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A IMPORTÂNCIA DA ROTINA E OS CONTEXTOS DA EDUCAÇÃO

INFANTIL: ESPECIFICIDADES DA PRÁTICA DOCENTE

L'IMPORTANCE DE LA ROUTINE ET LES CONTEXTES


D'ÉDUCATION DE LA PETITE ENFANCE : SPECIFICITÉS DE LA
PRATIQUE D'ENSEIGNEMENTES

Marcelo Silva de Souza Ribeiro1


Lucimar Coelho de Moura Ribeiro2

RESUMO
Este artigo é uma atualização e ampliação, em co-autoria, do capítulo inicial da tese
de um dos autores. O artigo em tela tem como objetivo discutir as especificidades da
prática docente, evidenciando os desdobramentos sobre a rotina e seus ajustamentos
via os contextos da Educação Infantil. Assumindo um método que transita entre a
abordagem teórica e a documental, a Educação Infantil brasileira é apresentada,
contrastivamente, a partir de alguns dados relativos ao contexto geral, a formação e,
especificamente, a prática docente, sobretudo no que diz respeito a questão da rotina.
Do ponto de vista do referencial teórico, a rotina é problematizada enquanto prática
da docência na Educação Infantil. Em relação aos resultados, são apresentadas
informações quanto ao contexto da Educação Infantil via os seus desafios, demandas
e avanços, evidenciando o entendimento de que a prática docente, em Educação
Infantil, deve ser apreendida levando-se em consideração as suas especificidades
quanto aos aspectos próprios do lidar com a criança e ao mesmo tempo com as
condições que atravessam o ser docente.

Palavras-chave: Política Educacional. Educação Infantil. Prática Docente. Rotina.

RÉSUMÉ
Cet article est une mise à jour et un élargissement, en co-écriture, du chapitre initial
de la thèse d'un des auteurs. Cet article vise à discuter des spécificités de la pratique
enseignante, en mettant en évidence les conséquences de la routine et de ses
ajustements via les contextes de l'éducation de la petite enfance. En supposant une
méthode qui transite entre l'approche théorique et documentaire, l'éducation de la
petite enfance brésilienne est présentée, de manière contrastée, à partir de certaines
données liées au contexte général, à la formation et, plus précisément, à la pratique

1
Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). http://lattes.cnpq.br/8566377803271737
2
Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). http://lattes.cnpq.br/4856158554139253

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REVISTA EDUCAÇÃO E INFÂNCIAS NATAL, V. 2 N. 3 ANO 2023
e-ISSN: 2764-6076
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de l'enseignement, notamment en ce qui concerne la question de la routine. Du point
de vue du cadre théorique, la routine est problématisée comme une pratique
pédagogique en éducation de la petite enfance. En ce qui concerne les résultats, des
informations sont présentées sur le contexte de l'éducation de la petite enfance à
travers ses défis, ses exigences et ses avancées, témoignant de la compréhension
que la pratique pédagogique en éducation de la petite enfance doit être appréhendée
en tenant compte de ses spécificités concernant les aspects de prise en charge de
l'enfant et en même temps avec les conditions qui traversent le fait d'être enseignant.

Mots-clés: Politique éducative. L'éducation des enfants. Pratique de l'enseignement.


Routine.

Introdução

Este artigo é uma atualização e ampliação, em co-autoria, referente ao


capítulo inicial da tese de um dos autores, “Les routines et leurs ajustements dans la
pratique éducative de l’enseignante d’éducation enfantin” (“As rotinas e seus
ajustamentos na prática educativa da professora de educação infantil”), defendida em
2013 no programa de doutorado da Université du Québec à Montréal (UQaC),
Canadá. Embora o tempo tenha passado, desde a apresentação dos resultados da
pesquisa que originou a tese, inclusive ficando reservada ao idioma francês, emerge
agora em português esse recorte que discute as especificidades da prática docente,
evidenciando os desdobramentos sobre a rotina e os seus ajustamentos, via os
contextos da Educação Infantil.
Em linhas gerais, a questão da Educação Infantil no Brasil é apresentada,
contrastivamente, a partir de alguns dados relativos ao contexto geral, a formação e,
especificamente, a prática docente, sobretudo no que diz respeito a questão da rotina,
as situações de imprevistos e as demandas por ajustamentos. Importante salientar
que privilegiamos a literatura clássica de modo a evidenciar os fundamentos sobre a
questão da rotina (por isso uma parte das referências é antiga).
Antes de adentramos no objetivo deste artigo, com o objetivo de situar o leitor,
buscamos, na tese original, investigar o que acontecia quando uma professora1 de
Educação Infantil, inserida na rotina de sua turma, se deparava com uma situação de
imprevisto. Importante pontuar que, a despeito de um “olhar para dentro” do cotidiano
da sala de referência, todo um contexto externo e multifacetado foi considerado. Foi
notado, pois, que tais situações de imprevistos desafiavam a docente em regular a

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rotina para encontrar uma solução ajustada à sua prática. Isso tendia a mobilizar, a
provocar ou a desencadear certas competências, habilidades e conhecimentos.
Depreendeu-se daí que os ajustamentos das rotinas face as situações de imprevistos
compunham a especificidade da prática em docência da Educação Infantil
marcadamente em seus pilares do educar e do cuidar, inclusive com desdobramentos
na qualidade da formação, no contexto e nas condições do exercício profissional.
Neste artigo, portanto, é problematizada a docência em Educação Infantil e
suas especificidades quanto a complexidade da prática, considerando as tensões
entre as rotinas e os imprevistos, bem como os ajustes demandados. Sobre isso,
podemos levantar algumas questões provocadoras que orientam este trabalho: o que
é a rotina em Educação Infantil? De que modo os contextos no campo da Educação
infantil, com seus avanços e desafios, se desdobram em especificidades da prática
docente? De que modo a rotina tem se caracterizado na prática docente em Educação
Infantil? Como temos entendido a própria especificidade da prática em Educação
Infantil?
Atualizamos, pois, informações quanto ao contexto educacional, sobretudo
da Educação Infantil no que diz respeito aos seus desafios, demandas e avanços.
Sustentamos ainda, e esta foi uma inovação trazida para este artigo em relação ao
escrito na tese, o entendimento de que a prática docente em Educação Infantil deve
ser apreendida levando-se em consideração suas especificidades quanto aos
aspectos próprios do lidar com a criança (como é o caso da rotina), mas ao mesmo
tempo com as condições que atravessam o ser docente dessa área, os equipamentos
escolares e toda a gama de políticas públicas em Educação que implicam ou não em
ações.
Buscamos refletir, portanto, algumas das especificidades da prática docente
na Educação Infantil, dando destaque a questão da rotina. Para tal empreitada,
assumimos um método que transita entre a abordagem teórica e a documental1.
Sabemos que esses hibridismos metodológicos têm seus desafios no sentido de
articular demandas diferentes, mas optamos por um caminho onde o próprio objeto
problematizado fosse apontando suas direções. Justamente por isso, construímos,
enquanto método teórico, um traçado sobre a questão da rotina desvelando seus
dissensos e possíveis consensos. Aliado a essa démarche, e para dar conta dos

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contextos da Educação Infantil, informações oriundas de documentos foram utilizados
para estabelecer os chamados diálogos contrastivos (MACEDO, 2018).
Para tanto, como já sinalizado, apresentaremos a seguir alguns sentidos de
rotina enquanto prática docente. Na sequência, abordaremos certos aspectos do
contexto da Educação Infantil no Brasil de modo a problematizar os avanços e os
desafios que ainda persistem, principalmente em relação a qualidade da formação
docente, as condições do exercício profissional, e o entendimento sensível das
especificidades de uma prática profissional que precisa ser melhor contemplada e
valorizada.

Alguns sentidos de rotina enquanto prática docente

Embora haja concordância de que a rotina seja uma característica


proeminente das atividades docentes, especialmente aquelas das professoras de
Educação Infantil, não pareceu, nos nossos estudos, estar tão claramente refletida
nos trabalhos sobre práticas docentes, nem devidamente explicada teoricamente ou
mesmo suficientemente compreendida na prática.
Buscando o sentido etimológico, em vários dicionários de origem latina, como
é o caso do dicionário da língua portuguesa, “Dicionário Buarque de Holanda”
(HOLANDA, 2010), a rotina corresponde aos caminhos já percorridos e conhecidos
pelo sujeito que, em geral, obedece a hábitos e processos já adquiridos e
incorporados. No mesmo sentido, o “Le Petit Robert - - dictionnaire de la langue
francaise, dicionário da língua francesa (ROBERT et al, 1996), define-o como um
hábito de agir ou pensar sempre da mesma maneira, como algo mecânico e irrefletido.
Essas definições, por sua vez, têm conotações diversificadas do senso comum. Não
é por acaso que a palavra “rotina” é entendida como algo irrefletido e deve ser
removida da vida cotidiana de uma pessoa ou, ao contrário, que certas rotinas devem
ser estabelecidas na vida para que as coisas possam progredir e evoluir. No mesmo
sentido, segundo Nunes (2002), a rotina seria o oposto de uma prática ponderada e
refletida.
Assim, significados derivados do senso comum e mesmo aqueles dados por
alguns pesquisadores interessados sobre a questão da rotina não chegam a um
consenso acerca do conceito. No entanto, Lacourse (2004), Altet (2002), Feldman,

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Altrichter, Posh e Somekh (1993) e Yinger (1979), por exemplo, consideram a rotina
como uma atividade que apoia a prática do professor, como uma forma eficaz de gerir
o trabalho pedagógico ou como uma atividade intencional, isto é, envolvendo
elementos reflexivos.
Apesar da diversidade e polissemia que envolve o conceito, parece que as
rotinas desempenham um papel importante na prática dos professores e,
especialmente, de professoras de Educação Infantil. Seria relevante considerá-las
como ações situadas (CASALFIORE, 2002) e como atividades educativas
organizadas pelas professoras. Isso se justifica porque as rotinas estão sempre
localizadas em um determinado espaço e tempo e, portanto, correspondem ao
contexto. Além disso, fazem parte das atividades de planejamento do professor e são
altamente recomendadas, pelo menos no ideal, pois são acompanhadas de
pensamentos que possuem uma intenção pedagógica e visam ações específicas.
De fato, parece haver uma convergência de que a rotina é estabelecida por
meio da repetição e, como resultado, tem efeitos sobre o comportamento e a
aprendizagem das crianças. Além disso, segundo Lacourse (2004, p.74), se nos
baseamos no problema da gestão de classes, “(...) as rotinas são uma característica
específica do conhecimento organizacional, bem como uma combinação de tarefas
relacionadas entre si” (livre tradução nossa).
A partir dessa ideia, Lacourse (2004) traz para a discussão uma compreensão
complementar de que “(...) as rotinas auxiliam no apoio às atividades de ensino e
aprendizagem concomitantes. Elas liberam parte do espaço de processamento
cognitivo do professor ao automatizar as subtarefas cognitivas que, de outra forma,
confrontariam os atores a cada recorrência da atividade” (LACOURSE, 2004, p.75).
(livre tradução nossa).
Contudo, ainda que existam aproximações possíveis na compreensão e
ratificação da importância da rotina como prática docente, e mesmo considerando os
seus efeitos positivos como os apresentados por Lacourse (2004), os escritos na área
não são muito homogêneos. As perspectivas de rotina que serão apresentadas nas
linhas a seguir reforçam essa falta de consenso.
Em primeiro lugar, é necessário que nos debrucemos sobre a interpretação
de Madalena Freire (1998), que distingue entre rotinas estruturantes e rotinas

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mecânicas. Para esta autora, a importância da estruturação da rotina na prática
educativa pode ser entendida da seguinte forma:

(...) a rotina não é a expressão do que é rotina e que está se arrastando


de forma entediante. (...) Aqui, a rotina é entendida como a expressão
da pulsação do coração (com diferentes batidas rítmicas) do grupo. A
rotina é entendida como uma cadência seguida por diferentes
atividades que se desenvolvem em um ritmo particular em cada grupo.
A rotina estrutura o tempo (história), o espaço (geografia) e as
atividades em que o conteúdo é estudado (FREIRE, 1998, p.43).

Portanto, a rotina estrutura o cotidiano da classe, organiza as atividades e,


nesse sentido, difere de uma concepção segundo a qual a rotina é mecânica,
repetitiva e sem intenção educativa. Da mesma forma, Oliveira (1992) trata a rotina
como algo que organiza a sala de referência, onde a previsibilidade é importante para
o processo de aprendizagem da criança. A autora sugere ainda ao professor que
planeje atividades que nem sempre correspondem a uma sequência ou aos estágios
obrigatórios. No entanto, a autora admite que a previsibilidade é insuficiente e que as
contingências são igualmente importantes para a aprendizagem. Repetindo suas
próprias palavras:

(no momento) de estabelecer uma sequência básica de atividades


cotidianas, a “rotina” é útil para ajudar a criança a perceber a relação
espaço-tempo, permitindo-lhe prever gradualmente o funcionamento
dos horários dos atendimentos nas creches. No entanto, o advento de
novos eventos inesperados é fundamental para o enriquecimento das
experiências das crianças (OLIVEIRA, 1992, p.36).

Freire (1998), Oliveira (1992) e Warschauer (1993) conectam a rotina com a


organização do tempo e do espaço. No entanto, Warschauer (1993) explica
claramente a possibilidade de pensar em uma rotina flexível, capaz de integrar o
imprevisto.

(...) uma rotina de trabalho é importante para estruturar um grupo de


crianças (e também adultos). Rotina de trabalho significa organização,
sistematização e disciplina. É graças à rotina que o tempo e o espaço
são estruturados para a criança (tempo para se sentar na roda, hora
do lanche, organização das mesas e equipamentos, etc.). A rotina
estimula a criança a se organizar em um espaço e em um tempo
determinado (...), porém a rotina deve ser flexível para organizar os
espaços e o tempo de acordo com as novas necessidades que

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surgem, senão se torna mecânica e carente significado
(WARSCHAUER, 1993, p. 83).

Essa perspectiva de considerar a rotina em sua capacidade de integrar as


necessidades inesperadas e novas que surgem não é exclusiva dessa autora. Freire
(1998) apresenta essa ideia quando aborda a questão da estruturação da rotina,
assim como Oliveira (1992), quando propõe atividades fora do comum. No entanto, é
Cardona (1992), em um estudo sobre a organização do espaço e do tempo na turma
do “jardim de infância”, que explicará a questão da negociação entre professores e
crianças como algo que desencadeia uma rotina flexível.
A existência de uma “rotina” definida não é necessariamente sinônimo de
rigidez. Ao longo do ano, dependendo dos projetos desenvolvidos pelo grupo, ela é
modificada. O fundamental é que essas transformações sejam sempre claramente
explicadas e negociadas com as crianças, para que possam percebê-las e se
manterem autonomamente ao longo do dia nas atividades.
Outra contribuição para essa ideia de rotina flexível, que valoriza as diferenças
e as criações individuais, é a de Nunes (2017), onde, em pesquisa realizada em
creches, a partir de uma leitura psicogenética, se opõe à compreensão da rotina como
um meio de garantir a previsibilidade e o tratamento padronizado das crianças,
argumentando a necessidade de valorizar as individualidades, singularidades e
diferenças. Assim, a rotina pode constantemente acarretar riscos, principalmente no
caso em que a professora atua de forma mecânica, sem intenção pedagógica e sem
refletir sobre sua prática. De fato, se a professora não se envolver em um processo
reflexivo, ela pode oferecer a seus alunos rotinas mecânicas no sentido anunciado
por Freire (1998).

Por sua parte, Grillo (2006) conceitua essa prática educacional da seguinte
forma:

(...) rotina, um conjunto de ações internalizadas pela repetição e


influenciadas pela tradição, pelo senso comum ou até pelo
conformismo. Na realidade, a rotina não é um elemento negativo na
prática de ensino, uma vez que é inevitável e contém linhas de ação
concretas para a repetição de eventos. O problema que pode surgir é
que a rotina está associada apenas a contextos específicos, com o
risco de ser adotada à custa de ações mais ponderadas. Obedecer
receitas e rotinas pode desvitalizar o ensino ... (GRILLO, 2006, p.77).

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Mais criticamente, McLaren (1991), em um estudo de rituais na escola, afirma


que a previsibilidade é importante e que, no campo da Educação, não é possível
diferenciar constantemente entre as ações, comportamentos, organizações. Ele então
se refere à rotina dizendo:

(...) a ordem, a rotina e a redundância não devem ser totalmente


descartadas pelos professores, já que, no final, o caos e a ordem são
rituais que têm uma correlação e que todos nós precisamos de
previsibilidade nos nossos esforços diários para nos sentirmos bem e
confiantes sobre nós mesmos (MCLAREN,1991, p. 313).

Sendo assim, ainda que sejam inevitáveis os imprevistos e que o controle e


a previsão dos acontecimentos sejam inalcançáveis de modo pleno, a rotina é
importante para organização da vida cotidiana. Mclaren (1991) parece propor um
equilíbrio, portanto:

A vida escolar não pode ser vivida apenas em um ar festivo ou à beira


do desgosto. Mas a rotina pode facilmente ir em direção à repressão;
devemos ter cuidado para que nossas rotinas não sejam
contaminadas por coerção opressiva ou que transformem nossas
lutas diárias, algumas previsíveis, em caminhos tortuosos
(MCLAREN,1991, p. 314).

Esses diferentes sentidos, contudo, se interessam pela noção de rotina; seja


como diferenciação entre uma rotina mecânica e uma rotina estruturante, ou para
adaptá-lo a acontecimentos imprevistos, ou para dar flexibilidade ou mesmo para
entender que é importante para a organização das atividades e o desenvolvimento
das crianças sem cair na rigidez dos exercícios repetitivos. Admitir a complexidade
inerente ao entendimento de rotinas como prática docente pode ser um primeiro passo
para apreender um aspecto dessa especificidade.
Para aprofundar um pouco mais a complexidade da rotina, é possível ainda
dizer que as situações rotineiras e imprevisíveis permitem integrar os níveis de ordem
e desordem, essenciais, tanto no processo de aprendizagem quanto no processo de
estruturação do cotidiano. Na verdade, nem sempre observamos essa integração
entre ordem e desordem na sala de referência, ou, para sermos mais específicos,
nem sempre estamos interessados na coordenação entre as rotinas e os imprevistos

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para que as professoras possam encarar a organização, a previsibilidade, a
estruturação do tempo e do espaço sem negar situações improvisadas que
inevitavelmente ocorrem em sala de referência. Isso indica a importância de uma
metodologia viva (RIBEIRO, 2018) em sala de referência que valorize a presença
atenta e a compreensão empática na relação com o outro, de modo a facilitar os
ajustamentos necessários que potencializem os processos formativos.
Trazer à tona a discussão sobre os sentidos de rotina, portanto, requer que
a pensemos enquanto especificidade da própria prática docente nessa etapa da
educação escolar, mas levando em consideração contextos da Educação Infantil no
Brasil. Afinal, nos parece ainda escapar à própria complexidade da especificidade da
prática docente, mesmo que aprofundando os sentidos da rotina, se não buscarmos
compreender os atravessamentos do contexto – que diga-se de passagem, está
sempre em movimento, pois é dinâmico.

O contexto da Educação Infantil no Brasil

A despeito de constituir a Educação Básica no Brasil, em 1996, com a Lei de


Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), equiparando a etapa aos Ensinos
Fundamental e Médio, em 2006, passando a atender crianças de zero a cinco anos
e com o Plano Nacional de Educação (2014), visando universalização da oferta de
vagas, a Educação Infantil é marcada por uma desvalorização histórica em
comparação aos outros níveis de escolarização (ANDRADE, 2020; KUHLMANN,
1998).
No Brasil, um dos avanços no sistema educacional foi o reconhecimento da
necessidade de valorizar as instituições que cuidam de crianças menores de seis
anos, assim como o investimento profissional, sobretudo na caracterização de
habilidades e competências específicas demandadas aos docentes que atuam nesse
campo. Assim, importante sublinhar o marco na história da Educação brasileira acerca
do reconhecimento na Constituição Federal de 1988 (artigo 7º, inciso XXV, no capítulo
sobre direitos e garantias individuais e coletivos), referente ao dever do estado quanto
ao direito à Educação em creches e pré-escolas, mesmo que sua efetivação em
termos de oferta, acesso e qualidade ainda não estejam em patamares desejáveis.
Provavelmente esse contexto marcado por avanços (mesmo que tardios) e desafios

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incida na prática docente da Educação Infantil delineando traços específicos que
precisam ser considerados.
No que diz respeito aos dados mais recentes, o Censo Escola 2021, extraído
do Resumo Técnico Censo Escola 2021 (Inep/MEC, 2022), diz que:

Em 2021, 112.927 escolas ofertavam educação infantil no Brasil,


sendo que 99.895 (88,5%) atendiam pré-escola e 69.865 (61,9%),
creche. Ao longo dos últimos cinco anos, o número de escolas que
oferecem pré-escola sofreu uma queda de 5,0%. Já para aquelas com
oferta de creche, apesar de ser possível observar um crescimento
entre 2017 e 2019, verifica-se uma mudança nessa tendência para os
dois últimos anos, com queda de 2,2% em relação a 2019 (Inep/MEC,
2022, p. 52).

Retrocedendo quase 20 anos, em 2000, os resultados da pesquisa realizada


pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostraram que a Educação
Infantil brasileira estava se expandindo. Os dados revelaram, por exemplo, que
existiam 92.526 instituições de Educação Infantil no país, das quais 67% pertenciam
à rede municipal de ensino, o que indicava que os municípios estavam conseguindo
avançar com as políticas de educação infantil. Se compararmos esse tempo de quase
20 anos, notamos que houve um acréscimo 20.401 instituições, o que sugere um
crescimento lento.
Embora os dados derivem de fontes diferentes e com propósitos variados, é
possível notar que, sublinhando mais uma vez, há relevantes avanços nas políticas
públicas quanto à Educação Infantil, ainda que possam existir retrocessos em
períodos de crises políticas, econômicas ou sanitárias (Pandemia de COVID-19)
vividas no país. Como referência dessa situação, podemos citar a diminuição das
taxas de matrículas, sugerindo que a qualidade da Educação Infantil, e a consequente
efetivação dos direitos das crianças e famílias em uma perspectiva de
desenvolvimento integral, envolve políticas intersetoriais e não somente ações no
campo da educação escolar.
Mais uma vez notamos o quanto o contexto, que também extrapola o âmbito
das políticas educacionais, jogam no modo como professoras e crianças vivenciam o
cotidiano de pré-escolas e creches e certamente reverberando nas rotinas enquanto
prática docente. Como exemplo, a pesquisa de Silva e Lira (2022), mostra os esforços
de professoras da educação infantil no período do ensino remoto todo esse entrelace

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do contexto (pandemia, ensino remoto, ambientes virtuais) e os desdobramentos na
prática da sala de referência.
Quando nos referimos às especificidades da prática docente na Educação
Infantil, se faz necessário também reportar aos marcos legais e condições históricas
que erigem a estrutura e organização desse campo. Sendo assim, a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (2017), Art. 29, diz que a Educação Infantil, sendo a
primeira etapa da Educação Básica, “tem como finalidade o desenvolvimento integral
da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e
social, complementando a ação da família e da comunidade”. É importante notar aqui
que a perspectiva de um desenvolvimento integral da criança, em seus múltiplos
aspectos, remete às dimensões do cuidar e do educar. Outrossim, a “novidade” é que
a fase de zero a três anos (relativo as creches) foi integrada à “Educação Básica”, o
que permitiu ampliar o direito à Educação. Desta forma, a educação de crianças de
zero a três anos, longe do assistencialismo histórico que marcou os serviços a essa
população e suas famílias (SILVA; RODRIGUES; ARAGÃO et al, 2022), passou a ser
assumida pelo sistema de ensino enquanto direito do cidadão e dever do Estado,
ainda que a legislação flexibilize a creche como não obrigatória por parte da família.
Essa mudança na organização da educação escolar das crianças também
pretendia abandonar o conceito higienista que caracterizava o cuidado infantil desde
o século XIX (KUHLMANN, 1998). Atualmente, há um consenso na Educação Infantil
(não só no Brasil) sobre o fato de que devemos acrescentar, à dimensão “cuidado”,
uma perspectiva educacional justamente para possibilitar a concepção de uma
educação integral. Dessa forma, o “cuidado” ou a dimensão do cuidar atenderia
também à satisfação das necessidades físicas e fisiológicas (alimentação, higiene
etc.) em um contexto de segurança emocional, intelectual e social (BARBOSA, 2006;
NASCIMENTO, 2010) integrado à dimensão educacional, à medida que as crianças
aprendem interagindo com objetos de conhecimento em um contexto de cuidado.
Apesar dos avanços e reconhecimentos relacionados à importância da
Educação Infantil e das leis que garantem os direitos da criança e o dever do Estado
(FERNANDES, 2019), não mais na perspectiva assistencialista, parece ainda persistir
a falta de clareza de que a educação escolar de crianças tem especificidades, não
sendo a simples preparação para um estágio escolar seguinte, ou seja, para o Ensino
Fundamental e o Ensino Médio (ROCHA, 1997).

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Assim, a despeito de certos avanços e conquistas, é possível afirmar que há
lacunas quando se trata de apreender essas especificidades, sobretudo no que se
refere aos aspectos relacionados à formação e à prática docente na Educação Infantil.
Tais especificidades indicam um nível de complexidade se comparadas com outros
níveis da Educação (CAMPOS, 1999) e tem sido identificadas e estudadas
principalmente a partir de alguns elementos problemáticos e centrais na história da
profissão docente em Educação Infantil, por exemplo, a presença de certa
ambiguidade na identidade profissional (BLIN, 1997), a falta de formação adequada
de professores, a existência de professores não qualificados em alguns casos
(CUNHA, 1989), a necessidade de se adaptar a novos modelos educacionais
(OLIVEIRA, 2007), as críticas sobre a Base Nacional Comum Curricular para a
Educação Infantil no sentido de padronizar as singularidades das infâncias e dos
processos de cuidar e educar (ABRAMOWICZ; CRUZ; MORUZZI, 2016) e a natureza
particular dos professores na prática educativa com crianças pequenas (OLIVEIRA,
2007; 1992). Tudo isso, portanto, nos leva a abordar a questão da formação docente
em Educação Infantil, debate que se impõe ao tratar da prática docente e suas
especificidades, como é o caso da rotina na Educação Infantil.

Os desafios da educação de crianças brasileiras: a complexidade da prática do


professor

A compreensão da prática docente na Educação Infantil vem sendo


considerada relevante, pois as políticas públicas, em sintonia com as demandas
sociais, têm investido cada vez na formação do professor, seja em relação a formação
inicial ou continuada. A concepção assistencialista, por exemplo, ainda parece estar
presente no Brasil de modo a produzir uma percepção de que a Educação Infantil
estaria centrada no cuidar higienista. Nesse sentido, há indicativos de que a Educação
Infantil vem sendo assimilada como espaço promotor de desenvolvimento,
aprendizagem e socialização, formação integral da criança em suas diversidades e
singularidades.
No Brasil, a atividade profissional do docente da Educação Infantil é definida
por um conjunto de conhecimentos específicos, centrados em temas socialmente
determinados, que são objeto de formação. Por exemplo, Oliveira (2007),

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pesquisadora brasileira, especializada em Educação Infantil, lista uma série de
qualidades necessárias para a prática dessa profissão em confronto permanente com
os desafios no contexto do país.
Segundo Oliveira (2007), a docente da Educação Infantil deve ser capaz de
lidar com as demandas do mundo contemporâneo, caracterizado pela complexidade
e pela mudança, sobretudo as que impactam nas relações parentais, no
desenvolvimento da criança e nos contextos familiares. Isso exige que a professora
tome decisões informadas por meio da constante reflexão sobre sua prática
profissional. Ela afirma que "esse profissional exige investimento emocional,
conhecimento técnico-pedagógico e responsabilidade pelo desenvolvimento do
aluno" (OLIVEIRA, 2007, p. 30-31). Além disso, a professora deve adquirir
conhecimentos e habilidades para realizar múltiplas atividades, estabelecendo
relações harmoniosas e estimulantes com as crianças, em um clima de confiança
(OLIVEIRA, 2007). Certamente isso tende a provocar níveis de exigências que, a
depender das condições de trabalho, podem favorecer ou não a própria prática
docente.
De fato, a Educação Infantil demanda que as professoras adquiram certas
habilidades, competências (disciplinares, comunicacionais, éticas etc.) e
conhecimentos sobre os estágios evolutivos da criança e o local do jogo em seu
desenvolvimento, dentre outros. A Educação Infantil é baseada em uma pedagogia
centrada no brincar, na exploração e no desenvolvimento dos interesses das crianças.
Por essa razão, a professora intervém de forma diferente de docentes de outros níveis
escolares com seus alunos. Ela participa de seus jogos para torná-los construtivos e
cria um ambiente para o desenvolvimento cognitivo e social de crianças pequenas
(AYERS, 1989). Essa especificidade, que é marcada por uma, diríamos, interioridade
da prática docente em Educação Infantil, está fortemente entrelaçada aos avanços
e/ou desafios oriundos dos desdobramentos das políticas públicas em educação no
Brasil.
Assim, se por um lado a prática docente requer planejamento, organização
de atividades, além do estabelecimento e consolidação de certas rotinas que
governam a prática da professora e o desenvolvimento das crianças, acompanhadas
por uma intenção pedagógica planejada e flexível, por outro lado, o modo como tudo

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isso vai se dar depende das condições de trabalho, da qualidade da formação
docente, das representações que a própria educação infantil é capturada etc.
Assim, parece que toda uma série de conhecimentos, habilidades e
experiências (técnicas, práticas, teóricas, emocionais, relacionais etc.) são
necessárias para que a professora atenda ao perfil inerente a essas atividades, mas
ao tempo é fundamental considerar como tudo isso se insere nos contextos. Sem
esse entendimento a compreensão das especificidades da prática docente em
educação infantil, ainda que estejamos nos referido a rotina, pode nos escapar.
Mas voltando aos chamados “perfil docente”, no que diz respeito a
complexidade da prática do professor, espera-se que as professoras tenham
conhecimento e compreensão do contexto em que as atividades ocorrem, levando
em conta a complexidade existente que é, em si, um novo desafio para a prática do
professor. Levar em conta essa complexidade, como aponta Perrenoud (2001),
significa assumir os antagonismos e dilemas presentes e inevitáveis na vida cotidiana
da sala de referência, considerando o específico no “dentro e fora”. A complexidade
concebida por Morin (2000) exige que o diálogo seja estabelecido e que ordem e
desordem sejam inseparáveis. Morin atribui à ordem a ideia de estabilidade,
constância, regularidade e estrutura. No que diz respeito à desordem, o autor
relaciona-a a agitações, dissipações, confrontos, irregularidades, instabilidades,
desvios, perigos, desintegração, interferências, erros e incertezas. No entanto, a
ordem e a desordem são essenciais para compreender a realidade a partir de uma
perspectiva de complexidade.
De acordo com os escritos do autor:

Transtorno anda de mãos dadas com o que gera uma ordem


organizacional; existente no início das organizações, constitui ao
mesmo tempo uma ameaça constante de desintegração, uma ameaça
que vem tanto do lado de fora (acidente destrutivo) quanto do interior
(entropia aumentada). Acrescento que a auto-organização,
característica dos fenômenos vivos, é um processo permanente de
desorganização que se transforma em permanente processo de
reorganização até a morte final, obviamente (...). Não só a ideia de
desordem no universo não pode ser eliminada, mas é essencial
conceber essa desordem em sua natureza e sua evolução (MORIN,
2000, p. 220-201).

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A partir dessas ideias de Morin, é permitido pensar que o trabalho cotidiano
e, consequentemente, as práticas da professora seriam possíveis apenas no nível da
ordem e da desordem. De fato, seria utópico imaginar a vida cotidiana de uma classe
apenas no nível da ordem, assim como seria impossível realizar um ensino onde só
existisse a desordem. Além disso, podemos perceber que um nível depende do outro
para permitir o equilíbrio das práticas.
Levando em consideração uma dessas dimensões, resta olhar para as
rotinas, que seriam facilmente relacionadas à ordem, sem esquecer que não haveria
prática de ensino livre de “transtornos” em sala de referência. A professora seria
constantemente confrontada com inúmeros desafios imprevistos (desordenados) que
exigem ajustes em sua prática diária.
Por eventos imprevistos, podemos ter eventos não espetaculares, mas triviais
e inesperados, que provocam desequilíbrios na sala de referência. Por exemplo, uma
visita inesperada à sala de referência, desacordo entre os alunos que interrompe a
atividade, ausência de membros de um grupo no dia da apresentação de um trabalho
etc. Assim, o inesperado seria aqueles acontecimentos da vida cotidiana que
inevitavelmente ocorrem e que devem ser gerenciados pelos professores para que
eles possam encontrar a regularidade de suas atividades, seu planejamento e o
programa educacional em sala de referência. Dessa forma, assim como ordem e
desordem estão conectadas, rotinas e contingências são parte da complexidade de
uma sala de referência.
Como práticas educativas, as rotinas são constitutivas, principalmente para
a Educação Infantil, pois ajudam a organizar atividades, o tempo e o espaço de
aprendizagem. Além disso, elas tendem a estruturar o desenvolvimento da criança.
No caso da Educação Infantil, o estudo das rotinas assume importância central, pois
são elas que enquadram o cotidiano esolar. Por exemplo, alguns pesquisadores
(BATISTA, 1998; FREIRE, 1998; LACOURSE, 2004; ANDRADE, 2007) destacaram
a necessidade de entender melhor as rotinas como práticas docentes. De fato, vários
trabalhos relacionados as rotinas (ANDRADE, 2007; LACOURSE, 2004; PROENÇA,
2004; BARBOSA, 2001; BATISTA, 1998; FREIRE, 1998; CARDONA, 1992) destacam
a importância que elas têm na prática. Contudo, professoras de Educação Infantil
apontam para a falta de pesquisas que levem em conta as especificidades e
indeterminações com as quais as práticas profissionais são confrontadas. Para melhor

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compreendê-las, precisamos aprofundar a discussão considerando-as no contexto da
Educação Infantil e, consequentemente, das necessidades da professora que vive
esse contexto.

Considerações finais

É plausível que as rotinas, especialmente no contexto da Educação Infantil,


são de fundamental importância para a organização do tempo e do espaço, tanto para
a professora quanto para as crianças. Afinal, as rotinas orientam as atividades diárias
da professora, atividades que se repetem na sala de referência e servem de base para
o desenvolvimento e o aprendizado das crianças. Lembrando Manoel de Barros,
“repetir, repetir – até ficar diferente” (BARROS, 2010, p. 300), contudo, apesar de sua
clara importância para a Educação Infantil, as rotinas têm sido pouco estudadas e
ainda não há consenso na comunidade científica quanto aos seus desdobramentos
na prática educacional. Apreender, portanto, a especificidade da prática docente
requer uma grande tarefa, ou seja, empreender aprofundamentos daquilo que é muito
particular da Educação Infantil, como é o caso da rotina, mas ao mesmo tempo
considerar uma série de aspectos do contexto.
Se neste artigo, ainda que elucidado alguns sentidos sobre a questão da
rotina enquanto prática docente, houve indicação do quanto há dissensos, o que pode
não ser necessariamente algo negativo. Ademais, os contextos no campo da
Educação infantil com seus avanços e desafios também marcam a especificidade da
prática docente. Não bastaria, portanto, para um boa compreensão e efetivação da
prática, a apreensão dos sentidos de rotina se não levar em consideração todos esses
atravessamentos do contexto.
A especificidade da prática docente em Educação Infantil passa, pois, por
uma boa apreensão de suas particularidades ao tempo que requer diálogos com os
contextos. Afinal, mesmo que se constate que ser flexível é o modo da vida, como
diria Lao Tsé, ou que haja concordância com o insight de Manoel de Barros (BARROS,
2010) sobre o “repetir, repetir – até ficar diferente”, há que se considerar o poder ser
ou não flexível, ou ter ou não facilidade em ser flexível, ou mesmo viver a possibilidade
do repetir para ficar diferente, dependem de certas condições, aqui chamadas de
contextos. Para apreender a especificidade da prática docente, e em particular na

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rotina, não basta um mergulho na singularidade, ainda que muito própria da educação
infantil. Especificidade da prática docente é, pois, considerar a relação entre o que é
singular e o contexto.

Notas

1
O método aqui abordado combina o estudo teórico, onde a questão da rotina é abordada em seus
marcos teóricos no que diz respeito aos dissensos e possíveis consensos, com o estudo documental,
via informações oriundas de documentos governamentais de modo a estabelecer os chamados
diálogos contrastivos (MACEDO, 2018) que biscam realçar as diferenças, proximidades e
distanciamentos.

2
Vamos assumir o feminino justamente para marcar a questão de gênero presente, de modo
majoritário, na docência em Educação Infantil, mas não esquecendo a presença de muitos professores
nessa área.
3
A Educação Infantil no Brasil é dividida em creche para crianças até os três anos e em pré-escola
para crianças de quatro a cinco anos de idade

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