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PSICOLOGIA NO CONTEXTO ESCOLAR: UMA EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO

EXTRACURRICULAR EM ESCOLAS MUNICIPAIS DE JUAZEIRO-BA

Euristela Barreto Sodré


Marcelo Silva de Souza Ribeiro

O presente relatório é resultante de seis meses de vivência em duas escolas


municipais de Juazeiro. Estas estavam inscritas no setor intitulado Núcleo de
Atendimento Psicossocial, que receberam estagiários do Curso de Psicologia em
2014. Tal setor têm em seu quadro dois psicólogos, dentre as funções coordenar o
grupo de estagiários. Os psicólogos nos apresentaram as propostas de ações a
serem realizadas durante o estágio que envolvia três eixos: articulação de rede,
atendimento psicopedagógico e formação. Porém, deixando aberto aos estagiários
sugerirem outra intervenção que achassem necessário, uma vez que, é estando in
loco que começa a se perceber as suas demandas.

Juazeiro é uma cidade do interior da Bahia, que, de acordo o censo


demográfico de 2010 conta com uma população de 197.965 habitantes. A respeito
do número de Escolas Ensino Fundamental da rede pública municipal há 94, tendo
sido registrado em 2015 22.661 matriculas no ensino fundamental e 4.665 no pré-
escolar. (IBGE, 2010). Não há psicólogo em cada instituição escolar, todavia a rede
de educação conta com apenas dois psicólogos. Então, discentes de psicologia são
convidados a participar da equipe como estagiários, no sentido de dar suporte às
escolas que, vem apresentando muitas demandas para a secretaria.

O convite para o estágio e inserção na instituição se apresentaram como


oportunidade desafiadora, motivadora e cheia de curiosidades. A estagiaria é
recebida como aquela que iria compor a equipe e poder ajudar aos professores a
pensar saídas para diversas dificuldades que surgissem no cotidiano escolar e que
vinha preocupando aos profissionais.

O encontro inicial com os professores foi um espaço de diálogo muito rico, no


qual os professores expuseram suas angústias. Era o momento de levantar as
queixas e identificar as demandas. Em tempo, foram feitas provocações sobre alguns
discursos emergidos, mas sem alongar uma vez que não seria a oportunidade de

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trabalhá-los. Todavia, mesmo uma conversa em caráter de entrevista coletiva é
acabou se tornando um momento interventivo quando se permite ao grupo repensar
sobre as questões levantadas ao longo da conversa.

Em relação às queixas, logo no início, foi apresentada à estagiária uma grande


lista de casos de alunos com “problemas de aprendizagem” e comportamento. O que
as professoras queriam é que a estagiária (talvez vista como profissional) pudesse
identificar a natureza das dificuldades dos alunos para saná-las. Esse era o maior
desafio: o discurso que chegava, o tipo de solicitação e expectativa. Como ajudar as
professoras a repensarem esses conceitos? A problemática social e familiar -
fenômenos que vem fugindo do alcance das paredes escolares – são trazidas de
forma predominante como principais fatores comprometedores da aprendizagem.
Todas as necessidades e angústias das professoras e da gestão eram legítimas, mas
era preciso estabelecer limites.

Casos especiais convocaram a muitas leituras. Um desses, foi a de F (13


anos), que motivou a conversas com colegas e professores a fim de pensar num meio
de compreender o jeito de existir dessa adolescente. Seria a hipótese da síndrome
que foi lido no artigo? Mas não caberia uma melhor averiguação? De todo jeito, as
professoras contavam com a estagiária para tal tarefa. No transcurso do estágio, uma
colega de faculdade foi convidada para falar da possível síndrome, a mesma
sugerindo outra possibilidade o que pode orientar professoras e mãe.

As queixas que as professoras traziam eram registradas e, a cada aula na


universidade essas falas eram ecoadas, na busca de localizar na teoria o que diziam
sobre aquela instituição, os alunos, os casos, as queixas. Mas muito a teoria não
responde, sugere. É o olhar do profissional, a escuta quem auxiliará muito no
entendimento das questões e porem com boa doesse de fundamentado teórico

Era notável a necessidade dos profissionais em relação a espaços de diálogo


para conversar mais sobre suas inúmeras dúvidas. O workshop promovido no
auditório da Secretaria de Educação foi um desses momentos exemplo da oficina “o
Sentido do Trabalho”, oportunizou aos profissionais um momento de
autoconhecimento e simbolização da sua relação com o ser- professor. A roda de
conversa “Rede de Atenção a Saúde” permitiu a todos pensarem como pode ser feita
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a articulação com a Assistência Social e a Saúde. Tais oficinas tinha o propósito de
promover espaço de discussão, formação e acolhimento e, assim, disseminando a
ideia que o psicólogo não resolve as sozinho, mas em trabalho com equipe escolar.
Nessas condições, percebeu-se que a escola precisava se ocupar de si mesmo e
proporcionar encontros de reflexão auxiliados ou não por outros profissionais para
compreender e aprender a conviver e lidar com as questões que lhes preocupavam.

Compreende-se que o psicólogo não resolve as coisas sozinho numa sala


isolado, pois muito do que se pensa sobre os alunos e os problemas advindos deles,
podem ser compreendidos na relação deles com a escola, como o professor, com o
colega. Nem toda forma de comportamento que se expressa na escola se origina,
necessariamente, no âmbito familiar. Atentando para as diversas críticas que são
tecidas sobre a psicologia escolar/educacional cuja ação tem sido fundamentadas na
patologização dos problemas escolares, culpando o aluno e obscurecendo práticas
transformadoras (Nunes, Alves, Ramalho e Aquino, 2014). Ou seja, o contexto
escolar como lugar de relações sociais - e estas atravessam o processo de
aprendizagem forma – podem configurar bons vínculos como também produzir
sofrimento psíquico. Cabendo, pois descentralizar da criança o foco das suas
dificuldades.

As conversas breves que ocorriam nos corredores da escola, na porta da sala


com as professoras e gestão tinham a intenção de serem interventivas, sobretudo
quando algumas perguntas eram devolvidas a elas mesmas. Todavia, algumas
hipóteses eram levantadas juntas e cabia também algumas ponderações. Espera-se
ter sido provocadora e colaborativa nesses pequenos encontros. Foi notório que há
muito o que compreender sobre a atuação do psicólogo escolar/educacional, o que
lhe é possível fazer, bem como e quais seus limites. Por sinal, havia a expectativa
que o trabalho do psicólogo fosse prioritariamente o psicodiagnóstico. A ideia de
pobreza, anormalidade predominam na formulação das queixas escolares, e
enxerga-se na classificação patológica um caminho de lapidação do diagnostico para
definir melhor o que a criança tem. (MACHADO, 2000). Reconhece-se aí a
necessidade de psicólogo inserido nas escolas, atuando de forma ampliada e
mostrando sua função social, para além do uso dos testes.

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Uma situação ocorrida na escola J.P chamou atenção foi ver o grande número
de crianças indicadas para conselho de classe, incluindo aquelas que se
encontravam no início do processo de letramento. Tais escolares estavam elencados
ou por problema de aprendizagem ou por indisciplina. Conforme Proença (1997, p.
25) “o encaminhamento de crianças que se encontra no início do processo de
alfabetização pode caracterizar a existência de um conjunto de expectativas
escolares em relação ao aluno ingressante”. E que era algo claro no discurso dos
professores a intensa preocupação que a criança em determinada idade deveria
compreender certos descritores. Não que isso não fosse a função da escola, mas
percebia o quanto isso estava se tornando um entrave no cotidiano pedagógico.

Buscou-se, portanto, aproximar de alguns alunos a quem foi solicitada auxílio.


É deveras complicado realizar intervenções que visem minimizar as dificuldades dos
alunos em tão pouco espaço de tempo, porque requer planejamento para um trabalho
longo, o que inclui os professores nesse processo. O presente estágio não
comportava a resolutividade de toda a ansiedade das professoras, visto que a
configuração do estágio não daria conta, bem como as limitações de ser uma
estagiária. Percebeu-se que intervenções coletivas, trabalho com grupos, eram ser
mais produtivos.

Os relatos trazidos pela coordenadora da Escola J.P – e sua expressão de


satisfação – sobre os eventos festivos desenvolvidos dentro da instituição,
apontaram terem sido esses momentos uma oportunidade de estreitamento do
vínculo entre os membros dessa comunidade escolar. Tal observação foi levada para
o último encontro com os professores, em ambas escolas, como forma de valorizar
o que eles faziam, bem como ter sido uma forma de devolver a eles uma percepção
que acreditava ser uma ideia colaborativa.

Um evento presenciado em uma das escolas foi a comemoração do dia das


crianças, isso fez refletir que, quando a criança vai para escola e encontra muita
pipoca, palhaço, pula-pula, filme, jogos, abraços, risadas, correria, pega- pega ela se
sente compreendida no seu modo de funcionamento. E isso é para além do
pedagógico, é da ordem do humano, do sentir, do viver. Por que não investir mais
nesses encontros? E assim mostrando as crianças que a escola é lugar de brincar é

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o espaço delas e para elas. Assim, a relação da criança com a escola se torna bem
melhor. É preciso estar relembrando a maneira crianças agem perante o mundo.
Aquino (1998) questiona o discurso de que o sucesso da criança se deve a pratica
pedagógica, mas o insucesso daquela é resultante de outras instâncias. Isso leva a
refletir sobre a necessidade de ampliar o olhar sobre os escolares, pensando sobre
em que bases se inscrevem seu fracasso e seu sucesso. Valorizando as
potencialidades das crianças e adolescentes bem como reconhecendo as limitações
institucionais.

Ao final do ano letivo foi feito um encontro com os professores do turno


matutino em ambas escolas para o qual foi convidada a participar a psicóloga que
atua pelo Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) naquele bairro. Foi um
encontro profícuo, muitos conteúdos emergiram ali e foram bem coordenados pela
psicóloga. De igual modo, muitos esclarecimentos foram feitos. Aos poucos foi
ficando mais claro o quanto a equipe profissional precisava se dedicar as suas
questões que não são contempladas pelas formações que recebem.

Em suma, dentre as inúmeras vivências ao longo desses seis meses em duas


instituições educacionais, por mais difícil que seja traçar a rotina segue aqui as
principais afetações. Estar na escola é sentir em casa, um lugar onde originam as
infinitas inquietações sobre a educação que perseguem desde os primeiros anos de
docência na educação básica. Só que agora a inserção na escola se dá sob outra
perspectiva: a da psicologia. Tal olhar foi possibilitado pelos estudos realizados, mas
também com importantes intervenções/provocações e acolhimento tanto da
coordenação do projeto quanto do supervisor da universidade. Ambos
proporcionaram, durante as conversas, um encontro da própria estagiária
atravessada pelas afetações emergidas em razão da relação com o cotidiano
daquelas escolas. É importante destacar a relevância das reuniões formais e
informais com os colegas estagiários que foram de grande valia para nesse processo.

Muito do que estuda durante a graduação surgiu no contexto pratico como


uma orientação. E é muito bom, saber que apesar do distanciamento teoria e prática
há possibilidade sim, mas para intervir efetivamente necessita de fato de um
profissional dedicado á escola. Todavia, ainda com um estágio foi possível perceber

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alguns avanços. Mas também foi possível sistematizar a situação de algumas
crianças, realizar orientações e encaminhamento para melhor acompanhamento
profissional. Tudo isso traz satisfação de que algo foi possível fazer, mas não
abandonando o sentimento de angústia diante da quantidade de solicitações que
ficaram no ar, mas que não seria possível acolher. O estágio foi encerrado com muitas
inquietações e pensamentos sobre a atuação do psicólogo nesse contexto. De
quantas teorias e campos de conhecimento lhe são cabíveis naquele contexto
independente da abordagem teórica? É preciso, e ainda há tempo de aproveitar mais
a graduação no sentido de lembrar, constantemente, o que ocorre fora da
universidade e o que precisa ser trazido para o debate acadêmico e, portanto, serem
os conteúdos ali estudados de grande valia para a sociedade. Assim, sendo
profissionais das ciências humanas e da saúde há necessidade de uma atuação
política que vise uma melhor qualidade de vida e o bem-estar do outro.

REFERÊNCIAS:

AQUINO, Júlio Groppa. A indisciplina e a escola atual. Revista da Faculdade de


Educação. [online]. 1998, vol.24, n.2, pp. 181-204. ISSN 0102-2555. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-25551998000200011

IBGE, 2010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Ibgecidades. Disponivel


em

http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=291840&search

=bahia|juazeiroAcesso em 07 de ago. 2016.

MACHADO, Adriana Marcondes. Avaliação Psicológica na Educação: Mudanças


Necessárias. In: TANHAMACHI, E.de R.; PROENÇA, M.; ROCHA, M. L. da;

Psicologia e Educação: desafios teórico-práticos. São Paulo: Casa do Psicólogo,


2000

NUNES, Laísy de Lima, ALVES Simone Salvino & AQUINO, Fabíola de Sousa Braz.
Contribuições da perspectiva crítica de base histórico-cultural para a produção
científica em psicologia educacional. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.40, n. 3,
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<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-
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PROENÇA, Marilene. A queixa escolar e o predomínio de uma visão de mundo. In.


Machado A.M.; Souza, M. P. R. (Eds.) Psicologia Escolar em Busca de Novos
Rumos. 4ª ed. São Paulo: Casa do Psicólogo: 2004.
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