinho. Um dos bonecos vai
ser Timmy e vou bater nele.
Terapeuta: Você pode bater no fantoche e acha muito bom quando es­
tá fazendo isto.
Eobby: Sim. Timmy dá muita patada e é muito valentão.
Terspsuta: Timmy é forte demais para você, então você se vinga dele
no teatrinho.

228
Timmy (rindo): Tá certo, Bobby. Vou brincar com você. Vou brincar
na areia também.
(O tempo se acaba. A terapeuta leva os meninos para casa.)

COMENTÁRIOS

Neste contato, as crianças libertaram-se das violentas rejeições de seus


pais, que eles sentem como os tendo abandonado. Essa brincadeira é com­
partilhada por todos os meninos. Até mesmo Buddy, lá do cavalete, grita
sua rejeição à mãe.
Buddy parece ter sido um pouco esquecido durante esse contato, mas
pintou o tempo inteiro. Mais uma vez esteve quieto e relaxado.
Charles retoma ao mesmo brinquedo de medo. As pessoas estão sem­
pre subindo em cima de alguma coisa por medo de algo. É digno de nota

INDEX
que os três meninos na caixa de areia foram capazes de dividi-la e brincar
juntos sem conflitos durante a maior parte do tempo.

SEXTO CONTATO

Charles, Buddy e Bobby eram os únicos que estavam à espera dà tera­


peuta, desta vez. Timmy, naquele dia, fora visitar sua mãe fora da cidade.
Os três garotos precipitaram-se na sala de brinquedos e pegaram as mama­
deiras. Buddy imediatamente largou a sua. Bobby pegou duas delas, foi atá

BOOKS
a caixa de areia, tombou a casinha de bonecas e levantou.a com a ajuda de
Charles.
Bobby: Tira esta porcaria daqui. Nós não queremos nenhuma casa.
Charles: Não. Nada de casa. Nada de pessoas. (Bobby sobe na caixa
de areia e começa a alinhar soldadinhos para uma batalha. Charles pega os
fantoches e vai para trás do pal:o.)
Charles (com o fantoche palhaço): Oh! Sr. Palhaço! Alô. Como vai
você? Alguém deu um punhado de tiros na minha casa ontem de noite. On­
de está o seu bull-dog? Ele rasgou minha calça. B em ... Chega por hoje.

GROUPS
Terapeuta: Você acha que os fantoches já falaram o bastante por hoje.
Charles: Sim. (Vai para a caixa de areia e coaaeça a ajeitar as coisas
par lá .) Agora eu vou brincar na areia.
Buddy (pega a boneca e o bercinho, coloca-os em cima de sua cabeça
e anda desse modo ao redor da sala.) Eu vou levar o bsbê para passear.
(Coloca-os sobre o cavalete.) Vou pintar com a pintura de dedo. Vermelho.
Me dá o vermelho. (A terapeuta auxília-o a dispor o papel e lhe dá a tinta
vermelha. Buddy trabalha com ambas as mãos, riscando para cima e para
baixo, salpica tinta pelo papel; ri, enquanto trabalha.)
Terapeuta: É engraçado mexer com a pintura de dedos, não é?

227
Buddy: É bacana lambuzar.
Terapeuta: É bacana lambuzar.
Buddy: Eu não tenho medo de me sujar todo! Eu não tenho medo.
Terapeuta: Você não tem medo de fazer uma grandè bagunça aqui.
(Era exatamente isto o que ele estava fazendo.)
Buddy: É por isto que gosto de vir aqui. Vooê não é uma dessas pes­
soas que só sabem falar “ NÃO” .
. Terapeuta: Você gosta de vir aqui porque eu dsixo você fazer muita
coisa que você quer fazer.
Buddy: Sim. Agora quero brincar com argila.
Terapeuta: Eu vou tirar seu quadro daqui, para que você não esbarre
nele. (A terapeuta déixa a sala com a pintura. Buddy, em sua ausência, ten­
ta chegar à argila por seus próprios meios, mas não consegue destampar &

INDEX
jarra.)
Buddy: A tampa tá escorregando.
Terapeuta: A tinta que está em suas mãos é que faz com que ela es­
corregue.
Buddy: Talvez fosse melhor eu lavar a mão?
Terapeuta: Assim ela não escorregaria.
Buddy: Então tenho que lavar elas.
Terapeuta: Você acha que é isso que você tem que fazer.

BOOKS
Buddy: Mas você não disse para eu ir lavar.
Terapeuta: Você acha que eu deveria falar para você ir lavar?
Buddy: Eu não acho que você deveria. É que a maioria das pessoas
faz isto.
Terapeuta: A maioria das pessoas adultas faria isso para você. Pare­
ce estranho que eu não faça o mesmo.
Buddy: Você é uma pessoa interessante. (Lava as mãos na bacia e en­
tão começa a trabalhar com a argila. Bate com a espátula de madeira em

GROUPS
cima da mesa de tampo de vidro.)
Terapeuta: Isso em cima da mesa é vidro, Buddy. Se você bater for­
te assim, ele quebra.
Buddy: Tá certo. Vou bater no banco, então.
Terapeuta: No banco você pode bater com a força que quiser. (Bud­
dy, então, martela com fo rçi sobre o banco.)
Charles (coloca blocos nas extremidades da caixa de areia. No meio,
um grande bloco): Aqui, uma vez, foi uma sepultura. Um rei — ou uma pes­
soa importante. A neve está caindo nela. Aqui é o cemitério. Tá vendo?
Isto é a neve — fria neve — caindo, caindo, caindo. (Deixa a areia cair aos

22u
pouquinhos sobre os blòcos.)
Terapeuta: A neve está caindo nas sepulturas.
Bobby: Um de nossos homens foi morto. Aqui, Charles, enterra ele.
Põe a tampa em cima dele também. (Charles o faz e balança a cabeça tris­
temente .)
Charles: Agora vou começar a bombardear esse cemitério.
Bobby: Isso é um campo de prisão... e um ... (Não se lembra da
palavra e olha para a terapeuta pedindo ajuda.) Como é que é, como cha­
ma? Eles torturam as pessoas e depois põem elas em fila e dão tiros nelas.
Como é que chama? Não é campo de patrulha... é um tipo de campo...
Terapeuta: Um campo de concentração?
Bobby: Sim. Timmy está aqui.
Terapeuta: Oh! Timmy está no campo de concentração.

INDEX
Bobby: Sim. (Charles começa a bombardear o cemitério com os blo­
cos.) Vamos enterrar a gente mesmo aqui? A gente se enterra todo, menos
o rosto.
Charles: Tá. Vamos. (Eles entsrram os soldadinhos desse modo.
Bobby toma alguns bloccs de Charles.) Não, Bobby, não pega esse não.
Bobby: Sim. Vamos dividir o lugar.
Charles: Tá certo. Vou pegar mais blocos. (Ele o fa z.) Meu cemité­
rio. Como a neve vai cair nele! (Joga areia nos blocos.)

BOOKS
Bobby (para a terapeuta): Vou tirar o bico dela. (Procede assim e es­
tende as outras duas mamadeiras para a terapeuta.) Aqui, eu não quero
nunca mais ser um bebê. (Joga as mamadeiras fo ra .) Onde estão os patos?
Terapeuta: Você não quer mais ser um bebê.
Bobby: Não. É melhor ser grande.
Terapeuta: É muito melhor ser gente grande.
Bobby: Sim.
Charles: Veja as bombas caindo no meu cemitério.

rado no cemitério?
GROUPS
Terapeuta: Sim. As bombas estão bombardeando-o. Quem está enter­

Charles: Oh! O rei, a rainha, e a princesa. De fato, todo mundo que


eu conheço está enterrado lá. Eles todos morreram.
Terapeuta: Todo mundo que você conhece morreu, e agora vão ser
bombardeados.
Charles (seriamente): Sim. A mãe e o pai.
Bobby: E você também?
Charles: Sim. Eu também. Não! Eu não!
Terapeuta: Charles, não.

229
Charles: Não senhor. Eu não estou morto lá em baixo. (Ele esconde
a cabeça entre os tK ço s e olha fixamente os túmulos. Soluça e chora.)
Terapeuta: Você se sente muito triste.
Charles: Sim. Eu estava pensando. Estas pessoas estão todas mortas
e não podem se defender. E estão sendo bombardeadas.
Terapeuta: Isso não parece muito certo.
Charles: Isso é uma guerra para você.
Terapeuta: Sim.
(Charles continua fitando o cemitério e subitamente começa com um
violento bombardeio com os blocos maiores, berrando como um doido.)
(Bobby também começa uma guerra no seu canto. Buddy está mode­
lando um menino numa bicicleta — um notável trabalho. Ao terminá-lo co­

INDEX
meça a colorir um desenho.)
Buddy (para a terapeuta): Isto vai ser para você.
Terapeuta: Você quer fazer um quadro para mim.
Buddy: Sim.
(Bobby, de repente, sai da caixa de areia. Pega um fantoche e vai pa­
ra o palco e começa o teatrinho de fantoches.)
Bobby: Aqui estou eu, gente. Alô!
Charles: Oh! Cale-se!

BOOKS
Bobby: “Eu sou o sr. palhaço. Como é que estão vocês aí de fora?"
(Vem para a frente do palco, joga o fantoche ao chão e espalha um pouco
de tinta vermelha em todo o pipel que estava no cavalete. Para a terapeu­
ta .) Lá. É assim que eu me sinto. Todo bagunçado.
Terapeuta: Você se sente completamente confuso com alguma coisa.
Charles: Como um cego, não é?
Bobby: Sim. Como um cego. Aqui. Tira isso daqui! Joga isso foral
Meu Deus! Oh! Deus! Oh! Deus! (A terapeuta joga fora a pintura.)

GROUPS
Charles: Eu sou tão infeliz.
Terap:uta: Você é infeliz?
Charles: Sim. (Violjntamente joga os blosos e grita.)
Terapeuta: Dar uns gritos assim e jogar uns blocos ajuda você.
Bobby (desenhando um avião jogando bombas): Que país você está
bombardeando?
Charles: Japão. Aqui é He-Ho. Mas está disfarçado de Tio Sam. Povo
engraçado, tá vendo?
(Buddy entra na caixa de areia. Joga os blocos violentamente e ber­
ra. Bobby vai para a mesa de pintura, pega a tinta de deio e faz vários de­
senhos. Primeiro um todo vermelho. Um ssgundo azul, um terceiro todo

230
marrom. Rabisca-os com as unhas cuspindo e avançando como um gato,
mas conversando com a terapeuta sobre as cores de modo normal.)
Buddy (ainda jogando os blocos): Eu vou mostrar pra todo mundo
que eu não tenho medo.
Terapeuta: Você não quer que a gente pense que você tem medo de
alguma coisa.
(Buddy, maliciosamente, lança os maiores blocos contra a caixa de
areia.)
Charles: Não joga estes não. Você vai quebrar a caixa.
Buddy: Eu não tenho medo!
Terapeuta: Você não tem medo, Buddy. Use os menorzinhos, os gran­
des poderiam machucar alguém.

INDEX
Buddy: Tá. (Joga os menores contra o teto e eles caem barulhenta­
mente ao redor de toda a sala. Charles — que usa óculos — olha um poúco
amedrontado.)
Charles: Toma cuidado agora, Buddy.
Buddy: Eu não sou medroso. (Joga as mãos cheias de blocos para
cima.)
Terapeuta: Você pode quebrar os óculos de Charles, Buddy. Por fa­
vor, não jogue mais nenhum bloco.

BOOKS
Buddy: Eu não sou um medroso.
Terapeuta: Nós sabemos que você não é medroso. Este não é o caso.
É que isto pode machucar alguém aqui.
Buddy: Eu não sou um medroso. (Parando, porém, de jogar os blo­
cos.)
Charles (gritando para Buddy): Como é que é? Você quer machucar
alguém aqui?
Buddy (responde gritando): Não, eu não quero machucar ninguém.

GROUPS
Charles (gritando para Buddy): Bem ... então...
Buddy (gritando): B em ... é você mesmo então. (Tenta tomar os blo­
cos de Charles. Os dois têm uma briga. Os dois estão agora de pé na caixa
de areia. Charles pega os melhores brinquedos que estavam com Buddy, o
qual assenta-se, paga um cachorro de celulóide, um bloco e bate com ele no
cachorro.) Eu vou matar você, Charles. Este é vocâ, tá vendo? Eu estou
batendo em você.
Terapeuta: Quando você não pode bater em Charles, bater no brin­
quedo ajuda você .
Buddy (pegando uma mão cheia de areia): Eu sou mau! Eu sou mau!
Terapeuta: Você é mau de verdade.

231
. Buddy (rindo): Só agora.
Terapeuta: Você se modifica bem depresa.
Charles (dá a Buddy 05 blocos que este queria tomar e sai da caixa
de areia. Pega o bonecopai, deita-o de joelhos e usa-o para o teatrinho de
fantoches, segurando-o pelos pés.): Eu sou o único homém da cidade. Pu­
xa! Como estou preocupado. Uma coisa quase me matou. Já vem vindo al­
guém. Eu estou ouvindo os passos dele. Oh! Oh! (Suspira.) Oh! (Vai até
a caixa de areia, enche as mãos e deixa-a escoar par entre seus dedos.)
Terapeuta: Você está preocupado com alguma coisa.
Charles (de mau-humor): Eu sou sozinho no mundo. Só eu e meu ce­
mitério. (Começi a arrumar novamente os túmulos.)
Terapeuta: O tempo acabou por hoje, meninos. (Nenhum sinal de que
eles tivessem ouvido.) Vocês gostariam de ficar, mas o nosso tempo aca­

INDEX
bou.
Buddy (pulando da caixa de areia com o maior bloco equilibrado,
ameaçadoramente e.n sua cabeça): Olha!
Terapeuta: Não, Buddy. Eu sei que você se sente assim porque não
quer ir para casa. Vem cá, agora.
Charles: Você nunca mais ia poder voltar aqui sè jogasse isso.
Buddy: Eu não estou com medo de jogar, não!
Terapeuta: Buddy quer que a gente fique certo de que ele não tèm

BOOKS
medo de fazer qualquer coisa.
(A terapeuta, Charles e Bobby saem da sala de brinquedos. Bobby
entra no lavatório.)
Buddy (chamando a terapeuta): Agora que já não tem ninguém aqui
a não ser eu, eu posso jogar isto?
Terapauta: Jogue-o na caixa de areia, mas cuidado com os dedos.
(Buddy ri, joga-o delicadamente a um canto e sai da caixa de areia.)
Terapeuta: Foi interessante jogá-lo.

GROUPS
Buddy: Você não quis que eu machucasse meus dedos.
Terapeuta: Não, não quis.
Bobby: Timmy me disse: “Eu aposto que você vai querer ir pra casa
hoje.” Mas eu disse: "Hoje é o dia da gente ir na Universidade. Eu aposto
que você prefere ir pra lá .” Ele então disse: "S im .” Então ele falou pra ma­
mãe que ele não queria ir com ela, mas aí ela fez ele ir, e eu ri dele.
Terapeuta: Timmy pensou que você ia se sentir mal porque você não
iria para casa e acabou Timmy se dando mal porque não pôde vir aqui.
Bobby: Sim. Eu até adoeci e vomitei tudo que comi, até mesmo água.
Mas nem isto adiantou. Ela não quèria mesmo me levar.

232
Terapeuta: Mesmo você ficando doente de verdade,, isto não ifez com
que sua mãe concordasse em levá-lo também.
■Bobby: Não. Ela é uma mulher desgraçada.
Bobby estava bastante passivo durante todo o caminho de casa. No­
vamente todos eles ficaram assentados no carro, silenciosamente, recusaii;
do-se a descer. Buddy, brincando, disse: “Leva a gente de volta, por favor.
Nós vamos ficar lá o dia inteiro. ” A terapeuta reconheceu seus desejos de
voltar e de ficar assentados ali também. De repente, saíram todos do carro.
Buddy: Você não obriga a gente a fazer nada, né?
Terapeuta: Isto é difícil de acreditar, não é?
(Eles correm para casa.)

COMENTÁRIOS

INDEX
Neste contato Buddy faz considerações sobre a atitude da terapeuta
e conclui que ela é uma pessoa “interessante” . Este registro contém umá
ilustração da dificuldade de Buddy em fazer uma escolha — neste caso, la­
var as mãos — mas a decisão é deixada para ele.
Bobby também mostra seus sentimentos, até mesmo os relativos ao
irmão, pondo.o num campo de concentração. Buddy canalisa seu comporta­
mento para tuna forma aceitável, batendo no cachorro, erri vez de o fazer
em Charles, quando teve raiva dele.

BOOKS
O comportamento de Charles é interessante. De acordo com sua his­
tória, o pai morrera subitamente há dois anos e seu lar desmoronara. A
mãe tivera que ir trabalhar e Charles foi colocado na casa adotiva .Ao fim
do oitavo contato. Mamãe R . disse à terapeuta que “ ele sofrera uma infeliz
experiência com um homem degenerado”, exatamsnts no dia anterior ao
que ele passara a integrar o grupo de ludoterapia. Isto pode ser a causa de
alguns dos seus medos expressos de modo vago.
A interação dos membros do grupo é evidente neste sexto contato.
Os meninos fazem as próprias escolhas de brincar juntos ou ir em busca
de outros meios de expressão individual.

GROUPS
Bobby escolheu este dia para dar a mamadeira à terapeuta e dizer:
“ Tira isto daqui! Eu não quero mais ser um bebê!” Mais tarde ele conta que
vomitou tudo que comeu e até adoeceu e mesmo assim ela não quis levá-lo.
Levando em consideração o fato de que tanto ele quanto Timmy tinham fre­
qüentes ataques de vômito, a terapeuta ponderou se este fato não podia ser
a explicação para tal comportamento.
A maneira como a terapeuta manejou os limites é digna de nota. Ela
tentou incluir o reconhecimento dos sentimentos mas, a firme manutenção
dos limites também estava present3. Os limitss específicos não foram in­
troduzidos até haver necessidade deles.

233
SÉTIMO CONTATO

No caminho para a clínica, Timmy contou à terapeuta que ele tinha


ido para casa com a mãe. Disse que ela o tinha levado para casa porque
ele tinha adoecido muitas vezes desde que havia sido posto na casa adoti­
va. Então sussurrou para a terapeuta. “Quando nds chegarmos lá na sala
de brinquedos eu vou contar pra você porque que eu adoeço.” Lançou um
olhar furtivo para Buddy e continuou segredando: "É por causa de Buddy,
porque ele não enxerga e é porque ele grita muito e faz um barulho tão hor­
rível, e porque eu e Bobby temos que ficar aqui, e a nossa mãe e o nosso
pai não estão por aqui por perto, e então eu adoeço e vomito tudo que co­
m o.” ( A terapeuta refletiu os sentimentos. Ele aceitou-os entusiasticamen­
te .) “ Èu sei porque é que eu fico doente, porque antes que isto tudo me
acontecesse eu nunca tinha ficado doente.”

INDEX
Quando eles chegaram à sala de brinquedos todos se lançaram às ma­
madeiras. Mas Charles foi o único que psrmaneceu com uma. Os outros
meninos quase que imediatamente se descartaram delas. A casinha de bo.
necas tinha sido tirada da caixa de areia, antes que os meninos chegassem.
Ela estava na sala, disponível, para o caso deles quererem brincar com ela.
Timmy, Bobby e Charles entraram na caixa de areia e começaram a brin­
car com os animais e pessoas da fazenda, mais propriamente separando os
brinquedos para cada um, do que brincando com eles. Bobby entregou a
boneca-mãe a Timmy.
Bobby; Toma, Timmy. Tira a roupa dela. (Timmy o fa z.)

BOOKS
Timmy (para a terapeuta): Olha uma mulher nua.
Terapeuta: A mulher está nua.
Buddy (no chão, tirando a roupa da boneca-bebê): Olha! As roupas
do bebê estão sendo tiradas!
Terapeuta: Você quer despir o betê.
Timmy (batendo na mãe com os punhos): Essa é a mãe. Vou bater
firmo nela.

GROUPS
Terapeuta: Você quer espancar a mãe firme e duramente.
Timmy: Eu vou esmagar ela.
Terapeuta: Você gostaria de esmagar a mãe.
Bobby: Eu também. Mata ela, Timmy.
Terspauta: Tanto Bobby quanto Timmy querem machucar a mãe.
Bobby: B em ... ela machuca a gente.
Terapeuta: Você gostaria de fazer o mesmo. (Timniy pega um dos
grandes bí-ocos de madeira e com cie martela vigorosament» a boneca-mãe.)
Você está fazendo o mesmo.

234
Timmy: (rindo para a terapeuta): É lógico que eu estou.
Bobby: Deixa eu! Deixa eu! (Martela também.)
Terapeuta: Você está fazendo o mesmo também.
Charles: Deixa eu fazer uma vez também. (Faz isto todo contente.
Bate na boneca com malícia.)
Terapeuta: Você está fazendo o mesmo também.
Timmy: Vamos fazer uma batalha.
Bobby: Não! Não vamos não!
Timmy: Vamos sim. Vamos. Por Charles.
Bobby: Não.
Terapeuta: Timmy quer fazer uma batalha e Bobby não quer fazer uma
batalha.

INDEX
Timmy: Nós somos americanos.
Bobby: Sim. Nós somos.
Timmy: Nós somos?
Buddy (tendo despido a boneca, tateando): Ainda tem um negócio
pra tirar?
Terapeuta: Sim.
Buddy (acidentalmente, arranca o pé da boneca): Quê que é isso?
(Pergunta logo que percebe o pedaço quebrado.)

BOOKS
Terapeuta: É só o pé quebrado.
Buddy: Eu quebrei? (R i.) Eu não sabia. Eu não queria quebrar.
Terapeuta: Foi um acidente.
Buddy: Dá pra consertar ele?
Terapeuta: Sim. Ele pode ser recolocado.
Buddy: Tá. Eu vou consertar ele.
Timmy (com a boneca-mãe na caixa de areia): Olha! Olha! Eu não
tenho roupa nenhuma para usar. Senhor Papai. Onde estão minhas rou­

GROUPS
pas? (Trocando a voz.) Você perdeu elas. (Com voz feminina novamente,)
Eu perdi elas? (Voz do pai.) Você perdeu elas todas.
Charles: Você comeu elas.
Timmy (tirando com um puxão o braço da boneca-mãe): Olha! Pelo
amor de Deus! (Para a terapeuta.) A gente pode xingar e dizer palavrão
aqui? (Sem esperar resposta.) Desgraça de Deus! O quê que aconteceu com
você? Você está sem braço. Você não tem coração; Você é uma... Toda
vez que a gente vem aqui acontece alguma coisa com você.
Terapeuta: Sempre acontece alguma coisa com a mãe na sala de brin­
quedos. . ,
Timmy; Sim. Isto é bom para éla. Ela é uma cabeça de porco, egoís­
ta.
Terapeuta: A mãe é uma cabeça de porco e egoísta. O que acontece
aqui com ela é exatamente o que ela está precisando.
Timmy: Sim. Vamos fazer uma batalha.
Bobby: Eu não quero batalha.
Timmy: Sim. Vai ter uma batalha e vai >ter neve.
Bobby: Não! Não vai ter neve nenhuma.
Thnmy: Sim! Sim! Sim! Vai ter neve e o quê que tem?
Bobby: Então tá. Um pouquinho de neve. (Timmy enche as mãos de
areia e joga-a em Bobby, o qual pagaJhe com a mesma moeda. Finalmente,
um pouco de areia cai nos olhos de Bobby. Este protesta.): Eu não vou
brincar mais com você.

INDEX
Timmy: Você não vai brincar na areia. Tá certo. (Ele atira mais
areia em Bobby.)
Bobby: Deus que te leve para o inferno! Você quer mandar em tudo!
Por isto é que eu não vou brincar.
Terapeuta: Bobby não gosta de brincar com Timmy quando ele fica
muito mandão. (Bobby sai da caixa de areia.)
Timmy: Vê lá se eu me importo! (Grita.) Vê lá se eu me importo!
Terapeuta: Timmy quer que Bobby pense que ele não se importa.

BOOKS
Buddy: Eu quero tirar a roupa do nenenzinho.
Terapeuta: Você quer tirar as roupas do neném.
Charles: Ele tira as roupas de todos os bebês que lhe caem nas mãos.
(Timmy e Charles empreendem uma batalha com os soldadinhos.
Charles joga areia em Timmy e ataca o canhão deste e dois soldados. Tim­
my ataca todos os soldados de Charles.)
Charles: Eu não fiz deste jeito com você.
Timmy: Quando alguém me faz alguma coisa eu faço umas dez vezes
pior com ele.
GROUPS
Charles: Isto é uma brincadeira direita. (Para a terapeuta.) Não é?
Terapeuta: Charles não acha direito Timmy fazer dez vezes pior o que
lhe fazem, mas Timmy acha que está certo.
Timmy: Você pode ficar certo que o negócio comigo é assim. Ele não
tem é coragem bastante para defender sua terra!
Charles: Coragem, é? ,
Timmy (gritando): isto. Foi isto mesmo que eu disse. Se você ti­
vesse coragem não me deixaria abusar de você.
Charles: O que você quer é comprar confusão, né?
Timmy: Não foi isto que eu disse. Eu disse que você não tem cora­
gem bastante.
Charles: É a mesma coisa. Eu vou mostrar minha coragem para vo­
cê!
Timmy: Tá! Então mostra!
Buddy: Ele não tem coragem bastante! Não tem coragem bastante!
Coragem! Coragem! (Termina com uma gargalhada.)
Bobby (gritando também a plenos pulmões): Coragem! Coragem!
(Buddy pega dois grandes blocos, atira-os juntos e ri. De repente
todos os garotos começam a rir. A tempestade abrandou se.)
Bobby (pegando as tintas de pintar com os dedos): Eu gosto de fazer
é isto. Espalhar, lambuzar, lambuzar. Eu gosto disso. Dessa vez eu não

INDEX
vou contar para vocês o que eu vou fazer, Vocês vão ter que adivinhar.
(Para Buddy.) Pode ficar com a minha mamadeira. Eu não quero ela mais
não. (Limpa-se, depois da pintura de dedo. Vai para a caixa de areia e fin­
ge que vai sujá-la. Timmy grita com ele e recebe um grito em resposta.
Bobby começa a colorir um avião que termina com rabiscos. Volta a outro
papel e desenha outro avião, desta vez, asseadamente.) Isto é um avião.
Charles: Menino! Ele está bacana!
Terapeuta: Charles gosta do seu desenho.

BOOKS
Charles: Sim.
Timmy: Charles desenhou uma igreja bacana na aula de desenho hoje.
Terapeuta: Você acha que Charles fez um desenho bonito, também.
Buddy (fazendo uma montagem com os blocos): Olha isto!
Timmy: Sim
Bobby: Tá bacana, Buddy.
Terapeuta: Bobby gosta do que Buddy está fazendo.

GROUPS
Buddy (parece encantado; r i.): O que você está fazendo, Timmy?
Timmy: Eu tô brincando na areia.
Buddy: Você está fazendo alguma coisa bacana?
Timmy: Claro que estou!
Terapeuta: Vocês conseguem fazer algumas coisas de que os outros
gostam.
Charles e Timmy: Sim. (Eles parecem surpresos. Há calma por algum
tempo. Charles e Timmy começam a jogar areia novamente. A terapeuta
sugere a eles que tenham cuidado com a frágil mobília de brinquedo.)

237
Timmy: Tá. (Tira a mobília e então volta-se para a terapeuta.) Só
nas guerras de verdade é que as mobílias, as casas e as pessoas são bom­
bardeadas e não dá tempo de você salvar elas das bombas.
Terapeuta: Na guerra real, mobílias, casas e pessoas são bombardea­
das. Mas aqui nós não podemos refazer as coisas quebradas pela guerra,
portanto eu peço a vocês para não quebrá-las.
Timmy: É difícil comprar uma mobília nova também.
Terapeuta: Sim, é. Você ficou ressentido com meu pedido de não
quebrar a mobília.
Timmy: Lógico. Eu gosto de quebrar as coisas.
Terapeuta: Você gosta de quebrar as coisas e não quer que eu im­
peça você.
Timmy: Você disse que nós só podemos vir aqui mais uma vez. En­
tão, por que não quebrar tudo?

INDEX
Terapeuta: Vocês acham que, se não podem vir mais, vocês devem
quebrar tudo.
Timmy: Assim ninguém mais pode vir.
Terapeuta: Você acha que se vocês quebrassem tudo ninguém mais
poderia vir. Você não quer que ninguém mais venha, já que vocês não
podem.
Timmy: Se nós não podemos, porque alguém mais poderia?
Terapeuta: Não parece certo que outros possam, se vocês não podem.

BOOKS
Buddy (pega o martelo de madeira, bate com ele no banco e aciden­
talmente quebra uma mamadeira): Que foi isto?
Terapeuta: Você quebrou uma mamadeira.
Buddy (rindo). Eu não queria fazer isto.
Timmy: Vê o que eu digo? Sempre, sempre ele não quis fazer! Ele me
põe doente. (Parece muito agitado.)
Terapeuta: Isto põe você doente — os acidentes que Buddy provoca
porque ele não pode enxergar.
Timmy: Sim! Sim!

nato sangrento!” .) GROUPS


(Charles levanta-se, batendo os punhos no peito e grita — "assassi­

Buddy (gritando a plenos pulmões): Socorro! Socorro!


Bobby (também a plenos pulmões): Socorro! Assassinato! Socorro!;
Alguém me assassinou! Tem pessoas em volta de mim! Os assassinos estão
aqui! (Pula na caixa de areia, joga areia por toda a sala, gritando “ assassi­
nato sangrento!” Vai para trás do palco de fantoches, aponta o revólver
através da cortina e numa voz calma e mortal.) Está certo,. Bang! Bang!
Bang! Todo mundo aqui vai ser morto. Bang! (Para a terapeuta.) Bang!
Você também, minha boa amiga!

238
Terapeuta: Você gostaria de livrar-se de todo mundo aqui. Todos nós
tolhemos você algumas vezes. (Esta última observação não deveria ter sido
incluída. É pura interpretação, sem qualquer razão de ser.)
Timmy (pegando o outro revólver): Tá certo Bobby. Bang! Isto aca-;
ba com você.
Bobby (vindo para a frente do palco de fantoches): Tá certo. Você
quer livrar-se de mim, não quer? (Grita de r^pents e dá início a um pan­
demônio. Todos os meninos destroem tanta quanto, legitimamente, eles po­
dem — jogam areia por toda a sala — atiram os objetos pequenos que lhes
caem nas mãos.)
Timmy (enchendo a mão de areia e olhando para a terapeuta com os
olhos brilhando): Isto vai direto no seu cabelo.
Terapeuta: Você gostaria de jogar isto em mim porque... (A terapeu­
ta pára deliberadamente para ver se ele termina a frase. Ele o fa z.)

INDEX
Timmy: Porque você não quer que a gente volte.
Terapeuta: Porque eu não posso permitir que vocês voltem, você gos­
taria de jogar isto em mim.
Timmy (r i e deixa a areia escoar entre seus dedos. Ajoelha-se na cai­
xa de areia, ao lado da terapeuta e diz numa voz gentil.): Como é que você
sempre sabe porque que eu faço as coisas?
Terapeuta: Você acha que eu entendo você muito bem.
Timmy: Você realmente entende. Você deve ser mágica.

BOOKS
Bobby (gritando): Eu quero matar alguém. O ladrão vem me matar.
(Ele pula na mesa, abre a janelinha que dá para outro quarto. Todos os ou­
tros garotos pulam e olham.) É só um quarto vazio.
Buddy (gritando): Eu não tenho medo de ninguém aqui. Olhem, eu
vou mostrar a vocês como um chefe ataca. (Ele joga um grande bloco con­
tra a parede.)
Charles: Quantos minutos ainda tem?
Terapeuta: Cinco minutos.

GROUPS
(Eles gritam e berram. Buddy martela o bloco contra a parede. Logo
depois, ele atira o bloco na caixa de areia. Charles começa a desenhar. Tim­
my pinta com os dedos. Bobby pega os fantoches e maneja-os quietamente.
Charles pega papel de desenho e começa a gritar como um jornaleiro.)
Charles: Nazistas! Nazistas! Leiam tudo sobre o massacre dos nazis­
tas. Extra! Extra!
Timmy: Extra! Extra! Arrancaram os miolos de Hitler.
(Buddy grita como Tarzan e os outros o seguem.)
Terapeuta: Gritar desse modo, ajuda, às vezes.

239
Buddy: Hum?
Timmy: Não escutei você.
Terapeuta (repetindo num tom mais alto): Algumas vezes vocês gos­
tam de gritar.
Buddy (para a terapeuta): Algumas vezes você gosta de gritar tam­
bém, né? (Todos riem, incluindo a terapeuta.)
(Timmy vai sobre Bobby e suja-o de tinta preta Este sai com raiva.)
Bobby: Você é vim cachorro sujo. Pôs tinta preta em mim, não pôs?
(Mergulha seus dedos na tinta azul e a põe na ponta do nariz de Tim m y.)
Terapeuta: Você se vingou de Timmy, então.
Timmy: É, mas eu não importo. (Os sinos tocam e quando o grupo
sai, Timmy pinta suas mãos e braços com tinta marrom. Para a terapeuta)
Tome essa pequena casa preta, por favor. E obrigado, por esse tempo ma­
ravilhoso. (Charles e Bobby também agradecem à terapeuta.)

INDEX
Terapeuta: Vocês realmente tiveram um bom dia hoje.
Buddy: Hoje e todos os dias!
(A terapeuta leva-os para casa.)

COMENTÁRIOS

Durante o sétimo contato, os garotos já não estavam tão interessados


em brincar de bebê. Eles estavam mais interessados em libertar-se de seus
sentimentos de agressão contra a boneca-mãe, contra outras pessoas, e uns

BOOKS
aos outros.

Foi muito revelador ouvir Timmy falar sobre as razões de sua doen­
ça. Durante sua visita à casa, feita na semana anterior, a mãe e o pai de Tim­
my discutiram sobre o divórcio em sua presença. Houve aparentemente uma
cena emocional entre os pais, a qual Timmy relatou a Bobby quando retor­
nou. Ambos os garotos estavam muito confusos com a sua insegura posi­
ção. A reação deles durante a sessão de ludoterapia, porque esta seria a pe­
núltima vez que eles iriam lá, é típica. Estavam relutando em terminar es­
tes períodos de brinquedo, que lhes eram agradáveis.

GROUPS
A admiração de Timmy por ter entendido o que sentia nas sessões te­
rapêuticas, mostra o esforço que ele fez para conseguir esse entendimento.

OITAVO CONTATO

Considerando que este era o último contato, fato já sabido pelos me­
ninos, eles utilizaram-no extravasando-se muito rapidamente. Quandos eles
entraram na sala de brinquedos, pegaram as mamadeiras, mas não as usa­

24Q
ram para beber. Charles e Timmy entraram na caixa de areia. Buddy disse
que queria pintar com os dedos uma vez mais. Pediu a tinta azul e fez uma
bonita figura, pintando com movimentos livres e rítmicos. Bobby esvaziou
todas as mamadeiras dentro da areia e pôs as garrafas na prateleira.
Bobby: Eu vou fazer um submarino boiar.
Charles: Olha! Está nevando. (Deixa a areia escoar entre os dedos.)
Timmy: Por que que as nossas fazendas não podem ficar aqui? Char­
les, deixa essa aqui ser sua fazenda. Esse lado é meu.
Buddy: Eu gosto dessa espécie de pintura. Rodar. Rodar. Subir e des­
cer. Aterrisar. Descendo, descendo. (Cantarola.)
Terapeuta: É interessante pintar com os dedos.
Buddy: É alguma coisa que eu posso fazer.
Terapeuta: É bom trabalhar com alguma coisa que você possa real­
mente manejar.

INDEX
Buddy: Sim. Esse tom de azul é bonito?
Terapeuta: Sim, é um bonito tom de azul.
(Os outros garotos estão todos na caixa de areia, brincando juntos
muito agradavelmente, falando uns com os outros. “ Esse é o meu melhor
cavalo.” “Essa vaca aqui me dá muito leite.” “ Quando a sua fazenda estiver
pronta, eu vou visitar você.” )
Buddy: Quando eu terminar aqui, vou dançar e gritar. Hoje, eu vou
fazer todas as coisas de que eu gosto mais.
Bobby: Dizer adeus à sala de brinquedos — essa agradável sala de

BOOKS
brinquedos — essa maravilhosa sala de brinquedos. Dizer adeus, dizer
adeus.
Terapeuta: Você está realmente triste porque esta é a última vez.
Bobby: Muito triste.
Timmy: Adeus, sala de brinquedos, adeus areia, adeus tintas. (Para a
terapeuta) Adeus, minha amiga.
Terapeuta: Você quer dizer adeus a tudo aqui.
Charles: A neve está caindo — a fria neve. Olha Timmy, pega estes sol­

GROUPS
dadinhos. Vamos dividi-los.
Timmy (rindo): Meio a meio ou de dez em dez?
Charles: Como que você quer?
Timmy: De dez em dez. Mas, aqui, toma esses seis e eu ,fico com seis.
Eu receio que vá começar uma outra guerra.
Charles: É, parece. Olha, você combate do lado de lá.
Timmy: Vou arrumar os meus.
Bobby (avançando sobre o exército de Tinuny, atirando areia nos sol­

241
dadinhos e gritando): Ataque surpresa! Ataque surpresa!
Timmy: Sai agora. Por que você não pode me deixar sozinho?
Bobby: Por que que eu não posso deixar você sozinho? Porque eu sou
Saul — o mais poderoso gigante de todo o mundo. (Um outro ataque sur­
presa — desta vez cai areia nos olhos de Tim m y.)
Timmy (gritando para Bobby): Quando eu fico com raiva você sabe o
que acontece.
Bobby (imitando Buddy): Eu não tenho medo de ninguém nesta sala.
Timmy (rindo): É melhor não esquecer que eu também não tenho me­
do de ninguém nesta sala.
Buddy: Eu não tenho medo de ninguém nesta sala. (Ele terminara a
sua pintura. Pega agora o martelo e bate na bigorna até que ela quebre.)

INDEX
Charles: Eu vou fazer minha própria guerra. (E fa z.)
(Buddy pega a boneca bebê, enche a xícara com água da bacia e dá à
boneca. Timmy chega e toma a boneca de Buddy.)
Timmy: Olha, Buddy, você dá comida p’ro bebê. Isto entra na boca
dele Apalpe. (Ele pega a mão de Buddy e coloca seu dedo na boca da bone­
ca.) Apalpe. (Buddy o faz.) Agora apalpe as calças dela. (Buddy o faz e
cai na gargalhada.)
Timmy: Ela faz xixi nas calças.
Buddy: Ela bebe e faz xixi nas calças!

BOOKS
Timmy: Eu sei onde isso sai. Sai aqui do traseiro dela.
Buddy: Eu queria poder levar isso para casa, mas não posso. Agora
vou pintar.
(Timmy despeja a água na boneca. A água escorre. De repente, ele a
atira na sala e chuta-a para debaixo da caixa de areia.)
Timmy: Eu vou matá-la. Bebês! Bebês! Bebês! Eu odeio as coisas mo­
lhadas e barulhentas. Esse aqui eu vou matar.
Terapeuta: Os bebês aborrecem você. Você pode livrar-se desse aqui.

GROUPS
Timmy: Sim. Viu? Eu chutei ele.
Buddy: Eu não tenho medo de pintar nada aqui nesta sala.
Terapeuta: Você quer que nós todos fiquemos certos que você não tem
medo.
Buddy: Não é por ter medo que eu não faço isso. (A terapeuta deveria
ter refletido essa observação de Buddy.)
Charles: Essa é a mãe, não é? (Ele está com a boneca-mãe. Tira suas
roupas e arranca os braços.)
Terapeuta: Aquela é a mãe.

242
• Charles: Agora olha isso. (E le começa a despejar areia na mãe e en­
quanto faz isso, tagarela incoerentemente.)
(Bobby enterra os soldadinhos na áreia. Timmy está pintando . Buddy
molha o pincel numa cor errada. Timmy diz a ele o que ele fez,.tomaTlhe o
pincel, lava-o e o coloca no jarro correto.)
Charles (falando com voz de bebê): Alguma coisa está acontecendo
com a mãe outra vez. Tá vendo?
Terapeuta: Ela está sendo enterrada na areia.
Charles: Sim. Quando eu puder eu vou pegar ela.
Terapeuta: Você vai prender a mãe.
(Bobby despeja areia na cabeça de Charles.)
Charles: Bobby, pára com isso.
Bobby: Diga “por favor".

INDEX
Charles: Por favor!
Bobby: Tá certo! (Ele pega os pratos de brinquedo, arruma-os num
círculo ao redor dele na areia, diz que é um piquenique, e fala para si pró­
prio das boas comidas, dos bonitos pratos e do agradável piquenique. Char­
les continua a derramar areia na m ãe.)
Charles (imitando a voz da m ãe):‘ Socorro! Socorro! Está entrando
areia dentro de mim.
Bobby: Está coberta por 115 noites. Socorro! Assassinato!.

BOOKS
Charles: Socorro! Socorro!
Buddy: Socorro! Socorro!
Bobby: O grande lobo mau vai pegar a gente.
(Silêncio. Charles enterra a mãe. Bobby e Timmy ajudam-no. Eles
usam uma pequena pá e muito quieta e seriamente enterram a mãe. Bobby
enche uma pequena cesta com areia, segura e despeja a areia em camadas
finas no túmulo da m ãe.)
Bobby (murmurando): Neve, neve, cai e enterra a mãe.

GROUPS
Charles: Ela cobre o túmulo da mãe como um cobertor. Ela cái no tú­
mulo do meu pai no inverno (Para a terapeuta.) Meu pai está morto, sabe.
Terapeuta: Sim. Seu pai está morto, e a nevè cai sobre seu túmúlo no
inverno — como um cobertor.
Charles: Ele está em Minnesota, sabe.
Terapeuta: Ele está em Minnesota, longe daqui.
Charles: Ele está morto e eu sinto falta dele. (Suspiros.)
Terapeuta: Você sente muita falta de seu pai. ■,
(Timmy e Bobby estão assustados na areia, olhando fixamente para

243
Charles. Então, mais uma vez, os três começam a jogar finas camadas de
areia na boneca-mãe.)
Timmy: Tem muita neve no túmulo de seu pai.
Charles (impetuosamente): Este é o túmulo de minha mãe.
Bobby: Oh! Esta é a mãe? (Joga areia no túmulo.)
Buddy (do cavalete): Eu aposto que vocês não sabem o que é isto.
Terapeuta: Quer contar para nós?
Buddy: Eu não sei o que é isto, mas eu gostaria que fosse um barco.
Terapeuta: Então é a figura de um barco.
Buddy: Você pode ficar com ele para você.
Terapeuta: Você vai dá-lo para mim.
Buddy: Sim. (Ele levara todas as outras pintaras para casa.)

INDEX
(Timmy sai da caixa de areia e começa a pintar. Acidentalmente en­
torna a tinta branca.)
Timmy: Olha! Olha! Oh, eu derramei a tinta branca! Onde está o pa­
no? Eu vou limpar tudo.
Buddy: Bate nele! Bate nele!
Terapeuta: Você gostaria de bater nele porque ele derramou a tinta.
Buddy: Sim. Bate nele.
Timmy (depois de limpar): Olha. Melhorou um pouco.

BOOKS
(Buddy vai até Timmy, ajuda-o a limpar, mas adianta pouco.
Timmy: Deixa eu colorir mais.
Charles: Colore.
Bobby: Mais tinta de dedo. Mais. Isto é engraçado.
Timmy: Não é bacana fazer isto? Sujar, lambuzar e gritar?
Terapeuta: Você gosta de fazer isto — sujar, lambuzar e gritar.
Timmy: Todo mundo gosta, não é? As crianças gostam, não é?

tar. GROUPS
Terapeuta: Você acha que todo mundo gosta de lambuzar, sujar e gri­

Timmy: Gostam, não é?


Terapeuta: Algumas vezes, sim.
Bobby: Isto é melhor do que tirar uma soneca.
Charles: É melhor do que ir à exposição de quadros.
Timmy: Talvez no verão seguinte você venha para cá,outra vez.
(Charles, Timmy, Bobby e Buddy colorem desenhos. Esta é a primei­
ra vez que os quatro fazem a mesma coisa ao mesmo tempo. O tempo está

244
quase terminando. A terapeuta anuncia que faltam só cinco minutos mais.
Charles e Timmy começam a limpar a sala. Timmy pára de repente.)
Timmy: Eu vou esperar por você na sala de espera. Eu não quero
limpar. Aqui a gente não tem que fazer o que a gente não quer, e não que-
l o limpar.
Terapeuta: Você prefere esperar lá fora que ajudar. Vai, então. (Tim-
my sai.)
Bobby: Eu não quero ajudar também.
Terapeuta: Você não tem que ajudar se você não quiser.
Charles (continuando a ajudar): Eu vou arrumar essas coisas direito.
<Ele tira as coisas da caixa de areia. Buddy continua a “ajudar” . ) Toma cui­
dado, Buddy. Deixa eu segurar essas coisas para você. Nós não queremos
tirar esse túmulo daí.

INDEX
Terapeuta: Charles quer que o túmulo fique lá. (Bobby vai até o lava­
tório. Finalmente a terapeuta diz que o tempo terminou. Buddy dá um ter­
rível grito antes de deixar a sala e então ri hilariantemente.)
Terapeuta: O último grito, não é?
Buddy: Sim. Aqui.
Charles (dando uma volta na porta, olhando a caixa de areia e murmu­
rando): Bem, nós finalmente enterramos a mãe, né?

BOOKS
Terapeuta: Sim, Vocês ficaram livres da mãe.
A terapeuta levou-os para casa. Ela parou lá para uma conversa com
a mãe adotiva, a qual disse que Timmy e Bobby tinham progredido muito
desde que tinham ido para a sala de brinquedos, até a visita de Timmy à
sua casa durante á qual òs pais tinham discutido o divórcio em sua presen­
ça. Ela disse que desde então ele gritava e berrava tanto que ela “ quase per­
dia a cabeça.” “Buddy também é um selvagem comigo”, disse ela. Ele gri­
tava e berrava tanto e estava sempre derrubando coisas, que ela não conse­
guia manter se perto dele. Charles “era o melhor, uma criança doce, mas

GROUPS
muito triste” . Disse que sua mãe nunca se importara com ele,embora mo­
rassem na mesma cidade. De fato, ela disse que nenhum destes pais tinha
alguma preocupação com as crianças. Elas eram todas crianças desampara­
das.
Duas semanas mais tarde, a terapeuta passou para ver as crianças e
a mãe adotiva. A mãe adotiva contou então que houvera um grande progres­
so no comportamento das crianças, mesmo no de Buddy. Disse que os me­
ninos brincavam juntos sem muitas brigas — faziam lutas entre os soldadi­
nhos, mas não brigavam entre si. Disse que tanto Bobby como Timmy não
haviam tido ataque de vômito nessas duas semanas. Charles parecia mais
maduro, não chorava mais, e parecia muito feliz com os outros meninos.

245
Durante o oitavo contato,, o leitor deve ter notado como as crianças
aceitaram o fato de ser aquela a última vez que elas viriam à sala de brin­
quedos. Há evidentes demonstrações de “insights” pelos meninos através,
da experiência terapêutica. Por exemplo, as “dez vezes” de Timmy tornar
ram-se “meio-a mèio” . O senso de humor permanece nas crianças e elas imi­
tam os comportamentos característicos umas das outras quando suas ten­
sões"começam a crescer.

O fato de Charles ter discutido sobre a morte de seu pai, quando en­
cenava o enterro de sua mãe, dá o que pensar. Bobby e Charles conseguiram,
um ajustamento mútuo, o que é demonstrado quando Charles dia a Bobby:
“Pára com isso”, e Bobby respeita seu desejo. A reação de Timmy com os
bebês pode ser entendida se observarmos que os seis bebês que moram em.
sua casa adotiva prendem muito a atenção de Mamãe R . .. Timmy observa
que todas as crianças gostam de sujar, lambuzar e gritar. A última encena­
ção dos garotos na sala de brinquedos demonstra a liberdade que encon­

INDEX
tram nesta experiência para fazer tudo aquilo que lhes agrada. Dois deles
não quiseram limpar a sala. Buddy dá um grito final.

Os meninos, neste grupo, aceitaram a experiência com seus limites


num comportamento muito positivo, e usaram-na para libertaram-se dos
seus sentimentos contidos. A intensidade destes sentimentos talvez tenha
chocado alguns leitores, mas uma criança rejeitada freqüentemente torna-se
amarga, insegura e vingativa. A experiência de ludoterapia ajudou estes ga­
rotos a se abrirem e se libertarem desses sentimentos.

Í BOOKS
COMENTÁRIOS

' Um estudo deste grupo levanta a questão sobre a duração dos contg.
tos. Quando deveriam eles ser terminados? Deveria ser um período de tem­
po arbitrário, determinado no princípio? Deveriam estes meninos ter sido
submetidos a um maior número de contatos, ou só aqueles lhes bastaram?
A opinião da autora é de que o limite do tempo deveria ser artitrariamente
estabelecido no início dos contatos, com a possibilidade de extensão dos
mesmos, se isso fosse necessário, para as crianças. Desta forma, as crian­

GROUPS
ças e a terapeuta teriam o tempo mínimo necessário para executar um pla-
po possível de trabalho.

Neste grupo, Saul saiu depois do terceiro contato. Certamente, ele es­
tava necessitando de mais sessões de ludoterapia e, se tivesse permanecido
durante as oito semanas, os resultados teriam sido mais satisfatórios. Quan­
to aos outros meninos, se a situação tivesse permitido, deveriam ter ganho
uma extensão de mais cinco semanas. No final desse tempo, uma avaliação
do comportamento das crianças determinaria se seria necessário estender oi
tempo por mais cinco semanas.

248
Ter um tempo limite definido, estabelecido no começo dos contatos,
oferece a vantagem posterior de preparar a criança para a não-continuidade
dos encontros. Parece imprudente para a terapauta terminar estes encon-
tos sem uma preparação adequada.

Pela experiência da autora, parece melhor planejar as sessões para


cinco semanas, sendo as mesmas renovadas caso a terapia pareça, no final
deste tempo, incompleta. Exames periódicos ajudam a determinar quando a
criança recebeu ajuda máxima da terapia, assim como fazem também uma
avaliação do seu comportamento durante as sessões.

Tal programa é possível de ser planejado para as crianças por pais ou


agências, evita a freqüência irregular e constrói um sentimento de confiançà
na situação. Parece também ajudar a eliminar a ansiedade dos pais que se­
manalmente perguntam: “ Como está ele?” “Ele está melhor?” “Ele já pode
voltar?” Alguns pais esperam milagres depois de um único contato. Um pro­
grama de ludoterapia deve ser arranjado de modo também a prevenir que

INDEX
a pressão dos pais venha a afetar a criança e a terapeuta.

Um outro fator que a autora acredita ser importante para o sucesso


da terapia é a inclusão de contatos individuais para as crianças que parti­
cipam da experiência em grupo. Desde que a experiência em grupo revelè
tipos de comportamento, o que não é possível na tsrapia individual, parece
provável que a experiência de grupo seja completa. Entretanto, parece tam­
bém que as crianças que têm sido mandadas para a terapia de grupo seriam
beneficiadas com a inclusão dos contatos individuais. A terapeuta, quando

BOOKS
lidava com o grupo de meninos da casa adotiva, desejou sempre saber em
que auxiliaria se os contatos de grupo fossem suplementados por contatos
individuais. Nos casos em que tal procedimento foi tentado, como será re­
latado no capítulo seguinte, os resultados foram compensadores. Usualmen­
te, os contatos individuais, a pedido da criança, terminam antes da experiên­
cia em grupo. Este pedido indica por si mesmo o progresso da criança, que
voluntariamente deixa a experiência individual e procura satisfação na ex­
periência de grupo. Tudo isto, entretanto, está baseado num limitado núme­
ro de casos. É necessária uma pesquisa mais intensa para verificar a teoria.

GROUPS
Um outro problema, que se originou da experiência em grupo por nós
relatada, é a seleção dos membros do grupo. Qual seria o critério satisfa­
tório para esta seleção? É prudente ter ambos os sexos no grupo, ou é mais
satisfatória a separação dos meninos e meninas? É aconselhável incluir ir­
mãos e irmãs no mesmo grupo? A distribuição pela idade deveria ser cuida­
dosamente controlada? Experiências de grupo indicam que não há regras
rígidas para governar este ponto. Grupos bem sucedidos têm incluído am­
bos os sexos, irmãos e grande variação de idades. A terapeuta, que constan­
temente avalia o comportamento dos grupos, é capaz de reconhecer qual­

247
quer íator que seja prejudicial a um grupo particular e íazer o ajustamento
necessário, ou formando outro grupo, tomando cuidado com o fator preju­
dicial, ou transferindo o indivíduo não-adaptado para um grupo mais apro­
priado. A inclusão de irmãos é necessária algumas vezes para ajudar a cri­
ança, face a um problema de ajustamento uma com a outra. Entretanto, se
uma criança é a “protegida” da família, e a outra a rejeitada, seria inadequa­
do tê-las num mesmo grupo, porque favoreceria a oportunidade de mexeri­
cos com a outra, fora da sala de terapia. Em conclusão, a inteligência e o
bom senso da terapeuta são fatores importantes na organização inicial do
grupo.

Com respeito à interferência dos pais ou pais adotivos no sucesso da


terapia, o que foi discutido no Capítulo seis, deve ser apontado o fato de que
Mamãe R. mostrou marcante "insight” para os problemas das crianças na
casa adotiva. Tinha um bom entendimento delas, assim como um interesse

INDEX
amigável nas mesmas. O fato de lhes ter permitido beber leite nas mama­
deiras, em casa, indica o seu desejo de ajudar os meninos. É também inte­
ressante notar que, depois que ela aceitou o desejo deles de se comportarem
como bebês, eles logo perderam o interesse de continuar a brincadeira de
bebê na sala de terapia. Um exame detalhado revelou que, depois de poucos
dias de brincadeira de bebê em casa, os meninos a abandonaram, como não
sendo mais necessária. Mamãe R. deu a eles liberdade para se expressarem
por si mesmos; aceitou-os como eles eram. E, embora o barulho que faziam
"mexesse com seus nervos” , seu simpático entendimento de que eles eram

BOOKS
"crianças rejeitadas”, ajudou-a a estender a eles o calor e amizade, que eram
a expressão natural desta mulher. Isto leva a conclusão de que os princípios
básicos, um pouco modificados, são aplicados a qualquer situação que esteja
centralizada no relacionamento adulto-criança.

A experiência em grupo também demonstra o fato de que uma criança


com defeito físico pode ser tratada num grupo de crianças normais. A tera­
peuta sentiu que Buddy ganhou tanto “ insight” como uma satisfação pessoal
na sua experiência em grupo.

GROUPS

248
22. COMBINAÇÃO DA TERAPIA
INDIVIDUAL E DE GRUPO

INDEX
Resultados de um bem limitado número de pesquisas indicam quê as
possibilidades de um programa terapêutico combinado, que inclua simulta­
neamente sessões individuais e em grupo são bastante importantes para fu­
turas investigações. Durante o curso de tal programa, a criança tem a van- ^
tagem de poder se utilizar da sessão terapêutica para explorar seus senti­
mentos enquanto está sozinha, de não sofrer o interrelacionamento dinâmico
dos outros membros do grupo. Tem, também, a oportunidade de experimen­
tar o mesmo tratamento no relacionamento com as outras crianças.

BOOKS
A experiência de grupo revela problemas de ajustamento, o que não é
possível de ocorrer numa experiência individual, já que esta foca­
liza o tratamento mais nitidamente sobre o indivíduo e elimina o pos­
sível estímulo para as atividades que a criança recebe na situação em grupo.

O programa que é sugerido para combinar os dois tipos de tratamen­


to consiste em duas sessões por semana para cada criança, uma das quais
poderia ser sessão individual e outra de grupo. Num programa assim a cri.
ança ganharia o “rapport” e teria também a possibilidade de confiar na te­

GROUPS
rapeuta mais rapidamente do que seria possível com um tratamento em que
fosse incluído apenas um tipo de terapia.

r--' Será permitido à criança interromper tanto a sessão individual quan­


to a de grupo se ela solicitar isto, embora seja aconselhável pedir-lhe que as­
sista ambos os tipos de sessões pelo menos duas vezes antes de tomar uma
decisão, para que esteja familiarizada com as vantagens de cada experiência.

O caso relatado a seguir ó um exemplo da combinação da terapia de


grupo e individual, que terminou apenas em sessões de grupo, por solicita­
ção do paciente. A possibilidade desta escolha não foi apresentada para a

249
criança nas sessões individuais, mas quando ela solicitou isto espontanea­
mente à terapeuta, esta atendeiua.

O CASO DE EMA

De acordo com as anotações, Ema tinha sete anos e oito meses da


idade, um Q I 112 e foi recomendada à ludoterapia porque era “ desajustada,
anti-social e de comportamento problemático” . Estava no Orfanato há quase
três anos. Seus pais eram divorciados. Tinha uma irmã mais velha que tam­
bém morava no orfanato.

Eram fracos os registros escolares de Ema. Detestava a escola e tinha


ali problemas de comportamento. Brigava com as outras crianças, fazia ca­

INDEX
retas para elas, irritava.se quando repreendida, atormentava as outras crian­
ças e vivia acusando-as pelas costas. Não era uma criança atraente. Seu ca­
belo liso, cinzento, caía-lhe no olho. Tinha olhos verdes e hostis. Tinha o na­
riz sempre franzido e a boca num trejeito amargo e irônico. Estava sempre
na defensiva e resistia às tentativas de amizade que lhe fossem dirigidas.

O Orfanato era uma moderna casa de campo, sustentada parcialmente


por uma seita religiosa, e parcialmente pelos pais das crianças que ali esta­
vam. Havia também um alojamento para os meninos, outro para as meni­
nas e um berçário. Nesta época havia ali cerca de 125 crianças entre dois e

BOOKS
quatorze anos. Aquelas que estavam em idade escolar, iam de ônibus à es­
cola, que ficava a seis milhas de distância.

Quando se ofereceu assistência psicológica para o orfanato — assistên­


cia que incluía, sessões de ludoterapia para as crianças, através da indicação
feita pelos assistentes sociais e diretoras, Ema foi a primeira da lista.

A terapeuta planejou trabalhar com quatro meninas, assistindo cada


uma delas quarenta e cinco minutos por semana e, uma vez por semana, teria
as quatro para terapia de grupo, no mesmo período. A mesma terapeuta a-

GROUPS
tenderia também a quatro meninos nas mesmas condições. Uma vez por se­
mana, a terapeuta reunia um grupo de meninos de seis anos de idade para
contar estórias. Esta "hora de estórias” era também aberta às crianças que
estavam se submetendo à terapia de grupo, caso elas se interessassem em
vir e elas compareceram a todas as reuniões.

A "sala de terapia” era numa parte do jardim de infância que não es.
tava sendo usada naquela época, onde havia água corrente e um banheiro
anexo.

A terapeuta que conduziu este programa não tinha experiência em lu­


doterapia, mas já tinha lido bastante sobre o assunto. Ela tomou notas de-

250
talhadas das experiências de cada criança. O presente relatório é centrali­
zado em tomo das experiências de Ema durante as sessões de ludoterapia,
que ocorreram no período de férias de verão.

Durante todas as sessões, a terapeuta trouxe os materiais de brinque­


do. Estavam incluídos: uma boneca, mamadeiras,, argila, lápis de cor, solda­
dinhos, um revólver e um coldre, bonecas de papel, um ônibus de brinque­
do, um trem, tesouras, papel para escrever, lápis, papel de desenho de vários
tamanhos, um chocalho, máscaras, uma família de bonecas e a mobília, e
tintas. As tintas foram incluídas depois de iniciadas as sessões. ‘—

PKIMEIRO CONTATO — INDIVIDUAL

Quando Ema apareceu para a primeira entrevista, a terapeuta disse-

INDEX
lhe que ela poderia vir durante quarenta e cincD minutos toda terça-feira
para brincar, se ela desejasse. Foi-lhe explicado também que ela poderia
utilizar os brinquedos da maneira que quisesse. As limitações foram men­
cionadas nesse 1? contato: ela deveria permanecer dentro da área que havia
sido delimitada por cadeiras; não poderia danificar as paredes ou a mobí­
lia e nem levar os brinquedos para fora da sala. Por outro lado, ela poderia
fazer ou dizer qualquer coisa que quisesse, enquanto estivesse dentro da sa
la com a terapeuta, e esta não contaria a ninguém o que ela fizesse ou dis­
sesse .

BOOKS
Ema olhou fixamente a terapeuta, sorriu seu sorriso dé pouco caso e
encaminhou se para o papel de desenho, pegou uma folha e os lápis, trou­
xe-os para a mesa na qual a terapeuta estava sentada. Sentou-se diante dela
e começou a desenhar. Parecia müito tensa e estava bastante silenciosa. Não
pronunciou nenhuma palavra e nem sequer lançou um olhar à terapeuta an­
tes de terminar o desenho. Então olhou-a rapidamente e continuou com
seu olhar distante.
Ema: Esta é minha casa. É aqui que eu moro, na Rua Blank n? 7, com
meu pai, minha mãe e minha irmã. Eu tenho uma irmã mais velha que eu.

Ema: Sim. GROUPS


Terapeuta: Sua irmã mora aqui também?

(Ema levantou-se da mesa, foi ao banco onde estavam as bonecas de


papel e trouxe.as para a mesa onde estivera desenhando. Sem uma palavra,
Começou a recortar as bonecas: Primeiro o boneoo pai, depois o cachorro,
depois a menina mais nova, em seguida a mais velha e finalmente a mãe.
Começou a dar mais olhadelas em direção da terapeuta. Quando terminou
de cortar toda a família de bonecas, olhou para cima e riu. Recortou um
vestido de “ soirée” para a boneca.mãe.
Ema (sussurando): É este o vestido dela?
Terapeuta: Sim, este é o vestido da mãe.

251
(Ema continuou recortando vestidos. Parecia completamente absorta
nesta tarefa.)
Terapeuta: Você gosta de brincar com as bonecas de papel.
Ema (fazendo uma careta para a terapsuta): Não. Nem tanto.
Terapeuta: Você prefere brincar com alguma outra coisa?
Ema: Eu prefiro colorir, mas você não tem um livro de figuras para
colorir.
Terapeuta: Você gostaria que eu tivesse um livro para você colorir „
Ema: Sim.
(Ema continuou a recortar vestidos para cada uma das bonecas de
papel, com exceção do pai. Pegou o boneco-pai e olhou-o fixamente. Rapida­
mente empilhou os recortes numa pilha bem feita e deixou-os de lado. Vol­
tou ao banco onde estavam os brinquedos e olhou os. De repente, voltou se

INDEX
e fitou a terapeuta.)
Ema (explosivamente): Posso beber? (Apontou para a mamadeira.)
Terapeuta: Você pode fazer o que quiser com os brinquedos.
(Ema pegou a mamadeira e bebeu, de costas voltadas à terapeuta. Pe­
gou o chocalho e balançou-o. Em seguida brincou silenciosamente com os
soldadinhos nos cavalos. Mantinha as costas voltadas para a terapeuta, o
tempo todo, de modo que esta não pudesse ver o que ela estava fazendo com
os soldadinhos, mas parecia ser uma espécie de batalha silenciosa entre os
dois soldadinhos. Primeiro um e depois o outro, foram derrubados. Murmu­

BOOKS
rava algo que a terapeuta não conseguia entender. Parecia muito desconcer­
tada em relação a alguma coisa. Franziu a testa, lançou um olhar à terapeu­
ta, pegou novamente a mamadeira e bebeu, permanecendo neste jogo: olhava
a terapeuta e bebia.)
Terapeuta: Você gosta de beber na mamadeira.
(Ema imediatamente largou a mamadeira de lado. Pegou o revólver,
tirou o do coldre, murmurou “ Bang” e colocou-o atrás de si. Tirou o trenzi-
nho da caixa, colocou-o junto ao revólver. Empurrou-o cerca de duas polega­
das através do banco e subitamente recolocou-o na caixa. Ainda mantendo

do banco.) GROUPS
as costas para a terapeuta, permaneceu ali deslizando a mão pela beirada

Terapeuta: Nosso tempo por hoje hoje está terminado, Ema.


(Ema veio até a mesa e olhou a terapeuta. Esta sorriu-lhe. Ema umL
deceu os lábios e sorriu levemente.)
Terapeuta: Você quer dizer alguma coisa, Ema?
Ema (sussurrando): Sim.
Terapeuta: O que você quer dizer? (Ema esfregava as mãos e fazia ca­
retas para a t;rapeuta.)
Ema (sussurando): Eu quero voltar.
Terapeuta: Você pode vir aqui por sua própria vontade terça-feira,
Ema, e amanhã você pode vir com o grupo, se quiser. (A i então, Ema real­
mente sorriu e encaminhou se para a porta.)
Terapeuta: Até logo, Ema.
(Não houve resposta: Ema abriu a porta, saiu, olhou para trás, res­
mungou “Até logo” e se fo i.)

COMENTÁRIOS

O desenho feito por Ema durante sua primeira entrevista foi um de­
senho convencional, constituído de uma casinha quadrada e marrom com
três janelas e uma porta. Havia cortinas azuis, vermelhas e grenás nas ja­
nelas. Uma árvore do lado da casa. Um pedaço de céu azul no topo do de­

INDEX
senho, um sol azul sorrindo com raios amarelos que iam até o canto esquer­
do da figura. Cinco andorinhas voando no céu. Isto é mencionado em de­
talhes porque, com o passar do tempo, os trabalhos artísticos de Ema tòr-
naramse cada vez mais expressivos. O primeiro desenho parecia um tipo
formal de pintura. Também parece significativo o fato de que ela tenha ofe­
recido voluntariamente a informação de que morava naquela casa, com seus
pais e sua irmã, embora estivesse no orfanato há quase três anos. Alérii
disso faz parte de sua história o fato de que sua mãe continuamente escreve
para as crianças e conta-lhes que vai tirá las do orfanato, A mãe tem telefo­
nado diversas vezes e lhes dito para manterem suas coisas arrumadas

BOOKS
que ela passará lá para levá-las embora. As crianças ficam prontas esperan­
do-a e ela não aparece.
A assistente social tomou providências para suspender esta prática,
mas não tinha sido bem sucedida até então. Ocasionalmente a mãe
chega para uma breve visita mas ela raramente leva eis crianças para fora
com ela.
As primeiras respostas que a terapeuta obteve foram muito pobres;
Ema já tinha expressado o âmago de seu problema: um lar desfeito. A te-
Tapeuta responde com uma pergunta que tira o centro do interesse da pró­

GROUPS
pria Ema e coloca-o na sua irmã. Naturalmente, Ema retraise. Quando ela
brinca com as bonecas de papel e contradiz a terapeuta em sua sugestão de
que ela gosta de brincar com aquilo, a inexperiente terapeuta tenta superar
a dificuldade com a pergunta: “ Com o que mais você prefere brincar?” Ema
Tesponde citando um objeto que não existe na sala. Teria sido melhor, em
cada uma dessas ocasiões, que a terapeuta tivesse ido além com a criança.
A escolha de bonecas de papel- para serem recortadas, como material
de ludoterapia, pode parecer ssm va’or, porém nsste caso mostrou ser de
grande valia como material introdutório. A ordem em que ela recprta as
bonecas é importante. O fato de que recorte roupas para todos, exceto para
o pai pode ser importante também. Pelo menos, assim pareceu, tendo em
vista as sessões seguintes, nas quais ela brincou novamente com a família
do bonecas.
As respostas da terapeuta parecem um pouco pobres, nesta entrevista*
mas era um caso em que a terapeuta ainda não estava certa sobre o que
dizer e pensou assim que o silêncio era o melhor caminho a seguir. Voltan­
do à entrevista, parece que a terapeuta poderia ter reconhecido o desejo de
Ema beber na mamadeira quando esta disse “Posso beber?” do que genera­
lizar a permissividade da situação. Quando Ema ressentiu-se do comentário
da terapeuta sobre o fato dela gostar de beber na mamadeira, ela poderia
ter notado seu ressentimento. Ainda outra vez, quando Ema, muito discre­
tamente, “ atirou” nela, por causa de sua intrusão, a terapeuta também po­
deria ter reconhecido seu desejo de atirar nela. Poderia também ter reco­
nhecido o desejo de voltar da criança em vez de somente enfatizar a permis­
sividade da situação.

INDEX
SEGUNDO CONTATO — PRIMEIRO CONTATO EM GRUPO

As notas completas deste encontro estão incluídas porque elas ofere­


cem uma comparação do comportamento de Ema com o das outras crian­
ças.
O grupo consistiu de quatro meninas e quatro meninos, que já haviam
tido, na semana anterior, contatos individuais com a terapeuta. Todas as crL
anças tinham problemas de comportamento, tanto na escola quanto no or­

BOOKS
fanato. Os quatro meninos eram enuréticos.
Os componentes do grupo eram: Shirley-Ann, com sete anos e quatro
meses; Edna, de sete anos e seis meses; Sharon de sete anos; Tommy, de se­
te anos e cinco meses; Jack, com sete anos e sete meses; Philip, com sete
anos e três meses; Dick, de oito anos e cinco meses; e Ema.
(As quatro meninas entraram primeiro na sala. Deram gritos e risa­
dinhas chamando a atenção "Olha o que eu vejo!” “Eu quero a mamadeira!”,
“Máscaras!”, “Eu quero ser um fantasma!”, “Eu não quero que ninguém sai­
ba quem éque eu sou” . Estas observações foram feitas tão rapidamente que

GROUPS
a terapeuta não pôde identificar quem as tinha feito. Sharon pegou a ma­
madeira e o chocalho. Sentou-se na cadeira ao lado da terapeuta, bebeu na
mamadeira e agitou o chocalho.)
Sharon: Eu bebezinho!
(Ema sentoiuse longe da terapeuta e começou a desenhar.)
Shirley-Ann: Eu vou ser um befcê. (Colocara uma máscara de bebê e
pegara uma mamadeira.) Dada-da_da-da-da.
(Ema, que estava bastante inibida durante o primeiro contato indivi­
dual, parecia muito mais livre com o grupo. Ela também pegara uma ma-

254
madeira e estava bebendo nela, mas desta vez ela o fazia encarando a tera­
peuta.)
; Sharon: D. X . falou que os meninos vinham hoje também.
Edna: Oh! Tomara que não. Eu tenho medo de meninos.
(As quatro meninas sentaram-se na mesinha. Começaram a brincar,
mas não o faziam juntas. Cada qual seguia seu próprio interesse. Ema de.
senhava. Sharon e Shirley-Ann brincavam de bebê, mas não juntas. Elas be­
biam nas mamadeiras. Sharon engatinhava pelo chão. Edna pegara as bo­
necas de papel e olhava-as. Neste momento os meninos entraram na sala.
Tommy correu direto para as máscaras, selecionou uma de menina e colo-
coua.)
Tommy: Eu quero ser uma menina.
Jack: Eu sou um fantasma negro, estão vendo? Eu sou um negro.
Philip: Eu quero ser uma menina também. As meninas conseguem tu­
do.

INDEX
(Ele colocou uma outra máscara feminina. Jack pegou o revólver ain­
da usando a máscara negra. Os meninos e meninas ignoravam-se mutua­
mente. Eles falavam sobre irem nadar, sobre a piscina e sobre a viagem de
ônibus. A terapeuta estava incluída na conversa deles. Contavam-lhe suas
aventuras.)
Jack: Eu sou um negro. Eu quero atirar em vocês. Quero matar vo­
cês todos.
(De repente Jack largou o coldre e o revólver. Dick pegou-os e come­

BOOKS
çou a atirar nas outras crianças. Philip e Tommy pegaram a boneca-bebê e
começaram a disputá-la de uma maneira brincalhona. Tommy tomou-a de
Philip e abraçava e beijava a boneca, procedendo exatamente como uma me­
nina com uma boneca, embora Tommy não seja um tipo efeminado. De re­
pente, Tommy tornou-se muito agressivo.)
Tommy: Eu quero chupar o bico da mamadeira. (Shirley-Ann estava
com uma nas mãos.)
Sharon: Tommy agora é uma menina.
Tommy: Tá tudo certo comigo, Eu agora quero ser uma menina.

GROUPS
Dick: Dá a mamadeira pra mim.
(Philip acidentalmente entornou um pouco de água no chão e de re­
pente o grupo inteiro estava com a atenção voltada para aquele incidente.)
Dick: Agora vai ser o diabo, não vai?
Terapeuta: Você está com medo de que aconteça alguma coisa por
causa da água entornada no chão.
Dick: Você tá danada de certa. Eu sei disso.
Terapeuta: Aqui não haverá problema para vocês por causa disso.

255
(Edna pusera o coldre e o revólver e, pegandó-o, começou a atirar em
todos os meninos. Permanecera alheia à terapeuta enquanto fazia isto.)
Terapeuta (pára Edna): Você gostaria que os meninos não estivesem
aqui.
Edna: Eu tenho medo de meninos.
Terapeuta: Você tem medo de meninos.
Edna: Sim. (Ela olhava amedrontada embora os meninos nem sequer
lançassem um olhar em sua direção, não a incomodando de modo algum.
Deixou de lado o revólver e tomou-se tão esquiva quanto podia à terapeuta.)
i Terapeuta (para Edna): Você gosta de se esquivar de mim. Você tem
medo dos meninos.
Edna: Sim. (Murmurando.) Eles são uns brutos. Sempre batem nas
meninas.

INDEX
(Dick sentou se na cadeira de balanço e ficou balançando e chupando
o bico da mamadeira.)
Dick: Mamãe! Mamãe! (Sharon correu para ele.)
Sharon: Que que você quer, queridinho?
Dick (imitando uma criancinha): Nina eu, mamãe. Me faz dormir.
(Sharon delicalamente embala a cadeira.) Eu estou dormindo agora.
Tommy: Eu vou ser um menino chorão. (Pôs a máscara de uma cara
chorona.) Olha, eu sou um menino que está chorando. (Estirou-se no chão

BOOKS
e fiaou choranío como um bele ) Uá uá uá uá üá. Eu quero minha mãeeee.
Dick: Eu sou um metiininho pequenininho. Uaaaaaa!
Sharon: Eu quero escrever uma carta para o meu papai e quero uma
mamadeira. (£1* também passou a imitar o choro de bebê.)
(Ema bebia numa das mamadeiras enquanto desenhava. Dick deu
a sua mamadeira para Tommy.)
Dick: Aqui, betê.
Tommy: Dadada-da.

deiras. GROUPS
Dick (à terapeuta): No começo eu tinha medo de mamar nas mama­

Shai-on: Eu também tinha. Eu não sabia que podia.


Dick: Eu pensava que eu era muito grande para brincar de bebê, mas
eu gosto de brincar que eu sou um bebê.
Terapeuta: Mesmo sendo grande você ainda pode gostar de brincar co­
mo um menininho.
Dick: É sim.
Sharon: Eu também gosto de brincar de betê.

258
Tommy: Eu não estava com medo. Eu não tenho medo de nada. Eu
não tenho medo de fazer nada. Eu não tenho medo de dizer nada.
Dick: Põe um “aqui” nisso.
Tommy (rindo): Está certo, então. Aqui.
Terapeuta: Vocês não estão com medo de fazer ou dizer qualquer coi­
sa aqui; podem então fazer o que quiserem; às vezes, coisas más, coisas que
não podem fazer por causa das regras, das outras crianças e coisas assim.
Dick: Você não é mais um bebezinho, moça.
Shirley-Ann: Eu tinha medo de fazer tudo que eu queria, na primeira
vez que eu vim aqui.
Sharon: Eu tinha também.
Edna: Eu ainda estou.(As outras crianças riram-se dela.)
Sharon: Por que você está com medo, Edna? Ela (a terapeuta) não vai

INDEX
fazer nada com você por causa de coisa alguma que você fizer aqui.
Edna: Eu ainda estou com medo.
Terapeuta: Você quer sentir.se um pouco mais segura antes de fazer
as coisas que quer fazer.
Edna (para a terapsuta): Você é boazinha. Algum dia, talvez, eu ...
(Ela não terminou a frase. Adiantou-se e muito timidamente tocou na mão
dr. terapeuta.)
Dick: Eu nunca vi ninguém como você, na minha vida inteira. Você

BOOKS
não se importa com coisa nenhuma que a gente faça ou fale. O resto todo
do pessoal vive dizendo “pára com isso, cala a boca” .
Terapeuta: Vocês sentem que nem sempre vocês podem fazer e falar
o que querem.
Dick: Sim, é isso. Tem muita gente rabujenta no mundo.
Edna: Traz para mim oito mamadeiras na próxima vez, tá?
(Ema terminou o seu desenho. Era o desenho de uma mesa marrom
com uma fruteira púrpura em cima. Havia seis frutas na fruteira.)

GROUPS
Ema (levantando-se e avarçando sobre Tommy): Me dá esta mama­
deira. (Ela psrssgue-o e este foge rindo e gritando.)
Sharon: Quando a gente voltar sem ninguém mandar, a gente vai fa­
zer tudo o que quiser. Vamos brincar com o que quisermos, vamos mamar
nas mamadeiras todo o tempo que a gente quiser.
Terapeuta: Você acha que é bom vocês virem sem ninguém mandar e
fazerem exatamente o que querem fazer.
Sharon: Sim.
Dick: Muitas vezes é isso que acontece. Quando a gente está sozinho a
gente pode fazer coisas que não pode fazer quando tem gente perto. (Come­

257
çou a jogar água no chão. Ema agarrou Tommy e ficou rindo.)
Ema: Vou te beijar. É isso que eu vou fazer. Então, que você vai fa­
zer?
(Tommy escapuliu dela è recuperou a mamadeira. Ema voltou para a
mesa. Edna, Sharon e Shirley-Ann começaram a brincar com as bonecas de
papel. Sharon terminara a carta do pai. Mostrou a à terapeuta, dobrou-a e
colocou a no bolso. Ela havia escrito apenas: Querido papai. De Sharon.)
Terapeuta (para Sharon): Você gostaria de escrever uma carta para o
seu papai. Eu te ajudarei se você quiser.
Sharon: Eu não consigo pensar nada para dizer. Só querido papai.
(Ema levantou-se da mesa novamente e foi até o banco. Pegou o cho­
calho. Logo que passou por Tommy beijou-o e este deu-lhe um tapa. Ela

INDEX
balançava o chocalho e bebia na mamadeira. Voltou à mesa e sentou-se.
Escondeu o rosto com as mãos, ocultando-o das outras crianças, porém
manteve a mamadeira nos lábios. As outras crianças haviam formado gru-
pinhos. Os meninos começaram a brincar com os soldadinhos e as meninas
com as bonecas de papel. Ema mantinha-se à parte, ainda tampando o rosto
com as mãos. As outras meninas, então, convidaram na para brincar com
elas. Ema pegou uma boneca que as outras já tinham recortado e voltou à
mesa trazendo-a consigo.)
Ema (como se falasse à boneca): Eu vou embora e nunca mais voú

BOOKS
voltar.
(Engatinhou por sób a mesa, ficou lá mamando. Depois saiu engati­
nhando, sorriu francamente à terapeuta, despediu-se muito à vontade e saiu
com o grupo.)

COMENTÁRIOS

Nesta experiência em grupo é interessante notar o comportamento de


Ema em relação às outras crianças. Ou estava muito retraída ou ativamen­
te agressiva.

GROUPS
Os sentimentos expressos por estas crianças na experiência em grupo
revelam que, mesmo no caso de um grupo numeroso, a terapia obtém resul­
tados. A ineficiência deste contato, no caso, não deve ser atribuída às rea­
ções das crianças naquela situação de brinquedo livre, mas às respostas ina­
dequadas da terapeuta.
Particularmente em duas ocasiões, as respostas da terapeuta são bas­
tante ineficientes. Uma vez ela vai bastante além do sentimento expresso
quando diz “regras, outras crianças e coisas assim” . Timmy estava se ga­
bando. A intrusão da voz de autoridade foi desnecessária e poderia ter inter­
rompido a livre expressão de sentimentos. A outra resposta-ineficiente foi
no comentário da carta de Sharon. Aposição tomada pelà terapeuta, ao
propor ajudá-la a escrever outra carta, traz implícita uma crítica.

258
Além destas respostas inadequadas, a terapeuta-manteve silêncio ,em
ocasiões nas quais deveria ter dado uma resposta. Um exemplo de tal si­
tuação é quando Tommy expressou seu desejo de ser uma menina.
A maneira pela qual as crianças imitavam-se umas às outras nos brin­
quedos é interessante. Logo que uma teve a coragem de fingir.se de bebezi-
nho, tendo encontrado visível prazer nisto, as outras tentaram a mesma ex­
periência. Isto parece acelerar o processo terapêutico. Parece romper as
barreiras de reserva que as crianças, individualmente, podem ter. A honesti­
dade de expressão é também contagiante. A terapeuta tem menos tempo
para responder a cada uma na situação de grupo, mas as próprias crianças
têm condições de fazê-lo em seus contatos umas com as outras. O brinque­
do entre Sharon e Dick parece ser uma resposta dramatizada do sentimen­
to. A participação de Ema mostra nitidamente sua maneira de se relacionar

INDEX
com as outras crianças.

TERCEIRO CONTATO — SEGUNDO CONTATO INDIVIDUAL

(Ema veio para a sala e imediatamente pegou a mamadeira, trouxe.a


para a mesa e sentou-se defronte à terapeuta. Bebia na mamadeira e sorria
para ela.)
Terapeuta: Você gosta de beber nà mamadeira.
Ema: Sim. (Tirando o bico e bebendo desta form a.) Eu gosto dé be­

BOOKS
ber assim também.
Terapeuta: Algumas vezes você gosta de beber com o bico e outras ve­
zes sem ele.
Ema: Sim.
(Começou a brincar com a família de bonecas. Colocou a mamadeira
sobre a mesa, ao alcance da mão, e olhou para as bonecas. Colocou a mãe
e a filha mais velha na mesa, o pai e os meninos no chão. A boneca-mãe foi
levada para perto do fogão. Seus lábios moviam-se silenciosamente. Final­
mente ela olhou para a terapeuta.)

GROUPS
Ema: Mamãe está cozinhando bacon.
Terapeuta: Sua mamãe está preparando uma refeição.
Ema: Olha! (Sorri para a terapeuta. Coloca a mãe na mesa novamen­
te. ) Durante quanto tempo eu posso vir aqui?
Terapeuta: Eu virei toda semana neste verão. Você pode vir quantas
vezes quiser em seu dia. Eu vou guardar esta hora, todas as quartas-feiras
para você. Se você quiser vir, você pode.
Ema: E nas sextas-feiras com o grupo. Não esqueça isso.
(Ema tira toda a roupa da boneca-filha e a coloca na cama. A boneca-
mãe veio e abraçou e beijou o filhinho. Depois recolocou-a na mesa. Tirou
as calças do boneco-pai e o pôs na cama com a menina. Em seguida colocou

259
a boneca-mãe na cama. Tirou violentamente a menina da cama, arrastou-a
pelos cabelos por cima das roupas, surrou-lhe e vestiu-a novamente. Vestiu
o boneeo-pai e o pôs à mesa, juntamente com a boneca-mãe. Dispôs todas
as outras bonecas assentadas à mesa em frente ao pai e à mãe. Moveu o pai,
a mãe e a mesa onde estavam assentados para longe das crianças. Colocou
o bebê e o cachorro numa cadeira em frente às crianças. Trouxe novamen­
te o pai. Este beijou todas as crianças, despedindo.se, ignorou a mãe e fi­
nalmente foi colocado assentado na cama. O bebê foi colocado no colo da
mãe e esta posta sentada em frente às crianças. O pai foi tirado da cama,
tocou o cachorro e foi posto na cama novamente. O cachorro rosnou para
a mãe e foi colocado sobre uma cadeira. Ema pegou a mamadeira e bebeu
nela sem o bico. Fitou dura e longamente as bonecas. Levantou-se da mesa,
foi até o banco dos brinquedos, voltou trazendo papel de desenho e lápis de

INDEX
cor e veio sentar-se ao lado da terapeuta. Começou a desenhar.)
Ema: Isto vai ser igreja. (Desenhou em silêncio durante alguma tem­
p o .) Eu não sei como fazer as janelas da igreja.
Terapeuta: Você quer desenhar as janelas da igreja, mas não sabe co­
mo fazer.
Ema: Sim. Você me ajuda?
Terapeuta: Às vezes as janelas de igrejas têm desenhos coloridos, às
vezes são feitas só com vidros de diferentes cores.

BOOKS
Ema: Eu vou fazer colorido. São maiores que muitas janelas, não são?
Terapeuta: Sim.
(Ema desenhou as janelas e ficou mirando intensamente o desenho.
Terminoü-o e deu-o à terapeuta.)
Ema: Aqui, para você.
(Deixou de lado os lápis e voltou a prestar atenção nas bonecas. Riu
um pouco, levantou-se da mesa e foi até os soldadinhos e armou uma bata­
lha entre eles. Nesta altura ela voltou à mesa e sorriu seu risinho para a

GROUPS
terapeuta.)
Ema: Eu vou voltar, vou voltar, vou voltar quanto quiser.
Terapeuta: Você gosta de vir aqui.
Ema: Sim. (Despediu-se e saiu.)

COMENTÁRIOS

O desenho feito por Ema foi uma igrela marrom, com uma porta pre­
ta na qual desenhou uma cruz branca e o seu nome. As janelas foram c
cadas no alto e eram de diferentes cores. Os sinos eram de um vermelho
brilhante, com barras de severas listas negras. A chaminé também era ver­
melha e brilhante com os tijolos rigidamente separados. No topo do dese­
nho estavam impressas as letras A B C E F D X Y em cores brilhantes.

260
Nós apenas podemos fazer conjeturas sobre o significado da igreja .para
Ema. Tendo em mente que o orfanato é uma instituição religiosa onde a
instrução religiosa é intensamente ministrada, nós poderíamos supor que is­
to indicava um sentimento de culpa da parta de Ema, desde que o desenho
fo i seguido pela brincadeira dela com as bonecas, a qual parecia ser uma
perturbado jogo sexual. Suas maneiras durante este brinquedo eram tensas
e agitadas. A mãe representava uma pessoa dominante e perigosa. A bone-
ca-filha foi punida por causa de suas ações com o boneco-pai. Ninguém gos­
tava da mãe. Até mesmo o cachorro rosnou para e!a. A terapeuta não ver.
balizou nenhuma das ações que tinham sido tão intensamente “dramatiza­
das” por Ema, porque isto podia interromper a seqüência do jogo. Ema dis­
sera à terapeuta que observasse e esta fez exatamente isto. Possivelmente
ela poderia ter eliminado algum sentimento de culpa se reconhecesse alguns

INDEX
dos sentimentos expressos.
Numa entrevista posterior, Ema brincou de novo com a família de bo­
necas de uma forma semelhante a esta, mas desta vez ela verbalizou o seu
jogo. Talvez a terapeuta tenha sido cautelosa demais por abster-se de co­
mentários sobre esta experiência, mas ela sentiu que a verbalização dos sen­
timentos expressos pela criança neste brinquedo silencioso seria prematura.

QUARTO CONTATO — SEGUNDO CONTATO EM GRUPO

BOOKS
(As quatro meninas vieram juntas. Os meninos não apareceram. Edna
e Sharon pegaram as mamadeiras. Edna começou a desenhar. Shirley-
Ann assentou-se atrás da terapeuta e dèsenhou a esmo. Pegou então um sol­
dado e uma enfermeira e colocou-os sobre o papel, traçando assim suas si­
lhuetas. Ema pegou a mamadeira de Edna e bebeu nela. Edna não disse na­
da e continuou seu desenho.)
Shirley-Ann (para Ema): Você sempre pega as coisas dos outros.
Ema: E daí? O que que você tem com isso?
Shirley-Ann: Nas minhas coisas você não pega.

GROUPS
Ema: Ah! É? Eu vou te acusar. Vou contar o que você fez.
Shirley-Ann: Ema sempre acusa os outros. Sempre. Sempre. Vai cor­
rendo o conta.
Ema: É lógico que eu conto. Eu acuso todo mundo.
Sharon (pondo a máscara preta): Eu gosto de usar máscara. Eu vou
pôr uma preta agora.
(Ema devolveu a mamadeira a Edna. Ssntou-se à mesa, pegou o bo-
nequinho-pai e ficou segurando-o.)
Ema (para Edna com voz levemente cantada): Por favor, me dá a ma­
madeira?
(Edna estende a para ela. Ema pega a garrafa, retira o bico e bebe

261
desse modo. Deu um sorriso zombeteiro. Shirley-Ann tinha apanhado a ar­
gila. Depois de decorridos uns vinte minutos elas ficaram, finalmente, jun­
tas; assentaram-se no chão para brincar com a argila. Sharon deixou uma
das mamadeiras cair ao chão e esta quebrou-se. Ela quase começa a chorar.)
Shirley-Ann (consolando-a): Não chore. Ela não vai zangar com você.
(A terapeuta tranqüilizou Sharon, depois recolheu os cacos de vidro.)
Shirley-Ann: Está certo chorar se você pensa que vai ser punida, mas
quando você sabe que não vai ser, então pra que chorar?
(Sharon sorriu com este inteligente pensamento.)
Sharon: Eu não tenho que pedir desculpas? ,
Terapeuta: Não, você não tem que pedir desculpas, Sharon. Você nem
sempre gosta de ter que pedir desculpas pelas coisas que você faz.
Sharon: Não, mas eu estou realmente sentida de ter quebrado a ma­

INDEX
madeira. Estou mesmo.
Terapeuta: Você está realmente sentida com isto.
Sharon: Sim.
(As outras meninas não trabalhavam muito bem com a argila. Passa­
ram a maior parte do tempo fazendo comentários sobre a ida até a piscina,
o que ia ocorrer naquela tarde. Elas apenas amassavam a argila sem mo­
delar nada. Entretanto, Ema fez alguma coisa. Estava de costas para as ou­
tras ocultando o que fazia. Finalmente Shirley-Ann veio até à terapeuta e
perguntou-lhe muito decididamente se ela estava enviando alguma coisa pa­

BOOKS
ra a China para ajudar o povo de lá que estava morrendo de fome, e não
tinha roupas para vestir.)
Terapeuta: Você está preocupada com as criancinhas da China.
Shirley-Ann: Oh! Sim. Elas estão morrendo de fome. Estão morrendo
porque não têm comida. Nós aprendemos isso na escola dominical. De vez
em quando eu choro de noite por causa disso. Eu me sinto tão triste. (Ela
estava como se fosse chorar novamente.)
Ema (olhando por sobre os ombros e com um sorriso maldoso): Man­
da sobra de comida cuspida pra eles.

Blank.
GROUPS
Shirley-Ann (horrorizada): Oh! Não! Não diga uma coisa dessas, Ema

Ema (imitando-a): Ema. Ema Blank. Bem, isto é o que Ema Blank
pensa sobre eles. Eu poderia falar isto para a professora?
Terapeuta: Você quer dizer isto aqui porque sabe que não pode dizê.
lo para a professora.
Ema: Sim. Ela me mataria e me mandaria para lá para eles me co­
merem. (R i.)
Shirley-Ann: Ela não faria isto, mas deveria. Você é odiosa, Ema Blank
Ninguém gosta de você! (Ema imediatamente tenta tomar a mamadeira de
Edna à força. Segue-se uma briga.)

262
Edna: Pega aquela outra lá. A minha não.
Ema: Pega a outra você. Eu quero é a sua.
Edna: Eu peguei esta primeiro. Você não quis esta. Aquela lá é a sua.
Terapeuta: Ema quer a sua porque ela está com raiva depois do que
Shirley-Ann disse dela.
Ema: É claro que estou. Eu estou com raiva de vocês o tempo todo.
Estou com raiva de vocês todos.
Shirley-Ann: De qualquer modo, tem outra mamadeira ali. Pega aque­
la lá. (Ema voltou à argila.)
Terapeuta: Ema queria a mamadeira que estava com Edna — não uma
qualquer. (Ema levantou os olhos e sorriu.)
Ema (indicando a terapeuta): Eu não brigo com ela.

INDEX
Shirley-Ann: Não. É claro que não. Você ainda não está tão doida.
Ema: Eu não estou com medo. (Longa pausa.)
Sharon: O que que você está fazendo? (Ema esconde o que estava fa­
zendo .)
Ema: Na certa você quer saber. Pois bem. Você não vai ver.
(O tempo terminara e as meninas foram embora. Nenhuma menção
foi feita por nenhuma delas ao fato dos meninos não terem aparecido. Ema
veio até à terapeuta e mostrou-lhe a figura de um homem que ela acabara
de fazer.)

BOOKS
Ema (sorrindo ironicamente): Vê? Ele tá sem roupa nenhuma.
Terapeuta: O homem não tem roupa nenhuma. (Ema enrolou o ho­
mem de argila formando uma bola e ajuntou-a no papel com o resto da ar­
gila.)
Ema: Ninguém mais vai ver ele agora. Elas não precisam saber o quê
é que eu fiz.
Terapeuta: Você não quer que elas saibam o quê que você fez.
Ema (rindo): Eu odeio elas até às tripas.

GROUPS
Terapeuta: Você as odeia até às tripas.
(Ema riu alto. As outras meninas disseram adeus e foram embora.
Ema despediu-se animadamente e deixou a sala vaiando e rindo.)

COMENTÁRIOS

Depois que as meninas se foram, os meninos entraram. Eles disseram


que não queriam vir com as meninas. A terapeuta concordou em vê-los em
grupo separado do das meninas.
Esta sessão de grupo ilustra as possibilidades da interação entre os

263
membros do grupo, de tal mòdo que certos, indivíduos tenham “ insight’'.
Ema pareceu reconhecer o fato de que, quando ela se relaciona com as ou­
tras meninas de maneira cortês, ela obtém muito mais vantagens do que
quando apela para a força. A medida' que o tempo passou isto tomou-se
mais èvidente. Finalmente ela parou de tentar Conseguir tudo através da
força. Ela revela, inteiramente, neste contato, sua hostilidade para com as
outras crianças, para com os adultos, como os professores da: escola domi­
nical, e para com o mundo em geral, incluindo aqueles que estão sofrendo.
Sua maldade é o resultado de anos de frustrante carência. Ela também ex­
pressa bastante mais livremente seu interesse em sexo. A terapeuta poderia
ter sido mais perspicaz para apreender os sentimentos expressos, em vez de
ser meramente repetitiva.

Ema mostra uma importante aceitação de si mesma quando admite


que queria a mamadeira de Edna somente porque queria atacá-la. Esta par­

INDEX
te foi manejada de modo mais satisfatório pela terapeuta. Ema, aos poucos,
vai explorando as possibilidades do uso das boas maneiras ao invés da força,
na obtenção de seus intentos.

Neste contato pode-se ver o processo da terapia em ação . A interação


do grupo, a aceitação de Ema pela terapeuta como ela realmente é, a real
liberdade para expressar-se, indicam um tipo de comportamento mais positi­
vo . Embora as outras garotas tenham manifestado surpresa com as manifes­
tações ousadas de Ema, era evidente que elas também gostaram delas. Mais

BOOKS
uma vez nós temos o homem nu que já apareceu em três ou quatro conta­
tos . Ema parece gostar de cada minuto da entrevista. Não mostra qualquer
sinal de tensão. Gosta muito desta chance de ser “ ela mesma” .

QUINTO CONTATO — TERCEIRO CONTATO INDIVIDUAL

(Ema chegou, abriu as tintas e riu largamente.)


Ema: Onde está a tinta preta? (A terapeuta apontou-lhe a tinta preta.
Ema fez o esboço de uma casa. Colocou nela tinta vermelha. Quando a tin­

misturados.
GROUPS
ta vermelha escorreu, ela fez uma careta.) Olha! Preto e vermelho ficaram

Terapeuta: Você não gosta disto.


Ema: Não. (Pintou uma árvore azul do lado da casa. Parecia muito
feliz.) Você escreve: “ Os três ursinhos” para que eu possa ler para minha
irmã.
Terapeuta: Você quer que eu escreva isto para você porque eu escrevi
o mesmo para Edna, ontem.
Ema: Sim. É por isto. Você vai escrever?
Terapeuta: Sim. Você me dirá o que devo escrever. Edna fez isto.

264
\

• - i Ema: Era uma vez três ursinhos que eram fedorentos. Eles fizeram
sopa — sopa de feijão de novo — puseram muita pimenta nela e foram pas­
sear. Lá longe vinha Cachos de Ouro. Ela era uma ladra porca. Ela chegou,
rebentou a fechadura e tomou a sopa e quando os ursos voltaram e encon­
traram ela fizeram sopa com ela e ficou muito melhor que a de feijão. (Ema
ri deliciada. Ela subitamente levantou o desenho e a tinta escorreu toda de
novo.)
Ema: Oh! Praga! (Olhon rapidamente para a terapeuta.)
Terapeuta: Você pensou que eu te repreenderia por isto, não pensou?
Ema: E você não vai? (A terapeuta nãó disse nada. Ema riu alto, irô­
nica.) Bem, eu pensei mesmo que você não ia fazer. (Parecia encantada.-
Continua pintando.) Praga! Praga! Maldição de Deus!
Terapeuta: Você gosta de praguejar. (Ema concorda e pragueja ain-

INDEX
da mais.)
Ema: Eu posso ir lá na torneira mudar essa água de tinta?
Terapeuta: Se você quiser.
(Ema mudou a água e começou outra pintura. Sorria, enquanto pin­
tava seu nome em vermelho. Então pintou: B b a R R a em verde; em azul
pintou PATTY 515; pintou LAB em laranja; USA em amarelo seguido por
um “V” da mesma cor.)
Ema: Que que você pensa disto agora?
Terapeuta: Hummm.

BOOKS
Ema: Sabe que que é isto tudo?
Terapeuta: Você quer me contar tudo? (Ema fez que simvigorosa­
mente com a cabeça. >
Ema (apontando para o verde): São só letras. Não significam nada.
Patty é minha irmã. Ela tem oito anos. (Muito cuidadosamente pôs a pin­
tura na mesa para secar. Esta não escorreu Em outro papel ela pinta em
vermelho E B P B . ) P.B. é para minha irmã Patty. (Pintou uma casa ver­
de, uma árvore verde e um gramado verde.) Olha! Se eu não ponho muita
água no pincel ele não escorre. (Sorriu largamente.)

guma coisa. GROUPS


Terapeuta: Sim, está certo. Você está contente por ter descoberto al­

Ema: Sabe, eu nunca pintei antes como agora. Nunca.


Terapeuta: E você gosta de fazer isso.
Ema (rindo): Eu estou conversando mais também, não estou?
Terapeuta: Sim, você está. Você se sente livre para dizer para mim
qualquer coisa que você sente.
Ema: Hum. Hum. (Pintou sabre a casa verde com tinta preta.) Aqui!
Você pode ficar com isto. Eu quero que você fique com isto. (A terapeuta
aceita a pintura.)

265
(Ema começa a íazer um terceiro quadro. Era o desenho de uma
bandeira.)
Ema: Esta pintura é pará mim.
Terapeuta: Você quer ficar com ela.
Ema: Sim. Adivinhe o que é isto.
Terapeuta: Isto parece uma bandeira.
Ema: E é. (Ela estava feliz com o fato da terapeuta ter entendido o
que ela tinha desenhado. Seu desenho estava multo bem feito em vermelho,
branco e azul. As estrelas eram douradas.) Esta bandeira é para o meu pa­
pai. Ele está no exército.
(Ela pintou um avião em cima da bandeira e, exatamente quando pin­
tava este avião, passou um em vôo rasante sobre o edifício. Voava tão baixo
que as crianças lá fora começaram a gritar “Vai cair!” “ Vai cair!” “Está

INDEX
caindo!” As diretoras correram para fora e começaram a gritar. O aviao
tomou a passar em vôo rasante sobre o lugar ainda umas três vezes. Al­
guns dos bebês começaram a chorar. Ema pintava imperturbavelmente, ain­
da sorrindo um pouco para ela mesma. Virou o papel para a terapeuta e
disse: “Escreva avião, aqui.” A terapeuta o fez. Ema então abandonou as
tintas, esvaziou a água e voltou para perto da terapeuta.)
Ema: Vem jogar comigo.
Terapeuta: Você quer que eu jogue uma partida de damas com você.
Ema: Sim. Me ensina. As meninas estúpidas lá do alojamento não-

BOOKS
me deixam jogar com elas porque eu não sei.
Terapeuta: Você pensa que se aprendesse a jogar alguns dos jogos das
outras meninas, poderia se dar melhor com elas.
Ema: Sim.
(A terapeuta explicou-lhe o jogo. Ela aprendeu rapidamente.)
Ema: Agora nós vamos jogar outra partida e você me deixa vencer.
Terapeuta: Você quer estar certa de que vai vencer este jogo.
Ema: Sim. (Ela e a terapeuta jogaram uma partida e Ema venceu

GROUPS
desta vez.) Nós ainda temos tempo para jogar outra partida?
Terapeuta: Sim, haverá tempo para mais uma.
(O jogo prosseguiu sem mais comentários até que Ema percebeu que
estava perdendo a partida.)
Ema: Será que você vai ficar zangada se perder desta vez?
Terapeuta: Você acha que eu não gostaria que você ganhasse todas as
partidas.
Ema: Você não gostaria, não?
Terapeuta: Eu não me importaria. Você quer vencer desta vez, tam-

266
bém, não quer?
Ema: Sim. Vocè me deixa vencer esta também. (A terapeuta delibe­
radamente colocou suas pedras de forma a que ela viesse a ganhar.) Agora
mostre.me como que eu posso trapacear para vencer sempre.
Terapeuta: Você quer saber como trapacear para vencer sempre, to­
das as vezes que jogar damas.
Ema: Sim. É Isto mesmo que eu disse.
Terapeuta: Quando nós começamos este jogo, você disse que queria
aprender para jogar com as outras meninas. Elas não jogariam com você
se você trapaceasse.
Ema: Elas não precisam saber que eu estou trapaceando.
Terapeuta: Você quer vencer de qualquer modo e para isto quer
aprender como trapacear e acha que elas não descobririam. Mas elas des­

INDEX
cobririam sim.
(Ema levantou-se a caminhou até o banco para pegar a mamadeira.
Bebeu nela e olhou para a terapeuta com uma expressão de maLhumor e
raiva na face.)
Ema: Eu vou jogar isto no chão e quebrar.
Terapeuta: Você quer quebrar a mamadeira porque eu não vou ensi­
nar a você como trapacear. (Ema balançou a cabeça afirmativamente. Pa­
recia muito tensa. Com um puxão, arrancou o bico e bebeu a água.)

BOOKS
Ema: Eu vou jogar isto no chão e quebrar.
Terapeuta: Você vai jogar isto no chão e quebrar porque eu não vou
íazer o que você me pediu. (De repente, Ema riu e colocou a garrafa no
banco. )
Ema: Como é que eu posso continuar a ficar com raiva se você não fi­
ca também?
Terapeuta: Você quer que eu fique com raiva também?
Ema: Não! Não! De verdade. Eu não quero não. Além do mais se eu
quebrasse esta mamadeira você poderia não me deixar mais usar ela.

GROUPS
Terapeuta: Você não poderia usar uma mamadeira quebrada.
Ema: Não. Minha hora acabou, não é?
Terapeuta: Sim. Você só tem três minutos de resto.
Ema: Não se pode fazer muito com três minutos.
Terapeuta: Não. Não se pode fazer muito em três minutos.
Ema: Você não está zangada comigo não, tá?
Terapeuta: Não. Eu não estou zangada com você. Você pensa que eu
possa estar, mas eu não estou.
Ema: Eu vou levar este quadro. Você pode guardar este aqui da nos­

2(57
sa casa. Eu não quero nem ver ela perto de mim. Eu não gostaria de ir lá.
Nem mesmo se você me pagasse eu iria. Até-logo.
(Ema saiu rapidamente, levou a pintura da bandeira e aquela com as
letras pintadas, mas deixou a pintura da casa.)

COMENTÁRIOS:

Nesta entrevista Ema parece ter-se expressado profundamente e ter


revelado importantes sentimentos. Também mostrou sinais de estar ganhan­
do vim pequeno “insight" em seu comportamento antisocial. Tomou a ini­
ciativa de tentar ajudar-se aprendendo um jogo que lhe permitisse brincar
com as outras crianças. Mostrou também outras ações positivas. Expressou
consideração para com os sentimentos da terapeuta quando perguntou-lhe
se ela ficaria “ com raiva” se perdesse a ssgunda partida. Estava aceitando a
limitação do tempo quando perguntou se haveria tempo para uma segunda

INDEX
partida. Ema parecia também ter tomado responsabilidade por ela mesma
quando relatou seu próprio comportamento: “ Eu estou conversando mais
agora”, e quando ela observou a quebra da mamadeira, " . . . se eu quebrasse
esta mamadeira você poderia não me deixar usar ela mais.”

Algumas das respostas da terapeuta neste contato são superficiais e


conseqüentemente inadequadas. Entretanto, Ema sentia a profundidade de
sua auto-aceitação, trazendo livremente à tona seus mais hostis pensamen­
tos e sentimentos. A terapeuta manejou muito mal o episódio da trapaça no
jogo. O antagonismo de Ema em relação à terapeuta neste último ponto é

BOOKS
prova do que acontece quando a terapeuta desvia-se dos sensatos princípios
1 ?
a> da terapia e retoma à usual maneira moralista e sutilmente dissuasiva do
desejo de trapacear. I mediatamente Ema reage de sua maneira "normal”
,^ tomando-se antagônica e mal-humorada. Tivesse sido permitido a Ema ser
\ responsável por suas próprias atitudes, isto não teria acontecido. A terapêü-
j ta poderia ter dito, quando solicitada a ensinar-lhe a trapacear: "Você real-
| mente gostaria de aprender a trapacear^ não gostaria? Mas êu~não vou en-
I siná-la como.” Esta resposta teria certas limitações que a terapeuta não po-
! deria prever, mas não a revelaria atenta ao controle dos sentimentos da cri-

GROUPS
^ança e ao seu comportamento exterior.

No caso do avião, também, as reações são muito importantes. Uns


poucos dias depois, Ema mencionou o quanto ela estava amedrontada quan­
do o avião passava baixinho sobre o alojamento, mas não houve nenhum
sinal de medo durante o incidente.

As pinturas eram interessantes detalhes a serem adicionados ao estu­


do desta menina. O desejo expresso por ela em relação à casa negra foi de
grande significação: — Ela não a queria perto de si, não queria ir para lá
mesmo que a pagassem.

268
Ema já estava mais à vontade nas entrevistas posteriores. É interes­
sante notar como ela retomou à mamadeira quando foi bloqueada pela fal­
ta de jeito da terapeuta, no episódio da trapaça no jogo.

SEXTO CONTATO — TERCEIRO CONTATO EM GRUPO

(As meninas encontraram o carro da terapeuta e insistiram em trans­


portar a mala de brinquedos e desembrulhá-la. Ema, precipitadamente, pe­
gou uma mamadeira.)
Ema: Hoje eu não estou usando o bico. Estou me enchendo de cerve-
ja.
Sharon: Eu não vou usar o bico também não.
Shlrley-Ann: Eu vou.

INDEX
Terapeuta: Ema e Sharon não querem usar os bicos, mas Shirley-Ann
quer.
ShirleyAnn: Eu sou o único bebê aqui.
Terapeuta: Você quer ser o único bebê aqui.
Sharon: Nenê! Nenê!
Ema: Nenezinho sujo e fedorento.
(Sharon, Edna e Ema sentaram na mesma mesa e começaram a pin­
tar. Shirley-Ann sentou-se afastada da terapeuta e bebeu de uma garrafa.)

BOOKS
Edna: Foi difícil esperar você chegar hoje.
Ema: Sharon porca e suja. Tá com a sua água toda suja. Eu fico
com a minha água limpa.
Sharon: Ouviram ela? Ema está se gabando de novo. Ela falou que as
minhas tintas são sujas e as dela são limpas.
Edna (para Sharon): Nós somos bagunceiras. Ema é a única pintora
cuidadosa. Nós somos bagunceiras e porcalhonas. (Ela sacudiu o pincel e
jogou água de pintura em Sharon.)
Sharon: Pára com isso. Moça, olha! Ela tá jogando água em mim.

GROUPS
Shirley-Ann: Até que isto é bom pra você.
Edna: Veja como esta água de pintura muda de cor. Crianças são ba­
gunceiras mesmo.
Ema: Só se a gente deixar. Comigo não acontece isto. Eu sou a pinto­
ra mais cuidadosa do mundo inteiro. Não sou porca, não sou um pirralho
fedorento. Eu sou melhor que todo mundo. (As outras a vaiaram.)
Edna: Escutem a velha metida Ema.
Ema (com um sorriso de superioridade): Edna, use o vermelho sem
esperdiçar muito. Não há razão para gastá-lo.

269
Sharon: Você realmente gosta de mandar.
Ema: É isto mesmo. Outra coisa. Eu vou matar os japoneses esta
noite.
(Shirley-Ann deixou de lado a mamadeira.)
Ema: Você está largando a mamadeira, Shirley?
Shirley-Ann: Sim.
(Sharon levantou-se e começou a dançar.)
Ema: Senta aqui e pinta, menina, antes que eu te dê uma "cocada".
Sharon: Eu não consigo sentar. Estou com formiga no corpo.
Ema: Oh! Eu vou pintar no chão. E é muito bom saber que depois
eu não vou ter que limpar ele. Mas eu vou limpá-lo.
Terapeuta: Você não gosta que lhe digam para limpar depois do seu

INDEX
trabalho.
Sharon: Porque se D. S. dissesse a ela para fazer isto ela teria
um ataque. Ema é muito raivosa.
Ema: A senhora não acha que eu sou raivosa.
Terapeuta: Ema está completamente certa de que eu não acho que ela
é raivosa.
Edna (para Ema): Eu vou pintar exatamente isto que você está pin­
tando.

BOOKS
Ema: Vá em frente. Seja uma boba se você quer.
Sharon: Oh! Ema. Veja como você fala. Você não devia falar assim.
Ema: A senhora disse que eu poderia falar do jeito que eu quisesse
quando eu estivesse aqui.
Terapeuta: Ema quer ver se realmente penso assim. Ela quer tentar
isto.
Sharon: Olha. Edna ainda tem um pouco de água no vidro.
Ema: Ela não é uma porcalhona como nós.

GROUPS
(Shirley.Ann olhou para o desenho de Ema.)
Shirley-Ann: Que é isto?
Ema: É o desenho de uma grande porcaria. É isso.
Shirley-Ann: Uma grande porcaria?
Ema: Sim. Realmente é o desenho de uma grande porcaria. É um
banheiro, vê? E alguém já usou ele.
Sharon (começando a p'.ntar e usando a água da mamadeira para a
pintura): Você pinta cada coisa esquisita! (Ema chegou se a Sharon.)
Ema: Deixa eu usar um pouco de sua água de pintar? Aquelas meni­
nas pegaram a minha, tá vendo? (Como Ema tivesse mergulhado o pincel na

270
água, após a permissão de Sharon, esta ficou alaranjada.)
Sharon: Oh! Veja! Laranjada! Eu vou beber a laranjada. (Agarrou a
garrafa.)
Edna (indo buscar ájua, chamou Ema do lavatório): É melhor você
vir aqui para me ajudar, Ema. Eu não posso fazer o que estou tentando fa­
zer.
Ema: Oh! Inferno! Pede pro diabo!
Shirley-Ann: Oh, Ema! (As meninas riram.)
Terapeuta: Ema gosta muito de escandalizar as outras meninas com
suas palavras.
Sharon (para Shlrley-Ann): Olha! Sua velha porca. Você está gastan­
do o verde todo. Sabe que nós estamos rindo é de você? Você é a própria
porcalhona!

INDEX
(Ema espirrou tinta; rapidamente pegou a toalha do lavatório e lim­
pou tudo.)
Ema: D. S. faria o inferno, se soubesse. Olha esta toalha aqui! Ah!
Ah! Ah!
Terapeuta: Você acha que D. S. não gostaria de ver a toalha toda su.
ja de tinta.
Ema: Querida senhora. Ela morrerá quando vir isto — eu espero.
(A terapeuta decidiu levar a toalha para casa e lavá-la antes de reco­

BOOKS
locá-la no cabide. Ema levantou-se de um salto e começou a desfilar em
volta da mesa, cantando sua versão de "Avante soldados de Cristo!” )
Ema: “Avante soldados de Cristo!
Marchando para a guerra, guerra, guerra
Se ela soubesse o que eu fiz
menino! Faria um inferno!”
(As outras meninas riram-se às gargalhadas.)
Ema (Imitando D. S .): Oh! Minha toalha! Minha toalha! Quem jogou

GROUPS
tinta na minha toalha? Vou dar uma surra nela! Vou matá-la! Minha toalha!
Minha toalha! (As crianças aplaudiram e riram da encenação de Ema. Esta
ria-se mas, subitamente, ficou séria.) Parem com este riso idiota agora, me­
ninas! Olhem seus modos! (Novamente as meninas vaiaram. Ema sentou-se
em frente à terapeuta, rindo.)
Ema: Por que a sra. não vem para aqui e fica?
Edna: Por favor, faça isso.
Terapeuta: Vocês acham que seria bom que eu morasse aqui com vo­
cês.
Shirley-Ann: A sra. vem?

271
Ema: Não. Ela não vera. Quem é que ficaria aqui se não fosse obri­
gado? (Fitou as outras maliciosamente.)
Terapeuta (para Ema): Você não gosta deste lugar.
Ema: Eu odeio este lugar.
Shirley-Ann: É um bom lugar.
Ema: Bah! É um lugar destestável.
Terapeuta: Shirley-Ann pensa que é um bom lugar, mas Ema pensa,
que é um lugar detestável.
Edna (sussurrando): Eu também o odeio.
Terapeuta: Você não quer dizer alto o que você pensa.
Edna: Não. Alguém poderia contar.

INDEX
Terapeuta: Você tem medo que se alguém contar o que você sente, vocé
possa ter problemas. ,
Ema: Eu não tenho medo. Eu conto pra eles. Eu grito isto bem alto.
Eu digo que odeio vocês. Odeio este velho lugar. Eu odeio vocês todos.
Edna (manifestando grande admiração): Ela faz isto sim. Ela não
tem medo.
Terapeuta: Ema não tem medo de dizer bem alto o que ela pensa.
Ema: Eu não tenho medo.
Edna: Mas ela está sempre de castigo por causa disso.

BOOKS
Ema: Eu não m e importo.
Terapeuta: Você não se importa se você fica de castigo. Você diz o
que pensa de qualquer maneira.
Shirley-Ann: É um bom lugar.
Ema: É um bom lugar porque na certa você é protegida. Mas eu não
sou protegida.
Terapeuta: Você acha que seria um bom lugar para alguma de vocês,
mas não para você especialmente.

GROUPS
Ema: Eu não odeio todo mundo.
Terapeuta: Oh! Há alguém de quem você gosta.
Ema: Eu gosto de você. Gosto de Edna e de Sharon.
Terapeuta: Você realmente gosta de algumas de nós.
Ema: Sim.
Edna (espantada): Você gosta de mim?
Ema: Eu ainda gosto de você.
Terapeuta: Nosso tempo acabou, por hoje.
Ema: Vamos! Depressa! Ajudem a limpar isto aqui! Vamos guardar

272
os brinquedos.
(As meninas apressadamente limparam a sala e guardaram os brin­
quedos .)
Ema (para a terapeuta): Olha aqui meu último desenho. É uma ca­
deia e eu estou presa nela.
Terapeuta: Oh, você se pôs na cadeia.
Ema: Você pode ficar com ele. E com este outro também. Minha
grande porcaria e eu.
(As meninas saíram juntas.)

COMENTÁRIOS

Nesta sessão as personalidades das meninas entraram em conflito vá­

INDEX
rias vezes, tomando-se finalmente, compatíveis. É muito interessante notar
a completa mudança dos intensos sentimentos negativos de Ema, após ela
tê-los expressado, em relação ao orfanato e a todos de lá. Ser capaz
de declarar voluntariamente que gosta de alguém, é, na certa, um sinal de
progresso no que diz respeito a Ema. Ela se põe “no centro do palco” e ga­
nha a admiração das outras meninas pelas suas observações ousadas e ve­
nenosas expressões. Este contato parece ilustrar um dos valores da terapia
em grupo. Em um contato individual Ema não teria experimentado a rea­
ção provocada nas outras meninas pelas suas declarações. Parece muito

BOOKS
provável que Ema tenha sido capaz de aliar-se com as outras meninas após
estas terem expressado suas aprovações e acordos em relação a seus senti­
mentos para com o orfanato. A exclusão de Shirley-Ann do grupo de pessoas
que Ema diz gostar serve de base para esta consideração.

O uso do material artístico ó novamente interessante. Talvez, se a te­


rapeuta tivesse tido maior capacidade de refletir os sentimentos de Ema,
expressos naquele desenho de “uma grande porcaria”, não teria sido neces­
sário que ela própria se punisse, desenhando-se na cadeia.

GROUPS
Ema parece ter obtido considerável “insight” sobre o seu comporta­
mento, nesta entrevista. A terapeuta também já está mais à vontade com
as meninas. Agora ela tornou.se a “ sra” para elas. Nas entrevistas anterio­
res ela era uma pessoa sem nenhuma identidade. Nas que se sucedem, seu
nome vai sendo mudado, à medida que vai sendo estruturado um relaciona­
mento entre ela e as meninas, o que é mais ou menos ilustrado pelo modo
como elas a chamam.

Parece improvável que Ema tenha progredido tanto só pelos contatos


individuais. Desde que seu problema é primordialmente de ajustamento so­
cial, a experiência de grupo parece ser o melhor meio para ela.

273
Terapeuta: Você só tem cinco minutos de resto.
Ema: Eu quero jogar dama e desenhar. Eu quero fazer as duas coi­
sas ao mesmo tempo. Eu não sei o que eu prefiro fazer.
Terapeata: fi um pouco difícil decidir.se.
Ema: Sim. Eu vou desenhar. É mais rápido.
Terapeuta: Desenhar não gasta tanto tempo quanto jogar.
Ema: Olha isto!(Ela desenha um grande “U S” e preenche o “XJ” com
lápis preto.) Eu posso levar isto aqui para lá comigo?
Terapeuta: Se você quiser, pode.
Ema: E eu posso vir amanhã com o grupo, não posso?
Terapeuta: Sim.
Ema: Sabe? Eu preferiria vir com o grupo todas as vezes. Eu acho

INDEX
que é melhor, ter o grupo duas vezes por semana em vez de uma sozinha.
Pode?
Terapeuta: Você pensa que seria melhor se nós tivéssemos encontro
junto com o grupo em vez de sozinhas como agora.
Ema: É isto mesmo. Eu estou sozinha a qualquer hora. Aqui eu te­
nho alguém para brincar comigo.
Terapeuta: Você realmente gosta disso porque aqui as outras brincam
com você e você gosta mais disso do que de ficar sozinha.
Ema: Você quer saber realmente de uma coisa? Minha mãe ainda vem

BOOKS
me buscar um dia destes e vai me levar para ver a banda e os bichos, bi­
chos grandes e bravos. E ela vai ver se traz o meu padrasto. Talvez ele ve­
nha e talvez os leões e tigres devorem ele. Vai ter macacos também.
Terapeuta: Você acha que talvez sua mãe venha ver você esta semana
Isto seria realmente uma comemoração.
Ema: Sim. Uma banda de musica também.
Terapeuta: Com uma banda de música, animais selvagens e todas as
coisas.

GROUPS
Ema: Eu sou realmente uma grande mentirosa. (Riu encantada.) Ela
me disse que viria. Talvez ela venha. Eu acho que ela virá. Entretanto ela
não virá.
Terapeuta: Ela disse a você que viria, mas você não está certa de que
ela realmente venha.
Ema (escondendo o rosto com as mãos): Você é minha protetora.
Terapeuta: Você quer que eu seja sua protetora.
Ema (sussurrando): Toda minha. De mais ninguém.
Terapeuta: Você quer que eu pertença somente a você.

278
Ema (levantando-se e fechando a caixa de lápis): Eu voltarei amanhã.
Acho que já passou da hora.
Terapeuta: Sim, o tempo terminou por hoje.
Ema: Até logo, querida senhora.
(Ema sorriu muito triste à terapeuta e deslizou em direção à porta.
Subitamente, fez-lhe uma careta e, saltitando, foi embora.)

COMENTÁRIOS

Nessa entrevista, Ema, certamente, se examina francamente. Ela se auto-~


analisa em algumas ocasiões e aponta acuradamente suas ações que mais ge­
ram conflitos. É interessante notar que'ela; inclui certas considerações nega­
tivas sobre seu comportamento. Ainda gosta de escandalizar a terapeuta.
Quando se chama de comilona, ela quer ser chamada de comilona. Genera­

INDEX
lizações não a satisfazem completamente. Depois de afirmar que gosta de
chegar atrasada para as refeições e que é uma “comilona” , admite que tais l
observações são de alguém “ espsrto e insolente” . Pode.se imaginar a rea- j
ção de Ema se estas acusações fossem feitas psla terapeuta. Elas teriam a- \
penas servido para canalizar-lhe as reações negativas. Achando-se aceita in- f
condicionalmente ela chega até a dizer: “Eu sou o pirralho mais desprezível i
daqui desta porcaria.” “ Eu brigo, minto e faço intriga.” Então ela tenta
se explicar à terapeuta, começando pelo medo sentido durante as manobras I
do avião sobre o galpão, de como suas ações simulam seu sentimentos e co-J

BOOKS
mo suas atitudes reais são diferentes do seu comportamento externo.

Quando Ema sugere que gosta mais de vir com as outras meninas e
brincar com elas, parece estar bastante consciente de suas necessidades. O
aspecto estranho desse pedido foi que cada uma das meninas fez o mesmo
pedido durante os seus contatos individuais nessa mesma semana. Não se
sabe se as meninas combinaram antes pedir isto à terapeuta. Esta, entre­
tanto, concordou em ver as meninas em grupo, duas vezes por semana. Por­
tanto, este foi o último contato individual de Ema.

GROUPS
A referência de Ema à esperada visita de sua mãe, certamente aponta
os confusos e conflituosos sentimentos que a idéia da visita da mãe lhe pro­
voca. A criança parece estar buscando um apoio digno de confiança quando
passa a chamar a terapeuta de um modo particular. Entretanto ela não con­
segue ficar arrependida e comportada muito tempo. Rapidamente ela se ar.
ma com suas defesas: faz caretas, dá risos forçados e daixa de ser ela mes­
ma.

OITAVO CONTATO — QUARTO CONTATO EM GRUPO

(As quatro meninas já estavam na sala de brinquedos quando a tera-

277
pouta chegou. Logo que entrou, elas gritaram e fizeram grande alarido.)
Sharon: Puxa! Pensei que você não viesse mais. Entra. Entra.
(Foram até o carro, pegaram a maleta com os brinquedos e abriram-
na. Cada uma pegou logo uma mamadeira.)
Ema: Venha! Vamos ser bebês. Eu vou mamar.
Outras: Eu vou mamar também. Sou bebê.
(Todos elas mamaram e agiram como bebês. Shirley-Ann foi para a
argila. Edna, Sharon e Ema começaram a desenhar.)
Sharon: Onde está o vidro de tinta?
Edna: Tá quebrado. Shirlejy-Ann quebrou ele.
Sharon (para Shirley-Ann): Você quebrou?
Shirley-Ann: Sim. Mas eu não pude evitar. Não foi? Eu realmente não

INDEX
pude evitar. Não foi? Não foi?
Terapeuta: Não. Você não pensou em quebrá-lo.
Shirley-Ann: Eu fiquei muito sentida com isto, não foi?
Terapeuta: Você ficou muito sentida com isto.
Sharon: Uma vez eu quebrei uma mamadeira e quase chorei.
Ema (zombando): Rá, rá, ráj
Sharon: Eu realmente quase chorei, não foi?
Terapeuta: Sim. Você quase chorou.

BOOKS
Shirley-Ann (para a terapeuta): Um dia você deixou uma cair e que­
brar e nós não nos sentimos tão mal assim.
Terapeuta: Vocês não sentiram tão mal quando eu quebrei uma tam­
bém.
ShirleyAnn: Sim. De vez em quando todo mundo quebra alguma coi­
sa.
Ema ( arremedando): De vez em quando todo mundo quebra alguma
coisa.

GROUPS
Sharon (defensivamente): É sim.
Ema (para a terapeuta): Você gosta da gente, mamãe?
Terapeuta: Você quer saber se eu gosto de vocês, hem?
Ema: Bem, você gosta?
Terapeuta: Sim.
Sharon: Nós gostamos dela como de uma mãe, não gostamos?
Shirley-Ann: Eu vou...........
Sharon: Eu vou casar com meu papai.

278
Shirley-Ann: Oh! Você não pode íazer Isto.
Ema: Eu vou casar com um homem de cera, vou derretê-lo e picá-lo
em pedacinhos.
Sharon: Oh! Ema!
Edna: Eu vou casar com Jesus.
Ema: Estas meninas falam cada coisa. Pois eu vou casar com todo
mundo. Não vou deixar sobrar ninguém para vocês.
Edna: Você vai casar com todo mundo? Mesmo com ele? (Apontando
para o pavimento de baixo.)
Ema: Mesmo com ele.
(As três meninas pintavam em silêncio. Shirley-Ann fazia tiras de ar­
gila e imprensava-as na mesa.)

INDEX
Sharon: Mary disse para eu levar para ela um pouco de papel. Nós
não podemos levar, podemos?
Terapeuta: Não. Vocês podem usar o papel aqui, mas não podem levá-
lo para fora. Não temos papel bastante para isto.(Sharon estava fazendo
uma sujeira com seu desenho.)
Shirley-Ann: melhor você ficar aqui comigo, Sharon. Eu não vou
te pôr tão nervosa.
Sharon: Olha estas pinturas. Estão todas lambuzadas.
Shirley-Ann: Bem, você sujou elas.

BOOKS
Ema: Parem de falar tanta besteira. Vocês incomodam minha ma­
mãe.
Sharon: Ela não é sua mamãe.
Ema (gritando): Ela é minha mamãe. Vocês estão enciumadas por­
que ela não é mamãe de vocês e sim a minha mamãe.
Shirley-Ann: Ela é minha namorada.
Ema: Eu gosto mais dela do que de minha mãe de verdade. Minha!
mãe de verdade não presta. Eu tenho um padrasto que também não presta.

GROUPS
Quando eu tiver dez anos e minha irmã estiver mais velha também, minha
mãe vai para o exército.
Sharon: Ela vai? Minha mamãe trabalha duro.
Ema: De qualquer modo minha mãe vai para o exército e eu espero
que ela tome uns tiros por lá. Bang! Bang! Bang!
(Nesse momento houve uma repentina e violenta discussão sobre a
água de pintar. Sharon e Edna alternadamente chamavam pela terapeuta:
"Olha, Srta!” Olha o que ela está fazendo! Ela fez isto.")
Ema(imítando-as): Olha! Olha! (Após a discussão, a água de pintura
estava derramada.)

279
Edna (gritando para Ema): Pegue um trapo e limpe isto tudo, sua
grando burra.
Ema (conciliatória): Controle.se! Não fique nessa nervosia toda,
Edna. Você é biruta.
(Neste ponto a terapeuta não conseguiu anotar a maior parte, da con­
versa das meninas, mas percebeu que era sobre um brinquedo que elas iam
fazer no alojamento das meninas.)
Ema: Ninguém gostará de você, Edna, se você não se comportar me­
lhor.
Edna (aproximando-se da terapeuta): Mamãe gosta de Edna, não gos­
ta?
Terapeuta: Você quer que elas saibam que eu gosto de você.
Edna: Você é minha mamãe.

INDEX
(Voltou para a mesa e misturou as tintas. Então começou a dese­
nhar.)
Sharon: Eu quero dar-lhe alguma coisa mamãe.
Ema: Eu quero dar a você alguma coisa também.
Edna: Elas sabem que não podem, não é?
Terapeuta: Elas querem que eu saiba que elas gostariam de me dar
qualquer coisa.
Edna: Eu vou dar a você a minha pintura. Olha! Ela tá bacana!

BOOKS
(Ema pinta uma casa vermelha e recorta-a.)
Sharon: Ela tá gastando o vermelho todo. Agora eu não vou poder
terminar meu quadro. Edna acabou de pegar o vermelho.
Edna: Ele estava jogado por aí.
Sharon: Agora eu não vou poder terminar meu quadro.
Edna: Eu não me importo com isto.
Sharon: Vou te acusar para D. N.

Sharon: Oh, Edna.


GROUPS
Edna: Eu vou contar para ela primeiro. Vou passar na sua frente.

Ema: Você quer contar tudo para D.N.


Sharon: Bem, ela...
Ema: Ela não gosta de você!
Sharon: Bem, ela...
Ema: Você quer tudo para você!
Sharon: Bem, mas eu peguei primeiro.
Ema: Só porque você pegou primeiro você acha que tem que ficar pa­
ra você!

280
Sharon: Bem ...
Ema ( ridicularizando): Meninas boazinhas compartilham suas coisas.
Só os porcos é que comem o dia inteiro. Só os porcos é que comem qual­
quer porcaria, menos Sharon.
Sharon; Eu não! Eu não! Eu vou te acusar.
Ema: Agora você vai me acusar. Outra vez você vai me acusar. Quan­
tas vezes hoje você vai me acusar?
Sharon (excitadamente): Você só sabe incomodar a gente!
Ema: Oh! Eu incomodo todo mundo. Minha querida criança, descul­
pe! (Ela disse isto sarcasticamente. Durante algum tempo as meninas ficaram
pintando era silêncio. Ema empurrou a caixa de tintas, gozando.) To­
me um pouco da tinta vermelha, Sharon. (Esta olha para ela desconfia­
da, mas mesmo assim mergulha o seu pincel na tinta vermelha que Ema lhe

INDEX
oferece.)
Ema (rindo zombeteiramente): Oh! Querida! Eu sou tão boazdnha!
Olha, mamãe! Eu reparti com ela a tinta. (As outras garotas riem .)
Terapeuta: Ema compartilhou sua tinta vermelha como faria uma me­
nina boazinha. (Ema estende a caixa de tintas para Sharon.)
Ema: Toma todas Sharon. Meu pincel também.
Edna (para Ema): Na certa que você vai querer ficar com o meu.
Sharon (para Edna): Aqui! Toma o meu.

BOOKS
(Elas continuaram oferecendo os seus objetos, brincando de compar­
tilhar suas coisas. Logo estavam todas rindo. Quando o tempo acabou, Ema
saiu de mãos dadas com Edna e Sharon.)

COMENTÁRIOS

Na primeira parte desta entrevista as meninas procuraram segurança


na terapeuta. Então identificaram-na como sua “mamãe.” Suas emoções vL
eram à superfície e elas deram vazão aos saus ciúmes e rivalidades pela
afeição da terapeuta. Este problema ocorre ssmpre nas ssssões de ludotera-

GROUPS
pia. A criança exige evidência de afeto por parte da terapeuta. Seria muito
melhor que esta apenas continuasse a refletir para a criança os sentimentos
que ela estava expressando — seu desejo ds que ela dissesse que gostava
dela, sua vontade de pertencer a alguém, etc. Isto é especialmente verdadei­
ro para crianças que são tão carentes emocionalmente como estas. Por ou­
tro lado, parece de pouco, ou nenhum valor tcrapâutico o fato c.V- reforçar
estes vínculos emocionais, os quais somente poderão criar outros proble­
mas quando eles, também, forem destruídos.

Ema, nesta entrevista, age como um crítico, e, com seu sarcasmo pro­
tetor, torna-se uma apaziguadora, o que é certamente, um novo “jogo” para

281
ela. O contágio de suas ações e a imediata diminuição das tensões são bas­
tante notáveis.

Efetivainomb Ema deixou esta entrevista tal como as oi'tre.3 crianças.


Isto parece apontar o valor das experiências de terapia em grupo. A tera­
peuta poderia ter refletido alguns de seus sentimentos expressos no fim des­
ta sessão.

NONO CONTATO — QUINTO CONTATO EM GRUPO

(As crianças entraram em alvoroço. Agarraram as mamadeiras e gri­


taram a plenos pulmões.)
Shirley-Ann: Eu quero mamar!
Sharon: Eu quero ser um bebê.

INDEX
Edna: Eu é um bebezinho e engatinho no chão.
Terapeuta: Vocês gostam de ser bebês.
Meninas: Sim!
(As crianças agacharam-se e começaram a engatinhar, balbuciando
como bebês.)
Ema: Será que é só eu que quero pintar? Eu quero pintar um banhei­
ro.
Terapeuta: Você quer pintar um banheiro.

BOOKS
Ema: Sim. Um banheiro usado.
Terapeuta: Você quer pintar um banheiro que foi usado por alguém.
Ema: Sim. Mas eu quero...
(Foi até o tabuleiro de damas e catou as pedras. Sharon e Edna ti­
nham começado a jogar assentadas no chão. Quando Ema chutou as pedras
e estas espalharam-se por todo o chão, seguiu se violenta discussão. As
duas meninas não estavam com tanta raiva de Ema por ter atrapalhado o
jogo, quanto estavam uma da outra, acusando se mutuamente de trapaça.)

não joguem! GROUPS


Ema: Trapaceiras sujas! Se vocês não conseguem jogar limpo, então

Edna: Cala sua bocona!


(Shirley-Ann e Edna foram para a janela e olharam para fora. Os
quatro garotos, que esperavam a sua hora de terapia, estavam perto da ja­
nela. As meninas conversaram com eles sobre outro garoto que havia fugi­
do do orfanato. Ema continuava a pintar — uma estranhíssima pintura de
bolhas vermelhas, pretas e amarelas, sem forma definida. Ao, terminar, mos.
trou à terapeuta.)
Ema: Gosta?

282
Terapeuta: Você quer mè dizer alguma coisa sobre ele?
Ema: É sobre uma menininha que foi passear e quando foi passando
perto da casa de um homem mau ele correu e pegou ela e pegou um macha­
do e cortou ela em pedacinhos. Isso é a sangue dela. 'Então o sol nasceu e
o homem foi procurar outra menininha. Estas marcas pretas são as marcas
do pé dele quando ele estava caçando. Ele tinha um facão deste tamanho.
<Ela indicou um facão de cerca de setenta centímetros.)
Terapeuta: O homem era muito cruel, não era? Então quer dizer que
ele pegou a menininha e picou-a em muitos pedaços.
Ema: Sim. Ele entornou o sangue dela nele.
Terapeuta: Isto é o sangue dela entornando nele?
Ema: Por favor! Você não vai ser minha mamãe? Você podia me ti­
rar daqui.

INDEX
Terapeuta: Você queí: que eu seja sua mamãe, não quer? E você seria
muito feliz se fosse embora daqui.
Ema: Sim. Você vai fazer isto?
Terapeuta: Eu sei que você quer que eu o faça. Mas para mim, é im­
possível fazer isto. Eu posso vir aqui e ver você nos dias marcados. Mas
não posso levá-la embora.
Ema: Eu não pensei que você podia. Mas eu quero tanto ir embora!
Eu odeio isto aqui! (Pegou a tinta preta e lambuzou todo o papel. Chamou

BOOKS
Edna. Esta velo até ela.)
Ema: Me arranja um pouquinho de água limpa, Edna.
Edna: Tá. Mas você tem que vir comigo também.
(As duas meninas entraram no lavatório, fecharam a porta e ficaram
por lá algum tempo. Finalmente abriram a porta e voltaram.)
Ema: Edna fez um troço horrível, lá!
Terapeuta: Você pensa que ela fez algo horrível, lá.
Ema: Sim. Ela foi ao banheiro e quando acabou ela olhou a privada.

usado.
GROUPS
Terapeuta: Você acha que foi errado olhar a privada depois dela tê-la

Ema: Oh! Sim! D. S. disse isso. Nós sempre tentamos olhar, mas
se ela está perto, ela diz que é pecado.
Terapeuta: Mesmo ela dizendo que é pecado vocês ainda querem .ver.
Ema: Nós vamos para o inferno.
Terapeuta: Vocês pensam que vão mesmo para o inferno por fazerem
isto.
Ema: É o que ela diz

283
Terapeuta: "Ê. isto que ela fala com vocês.
Ema: Sim.
(Ela sentou-se em frente à terapeuta. Subitamente foi à estante e pe­
gou um livro de gravuras que a terapeuta comprara para ler para as crian­
ças mais jovens do orfanato. Voltou-se a sentar em frente da terapeuta e
olhou o livro.)
Ema: Escreve: "Havia uma velhinha que morava num sapato.”
Terapeuta: Você quer que eu escreva isto para você?
Ema: Sim. (A terapeuta o fa z.)
(A diretora vinha saindo e afugentou os meninos de perto da janela.)
Shirley-Ann: Que bom! Bem feito! Eles foram embora!
Ema: Fiquem quietas. (Continuava a ler o livro.)

INDEX
(Shirley-Ann começou a pintar; espalhou a tinta vermelha ao redor
do papel. Edna pintava.)
Edna: Você vai trazer alguma coisa para nós na outra vez que vier?
Terapeuta: Você gostaria que eu desse a vocês alguma coisa.
Edna: Você vai daT? Na próxima vez que vier.
Terapeuta: Eu trarei alguma coisa na última vez que vier.
Shirley-Ann: ótimo! Que será?
Terapeuta: O que vocês gostariam que fosse?

BOOKS
Edna e Sharon: Mamadeiras!
Shirley-Ann: Por favor! Traga mamadeiras para a gente! Então quan­
do a gente comportar igual befcê D. X . pode fazer a gente mamar. Eu ia
falar pra todo mundo que não gosto de mamar, mas eu gosto. Eu ia ficar
mamando e chorando.
Terapeuta: Vocês gostariam de ter uma mamadeira, então.
Meninas: Sim.
(Pegaram novamente as mamadeiras e brincaram com elas até o fim

GROUPS
da sessão, engatinhando pelo chão e fingindo chorar.)
Edna: Seja minha mamãe.
Terapeuta: Vocês gostariam de ter uma mamãe só sua, não é?
Ema: Olha, mamãe. Está vendo que mancha bacana da Ema? Veja
Ema mamando!
Edna: Olha para mim.
Sharon: Minha mamãe é muito bonita. Ela é ruiva.
Shirley-Ann: Olha para mim. Olha para mim!
Terapeuta: Vocês todas querem que eu olhe para vocês.
Edna: Mamãe, olha! Você é minha mamãe.
(As crianças pararam com o choro e passaram o resto do tempo pro­
clamando que a terapeuta era mãe delas. Esta refletiu suas emoções. As
quatro meninas saíram juntas, gritando alegremente.)

COMENTÁRIOS

Nesta entrevista as garotas criaram um problema pedindo presentes


da terapeuta. Esta é uma solicitação incomum e pode vir a ser um proble­
ma considerável se a terapeuta não evitar a entrega ds presentes durante
a terapia. Depois que os pedidos das crianças forem satisfeitos, a terapia
muito provavelmente transformar-se-á em uma série de sessões de pedidos,
que irão crescendo cada vez mais. A terapeuta, sabendo que estas eram crian­
ças muito carentes, prometeu-lhes trazer presentes na última vez que vies­

INDEX
se. O pedido de mamadeiras neste estágio da terapia indica as atitudes pra.
dominantes em que estão mergulhadas as crianças.

A súbita adoção da terapeuta como sua mãe é completamente típica


da carência afetiva dessas crianças tão privadas de carinho e proteção. Isto
certamente demonstra a neoessidade de afeto e segurança que elas sentem.

O episódio do banheiro é uma demonstração importante da ineficiên­


cia das técnicas de ensino das professoras do orfanato. As suas atitudes no
que se refere à curiosidade infantil acerca das privadas usadas serviu ape­

BOOKS
nas para aumentar-lhes o interesse sobre estes fatos. Tornando- o proibido,
provocam, em conseqüência, o fa.to de tomálo muito mais atraente. Mesmo
o medo do inferno não é suficiente para diminuir-lhes a curiosidade.

DÉCIMO CONTATO — SEXTO CONTATO EM GRUPO

(As quatro meninas entraram e correram para as mamadeiras. Puse-


ram.se a falar como bebês, engatinhando no chão e chamando a terapeuta
do mamãe.)

GROUPS
Edna: Não esquece não, hem? Da última vez você prometeu trazer al­
guma coisa pra nós na última vez que você viesse. Eu quero uma mamadei­
ra assim.
Terapeuta: Não vou me esquecer. Você gostaria de ter uma mamadei­
ra. (As outras apoiaram as palavras de Edna.)
Shirley-Ann: Sabe de uma coisa? A Ema agora tá tão boa como nunca
estevo antes.
Sharon: Sim. Ela já não briga mais com a gente e nem faz intriga.
Edna: Nós gostamos de Ema agora. (Ema enrubesceu e sorriu para a
terapeuta. Edna e Sharon puseram-se a pintar.)
Ema (zombando): Oh, eu sou tão delicada quanto posso ser.
Terapeuta: Parece que todo mundo acha que você está agindo melhor»
E m a , . .............
Ema: Eu tento ser boa,
Terapeuta: Você realmente está tentando ser uma boa menina.
(Acidentalmente Sharon espirrou água na pintura de Edna.)
Sharon: Oh! Edna. Desculpe. Eu não pude evitar.
Edna: Ihhh! Caiu no meu vestido! Eu vou enxugar ele.
Ema (pegando üm pedaço de pano limpo e secando a água): Eu vou
te ajudar!
Sharon: Ele vai sécar antes da gente Voltar.
Ema: Seria melhor você ir lá pra fora e sentar no sol.
Edna: Bem, vamos sentar no chão e pintar.

INDEX
(As quatro meninas sentaram.se no chão e começaram a pintar. Shir-
ley-Ann desenhou um rato. Sharon desenhou uma casa e Edna uma estra­
nha figura.)
Edna: Esta á D. X. ,
Ema: Oh! Deixa eu jógár água nelà.
Edna: Tá! Joga mesmo! Mas cuidado pra não cair em mim! (As duas
meninas começaram a jogar água em D . X .)
Terapeuta: Vocês estão molhando D. X.

BOOKS
Edna: Agora eü vou dár uma surra nela. (Bate com o pincel no dese­
nho. )
Ema: Deixa eu jogar estas porcarias do banheiro nela.
Terapeuta: Vocês a estão fazendo ficar realmente suja.
Ema: Desta vez ela vai ficar porca também.
(Sharon e Shirley-Ann vieram e contribuíram, com os seus gênios des­
trutivos, nesta atividade. Logo "D. X . ” foi reduzida a um lixo amarron-
zado. Ema completou a destruição furando o papel com o pincel.)
, Terapeuta: Vocês acabaram mesmo com ela.

GROUPS
Ema: Com esta ela vai aprender!
Edna: Quanto tempo falta?
Terapeuta: Dez minutos.
(As meninas pegaram novos pedaços de papal e recomeçaram a pin­
tar. Ema acidentalmente sujou sua pintura.)
Ema (desgostosa): Oh! Olha! Estraguei ela! Não ficou nem um pouco
bonita. Eu sujei-a e não gosto de sujar coisas.
Edna: Você nunca gosta de sujar as coisas, não é?
Ema: Não, você gosta?
Edna: Eu não ligo. Eu não importo de jeito, nenhum. Uma Edna de-
sordeira e porcalhona é o que eu sou. , . .. r
Ema: Edna desordeira e trapalhona e Shirley-Ann desordeira e trapa-
lhona.
Shirley-Ann: Eu não faço desordem,nem sujeira, faço Srta.? Eu vou ...
Ema: Você vai contar para D. N. Meu Deus! Que que eu faço?
Você vai contar e eu vou morrer!
Shirley-Ann: B em ...
Edna: Nós vamos fazer um teatrinho no alojamento das meninas. Vo­
cê gostaria de assistir? Pode ser na semana que vem?
Terapeuta: Sim. Eu gostaria de assisti-lo.
Edna: Nós já combinamos e D. N. deixou. Ela não sabe quê que
vai ser ainda.

INDEX
Ema: Eu também estou nessa.
Edna: Ema representa muito bem.
Ema: Oh! Eu sou a estrela.
Terapeuta: Você tem tido boa atuação neste teatrinho. Isto te agrada.
Ema: Pode contar com isto. Vai ser um teatrinho bacana. Nós combi­
namos ele para a semana que vem.
Edna: (para a terapeuta): O quê que você está escrevendo?
Terapeuta: Coisas que eu preciso lembrar.

BOOKS
Edna (olhando as notas): São só rabiscos.
Terapeuta: São só rascunhos.
Edna: Para mim parecem rabiscos. Tem uma palavra e uma outra/
Eu não consigo ler isto tudo. Tem meu nome.
Terapeuta: Nosso tempo acabou, r oí isto que eu escrevi aqui.
Edna: Vamos limpar aqui e colocar ós brinquedos no lugar.
Ema: Eu vou ajudar.
(As meninas limparam a área dé brincar e guardaram os brinquedos.)

COMENTÁRIOS
GROUPS
Esta foi a primeira vez que as meninas realmente exerceram juntas
uma atividade. O ponto alto deste contato é a voluntária aprovação da me­
lhoria do comportamento de Ema. Esta aceitação pelas outras, com o sen­
timento de ser capaz de fazer alguma coisa- com elas, impressionou-a muito.
As meninas mostraram sinal de admiração por suas habilidades.

O ataque que o grupo fez à figura da professora que podia punir Ed­
na trouxe à superfície muitas emoções violentas. As meninas todas traba­
lharam limpando a área de brincar. Estes acontecimentos parecem indicar

287
progresso para todas as crianças.

DÉCIMO PRIMEIRO CONTATO — SÉTIMO CONTATO EM GRUPO

(As quatro meninas encontraram a terapeuta e disseram-lhe que,


quando começaram o teatrinho no alojamento das meninas, a professora deu
uma olhada e as fez parar imediatamente. Elas estavam indignadas com o
incidente, que qualificavam de “sujeira vil e injusta” . A terapeuta então su­
geriu que elas fizessem o teatrinho ali mesmo na sala de brinquedos.)
Edna: Nós vamos chamar os meninos e as criancinhas menores.
Ema: Então vai chamar eles, Edna. Eu vou deixar as coisas prontas.
(Quando elas entraram na sala de brinquedos pararam desgostosas.

INDEX
A sala estava em total confusão porque as crianças menores haviam estado
lá na tarde anterior e os brinquedos estavam jogados pelo chão na mais com­
pleta desordem: móveis tombados, jogos espalhados, brinquedos quebrados
etc. As meninas ficaram completamente perturbadas, mas, sem esperar por
sugestão, começaram a arrumar e abriram um espaço no centro da sala.
Determinaram então a área do palco e colocaram cadeiras para a audiência.
O que se segue é um relato do que aconteceu.
Ema abriu o espetáculo com uma canção e dança havaianas. Em se­
guida, SMrley-Ann cantou “Lá vamos nós” . N o meio da canção, Ema gritou:
— “Você esqueceu............ ” Originou-se uma discussão entre Ema e Sha-

BOOKS
ron. A terapeuta não pôde apreender a razão da discussão, entretanto, esta
cresceu até que chegasse a ser ouvida por toda a platéia.)
Sharon (gritando): Seria melhor calar a boca! Você quer estragar tu
do?
Ema (gritando também): Eu quero estragar a brincadeira? O quê vo­
cê pensa que está fazendo? Você quer é mandar em todo mundo.
Sharon: Claro que eu quero mandar em todo mundo! Vê se fica com
a bocona fechada!

GROUPS
Ema: Nós não combinamos que ela ia cumprimentar a platéia antes
de cantar porque ela sempre esquecia de cumprimentar depois de cantar?
Sharon: Está certo! Mas nós nSo combinamos que você ia abrir a bo­
cona enquanto ela estivesse cantando.
(Shirley-Ann finalmente terminou de cantar. Edna foi para o palco
e cantou “Seja sincero comigo” . Sharon e Ema repentinamente pararam de
brigar, mas logo que Edna terminou de cantar recomeçaram a briga.)
Sharon: É melhor que você seja a primeira.
Ema: Você quer é que eu seja a primeira.
Sharon: É. É você que vai ser a primeira, menina.
Ema: Você sabe que eu posso largar isto tudo de lado.
Sharon: Eu estou indo te acusar!

288
Ema: Você está indo me acusar. Cinco ou seis vezes por dia você fa­
la que vai me acusar. Bem, vai e conta!
(Houve um súbito silêncio e Sharon decidiu subir ao palco.)
Sharon: Então tá certo. Eu vou ser a primeira.
(Ela começou a entoar “Na marinha” . Quando estava no meio da can­
ção Ema começou a cantar “ Eu estou trabalhando na estrada de.Ferro” .'
Edna e Shirley-Ann conversaram uma com a outra durante todo o tempo
da canção mas a terapeuta não conseguiu ouvi-las porque as duas cantoras
estavam, cada uma, querendo cantar mais alto que a outra. O auditório
parecia verdadeiramente encantado com a “performance” das garotas, inclu­
indo a própria terapeuta.
Finalmente Sharon terminou e levou Edna até o lavatório com ela.

INDEX
Sharon olhou para a assistência e gritou: “Agora ninguém pode olhar aqui.”
Ema imediatamente foi até lá, escancarou a porta e disse: Hum! Que fedor!
Mas entrou assim mesmo. Shirley-Ann entrou também. Começaram uma
violenta discussão que podia ser ouvida no auditório:
“Eu quero ser o assassino!”
“ Você sempre quer ficar com a melhor parte!”
“ Eu não quero ser a vovó!”
“Você tem que ser a vovó! Como que a gente pode fazer sem ninguém
para ser a vovó?”

BOOKS
“Tá certo, então eu vou ser a vovó.” (Voz de Em a.) "Mas essa vovó
é um assassino.”
Nesta hora a audiência já estava sabendo qual era a estória. De re­
pente a porta foi violentamente aberta e as atrizes saíram em avalanche.)
Sharon (a caminho do “palco” ): Alguém foi assassinado nesta peça.
Edna: Oh! Não! Não conta para eles!
Sharon: Bem ... (Ela começou a cantar o “ Hino dos Aviadores” e a
audiência começou a rir. )

GROUPS
Sharon (parando de cantar e gritando para os meninos): Vocês estão
rindo, né? É melhor não rirem quando nós matarmos!
Edna: Se você falar outra vez nós te pomos para fora da peça! Agora
já está quase começando.
(As meninas ajuntaram-se em volta da mesa no palco e pareceu que a
peça ia finalmente começando, mas Edna voltou novamente e cantou “ Cri
anças, vocês gostariam de ir” .)
Sharon: Vamos contar para vocês quem é que nós somos.
Edna: Está bem. Eu sou Betty. Eu sou uma das irmãs.
Sharon: Meu nome é Minnie. Eu sou uma das irmãs.
Shirley-Ann: Quem eu sou? Qual é o meu nome? (Falara baixinho pa­
ra as outras e então, após uma longa conferência.) Eu sou uma das irmãs.

289
Eu não tenho nome.
Ema: Eu sou a vovó.
Shirley-Ann (pegando uma vara sem ponta): Isto é para você esfa-j
quear a gente.
Sharon (encarando Shirley-Ann): Não se atreva a contar novamente
ou eu vou te dar uma facada de verdade!
Edna (dando a volta por trás e dando uma palmada em cada uma das
meninas): Vão dormir. Tão ouvindo? Vão dormir! (Ema começou a engati­
nhar em volta delas.)
Sharon: Que barulho é este?
Ema (com voz fantasmagórica): É só sua imaginação.
Sharon: Eu estou cheirando os pés da vovó.

INDEX
(Edna caiu sobre Shirley-Ann e esfaqueou-a. Ema foi engatinhando
para a cama.)
Ema (dando gritos): Por Deus! Uma de minhas crianças foi assassi­
nada!
Sharon: E você não é criança? (Levantou-se.) Agora nós vamos dan­
çar.
(Todas as quatro puseram-se a dançar. Edna esgueirou-se pelas costas
de Shirley-Ann e esfaqueou-a. Shirley-Ann caiu ao chão.)

BOOKS
Edna: Eu estou no sexto andar, estou no sétimo, agora eu estou na
porta. Ah! Te peguei. (Esfaqueou Sharon. Ema escondeu-se atrás de uma
cadeira. Edna persegue-a até esfaqueá-la. (Então voltou novamente contra
Sharon que havia se recuperado rapidamente.)
Sharon: Não era você que ia me matar.
Edna: Não tem importância. Eu te mato assim mesmo.
Sharon: Então eu vou ser o assassino da próxima vez.
(As "atrizes” todas estavam esfaqueadas e jaziam em poses dramáti­
cas. Edna sentou se à mesa e simulou fumar um cigarro. Levantou-se, lim­

GROUPS
pou a mão no vestido e sorriu.)
Edna: Sangue! Caiu um pouco em mim!
Sharon: Acabou o teatro.
(O auditório aplaudiu entusiasticamente. As atrizes reuniram-se para
planejar um segundo espetáculo. Em poucos segundos, este começou.)
Edna: Vai lá na loja e compre fígado. (Sharon saiu do palco e voltou
com um pacots.) Aonde você comprou este fígado?
Sharon: Na loja.
(Este jogo de perguntas e respostas foi repetido com intensidade cres­

290
cente até atingir um clímax.)
Edna: Aonde você comprou este fígaao!
Sharon: Já que você quer saber mesmo, eu tirei ele na sepultura do
vovô.
(Deu-se um pandemônio. Edna gritava, apertava o coração, arrancava
os cabelos. Neste momento Ema entrou curvada, vacilando e tremendo.)
Ema (com voz trêmula): Me devolve meu fígado! Eu vou te persse-
guir!
Sharon (pegando uma cadeira): Um passo mais, vovô, e eu te arrebento
os miolos.
Ema: Eu não posso viver sem meu fígado! (Caiu ao chão e expirou
dramaticamente.)

INDEX
(Este foi o fim da dramatização das garotas, que havia sido previa­
mente censurada).

COMENTÁRIOS

Provavelmente este relato ilustra a dinâmica do conflito e a força com


que este se manifesta sob a aparência de algo normal. As personalidades
das crianças opõem-se umas às outras. O tipo de dramatização que saiu de
suas imaginações tem muito fundamento. A natureza agressiva da peça <■

BOOKS
bastante evidente. A cooperação entre as crianças durante a limpeza da sa­
la de brinquedos e da montagem do palco foi digna de nota. A rivalidade
pela “melhor parte” parece ser uma compensação para suas condições de
vida, que são de grande privação.

O fato de que elas foram capazes de associar-se e trocar idéias, deci­


dindo sobre os papéis que seriam representados, indica um certo progresso.

DÉCIMO SEGUNDO CONTATO — OITAVO CONTATO EM GRUPO

GROUPS
(As meninas chegaram e começaram a pintar. Antes de começar, en­
tretanto, espalharam jornais velhos no assoalho a fim de mantê-lo limpo.
Assentaram-se juntas ao chão. Pareciam muito calmas e sem tensões. Fala­
ram calmamente entre elas sobre as cores das tintas e sobre fatos corriquei­
ros. Freqüentemente chamavam a terapeuta: “ Olha mamãe! Que cor boni­
t a .” Após uns quinze minutos nesta atividade em grupo, Shirley-Ann deixou
o grupo e pegou as bonecas de papel. Brincou com elas em cima da mesa.
Houve uma violenta discussão entre Edna e Sharon sobre quem havia su­
jado a água de pintura.)
Ema: Deixa eu fazer uma mágica para vocês. Ema, a mágica, vai ajei­
tar as coisas para vocês.

291
(Ema então pegou a água suja de tinta, foi até o lavatório e jogou-a
fora, encheu a vasilha com água limpa e trouxe-a de volta para elas. As ou­
tras duas riram para Em a.)
Edna: Eu não quero que você vá embora, mamãe.
Terapeuta: Você gostaria que isto não terminasse.
Edna: Sim. Logo aquela porcaria daquela escola vai começar de novo.
Ema: Eu odeio a escola.
Sharon: Eu odeio aquela professora velha caolha e chata. Ela é caolha.
Ema: Uma macaca caolha.
Edna: É “não faz isso, não faz aquilo, pára de falar” .
Sharon: Oh! Olha o quadro de Ema! Não é bacana?
Edna: Menino! Ela pinta mesmo bem! É uma artista de verdade.

INDEX
Ema (rindo francamente): Vocês acharam isto mesmo?
Sharon: Eu gostaria de pintar assim também.
Ema: Você quer este, Sharon?
Sharon: Sim. ótimo! Obrigada! (Aceitou contente a pintura.)
Edna: Você pinta um pra mim também, Ema?
Ema: Oh! Acho que sim. Que você quer que eu pinte?
Edna: Não sei... Pinta qualquer coisa. (Ema pinta para ela uma casa.
O quadro para Sharon foi um vaso de flores. As meninas estavam bastante

BOOKS
contentes com as pinturas.)
Edna: Eu vou te dar uma das minhas bonecas de papel se você quiser,
Ema. Eu tenho um punhado. Você quer?
Ema: Se você quiser me dar, eu quero.
Shirley-Ann: Eu te dou minha laranja se você pintar alguma coisa para
mim também.
Ema: Quê que você quer?
Shirley-Ann: Qualquer coisa.

GROUPS
(Ema pintou-lhe um avião. Sorriu durante todo o tempo em que pin­
tava. Usou só cores brilhantes neste quadro: azul, amarelo, vermelho, verde
o alaranjado.)
Edna: Quê que você vai trazer para a gente, mamãe?
Terapeuta: O que vocês querem que eu traga para vocês?
Shirley-Ann: Mamadeiras!
Edna: Ou então fita para o cabelo. Eu gostaria de uma fita cor-de-
rosa.
Sharon: Eu quero um passador azul como o da Jennie. São dois pas­
sarinhos azuis.

292
Ema: Quando vai ser a última vez que você vem aqui?
Terapeuta: Nós temos mais dois encontros ainda.
Edna: Eu vou chorar quando você for embora.
Terapeuta: Você não gostaria que eu fosse.
Sharon: Eu vou chorar também. Eu adoro você, mamãe.
Edna: Enia, o quê que você quer que ela traga para você?
Ema: Qualquer coisa.
Edna: Ah! Pede alguma coisa a ela.
Ema (enrubecida): Oh! Eu gostaria de um pentinho e de um perfu­
me. Meu pente não tem mais nem um dente.
Terapeuta: Edna quer uma fita rosa, Sharon um passador com dois

INDEX
passarinhos azuis, Ema um perfume e um pente e Shirley-Ann uma mama­
deira.
Shirley-Ann: Ou talvez eu prefira um pacote de papel de desenho.
Terapeuta: Você acha que prefere o papel de desenho à mamadeira?
Shirley-Ann: Eu falo com certeza para você na semana que vem.
Ema: Aqui está seu quadro, Shirley-Ann.
Shirley-Ann: Muito obrigada, Ema. Ele é muito bonito.
Ema: Eu gosto deste quadro que você pintou, Edna.

BOOKS
Edna: Você gostou? Mas olha como eu-borrei ele!
Ema: Sim, mas este psdaço aqui não está borrado, não.
Terapeuta: Ema viu algo bonito na sua pintura, também.
Ema: Nós vamos limpar estas tintas do chão para você.
Edna: Vamos.
Sharon: Eu vou jogar água limpa para você.
(As garotas começaram a limpar as caixas de tinta.)
Ema: Minha mãe vem hoje me levar embora daqui.

GROUPS
Terapeuta: Ela vem?
Ema: Ela vem hoje. Eu já arrumei minhas coisas todas.
Edna: Oh, Ema! Nós vamos sentir a sua falta.
Ema: Mas eu vou voltar. Vou só passar o fim-desemana.
Terapeuta: Isto faz você ficar muito feliz, não?
Ema: Sim. Minha irmã e eu. Ela vai levar nós duas.
(As meninas continuaram a limpar as tintas e colocar em ordem os
brinquedos na caixa e na mala. Quando o tempo acabou elas foram embora
juntas, Ema excessivamente bem-humorada.)

293
COMENTÁRIOS

Nesta entrevista as garotas alcançaram um ajustamento social quase


inacreditável. Ema agiu como apaziguadora. Pela primeira vez as meninas
admiraram os trabalhos umas das outras. Ema íoi elogiada pelas compa­
nheiras e, quando solicitada para pintar alguma coisa para elas, atendeu-as
gentilmente. Ela encontra alguma coisa para admirar na pintura de Edna.
Estava visivelmente tocada pelo elogio recebido das outras meninas e pelos
oferecimentos de presentes a ela. Elas ainda têm seus sentimentos negati­
vos em relação à escola, mas isto não parece perturbá-las muito. Elas acei­
taram a escola como um lugar muito desagradável, mas o importante é que
elas a aceitaram.

A mudança em seus pedidos à terapeuta é interessante. Certamente

INDEX
indica um amadurecimento por parte das meninas. Elas não mais quererá
ou necessitam de símbolos infantis. Pedem presentes mais maduros. Shirley-
Ann ainda não está completamente pronta para decidir-se.

f' Ema uma vez mais preparou-se para a visita de sua mãe e, outra vez
mais, ela não veio. Ema ficou tão desapontada que atirou-se sob uma árvo-
re num canto do jardim e chorou até ficar doente. Ficou febril, sentiu náu­
seas e foi mandada para a enfermaria por dois dias. A professora contou
que o médico dissera que isto acontecera porque a criança ficara tão desa.
{^pontada com a falta da mãe, que chegou a adoecer.

BOOKS
DÉCIMO TERCEIRO CONTATO — NONO CONTATO EM GRUPO

(As crianças entraram na sala correndo. Imediatamente desempacota­


ram os brinquedos e sentaram-se juntas no chão, desenhando, pintando e re­
cortando gravuras e colando. Fizeram comentários sobre o próximo reinicio
das aulas. Após quinze minutos nesta atividade, Edna e Ema foram procu­
rar um varal e uns pregadores de roupa. Seguiu-se uma rápida discussão en­
tre elas sobre a prioridade de direitos.)

GROUPS
Edna: Vou contar para D. A.
Ema (vaiando): Ela não está aqui.
Edna: Bem. Quando ela voltar eu conto.
Ema: Você gosta de fazer intriga.
Edna: B em ... (Ema voltou atrás e deu o varal a Edna.)
Ema: Toma. Eu vou procurar outra coisa para fazer.
Terapeuta: Ema pensa que pode procurar outra coisa para fazer e de­
cidiu deixar o varal para você.
Edna: Eu não ia contar de verdade, não. Você pode ficar brincando
comigo.
Terapeuta: Edna realmente não queria fazer isto quando disse que
iria fazer.
Ema: Você sabe que minha mãe não veio me buscar no último fim-de-
semana?
Terapeuta: Ela desapontou você novamente.
Ema: Eu odeio minha mãe. t
Terapeuta: Você odeia sua mãe por isto'. ;
Shirley-Ann: Você hão deve falar assim. É pecado odiar as pessoas. .
Ema (mais determinada que nunca): Eu odeio, odeio, odeio minha
mãe!
Terapeuta: Ema sente que odeia sua mãe porque está muito desapon­

INDEX
tada.
Ema: Eu fiquei doente quando eles disseram que ela não tinha vindo.
Eu vomitei. Não podia comer nada. Eles me puseram no hospital durante
dois dias. ;
Terapeuta: Você sentiu-se tão mal por sua mãé não ter vindo que isto
te fez adoecer.
Edna: Ela não falou com ninguém todo esse tempo.
. Terapeuta: Ela ressentiu-se muito disto.

BOOKS
Shirley-Ann: Minha mãe não faria isto comigo.
Ema: Eu queria morrer. Eu tentei morrer.
Terapeuta: Você não queria nem mesmo viver. Você sentiu-se indis­
posta com tudo.
Sharon: Eu vou pintar um quadro muito bonito e vou colar isto aqui
e isto aqui. Oh! Pare de falar sobre aquela mãe de vocês, Ema.
Terapeuta: Você não gosta de ouvir isto.
Edna: Eu vou brincar com a família de bonecas.

GROUPS
(Ema sentou-se à mesa é pegou um livro de humorismo que trouxera
com ela. Ela afastou-se do grupo e ficou olhando o livro. Edna assentou-se
no chão, tirou as roupinhas das bonecas e pendurou-as no varal.)
Edna: Olha as calças dela. (As outras meninas riram. Ema aparente­
mente não deu importância.) Ela é uma menininha e molha as calças. Vem
cá, gente, visitar minha casinha.
Sharon: Nós vamos terminar os quadros primeiro. Ela (a terapeuta)
não vem cá muitas vezes mais e nós temos que terminar isto agora.
Edna: Venham então quando vocês puderem.
Sharon (para a terapeuta): Você diz pra pessoa com quem trabalha
que você tem que voltar aqui mais vezes.

295
BB^ESàÊ^^isss5ai»$$»Be»e«iaE*aB

Terapeuta: Você gostaria que eu voltasse.


Sharon: Sim, você diz a ele.
Ema: Oh, nós vamos voltar à escola. Porcaria! Esta desgraça desta
escola!
Edna (para as bonecas): Vocês vão para a cama. Bebam da mamadei­
ra, bêbezinhas. (Leva as mamadéiras até o rosto das bonecas). Oh! Vocês
molharam a cama! Vocês vão sair hoje. Hoje é domingo. Muitas crianças
vão para casa no domingo. Eu vou lavar seus cabelos. Veja. Fiquem quie­
tos! Ponham as cabecinhas na bacia. Não façam bagunça! Fiquem com a
cabeça aqui! Sabem de uma coisa? As outras crianças vão para o rio, mas

INDEX
vocês vão para casa. Parem de chorar. (Gritos.) Oh! Eu esqueci do nenê.
Preciso lavar o cabelo dele também! (Derramou água na cabeça das bone­
cas.) Parem de rir! Parem com este riso bobo! (Ela bateu no boneco.) Está
me ouvindo? Você é um horrível bebê. Pare com esse riso. Segura este bo­
neco. (Ela esíerideu o boneco para a terapeuta e perguntou-lhe se ela pode­
ria lavar as roupas realmente ou se teria só que fingir que lavava. A tera­
peuta sugeriu que ela deveria fingir que lavava porque elas não secariam lo­
go. Edna voltou às bonecas.) Você quer ser boazinha? Então não chore.
Por que você está chorando?
Ema: Ela chora porque ela gosta de chorar.

BOOKS
Edna: Você não vai para casa. O grande e bom pai. Você precisa é
de uma sova. Você vai se meter em confusão. Eu vou bater em você. Você
é uma coisa ruim. Lembre.se do que eu disse. (Ela pegou o bebê.) Pobre
bebê! Eu vou ficar sem te ver durante muito, muito tempo. (Entrega o be­
bê a Shar-on.) Toma conta do bebê Edna. Essa é a mamãe. Onde é que eu
pus aquelas roupas? Você é má, uma horrível mulher. (Ela bate na boneca-
mãe.) Olha este menino. Todas suas roupas soltaram-se. Cada um de vocês
tem sido tão desobediente que só podem ficar na cama. (Ela pendurou as
roupas no varal.) Eu nunca vi gente assim.

GROUPS
Ema: Eu espero que minha mãe não minta para mim outra vez.
Terapeuta: Você espera que ela não desaponte você novamente.
Ema: Sim. Ela fez isto comigo. Ela disse que vinha esta sexta-feira
com certeza, e que eu ia para casa.
Sharon: Minha mãe sempre me desaponta. Eu quero ir para casa e
ficar lá.
Ema: Eu quero ir para casa também.
Edna: Eu vou para casa em dezembro.
Ema: Ninguém gosta da gente.
Terapeuta: Vocês todas gostariam de ir para casa.
(Edna foi ao lavatório.)

296
Shirley-Ann (para a terapsuta): Vocô manda alguma coisa para a Chi­
na?
Ema (violentamente): Quem é que se importa com a China? Deixa eles
morrer de fome!
Edna (voltando com nma colherada de água): óleo de ricino para
elas. Uma colher por dia porque elas comeram maçãs verdes.
Sharon (para a terapsuta): Eu aposto que você vai dizer que não.
Que pode brincar aqui mas não pode levar. Mas eu quero ficar com estas
tintas e estas tesouras.
Ema: Só porque a gente não pode ficar com eles, não quer dizer que
a gente não queira eles.

INDEX
(Edna começou a pintar — borrões pretos e vermelhos de forma inde­
finida.)
Terapeuta: Mesmo que vocês não possam ter certas coisas, ainda as­
sim vocês as desejam, às vezes.
(Edna começou a pintar.)
Terapeuta: Só faltam cinco minutos.
Ema: Eu faço depressa. Eu vou levar este comigo para o alojamento.

BOOKS
Sharon: Para quê?
Ema: Eu quero dar ele para mamãe quando ela visr sexta-feira.
Sharon (para a terapeuta): A próxima semana vai ser sua última vez
aqui, não é?
Terapeuta: Sim.
Sharon: Então é quando você vai trazer alguma coisa para mim.
Terapeuta: Sim.

GROUPS
Edna: Eu quero uma fita cor.de-rosa.
Sharon: Eu quero uma pulseira.
Shirley-Ann: Eu quero uma caixa de lápis — uma caixa grande com
todas as diferentes cores.
Ema: Eu quero um perfume e um pente.
(Sharon foi para um canto da sala, olhou para a tsrapeuta com um
trejeito amuado nos lábios.)
Sharon: Eu não quero que você não volte mais.
Shirley-Ann: Nem eu!
Edna: Isto me deixa triste.
(Sharon foi até às bonecas e ficou chutando a boneca-mãe em volta

297
da sala! Edna veio e pegou o bebê. De repente Ema levantou-se e ajuntou
a família de bonecas. Assentou-se no chão e começou a brincar com elas.
Começou a falar. As palavras vinham numa torrente. Falava num colo­
rido dialeto.)
Ema: Eu sim, mãe. Tira a roupa. Pode ficar nua. Você não é o pa­
trão aqui. Vou te pôr numa torta de lama. Seu cabelo tá imundo. Ainda
vou arrancar esse seu vestido. Um dia destes ainda arranco a sua cabeça.
Sou feita de borracha. Tire a sua... (Levantou a boneca.) Tão vendo? Pe-
ladinha. (As outras meninas riram, rodearam-na e a olhavam brincar.) Meus
alfinetes tão acabando. Puxa! Essa minha velha é tão engraçada! Lá vão
suas roupas sua boboca! (Tira as roupas da menina.) Oh! Você é uma me­
nina má. Eu declaro, você também vai ficar pelada. Pai, você deve ficar
pelado, também.

INDEX
Edna: Oh! O pai ficou pelado.
Sharon: Ela está fazendo todo mundo na sua família tirar a roupa. 3Ê
uma família gozada!
Ema: Papai, tira a calça. Que nojento que você é! (Ela torceu e torceu
a cabeça do pai) Oh, papai, seu corpo está soltando. Papai, levante sua ca­
beça.
Edna: Fique com sua bocona fechada!
Ema: Eu não consigo tirar esta danada desta camisa. (Ema estende

BOOKS
a boneca para a terapeuta): Tira pra mim — ou me mostre como a tirar! (A
terapeuta o fa z .) Agora o pai está nu. Ele é um sem-vergonha.
Sharon: Oh! Ema! Eu odeio ouvir isto! (Ema sorriu-lhe afetadamen­
te. Tirou as roupas da boneca-filha.)
Ema: Outra toda nua.
(De repente a sala ficou muito quieta.)
Sharon: Puxa! Como tá quieto!
Ema (para a terapeuta): Quero um pente. O meu pente tem um pu­

GROUPS
nhado de dentes a menos. Minha mãe tinha que comprar um novo pra mim,
mas não comprou. Ela é velha e grisalha e muito feia. E preguiçosa. (Pe­
gou o boneco grande.) Tira suas calças, menino.
Terapeuta: Agora todos estão sem roupas.
Ema: Nus. Gente má e pslada.
Terapeuta: Você acha que eles são gente má.
Ema (soltando-se das bonecas): Agora vai ter uma briga.
Edna: N ão. Desenha um quadro para sua mãe.
Ema: Não. Eu não quero dar nada para ela. (Tentou-tomar a cola
de Edna e esta gritou. Ema retraiu-se e esperou sua vez.) Aonde está a te­
soura?

298 /
Edna: Você não pode ficar com ela. (Sacudiu a tesoura para Ema>)
Ema: Menina linda. (Salpicou tinta vermelha no papel. Estende« *
mão e tirou o lápis que estava nas mãos de Edna. Esta saltou furiosa so&f*
«la . Ema devolveu-lhe o lápis.) Desculpe Edna, me perdoa. (Sorriu-lhe,)
Edna: Se você me pedir ele eu te dou.
Ema: Eu realmente não quero ele. Eu quero que você brinque
go,
Edna: O quê?
Ema: Da outra vez nós todos vamos fazer um longo passeio. Nós
mos lhe mostrar a fazenda.
Sharon: Oh! Sim. Vamos D ___?

INDEX
Ema: Nós vamos lhe mostrar do outro lado da cerca.
Edna: E lhe mostrar o milharal.
Sharon: E o curral.
Shirley-Ann: Nós vamos te mostrar a casa mal-assombrada que teni 14
atrás do milharal.
Ema: £5. O diabo mora lá.
Todas as meninas juntas: Você vai? Nós podemos ir? Vamos?
Terapeuta: Se vocês quiserem, nós vamos.

BOOKS
Ema: Vamos chamar os meninos também.
Edna: Tá certo.
Terapeuta: Então nós vamos planejar um longo passeio para a sen'«*
na que vem, se não chover.
Ema: Não vai chover. Eu não vou deixar.
Terapeuta: Você pensa que pode mandar na chuva.
Ema: Eu consigo mandar ha chuva.
Terapeuta: Bem, nosso tempo terminou agora.

GROUPS
Meninas: Até logo D .... Nós vamos te chamar para o passeio. Vtt-
mos te mostrar o lugar.
(Saíram correndo e quando passaram pelos garotos que esperuviU"
a hora de entrar, contaramJhes seus planos.)

COMENTÁRIOS

Nesta entrevista as meninas brincaram juntas com aparência do IMF'


monia. Os momentos de conflitos são rapidamente superados.

Ema revelou certos sentimentos amargos sobre sua mãe e até moai'H)
fez a conexão entre a sua doença e o seu desapontamento, o que indica.UlM
certo “ínsight” . A cena com as bonecas feita por Ema e Edna dramatiza os
sentimentos recalcados em ambas. A capacidade de Ema em perdoar sua
mãe, e mesmo de dar-lhe u m presente, evidencia o fato de que a criança pre­
cisa somente de uma chance, e que ela seria capaz de um ajustamento sa­
tisfatório. Edna é mais vingativa. Dá óleo de rícino aos adultos e pune-os
pelo desprezo que eles lhe dão.

Nesta sessão, assim como na anterior, as meninas não usaram as ma­


madeiras, para brincar de bebês. Repetiram os pedidos de presentes num
nívej mais amadurecido. É interessante notar que a terapeuta tomou-se de
novo “S rta.”. .. para elas.

A maneira pela qual elas aceitaram ò fato de qüé o próximo encontro

INDEX
seria o último, indica que elas cresceram muito em adaptação e ajustamen­
to social. Havia orgulho nas suas vozes quando falaram sobre os lugares
que mostrariam à terapeuta durante o passeio. Elas já consideram os ele­
mentos positivos do lugar, que era a casa delas. A inclusão dos meninos no
passeio também parece indicar progresso. Era uma experiência que elas
queriam compartilhar com eles.

DÉCIMO QUARTO CONTATO — DÉCIMO CONTATO EM GRUPO

As garotas encontraram o carro da terapeuta. Traziam uma caixinha

BOOKS
embrulhada em papel fantasia. Exclamaram todas ao mesmo tempo que a cai­
xinha era para a terapeuta. Insistiram que ela abrisse imediatamente. Den­
tro da caixa havia um pedacinho de veludo vermelho, um amuleto, um pe­
daço de giz azul, um frasquinho vazio e um pedaço de fita branca. Eram,
obviamente, os tesouros das meninas, que elas tinham decidido, entre elas,
ofertar à terapeuta. Elas aceitaram seus presentes muito quietamente. A-
gradeoeram-lhe e perguntaram se poderiam ir no carro, para o passeio. Pa­
recia ser falta de consideração com os meninos não fazer o mesmo com
eles. Os meninos não haviam pedido presente algum. Entretanto, a terapeu­
ta trouxe alguns presentes pára os quatro, para evitár algúm possível senti­

GROUPS
mento de terem-sido desprezados, quando descobrissem que as meninas ti­
nham ganho presentes. A terapeuta notara, certa vez, que as crianças osten­
tavam seus presentes entre si, sempre que havia oportunidade para isto.

As meninas foram caminhando na frente. Elas encontraram os meni­


nos sob uma grande nogueira, próxima a um riacho. As crianças haviam or­
ganizado o passeio com incrível perfeição. A terapeuta era chamada de
“Srta. " por todas elas. Mostraram-lhe as flores do campo, a casa mal-assom-
brada onde o diabo morava, o grande milharal, o pasto, o chiqueiro, o bar
racão onde o ônibus da escola era guardado, o ninho do papa-figo, num
grande olmo, o ninho de um pardal vermelho e o esconderijo do coelhinEò
castanho com o pé defeituoso. O coelho estava lá e as crianças aoercaram-se

3Õ0
tão calmamente que ele não fugiu amedrontado. Colheram algumas flores
do campo pelo caminho e as ofertaram à terapeuta. Então chegaram à cer­
ca. Os meninos ajudaram as meninas a ultrapassá-la. Havia muita conside­
ração entre eles.

Finalmente o passeio terminou. Os meninos despediram-se na cerca


e as meninas voltaram ao carro com a terapeuta para pegar os presentes.
Esta entregou a cada uma delas um presente para um dos meninos, pedin­
do que elas lhes entregassem por ela. As meninas prometeram fazê-lo. Fi­
caram no estacionamento esperando que a terapeuta fosse embora, dizen­
do adeus até que ela desaparecesse.

COMENTÁRIOS

INDEX
AVALIAÇÃO IMEDIATA DA EXPERIÊNCIA TERAPÊUTICA

Na semana seguinte a terapeuta entrou em contato com a diretora e


pediu notícias dos comportamentos das crianças. A diretora relatou-lhe ter
havido uma nítida melhoria, principalmente no comportamento de Ema.
Tornara-se agradável e muito mais cooperadora. Agora brincava com as ou­
tras crianças "sem aqueles atritos e irritações constantes”, e tinha se ofere­
cido para ajudar a diretora nos serviços do alojamento, o que foi considera­
do um fenômeno. A professora contou-lhe que Ema havia se preparado pa­
ra sair com a mãe na sexta-feira seguinte à última entrevista, e que a mãe

BOOKS
outra vez tinha falhado no seu compromisso. A reação de Ema ao desapon­
tamento desta vez foi completamente diferente de suas reações habituais.
Não chorou nem “ adoeceu” . Muito calmamente trouxe sua maleta de volta
ao seu quarto e disse à diretora: “Pro inferno com minha mãe. Ela é uma
sem-vergonha.” A diretora disse à terapeuta: “Eu tive que me conter com
todas as minhas forças para não dizer — Isto é o que ela é .” Depois disto,
quando a mãe telefonou para o Orfanato, querendo falar com a menina, a
diretora recusou-se a chamá-la e explicou-lhe que as diretoras do orfanato
decidiram que não mais sujeitariam a menina àquela sucessão de decep­

GROUPS
ções. Informaram à mãe que se ela quisesse falar com a filha que fosse até
lá, que elas não mais mandariam a menina preparar suas coisas antes que a
mãe estivesse no pátio pronta para sair.

A mãe de Shirley-Ann estava planejando levála no mês seguinte.


Edna estava em vias de ser adotada. Um casal idoso estava muito interes­
sado nela e a professora achava que Edna ficaria na casa deles durante o
período de experiência. O estado de Sharon ainda era o mesmo.

Como uma pequena informação final, a professora acrescentou: “E


muito obrigada por ter conseguido acabar com aquelas acusações que fazi­
am umas às outras perante as professoras. Há já semanas que elas não nos
incomodam mais com isto. ”

301
í

INDEX
í

BOOKS
í

GROUPS
I
23. UMA PROFESSORA - TERAPEUTA AJUDA

INDEX
UMA CRIANÇA DEFEITUOSA

O caso que se segue é apresentado para mostrar o que uma professo-


ra-terapeuta íez para ajudar uma criança com defeito físico que estava em
sua classe. Ê apresentado na esperança de encorajar outras professoras a
pensar nas possibilidades de um procedimento terapêutico na re s ó ^ iç ã o dos
problemas que surgem em sua classe e, talvez, motivar nignmqg delas para
que tentem algumas das técnicas discutidas neste livro. Em todas as salas

BOOKS
de aula encontra-se pelo menos um caso-problema. Embora o cnso de Er-
nest seja complicado, demonstra o grande valor que tem o p ro c e d im e n to te­
rapêutico na sala de aula ou, pelo menos, é valioso para referência, e m ca­
sos especiais, para a professora que entende dever ensinar à crlftOÇa como
viver consigo mesma e não só a escrever, ler e desenhar.
Uma vez que o material é detalhado e complexo, parece mttfs impor­
tante dar um pequeno resumo do processo através do qual Ernesfc viveu du­
rante os sete meses em que se passou este caso. Isto não prejudica o anda­
mento do caso, mas fornece um padrão de referência, o qual o leitor é li­

GROUPS
vre de abandonar quando se dedicar a estudar o detalhado material. Tal
resumo é apresentado nos dois parágrafos seguintes.
Emest ó um menino enjeitado de seis anos, com uma constrição na
garganta, tímido, infantil e anti-social. Nos contatos terapêuticos com uma
professora compreensiva revela necessidade do afeto de sua mCte 6 toma a
iniciativa de explorar as possibilidades de ir viver com ela. Jí rejeitado
por sua mãe, e torna-se violentamente agressivo, v o ltan d o -se con­
tudo, para a professora-terapeuta em busca de apoio emocional. Gradati-
vamente, vai assimilando seu desapontamento, passa a considerai' sua famí-

(*) Este caso f o i apresentado no Journal o f Abnorrnal and Soclat Pll/cologg, d »


a b ril de 1945, sob o. orieu tação da com issão tlc C ari R . Rogers e da autora.

303
lia adotiva como se fosse realmente sua, chegando mesmo a aceitar o fato
de que sua professora não seria uma substituta de sua mãe.

Paralelamente a este progresso, obtém coragem para alimentar,


se normalmente; e, com várias oscilações entre reações maduras e infan­
tis, vai gradativamente obtendo maneiras mais adultas, abandonando as
mamadeiras, bicos e o neurótico uso de sua deficiência. Seu novo ajustamen­
to é várias vezes posto à prova por períodos de doença e hospitalização,
mas ele conserva as atitudes mais maduras que vai obtendo.

Os comentários detalhados do processo terapêutico, a técnica usada,


os estágios de “insight" e amadurecimento estão contidos nas notas inter­
caladas por entre o relato.

INDEX
Com esta introdução, eis o caso, assim como foi registrado pela
professora que agiu como terapeuta. É publicado apenas no interesse de
ser breve e resguardar as identidades nele envolvidas.

Emest começou a freqüentar a escola em setembro. Tinha seis anos


es três meses. Era pequeno para sua idade mas sua história pessoal era
bem grande. Aos três anos de idade, ingerira soda cáustica e fora hospitali­
zado. Seu pai abandonou sua mãe. Esta o trouxe para D . . . .. . . . . deixouo
no Hospital e abandonou a cidade. Ernest ficou sob a dependência do Esta-,

BOOKS
do. Sua mãe voltou para casa, numa cidadezinha, cerca de seis milhas de
distância de D ..___ .. Ele permaneceu no Hospital por três anos. Duran­
te este tempo sua mãe só veio vê-lo duas vezes. Vendo-a apenas uma vez
por ano, Emest esqueceu-a e na última visita da mãe, não a reconheceu.
Foi submetido a uma série de operações e dilatações na garganta. Neste
setembro ele fora dado como “ cirurgicamente curado” . Entretanto, ainda
sè recusava a comer e era necessário continuar a alimentá-lo através de
uma sonda inserida diretamente em seu estômago.

Quando Emest entrou para a escola, havia somente quatro semanas que

GROUPS
dèixara ò hospital. Não sabia vestir-se sozinho. Era enurético. Nunca tivera
relacionamentos com outras criançás. Ficou numa pensão com uma mu­
lher de meia-idade mUito dominadora. A criança e a mãe adotiva não se
deram muito beni. Ele se recusava a comer qualquer coisa. Chegava até a
se recusar a beber áijua. A mãe adotiva sentiu que ele era üm “ mau negó­
cio” para ela. Os médicos também pensaram que o problema éra inteira­
mente psicológico,

No primeiro dia de aula, Emest amedrontóu-se bastante com as ou­


tras crianças, as atividades escolares e com o tamanho do edifício. Havia
trinta e seis outros novatos tia salà de aula. Neste primeiro dia, ele obser­
vou as outras crianças bebendo nos bebedouros automáticos. Tais bebedoú-

30?
tos fascinaram todas as crianças e elas, por isto, beberam litros de água nos
primeiros dias. Ernest, que estava atrás da professora observanao as outras
crianças disse: “ Isto parece engraçado” . A professora respondeu ao seu evi­
dente desejo de beber também, como os outros. Este breve contato foi mais
ou menos assim:*

E.: Isto parece engraçado.


T .: Você acha que seria engraçado beber nele também.
E .: (num gesto de assentimento): Mas eu não posso. ,
T .: Você não acredita que possa beber nele.
E.: Não. Isto parece engraçado.
T.: Você nãó acredita que possa beber nele, mas ainda assim gosta­

INDEX
ria de fazê-lo.
E.: Eu gostaria de tentar.
T .: Você quer tentar isto.
E .: Eu costumava beber num destes quando estava no Hospital. A-
gora eu não consigo.
X.: Você recorda como aquilo era bom. (Ernest ri e vai para o bebe­
douro .)
E .: É capaz de eu não conseguir reter à água.

BOOKS
T .: Você acha que é capaz de não conseguir reter a água, mas quer
tentar assim mesmo. (Ernest assentiu com a cabeça. Girou o botão e pulou
para trás.)
E.: Sai água demais.. .
T .: Parece que é muita água para você.
E .: Eu vou me afogar. (Bebeu um gole, olhou para a terapeuta e sor­
riu francamente.): Enguli!
T .: Sim. Enguliu. (Ele bebe novamente. )
E.:
GROUPS
Eu enguli! (Parecia completamente feliz. )

(Neste primeiro incidente tanto a terapeuta como Ernest têm atitu­


des significativas. A professora mostra que o aceita, através de uma atitu­
de não a rg u m e n ta tiv a e não coercitiva, estando pronta a aceitá-lo tanto nos
momentos de desânimo, como nos de coragem. Os terapeutas sem trei
são prontos a persuadir: "Estou certo de que você consegue beber” —
então colaboradores: "Eu te ajudo, isto não é tão difícil.” — ou ainda pr
siònam: "Você quer ser úm menino grande como os outros, não quer?”

* Durante este capítu lo E . Iden tificará a fa la de Ernest e T ,, da profcssora-terapcu ta.


to causa constrangimento e o ponto de vista terapêutico deve permitir à
criança saber que é aceita pelo que ela é, e não pelo que não é.

Emest, por sua vez, mostra uma boa disposição em ser corajoso ao
invés de ser medroso, o que é uma característica de impulso em direção ao
crescimento. Isso porque ele está certo de que a professora o aceita em
ambas as suas atitudes contraditórias de tentar beber.)

Ele voltou para a sala de aula e contou para todas as outras crianças:
“Eu bebi um gole!” Elas aceitaram o fato com o entusiasmo próprio de cri­
anças de cinco anos. Elas não sabiam que Ernest era "diferente” . Somente
sabiam qu;.- ele ficara muito orgulhoso por ter bebido, e se vangloriaram de
ter bebido também. Ernest bebeu umas quinhentas vezes aquele dia — ou
pelo menos coisa parecida. A partir disto já não tinha mais problema em

INDEX
beber água na escola, nem de retê-la. Entretanto ainda se recusava a beber
em casa.

Dois dias mais tarde ele viu uma bela maçã vermelha na mesa da pro­
fessora. Esta pareceu-lhe apetitosa. O exercício de andar até a escola e ain­
da as outras inúmeras atividades escolares foram aumentanto o seu apeti­
te. As outras crianças costumavam comer frutas, como laranjas, maçãs e
peras, no recreio, e Ernest começou a gostar da idéia de comer como elas.
.Na tarde deste segundo dia ele se aproximou furtivamente da professora e

BOOKS
disse: ‘‘Se você repartir comigo sua maçã depois da aula, eu te ajudo a co­
mer ela." A professora imediatamente reconheceu o seu desejo de comer a
maçã e aceitou o convite de reparti-la com ele. Depois da aula, ela partiu
a maçã ao meio e deu-lhe uma parte. Emest comeu-a. Parte dela ele cuspiu,
mas boa parte foi retida, dando-lhe a satisfação de comê-la.

Tal episódio passou-se mais ou menos assim:

E.: fi uma bonita maçã!


T.:
E.:
T .:
GROUPS
É uma maçã muito bonita.
Ê uma linda maçã.
3É uma linda maçã vermelha.
E.: Você vai repartir a maçã comigo, você disse que iria.
T .: Você quer repartir a maçã comigo.
E .: Nós vamos comer ela juntos. (A professora dividiu a maçã ao
meio. Emest pegou sua parte de um modo quase solene.) Pode ser que eu
não consiga retê-la.
T .: Você acha que talvez não consiga retêla, mas mesmo assim você
ainda quer tentar.

308
E.: Eu quero tentar. (Deu uma mordida na maçã.) Você come aque­
la parte.
(Este desejo de resolver seu problema é um bom prognóstico. Muitas
vezes o paciente mostra claramente, no primeiro ou no segundo contato, se
tem ou não motivação suficiente para superar suas dificuldades.)
T .: Você quer que eu coma esta parte enquanto você come a sua.
(Ernest assentiu com a cabeça e assim a professora comeu a sua par­
te. Ernest sorriu para a professora. Seus olhòs brilhavam.)
E .: Esta maçã está muito, muito, muito gostosa.
T .: Você acha esta maçã muito, muito boa.
(Ernest consentiu sinceramente, mas a verdade é que a maçã, como
a maioria das maçãs muito bonitas, estava seca como serragem e sem o mí­

INDEX
nimo sabor. Ocasionalmente ele cuspia um pedaço, mas, às vezes,ele real­
mente engulia-os. Falou sobre os jogos que tinham feito naqueledia e so­
bre uma pintura sua. Então ele bombardeou a professora com perguntas.)
E .: Diga, qual é o seu Q .I.?
X.: Meu Q .I.? Você quer saber quanto é o meu Q .I.?
E.; Sim. Eu queria saber.
T .: Como é que eu posso saber para você?
E .: Pede a alguma pessoa para fazer um teste com você.

BOOKS
I.: Você sabe quanto é o seu?
E.: Oh! Sim! É cento e dezenove! Uns homens lá no hospital medi­
ram ele. As enfermeiras me disseram que era cento e dezenove.Isto é bom.
As enfermeiras disseram que eu devia me orgulhar disto.
T .: Elas sabiam quanto era o delas?
E.: Acho que não. Elas não sabiam quanto era o aelas. E o de D. S.
(a mãe adotiva) é horrível.
X.: Você pensa que o de sua mãe adotiva é horrível. Por quê?

GROUPS
E.: B em ... eu perguntei para ela qual era o dela a primeira vez que
eu fui lá. Ela disse que não sabia. Eu lhe disse: “Calcule” . Ela achava que
o dela era cem. Eu disse para ela que o meu era cento e dezenove.E já que
o meu era maior que o dela, eu não liguei mais para ela. Eu era mais es­
perto do que ela.
T.: Você se acha mais esperto que ela.
E. (generosamente): Espero que o seu seja mais ou menos cento e
dezenove. -i 1’ '■
(Esta é a primeira evidência da atitude positiva e afetiva dirigida à
terapeuta. O hábil manejo deste relacionamente, enquanto se aprofunda,
constitui um dos pontos mais interessantes dos contatos terapêuticos.)

307
T .: Você acha que eu sou tão inteligente quanto você?
E .: Eu realmente acho.
(Enquanto isso a maçã foi comida, apesar da conversa do Q .I. — ou
por causa dela. Então a professora levou-o para casa.)

Na semana seguinte havia um carrinho de pipocas na escola. Todos


estavam comendo pipoca. Emest olhou a pipoca com interesse. Após a au­
la ele pediu à professora que lhe desse um pouco. Ela lhe deu e o menino
comeu tudo, retendo todos os pedaços. Nesta sessão ele falou todo o tem­
po sobre a pipoca, dizendo como ela era gostosa. Esta breve sessão durou
quinze minutos. No final a professora levou-o parâ casa em seu carro, pa­
rando lá para ver sua mãe adotiva. Quando a professora contou-lhe como
ele estava se tornando interessado em comer na escola, esta mostrou sinais

INDEX
de evidente hostilidade em relação ao menino e disse que ele se recusava a
comer por causa dela. Ela falou: "Eu disse a ele outro dia: “eu sei que você
pensa que me magoa quando não come. Mas eu não me importo. Você pode
ficar sempre com uma estúpida sonda no estômago, se você quiser. Isto não
me magoa de jeito nenhum. Ele só me olhou interrogativamente e pergun­
tou se era isto mesmo que eu pensava e eu disse: “Eu não ligo para o que
você faz!” Acho que isto o pertubou. fia mesma coisa com o negócio de uri­
nar na cama. Eu tenho certeza de que ele fez isto só para me enlouquecer*
Eu dissa isso a ele também. Ele também não é coisa que preste, não! Mente

BOOKS
e furta e é danado de teimoso! Eu parei de dar comida pra ele quando o mé­
dico me disse que não havia nenhum motivo verdadeiro para que ele não co­
messe Ele recusou comida até desmaiar de fome. Então eu comecei a dar
comida para ele. Já não sei mais o que fazer com ele! Mas se ele come com
a senhora por que é que não pode comer comigo?!*

Então D. S. contou o episódio do Q. I., exatamente como Emest o


havia contado, lembrando que o Q.I. dela era cem. Estava verdadeiramente
"queimadar de raiva com as observações dele. Quando a professora contou-
lhe que ele havia comido pipoca e enguliu tudo, D.S. retrucou: "Bem. É o

GROUPS
fim! Além do mais, pipoca! Eu não teria deixado ele fazer isto! Imagina se
ele tivesse se sufocado! Meu Deus! Q que é que a senhora teria feito?” A
professora contou-lhe que a enfermeira do menino explicara-lhe no hospir
tal que eles estavam interessados em fazê-lo comer e que o risco de que ele
se sufocasse não seria maior do que com qualquer outra criança; além disso
seria melhor para ele tentar comer, não tendo importância se ele retivesse

* t. ink*i*cssantc nolnr qtir h mfie adotiva tamb.hu tiiih « algu m a com preensão das atitu­
des que ca racteriza va m ó comportamento de E m est. N áo p o d ia aceitá-Jas, entretanto.
Consequentem ente a situação ia de m al a p io r. Para Orientação das p rofessoras em situa­
ções idênticas € a din âm ica disso, vejam -se os com entários .fe ito « no. desen rolar desse caso.

308
ou não a comida. D.S. não gostou muito do assunto, no entanto aceitou as
ousadas iniciativas da professora, com comentários azedos, porém. "Bem,
isto há de ser o fim da senhora!” Outros pequenos detalhes foram discuti­
dos a fim de aclarar a situação. Quando a professora estava de saída, Er-
nest veio até o alpendre e chamou-a: “Eu quero que você me leve embora
com você. Eu não gosto daqui!” Tudo aquilo não ajudou nada na situação
do menino na casa adotiva.

Na outra semana, o fiscal do Estado, responsável pelo menino, veio até


à Estola e solicitou uma conferência com a professora. Esta marcou uma
entrevista para o dia seguinte e foi para o escritório dele discutir o caso.
As opiniões da professora confirmaram as suposições do fiscal de que Er-
nest escava muito deslocado naquela casa adotiva e decidiu que ela seria
transferido para outra, possivelmente perto da escola. Na outra semana ele

INDEX
foi transferido para uma outra casa. O fiscal veio à Escola e comunicou a
Ernest sua mudança. E assim, havia outro ajustamento para ser consegui­
do pelo menino. Os contatos de terapia individual passaram a ser feitos
após as aulas. Tão logo foi possível, sentimentos e atitudes expressos na es­
cola. foram leconhecidos e aceitos.

29 DE SETEMBRO

No dia 28 de setembro Ernest mudou-se para a casa de D. R., seu novo

BOOKS
lar. O contato do dia seguinte foi após as aulas e por sua própria solicita­
ção. Ele estava muito perturbado com a repentina mudança’para a nova car
sa. Sua nova mãe adotiva tinha mais de sessenta anos. Seu marido setenta.
Tinham outro filho adotivo que contava quinze anos. D.R. era uma exce­
lente cozinheira, com prática de serviços de pensão. Falava macio, tinha um
sério problema cardíaco e era extremamente religiosa. Parecia ter simpati­
zado bastante com Ernest, logo ao vê-lo. Disse: “Se eu não puder ajudá-lo
não ficarei com ele. Pedirei então para o receberem em outra casa. Estou
mais interessada no seu bem-estar do que no dinheiro da pensão. Eu não o
prejudicarei e tenho certeza de que Ernest ssrá bem tratado. Eu não sei o

GROUPS
que a senhora pensa disto; mas acredito que Deus há de ajudá-lo se nós re­
zarmos por ele fervorosamente. ”

No contato posterior, na escola, no dia ssguinte à transferência, Er­


nest ficou na mesa de pinturas folheando os desenhos por alguns minutos.
A professora estava assentada perto da mesa. Estes contatos foram todos
mantidos na própria sala de aulas, e todos os matsrlais usados eram sempre
èscolhidos por Ernest e as outras crianças durante às àúlás. Nãó hávia limi­
tação da área de brincar. Ele poderia usar qualquer coisa na sala. Um úni­
co requisito: — ele deveria permanecer na sala.

O material constava de argila, tintas, todas as espécies e tamanhos de

30S
papel, uma banca de serviço de oficina, martelos, pregos, lápis de cor, fan­
tasias de cow-boy, revólveres, soldados, aviõezinhos, blocos de armar, cole­
ção de bonecas, mobília e ainda outros jogos e brinquedos.

(Ernest olhou a professora, achegou-se e enconstou-se nela.)

E.: Eu quero escrever uma carta para minha mãe. Como a senhora
sabe, ela mora longe daqui, lá em ... É muito longe. Você escreve o que eu
vou dizer.
T .: Você quer escrever uma carta para sua mãe verdadeira.
E.: Sim. Diga: “Querida mamãe” .
(A professora escreve num pedaço de papel que ele lhe havia dado.

INDEX
É bom lembrar que Ernest não vê sua mãe há quase um ano. Tinha-a visto
somente quatro vezes em três anos e, da última vez que a vira, não a reco­
nhecera.)
E.: Agora diz: "Eu vou indo muito bem.” Eu realmente estou indo
muito bem, não estou?
T .: Você quer melhorar para então poder voltar para casa.
E .: Sim. Quando eu melhorar eu vou voltar pra casa, pra minha
tn ãe de verdade.

BOOKS
T .: Você quer melhorar para então voltar para casa.
E.: É. Conta pra ela... (pausa) Escreve: “Eu comi vagem a noite
passada. Comi costeletas de porco e purê de batàta. Tomei um copo de lei­
te. Essa manhã eu tomei mingau e suco de laranja e dois pedaços de torra­
da.” Você está escrevendo isso tudo?
(Essa foi a primeira refeição que ele fez. De acordo com sua mãe ado­
tiva, ele não reteve quase nada no estômago.)
T.: Estou escrevendo tudo isso.
E.: “Hoje eu tomei sopa de cenoura com cebola. Comi um pedaço

GROUPS
de torrada e um pedaço de bolo.” (Para a terapeuta.) Engoli quase tudo!
T ,: Uma parte do que você comeu você não vomitou e está feliz com
isto. Você queria engolir o alimento.
E. (concordando): Sim. Algum dia eu conseguirei.
T . .: Algum dia você conseguirá.
E.: Eu quero pôr mais coisa na carta. Escreve: “Eu mudei a noite
passada para a casa de D. R .” Foi mesmo. D. R. é uma senhora muito sim­
pática. Ela não é como D. S. Eu g-osto de D. R. Pelo menos eu acho que
gosto.
T .: Você mudou a noite passada e você quer gostar de sua nova mãe.
E .: Só que ela não é minha mãe. Eu chamo ela de Vovó R. Eu te­
nho um vovô e um irmão agora. Um irmão chamado... Eu não consigo
lembrar o nome dele agora, mas ele é muito bonzinho.
T .: Você tem uma nova família e eles são pessoas simpáticas.
E .: Escreve: “Como vão minhas irmãs?” Eu tenho duas irmãs em
casa.
T .: Você tem duas irmãs em casa.
E .: Escreve: “Como vai passando meu cachorrinho? Eu espero que
ele esteja bem. Espero poder voltar para casa algum dia.” (Para a terapeu­
ta.) Eu gostaria muito de poder ir para casa.
T .: Você quer ir para casa. Ter mudado para uma casa nova ontem
te fez pensar sobre sua própria casa. Você não sabe como as coisas vão

INDEX
correr neste novo lar e por isto deseja ir para a sua própria casa.
E. (assentindo com a cabeça): É claro que eu quero. Meus porqui­
nhos e meu cachorrinho estão lá. Eu quero ver meus porquinhos.
T .: Você gostaria de ver seu cachorrinho e seus porquinhos.
E .: Sim. Escreve: “Doutor P. está de férias agora. Com muito amor
para vovô e para a senhora, Emest."
(Emest aconchegou-se nos braços da professora.)
T .: Você sente dificuldades na sua própria casa. Você ainda não co­

BOOKS
nhece ninguém lá.
(Esta é uma excelente clarificação das atitudes que Emest tinha ex­
pressado por frases e ações, como por exemplo: “Eu gosto de D. R. Ou pe­
lo menos eu acho que gosto.” Isto lhe traz um reconhecimento de suas pró­
prias atitudes.
Note-se que nos primeiros contatos, as reflexões feitas pela terapeuta
em relação às atitudes da criança dão-se num nível superficial, tal como
o reconhecimento do seu desejo de beber, ao lado do medo de fazê-lo. Isto
acontece invariavelmente no começo da terapia, mas como estas atitudes su­

GROUPS
perficiais são aceitas e reconhecidas, a criança torna-se mais livre para tra­
zer à tona suas atitudes mais dinâmicas e profundas. A terapeuta deve
manter-se alerta para compreender, acompanhar e clarificar estas atitudes
mais íntimas como elas são expressas.)
E .: Eu só vi eles ontem. Eu nunca os tinha visto antes.
T .: 15 claro. Eu posso entender como você se sente. É tudo muito
estranho.
E .: Você vai para casa comigo à noite para conhecer D. R.?
T .: Você quer que eu conheça D. R. também.
E .: Você vai? (A professora concorda em ir com ele.)
(Nesta entrevista, a terapeuta começa a adotar uma posição maternal

311
e protetora, em vez de manter estritamente a conduta não-diretiva que tive­
ra até este ponto. Acompanhando-o amigavelmente de volta para casa, ofe­
recendo-lhe guloseimas, tranqüilizando-o naquela manhã sobre sua nová
mãe adotiva, a terapeuta está claramente dizendo: " Eu vou te ajudar”, em
j vez de continuar a dizer: " Eu vou ajudar você a se ajudar." Há uma certa
^diversidade de opiniões quanto a esta ser a melhor técnica. Emest, como
vimos, foi muito acostumado com demonstrações de afeição por parte das
/ pessoas do hospital e, conseqüentemente, espera isto da professora, de ma­
neira semelhante ao comportamento dos adultos, ao qual foi acostumado. É
verdade também que as professoras dos primeiros anos escolares são ne­
cessariamente consideradas pelas crianças como substitutas das mães, às
(
quais se voltam constantemente, em busca de aprovação e proteção. Conse­
qüentemente, pode-se pensar que a atitude protetora da professora-terapeu-

INDEX
ta seja apenas natural e normal. Já a dependência que é criada com isto pre­
( cisará ser cuidadosamente manejada, como veremos. Talvez a terapia tives­
se prosseguido mais satisfatoriamente, também neste caso, se a criança ti­
vesse sido ajudada a assumir suas próprias atitudes, em vez de transferir
( sua responsabilidade para outra pessoa. A terapeuta poderia ter reconheci­
do as necessidades do menino com frases como: “Você gostaria que eu ficas­
se com você quando vai para a casa destas pessoas desconhecidas.” E se ele
insistisse com a professora para que fosse para casa com ele, ela poderia
responder, de modo compreensivo: “ Eu não vou para casa com você hoje,
mas amanhã eu fico aqui e você pode me contar tudo sobre o que se pas­

BOOKS
sou lá .”

( No caminho para casa, a professora e Emest pararam numa confeita.


ria e esta comprou-lhe um sorvete. Isto fazia parte de um plano preconce­
bido com os médicos, enfermeiras, o fiscal e outras pessoas envolvidas nes­
se caso, de acordo com a opinião de que toda tentativa que ele fizesse para
comer o ajudaria, não importando se ele consiga ou não engolir o alimento,

Muito pouco — quase nada — ele conseguiu engolir, embora tenha gos­

GROUPS
tado muito e falado que era bom comer. A professora refletiu seus comen­
tários. Ela encontrou D. R. e conversou com ela cerca de uma hora, depois
que esta afastou Emest, mandando-o brincar lá fora. Sua enfermeira soli­
citou que ele fosse à clínica para pesá-lo e examiná-lo.

A primeira coisa que ele disse à professora na manhã seguinte foi:


“Você gostou de D. R.? Ela é boazinha?” A terapeuta respondeu: “Você quer
saber o que eu penso de D. R . .. Bem, eu acho que ela é uma senhora múito
boa.” Emest sorriu. Então ficou sério e disse: “Você sabe o que ela fez on­
tem h noite? Ela rezou para mim. Ela pediu a Deus para que eu melhoras­
se. Agora eu vou melhorar.” A resposta da professora foi: “Você está certo
de que vai melhorar agora.”

312
Ele não conseguia comer nada neste dia. Parecia muito perturbado
com todas as coisas e estava indiferente com os outros garotos.

O fiscal disse à professora que eles estavam tentando estabelecer um


melhor relacionamento entre a mãe e a criança, de modo que periodicamen­
te elé pudesse voltar à sua casa. Eles não tinham obtido sucesso até agora. A
mãe dissera que estava em péssimas condições financeiras para receber a
criança. Ela vivia com os pais a uma distância de seis milhas dali e o fiscal
pareceu acreditar que sua longa ausência era devida às suas dificuldades fi­
nanceiras. Disse que continuaria tentando fazer com que ela fosse ver Er-
nest. Por isto, quando este pediu à professora para escrever-lhe uma carta,
esta viu logo que isto poderia ser usado como um recurso para melhorar o
relacionamento entre a mãe e o filho. Esta era a primeira carta que Emest
escrevia para ela. Ele tivera a idéia da carta por causa de um ditado que

INDEX
houvera na sala de aulas, e que era uma carta a colegas ausentes. Quando
a professora enviou a carta de Emest, incluiu uma dela própria.

"Cara D .F ......... :
Emest entrou na escola e está no primeiro ano. Ele queria escrever
uma carta. Eu a escrevi exatamente como ele a ditou. Esta vai anexa. Ele
é um garotinho muito agradável, caprichoso em seus trabalhos escolares e
tem modos bastante educados.
Se a senhora responder sua carta, ele a receberá no endereço seguin­

BOOKS
te: ..........,.. (foi dado o endereço da escola).
Emest mudou-se para uma outra casa a noite passada. Parece estar
gostando de lá. Está começando a tentar comer.
Todas as crianças gostam dele. É um bom menino e tem uma perso­
nalidade marcante.
Refere-se à senhora várias vezes. Uma carta da senhora significaria
muito para ele.
Sinceramente,
A professora de Em est."

6 DE OUTUBRO GROUPS
Emest recebeu uma resposta de sua mãe no dia quatro. Ele ficou
depois da aula. A professora aplicou-lhe um Stanford-Binet (Forma L ). Ele
imediatamente reconheceu os testes como de “Q .I., embora não fossem da
mesma espécie” que tinha feito antes. Estava muito ansioso em ser testado
e perguntou à professora se ela não achava que seu Q.I. seria bom. Esta as­
segurou-lhe que ela pensava que ele seria bom. Por estranha coincidência,ele
confirmou a marca de 119, a mesma que ele tão animadamente falara. Após
terminar este teste, a professora comunicou-lhe que tinha uma surpresa para
ele. Durante o teste ele estava relaxado, mas quando a professora lhe entre:

313
gou a carta, dizendo que era de sua mãe, ele ficou completamente pertur­
bado.
E.: Eu sei disto. Eu sei que minha mãe escreveu para mim. D. E.
contou-me.
(D. R. não sabia nada sobre isto, portanto não podia ter contado a
ele.)
T .: Você está tão alegre que não sabe o que fazer.
E.: Leia.
(Subiu no colo da terapeuta e esta leu a carta para ele. Quando Er-
nest ficava perturbado emocionalmente e tenso, ele cospia muito muco, e
várias vezes durante a leitura da carta ele cuspiu no recipiente preparado
para isto.)
T. (lendo): "Querido filhinho” .

INDEX
E .: Este sou eu! Eu sou o querido filhinho!
T .: Você está contente por ela tê-lo chamado de querido filhinho.
E .: Eu sou o filhinho dela. É porque eu sou um menininho que ela
me chama de querido filhinho. (Desce do colo da professora e cospe.)
T .: Você está excitado por escutar sua mãe e por isto você cospe.
E .: Lê de novo! Desde o começo!
T. (lendo): “Querido filhinho. Estas linhas são para responder a
sua carta, dizendo-lhe do prazer que tive em óuvir de você a notícia de que

BOOKS
você está indo tão bem.”
E.: Eu estou indo bem, não estou? Esta carta é da mamãe para mim.
T .: Você acha que está indo bem. Está feliz em ouvir isto de sua
mão.
E .: Quando eu estiver melhor eu vou para casa. Tenho uns porqui­
nhos. Tenho uma vaca também. E um vovô.
T .: Você gostaria de ir para casa e quando você melhorar você po­
derá ir para casa.

decidindo-se a arriscar.)
T .:
GROUPS
(Ernest cuspiu novamente. A terapeuta pensa se deveria continuar
com a leitura da carta, uma vez que ele estava tão perturbado. Mas acabou

Quando você fica perturbado, você cospe.


E .: Quando eu estiver melhor eu vou para casa.
T .: Quando você puder tomar suas refeições sem vpmitá-las, enfcfio
você estará melhor.
E .: Que mais que ela diz? Como vão meus porquinhose meuvovô?
T . . (lendo): " . . . que foi uma boa notícia para suasirmãs saber que
você vai tão bem. . . ”

314
E.: Eu tenho duas irmãs também. Mas eu não conheço elas não.
Quantos anos que elas têm?
T: Eu não sei. Você gostaria de saber mais sobre elas, não?
E.: Eu sou o único menino. Eu não tenho irmãos.
T .: Você é o único filho.
E. (sorrindo): Ünico menino! (Confirmou com a cabeça solenemen­
te e puxou a manga do vestido da professora.) Vamcs, continua. Lê mais!
T. (lendo): “Seu cachorrinho também está bom e seus porquinhos
agora são grandes.”
E. (rindo): Agora eu tenho porcos grandes! Meu cachorrinho era
lindo. Bonito cachorrinho. Marronzinho!
T. (lendo): “Nós agora demos uma vaca para sua irmã mais velha
que já vai para a escola. Ela está no terceiro ano. Estou contente por você

INDEX
estar estudando, queridinho... ”
E .: Ela me chama de queridinho!
(O grau de privação afetiva que esta criança sofreu aparece claramen­
te em suas respostas durante a leitura da carta. É esta extrema privação,
que poderia ser interpretada por alguns como justificativa para a posição
protetora assumida pela terapeuta. A menos que a terapeuta esteja pronta
para ser uma mãe substituta, com tudo aquilo em que isto implica em ter­
mos de contínuo cuidado, a atitude protetora, ao ter que ser abandonada,
causará problemas graves.)

BOOKS
T .: Ela chamou você de queridinho. Você gostou disso.
E. (tornando a abraçar a professora e fechando os olhos): Eu te­
nho alguns porquinhos e uma vaca.
T .: S agradável saber que você tem algumas coisas na sua própria
casa.
E .: Eu vou tirar leite da vaca quando eu for para casa. Que mais
que ela diz?
T. (lendo): “Estou contente por você estar estudando, queridinho,

GROUPS
por ser um bom menino, indo para a escola aprender. Você não imagina
como foi bom para sua avd saber que você está indo bem, que você é bom e
aprende a comer e, assim, um dia pode vir para casa.”
E.: Eu vou aprender a comer. Aí então eu vou para casa ver meus
porcos o a vaca.
T .: Você quer aprender a comer para então ir para casa ver os por­
cos o a vaca.
E.: Eu vou encontrar eles já grandões! Da que cor que elessão?
T .: Ela não disse. De que cor que você acha que eles são?

315
E .: Não sei. (Rí .) Azuis é qué não são!
T .: Não. Azuis não.
E .: Serão pretos?
T .: Sim. Existem porcòs pretos.
E .: Então são pretos. (Durante esta conversa ele ficou bastante cal­
mo. Murmurando.) Que mais que ela disse?
T. (lendo): " ... seja bom e aprenda a comer, de modo que você
possa vír pra casa conosco, queridinho. Eu achei a sua cartinha muito agra­
dável e foi ótimo ouvir você falar que está bem e que está comendo tão
bem. Estou alegre por poder dizer a você que vou vê-lo tão logo possa.
Com muito amor da mamãe, um adeus para Ernest.”
E. (ainda muito calmo): Sim. Ela vem mesmo me ver. Ela disse
quo vem.

INDEX
T.: Você está alegre por ela ter dito que viria vê-lo.
(Quando a professora acabou dè ler a carta, Ernest estava completa­
mente calmo. Ela rapidamente copiou a carta e incluiu-a em suas notas.)
E.: Quê que você está fazendo? Você está respondendo a carta?
. T .: Não. Eu estou copiando para quando você for respondê-la, eu
possa lê-la outrà vez para você, se você quiser. Você pode levar sua carta
para casa e mostrá-la a D. R. — se quiser.
E.: Eu posso levar ela para casa? (Surpreso.)

BOOKS
T .: Sim. Se você quiser, pode.
E .: Eu.quero. Agora vamos tomar sorvete.

11 DE OUTUBRO

(Durante esta sessão depois da aula, Ernest modelou uma bola de ar­
gila durante algum tempo. De repente acercou-se da terapeuta.)
E .: Vamos escrever uma carta para minha mãe.

GROUPS
T .: Você gosta dè receber cartas de sua mãe.
E.: Minha mãe é magrinha,
T .: Tg?
E .: Sim. Magra como um palito.
(É interessante notar a maneira positiva pela qual ele se refere à sua
casa. Na realidade ele nada sabe sobre ela ou sobre seus parentes.)
E.: Pronto? Vamos? Diz: “Querida mamãe. Eu quero tirar leite da
vaca quando eu for para casa,. Eu espero que você tire muito leite da vaca.
Eu quero matar meu porco quando for para casa.” (Para a terapeuta.) Eu
quero isto mesmo. Eu vou pegar uma faca afiada e voü cortar a garganta

á !6
dele. (Pegou uma régua e deu um golpe na mesa.) Eu vou matar o porção!
(Grita e toma-se muito agressivo.)
(Esta é a primeira vez que Ernest expressou uma atitude agressiva
que parece ser dirigida à sua casa. A resposta da terapeuta foi bastante ina­
dequada em relação à profundidade e à força do desejo de destruição exi­
bido: “Você realmente gostaria de cortar a garganta dele.” Indicaria mais
aceitação e o conduziria a mais outras manifestações de atitude profundas.)
T .: Você quer matar o porco quando chegar em casa.
E. (assentindo com a cabeça, bate na mesa e grita. De repente dei­
xa a régua de lado.): Diz: “Quantos anos minha irmãzinha tem agora? Como
você está indo no seu trabalho? Espero que vovô possa logo trazer você pa­
ra me visitar.” (Para a professora.) Talvez ele venha também!
T .: Você quer muito ver sua mãe.

INDEX
E.: “Traz um jogo pra mim quando você vier me visitar.”
T .: Você quer que sua mãe traga alguma coisa para você.
E.: Sim. Um jogo qualquer. Eu não tenho nenhum.
T .: Você quer que sua mãe dê alguma coisa a você.
E.: Diz para ela: "Eu tenho bebido refresco de chocolate áqui na es­
cola.” (Ditando rapidamente.) “ Comi bolo também. Eu quero que você ve­
nha e me veja estudando. Com muito amor para você, vovô e vovó, Ernest.”
(Deu a yolta à mesa e pegou uma caixa de bonecas. Dispôs a m o b í­

BOOKS
lia das bonecas e começou a brincar com elas.’ A mãe estava fazendo jan­
tar, no fogão. Ela chamou os filhos. Vieram o menino e a menina. Ernest
começou a falar representando cada uma das bonecas.)
Menino: De que é que nós vamos brincar?
Menina: Vamos brincar de passar anel. (Fez as bonecas brincar des­
ta form a. Chegou o boneco-irmão.)
Menino-irmão: Vamos brincar de “Ponte de Londres” .
(O brinquedo é muito limitado e formal. O boneco-pai chegou em
casa.)

GROUPS
Pai: Quê que você fez hoje?
Menino: Eu trabalhei muito. Eu assei um bolo.
Pai: Ele ficou bom?
Menino: Sim.
Pai: Onde é que ele está?
Menino: Em cima do fogão. (O “ Pai” vai até o fogão.) Ainda tem
bolo? Hummmm hummm. Bom. Agora vai brincar lá fora. (A mãe pega
a boneca irmã e sai com ela.)
(De repente Ernest jogou uma caixa sobre as bonecas, aprisionan­

31 ?
do-as nela.)
E. (gritando): O gigante pegou vocês! Ele vai comer vocês todas.
(Finge ser um gigante e simula comêlas.)
X.: O gigante vai comer a mãe e a irmãzinha.
(Melhor teria sido responder: “Você gostaria de ser o gigante e co­
mê-las.” Considerando-se o fato de que Emest tenha exibido forte desejo
de ver sua mãe e era notável sua afeição por ela, é facilmente perceptível
a ambivalência destes sentimentos. Ele é claramente hostil à sua família
que o abandonou e ao mesmo tempo desejoso de viver com eles.)
E .: Presta atenção!
(O boneco-pai mandou que o outro irmão e a outra irmã fossem
para fora. O mesmo aconteceu com eles.) O pai chama: “Emest!”

INDEX
E. (para a professora): Ele está se escondendo. Ele não quer ir lá
atender o pai.
X.: O menino não quer atender o chamado do pai.
E. (suspira): Mas ele tem que atender. Ele é bonzinho. (Muda a
voz para um tom doce.) Pronto, papai?
Pai: Vai ver o que houve com a sua família.
E.: Eu não sei. Eu acho que o gigante comeu ela.
Pai: Oh! O gigante! Meu Deus!

BOOKS
(O “pai” corre para fora e é preso e comido pela caixa de brinquedos.)
E .: Você também, menininho! (O outro garoto, identificado com Er-
nest, é também preso, comido e jogado dentro da caixa, violentamente.,
Emest abandona as bonecas e volta-se para a terapeuta.)
(Parece inteiramente provável que o motivo para esta simbólica
auto-punição e auto-destruição seja conseqüência do não-entendimento
perfeito de suas atitudes agressivas. Portanto, vê-se que a terapeuta não
as aceitou e as explicou convenientemente a ele. Se a hostilidade de Ernest
em relação a sua família tivesse sido evidentemente aceita, é improvável

GROUPS
que ele punisse a si próprio no brinquedo.)
E. (para a terapeuta): Você acha que ainda tem um pouco da soda
que eu bebi dentro de mim?
X.: Você acha que talvez ainda tenha um pouco de soda dentro de
você.
E.: É sim. Eu tenho cada época horrível. Eu não sou capaz de en­
golir a comida. Ontem só o café da manhã e o almoço que eu consegui.
Jantar não. Hoje nem o almoço, nem o café da manhã (Pausa.)
X.: Isto desencoraja você. (Pausa.) Você quer me contar esta histó-
da soda?
(Esta ó uma ótima prática de uma conduta não-diretiva que ajuda o

$18
garoto a se libertar de seus sentimentos sobre seu defeito físico. Aqueles
que não estão acostumados à terapia nãodiretiva notarão, com alguma sur­
presa, que essa foi a primeira pergunta feita à criança pela terapeuta. E,
porém, uma pergunta generalizada que só enfatiza a permissividade do rela­
cionamento. Não há investigação alguma nesta situação, simplesmente
porque a investigação não conduz a nada. A maioria dos terapeutas tende
a sobrecarregar a criança com perguntas, o que a leva apenas a criar defe­
sas.) -—
E .: Eu pensei que fosse leite. Estava num copo, ao lado do corre­
dor. Veja, eu pensei que era leite, e bom, e bebi. Eu acho que ainda tenho
um pouco dela dentro de mim.
T .: Você pensou que fosse leite e bebeu e fez mal a você. Agora
acha que ainda tem um pouco dentro de você, porque você ainda está

INDEX
doente.
E .: É sim. Ê isto que eu penso. (Pausa. Emesi acercou-se da pro­
fessora, infeliz, completamente abatido.)
T .: O quê que o médico disse?
E .: Ele falou que eu não tenho mais nada. Disse que eu posso
engolir e eu engulo mas às vezes não fica.
T .: Algumas vezes o alimento não fica.
E .: É, mas às vezes fica.

BOOKS
T .: Algumas vezes não fica e isto não lhe agrada. As vezes fica e
isto te deixa feliz.
E .: Sim. Nós vamos na-'sorveteria hoje de noite?
T .: Você quer ir na sorveteria.
E .: Sim.
T .: Você acha que vai conseguir engolir?
E.: Eu penso que sim.
(Foram à sorveteria e Emest tomou o sorvete. Tomou todo, sem vo.

GROUPS
mitar nada. A terapeuta esteve bastante atenta a este fato.)
T .: Você falou que pensava que não iria vomitar e isto aconteceu.
E. (olhou-a interrogativamente e concordou com a cabeça, rindo.
Muito confidencialmente.): Eu falei para você que ia conseguir.

18 DE OUTUBRO /

Emest, a cada três semanas, se submetia a uma dilatação na gar­


ganta. Ele vai para o hospital para este tratamento, toma anestesia e fica
de cama pelo menos um dia, em casa ou no hospital. Antes deste trata­
mento ele tinha estado confuso e de cama por vários dias. A enfermeira
comunicou à terapeuta que ele se ausentaria durante algum tempo. Sua

319
garganta se fere e dói muito depois do tratamento. O médico falou qus
possivelmente ele. teria que se submeter a este tratamento até os quinze
anos. A professora foi alertada com antecedência para o problema que
ele teria de enfrentar. Normalmente era ela quem lhe comunicava as noti­
cias. Desta vez a enfermeira também contou-lhs. A próxima entrevista foi
arranjada de tal forma que precedesse de um dia o seu tratamento no hos­
pital. A terapeuta pensava se Ernést usaria ou não o tempo de terapia para
externar este problema. Ele o fez.
E . ( encammhando-ss para a mesa de pintura e começando a pintar bo­
lhas vermelhas num papel): Eu vou para o hospital amanhã, para dilatar a
garganta. ..
T .: Você vai para o hospital amanhã.

INDEX
E.: Garanto que você vai sentir minha falta.
T .: Você sabe que eu vou sentir sua falta.
E.: Sim, você vai. (Bate no papel com o pincel e espalha a tinta.):
Vai doer! Vai doer! Vai doer!
T.: Você acha que vai doer a dilatação da garganta.
E .: Às vezes sai sangue. Olha! (Aponta para o papel, pintado de ver­
melho.): Ensanguentado! Igual à minha garganta!
(Não há dúvida quanto a facilidade e a objetividade com que as
crianças fazem uso dos símbolos para revelaT seus sentimentos na ludotera-

BOOKS
pia. A maneira pela qual Ernest usa a tinta vermelha para simbolizar os
seus medos e a dramatização com as bonecas para dar vazão a suas hostt
lidades é tão clara que dispensa comentários.)
T .: Você acha que a sua garganta vai ficar ensanguentada como isto?
E.: Sim. (Deixa de lado o pincel, rasga o papel.) Vou jogar fora!
Quero me ver livre disto.
T.: Você quer ficar livre do sangue no papel.
E.: Sim. (Enfiou com força o papel na cesta de lixo, e pisou por

GROUPS
cima. Pegou uma boneca de papel e esmurrou-a.) Menino mau. Vou te
bater. (Pegou um martelo e martelou a cabeça da boneca. Ela ficou toda
estragada.) Vou machucar a cabeça dela. Vou partir ela no meio. Vou
tirar o sangue dela! (Audaciosamente.)
T .: Você vai tirar sangue na cabeça da boneca.
E. (pegando um revólver): Vou dar um tiro nela. Bang! Bang! Ago­
ra eu acertei ela! (Apontando para a- terapeuta.): Bang! Bang! Vou atirar
em você também. Não é de vsrdade, não. É só de mentira. (Acercou-se da
terapeuta e deu-lhe um tapinha na m ão.)
T .: Você se sente como se estivesse atirando em alguém.
E:” (gritando estridentemente): Eu não quero ir para o hospital.
■ T .: Você não quer ir para o hospital. Mas como você tem que ir,
você sente vontade de atirar nos outros. É natural que você se sinta assim.
(Muito freqüentemente as crianças problema, e até mesmo adultos,
sentem uma profunda agressividade contra o mundo, o qual tratou-os tão
cruelmente. Não é surpresa que Ernest, abandonado pela família, freqüente­
mente submetido a operações, enfrentando ainda outros exames, sinta-se
tão destrutivo. A resposta da terapeuta neste ponto é excelente. Esta res­
posta, provavelmente, poderia ser classificada como interpretação de atitu­
des já expressas e, conseqüentemente, poder ser aceita pela criança. É bom
notar que trazer à tona tão claramente tais atitudes, e mostrar uma real acei­
tação das mesmas, elimina a necessidade delas serem expressas. Á criança
pode, quase que imediatamente, deixar de ser destrutiva, já que estas atitu­
des, agora, são entendidas e aceitas.)

INDEX
E (sorrindo): Bang! Bang! Bang! (Péga o martelo e malha nà bigor­
na.) ■
T.: Malhar a bigorna faz você se sentir melhor.
■E. (deixa cair o martelo e chuta-o através da sala. Vem sentar-se ao
lado da terapeuta, coloca as mãos em seu colo.): Agora eu estou cansado.
Vamos passear.
T.: Você quer sair para dar um passeio?
(Eles saem para passear. Ernest fala sobre o hospital. Compram al­

BOOKS
guns doces mas ele não os come.)
E.: Eu vou guardar para mais tarde. Eu acho que agora não con­
sigo.
T.: Você vai esperar até logo mais, porque você pensa que mais tar­
de conseguirá e então vai comê-los.

20 DE OUTUBRO

Ernest esteve ausente apenas um dia. Este contato foi com a intenção

GROUPS
de saber de sua reação à experiência no hospital, se é que houve alguma.
Ernest passou a maior parte deste contato martelando a bigorna e o bebê.
Ria durante todo o tempo.
E.: Éu sou duro de verdade! O médico ficou espantado quando eu
falei para ele que eu estava comendo qualquer coisa e tudo que eu comia
ficava.
T.: Você está bastante feliz com isto.
E.: Sim. O médico disse: “Ah! Isto é história” e eu disse: “ Não!
Não!” E não doeu nem um pouquinho.
T.: O médico ficou alegre também e não doeu nem um pouquinho.
E.: Eu contei a ele que eu comi e retive tudo o que comi porque eu

321
gosto de fazer isto na escola — eu gosto dos meus colegas — eu gosto da
minha professora. Eu gosto de onde eu estou morando agora. (Ri. Pega
as bonecas e as faz dançar em cima da mesa. Canta.) Eu gosto! Eu gosto!
Eu gosto!
( “Eu retive tudo porque eu gosto de fazer isto na escola.” Ernest
tem um bom entendimento dos fundamentos da msdicina psicossomática.
Através deste contato, a satisfação que a criança obteve através de um
ajustamento maduro e corajoso é da maior evidência possível. Não é aci­
dentalmente que nesta situação sua canção tenha sido positiva e cheia de
afeto. É também evidente seu afeto pela terapeuta, tanto quanto sua insis­
tência para que este sentimento seja recíproco.)
E. (Sai e vai até o corredor beber água. A terapeuta vai com ele.
Há outra professora lá. Ela conversa com ele. Ele responde-lhe amigavel­
mente.): Eu vou ficar aqui de noite. D. A. e eu vamos brincar.

INDEX
Outra professora (caçoando com ele): Você vai ficar com ela? Por
quê? Ela ó má!
E. (enfurece-se imediatamente e bate com a cabeça na outra profes­
sora, socandoa com os punhos): Não ouse dizer isto. Eu gosto dela! Ela
gosta de mim. (A outra professora sorri e sai. Eles voltam à sala. Emest
pega o revólver.): Eu vou dar um tiro nela. Bang! Bang! Bang!
T .: Você quer atirar nela porque ela disse que eu era má.
E .: Sim. (Corre em volta da sala, finge dar uns tiros, cai sobre uma
cadeira, ri, volta à mesa, assenta-se, joga o revólver para trás, nem olha on­

BOOKS
de ele cai, mergulha os dedos na tinta, lambuza o papel.) Eu sou um por-
calhão.
T .: Você gosta de fazer bagunça com a tinta.
(Ernest continua a lambuzar o papel com as mãos. Finalmente vem
atd h terapeuta.)
E .: Eu vou lavar minhas mãos agora. (Sai e lava as mãos. Volta.)
Eu devo mandar outra carta para minha mãe, não devo?
T .: Você quer mandar outra carta, não é?
E .: Sim. Pode amanhã?

GROUPS
T .: Você espera poder enviar-lhe amanhã.
E .: Sim. (Senta-se à mesa, abaixa a cabeça e, sorrindo maliciosamen­
te, observa a terapeuta.)
T ,: É hora de ir embora.
E .: Eu quero um sorvete.
(Saem e compram um sorvete. Ele o come todo sem cuspir.)

21 DE OUTUBRO

Pais de muitos outros meninos vieram visitar a sala de aulas nesta

322
tarde. Não havia visitas para Emest. Durante a tarde as outras crianças
perguntaram-lhe se sua mãe estava lá. Ele replicou: “ Não. Não está.”
Usou a roupa de cow-boy durante toda a tarde, com o coldre e o revólver.
(A terapeuta tinha uma vestimenta de cow-boy do tamanho de Ernest, no
armário. Ernest a tinha encontrado e passado a usá-la durante todo o tem­
po que ficava na escola, a partir de 11 de outubro. Esta vestimenta Ioga
tornou-se um indicador de seus. sentimentos. Quando se sentia tenso e des­
norteado, tomava-se mais agressivo, vestia-a e brincava de um selvagem
cow-boy, no recreio.) Ao saírem os visitantes ele atirou em todos. A tera­
peuta respondeu a isto da seguinte forma: “Você gostaria de atirar nas ou­
tras mães porque a sua não está aqui.” Ernest concordou. Quando as ou­
tras crianças conversaram sobre suas mães e lhe perguntaram a respeito da
sua, ele apontou a professora e disse: ‘‘Ela é minha mãe. ” As outras crian­
ças disseram: “Ela é?” Ernest concordou. “ Sim, então minha mãe está

INDEX
aqui, tão vendo?” Quando os pais dos alunos saíram ele permaneceu para
a sessão terapêutica.
(Emest pegou a mamadeira, encheu-a d’água, mamou nela, gritou
como um bebezinho, tornou-se frágil e com atitudes de bebê.)
T .: Você gosta de brincar de bebê.
E.: Sim. (Estiron-se em duas cadeiras qué ele dispusera em forma
de cama.) O bebê vai dormir.
T .: Psiu. O bebê vai dormir.
E. (fechando os olhos e m a mando. Senta-se.): Olha! Eu estou ma­

BOOKS
mando igual a um bebezinho.
T .: As vezes é bom brincar de ser bebê. (Emest finge chorar de
novo.)
(A visita dos outros pais — visível evidência de sua própria privação
— faz Emest expressar todos os seus desejos infantis, os quais são satisfa­
toriamente reconhecidos pela terapeuta. Uma resposta mais profunda e
levemente mais interpretativa sobre este ponto poderia ter sido mais pro­
veitosa. Por exemplo: “Ver todas as outras crianças com suas mães, faz
você se sentir como um bebê com sua mãe.” )

GROUPS
(Tendo expressado simbolicamente suas atitudes infantis, ele se ex­
pressa como se dependesse da terapeuta, solicitando sua atenção e prote­
ção. Ela continua com sua atitude protetora, dando-lhe a atenção que ele
necessita e usando a força do relacionamento para trazer-lhe maior maturi­
dade no modo de alimentar-se.) ,
(Ernest levanta.se, pega uma boneca e finge comê-la. De repente,
joga-a na sala, deixa de lado a mamadeira e põe-se a olhar para fora.
Chove um pouco.)
E.: Você vai ter que me levar de carro para casa porque está cho­
vendo lá fora.

323
T .: Você não quer se molhar.
E .: Se eu me molhar, eu vou ficar doente, e então ficarei triste.
T .: Você não gostaria de adoecer.
E.: Eu teria que ficar em casa, não poderia vir àescola, e eu não
quero isto. Eu quero vir para a escola.
T .: Talvez você queira dar uma voltinha de carro comigo.
E .: É lógico que eu quero. (Dá um risinho e eles vão até o carro.)
T .: Eu gostaria de dar um sorvete a você, mas, como você está no
çarro não vai poder cuspi-lo. Então...
E .: Mas eu não vou ter que cuspir.
T .: Como é que você sabe que não vai ter que cuspir?
E .: Eu sinto que não vou cuspir.

INDEX
T .: O que você faria?
E .: Eu enguliria e veria que não ia cuspir. Isto é importante para
mim, você sabe.
T .: Isto é importante para você, Ernest.
(Eles compram o sorvete, ele o come e não cospe. A terapeuta leva-o
para casa, dando, propositadamente, uma longa volta. Quando Ernest desce
do carro, diz: “Você vê? Enguli tudo. Eu posso decidir que vai ficar, e fica.” )
Neste ponto a terapia estaria quase completa, se não fosse pela inter­

BOOKS
rupção gradativa do relacionamento protetor, além das complicações fami­
liares que se seguiram.
A partir deste contato tudo o que ele comeu ele enguliu, e não rece­
beu mais alimentos suplementares por três semanas — até que foi para
sua casa no dia de Ação de Graças.

27 DE OUTUBRO

Chegou uma carta da mãe de Ernest. Ele ficou na escola, na hora

GROUPS
do almoço, para que a terapeuta lhe lesse a carta. Não fez interrupção al­
guma durante a leitura da mesma, nem deu mostras de perturbação emocio­
nal. O contato teve duração menor que os outros. Eis a carta:
“Queridinho,
Estou respondendo sua carta que recebi outro dia e estou contente
em ouvir de você que está indo bem na escola, e que você está desenhando,
e pode tirar leite da vaca quando vier aqui, e ajudar a matar algum anir
mal quando vier. Nós temos muitas galinhas para você cuidar e sua irmã.
zinha está com quatro anos e a mais velha com oito. Ela vai à escola todo
dia, está no terceiro ano. Sua avó disse que está bem e esperando que
você volte para casa. Ernest, seja um bom menino e vá sempre à escola

324
e sua mãe vai aí te ver logo que for possível. Você tem uma ótima pro­
fessora. 32 bom que ela escreva para você. Seja um bom menino. Eu vou
te ver no dia de Ação de Graças. Não posso pensar em nada até nos en­
contrarmos. Até logo.
Com muito amor de sua mãe."
E. (entusiasmado com a notícia de ir para casa no dia de Ação de
Graças): Ela vai me levar no dia de Ação de Graças! Eu vou para casa!
T.: Você quer ir para casa?
E.: Eu quero matar as galinhas. Eu quero depenar elas. Eu quero
cortar as cabeças delas. Pôr as tripas delas para fora.
T .: Você quer realmente matar aquelas galinhas.
(A carta de sua mãe trouxe à tona tanto seus desejos infantis, como os
mais profundos sentimentos de hostilidade. O que ele disse por último

INDEX
foi dito sem a coragem de revelar exatamente o que ele sentia. Uma res­
posta melhor da terapeuta nesta hora teria sido: “ Você quer ir para casa
e quer matar coisas por lá .” A resposta dada deve tê-lo impedido de ex­
pressar sua hostilidade mais abertamente.)
E.: Eu quero escrever uma carta para minha mãe. Eu vou matar
todas as galinhas dela. Eu quero mamar. (Pegando a mamadeira.) Está
vendo? Eu sou um bebê. (Chora feito um bebezinho.) Olha quanto eu pos­
so beber.
T .: Você gostaria de ser um bebê.

BOOKS
E.: Vamos responder a carta. (Ele começa a ditar.)
“Querida mamãe,
Eu quero matar uma galinha quando eu for para casa e dar comida
para os porcos. Eu estou feliz de saber que minha irmãzinha tem quatro
anos. Eu quero limpar a galinha quando for para casa. Isto vai ser diver­
tido. Eu quero arrumar a casa.’'
T .: Você quer mesmo ajudar a sua mãe quando você for para casa
e quer que ela saiba disto.
E. (continuando a ditar): “Estou feliz de saber que minha irmasi­

GROUPS
nha está no terceiro ano. Por que ela, de vez em quando, não escreve
uma carta para mim? Diga a vovó que eu espero que ela venha me visitar
também. Espero que a senhora possa jantar comigo no dia de Ação de
Graças. No dia de Natal espero que Papai Noel me traga um trenó. Espe­
ro que a família toda possa vir no dia de Natal e jantar comigo também.”
T .: Você quer estar com sua família. Você quer conhecê-los.
E. (ditando): “Eu faço bem os trabalhos da escola. Eu entendo
o que a minha professora fala. Eu tenho um namorado. Ele se chama
Robert. Ele tem quinze anos. Eu tenho uma namorada também. Ela se
chama D .............. (Sua professara de catecismo na escola dominical.) Ela

325
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quí» r d » 2trio. Ui etero; m rix o ixt cesí t V:ih.'
I i :fl» lorlab toa et 11 s c ï ít crt axa Hide « 3 E, (rm ferï i tb'-u, ï i f i i 1 cafe le jra : aa 'mrii Oi
p n narâ e ars ín l i Enst.’ TEfes ses ïlt a il) it).): :j(jd Bb œi Ct:rti x d û
DtÄ-ä Wse eaœ tono. i’lita cs fiejs.] D .ib »1 ítltto !

INDEX
iQ-íxo EÉ isliw ás <Ur esíe stntía sife, a^oat i a i
ôte, Œfa±E 0 t ii e aslea í i$ i leslt bes ie t i ftrt cai s i ­
Bi cisn c ï «te lie r a 13.
d a Be i í d J l Sto cedi soratE u a ït & «fen ^ ^ T.: ïos est lia tæ b "M ?«: t e u «tes «0 itn.
çuxo :al rto 'i) Vi=n ta;e f^ te ta n fe ,
iC remMæclo c» stieab i Vn .is Â*jçôe>naa ‘ii
an Jjetó’ so irjeuaslE dset^rias e E»bta x dtïsts s
S i xtt sei: Vm-lo p» 3D.s jsijâotfe Grats 3 S a jnd' cco itu Its s^esites peto asasja t abtn 3 »nlir its xs.
cbutn dî te roraa p 0exmo s tee a esm.i. Dees) sta«, (Litte rei cpdarH-e t c ï Elapr»ptia i ceje ce r a i i i i
sam p i í i le já f arm* sVt ci3 et tii tm :i acte 1 : POTS AneEçctfc:! iq p aiï! Kafe e js| t aqaiiií!
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BOOKS
len 3case p.n fisir e atárx-le; aaœ patu Be stau ad- cujiï;; 21] '1 1 1 ïfe îerrerpùa! S n ^ K n » at x ia
tá 3Lera» üïj a rû rkx pi'i i soí. '0. ató0 mçHl»
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a ra .ib jr; a ç i 3iirpeerfa. >ata I bçeti rei ífaícis
e cise: “ïo, n iù a far Mo. Bi r& çacispr." E É a t S* T. l'oè i;:«:ei; _ra rru ta ra eiiu e itls eiù,
o i Isa srt fiaci 511D mwd á 2ià±i tsolu Œto «'ttidi Is« itiç i’ an r rr.pfe iccii.ecrrt> il
q-« p^ese m â;ln# ncdode i * «sitO tirs; aamerci- .Mes m : emç; esfi eoBia*. ïJ>c;e aids q< s rUiicÿt
latî tiabt ie ;anc >.pui s-da >co^esî:. Bb; t:±sn wted» itiia;m d<me £te, mií atteíra b ict aio :i;ipi uni)-
d ie aiti iiB fci iiiiio oiÉtJ asuaietaaaiL âpata la. inilee "ces <;cce a -is î sal)ila Oibid nb 3ii3S3 spl­
d î e n « seil'ios, ùira £trfescc 113 » te esra e tue it f a ) fckee 1» ja!» tälta tia» bt*e, 1eteduis?i< ce ;en-
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dealà d: cte wsieeà;5± , Q ïtw ilio d a iit t;ê asti ps:<* 7 JL /X II extf d3 t in

325
T .: Você pensa que D.R. e eu só tomamos conta de você porque
é este o nosso serviço e isto faz você sentir-se muito infeliz. Você quer
que nós tomemos conta de você porque você nos pertence e porque nós
gostamos de você.
(Emest encheu a mão de pregos e jogou-os pala sala. Depois chu­
tou a caixa. Repentinamente aninhou-se no colo da terapeuta e chorou tão
amargamente quanto podia.)
T .: Desabafe, Ernest. Você está desapontado com a viagem à sua
casa.
(Novamente o esclarecimento dos sentimentos profundos causa o rela­
xamento da criança.)
E. (chorando mais forte do que nunca; então, soluçando): Você

INDEX
gosta de mim?
T.: Sim, eu gosto de você, Emest.
(A terapeuta está agora admitindo abertamente seu papel de pro­
tetora Seu risco será evidente mais tarde. É um verdadeiro problema
saber se, mesmo nesse momento de profundo desencorajamento por parte
da criança, uma simples reflexão de seus sentimentos não teria sido pre­
ferível. A resposta poderia ter sido: “Você está com medo de que sua mãe
I não goste de você e agora quer saber se eu gosto de você.” A terapeuta
\ tenta tranqüilizá-lo, mas a tranquilidade sempre esgota-se por completa fal­

BOOKS
ta de eficiência. Os problemas de dúvida e insegurança estão dentro da
criança e não podem ser resolvidos pela terapeuta.)
^ E.: D.R. falou que não gosta mais de mim. Falou que eu não vou
poder continuar morando com ela se eu continuar assim.
T .: Você acha que ela não gosta de você e não quer que você con­
tinuo morando lá.
E. (assentindo com a cabeça, vigorosamente. Tenta limpar as lá­
grimas.): Você me contou uma mentira.
T .: Eu contei uma mentira? Qual foi ela?
E.:
T .:
E.:
GROUPS
Você me disse que era errado brincar com fósforos.
Bem, isto não é seguro, e como não é seguro é errado fazer.
Mamãe falou que é mentira.
T .: Diga mais sobre isto.
E. (subindo no colo da terapeuta): Sabe o que eu fiz quando eu fui
parr. casa?
T .: Não. O que foi que você fez?
E .: Eu brinquei com fósforos. Eu até fum ei. Eu -acendi o cigarro
da minha mãe pra ela. Foi isso que eu fiz o dia todo. E eu aprendi como
cuspir na lareira sem ficar queimado e nós comemos carne de porco o

328
*

tempo todo e eu não sabia que era tão difícil de mastigar. D.R. cozinha
melhor e eu fiquei descalço. Só em casa, você sabe. Vovó nem podia me
ouvir e minhas irmãs não puderam brincar comigo. Mamãe foi embora e
me deixou e eu voltei sozinho no ônibus. D.R. me levou no ônibus e eu..,
eu... eu ... (De repente, entusiasma-se.) Você devia ter visto meus porcos.
Você sabe chamar um porco?
T .: Eu não sei chamar porco.
E. (rindo): Eu tenho porcos e você não tem nenhum.
T .: Você tem alguma coisa que eu não tenho.
E. (batendo palmas alegremente): Eu tenho meus próprios porcos.
Um dia eu vou matá-los e espalhar suas tripas todas naquele lugar danado.
(R i novamente.)

INDEX
T .: Isto faz você se sentir muito bem.
(O erro mais freqüente da terapeuta neste caso é sua falha em reco­
nhecer os sentimentos agressivos tão bem quanto fez no reconhecimento
de outras atitudes negativas, igualmente expressas pela criança. O reconhe­
cimento aqui é muito fraco. Alguma resposta como: "Você gostaria de
matá-los bem” poderia ter sido melhor. Note-se também como as atitudes
hostis da criança estão sempre associadas no brinquedo.)
E. (pega a mamadeira e fica mastigando o bico): Olha, bebê de novo!
Bebê com fome!

BOOKS
T. (pegando um tablete de chocolate): Bebê quer um doce?
E. (pega o chocolate e deixa-o de lado. Olha-o desesperado. Sus-
sura.): Eu não posso comer nunca mais. Tudo volta. (As lágrimas rolam
por suas faces.)
T .: Isto faz você ficar muito infeliz, porque não consegue reter na­
da que come.
E. (de repente mostra se deprimido, o que é certamente incomum pa­
ra uma criança tão nova, e derrama uma torrente de p a la v r a s . Algumas

GROUPS
delas foram perdidas, e não compreendidas. O principal do que disse fo i):
Eu não me importo com o que me acontece. Eu não importo se eu nunca
mais comer novamente. Eu não importo se eu morrer. Eu quero morrer;
Eu espero que eu morra. (Começou a chorar de novo.) Você é a única
pessoa que eu tenho. Eu quero ir para casa com você. Eu quero morar
com você. Eu quero morrer. Eu odeio D. R. Ela é um a’mulher mesqui­
nha. Eu odeio ela. (E assim continuou falando, com o rosto no colo da
terapeuta.) Se eu comer eu vou ter que ir para cása e eu não quero ir
para casa.
T .: Você não quer ir para casa e por isso você não está comendo,
(Quando ele, chorando, diz: “ Eu quero ir morar com você”, está exi­
gindo, com a lógica direta da criança, que a terapeuta cumpra realmente

329
com a posição de mãe protetora que tomou. Se ela gosta dele, ela deveria
estar querendo levá-lo para viver com ela.
Nesta profunda expressão de todas as suas atitudes desesperadas,
ele revela o mais significativo “insight” que já havia mostrado até agora.
Após a desilusão sofrida com a estadia em casa, ele se apega a seus sinto­
mas e incapacidades para tentar manter a pequena segurança que ainda
lho resta.)
(Finalmente a tempestade abrandou se. A terapeuta afirmouJhe que
gostava dele, que D.R. também o amava, e que ela não tinha querido dizer
exatamente aquilo quando disse que não o queria ver nunca mais. Quando
Emest repetiu: “Eu posso vir morar com você?" ela explicou-lhe que ela
não tinha um lar, que ela podia estar com ele depois da escola, mas tentou

INDEX
mostrar-lhe que ele vivia junto dela cinco horas por dia, na escola. Então,
sendo ingênua, anti-científica e sentimental, nesse caso, ela ofereceu-se para
levá-lo até a cidade qualquer dia para ver Papai Noel. Ele imediatamente
iluminou-se, sorriu e disse que ia pedir a Papai Noel para trazer-lhe um
revólver de verdade. Pulou no chão e ajuntou os pregos. A terapeuta levou-o
para casa.)
(O risco de uma conduta protetora é que a terapeuta não pode aten­
der a tais exigências. Tendo-lhe assegurado que o amava, ela (muito natu­
ralmente) não está querendo viver todas as implicações do papel de mãe.

BOOKS
Ela é pelo menos franca em enfrentar a extensão de seu envolvimento emo­
cional na situação, o que ajuda a assegurar um manejo mais adequado do
problema.)
A terapeuta teve uma longa palestra com D .R ., a qual disse que
não pretendia ficar com Emest, a menos que seu comportamento melho­
rasse. Disse que ele lhe falava de modo escandaloso — disse que recebia
para tomar conta dele e faria por merecer o dinheiro. Disse ainda que
ele cmpia na lareira e blasfemava. Reclamou contra os horríveis hábitos
que ele possuia e disse que não o manteria com ela a menos que melhorasse
rapidamente. A terapeuta tentou explicar sua reação — contou a D.R. que

GROUPS
Emest falara que ela era melhor cozinheira que sua mãe e rogou-lhe que
o mantivesse com ela para lhe dar tempo e compreensão*. D. R. disse
que atenderia a terapeuta. Quando a terapeuta reconheceu o sentimento de
que D.R. estava desapontada e desanimada pelo fato de Emest ter regre­

( * ) — A q u i, p e la p rim eira e única vez, a terapeuta e s fo r ç «-s e para a ltera r o ambiente


da cria n ça . Nessa situação, a aju d a fo i bastante p r o v is ó r ia , e fo i po ssível prosseguir
um pouco com a terapia com a m ãe a d o tiva sem a tra p a lh a r o relacionam ento com a
cria n ça . Em geral, entretanto, não é fá c il p a ra um terapeuta condu zir tanto o trata­
m ento a m b ien tal quanto o in d iv id u a l. Isto s ig n ific a to m a r p a ra si as responsabilidade*
do in d iv íd u o com uma daa m ãos, e com a outra, d e ix á -lo responsável p o r suas p ró­
p ria s escolhas.

330
dido, ela concordou e disse que era isto realmente que lhe “ tocava" roas,
uma vez que era uma coisa temporária, então não havia muita importância.
Quando a terapeuta ia saindo, D.R. expressou seu desejo de tentar nova­
mente .

Poucos dias mais tarde, no meio de uma leitura em classe: '


E. (apertando o estômago e a sonda e olhando fixamente a profes­
sora, que percebe o seu olhar): Oh! Oh! Está saindo!
T .: Está saindo?
E .: Sim! Sim! Oh! Faça alguma coisa ou vou morrer! (Muito dra­
mático .)

INDEX
(Aqui encontramos Emest tentando fazer outro uso neurótico de
seu mal físico. Mais uma vez, o reconhecimento da atitude básica, resolve
o problema superficial e habilita a criança a olhar para seu verdadeiro fim:
— a satisfação que ela ganhava por estes meios.)
T .: Você quer que eu fique preocupada com você, não é?
(Emest ri. As outras crianças estão totalmente alarmadas. A tera­
peuta explica-lhes que Emest está somente brincando.)
E.: Eu não consegui amedrontar você, não é?

BOOKS
T .: Você queria me amendrontar, não queria?
E.: Você devia ter visto a minha mãe. Ela ficou apavorada. Eu
gritei: “ Oh! Oh, eu vou morrer!” e ela ficou morrendo de medo. Ele riu
com vontade. A terapeuta supôs que ele tinha usado disso algumas vezes
para vingar-se de sua mãe.
Emest continuava a tosar a roupa de cow.boy na escola. No recreio
ele girava como um louco e atirava em todo mundo. Sua agressão exauriu-
se gradualmente.

6 de DEZEMBRO
GROUPS
A terapeuta e uma amiga levaram Emest a uma loja natalina e a
uma exposição do Papai Noel. Ele parecia quase que completamente opri­
mido pelo acontecimento.

Quando conseguiu ver o Papai Noel, aproximou-se do velhinho ’ pare­


cendo um anjinho — e disse: "Éu quero uma metralhadora de verdade,
sabe? — e uma machadinha afiada — e qualquer coisa que você tenha pra
matar gente. Eu não sou um menininho, viu?” (Sua aversão pelo mundo
e pelo modo de ser de sua mãe são fortes.) Em seguida ele afastou se a
passos largos e Papal Noel quase arrancou suas barbas de espanto.
Üma vez que Ernest parecia miiito cansado, a terapeuta decidiu levá-
lo embora, após ele ter conversado com Papai Noel. No caminho, suas.
observações eram muito sarcásticas e insolentes. Quando a amiga da tera­
peuta perguntou-lhe qualquer coisa sobre um doce que a terapeuta lhe
havia dado, ele respondeu com uma palavra em alemão. “O quê é que isto
significa?” perguntou ela. “Significa que você é danada de intrometida”,
disse ele. “ D.R. me ensinou a responder às pessoas que ficam me fazendo
perguntas.”

Nos dias que se seguiram à visita à sua casa, Ernest esteve mal-humo­
rado, agressivo, hostil e deprimido. Usou a roupa de cow-boy continua­
mente. Batia os pés quando andava na sala. -Rabiscava seus papéis. Colo­
riu tudo com borrões — ora pretos ora vermelhos. Passou a sua hora dè

INDEX
brincar jogando os blocos de armar dentro da caixa. Evitava as outras
crianças. Quando elas se aproximavam dele, empurrava-as para longe. A
terapeuta reconheceu, tanto quanto pôde, a maior parte de seus sentimen­
tos. Não houve a mínima pressão para “ colocá-lo nos eixos” . Seus papéis
escolares foram aceitos como expressão de seus sentimentos. (* )

O registro de sua alimentação com leite foi o seguinte:


29 de n ovem bro — recusou-se a beber o leite
30 de n ovem bro — bebeu m eia garrafa, cuspiu-a tod a .

BOOKS
1 d e dezem bro — tom ou apenas um g ole; cuspiu-o todo.
2 d e dezem bro — bebeu m eia g a r r a fa ; cuspiu-a to d a .

Cada vez que cuspiu o leite ficou claramente desanimado e deprimido.


Séus sentimentos foram reconhecidos todas as- vezes por frases como: “ Isto'
faz você se sentir mal porque você não pode retê-lo. Você quer retê-lo
mas não pode fazê-lo. Você está aborrecido com alguma coisa.” Então:
6 d e dezem bro — bebeu um terço de garra fa sèm cu sp ir nada.
7 de dezem bro — bebeu m eia g a rra fa sem cu sp ir nada.

GROUPS
9 e 10 de dezem bro — não fo i servido o leite. Ernest perguntou p o r ele e
disse que p re cisa va dele.

10 DE DEZEMBRO

Ernest pediu para ficar depois da aula. Estava muito deprimido. As


notícias de D.R. diziam que ele não estava retendo comida alguma e que

( * ) — D u rante os contatos terapêuticos, é d ifíc il saber quanto do progresso orig in a -se


fu ndam en talm ente da atitude de aceitação do grupo, p e la tera p eu ta ,'e quanto 6 d e v id a
aos contatos in d iv id u a is . Certamente ambos contH buíram p a ra o desenvolvim ento da
criança, e os p rin c íp io s básicos são os m esm os.

332
recusava a maioria dela. Estava, emagrecendo. Seu comportamento na es­
cola era petulante. Queixava-se de estar cansado. Quando ficou depois da
aula, sentou-se à mesa com a cabeça entre as mãos.
T .: Você está cansado.
(Nenhuma resposta. Silêncio. Subitamente pulou fora da mesá, foi
até a caixa de instrumentos musicais e pegou o tambor. Trouxe-o para a
mesa e tocou-o com toda a força que podia. Depois de uns dez minutos
assim, abandonou o tambor e começou a chorar.)
T .: Você está muito infeliz.
E. (concordando): Eu não me importo com o que me acontece.
Talvez eu morra. Espero que eü morra.
T .: Você está desanimado porque não tem sido capaz de comer.

INDEX
(E le chora mais forte do que nunca.) Vá em frente; chorè mesmo Ernest.
Logo você se sentirá melhor.
E. (finalmente olhando para a professora): Eu quero ir morar com
vocO.
T .: Você está chorando porque quer ir morar comigo. E você está
cansado e com fome. (A terapeuta oferece-lhe um doce. Ele come um peda­
ço e imediatamente cospe-o. Põe-se novamente a chorar.) Quando você
está aborrecido, assim, não consegue comer nada. Então chora porque fica
muito amargurado.

BOOKS
(Ernest tem enfrentado muitos dos seus próprios problemas. Agora j
toma-se necessário encarar o problema criado pela terapeuta por suá ati- ;
tude protetora. Ela tem reconhecido os sentimentos da criança, mas pela I
primeira vez tenta evitar uma atitude que Ernest expressou. No momento
em que nos tornamos emocionalmente envolvidos comocliente, a agudeza
e o auxílio de nossas respostas tendem a de sair. Esteéum dos mais for­
tes argumentos em prol de um relacionamento estritamente não-diretivo, no
qual as atitudes são meramente refletidas ao cliente e o conselheiro não 7
se toma envolvido. Neste exemplo, a tentativa da consslheira de atribuir I

ambos falhos.) GROUPS


a exaustão aos sentimentos de Ernest e tentar apaziguá-lo com doces, são I
,_j
(Ernest vai até a carteira e pega um livro de estórias — Os três por­
quinhos. Olha o indiferentemente. Age como se não prestasse atenção no
livro. Pára na página onde está a figura do lobo. Pega o livro e empurra-o
em direção à terapeuta.)
E .: Come ela! Pega ela!
T .: Você quer que o lobo me coma porque eu não posso levar
você para casa comigo.
(A terapeuta aqui volta a um melhor manejo da situação e aceita
claramente a hostilidade dirigida a ela que foi causada por sua tentativa

333
de ser algo menos que uma mãe completa. Este reconhecimento tende a
dissolver o sentimento, mas o resíduo é claramente mostrado pelo fato-
do menino ter lançado o livro através da sala no final da estória.)
(Emest toma a mão da terapeuta e muito suavemente dá-lhe mor­
didas.)
T .: Você gostaria de me arrancar pedaços. (Ele ri e beija a mão
da terapeuta.) Mas você acha que seria melhor a gente continuar sendo
amigos.
E .: Lê essa estória para mim.
(A terapeuta lê a estória para ele. Ele imita a voz do porquinho e
do lobo. No fim da estória, pega o livro e joga-o através da sala. Pega um
pedaço de giz e rabisca o quadro-negro. Quando o tempo termina, a tera­

INDEX
peuta leva-o para casa.)
De 13 até 17 de dezembro Emest bebeu todo o leite na escola, sem
cuspir nada. Havia progressos em suas atitudes e comportamentos. Reco­
meçou a fazer seus trabalhos e a brincar com as outras crianças.
Entraram as férias de Natal. Ernest não foi para casa e assim, de
3 a 7 de janeiro, ele teve dificuldade em tomar leite. Bebia somente a me­
tade dele, mas retinha o que bebia; Comia doces e sorvetes sem cuspir.

7 DE JANEIRO

BOOKS
Emest ausentou-se durante a metade do dia. Estava novamente depri­
mido. Disse: “Talvez eu morra." A terapeuta reconheceu seu sentimento
de depressão e infelicidade.

11DE JANEIRO

Por causa de uma amigdalectomia, Ernest ausentou-se da escola por


4 dias. A terapeuta telefonou domingo de tarde para pedir notícias dele.
Ele falou com ela, e disse-lhe que ia voltar para a escola, que estava

GROUPS
agora “sem as amígdalas, e falava rouco como quem está com crupe. ”
D.R. contou à terapeuta que, quando ele estava no hospital, ela tinha
levado para sua casa uma criança de um ano e nove meses, que estava
com um problema de alimentação, e que esse era outro caso de criança
abandonada.

17 DE JANEIRO

Emest retomou à escola. Chamou a terapeuta a um canto e contou-


lhe que não estava usando mais a sonda. Disse: “Eu deixei ela guardada.
• Eu disse que não ia usar ela mais. ” Pediu para ficar depois da aula. Segue-
se o relato desse contato.
(Em est pegou a mamadeira, pôs-se a engatinhar pelo chão e come­

334
çou a tagarelar. Assentou-se no chão e disse.):
E. (para a terapeuta): D.R. arranjou um outro menininho enquan­
to eu estava no hospital. Não é tão bebezinho assim. Isso não importa
muito.
(A vida continua a castigar essa criança, surpreendendo-a com todos
os tipos de abalos psicológicos, e ainda assim ela mostra uma espantosa
capacidade de assimilá-los no relacionamento terapêutico.)
T.: Você não se importa muito com isso.
E.: Não. Ele tem cabeça dágua. É todo ferido.
T .: Deve ser uma criancinha doente e bonita.
E.: Doente sim, bonita não.

INDEX
(Foi até a caixa de gravuras e escolheu algumas. Tirou todas as
gravuras de bebês que pôde encontrar e picou-as em pedacinhos.)
T .: Você não gosta de que D.R. tenha vim bebê. Você está com
ciúmes dele. (Emest volta-se repentinamente e encara a terapeuta. Rasga
as gravuras que sobraram, pega a mamadeira e asscnta.se com ela.) Você
gostaria de ser o único bebê.
E .: É errado ter ciúmes.
T .: Alguém te disse que é errado ter ciúmes, mas você sente ciúmes
desse bebê assim mesmo.

BOOKS
E .: É vim menininho chato e bobo. Talvez ele nem sobreviva.
(A conduta da conselheira, nesta situação de ciúmes, dificilmente
poderia ser melhor. Note-se que quando esclarece ambas as suas atitudes
contraditórias — que ele odeia o bebê, mas que se sente culpado disso _
ele é capaz de revelar inteiramente seus desejos assassinos.)
T.: Você não quer que D.R. fique com o bebê.
E.: Eu sou o bebê. (Desce da cadeira e põe-se a engatinhar.)
T .: Você gosta de fingir que é um bebê.
E.:
T .: GROUPS
Você vai comprar vim doce pra mim?
Você vai comê-lo? (Ele tinha cuspido o leite todo.)
E.: Eu provavelmente não vou ser capaz de engoli-lo.
T .: Você não acha que é capaz de engoli-lo, então porque quer comê-
lo?
E .: Se eu não comê-lo você comprará outra coisa para eu comer.
Você vai tentar me ajudar em tudo que pode.
("Se eu não comê-lo, você comprará outras coisas para eu comer*
— uma expressão extremamente significativa. Emést descobriu um novo
emprego de seus problemas físicos e o está usando para se apegar à
professora. Isso não teria sido parcialmente evitado, se a terapeuta tives-

335
sg sido menos protetora?
Desde que o problema surgiu, a terapeuta o conduziu bem, reconhe­
cendo a necessidade do menino e usando o afeto dele para com ela para
conseguir um comportamento maduro — não um comportamento depen­
dente e imaturo. Dessa data em diante, Emest não tinha dificuldades em
comer ou em reter o que comia. Talvez ele estivesse usando sua deficiência
física para se prender à mãe adotiva, médicos e enfermeiras, do mesmo
modo que ele usou para se prenderà terapeuta.)
T .: Você sabe que eu quero ajudar você, mas acha que pode conse­
guir que eu dê coisas para você comer, justamente quando tem problemas
para enguli-las.
E. (concordando): Você vai fazer isto.

INDEX
T .: Você sabe que eu quero ajudar você,mas do modo como as
coisas estão eu só posso comprar coisas para comer se você comê-las real­
mente .
E .: Só se eu não cuspir?
T .: Só se você não cuspir.
E .: Então eu vou comer tudo.
(Eles compraram um doce, ele o comeu e o reteve todo.)

19 DE JANEIRO — DEFOIS DA AULA

BOOKS
E .: Você compra um sorvete pra mim? Eu
meu-o e reteve-o todo.)

20 DE JANEIRO
estou com vontade.(Co­

Emest bebia todo o seu leite; tomava sorvetes; não cuspia nada.
Seu comportamento está definitivamente melhor. Ele começa a aceitar o
bebú.

GROUPS
E. (na sala de aula): Eu tenho um bebê para tomar conta em casa.
Ele está começando a aprender a sentar. (Em outra ocasião.): Eu sou um
grande ajudante de D.R. Eu ajudo ela com o bebê. Eu entendo isso. (Seus
sentimentos de gostar e de ajudar foram reconhecidos.)

Gradativamente, ele foi se voltando para uma fonte mais satisfatória


de proteção e segurança emocional — a mãe adotiva. Esta nôde realisti­
camente assumir o papel de mãe, coisa que a terapeuta não pôde.

Parece evidente também que o fato de Emest ter expressado total­


mente o seu antagonismo em relação ao bebê ajudou-o a conseguir um
relacionamento mais realístico e maduro com seu pequeno competidor. Ele
está conseguindo também um novo senso de utilidade e realização. ,

De 20 de janeiro em diante, Ernest não teve dificuldade algumá ém


comer ou em reter o que comia.

De 31 de janeiro a 14 de fevereiro, ele ausentou-se por motivo de


sarampo. Nos dias 14, 15 e 16 de fevereiro, ele voltou à escola, ainda co­
mendo mas estava muito cansado. Tinha dores de cabeça e de ouvido.

Nos dias 17, 18, 19, 22 e 23 de fevereiro, ausentou-se por causa de


uma infecção no ouvido, mas ainda assim continuava a comer.

INDEX
De 24 de fevereiro a 6 de março voltou à escola, carinhoso, amigo e
comendo regularmente.

28 DE FEVEREIRO

(Ernest recebeu uma carta de sua mãe e outra de sua irmã. Ele
ficou depois da aula, para ouvi-las.)‘
T. (lendo):
“Querido filhinho,

BOOKS
Escrevo-lhe estas linhas porque estive pensando em você; espero que
ésteja bem. Estivemos todos doentes por aqui desde que você foi embora.'
Vòvô e vovó tiveram gripe e quando eles melhoraram eu e as meninaS’
pegamos sarampo e ficamos muito doentes. (Ernest riu alegremente: “Tive­
ram sarampo também” .) mas agora já estamos todos bem, Ernest. Gosta­
mos multo dos presentes que nos mandou. Eram muito bonitos. Como
é que você está se alimentando? Está comendo direitinho? Como vão as
coisas? Seja um bom menino, respeite sempre sua professora. Mamãe
irá ver você assim que puder. Mamãe não pode ir tantas vezes quantas;
queria pois não tem dinheiro para a viagem, mas irá sempre que puder.

GROUPS
As meninas mandam dizer um “ alô” por elas, e gostariam muito de te ver,
Ernest. Ainda temos os porcos, as galinhas, a vaca e o cavalo prá você
quando vier para casa. Peça à sua professora que me escreya por você
assim que puder. Com amor da mamãe pro Ernest.
Com amor,
Mamãe.” . 1
E. (dando de ombros): Responderemos algum outro dia.
' T .: Você não quer responder a carta agora.
E.: Não.
T .: Aqui está outra carta. Esta ó de sua irmã.

337
E.: Eu não tenho irmã.
(Como Emest encontra segurança na sua família adotiva, rejeita a
sua própria família como uma fonte de segurança. Isto é provavelmente
um ajustamento realístico à sua situação, a menos que ele seja forçado a
retornar à sua casa.)
T .: Você não se lembra de sua irmã?
E.: Eu não tenho irmã. Mas leia a carta.
T. (lendo):
“Querido irmão,
escrevo para você esperando que você esteja bem. Eu estou bem.
Ernest, perdi duas semanas e três dias de aula por causa do sarampo.

INDEX
Flora Joan está doente agora.’*
E .: Quem é Flora Joan?
T .: Flora Joan é sua outra irmã.
E.: Eu não tenho nenhuma irmã. Eu tenho um irmão.
T .: Você pensa que o menino de D.R. é oseu único irmão.
E .: Eu não tenho nenhuma irmã. Leia o quemais ela fala.
T. (lendo): “Emest, eu espero que você esteja indo bem na escola.

BOOKS
Aqui está chovendo e venta muito. Mamãe passou mal esta noite. Vovô
e vovó te mandam lembranças e desejam -que você ssja um bom menino
e que obedeça à sua professora. Quantas namoradas você arranjou? Eu
tenho cinco namorados, e acho melhor terminar aqui.
de sua irm ã.”
E.: Ela não é minha irmã!
T .: Você não quer que ela seja sua irmã.
E.: Eu arranjei 37 namoradas.
T.:
E.:
T.
GROUPS
Você arranjou mais namoradas que ela.
Que mais ela disse?
(lendo): “Para Ernest com amor.”
E. (muito indiferente às cartas): O bebê está começando a andar
em volta do cercado. Ele não tem nenhuma ferida mais. D. R. disse que
eu sou um ótimo ajudante.
T .: Você prefere falar sobre seu bebê: ’
E .: Nós vamos responder as cartas algum outro dia. (Foi para casa.)

Emest esteve na escola nos dias 29 de fevereiro, 1, 2, 3 e 6 de Março.

338
Foi para o hospital para sofrer dilatação da garganta, no dia 7 de março.
Houve complicações, devido a um novo anestésico, que resultou em uma fe­
bre alta seguida de pneumonia. Sua vida esteve em perigo, sua temperatura
chegou até 40,5 graus, & foram usados balão de oxigênio e tratamento atra­
vés de sulfa, no combate à doença que durou dez dias.

14 DE MARÇO

A professora telefonou a D. R. para pedir notícias de Emest. Ele veio


ao telefone e disse que esperava voltar à escola na segunda-feira. “Espero
voltar à escola a tempo de pegar uma coqueluche” ele disse. D. R. riu:
quando pegou o telefone novamente e disse que o médico, também pensava
que ele poderia voltar na segunda-feira. Ela disse que, apesar deste incenti­

INDEX
vo, ele parecia um pouco amedrontado. Ela disse que achava que a dilata­
ção da garganta desta vez tinha sido muito severa è que Emest estava um
pouco temeroso para comer, mas estava comendo. A sonda havia sido reti­
rada há 9 semanas. ( * )

20 DE ABRIL

Emest tinha conseguido estabelecer uma existência normal. Tinha se


tomado membro de uma das “ gangs” da sala e há muito tempo não pedia

BOOKS
para ficar na escola depois da aula. Seus trabalhos escolares eram satisfa­
tórios e seu comportamento completamente aceitável.

Um dia, em abril, quando a terapeuta fez uma visita à sua casa adoti­
va ele trouxe muito orgulhosamente o bebê para que ela o visse e demons­
trou genuína afeição por ele. D. R. disse que ele era "uma verdadeira aju­
da para tomar conta da criança."

Em fins de abril, um psicólogo pediu para aplicar em Emest um "Tes­


te de personalidade de Rorschach” . Foi combinado pela professora e uma

GROUPS
pessoa amiga levá-lo à clínica psicológica para o teste. Quando eles passa­
ram perto de “seu velho hospital” ele perguntou se era possível irem lá ver
"sua velha casa” .

A terapeuta e sua amiga entraram no hospital com Emest, deixando-o


ir na frente. Ele entrou pela porta dos fundos, subiu dois lances de escada,
atravessou três corredores e finalmente chegou à sala que estava procuran­
do. A porta estava aberta. Havia outra criança na cama daquele quarto.

( * ) — Note-se com o a » conquistas têm sido rea is. A pesar da critica doença, s o fri-
m ento c fraqu eza, cie está ainda rea gin do de acordo com auas bases d e m atu rid ad e que
c ie gradatívom ente a d q u iriu .

339
Emest olhou-a. “Alguém está deitado na minha cama”, disse, imitando um
dos três ursinhos. Então, com voz bastante calma: “ Aqui está o lugar onde
vivi.”

Saiu procurando outro lugar até que encontrou algumas enfermeiras


assentadas à uma mesa. Ficou o!hando-as, uma delas voltou-se e reconhe­
ceu-o. Estendeu-lhe os braços, abraçou-o, beijou-o e chamou as outras enfer­
meiras: “Olhem quem está aqui! Como você está bem! Como cresceu!” En­
quanto falava, ele sorria para ela. “Você deveria ir ver D. P. Ela vai querer
ver você” , disse-lhe uma enfermeira, “Eu também quero", disse Ernest.

Encamiahou:se para os consultórios médicos. Lá a enfermeira pegou-


o nos braços, abraçou-o e beijou-o chorando: “Meu menino! Muito bem, meu
menino,” Quando ela deixou-o para olháJo, Emest agradeceu-lhe o cartão-

INDEX
postal do leste que ela lhe tinha mandado e contou-lhe que tinha gasto os
50 centavos que ela lhe tinha dado. Ela perguntou-lhe quanto ele gostaria-
que ela lhe mandasse para ele gastar, da próxima vez.; Ele respondeu: “Eu
acho que uns 50 dólares comprariam tudo de que tenho necessidade.” Quan­
do ela disse que não tinha tanto dinheiro assim, ele disse que, quando cres­
cesse e tivesse um emprego, então ele lhe daria algum dinheiro.

. Quando deixaram a clinica ele disse. “Eu quero cumprimentar a Cie-,


mentine.” Clementine era uma gorda, preta, Emest chamou-a carinhosa­
mente: “Oi, Clementine! E você vai bem?" Sorria e pulava; Então disse à

BOOKS
terapeuta: “Vamos, agora."

Encaminhou-se para a saída do edifício. “Bem”, disse ele, “essa foi


a minha casa. Mas é .melhor estar fora do hospital.” * Esperando chegar
a hora marcada, deram limas voltas e forath até o museu. Ernest mostrava-
se bastante interessado nas coisas que via. Quando foi levado à clínica psi­
cológica, ele fo i voluntariamente com o psicólogo para o teste. Após o teste,
Emest, a terapeuta, e sua amiga, foram a uma lanchonete. Ele seguiu a fi­
la, selecionou seu lanche sem qualquer sugestão dos adultos — purê de ba­

GROUPS
tatas com molho de carne, espinafre, chocolate, sorvete e bolo. Comeu seu
lanche, mantendo uma palestra bastante madura com as duas sobre as coi­
sas que tinha visto. Estava completamente calmo. No fim da refeição, ele
avaliou o preço da mesma e contou o dinheiro que a terapeuta pusera sobre
a mesa. Entregou o chapéu e o casaco à terapeuta. Sorriu. “Aqui”, disse.
“EU menininho. Me ajuda. Veste eles em mim.”

(* ) — Q uando algu ém relacion a-se terapeuticam cnte com çriança, frequentem ente
«urpreende-s© com o uso que ela .9 fa zem de situações p a ra expressar sim bolicam ente o
progrpsso que co n segu iram . Ernest» aqui, eslá obviam ente d izen d o adeus a seu passado
do in va lid ex. - >

34Q
"Às vezes você se comporta como uma criancinha” disse a terapeuta -
enquanto ajudava-o a vestir-se. Ele> deu de ombros e falou: “ à s vezes tam­
bém eu gosto de ser grande. Como agora. Deixa eu pagar a conta.” Reco­
lheu o dinheiro e pagou no caixa ao sair. Fora, ele disse muito seriamente
"Tive um grande dia hoje. Quando eu entrei para a escola, não podia fazer
isso. Não podia comer. Tinha até uma sonda no estômago. Isto era engra­
çado. Gosto assim.” *

No caminho para sua casa ele parou numa loja para gastar os 25 cen­
tavos que sua mãe adotiva havia lhe dado. Ele comprou um goma de mas­
ca?.

Parecia que ErneSt passara o dia todo a despedir.se de seu passado


infantil e agora apresentava-se emancipado de sua terapeuta. Desde então

INDEX
tem sido um membro normal das turmas da escola e tem mostrado não
mais necessitar de outros contatos individuais.

ACOMPANHAMENTO DO CASO DE ERNEST

Ao término do ano escolar, em junho, Emest repentina e inesperada­


mente foi transferido parà outra casa adotiva, em outra parte da cidade.
Deveria permanecer nessa casa até submeter-se à periódica dilatação da gar­
ganta, após o que — já fora decidido pelo Departamento Estatal — Emest

BOOKS
retornaria à sua própria casa. Já se relataram anteriormente os contatos
terapêuticos de Emest durante o verão.**

Um ano mais tarde, comunicações do médico e do Departamento Es­


tatal indicavam que o ajustamento físico e psicológico de Emest continuava
a melhorar. Ele conseguiu um notável ajustamento à sua família. Sua mãe,
irmã e avós tornaram-se-lhe muito afeiçoados. Ele mora na fazenda e pare­
ce gostar muito de lá. Em vista disso, pode-se dizer: “ Sua notável energia
parece ter sido canalizada no sentido de um comportamento construtivo.”

GROUPS
Ele não teve mais dificuldades em alimentar-se e fez progressos satisfatórios
em todas as fases de seu desenvolvimento.

( * ) — Nunca se deve esquecer que a fo rç a m o tiva d o ra de toda terapia é o fa to de


q u e ser “ m ad u ro” é m elhor, m ais “ engraçado” do que ser in fa n til. É isto, som ente isto,
o que fa z ser basicam ente possivel terap ia ter e fe ito , Ernest ainda gosta de e x ib ir de-,
r e jo s in fa n tis, m as os im pulsos m aduros agora s5o os que dom in am d e fin itiva m en te.

(**) — V e ja & pâg. 167 o rela tó rio de suas sessões de lu dotera pia antes da dilato-,
çã o da garganta, e, & pág. 193 as sessões im ediatam ente posteriores a seu b reve p e riod o
d e h os p ita liza çã o.

341
Notícias de 2 anos após a terapia indicavam que Emest continuava a
progredir satisfatoriamente. Não são mais necessárias as dilatações na gar­
ganta.

NOTAS E CONCLUSÕES SOBRE O CASO DE ERNEST

Mencionou.se na introdução ao relato desse caso, que ele daria origem,


e responderia a muitas perguntas. Consideremos agora várias dessas per­
guntas.

Ê possível a uma mesma pessoa ser terapeuta e professora, quando


lida com uma criança desajustada? A resposta parece ser afirmativa, pelo

INDEX
fato de ambas as situações serem bastante semelhantes, ou seja, exigirem
aceitação e permissividade para garantirem à criança o máximo de liberda­
de de expressão e de escolha. Esta descrição não se aplica à maioria das
professoras. Se as professoras forem muito autoritárias, haverá uma dife­
renciação muito nítida entre as horas de aula e as de contato terapêutico.
Este arranjo às vezes pode ter sucesso, mas as dificuldades são muitas.

Uma criança desajustada pode ser tratada numa situação de grupo?


Neste caso, vima combinação de terapia em grupo e de contatos individuais,
tem sido muito eficaz.

BOOKS
Como uma criança com defeito físico faz uso de sua deficiência? Er-
nest mostra-nos isso várias vezes. Usa seu defeito para continuar infantil, e
para desculpar suas falhas em crescer e em assumir responsabilidades. Usa-
o para captar simpatia e afeto; para manejar os outros e para assegurar o
seu próprio futuro. Vemos neste caso muitos dos tipos de uso psicológico
para os quais doentes crônicos projetarão seus defeitos. Vemos aqui tam­
bém as origens de várias manifestações neuróticas, cortadas ainda em bo­
tão pela inteligente psicoterapeuta. Com tratamento diferente, este meni­

GROUPS
no estaria caminhando para ser um inválido permanente.

Por que o indivíduo supera essas primeiras tendências neuróticas? O


í que psicologicamente ocorre no íntimo do indivíduo na terapia? Essas per-
I guntas serão da máxima importância em tarefas de reabilitação. No caso
\ de Emest a resposta parece ser — ele começa a aceitar em seu íntimo tanto
! as suas necessidades infantis quanto os seus impulsos de maturidade. Ele
I nem nega nem reprime. Ambos os aspectos são aceitos pela terapeuta, conse­
qüentemente podem ser aceitos por ele. Ele já não oculta mais que, às ve-
J zes, sente-se como uma criancinha. Não está sob a compulsãp de fingir ser
sempre maduro. Aceitando.se plenamente em ambos estes aspectos, não
precisa fazer uma opção dissimulada, mas acha que uma melhoria na
L
342
sua situação social traz maiores satisfações. Quando se sentem livres de ne­
cessidade de defesa e podem escolher sem compulsão, a grande maioria dos <t~
indivíduos desajustados faz esta escolha. —

É correta a terapia com a conduta emocionalmente protetora? Aqui o l


caso dá origem a profundas considerações, mas não as responde. Parece
que o calor do suporte emocional pode dar uma ajuda temporária, mas cria
um problema adicional que também necessita solução. Quaisquer atitudes
por parte da terapeuta, que criem dependência, têm o mesmo resultado de
criar um mau ajustamento, que deve ser resolvido em tempo. Provavelmen­
te, uma das diferenças mais essenciais entre a conduta freudiana e a não-di-
retiva, na terapia, repousa nesse ponto. De acordo com o ponto de vista
freudiano uma considerável dependência e um grande envolvimento emocio­

INDEX
na (transferência) são condições necessárias à terapia, embora o problema
da transferência deva ser resolvido antes que a terapia termine. A tera­
pia não-diretiva afirma que tal dependência emocional, quer trazida por ati­
vidades protetoras por parte da terapeuta, ou pelo fato desta chamar sobre .
si mesma a responsabilidade do paciente, é um impecilho à cura e que um I
insucesso tem lugar muito mais rapidamente, se durante todo o processo as \
necessidades de dependência do cliente são manejadas do mesmo modo
como o são suas outras necessidades e atitudes, tal como a total assistência, j
necessária para que o cliente possa conscientizar suas atitudes emocionais^/

BOOKS
O caso de Emest não concorda completamente com nenhum desse^
pontos de vista, mas fornece valioso material para discussões. Estes são al4
guns problemas que este caso origina. Outros certamente ocorrerão a cada\
leitor. Talvez a mais relevante contribuição deste caso seja a indicação dos\
resultados que podem ser obtidos, quando a atitude da terapeuta encerra
algo de calor, de completa aceitação de todas as atitudes de permissividade
e de confiança na capacidade do indivíduo em conseguir um ajustamento
uma vez que ele se pode tomar conscientemente aceitador de seu próprio
Intimo. -— '

GROUPS

343
INDEX
BOOKS
GROUPS
ÍNDICE

INTRODUÇÃO

1.

2.
INDEX
P R IM E IR A P A R T E

Algumas Crianças São Assim ........ ................ ................ .

Ludoterapia ...................................................................................
... 3

4:
5.
BOOKS
SEGUNDA PARTE

A LUDOTERAPIA NAOJDIRETIVA
SITUAÇÃO E PARTICIPANTES

3.; A Sala de Brinquedo e os Materiais Sugeridos .. -...................... .'

A Criança ................ .................. ............................... ................


O Terapeuta . . , ................ . . . . . . . . . . . . ............................ •...........
51

55
59
6.
GROUPS
Um Participante Indireto: Os Pais(Ou Pais Adotivos) ---------- 63

T E R C E IR A P A R T E

OS PRINCÍPIOS DA LUDOTERAPIA
NÂO-DIRETIVA

7. Os Oito Princípios Básicos .......................................................... 67


8. Estabelecendo o “Rapport” .......................................................... 71
9. Aceitando a Criança Completamente.............................................. 31
10. Estabelecendo um Sentimento de Permissividade 85
11. Reconhecimento e Reflexão dos Sentimentos ... 91
12. Mantendo o Respeito pela Criança.................... 99
13. A Criança Indica o Caminho ............................. 111
14. A Terapia Não Pode Ser Apressada .................. 117
15. O Valor dos Limites ........................................ 121
í
(
\ QUARTA PARTE
i
;(

INDEX
IMPLICAÇÕES NA EDUCAÇÃO

:16. Aplicação Prática na Sala de Aula ................................................................... 131


[I
;17. Aplicação no Relacionamento Pais-Professores ................................................ 147
I(
18. Aplicação nos Relacionamentos entre Professor e Direção ........... 151

;1 Q U IN T A P A R T E

;<
I
(
(
BOOKS
ANOTAÇÕES SOBRE TERAPIAS

19. Trechos de Notas sobre Terapia Individual ..............................


20. Trechos de Registros de Terapia em Grupo ..................................
21. Registro Completo e Avaliação de uma Terapia em G rupo............
159
185
193

,
22.
GROUPS
Combinação da Terapia Individual e de Grupo ............................
23. Uma Professora-Terapeuta Ajuda uma CriançaDefeituosa.............
249
303

(
(

346
INDICE ESPECIFICO
DOS ASSUNTOS TRATADOS

INDEX
Aceitação, 18; e sentimento de culpa, 81; e contato inicial, 83; e terapia de
grupo, 84; e relacionamento entre pais e professores, 147; e professores, 154
Aconselhamento não-diretivo, como uma técnica, 23;
Administrador, Ver Diretor
Adolescente, em situação de sala de aula, 133,134
Adulto, e curiosidade infantil, 21; e tensões da criança, 117,118
Agressão física, e o princípio dos limites, 126
Ajustamento, 12

BOOKS
Aluno, o, contato terapêutico, 131
Ambiente, mudança no, 64,65
Ameaça, em terapia, 83
Anseio interior, 12,16
Ansiedade, exemplificado, 92
Aprovação, 81
Atenção, aumento, 108
Auto-conceito, e auto-realização, 13; conflito interior, 13; de professores, 153
Auto-afirmação, necessidade de, 42

GROUPS
Auto-direção, e permissividade, 86
Auto-estima, 99, 151, 152
Auto-expressão, e educação progressista, 133, 134
Auto-iniciativa, na situação de sala de aula, 138; orientação, 143
Auto-realização, 12, 151
Auto-respeito, 99
Avaliação, 109
Bloqueio, exemplificado, 82
Brinquedo livre, 159
Brinquedos, o papel dos, em ludoterapia, 20; sugestões, 52
Catarse, 137-138
Cliente, centrado no, 21
Cliente, o papel do, 23, 24
i Comportamento, tipos, 12; verbal, 122; destrutivo, 123,124: Ver também
Comportamento desajustado
1 Comportamento desajustado, tipos, 13; definidos, 19
( Concordância versus reflexão, 150
Condenação, 74
( Confiança, na terapia de grupo, 79; na estrutura terapêutica, 99
Conformismo e ajustamento, 99
Contatos, 92
( Contato individual, 98
...........Contatos terapêuticos, 98, 108
1 Contatos terapêuticos, e práticas educacionais, 132, 145

INDEX
Controle, o princípio do respeito, 124
Conselheiro, o papel do, 23,24
( Crescimento, descrição, 10; relacionado à mudança, 118
Criança, a, personalidade, 11,12; papel na ludoterapia, 15; atitude em rela-
( ção ao adulto, 60; e no relacionamento com o terapeuta, 68; papel na terapia
de grupo, 78,79; atitude em relação à permissividade, 86,87,112; e “ indicando
o caminho”, 112,113; sua personalidade, exame, 118; com relação às limita-
, ções, 123. Ver também, Criança-problema, Criança defeituosa.
Criança-defeituosa, 56
( Criança-problema, exemplos, 56,57

BOOKS
( Crítica, 84
Currículo escolar, e o indivíduo, 141,142.
i Decisão, da criança, 15; na situação pai-professor, 150
Desajustamento, explicação, 12; exemplos, 55,56
( Dinâmica, mudança em, 11,21,41
I Diretor, e aceitação do professor,153,154,155
Disciplina, em situação de sala de aula, 142
{ Educação progressista, avaliação, 131
Elogios, na sala de brinquedos, 74
1 Empatia, 118
(

1
GROUPS
Encorajamento, em ludoterapia não-diretiva, 88
Envolvimento emocional, em terapia não-diretiva,61
Equilíbrio, 99
Estabilidade emocional, 15
Estruturação, definição, 68
Estrutura terapêutica, 99
Experiência em grupo, exemplificado, 33 a 37
Flexibilidade, da personalidade, 11
' Frustrações, 117, 118
Independência, e permissividade, 86
‘ Indivíduo, o, necessidades psicológicas do, 10; papel na ludoterapia, 21.
“ Insight”, 88, 92, 97, 109; em situação de sala de aula, 133

348
Integração, e comportamento, 12
Interpretação, 21; explicação, 91, 92; exemplos, 100
Lei da “prontidão”, 117
Livre expressão, em terapia não-diretiva, 133
Limites, razões para, 21; tempo como elemento, 122; consistência dos, 124;
versus pressão, 125; em terapia de grupo, 126; e agressão física, 126, 127;
em situação de sala de aula, 133
Ludoterapia, explicação, 9; definição, 14, 15; papel da, 56
Materiais artísticos, seu uso em terapia, 138
Materiais sugeridos para ludoterapia, 52
Medos, exemplificado, 102
Mudança no comportamento, significado, 99; o papel do terapeuta, 118, 119
Normas sociais, 41, 42

INDEX
Organismo vivo, e personalidade, 10
Orientação não-diretiva, 111
Pais, os, e a criança desajustada, 63, 64; cooperação, 65; no relacionamento
com o professor, 147
Passividade, em terapia não-diretiva, 60; no aluno, 138
Participação e permissividade, 88
Permissividade, 14, 67; como estabelecer, 85, 85; absoluta, 87; no relacio­
namento criança-terapeuta, 88; terapia de grupo, 89; atitude da criança
em relação à, 112; escola e professor, 133, 153, 154.
Personalidade, 10, 11, 12; da criança, 11, 118

BOOKS
Pressão, 108, 118; versus limites, 125; na situaçãodoaluno, 135; nasesco­
las, 152, 153
Português, matéria escolar, seu valor em terapia, 133, 134, 135
Professor, frustrações, 131; relacionamento com o aluno, 132, 133, 143; o
princípio do reconhecimento, 138; na terapia, 142; símbolo de autoridade,
143; desajustamento, 151; como uma pessoa, 152; problemas, 153; aceita­
ção, 154; terapia de grupo, 155.
Psicodrama, 53
“ Rapport”, o, exemplificado, 71; terapia de grupo, 78, 79;participação da
terapeuta, 119; na sala de aula, 132
Realidade, 124.
GROUPS
Reconhecimento, exemplificado, 75; versus interpretação, 91, 92; terapia de
grupo, 97
Reflexão, valor da, 137; no relacionamento pai-profesor, 147, 150.
Rejeição, 132
Reprovação, e ludoterapia, 88
Respeito, 102; na terapia de grupo, 108, 109; e controle da criança, 124
Responsabilidade, na criança, exemplificado, 71, 84, 86; e comportamento
destrutivo, 123
Respostas de comportamento, e hábitos, 11
Rogers, Cari R., 23
Sala de Ludoterapia, a, 15; descrição, 51; materiais, 123

349
Saúde mental, nas escolas, 131, 132; papel da professora, 132, 133; de pro­
fessores, 151
Segurança, a sala de brinquedos como expressão de, 15; o princípio dos
limites, 124
Sentimentos (em geral) 88; reconhecimento e reflexão, 96 e 97; negativos,
123
Sentimentos de culpa, 37, 42, 81, 88; prevenção dos, 122, 123
Símbolo, 91; de autoridade, 143
Situação do aluno, 133
Status individual, 19, 20
Técnicas. Ver: Aconselhamento não-diretivo como uma técnica
Técnica de auxílio, 86
Tensões, em terapia de grupo, 78, 79, 88; adulto e criança, 118; experiência

INDEX
de crescimento, 124; numa situação de sala-de-aula, 135
Teorias sobre a estrutura da personalidae, 9, 10
Terapeuta, papel do, 9, 16, 53; requisitos no relacionamento não-diretivo, 59;
atitudes básicas no relacionamento não-diretivo, 59, 60; passividade, 60;
relacionamento com a criança, 68; papel na terapia de grupo, 78; como
“espelho”, 112
Terapeuta-professora, a, na situação de sala de aula, 133
Terapia — Ver: Terapia não-diretiva, Terapia individual. Terapia de grupo,
criança; Terapia simultânea

BOOKS
Terapia autodiretiva, 23
Terapia centrada na criança, 37
Terapia escolhida pela criança, 37
Terapia individual, 22, 23; aceitação em, 84.
Terapia na sala de aula, limitações, 142, 143
Terapia não-diretiva, 14, 20; princípios básicos, 67, 68; na situação de sala-
de-aula, 133
Terapia simultânea, 64
Verbalização, 193, 196

CASOS

Angela, 134, 135


BUI, 100, 101, 102
GROUPS
Billy, 98
Bcbby, 6, 7, 13, 14, 64, 193-248
Buddy, 193^248
Cari, 141
Carry, 98
Charlene, 135
Charles, 193-248
Charlie, 138

350
Delbert, 97
Dick, 254-259
Dickie, 159-163.
Dibs, 21, 22
Edith, 179-181, 183
Edna, 186 191, 254-259, 261-264, 269-273, 277-301.
Ema, 5, 6, 7, 13, 14, 64, 249-301
Ernest, 138-141, 167-172, 193-202, 303-343
Herby, 17
Jack, 93 a 96, 141, 191, 192, 255, 258, 259
Jane, 185
Jean, 37, 41, 42, 43, 45, 81, 82, 83
Jean, quatro anos de idade, 174 a 179, 182, 183
Jerry, 102 a 108

INDEX
Jim, 126, 127
Jimmy, 132, 136
Joann, 166, 167, 182
Joe, 38 a 43, 141
Joey, 136
-Tolm, 135, 136
Johnny, 71 a 73
Lynn, 137, 138
Martha, 38 a 41, 43 a 45
Mike, 137

BOOKS
Oscar, 74 a 77
Philip, 191, 192, 255 a 257
Richard, 112, a 115, 191, 192
Robert, 147 a 150
Sarah, 186 a 191
Saul, 193 a 208
Sharon, 185, 254 a 258, 261 a 263, 269 a 273, 277 a 300
Shiela, 163, 164, 182
Shirley, 165
Shirley-Ann, 254 a 258, 261 a 263, 269 a 273, 277 a 300
Sylvia, 173, 174
Theda, 38, 41, 44 GROUPS
Timmy, 6, 7, 13, 14, 64, 193 a 227, 234 a 246
Tom, 3, 4, 7, 13, 14, 16 a 48, 63, 64
Tommy, 139, 140, 255 a 258
comprou uma aquarela para mim há duas semanas.”
T .: Você gosta de Robert e de D ...........
E. (concordando): “Eu quero ganhar um relógio de Mickey-Mouse
no Natal. Eu já sei ler vim pouquinho agora. Minha professora me dá sor­
vete todo dia. Minha professora tem muitos brinquedos para a gente brin­
car com eles. Passar o dia na escola é muito bom. Eu às vezes uso uma
roupa de cow-boy na escola. (Para a terapsuta.) Deus! Eu sinto falta de
minha mãe. Ela é magra como um lápis. Escreve: “Eu brinco na escola.
Eu usei uma máscara engraçada na véspera de Todos os Santos e uma roupa
de cow-boy. Eu pinto gravuras na escola. Eu me divirto na escola
quando trabalho e brinco. Nós estamos construindo uma casa de brincar.'
Eu bebo chocolate com leite na "escola. Eu como muito bem. Muito amor
para mamãe e minha família. Emest.”

INDEX
(Quando ele acabou de ditar esta estranha carta, pegou a mama­
deira, retirou-lhe o bico e bebeu a água. Desta vez ele foi para casa sozi­
nho. Era meio.dia. Não pediu sorvete nem doces. Estava muito feliz
quando foi embora.)

Sua mãe veio buscá-lo para o Dia de Ação de Graças. O fiscal provi­
denciou de tal forma que o encontro se desse na escola. Emest estava
ansioso pela sua chegada. A terapeuta sabia que ela não chegaria antes

BOOKS
de duas e meia da tarde, e, então, para dissipar a ansiedade de Emest,
levou a classe para passear e mostrar-lhes alguns perus. Ele estava exci­
tado e nervoso. Uma vez, após voltar para a escola, foi até o recipiente
arranjado para cuspir e surpreendeu o olhar da terapeuta nele. Afastou-se
e disse: “Não, eu não vou fazer isto. Eu não vou cuspir.” Realmente não
o fez. (A classe estava fazendo ensaios musicais da bandinha escolar,
que parece ser um ótimo modo de aliviar tensões.) Emest era um exce­
lente tocador de tambor e jamais perdia o compasso. Eles tinham acabado
de executar uma peça quando o fiscal e sua mãe bateram à porta. Uma
das crianças atendeu-os, chamou a professora, que os fez entrar e trouxe

GROUPS
cadeiras para eles. A professora não chamou Emest; continuou a agir de
maneira não-diretiva, o que surpreendeu o fiscal e a mãe de Ernest. Ela
voltou ao piano e Ernest olhou o casal. Reconheceu o Sr. fiscal e concluiu
que a estranha deveria ser sua mãe. Acabou deixando de lado o tambor
e, caminhando até a mulher, cumprimentou-a com um aperto de mão e
disse: “Minha mãe, eu suponho?” Ela não o beijou; olhava-o completamen­
te confusa. Ele permaneceu ao lado dela por alguns minutos e ela colocou
seu braço em tomo dele bastante cautelosa. Ele então voltou ao grupo.

(Em nenhum outro ponto do caso, o profundo respeito da terapeuta pe­


la integridade de uma personalidade de criança de seis anos foi melhor evi­
denciada do que neste episódio. Qualquer outro entendido até mesmo psico­

326
logicamente treinado, provavelmente teria tirado das mãos da criança a difi­
culdade da situação. Ela deixou a situação por sua conta, o que propiciou
resultados muito construtivos e dramáticos. O modo pelo qual Ernest
se saiu sd pode ser comparado com “Dr. Livingstone, eu suponho?” profe­
rido por Stanley.)

Ernest foi para casa com sua mãe e ficou para o fim de semana.
De acordo com o que relatou, sua mãe ficou fora todo o sábado e ele foi
posto no ônibus por um vizinho, voltando sozinho à escola.

29 DE NOVEMBRO (PRIMEIRO CONTATO APÓS A V ISITA À CASA)

E. (martelando a bigorna, entorna a caixa de pregos na banca. Os


pregos se espalham pelo chão.): Pregos! Isto vai ensiná-los. Caíram no chão!

INDEX
Danem-se! Vê se eu me importo. (Chuta os pregos.) Eu não vou apanhá-los!
Eu quero que eles fiquem lá.
T .: Você está muito sentido. Você quer fazer as coisas com raiva.
Vá em frente. Aja desta maneira.
(O reconhecimento do sentimento é bom. As instruções como “vá
em frente!” são completamente desnecessárias e poderiam ser danosas se
continuadas. Tais sugestões podem encorajar a criança a revelar suas hos­
tilidades mais rapidamente do que ela própria é capaz de assimilar.)
E.: Pregos! Amaldiçoados! Preguinhos! Mamãe e papai preguinhos!

BOOKS
(Senta-se no chão, passa a rimo nos pregos, pega um torto e joga-o para a
terapeuta. R i.) Olha este sem-vergonha! Sem-vergonha como eu nunca vi
igual.
T .: Você aprendeu umas novas palavras e quer exibi-las aqui.
(Belo controle dessa situação com um simples reconhecimento das
atitudes que a criança está expressando. Note-se ainda que a clarificação
satisfatória de uma atitude, numa atmosfera de aceitação, dissipa imedia­
tamente a necessidade de expressão simbólica. O mesmo raciocínio se apli­
ca para o fato de que, sendo aceita a catarse, isto é, a exteriorização de sen­

GROUPS
timentos, altera-se o comportamento. Se o leitor voltar aos comentários da
página 308, verá como a mãe adotiva fazia uso de um comportamento seme­
lhante de modo a fazê-lo piorar.
E.: D .R. teve um ataque. Ela fala que eu vou para o inferno.
Foram palavras perversas.
T .: D. R. fala que elas são palavras perversas, mas você ainda
gosta de usá-las.
E .: Sim. Minha mãe disse que D .R. não tinha nenhuma energia
comigo. Ela disse que D .R. ganha para tomar conta de mim. E que você
também ganha para tomar conta de mim. Que você só faz seu serviço.
Você vai tomar conta de mim.

327
L IB E R D A D E P A R A A P R E N D E R reune todos os pensa-
lentos de R ogers sôbre o processo d a aprendizagem em edu­
cação .
R ogers afirm a que os estudantes aprendem realmente
divertem-se durante esta aprendizagem, quando o professor
<facilitador de aprendizagem ) fixa um ambiente que encoraje
_ sua participação responsável na seleção de metas e nas
'aneiras de alcançá-las.
M ostra com o três pessoas diferentes, trabalhando em

INDEX
w-ês níveis diferentes de ensino, descobriram m aneiras dife-
ntes de proporcionarem a seus alunos, liberdade p ara apren­
der, e apresenta consequências interessantes dêstes esforços.
Descreve as atitudes em direção ás quais o "facilitad or"
v , aprendizagem deve crescer, a fim de ter sucesso e sugere
’"é to d o s práticos para desenvolver estas atitudes.
Apresenta, depois, algumas das suposições e convie­
r e s sôbre as quais baseia todo o seu “approach", incluindo

BOOKS
• 'lia s teóricas sôbre o processo de aprendizagem . Parte daí
para atacar os problem as de valores e o significado de “liber-
L._de” no m undo m oderno.
Finalmente, êle descreve um plano prático p ara pro-
d” ^ir m udanças drásticas, mas auto-dirigidas, num sistema
educacional.

O autor — C ari R . Rogers (P h . D ., Teachers College,

GROUPS
Colum bia U niversity) é membro permanente do “Center fo r
í idies of the P erso n ”, de L a Jola, Califórnia. Foi, anterior­
mente, m em bro do “W estern Behavioral Sciences Institute”
e. j m em bro prem iado da “American Psychological Associa­
te' n ” . Entre seus livros, destacam-se "O n Becoming a P erson ”
e “M an and the Sciences of M an ’’ .

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