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PETROLINA/PE
2018
IOLANDA BARRETO DE SANTANA
PETROLINA/PE
2018
FICHA CATALOGRÁFICA
IOLANDA BARRETO DE SANTANA
___________________________________________________________________
Professor Dr. Marcelo Silva de Souza Ribeiro – Orientador
Universidade Federal do Vale do São Francisco - UNIVASF
___________________________________________________________________
Professora Drª. Virgínia Pereira da Silva de Ávila
Universidade de Pernambuco - UPE
___________________________________________________________________
Professor Dr. Edmerson dos Santos Reis
Universidade do Estado da Bahia – UNEB
Petrolina-PE
2018
Resultado: __________________________________________________________
Dedico este trabalho aos professores de Educação Infantil da rede municipal de Senhor do
Bonfim, em especial às professoras da Creche Kolping e da Escola Municipal Paroquial,
exemplos de competência e generosidade. A vocês, minha estima, respeito e gratidão.
Agradecimentos
A Deus - pela dádiva da vida e por segurar em minhas mãos e me guiar sempre
pelo melhor caminho. Obrigada Deus, por estar sempre comigo. Gratidão!
À minha mãe, Maria Amélia, que desde a minha terna idade, me mostrou que o
estudo seria o melhor caminho “para ser alguém na vida” e, por todo o esforço e
investimento feito em minha vida, me faz eternamente grata. Obrigada mãe!
Às minhas irmãs, Amanda Jammilli e Sivania por serem irmãs/amigas. Obrigada por
sempre estarem ao meu lado e me ajudarem nos momentos mais difíceis. Obrigada
irmãs amadas!
Ao meu esposo, Paulo, que mesmo não sendo da área da educação sempre apoiou
meus projetos e escolhas. Sem o seu apoio e compreensão nos momentos de
ausências, tudo seria mais difícil. Obrigada por apoiar e abraçar meus sonhos!
Aos meus filhos, José e Paulo, razão do meu viver! Meus companheiros de todas as
horas. Sempre me apoiaram e estiveram ao meu lado durante esse período do
Mestrado. Aproveito para dizer-lhes que a vida é muito melhor porque vocês
existem!
Ao meu orientador, professor Dr. Marcelo Silva Souza Ribeiro, por me acolher como
orientanda e, com paciência e compreensão, me ajudar a repensar nosso objeto de
pesquisa no processo e finalização desse estudo. A você, meu respeito e
admiração por tão grande humanização e humildade!
Aos professores, Edmerson Reis dos Santos e Virgínia Pereira de Ávila, que
gentilmente aceitaram o convite para fazer parte da banca examinadora de
qualificação e defesa desse trabalho e pelas valorosas contribuições dadas.
Ao professor, Dr. Gilberto Lima, pelo cuidado e atenção com a minha pessoa
durante o Tirocínio Docente. A sua pessoa e seu profissionalismo, são fontes de
inspiração. Ao senhor, meu respeito e admiração pelo compromisso e cuidado com
que discute a Infância e Educação Infantil.
À Secretaria Municipal de Educação de Senhor do Bonfim – BA, o meu muito
obrigado pela liberação, por entenderem que a formação é um investimento que
transforma o profissional e o torna mais qualificado para exercer suas funções.
Ao estimado amigo, Edeil Reis, pela sua amizade, sua disponibilidade, seu saber e
pela leitura e revisão atenta deste trabalho. Obrigada amigo! Grata por tudo!
The present study had as main objective to understand how the formative processes,
in the context of a research-formation, articulated to the Document of the Planning of
the Pedagogical Work, can contribute to the construction and resignification of
teachers' knowledge of Early Childhood Education teachers. The study was
conducted with 15 teachers of Early Childhood Education of two schools of the
Municipal Public Network of Senhor do Bonfim - BA. The research took place in a
qualitative perspective, through a research-training - a type of research that, at the
same time that a scientific study is undertaken, promotes the formation. There were
seven meetings lasting four hours and occurring fortnightly. For each meeting a
subject and topic for discussion, articulated to the Document of Planning of
Pedagogical Work - prepared by this researcher as pedagogical coordinator and by
the teachers to guide their didactic-pedagogical routine. We use strategies such as:
double interview; conversation wheels; experience; group techniques; group
discussion and analysis of videos. For construction and information collection we had
the narratives of the formative process of the study group and the reflective diaries
which were collected through recordings and written records. The information was
analyzed through the Content Analysis Technique. We could verify that the teachers
did not reflect on the use of the Document of Planning of the Pedagogical Work,
especially, as far as the planning in the specific context of the Infantile education full-
time is concerned. It was evidenced knowledge built and re-signified in the formative
processes, articulated to the Document of Planning of Pedagogical Work, with
emphasis on the experiences, in function of the strength that such knowledge has in
the construction of the professional identity of these teachers. The process unfolding
point to a reflexive awakening of the participants, as well as to the re-signification of
pedagogical planning. The discussed discussions also indicate that the formative
processes, through a reflexive methodology, based on the thematization of the
practice, are potent as a method of continuing education for teachers, especially
those of Early Childhood Education.
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Ao longo de todo este capítulo e em determinadas parte desta Dissertação, usarei ora a primeira
pessoa do singular (eu), ora a primeira pessoa do plural (nós), haja vista precisar neste momento
realizar um processo autopoiético, em que descrevo o meu processo formativo, a minha constituição
como profissional e sujeito do conhecimento implicado nessa produção textual. Por outro lado, é
próprio da Pesquisa-formação inserir, de fato, os sujeitos colaboradores como proativos durante todo
o estudo e, como mostram as muitas teorias pós-modernas – a percepção da realidade é um
processo híbrido e cheio de interferências dos sujeitos com quem interagimos e partilhamos a vida.
Assim, os verbos na primeira pessoa do singular, em todo o texto, refletem processos bem pessoais
desta pesquisadora se referem a percepções bem particulares e introspecções; aqueles verbos que
aparecem na primeira pessoa do plural expressam construções que partilho com o grupo de docentes
colaboradoras, haja vista que “[...] todo fazer é conhecer e todo conhecer é um fazer [...] tudo que é
dito é dito por alguém” (MATURANA; VARELA, 2001, p. 31). Nessa perspectiva, o conhecimento é
resultado de uma correlação interna e que ocorre nas relações cotidianas, nas interações e
abstrações de cada sujeito e do seu grupo de pertença.
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No mestrado, fui acolhida pelo professor Dr. Marcelo Silva de Souza Ribeiro
que abraçou a minha inquietação a partir de uma nova perspectiva, me orientando e
conduzindo-me a conhecer uma metodologia de pesquisa com uma abordagem
diferente, uma vez que combina ao mesmo tempo as atividades de pesquisa e de
formação – a pesquisa-formação. Nessa troca de perspectivas e de experiências
diferenciadas, o meu orientador, a partir do processo de orientação, fez perceber a
importância do Documento de Planejamento do Trabalho Pedagógico enquanto
elemento de formação das docentes junto as quais desenvolvi um trabalho de
coordenação pedagógica na minha Rede, vindo, por isso, tal documento a se
constituir como articulador das discussões do grupo de estudos empreendido para o
desenvolvimento do nosso estudo. Trata-se de um documento por mim elaborado,
em parceria com as docentes, para orientar o planejamento e a rotina nas duas
instituições em que desenvolvi atividade de coordenação pedagógica, o qual será
detalhado na sequência do nosso texto.
No mestrado novas habilidades precisariam ser desenvolvidas, já que como
profissional da Educação Básica, com jornada semanal de 40 horas de trabalho, nos
afastamos de leituras mais sistemáticas e científicas, não desenvolvemos
habilidades e saberes que nos permitam estarmos inseridos nas atividades de
pesquisa e de reflexão tão necessárias ao desenvolvimento profissional e à
qualidade do ensino. Assim, foram leituras, partilhas, grupos de estudo, orientações,
discussões, seminários, apresentação de trabalhos e tantos outros momentos de
compartilhamentos e construções coletivas. E como as memórias mostram, o tema
da pesquisa não poderia fugir a temáticas que sempre me interessaram: Educação
Infantil – saberes docentes, formação de professores e organização do trabalho
pedagógico.
Não poderia deixar de mencionar a importância das disciplinas que cursei e
que me fortaleceram teoricamente frente ao objeto de estudo e à ampliação do olhar
em relação aos aspectos a ele relacionados. Dentre elas: “O Professor Reflexivo e a
Epistemologia da Prática”, ministrada pelo orientador desse estudo, Professor Dr.
Marcelo Silva de Souza Ribeiro. A organização da disciplina e a forma como o
professor a ministrou, especialmente a utilização do “jornal de bordo”, se
constituíram como elementos que muito ajudaram no processo de elaboração da
metodologia de pesquisa e da postura frente ao grupo de participantes, o que
concorreu sobremaneira para a compreensão dos processos de construção da
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O sentidos que pautam o delinear deste estudo tem como forte articulador o
Documento de Planejamento do Trabalho Pedagógico, o qual se caracteriza como
um documento de registro do planejamento destinado a orientar trabalho pedagógico
das professoras, pautando através de marcos de aprendizagem e da evolução do
desempenho, um conjunto de práticas intencionais e sistemáticas que visam garantir
uma rotina didático-pedagógica voltada para a aprendizagem e para o
desenvolvimento das crianças na Educação Infantil. O referido Documento foi
elaborado pela pesquisadora-mediadora desta pesquisa, com a participação das
professoras, a partir das necessidades observadas no acompanhamento do trabalho
pedagógico das docentes envolvidas na pesquisa, quando essa pesquisadora
exercia a função de coordenadora pedagógica das duas escolas.
O referido Documento tem como objetivo orientar as professoras durante sua
prática diária, além de aliar essa prática à teoria, sendo utilizado pelas professoras
das duas escolas em questão há mais de dois anos e cumprindo múltiplos
propósitos. Como balizador de aprendizagem e desenvolvimento das crianças,
auxilia os processos de planejamento e avaliação e registros do trabalho
pedagógico, uma vez que, a partir dele, as professoras realizam os registros de suas
práticas, possibilitando pensar, refletir, analisar e avaliar o processo planejado, a
partir de retomadas, revisão de objetivos e projeção de estratégias.
É importante ressaltar o contexto que originou a elaboração desse
documento: O primeiro momento foi em 2010 e veio como reverberação de algumas
alterações do Diário de Marcos de Aprendizagem – o referido diário se configura
como Diário de Acompanhamento no qual constam habilidades de aprendizagem e
desenvolvimento esperadas para cada faixa etária. Daí, surgiu a necessidade de
sistematizar as práticas via registro do planejamento, haja vista a Rede não dispor
de uma proposta pedagógica sistematizada e a elaboração do referido documento
possibilitar o acompanhamento e a organização do trabalho docente.
Desse modo, foram criados dois Cadernos de Planejamento (Documento de
Planejamento do Trabalho Pedagógico), contendo as Referências de Aprendizagem.
De início eram apenas dois cadernos – um para os Grupos 4 e 5 (crianças de 4 e 5
anos) e outro para Grupo 3 (crianças de 3 anos) que foram distribuído para toda a
Rede Municipal de Ensino.
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Quadro 1 - Pseudônimos
Aqui os sujeitos não são posicionados como objetos silenciosos, mas como
sujeitos confessantes; não em relação a uma verdade sobre si mesmo que
lhes é imposta de fora, mas em relação a uma verdade sobre si mesmos
que eles mesmos devem contribuir ativamente para produzir.
[...] escrever sobre o que estamos fazendo como profissional (em aula ou
em outros contextos) é um procedimento excelente para nos
conscientizarmos de nossos padrões de trabalho. É uma forma de
“distanciamento” reflexivo que nos permite ver em perspectiva nosso modo
particular de atuar. É, além disso, uma forma de aprender.
Para Zabalza “escrever sobre o que fazemos, como ler sobre o que fizemos
nos permite alcançar certa distância da ação, e ver as coisas e nós mesmos em
perspectiva”. (ZABALZA, 2004, p.136).
compomos um cenário formativo que permitiu trazer a questão de pesquisa que deu
origem a esse estudo a partir do encontro teórico-experiencial, com o rigor que uma
pesquisa científica requer sem descuidar do seu caráter interativo, dialógico e
reflexivo. Empreendemos um processo dinâmico que permitiu a apresentação dos
objetivos da pesquisa com clareza, enfatizando a interação e a troca de saberes. A
flexibilização na organização da metodologia nos permitiu a utilização de estratégias
diversificadas e, consequentemente, uma maior aproximação dos diferentes estilos
de aprendizagens das participantes.
Dentre as estratégias mobilizadoras e construtoras das narrativas, tivemos:
entrevista em dupla; rodas de conversa; estudo teórico coletivo; análise de
documentos, dinâmicas grupais, análises de vídeos, vivência, dentre outros.
O Grupo de Estudos Reflexivos se configurou como sendo momento
fundamental de construção, intervenção e reflexão, um conjunto de proposições,
provocações e intervenções nos quais foram discutidas e analisadas as informações
construídas e coletadas a partir dos instrumentos metodológicos utilizados. Foram
realizados sete encontros com o grupo de estudo, cada encontro com uma pauta
orientadora, conforme Apêndice A.
Importante reiterar que inicialmente tínhamos como propósito a reelaboração
do Documento de Planejamento do Trabalho Pedagógico, entretanto, após o exame
de qualificação, fomos orientados pela banca examinadora a redefinir o objeto de
pesquisa, desse modo, após redefinição, percebemos que não seria viável, nesse
momento sua reelaboração. Importante enfatizar que os planos foram desenvolvidos
na perspectiva da reelaboração, contudo a partir do sexto encontro reorganizamos
nosso planejamento tendo em vista a redefinição do objeto, dadas as circunstâncias
de tempo e de disponibilidade das colaboradoras e da própria pesquisa.
Diante do exposto, utilizamos as narrativas de formação, ou seja, as
narrativas construídas, compartilhadas e coletadas a partir dos encontros que foram
registradas na forma de notas nos diários reflexivos e no formato de transcrições,
oriundas de gravações com uso de instrumentos de áudio e registro fotográfico.
Partimos do entendimento, que as participantes ao narrarem suas percepções
tomam do conjunto das suas experiências os seus sentidos. De certa forma, o
conjunto das narrativas vai sendo tecido a partir das partes selecionadas pelos
sujeitos, “[...], pela narrativa organizamos os acontecimentos no tempo, construímos
relações entre eles, damos um lugar e um significado às situações e experiências
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Essas crianças eram assistidas com maior facilidade, pois havia entre os
povos rurais uma cultura de acolher crianças abandonadas ou órfãs como filhos
adotivos ou agregado, afinal, por não haver definição de infância e nem de criança
como um ser peculiar, desde cedo essas crianças eram utilizadas nos trabalhos
agrícolas, muito carentes de mão de obra, bem como em atividades campesinas
outras e prendas domésticas.
No tocante à presença de espaços de educação formal e escolarizada, temos
as incipientes iniciativas de escolarização desenvolvidas pelos jesuítas, as quais
possuíam um caráter dual, pois se baseavam numa clara distinção da educação
destinada aos filhos dos senhores de escravos e aos filhos de colonos e índios.
Como conteúdo de ensino, os jesuítas combinavam a catequese e o ensino das
primeiras letras, além dos hábitos, “boas maneiras” e preceitos morais valorizados
entre os europeus, os costumes, tradições, orações e ritos católicos eram inculcados
com afinco, visto que a cultura indígena era considerada uma cultura inferior, pois se
tratava, segundo os padres, de um povo selvagem.
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as crianças que tinham casa e família ficavam sob os cuidados da própria família e,
por isso, o Estado voltava a sua atenção apenas para as crianças vítimas de
abandono que, de alguma forma, representavam perigo para a sociedade.
A abolição da escravatura, no final do Império, acirra ainda mais o quadro de
miséria, de abandono e de mendicância, pois um povo saía de uma condição de
cativo sem os mínimos meios de manter a subsistência, já que lhe faltava tudo –
identidade, instrução, saúde, moradia, terra, bases materiais para o sustento.
Embora a maior parte da população ainda permanecesse nas áreas rurais, a
urbanização teve um crescimento impulsionado justamente pelo capital resultante
das economias agrárias, capital esse que se manifestava de modo heterogêneo e
desigual nas regiões do Império, o que justifica o crescimento de alguns pontos
específicos do país em detrimento de outros.
Com a abolição da escravatura, o Império deixa de herança para a iminente
República um quadro de maior inchaço dos centros urbanos e, consequentemente,
de mais problemas sociais, especialmente de um maior contingente de crianças
abandonadas.
A Proclamação da República provoca um processo de grande modernização
e industrialização no país. A mão de obra feminina agora é uma realidade constante,
o crescimento populacional nas cidades e a transição de um modelo de família
patriarcal para família nuclear começa a trazer mudanças na concepção de
Educação infantil; com as mulheres fazendo parte do mercado de trabalho, as
crianças não tinham para onde ir nem com quem ficar suscitando mais ainda a
demanda por instituições de Educação Infantil.
Desde o final do Império, com prenúncios do regime republicano, o Brasil
começou a se preocupar um pouco mais com a formação e a educação das
crianças, motivado por um sentimento desenvolvimentista em que a criança era vista
como elemento promissor para a garantia de desenvolvimento, de um futuro de
progresso. A partir da queda do Império brasileiro, no final do século XIX, a
escolarização pautava-se num novo modelo que, numa visão republicana, sentiu-se
a necessidade de que se examinasse e se propusesse “[...] uma escola que
atendesse os ideais que propunham construir uma nova nação baseada em
pressupostos civilizatórios europeizantes que tinha na escolarização do povo iletrado
um de seus pilares de sustentação” (BENCOSTTA, 2005, p. 68).
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Com efeito, nas décadas de 1920 e 1930, as creches surgem como demanda
do próprio processo capitalista, elas significam ambientes de preservação, guarda e
cuidado com as crianças das famílias trabalhadoras. O processo de
institucionalização e assistência da infância surge num movimento híbrido em que se
somam iniciativas empresariais, de políticos e governantes, bem como dos próprios
pais, sobretudo das mulheres. A ação educativa se resumia basicamente à guarda,
higiene, alimentação e aos cuidados físicos da criança. Essa educação de cunho
assistencialista desenvolve uma pedagogia da submissão, cujo objetivo é preparar
os pobres para aceitar a exploração social (KUHLMANN JÚNIOR, 2000).
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pela maioria dos empresários, o que se mantém até os dias atuais. Tal postura nos
parece resultante de um Estado que construiu a história da sua sociedade a partir de
uma visão do povo pobre como empecilhos ao seu projeto de desenvolvimento e de
progresso; numa concepção assistencialista, a presença da creche nos ambientes
de trabalho e nos demais espaços da sociedade era entendida como um benefício
trabalhista para a mulher trabalhadora e não como um direito do trabalhador em
geral, ou mesmo da criança.
Para Kuhlmann Júnior (1998, p. 53), a assistência “era o lugar onde se
pensava cientificamente a política social para os mais pobres, em que se suprimiam
os direitos para se garantir a desobrigação de oferecer os serviços”.
Ao analisar esse espaço de educação assistencialista, o autor explica:
A década de 1980 e 1990 foi marcada por uma nova base conceitual e legal
para a Educação Infantil, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDBEN, Lei de nº 9.394/96. Em 1985, o primeiro governo
eleito, indiretamente, após um período da intervenção militar (1964-1984), decide
que uma nova Constituição Federal precisaria ser elaborada. Desse modo, as
iniciativas não governamentais e as organizações sociais começaram a se mobilizar
com intuito de elaborar propostas e apresentá-las à Assembleia Nacional
Constituinte, dentre as propostas, estavam a garantia dos direitos das crianças.
Assim sendo, a pressão desses movimentos na Assembleia Constituinte
possibilitou a inserção da creche e da pré-escola no sistema educativo ao incluir, na
Constituição Federal de 1988, em seu artigo 208, o inciso IV: “[...] O dever do Estado
para com a educação será efetivado mediante a garantia de oferta de creches e pré-
escolas às crianças de zero a seis anos de idade” (BRASIL, 1988), assegurando o
direito ao atendimento a crianças de zero a seis anos em creches e pré-escolas. A
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rodapé, lei que altera para 5 anos) de idade, complementando a ação da família e da
comunidade (BRASIL, 1996). De acordo com o Ministério da Educação, o tratamento
dos vários aspectos como dimensões do desenvolvimento e não em áreas de ensino
separadas foi fundamental, já que “[...] evidencia a necessidade de se considerar a
criança como um todo, para promover seu desenvolvimento integral e sua inserção
na esfera pública” (BRASIL, 2006, p. 10). Portanto, a nova Lei de Diretrizes e Bases
da Educação ‐ LDBEN, Lei de nº 9.394/96 consolida a inclusão das creches e pré-
escolas no sistema educacional, como a primeira etapa da Educação Básica.
Em meio a essas transformações, verifica-se um grande avanço no que diz
respeito aos direitos da criança pequena, uma vez que a Educação Infantil, além de
ser considerada a primeira etapa da Educação Básica, tornou-se um direito da
criança, tendo o objetivo de proporcionar condições adequadas para o
desenvolvimento do seu bem-estar, tomando por base os vários campos do
desenvolvimento, a saber - físico, motor, emocional, social, intelectual, como
também a ampliação de suas experiências como um todo, integrando
desenvolvimento e aprendizagem, além de pôr em evidência o princípio de
indissociabilidade entre as ações de cuidar e educar.
Podemos observar que a década de 1990 foi marcada por intensas
discussões e estudos sobre a relevância de novas concepções acerca da criança e
da Educação Infantil, resultando na elaboração de um conjunto de documentos
construídos de modo a se pensar a educação de crianças pequenas em espaço
formal e coletivo, na perspectiva de enfrentamento e desafio de elaborar e
estabelecer parâmetros e conhecimentos que deveriam balizar o trabalho
pedagógico dos professores nas creches e pré-escolas, servindo como norteadores
do trabalho das instituições de Educação Infantil.
Dentre os documentos e referências para Educação Infantil, no contexto
específico desta pesquisa, destacamos três que foram analisados pelo grupo de
professoras por se constituírem documentos e leis importantes, no sentido de
orientar o trabalho que esses professores desenvolvem junto às crianças. Assim
sendo, tais documentos oficiais são bases relevantes de formação para a prática
docente e para o planejamento do cotidiano em creches e pré-escola e, por isso,
exerceram forte influência sobre a elaboração do Documento de Planejamento do
Trabalho Pedagógico – documento utilizado pelas docentes para organização do
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planejamento e da rotina das crianças nas duas escolas locus da pesquisa – o qual
serviu como articulador das discussões pautadas nesta pesquisa.
Dentre os documentos postos em análise, além dos citados anteriormente,
temos: 1) Os Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil – RCNEI
(1998) – um documento em três volumes, guia de orientações curriculares traz
elementos para se conceber a dimensão curricular e pedagógica da Educação
Infantil e tem servido como ponto de partida para os municípios elaborarem suas
propostas curriculares e as escolas orientarem suas propostas pedagógicas; 2) os
Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil- 2006 – volumes 1 e 2
– que discutem a qualidade na Educação Infantil de forma abrangente, trazendo
resultados de pesquisas sobre o tema, as competências dos sistemas de ensino em
relação ao compromisso com a qualidade da oferta, chegando a parâmetros de
qualidade a serem atingidos pelas instituições; e 3) As Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil – (DCNEI, 2010) - têm como objetivo orientar as
instituições de Educação Infantil na organização, na articulação, no desenvolvimento
e na avaliação de suas propostas pedagógicas, para que assumam a educação das
crianças em todas as suas dimensões.Tais documentos, apesar de criticados em
relação à sua organização e às suas concepções, dentre outros, explicitam uma
série de saberes necessários para orientar o funcionamento das creches e pré-
escolas e insere a discussão sobre as especificidades da Educação Infantil,
compreendendo esses saberes como determinantes para a qualidade na educação
de crianças, se configurando como importantes para se pensar a Educação Infantil
enquanto primeira etapa da Educação Básica.
Sobre o processo de intensas mudanças ocorridas, Brasil (2010, p. 7) afirma
que:
[...] o campo da Educação Infantil vive um intenso processo de revisão de
concepções sobre educação de crianças em espaços coletivos, e de
seleção e fortalecimento de práticas pedagógicas mediadoras de
aprendizagens e do desenvolvimento das crianças. Em especial, têm se
mostrado prioritárias as discussões sobre como orientar o trabalho junto às
crianças de até três anos em creches e como assegurar práticas junto às
crianças de quatro e cinco anos que prevejam formas de garantir a
continuidade no processo de aprendizagem e desenvolvimento das
crianças, sem antecipação de conteúdos que serão trabalhados no Ensino
Fundamental.
Barbier (2002) ainda destaca que “o ouvinte sensível não julga, não mede,
não compara. Entretanto, ele compreende sem aderir ou se identificar às opiniões
dos outros, ou ao que é dito ou feito.” (BARBIER, 2002, p. 1).
Outro aspecto importante de acordo com o autor é que “a escuta sensível
pressupõe uma inversão da atenção. Antes de situar uma pessoa em “seu lugar”
começa-se por reconhecê-la em “seu ser”, dentro da qualidade de pessoa complexa
dotada de uma liberdade e de uma imaginação criadora.” (BARBIER, 2002, p. 2,
grifos do autor).
Desse modo, pensar a formação em que se proponha a troca de
experiências, a reflexão teoria-prática, bem como a transformação de tais práticas, a
escuta sensível de Barbier (2002) evidencia um potencial como atitude de empatia e
compreensão do outro nos processos formativos. Portanto,
p. 69), “[...] uma conversação reflexiva de um investigador com a sua situação”. Tal
ação reflexiva atua na ressignificação da prática, além disto e, viabiliza a construção
de saberes em ação.
Portanto, a ideia de professor reflexivo surgiu da necessidade de formar
professores que reflitam sobre sua prática, no intuito de modificá-la, melhorando-a
não só em benefício próprio, mas a bem de todos que compõem a comunidade
escolar. “Uma prática reflexiva leva à (re) construção de saberes, atenua a
separação entre teoria e prática e assenta na construção de uma circularidade em
que a teoria ilumina a prática e a prática questiona a teoria” (ALARCÃO, 2005, p.
99).
Em consonância com isso, Pimenta (2009, p. 131) nos diz:
Tardif (2012) afirma que não há como compreender a natureza dos saberes
docentes sem colocá-lo em intima relação com o que os professores são, fazem,
pensam e dizem em seus contextos de trabalho. Nessa perspectiva, de acordo com
o autor o saber está intimamente ligado a situações de trabalho com outros, bem
como situados num espaço ao que fazem e são.
O autor ainda nos adverte para o perigo de incorrermos no “mentalismo” que
concebe o saber relacionado, principalmente, a processos mentais, ou seja, à
atividade cognitiva dos indivíduos. Segundo o autor, não importa em que sentido
concebemos a questão do saber dos professores, contudo não podemos esquecer
sua “natureza social” e que sua construção se dá ao longo da carreira profissional.
Alerta-nos ainda para o perigo do “sociologismo” que, segundo ele, tende a
abolir inteiramente a contribuição dos atores na construção concreta do saber,
abordadando-o como uma produção social em si mesmo e por si mesmo, produção
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particular e, por vezes, similar com que cada uma narra suas experiências e, nesse
percurso, refaz o seu caminho, ressiginifica os seus fazeres e saberes.
Há uma tradição na nossa cultura de formação docente de “retirar o chão” dos
professores, desconsiderando seus saberes, suas práticas e seus fazeres. É como
se houvesse um super formador que dissesse ao professor: - “Esqueça tudo o que
você aprendeu e sabe, pois é um conjunto de equívocos”! Essa postura não
tematiza a prática e não leva em conta que aquilo que o professor constrói é um
conhecimento complexo, um saber que se move e, sobretudo, carrega traços
identitários, pois engloba subjetividades, crenças, valores e condutas, afinal, como
bem coloca Nóvoa (1996), o saber não dispensa a pessoa do professor.
Com efeito, o vocábulo formação precisa ser entendido para além da simples
aquisição de conhecimentos e do desenvolvimento de competências para ensinar. A
escuta sensível, o respeito aos saberes, conhecimentos e práticas dos professores
precisam ser explicados, é necessário compreender que ouvir os docentes é uma
forma de entender o que fazem, como fazem e por que fazem e envolve com
inteireza a pessoa do professor.
Acerca disso, observemos alguns fragmentos de fala das docentes:
“[...] o ponto principal de tudo isso foi a valorização nossa por você, porque
não adianta estar aqui, conversar sem ser levado a sério, digamos.
Entendeu, Iolanda? Então eu acho que você sempre nos valorizou. Sempre
buscou o melhor da gente. E isso é muito importante!”
“[...] na verdade foi assim esse ambiente tão cordial, tão amigável, tão
fraterno que a gente teve durante esse tempo todo. Não só enfocando o seu
papel de coordenar esse trabalho, mas também o de cada uma de vocês,
colegas queridas! As meninas da Paroquial, eu nem conhecia, mas de
repente parece que a gente era de uma unidade só num clima muito bom e
isso também nos faz crescer”. (Bela adormecida)
[...] os sujeitos não são posicionados como objetos silenciosos, mas como
sujeitos confessantes; não em relação a uma verdade sobre si mesmo que
lhes é imposta de fora, mas em relação a uma verdade sobre si mesmos
que eles mesmos devem contribuir ativamente para produzir. (LARROSA,
1994, p.54)
representa para você? Como você avalia a utilização do documento durante esses
dois anos? O que ele possibilitou?
Após a sistematização da construção coletiva, foram apresentados os
consensos dos grupos e, em seguida, procedemos à discussão.
Detemo-nos, nesse momento, à análise das concepções de saberes docentes
das professoras a partir da leitura e da atribuição de sentido às informações.
Selecionamos para as apreciações, as falas mais significativas, sendo esse
momento muito conflitivo, em função de termos que fazer escolhas e recortes
pertinentes, haja vista existirem muitas outras falas e posicionamentos que não
puderam ser aproveitados ao longo do processo, dada a necessidade de
organização, compilação e seleção daquilo que é mais relevante no estudo
empreendido.
Desse modo, compartilhamos nos próximos parágrafos as dissonâncias, os
sentimentos, as reflexões e, sobretudo, os consensos acerca das concepções das
participantes sobre saberes docentes que foram reveladas nesse momento inicial de
formação e pesquisa.
Ao buscar compreender como os processos formativos desenvolvidos , no
contexto de uma pesquisa-formação, articulados ao Documento de Planejamento
Pedagógico podem contribuir para a construção e/ou ressignificação de saberes
docentes de professoras da Educação Infantil, a questão referente aos saberes
docentes tornou-se um dos elementos-chave a ser melhor compreendido pelo grupo
nesse processo.
Com esse entendimento, após as discussões, apresentamos às participantes
nossa afiliação teórica mostrando a partir de qual concepção de saberes docentes
iríamos delinear nosso trabalho com vistas a desencadear situações reflexivas de
construção e ressignificação de saberes, a partir dos contextos e concepções do
grupo de trabalho.
Para tanto, iniciamos um diálogo tendo como foco a concepção de saberes
docentes na ótica de Tardif (2012), o qual define o saber docente como um “saber
plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da
formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais”
(TARDIF, 2012, p. 36).
Não poderíamos desenvolver uma formação tomando como um dos pontos
de análise os saberes docentes sem antes saber o que as participantes sabem,
111
pensam e intuem sobre tais saberes, tampouco sem apresentar a perspectiva dos
saberes que seria utilizada na pesquisa.
Iniciamos uma conversa na qual fomos discorrendo sobre os saberes
docentes, optando pelo uso de uma linguagem bem próxima das concepções das
participantes, a fim de familiarizá-las com o tema e não entrarmos numa linha de
discussão demasiada academicista, temendo distanciá-las ou fazê-las sentirem-se
pouco conhecedoras da temática.
Nesse momento, descobrimos que as professoras não conheciam Tardif,
nunca tinham ouvido falar, tampouco as suas discussões acerca dos saberes
docentes. Desse modo, com o intuito de contribuir para aproximá-las do autor,
elaboramos um quadro síntese com as tipologias de saberes proposta pelo referido
autor (TARDIF, 2004), conforme apêndice B.
É importante ressaltar que a compreensão dos saberes na perspectiva das
professoras se apresenta de outra forma se as compararmos tendo como referência
as discussões travadas nos ambientes acadêmicos, talvez, pela supervalorização
das experiências, fosse necessário trazer as tipologias de saberes. Daí, a
importância de escutá-las. Porque é preciso organizar um cenário formativo, como já
mencionado, em que não se exproprie as professoras de seus saberes, mas que,
sobretudo, as considere e as leve a refletir sobre esses saberes.
Nessa direção, as estratégias formativas utilizadas foram pensadas no
sentido de colocar as participantes em uma relação sujeito-sujeito, diante de seu
saber e seu saber-fazer, de modo que, nessa dinâmica reflexiva e de tomada de
consciência, as participantes dessem início ao processo de construir e ressignificar
seus saberes. Pois entendemos que, ao desconsiderar o que pensam e sabem as
docentes, estaríamos “tirando o chão” das mesmas e todo um conjunto de saberes e
experiências construído anteriormente, e, nesse processo reflexivo de ação, constrói
um saber que se coloca para além dos saberes pedagógicos, curriculares e
disciplinares, ainda que se baseiem neles, supondo, por isso, “[...] ser sujeito da
formação e não objeto dela, mero instrumento maleável e manipulável nas mãos de
outros” (IMBERNÓN, 2010, p.77). Daí a importância de escutar atenta e
sensivelmente as docentes ao longo de toda essa vivência de pesquisa-formação.
A partir dessa lógica, Tardif (2012) afirma “que é impossível compreender a
natureza do saber dos professores sem colocá-lo em íntima relação com o que os
professores, nos espaços de trabalho cotidianos, são, fazem, pensam e dizem”.
112
Anna
Ao pensar em saberes docente eu pensei num primeiro momento, nesse
momento aqui que nós estamos vivendo. Conhecimento nesse momento
aqui que diz tudo. [...] Eu coloquei as palavras conhecimento,
aprendizado e partilha de saberes. Os docentes partilhando e vai ter o
momento em que nós vamos partilhar também, as experiências, a
forma de como melhor aplicar o nosso aprendizado, nosso trabalho e
melhorar toda a nossa prática (grifos nossos).
Dona Baratinha
Bela adormecida
Ao nos debruçarmos sobre as falas das professoras, salta aos olhos o quanto
a experiência, ora denominada de vivência e de partilha ou de prática, tem força de
saber válido e com base no qual elas dão conta de construir um alicerce para levar
adiante a sua ação pedagógica, sempre focando no saber-fazer enquanto tarefa
premente da docência.
Nesse sentido, Tardif (2002) acredita que esses saberes oriundos da
experiência são advindos do trabalho cotidiano e produzidos no conhecimento do
meio, emergindo de experiências/partilhas individuais e coletivas, sob a forma de
habitus “[...] que se manifestam através de um saber-ser e de um saber-fazer
pessoais e profissionais”. Tardif (2002, p. 49).
Entendemos, a partir das discussões e dos argumentos apresentados que, ao
destacarem a importância do saber experiencial, as docentes não estão
necessariamente negando os saberes pedagógicos, disciplinares e curriculares com
114
algumas paradas para refletir sobre o que se planejou, é preciso ver se os caminhos
estão nos levando para o destino pretendido, como diria Schön, é imprescindível
refletir na ação e sobre a ação.
Donald Schön compreende, por meio da observação das práticas
profissionais, que a conversa reflexiva desenvolvida ao longo de toda a ação junto a
outros pares é o centro da reflexão sobre a prática, e tais conversas de cunho
reflexivo podem contribuir para processos de tomada de decisão, nos quais se gera
compreensão e troca de conhecimentos e experiências (DORIGON;
ROMANOWSKY, 2008).
Esse suspender a experiência, como nos diz Dewey, fez com que, na
medida em que as participantes traziam seus posicionamentos em relação ao
documento, o grupo fosse provocado a levantar reflexões e constatações que, de
início, não ocorreram. Primeiro, elaboramos um documento que não serviu de base
de formação para as professoras, mas, por outro lado, estamos realizando o estudo
e avaliação sobre seu uso nesses dois anos. Segundo, ao acompanhar o trabalho
do grupo, nos passou despercebida a necessidade de discutir as demandas
formativas das professoras com elas mesmas.
Tivemos que sair do automatismo da ação para “aprender como pensar bem,
especialmente como adquirir o hábito geral de refletir” (DEWEY, 1959, p. 42).
Porque, como bem coloca o referido autor, demanda-se tempo para o
desenvolvimento do pensamento reflexivo. E o sujeito da experiência é aquele que
se torna capaz de aprender da experiência.
Portanto, de acordo com Dewey (1959, p. 153):
Aprender da experiência’ é fazer uma associação retrospectiva e
prospectiva entre aquilo que fazemos às coisas e àquilo que em
conseqüência essas coisas nos fazem gozar ou sofrer. Em tais condições a
ação torna-se uma tentativa; experimenta-se o mundo para se saber como
ele é; o que se sofrer em consequência torna-se instrução – isto é, a
descoberta das relações entre as coisas.
GRUPO 1:
O documento representa “a sistematização da prática. Unificação da
proposta pedagógica da escola, universalização do acesso a todos os
docentes. Ajuda a por em prática o Projeto Político Pedagógico da escola”.
Avaliamos a utilização durante esses dois anos “[...] de forma bastante
positiva para nossa prática pedagógica é um avanço pedagógico para
prática e sistematiza as propostas do PPP e garante o cumprimento das
diretrizes curriculares”. Ele possibilitou “uma melhor organização do
trabalho escolar, reflexão das práticas diárias e o um direcionamento
maior”.
GRUPO 2:
O documento representa “este documento para nós é de suma
importância. [...] uma orientação, rotina e unificação dos conteúdos,
como também possibilita e colabora com a troca de experiências durante os
momentos de planejamento”. Avaliamos a utilização durante esses dois
anos [...] de suma importância, pois contribuiu com a nossa prática
pedagógica fazendo com que trabalhemos todos os eixos e assim garantir
os conhecimentos as crianças de forma organizada, com uma sequência
que permite a crianças vivenciar diversas situações. Como a colega disse
não estamos mais bitoladas em matemática e português. Ele possibilitou
“organização, planejamento da rotina, aprendizado, flexibilização do
trabalho pedagógico, ressignificação, autoavaliação e sequência do trabalho
pedagógico”.
GRUPO 3:
O documento representa “Organização da rotina e da prática
pedagógica, auxiliando no desenvolvimento das atividades propostas”.
Avaliamos a utilização durante esses dois anos “o documento tem nos
dado suporte. Orienta o nosso trabalho nos fazendo refletir sobre o que
120
Grupo 4:
Nesse olhar de Larrosa, buscamos “olhar devagar”, “falar sobre o que nos
acontece”e, a partir da descrição da pesquisa, mostramos as individualidades
/coletividades e como essas proporcionam uma formação e uma pesquisa
diferenciadas, capazes de atuar como espaço formativo, mobilizador de saberes,
reflexivo e transformador e, sobretudo, um espaço de experiência/vivência.
Um desafio para o grupo, que também teve a primeira experiência com um
processo no qual ao mesmo tempo em que se pesquisa promove-se formação. E,
além disso, propõe um cenário dialógico e de escuta que também é novo para o
grupo, conforme nos falou Masha - “eu nunca fui para uma formação para ninguém
me perguntar o que eu achava”.
Abaixo, trazemos algumas transcrições advindas dos diários reflexivos das
participantes, como informações complementares, quando as docentes refletem
sobre a formação vivenciada, a respeito das visões e impressões iniciais sobre os
processos formativos.
Para a mobilização do pensamento reflexivo acerca das nossas concepções
lançamos as seguintes questões ao grupo: Vocês têm percebido alguma mudança
no trabalho de vocês depois das nossas formações? O que mudou a partir desses
nossos encontros, das nossas conversas e da forma como é desenvolvida a
128
pesquisa? Esses elementos têm feito vocês refletirem sobre o seu trabalho? Como
vocês veem essa formação?
A formação foi anunciada pelas participantes como valiosa no processo de
construir e ressignificar saberes, sobretudo, no que se refere ao planejamento
pedagógico da escola de tempo integral. Além de tornar esse tipo de pesquisa e
formação como um caminho profícuo para minimizar a distância pesquisador-
participante, minimiza também a dicotomia teoria-prática, uma vez que tematiza o
cotidiano e levanta discussões sobre a práxis formativa, a partir do recorte proposto
para estudo.
Anna nos chama a atenção, ao dizer: “[...] nossos encontros nos deram a
oportunidade de trocarmos experiências e ideias sobre o nosso dia a dia em sala de
aula”. Tal expressão parece revelar um sentimento de pertença, identificação com o
grupo, ou seja, conforme colocou Pepa “essa formação é nossa, foi pensada em
nós, professoras da Educação Infantil de tempo Integral”. Como bem colocou Pepa,
uma formação específica direcionada a um grupo específico de professoras, a qual
não dispensou a pessoa do professor no processo de formação e se propôs
“reforçar a pessoa-professor e o professor-pessoa” (NÓVOA, 2001, p. 6).
Nesse sentido, a investigação que realizamos mostrou haver um grupo de
professoras que vêem a formação como uma oportunidade de tomada de
consciência de si, a partir da escuta de si e do outro, como se pode verificar nos
depoimentos abaixo. Como afirma Pepa:
[...] na escola que não dá para a gente discutir, planejar e, até mesmo
conversar com as colegas. Aqui não, a gente tem tempo para, analisar,
refletir. [...] Essa formação foi um despertar para nós, é como se
estivéssemos dormindo. Estávamos precisando desses momentos
para nós refletirmos sobre o nosso trabalho. Considero esses momentos
como um despertar, mesmo. (grifos nossos)
Para Rapunzel:
[...] A gente pensa que não sabe nada, que está errada. [...] aqui a gente
viu, que a gente tem muitos saberes [...] Então esse encontro e essa
formação ajudam a gente a se perceber e que a gente tem que falar,
mesmo com medo (medo de estar errado - risos). Porque a gente tem
saberes e podemos compartilhar também. E que na escola ficamos
isolados e quando temos formações, promovidas pela SEMED, não
discutimos sobre a gente, nem sobre a nossa escola e aqui a gente pode
falar. (grifos nossos)
129
Na escola, essas docentes não têm tempo para falar e nas formações
também não têm espaço. Então em que momentos essas professoras refletem?
Talvez a chave esteja aí - espaço para falar e escutar, por isso a consciência de si, a
partir do parar e refletir. Afinal, as paradas constituem momentos produtivos, posto
que, quando fazem pausas, as professoras pensam com rigor e clareza acerca de
como estão desenvolvendo as ações de ensinagem, como estão preparando os
ambientes, organizando as rotinas, comunicando resultados e fazendo
encaminhamentos.
A falta de tempo pode ser um forte motivo da existência de práticas
ineficientes, o exercício de um “fazer mecânico” pela falta de reflexão, o professor
tende fazer “mais do mesmo”, sem sequer se dar conta de que as coisas não estão
fluindo bem. Acerca disso, Silva (2003, p. 12) reflete:
[...] aqui nós falamos daquilo que nos compete. Daquilo que está ao
nosso alcance, ao passo do nosso trabalho. Então, nada melhor do que
parar, pensar um pouco, analisar e reelaborar esse documento, como
se diz: colocar os pingos nos is, para que o nosso trabalho tenha um
resultado melhor no final. [...] Momento impar, como já foi citado e que aqui
nos fez parar, pensar refletir, analisar, para fazermos a mudança
necessária. (grifos nossos)
[...] esse tipo de formação é interessante porque você está muito perto
e você participa do processo, não é como aquela reunião com um
monte de gente, que chega um professor, um instrutor o que for
“blábláblá” e pronto. Aqui não, é uma coisa assim que toda hora está
pedindo a sua participação, o que você acha disso, o que você acha
daquilo, eu acho que isso funciona muito mais [...] E a realidade da
escola de tempo integral a gente sabe que é muito diferente das outras
escolas porque as crianças ficam em tempo integral. [...] muito bom
porque a gente tem voz e estamos discutindo a nossa escola real, seus
problemas e necessidades. (grifos nossos)
Alice destaca como diferencial o espaço que foi aberto para as participantes,
que segundo ela fez toda a diferença, “a gente teve a oportunidade de ouvir do outro
e também de falar o que nós achamos disso [...] É saber da importância do que eu
faço, do que o outro faz e que isso pode enriquecer o trabalho dos outros”, a referida
professora destaca a importância da interação com o outro e consigo mesma, as
participantes foram desvelando algumas questões nessas relações, que de certa
134
[...] nós nos fazemos o que somos nas relações dialógicas que mantemos
com a alteridade. Sem o outro, não há vozes. Sem o outro, não há ecos. O
sujeito e o outro. Relações dialógicas que não se dão no vazio: são relações
sociohistóricas, sobrecarregadas das condições de seu exercício, estando
os interlocutores condicionados pelo caráter destes encontros que, não
obstante suas determinações, são lugares e tempos de construção de
novas condições. Sujeição e criação concomitantes, porque a dialogia se dá
sobre o estável e sobre o instável da relação com a alteridade. É por isso
que somos, numa voz, muitas vozes.
[...] dão argumentos também para que a gente possa se defender [...]
essas discussões são importantes porque a gente vai falando com e para
o outro e com essas trocas a gente vai percebendo que o problema
não é só na nossa escola que acontece nas outras escolas também.
(grifos nossos)
Então a gente tem que refletir e lutar para que as pessoas comecem a
entender e aceitar as coisas que as crianças fazem, porque elas são
crianças da Educação Infantil e porque agora depois dessa formação,
principalmente, eu digo assim: ó elas são crianças da Educação Infantil.
Eles vão sujar e a gente pode ensinar elas a limpar, manter o ambiente
limpo, mas sujar eles vai sujar! [...] E ai a gente vai tendo mais segurança
porque às vezes a gente fica insegura quando chega uma pessoa, reclama
e diz: ave porque essa sala está tão suja a de fulano não é assim? Então
discutir isso é bom, principalmente, nessa formação porque todos aqui
trabalham com crianças da mesma faixa etária e com as mesmas
condições, não difere muito a realidade de uma escola da outra. (grifos
nossos)
A autora nos alerta que, embora a reflexão na ação e a reflexão sobre a ação,
por razões de sistematização, pareçam processos distintos, não se tratam de
momentos autônomos, porquanto o próprio Donald A. Schön admita que talvez eles
não sejam processos tão distintos.
Noutra vertente, a reflexão sobre a reflexão-na-ação completa esse ciclo de
mobilização de saberes e fazeres dos professores, processo que implica pensar
sobre a reflexão-na-ação passada, na tentativa de consolidar o entendimento de
determinada situação e, desta maneira, possibilitar a busca e a adoção de uma nova
estratégia e novos encaminhamentos.
Para Alarcão (1996), a reflexão sobre a reflexão-na-ação é um processo que
cria condições para que o profissional progrida no seu desenvolvimento e venha a
construir uma forma pessoal de conhecer. “A reflexão sobre a reflexão na acção
ajuda a determinar as nossas acções futuras, a compreender futuros problemas ou a
descobrir novas soluções” (ALARCÃO, 1996, p. 19).
Segundo Freire (2011, p. 38),
140
Os professores não podem nem devem ser encarados pelas redes como
meros executores de pacotes elaborados por especialistas. Da relação teoria-prática
surge um novo conhecimento que reflete as situações reais, contextuais e situadas
dos processos de ensino e aprendizagem. Por isso, não se pode conceber formação
docente como mera instrumentalidade e domínio de bases científicas. Antes, o
docente é alguém que precisa protagonizar sua ação pedagógica e seus processos
formativos.
Tendo em vista o exposto, a formação ora apresentada realizou-se a partir de
um conjunto de estratégias formativas diversificadas, estimulando as professoras a
se inserirem nos problemas que enfrentam, com vistas a compreendê-los de forma
ampla e contextualizada e buscarem no grupo formas de enfrentamento coletivo, um
encaminhamento indispensável num processo que se denomina de “reflexivo”. É
importante dizer que tal proposta formativa e investigativa não se reduziu à
ingenuidade de pensar que todos os problemas são de única responsabilidade do
professor, pois, como pudemos perceber, tais problemas são determinados por
condições históricas e sociais, não restritas à formação e à atuação docente,
intervenientes nos processos de ensino e na organização escolar.
Reiteramos a potencialidade da pesquisa-formação como processo formativo-
reflexivo de professores. Seus desdobramentos nas vivências com o grupo geraram
problematizações, o que só foi possível devido ao fato de as professoras
participarem intensamente do processo com “espírito aberto” em cada encontro do
processo formativo vivenciado, e com o “olhar” sobre suas experiências,
reavaliando-as constantemente e, desse modo construímos, ressignificamos e
desvelamos saberes que, sem um olhar reflexivo e uma escuta sensível, não seriam
evocados, percebidos ou problematizados.
142
Nóvoa (1995, p. 28). nos ajuda a compreender melhor essa ideia, a partir da
seguinte reflexão:
A formação passa pela experiência, pela inovação, pelo ensaio de novos
modos de trabalho pedagógico. A formação docente requer a participação
dos professores em processos reflexivos e não somente informativos. A
148
É o que foi falado aqui a troca de experiências, em geral, foi o que mais se
falou a importância do documento de planejamento também que ajudou a
organizar a escola que é de tempo integral, que é diferente. (Menina
Bonita do Laço de Fita, grifos nossos)
[...] eu percebi que todas falaram sobre o novo olhar para o planejamento
e da importância das trocas de experiências. Falaram também das
reflexões a cada encontro, da rotina de escola de tempo integral que
tem que ser diferente. E outro olhar para as crianças. (Sereia Ariel, grifos
nossos)
“Hoje é diferente quando vou planejar, o meu olhar é outro, sou mais
cuidadosa, não que não fosse (risos), mas a partir do tudo que
vivenciamos aqui agora quando termina o dia eu me questiono: será
que consegui alcançar meus objetivos? Será que o que planejei estava
de acordo com as necessidades das crianças? Será que fiz certo? Será que
cobrei demais das crianças? Eu vou ser sincera, às vezes não dava tanta
importância fazia por fazer como exigência porque a coordenadora poderia
olhar, sabe? Me sentia na obrigação de preencher, mas assim, hoje eu já
vejo de outro jeito. Na hora de planejar, selecionar os recursos é de
outro jeito... Antes era como se fizesse no automático, agora parece
155
[...] melhorou a minha prática passei a ter um olhar melhor. [...] Ajudou a
repensar o meu planejamento para eles e também a minha prática e o olhar
para eles. Hoje já reflito: essa atividade é adequada para eles? Antes
não fazia isso. Então as reflexões e a experiências aqui compartilhadas
me ajudaram a ver a criança como criança. Antes era do meu jeito, hoje
penso no jeito da criança (Dona Baratinha).
expor a sua dificuldade em traçar os objetivos em seu planejamento, nos faz refletir
e pensar em vários elementos, no que se refere à abrangência do planejamento e
aos seus componentes.
Sobre a abrangência do planejamento, Vasconcellos (2000, p. 96) nos ajuda a
refletir, ao assinalar que o “projeto de ensino aprendizagem, que é o planejamento
mais próximo da prática do professor e da sala de aula, diz respeito mais
restritamente ao aspecto didático. Pode ser subdividido em projeto de curso e plano
de aula”.
Mediante as ideias de Vasconcellos (2000) compreendemos a partir do que
foi posto pela professora que a “cisma com os objetivos” parece estar relacionada ao
plano de ensino e seus componentes, mais especificamente no que se refere aos
componentes do plano de aula que parece não estar claro para ela. Noutra direção
Rapunzel enfatiza que:
O que mais se destacou para mim nessa pesquisa, nessa formação, não
sei se isso é importante, mas foi a minha segurança em relação ao meu
trabalho. Eu achava que o que eu fazia não estava certo. Aqui a gente tem
consciência a partir das trocas de experiência, ouvindo os colegas que nós
temos nossos saberes, ampliamos outros, principalmente sobre o
planejamento e utilização do documento de planejamento. O
planejamento é realizado de outra forma. Melhor! (grifos nossos)
A partir das concepções do autor percebemos, com base nas falas das
participantes, essa tomada de consciência que lhes possibilitou esse olhar reflexivo
para o planejamento ao mesmo tempo em que desvelam, constroem e ressignificam
saberes referentes ao planejamento pedagógico. Desse modo, avançam de uma
visão de simples preenchimento de formulário para uma ação pensada, refletida que
se configura como marca de intencionalidade das práticas planejadas e
desenvolvidas junto às crianças.
164
Vale ressaltar ainda, que o referido documento foi organizado tomando como
base as necessidades formativas das crianças, os saberes das docentes, bem como
as referências legais e a nossa experiência em acompanhar tais docentes através
do trabalho de coordenação pedagógica. Da experiência de coordenação
pedagógica e do desejo do grupo em desenvolver um trabalho com foco em
habilidades de aprendizagem e numa rotina estruturante, emergiu a elaboração de
um documento que tem como objetivo central orientar as professoras em seu
trabalho com crianças da Educação Infantil, de modo a sistematizá-lo e lhes permitir
acompanhar o processo pedagógico, imprimido intencionalidade nas práticas
pedagógicas planejadas e desenvolvidas junto às crianças.
Ao longo de toda tecitura de ideias, o valor atribuído ao referido documento,
se evidencia nas narrativas do grupo, de modo a revelar como as professoras o
veem e o que ele representou para o desenvolvimento e planejamento de suas
práticas pedagógicas. Vejamos alguns fragmentos das narrativas de formação e o
que as falas das participantes evidenciaram no tocante ao documento em pauta.
Dora afirma que:
Destaco a importância do documento de planejamento. É um norte,
principalmente para quem nunca trabalhou com Educação Infantil.
Seria interessante que esse trabalho e esse documento fossem estendidos
para a rede para que eles pudessem ter a oportunidade que nós tivemos.
(grifos nossos)
uma escola real, com práticas educativas que não podem ser abarcadas em
totalidade por manuais de didática e pelos demais ramos das ciências da educação.
As professoras trazem nas pistas linguísticas do seu discurso uma ideia de práxis,
posto que demonstram entender que essa ação pautada na intencionalidade, num
pensar sobre, com propósitos, transforma o mundo e ao próprio sujeito.
Esse processo de pensar coletivamente, identificar-se ou negar-se a partir da
narrativa do outro e de situar a experiência como categoria de análise e
recomposição da realidade e constituição de teorias contextualizadas e revisitadas
propõe não somente pensar a prática à luz das teorias, mas, sobremaneira,
constituir teorias com novas roupagens, através de uma rigorosa análise da prática e
das vivências/experiências, o que implica valer-se do conhecimento organizado e
mobilizado na ação e validar a ação como elemento capaz de recompor o
conhecimento organizado.
Essa mobilização de saberes em função de demandas e necessidades reais e
de reflexões colaborativas reatualiza o movimento dialético conhecido como práxis -
processo que consiste no indissolúvel dueto ação-reflexão. “A práxis, porém é
reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo” (FREIRE, 1987, p.
38). É essa percepção da formação como práxis que incita as professoras a
buscarem na coletividade partilhar essas angústias, na certeza de que nas
experiências das demais colegas, no processo de dissecação e ruminação das
ideias podem, de fato, se formarem para um fazer real que as ajudem a construírem-
se e constituírem-se como profissionais e como pessoas.
Acerca disso, reafirmamos que não se pode pensar o professor como alguém
que se forma restritamente para o domínio de destrezas e saberes profissionais,
pois a formação pressupõe identidade, biografia e inteireza da pessoa do professor
nas suas relações profissionais e interpessoais.
Sob a égide desse pensamento, GARCÍA (1999, p. 137) propõe um conceito
de desenvolvimento profissional que tem como imperativo:
Essa rotina deve ser uma proposta educativa que compreenda processo
formativo enquanto um conjunto de ações que cuidam e educam ao mesmo tempo,
sem hierarquizar, pois, cuidados e educação são dimensões interdependentes.
Vejamos o que declararam as participantes sobre a importância dos
processos formativos vivenciados no grupo, no que se refere aos consensos
observados sobre a rotina, categoria pedagógica que emergiu como um tema
recorrente nos vários momentos de fala das professoras.
[...] a rotina ela é muito interessante quando eu cheguei na... (cita o nome
da instituição) nas primeiras semanas eu não consegui fazer com eles eu
disse meu Deus esses meninos não sentam não fazem rodinha, nem
nada depois que eu consegui fazer a rotina com eles eu vi que meu
trabalho começou a andar. (Chapeuzinho Vermelho, grifos nossos)
[...] o que mais marcou foi aquele dia em que você trouxe o vídeo com as
escolas Reggio Emilia e outras escolas diferentes daqui e de outros países.
Aí eu fiquei: meu Deus, como a gente precisa buscar meios de melhorar
a nossa prática na sala de aula, a forma como a gente trabalha, nossa
metodologia! Então eu percebi que a gente precisar estar buscando
novos conhecimentos, novas formas de pensar porque eu nunca tinha
visto uma escola organizada daquele jeito, onde as crianças fazem
coisas que eu não deixaria, por exemplo: utilizar uma faca. (grifos nossos)
A gente precisa buscar mesmo, a todo tempo a gente aqui discutiu coisas
importantes e algumas eu não sabia, mas que passei a conhecer e entendi
que são importantes, sobre o que essas crianças fazem nessas escolas. Aí,
comecei a pensar e relacionar com o que as nossas fazem na escola,
aí percebi que a gente precisa de muitos saberes, mesmo. (grifos
nossos)
183
Bela Adormecida, por sua vez declara “[...] que houve um reforçar da
necessidade de realmente se planejar e se criar uma rotina na sala de aula”.
Anna afirma também que:
docentes, serem construídas como um planejamento viável, com base numa leitura
real da classe e das idiossincrasias da Educação Infantil em Jornada de tempo
integral.
Em meio aos muitos dados trazidos pelas docentes em suas histórias e
narrativas, captamos por meio da escuta sensível uma série de saberes evocados
ou trazidos à consciência na ação dialógica. Pudemos ouvir colocação, tais como:
“A gente não se dava conta dos saberes que tinha”; “O RCNEI quer que o
professor saiba de tudo, é coisa demais que exigem que a gente domine”;
“Não é preciso saber tudo, mas temos ao menos que conhecer os
documentos que se prestam como referências para a Educação Infantil”;
“Pudemos perceber nessas formações que nós, professores da Educação
Infantil, temos saberes específicos como quaisquer outros professores de
outros níveis de ensino”.
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2003.
WEISZ, Telma. O diálogo entre o ensino e aprendizagem. São Paulo: Ática, 2002.
1º ENCONTRO
TEMA:
Apresentação do projeto de pesquisa
OBJETIVOS:
• Apresentar a proposta da pesquisa;
• Elaborar coletivamente o contrato didático;
• Apresentar e discutir coletivamente o cronograma de pesquisa.
DESENVOLVIMENTO:
1º. Momento
2º. Momento
3º. Momento
4º. Momento
Dinâmica Mãozinhas:
Objetivo: Levantar as expectativas do grupo em relação ao tipo de trabalho a ser
realizado e verificar a disponibilidade interna de cada integrante do grupo, em
relação ao trabalho a ser realizado.
Expectativas em relação à pesquisa? Que tipo de contribuição posso oferecer?
211
2º ENCONTRO
TEMAS:
Saberes docentes e Educação Infantil;
Documento de Planejamento do Trabalho Pedagógico.
OBJETIVOS:
• Apresentar proposta de utilização do diário reflexivo;
• Conhecer as concepções das participantes acerca dos saberes docentes na
Educação Infantil;
• Levantar concepções iniciais sobre o Documento de Planejamento do Trabalho
Pedagógico;
• Analisar o Documento de Planejamento do Trabalho Pedagógico.
DESENVOLVIMENTO:
1º Momento
Apresentação da proposta de trabalho.
Dinâmica de grupo - Tempestade de ideias (cada participante terá um minuto para
escrever o que lhe vem à mente sobre saberes docentes);
Distribuir tiras de papel para as participantes escreverem. Em seguida formar um
painel – no centro saberes docentes;
Apresentação e discussão coletiva.
2º Momento
Roda de conversa inicial – gravado e registro escrito.
Apresentação – projeção de imagens em PowerPoint dos principais elementos que
compõem o documento de registro da ação didático-pedagógica.
Questões orientadoras de análise e discussão: O que representa para
você?Como era feito o registro do planejamento antes? Como você avalia a
utilização do documento durante esses dois anos? Os benefícios para as práticas
pedagógicas? Quais saberes são necessários à organização e utilização? O que
precisa ser alterado e/ou modificado? Para você, qual é o objetivo do documento? O
que ele possibilitou? O que acha da organização do documento?
3º Momento
Discussão e construção coletiva.
Diário reflexivo – registrar: Se você fosse reelaborar o documento, como
reestruturaria? Quais saberes são necessários para reestruturá-lo?
AVALIAÇÃO:
O que aprendi sobre saberes docentes? De que forma as estratégias utilizadas e as
discussões me ajudaram a compreender o que são saberes docentes? De que
forma esse encontro me ajudou a pensar sobre a minha formação. Sobre os saberes
docentes? Minha prática? Organização do trabalho pedagógico?
212
3º ENCONTRO
TEMA:
Saberes docentes na Educação Infantil: o que dizem a legislação e documentos
oficiais?
OBJETIVOS:
• Descrever os saberes docentes apontados nas atuais referências nacionais para
a Educação Infantil, bem como na legislação vigente.
DESENVOLVIMENTO:
1º Momento
Apresentação da proposta de trabalho do dia, reflexões e retomada do encontro
anterior.
Diário reflexivo – Leitura reflexiva: Se eu fosse reorganizar o documento, precisaria
de quais saberes? Como reorganizaria?
2º Momento
Minhas considerações gerais sobre a temática;
Apresentação dos documentos oficiais.
3º Momento
Análise dos documentos e discussão em pequenos grupos;
Socialização.
AVALIAÇÃO:
Como esse encontro contribuiu na percepção e construção de saberes docentes
referentes a Educação Infantil? Saberes, organização do trabalho pedagógico, etc.
213
4º ENCONTRO
OBJETIVOS:
• Estabelecer comparações entre teorias do desenvolvimento infantil, pontuando
seus desdobramentos na organização do trabalho docente.
DESENVOLVIMENTO:
1º. Momento
Apresentação da proposta de trabalho do dia, reflexões e retomada do encontro
anterior.
Diário reflexivo – leitura reflexiva
2º. Momento
Minhas considerações gerais sobre a temática.
3º. Momento
Vivência realizada com a psicóloga Laiane Souza - momento interativo;
Temas abordados:
Autoestima e motivação;
Saberes docentes e valorização do professor de Educação Infantil;
Desenvolvimento infantil.
4º. Momento
AVALIAÇÃO:
Refletir sobre a formação. O que ela possibilitou? De que forma contribuiu para sua
formação?
5º ENCONTRO
TEMA:
Teorias do desenvolvimento infantil, saberes docentes e organização do trabalho
pedagógico
OBJETIVOS:
• Estabelecer comparações entre teorias do desenvolvimento infantil, pontuando
seus desdobramentos na organização do trabalho docente e sua reverberação
na construção de saberes dos docentes.
DESENVOLVIMENTO:
1º. Momento
Apresentação da proposta de trabalho do dia e reflexões e retomada do encontro
anterior.
Diário reflexivo – leitura reflexiva.
2º. Momento
Minhas considerações gerais sobre a temática.
Slides: Teorias do desenvolvimento - comparações entre teorias do desenvolvimento
infantil/ Pontuando seus desdobramentos na organização do trabalho docente.
3º. Momento
Análise crítica e discussão dos vídeos: Escolas Reggio Emilia;
Assim se organiza o ambiente (organização do trabalho pedagógico e
desenvolvimento infantil) Série Paralaparacá;
Questões orientadoras para análise: de que forma o conteúdo dos vídeos nos ajuda
a pensar a reelaboração do documento de registro da ação didático-pedagógica?
Qual é a importância das teorias do desenvolvimento para organização do trabalho
pedagógico?
4º. Momento
Sistematização e discussão coletiva.
6º ENCONTRO
TEMA:
Plano de reelaboração do documento de planejamento do trabalho pedagógico.
OBJETIVOS:
• Elaborar junto com as docentes um plano de reelaboração a partir de
proposições coletiva.
DESENVOLVIMENTO:
1º. Momento
Apresentação da proposta de trabalho do dia, reflexões e retomada do encontro
anterior.
Diário reflexivo – leitura reflexiva.
2º. Momento
Minhas considerações gerais sobre a temática.
3º. Momento – Entrevista em dupla – caracterização das participantes
3º. Momento – Dinâmica de grupo: Berlinda – o documento de registro estará na
berlinda para análise e proposições.
4º. Momento
Plano de reelaboração do documento – levantamento dos elementos a serem
alterados, acrescentados e/ou retirados do documento.
AVALIAÇÃO:
Avaliar seus conhecimentos- antes e depois da formação. O que ela representou
para sua formação pessoal e profissional?
216
7º ENCONTRO
TEMA:
Saberes construídos, ressignificados e/ou ampliados a partir dos processos da
pesquisa-formação.
OBJETIVOS:
• Sistematizar as informações relativas aos saberes docentes construídos e/ou
ressignificados a partir dos processos formativos da pesquisa-formação.
DESENVOLVIMENTO:
1º Momento
Apresentação da proposta de trabalho do dia, reflexões e retomada do processo
formativo vivenciado pelo grupo.
1ª PARTE
Questões orientadoras da discussão:
1. Como foi o processo da pesquisa-formação? O que mais se destacou?
2. O que foi dificuldade? O que aprenderam?
3. Que saberes vi no processo formativo que ainda não sabia? O que sabia que foi
ressignificado?
4. Que saberes levo para o meu saber-fazer docente?
5. Como esses saberes podem contribuir para a reformulação do documento de
planejamento?
6. Como esses saberes emergentes das proposições coletivas, refletem na
reelaboração do documento de planejamento? Como os processos formativos
contribuíram na construção, ressignificação e/ou ampliação dos seus saberes?
2ª PARTE
• Retrospectiva da pesquisa feita pela pesquisadora;
• Apresentação de uma síntese da formação e impressões da pesquisadora.
3ª PARTE
• Consenso e validação dos resultados a partir das colocações do grupo (
pesquisadora e professoras).
Encerramento
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Saber docente
SABER DEFINIÇÃO
Saberes da Formação Conjunto de saberes que, baseados nas ciências e na
Profissional erudição, são transmitidos aos professores durante o
processo de formação inicial e/ou continuada. Também se
constituem o conjunto dos saberes da formação profissional
os conhecimentos pedagógicos relacionados às técnicas e
métodos de ensino (saber-fazer), legitimados cientificamente
e igualmente transmitidos aos professores ao longo do seu
processo de formação.
Saberes Disciplinares São os saberes reconhecidos e identificados como
pertencentes aos diferentes campos do conhecimento
(linguagem, ciências exatas, ciências humanas, ciências
biológicas, etc.). Esses saberes, produzidos e acumulados
pela sociedade ao longo da história da humanidade, são
administrados pela comunidade científica e o acesso a eles
deve ser possibilitado por meio das instituições educacionais.
________________________________ ___________________________________
Assinatura da participante Assinatura do pesquisador
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