Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
língua portuguesa
contribuições para
a prática pedagógica
Beth Marcuschi
Lívia Suassuna
(orgs.)
Beth Marcuschi e
Lívia Suassuna
1ª edição
1ª reimpressão
Copyright © 2006 by Os autores
Capa
Victor Bittow
Editoração eletrônica
Waldênia Alvarenga Santos Ataíde
Revisão
Lívia Suassuna
2007
Todos os direitos reservados ao MEC e UFPE/CEEL.
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por
meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica sem a
autorização prévia do MEC e UFPE/CEEL.
CEEL
Avenida Acadêmico Hélio Ramos, sn. Cidade Universitária.
Recife – Pernambuco – CEP 50670-901
Centro de Educação – Sala 100.
Tel. (81) 2126-8921
SUMÁRIO
Apresentação ................................................................................... 7
7
sobre a estreita relação que há entre avaliação e organização curricu-
lar, levantando pontos a respeito do sistema de ciclos; as autoras
finalizam seu texto comentando importantes aspectos da avaliação
para os processos de letramento e alfabetização.
Em seguida, vem o capítulo de autoria de Lívia Suassuna. Nele,
pretendeu-se apresentar os paradigmas de avaliação, numa perspec-
tiva histórica que aprofunda o que já havia sido posto no capítulo 1.
O percurso traçado pela autora vai dos primeiros momentos da insti-
tucionalização da avaliação enquanto área de pesquisa e atuação
científico-acadêmica, passando pelos questionamentos feitos aos
modelos classificatórios e excludentes, até chegar ao que se pode
considerar hoje o paradigma emergente, caracterizado, principalmen-
te, pelo seu aspecto processual e formador.
O capítulo 3 trata da avaliação da compreensão leitora. A autora,
Normanda Beserra, começa discorrendo sobre texto e aspectos da
textualidade, para, na seqüência, colocar o tema da avaliação da leitu-
ra propriamente dito; desdobrando a discussão, responde a duas
questões fundamentais: o que deve ser avaliado em leitura e como
avaliar a leitura. E o faz com exemplos que, de um lado, mostram os
limites do trabalho com a compreensão leitora na escola quando o
texto é entendido estritamente como um somatório de palavras e fra-
ses, e, de outro, ilustram a riqueza dos múltiplos sentidos da lingua-
gem quando entendida como discurso.
No capítulo 4, Beth Marcuschi – que vem-se dedicando ultima-
mente ao tema da avaliação educacional e da aprendizagem e tem
produzido vários estudos sobre como ensinar/avaliar a escrita na
escola – também parte de uma visão discursiva de linguagem. Ela
começa seu texto fazendo a contextualização do tema e, para isso,
retoma uma categorização feita em estudo anterior para bem caracte-
rizar o texto escolar e suas condições de produção. No item seguinte,
intitulado Práticas de avaliação de redações, disserta sobre como
avaliar textos de alunos (para o que se valeu de memórias de profes-
soras e exemplares de redações com registros de avaliação) e, por fim,
aponta um caminho para se entender e vivenciar o processo de ensino-
aprendizagem da produção escrita.
8
Superando os obstáculos de avaliar a oralidade é o capítulo 5.
Temos aqui o estudo de Cristina Teixeira V. de Melo e Marianne C. B.
Cavalcante, que trazem um tema de grande relevância no ensino da
língua portuguesa, que é o lugar que nele ocupa a oralidade. As
autoras discorrem sobre questões precisas em torno do tema, entre
elas: O oral é ensinável? Se sim, o que e como ensinar? Se sim, como
pode ser avaliado? A importância das questões tratadas está em que,
primeiramente, pode parecer paradoxal que ensinemos os falantes a
falarem; em segundo lugar – e esta é uma polêmica presente no coti-
diano de qualquer professor da área –, é preciso ter clareza de como
avaliar a linguagem oral dos nossos alunos no contexto da diversida-
de lingüística. Ademais, o capítulo é enriquecido com exemplos de
análises de diferentes gêneros orais.
O próximo capítulo é de autoria de Márcia Mendonça, que se
encarregou, nesta coletânea, de discutir o tema da análise lingüística
enquanto um dos eixos estruturantes do ensino da língua portugue-
sa na atualidade, ao lado da leitura e da produção de textos. Márcia
procurou, inicialmente, esclarecer o que se denomina análise lingüís-
tica, mostrando que esta não se confunde com um mero estudo gra-
matical nos moldes clássicos, ainda que realizada a partir de textos. O
capítulo foi organizado a partir de uma análise contrastiva entre os
objetivos, os conteúdos e as formas de avaliação do ensino gramati-
cal e da análise lingüística; contém, ainda, uma discussão sobre a
análise lingüística na alfabetização e uma outra a respeito da prática
escolar de análise lingüística em sua relação com a norma-padrão
(tópico indispensável, assim como ocorreu no capítulo anterior, quan-
do se reconhece a variação lingüística como um fenômeno dos mais
característicos da linguagem humana).
A autora do capítulo 2, Lívia Suassuna, retorna no capítulo 7,
quando, depois de comentadas as práticas de avaliação em leitura,
produção de textos escritos, oralidade e análise lingüística, fala dos
instrumentos de avaliação. Após considerações gerais sobre essa
importante parte constitutiva da prática avaliativa, cita e comenta
diferentes exemplos de instrumentos de avaliação em língua portu-
guesa (exemplos esses oriundos de processos de formação, de livros
9
didáticos e de exercícios, provas e testes), relacionando-os com as
correspondentes concepções de linguagem, aprendizagem, ensino e
avaliação.
Nosso livro é encerrado com o estudo de Eliana Borges de Albu-
querque e Artur Gomes de Morais, os quais, aproveitando sua vasta
experiência e produção na área de alfabetização/letramento, desen-
volveram um texto em que três perguntas básicas são formuladas e
respondidas: O que avaliar? Como avaliar? Para que avaliar? Desta-
camos que a originalidade do estudo se deve ao fato de que os auto-
res, depois de uma contextualização histórica e da apresentação da
polêmica atual que envolve a alfabetização (métodos fônicos x méto-
dos construtivistas), fizeram um paralelo entre os procedimentos “tra-
dicionais” e aqueles considerados “construtivistas”, mostrando a
diferença de perspectiva conceitual e metodológica entre ambos.
Por último, gostaríamos de ressaltar que este livro resulta, tam-
bém, de um curso de extensão oferecido pelo CEEL, no âmbito de
suas ações institucionais, a professores de redes públicas de ensino
de Pernambuco (Estado e Municípios), que muito contribuíram com
suas questões, dúvidas, soluções, depoimentos, histórias. A todos
eles, nosso muito obrigado. Ainda dentro desse espírito coletivo,
destacamos o processo de construção desta obra, que chega ao pú-
blico leitor após uma contínua conversa entre os autores, que escre-
viam e se liam e se reliam e se ajudavam (e também polemizavam!).
Junto com nossas esperanças de construção processual de uma
avaliação que garanta aos nossos alunos o direito de aprender mais
(entre muitas coisas) a sua língua materna, desejamos a todos uma
boa leitura.
As organizadoras.
Recife, 15 de março de 2006.
10
C APÍTULO 1
1
Irlânia do Nascimento Silva e Aline Gabriela Santos colaboraram com a feitura
deste trabalho, realizando as entrevistas com os professores citados.
11
Também, ao longo da história, diversos eventos importantes
são exemplares de momentos de atribuição de valores a determinadas
ações humanas. Vários acordos e atitudes pensados estrategicamen-
te resultaram de avaliações sistemáticas sobre a conjuntura social e
alteraram os rumos de muitos povos, evidenciando as relações intrín-
secas entre avaliação e mudanças sociais.
Uma das principais dimensões da avaliação é a de promover a
construção do conhecimento, pois, na vida ordinária, em diferentes
momentos históricos, o processo de valoração humana tem favoreci-
do reflexões para se buscar novos caminhos e novas explicações
para os fenômenos sociais e da natureza.
Na escola, a dimensão avaliativa da construção do conhecimen-
to é ainda mais importante. E é em função dela que avaliamos cons-
tantemente nossos alunos, seja de forma sistemática e planejada,
elaborando instrumentos de avaliação e formas de registro; seja de
forma assistemática, quando observamos nossos alunos e comenta-
mos sobre o quanto eles têm avançado ou sobre os tipos de dificul-
dades que apresentam. É sobre as especificidades da avaliação no
contexto escolar que conduziremos nossas próximas discussões.
2
Nesse período os professores eram, geralmente, religiosos que tinham objetivos
de impor disciplina aos alunos.
12
Em outro momento histórico, no mundo moderno, a idéia era a
de que a escola teria que dar conta do conhecimento de maneira
objetiva. Nessa época, a escola deixava de ser domínio apenas dos
religiosos e era orientada pela difusão dos valores iluministas3. As-
sim como a produção do conhecimento científico que se desenvolvia
no final do século XIX e início do século XX, com base nos princípios
do positivismo, a escola também não escapava do rigor da ciência.
Nos manuais destinados aos professores, eram valorizados os con-
teúdos que podiam ser avaliados de maneira objetiva. Assim, a avali-
ação passou a fazer parte, mais sistematicamente, da cultura escolar.
Ballester et al. (2003), refletindo sobre tal questão, destacam
que, naquela época, a avaliação consistia quase que exclusivamente
em medir os resultados finais de aprendizagem. Desse modo, pode-
mos dizer que, na cultura escolar, era dada maior importância à certifi-
cação das aprendizagens e à seleção dos estudantes do que à análise
e à busca de soluções para os problemas de aprendizagem. A esse
respeito, Depresbiteris (1997) também salienta que as pesquisas so-
bre a avaliação, que se multiplicaram nessa época, eram voltadas, na
maioria das vezes, para uma concepção de ensino que resultava em
um interesse exacerbado na nota, na seleção e exclusão, sem que
houvesse uma reflexão que favorecesse mudanças e melhorias na
prática pedagógica e na própria avaliação.
Já em meados do século passado, algumas mudanças começaram
a ser introduzidas no campo educacional. Os educadores deixaram de
se preocupar apenas com a medição objetiva do rendimento escolar,
passando a refletir sobre os objetivos educacionais e a julgar se tais
objetivos estavam sendo atingidos.
A partir de tais mudanças, observamos, atualmente, em discur-
sos de educadores, uma tendência a valorizar uma avaliação mais
3
Os valores iluministas referem-se ao período do pensamento europeu caracte-
rizado pela ênfase na experiência e na razão, pela desconfiança em relação à
religião e pelo ideal de sociedade liberal, democrática e secular. Esses valores
influenciaram muitas sociedades, que passaram a ver na educação laica e demo-
crática o caminho para o desenvolvimento social.
13
formativa4. Nessa perspectiva, a avaliação é pensada como estraté-
gia para regular e adaptar a prática pedagógica às necessidades dos
alunos, mais do que propriamente medir os seus resultados finais.
Ballester et al. (2003, p.18) afirmam que, com base em uma concep-
ção construtivista de ensino, “dá-se prioridade à análise das tarefas
que realizarão os estudantes, determina-se sua estrutura, sua com-
plexidade, seu grau de dificuldade, assim como os pré-requisitos,
ou conhecimentos já adquiridos, necessários para assimilar novas
aprendizagens”.
Dentro dessa perspectiva, propõe-se que a avaliação seja um eixo
central de qualquer proposta pedagógica e que seja pensada a partir de
suas múltiplas finalidades. Precisamos, então, reconhecer que:
4
Nos capítulos 2 e 3 tal tema será aprofundado, através de reflexões sobre as
diferentes concepções de avaliação e os instrumentos de avaliação usados no
cotidiano escolar.
14
Partindo desses pressupostos, torna-se também indispensável
reconhecer que a avaliação está intrinsecamente ligada aos modos de
organização da escola e à estrutura curricular. Sobre tal tema, discuti-
remos a seguir.
5
Escola Média era a denominação desse nível de ensino, que, atualmente, corres-
ponde ao Ensino Fundamental II.
6
Autores que tratam da questão: Otaíza Romanelli; Maria Lúcia Aranha, Paulo
Ghiraldelli Jr., entre outros.
15
nossa sociedade. Na verdade, dentro do regime seriado temos uma
clara separação entre os alunos provenientes dos grupos socioeco-
nomicamente privilegiados, que progridem de uma série para outra
sem grandes atropelos, e os alunos provenientes de grupos sociais
de baixa renda, que freqüentam as escolas públicas, e que sofrem os
mecanismos das reprovações sucessivas e da evasão escolar de modo
a não concluírem, na maioria das vezes, o grau escolar almejado.
Com isso, destacamos a complexidade dessa discussão e evi-
denciamos que a não-aprendizagem do que se espera na escola é uma
conseqüência tanto das condições concretas de vida dos alunos e de
suas famílias, quanto dos modos de se conduzir o ensino e a aprendi-
zagem na escola. Nesse bojo, encontramos os processos avaliativos,
que, como vimos discutindo, estão intrinsecamente articulados às
concepções sobre ensino e sobre o papel da escola.
Em uma perspectiva meramente classificatória de avaliação, é
papel da escola “ensinar” e avaliar se os alunos conseguiram apren-
der. O baixo rendimento dos alunos leva necessariamente à reprova-
ção escolar. Nesse sentido, o estudante é responsabilizado pela re-
provação, seja porque ele não está “maduro” o suficiente, seja porque
ele tem “problemas de aprendizagem”, seja porque ele “não estuda”.
Na verdade, apenas ele é avaliado.
Em uma perspectiva formativa de avaliação, é papel da escola
ensinar, favorecendo, por meio de diferentes estratégias, oportunida-
des de aprendizagem, e avaliar se tais estratégias estão de fato sendo
adequadas. Assim, aluno, professor, escola e família são avaliados (o
aluno: se está se engajando no processo, se está se esforçando para
participar das atividades, se está fazendo as tarefas propostas; o pro-
fessor: se está adotando boas estratégias didáticas, se utiliza recursos
didáticos adequados, se mantém boa relação com os alunos, se está
adotando formas de avaliação coerentes com a proposta pedagógica
da escola; a escola: se dispõe de espaço adequado, se administra ade-
quadamente os conflitos, se dá apoio ao professor para resolver os
problemas de ensino e de aprendizagem, se oferece oportunidades
para os professores discutirem sobre as dificuldades; a família: se
16
garante a freqüência escolar dos alunos, se incentiva os alunos a par-
ticipar das atividades escolares; dentre outras dimensões) e os resulta-
dos são repensados globalmente, de modo a envolver toda a comuni-
dade na decisão sobre o que fazer para que a aprendizagem ocorra.
Assim, o baixo rendimento do aluno é analisado para que as
soluções sejam discutidas: “mudar as estratégias didáticas?”; “pro-
porcionar maior tempo para que a aprendizagem ocorra?”; “possibili-
tar atendimento individualizado?”; “garantir a presença do aluno em
sala de aula, no caso dos alunos faltosos?”.
Essas preocupações começaram a aparecer de forma mais reinci-
dente em propostas de organização curricular de regimes ciclados, o
que levou muitos educadores a ligarem tal concepção de avaliação à
escolha por esse tipo de regime, pois, como diz Perrenoud (2004), as
mudanças apontam para uma reestruturação nas práticas e na organi-
zação da formação do aluno e do trabalho escolar, promovendo uma
ruptura na qual o professor passa a prestar contas do seu trabalho
aos alunos, aos pais e aos colegas da escola.
No Brasil, a implantação da organização curricular por ciclos
surgiu paralelamente a uma necessidade de eliminar o gargalo na
passagem da 1a para a 2a série, uma vez que os índices de retenção de
alunos, nessa série, eram os mais elevados em relação a outros países
da América Latina.
Dados apresentados nas revistas Nova Escola (2003) e Presen-
ça Pedagógica (Presença Pedagógica, 1996; Barreto, 1996; Santos e
Paraíso, 1996) evidenciam que a implantação do sistema de ciclos
ocorreu de forma marcante a partir da década de 80. Em 1982, foram
registrados os projetos de implantação desse sistema nos estados e
municípios governados por oposicionistas ao regime militar, como
Paraná, Minas Gerais e Recife. Em 1992, em São Paulo, sob o comando
de Paulo Freire, as oito séries iniciais da escola obrigatória foram
subdivididas em três ciclos de ensino. A adoção de ciclos ocorreu
ainda em Belém, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Blumenau (SC).
Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), em seu artigo 23, flexibilizou a organização escolar, incluindo
17
o sistema de ciclos de aprendizagem e explicitando que “a finalidade
da educação é o pleno desenvolvimento dos educandos”. Em 1996,
foram divulgados os Parâmetros Curriculares Nacionais, juntamen-
te com uma proposta de organização em ciclos, justificada pelos
seguintes argumentos: dimensão do tempo (maior flexibilidade), ob-
jetivos do ensino/aprendizagem (maior duração no processo); dimi-
nuição das rupturas (mais continuidade do processo). Assim, gra-
dativamente, o regime ciclado vem ganhando espaço no cenário
nacional.
Os argumentos para a adoção do regime ciclado são muitos e
variados. Um deles repousa na idéia de que essa estrutura curricular
favorece a continuidade, a interdisciplinaridade e a participação, res-
peitando-se os ritmos e os tempos dos alunos. Há ainda, nessas
propostas, uma negação da lógica excludente e competitiva (quem
vai chegar primeiro?) e a adoção de uma lógica de inclusão e solidari-
edade (partilha de saberes). Outro aspecto a destacar é a mudança da
perspectiva conteudista de “quanto já se sabe sobre” para uma pers-
pectiva multicultural, que respeita a diversidade de saberes, práticas
e valores construídos pelo grupo. Há, ainda, uma rejeição da busca
de homogeneização e uma valorização da heterogeneidade e da di-
versidade.
Todos esses princípios, que deveriam estar subjacentes ao fun-
cionamento das escolas guiadas pelo sistema de ciclos, na verdade
impõem um repensar da própria estrutura institucional, o que, infeliz-
mente, nem sempre tem sido observado na realidade brasileira. Seria
fundamental, por exemplo, a garantia do tempo de planejamento e
estudo coletivo dos professores para que pudessem encontrar as
melhores estratégias para gerar condições favoráveis de aprendiza-
gem e para resolver os problemas da não-aprendizagem.
A avaliação do rendimento dos alunos, associada à avaliação
das condições de ensino e, conseqüentemente, das estratégias didá-
ticas, tem, nesse modelo de funcionamento, um destaque. Selecionar
o que deve ser ensinado em cada ano escolar, indicar as prioridades
para os grupos de alunos em cada turma, decidir o que fazer com os
alunos que não alcançaram as metas pretendidas são decisões a
18
serem tomadas coletivamente, de modo a responsabilizar todo o gru-
po e criar espaços de discussão e de melhoria do ensino.
Ressaltamos, no entanto, que tais princípios poderiam também
ser adotados em escolas com regimes seriados, desde que emergisse,
no seio da escola, uma cultura voltada para o trabalho coletivo e para
uma reflexão produtiva para atender aos alunos, levando-os a progre-
dir em suas aprendizagens.
A compreensão de que a mudança no processo avaliativo en-
volve reflexões e decisões coletivas, inclusive e principalmente, quan-
do se adota o regime de ciclos, parece ser, hoje, já desenvolvida por
muitos profissionais da educação. No entanto, quando passamos a
pensar coletivamente sobre tais decisões, emergem as tensões e as
necessidades de ruptura com práticas já instituídas, como nos apon-
ta a professora Ana Virgínia:
19
possamos construir caminhos para uma avaliação que realmente fa-
voreça uma construção do processo de ensino-aprendizagem:
20
Desde o início da escolarização, portanto, a aprendizagem relativa
à leitura e à escrita torna-se uma prioridade. O que muitos professores
advogam é que as crianças que lêem e escrevem com fluência tendem a
ter maior facilidade de atender às exigências escolares. Tal questão
pode ser pensada a partir do que explicita a professora Andressa.
21
os alunos em relação a essas dimensões é, portanto, conhecimento
indispensável na formação do professor que atua na polivalência.
Retomando discussões anteriores, tal avaliação precisa ser feita não
apenas como um diagnóstico do que o aluno sabe ou não sabe, e sim
como ponto de partida para o planejamento do professor.
A posição de que o ensino da leitura e escrita deve ocupar lugar
de destaque na escola é também defendida pela professora Kátia.
22
Elas também declaram que acham difícil avaliar os aprendizes
que não lêem/escrevem ou que lêem/escrevem com muita dificuldade.
Isso acontece porque, mesmo que as crianças tenham domínio dos
conceitos e tenham desenvolvido capacidades importantes nas dife-
rentes áreas de conhecimento, uma das formas de acesso que os
professores têm a essas apropriações é a própria escrita. É preciso
desenvolver estratégias de avaliar esses alunos sem penalizá-los por
não terem ainda o domínio do ler e do escrever, mas é preciso, sobre-
tudo, propiciar situações para que eles possam se alfabetizar e apren-
der a ler e produzir textos com autonomia.
Assim, a criação de instrumentos de avaliação variados, que
possam contemplar alunos com diferentes níveis de conhecimento
sobre a escrita, precisa ser um dos focos de debate dos professores.
Tal proposta em muito de distancia das que buscam apenas selecio-
nar os alunos “bons”. Ela prevê uma tomada de decisão acerca de
como atender a alunos com diferentes bagagens de saberes, garan-
tindo que a aprendizagem ocorra. Ou seja, a avaliação seria utilizada
não para classificá-los em aptos e não aptos, mas para orientar o
trabalho pedagógico.
Infelizmente, os problemas que levantamos não estão localiza-
dos apenas entre os alunos dos anos iniciais de escolaridade. O pro-
fessor Francisco Claudecy também relata suas dificuldades.
23
aprendizagem dos saberes de diferentes instâncias sociais. Saber li-
dar com alunos que não têm esses domínios esperados é, portanto,
uma exigência que se faz hoje para os professores de qualquer área de
conhecimento. É esperado, também, que ele saiba lidar com essas
heterogeneidades no momento da avaliação, tema que Francisco Clau-
decy também aborda.
24
Sabemos, porém, que ensinar a ler e produzir textos não é uma
atividade simples. Ela requer investimento e qualificação profissio-
nal. Ler e escrever envolvem uma gama variada e multidimensional de
capacidades. É necessário que o indivíduo tenha conhecimentos re-
lativos a diferentes práticas sociais em que a escrita está presente;
que ele se aproprie das características sociodiscursivas dos gêneros
textuais que circulam na nossa sociedade; que ele esteja alfabetizado,
ou seja, tenha se apropriado dos princípios do nosso sistema de
escrita; que ele desenvolva estratégias de leitura e de organização
textual. Assim, ensinar a ler e escrever, levando o aluno a lidar com a
escrita em diferentes contextos, incluindo os contextos escolares,
requer um tempo pedagógico ampliado e professores qualificados.
Mas não é só a escrita que medeia as relações no interior da
escola; os textos orais também são instrumentos fundamentais nos
processos de ensino e de aprendizagem, como citaram os professo-
res acima. E, embora saibamos que as crianças chegam à escola, via
de regra, já com um domínio da oralidade para interagir socialmente,
elas podem desenvolver capacidades para lidar com situações mais
formais e para lidar com textos que medeiam eventos diversificados
de uso da língua. Os textos orais usados para expor temas das dife-
rentes áreas do conhecimento, por exemplo, nem sempre são tão facil-
mente compreendidos. Cabe à escola ir integrando os alunos nessas
práticas de modo sistemático.
Em suma, é papel da escola ajudar os alunos a desenvolver
capacidades para produzir e compreender textos orais e escritos des-
de o início da escolarização, de modo a favorecer a participação em
diversas situações, extra-escolares e escolares. Sendo o ensino des-
sas capacidades uma prioridade a ser enfocada, a avaliação, em cada
ano escolar, em cada um dos eixos de ensino da língua portuguesa,
torna-se, portanto, tema privilegiado de estudo. Tal tema será o foco
central desta obra, através da qual esperamos poder contribuir para o
estudo sobre a prática pedagógica e sobre a avaliação.
Enfim, esse é um início da conversa que vai se desenvolver
neste livro, no qual buscaremos refletir sobre a avaliação da leitura,
no capítulo 4; da produção de textos, no capítulo 5; da análise
25
lingüística, no capítulo 7, incluindo a alfabetização, no capítulo 8, e da
oralidade, no capítulo 6, a fim de tentarmos melhorar as práticas peda-
gógicas, avaliando continuamente a aprendizagem dos alunos e as
estratégias didáticas dos professores.
Referências
BALLESTER, Margarita e cols. Avaliação como apoio à aprendizagem.
Porto Alegre: Artmed Editora, 2003.
BARRETO, Elba Siqueira de Sá. As muitas respostas dos currículos. Presen-
ça Pedagógica, n. 7, jan./fev., 1996, pp. 29-31.
________. Os ciclos escolares: elementos de uma trajetória. Cadernos de
pesquisa, n. 108, 1999.
DEPRESBITERIS, Léa. Um resumo histórico da avaliação. Em: O desafio da
avaliação da aprendizagem. Campinas: Papirus, 1997, pp. 5-14.
LEAL, Telma. Intencionalidades da avaliação na língua portuguesa. Em: SIL-
VA, Janssen F.; HOFFMAN, Jussara & ESTEBAN, Maria Tereza (orgs.).
Práticas avaliativas e aprendizagens significativas: em diferentes áreas do
currículo. Porto Alegre: Mediação, 2003, pp. 19-31.
PERRENOUD, Philippe. Os ciclos de aprendizagem: um caminho para
combater o fracasso escolar, Porto Alegre: Artmed Editora, 2004.
REVISTA NOVA ESCOLA. Ciclo de aprendizagem: culpado ou inocente?.
Revista Nova Escola, n. 160, Abril Cultural, março, 2003, pp. 38-43.
REVISTA PRESENÇA PEDAGÓGICA. MEC propõe currículo nacional:
síntese do Documento Introdutório aos Parâmetros Curriculares Nacionais.
Presença Pedagógica, n. 7, jan./fev., 1996, pp. 26-28.
SANTOS, Lucíola P.; PARAÍSO, Marlucy A. O currículo como campo de
luta. Presença Pedagógica, n. 7, jan./fev., 1996, pp. 33-39.
SBERT, Cati e SBERT, Maite. Quem avalia na Educação Infantil? Uma expe-
riência na área de Educação Artística. Em: BALLESTER, Margarita e cols.
Avaliação como apoio à aprendizagem. Porto Alegre: Artmed Editora, 2003,
pp. 67-63.
26
C APÍTULO 2
Paradigmas de avaliação:
Uma visão panorâmica
Lívia Suassuna
1 Introdução
Num texto que trata de paradigmas ou teorias de avaliação, seria
relevante, inicialmente, pôr em discussão a própria noção de paradig-
ma. Fazemos este destaque porque não acreditamos numa sucessão
cronológica e precisa dos modelos teóricos de avaliação. As divisões
que faremos aqui devem ser entendidas como referenciais cujas ca-
racterísticas mais marcantes podem ser tomadas como indicadores de
uma certa lógica ou modo de pensar/praticar a avaliação num certo
tempo e espaço sócio-histórico. É isso que explica, por exemplo, por
que, ainda hoje, vemos traços da avaliação tecnicista convivendo
com a classificatória, no conjunto das práticas de uma escola ou
professor que atuam de modo mais formativo. De todo modo, con-
siderando as concepções, as funções, os objetivos e as metodolo-
gias, muitos autores e estudiosos do tema concordam em que exis-
tiriam dois grandes paradigmas de avaliação: um, caracterizado pela
classificação, pelo controle, pela competição, pela meritocracia –
27
que chamaremos aqui de avaliação tradicional ou classificatória –, e
outro, caracterizado pelos aspectos formativo, processual, demo-
crático – que chamaremos aqui de reguladora ou formativa (BE-
LLONI, 1998; ÁLVAREZ MÉNDEZ, 2002; DIAS SOBRINHO, 1996
e 2002 e PERRENOUD, 1999).
28
A base conceitual do paradigma vinha da psicologia/psicome-
tria, campo no qual se desenvolveram muitas técnicas quantitativas
de medida da inteligência e do desempenho humano. Tratava-se de
uma concepção racionalista-empirista, com ênfase em escalas quanti-
tativas e em sistemas de notação, verificação e controle.
O modelo que toma a avaliação como medida é inspirado nas
ciências exatas e da natureza, de onde provêm os dispositivos expe-
rimentais, o controle das variáveis, a generalização dos resultados e a
estabilidade das conclusões. Como se acreditava, no âmbito dessa
episteme, na possibilidade de repetição dos resultados, havia um
grande interesse pela objetividade das investigações e pelo rigor e
precisão dos instrumentos e ferramentas de pesquisa. Supunha-se,
ainda, haver, nos fenômenos constatados, uma relação automática e
natural de causa e efeito.
29
O marco principal do modelo aqui descrito era a idéia da avalia-
ção como gestão, tendo-se como princípio que uma administração
racional e eficiente da educação geraria qualidade e excelência. Den-
tro da lógica estruturalista da época, a avaliação se desloca da medi-
ção para o gerenciamento de sistemas; desse modo, avaliar significa-
ria otimizar, controlar a funcionalidade, evitar desperdícios,
racionalizar.
Bonniol e Vial (2001), comentando esse paradigma, relembram as
proposições de R. Tyler. Segundo este, a avaliação consistiria em
determinar em que medida foram alcançados os objetivos do currícu-
lo, ou seja, o avaliador deveria estipular o que o aprendiz seria capaz
de fazer ao final do processo ensino-aprendizagem e essas capacida-
des seriam percebidas em comportamentos manifestos.
30
ampliação dos direitos individuais e sociais, como decorrência dos
movimentos militantes – era aquilatado por meio de indicadores
objetivos, na perspectiva do aumento da produtividade dos pro-
gramas e da otimização da relação custo x benefício.
31
De acordo com Dias Sobrinho (2002), esse período recupera o
tom positivista das primeiras fases e, assim, o disciplinamento e o
enquadramento se sobrepõem ao diagnóstico e à superação de pro-
blemas. O mesmo autor ainda afirma que os órgãos financeiros inter-
nacionais passam a cobrar dos países que instituam sistemas de ava-
liação e, ao lado disso, impõem a definição de competências segundo
seus interesses e ideologias. O propósito da avaliação seria, portan-
to, fornecer informações às agências e órgãos controladores e fisca-
lizadores do Estado, de modo a fortalecer a lógica economicista.
Relações entre o modelo de avaliação normativa e excludente e
a economia de mercado também foram estabelecidas por Afonso (2000).
Para o autor, a competição e a comparação passam a ser valores im-
portantes e a avaliação superdimensiona o domínio cognitivo e ins-
trucional da educação, concentrando-se em resultados observáveis
e quantificáveis. Utilizam-se testes padronizados e os resultados, em
vez de servirem a um trabalho de interpretação, passam a ser encara-
dos como indicadores úteis para o mercado.
32
definições formais. O que, efetivamente, pode ser expresso através
de números e medidas são saberes destacados de um processo de
conhecimento que é dinâmico e global. Isso acaba por reforçar o
modelo pedagógico centrado na transmissão. Assim, seria preciso
sempre reconhecer o valor dos testes de avaliação e, ao mesmo tem-
po, os limites das informações por eles fornecidas.
Barriga (2000), por exemplo, levanta algumas questões importan-
tes acerca do tema: (a) como é possível medir a aprendizagem, se ela é
um processo em permanente transformação? (b) um comportamento
observável manifesta, realmente, um conjunto de acontecimentos in-
ternos no sujeito? (c) podem os processos complexos de pensamento
(como sínteses e formulações não-cognitivas) se expressar adequa-
da e objetivamente em palavras e comportamentos? (d) a um número
atribuído a um sujeito corresponde, de fato, uma aprendizagem?
Por tudo isso, Dias Sobrinho (1996, 1997) e Perrenoud (1998) sali-
entam que, para uma avaliação que se quer formativa, não bastam quan-
tidades, testes, gráficos, percentuais, cálculos de custo. A avaliação
deve, necessariamente, gerar juízos de valor e anunciar possibilidades
de transformação. Assim, mais importante do que dados numéricos é
colocar questões sobre a escola, lançar sobre ela novos olhares.
33
dos contratos didáticos e dos procedimentos de ensino e aprendiza-
gem. Assim, mudanças nos processos de avaliação devem ser parte
de um processo mais amplo de inovação que inclua o currículo e a
didática. Assim sendo, para que não se reduzam complexos proces-
sos sociais e intelectuais a dimensões físicas objetivas e apreensí-
veis, é preciso que a avaliação ganhe uma dimensão de pesquisa e
tenha seu campo teórico ampliado, de modo a contemplar as múlti-
plas capacidades de aprendizagem, as reelaborações de sentido, a
relevância social das instituições e saberes, o desenvolvimento de
atitudes e valores, enfim, os processos que constituem o fenômeno
educativo como um todo complexo.
34
difícil aperfeiçoar e qualificar a aprendizagem, tomar novas deci-
sões dentro de um sistema concebido como fechado e auto-regula-
do. Há também que se considerar que a lógica gerencial acabou por
fazer o programa de ensino se sobrepor ao processo de formação
propriamente dito.
35
2.2.5 Visão negativa do erro
Como o modelo tradicional está baseado numa visão estática do
conhecimento e da aprendizagem, e como a mensuração se dá a partir
de resultados e comportamentos observáveis, o erro – parte consti-
tutiva do aprender – era sempre visto como falha, falta, lacuna. As
intervenções do professor, uma vez constatado o desvio em relação a
objetivos e conhecimentos previamente estabelecidos, deveriam se
dar sempre no sentido de “corrigir a rota” do aluno (re)conduzindo-o
a atingir esses mesmos objetivos e conhecimentos.
2.2.6 Etnocentrismo
Este aspecto está bastante relacionado à legitimação de uma
certa ordem social e à visão do erro já tratadas acima. Na prática da
avaliação classificatória, não são consideradas as múltiplas determi-
nações dos desempenhos e das aprendizagens dos alunos. Um exem-
plo disso é a imposição de conteúdos curriculares sem julgamentos
de qualquer espécie acerca de sua adequação ou relevância social e
cultural. Costa (1998), discutindo esse aspecto cultural da avaliação,
critica estudos e avaliações comparativas de rendimento escolar (se-
jam locais, nacionais ou internacionais), pois estes, desconsiderando
diferenças cognitivas, perceptuais, de valor e de aprendizagem dos
diferentes grupos culturais avaliados, não permitem dimensionar sa-
tisfatoriamente a qualidade educacional.
36
falhas, discriminar e selecionar do que para apontar encaminhamen-
tos possíveis. No mesmo sentido, Perrenoud (1999) sustenta que as
hierarquias geradas pela avaliação informam sobre a posição do alu-
no em um grupo ou sobre a sua distância em relação a um padrão, mas
pouco ou nada dizem sobre o conteúdo e a natureza de seus conhe-
cimentos, aprendizagens e competências, induzindo assim o que ele
chama de didáticas conservadoras.
37
Aceito o princípio de que a educação é um direito social, tornou-
se urgente a revisão das práticas pedagógicas em geral e da avaliação
em particular, no sentido de assegurar esse direito a todos os cidadãos.
A avaliação, no contexto do novo paradigma, não é apenas uma
questão técnica ou metodológica, mas um empreendimento ético e
político; ético, pois permite decidir sobre quais seus fins, a serviço de
quem se coloca e que usos serão feitos de seus resultados e informa-
ções; político, pois deve ampliar os enfoques e os procedimentos
que levem ao debate amplo, à negociação e à instauração de relações
intersubjetivas que fazem das instituições educacionais espaços de
aprendizagem, formação e produção de conhecimentos, valores e
subjetividades (BELLONI, 1998; DIAS SOBRINHO, 1996; ÁLVAREZ
MÉNDEZ, 2002; ESTEBAN, 2001).
Daí não ser a avaliação uma prática neutra, ou seja, ela se dá
numa sociedade historicamente determinada, a partir de condições
concretas, dentro de um quadro de valores que lhe conferem justifi-
cativa e coerência. A opção por um determinado modelo de avaliação
relaciona-se com certas opções epistemológicas, éticas e políticas, as
quais correspondem a uma certa visão de mundo, conforme objetivos
e resultados pretendidos.
Do ponto de vista da aprendizagem propriamente dita, a avalia-
ção não teria como finalidade levar o aprendiz a adquirir conhecimen-
tos e adotar comportamentos, mas a incorporá-los, interiorizá-los,
apropriar-se deles de modo peculiar, num processo contínuo de cará-
ter cultural e simbólico. É sabido que a escola – como espaço em que
experiências e palavras se forjam e se confrontam – obtém resultados
melhores na medida de sua capacidade de valorizar as formas de
pensar, sentir e atuar que as diferentes comunidades desenvolvem
no enfrentamento de sua cotidianidade (COSTA, 1998; ESTEBAN,
2001; GOLDSTEIN, 2001).
A intersubjetividade implicada no ato de avaliar reclama novos
olhares sobre a realidade: para o outro, para diferentes contextos e
níveis de desenvolvimento cognitivo, acertos e erros, hesitações e
conflitos, representações mentais e ideológicas, dados aparentemen-
te insignificantes (HOFFMANN, 2000; PERRENOUD, 1999).
38
O papel do professor, no diálogo com o aluno e o conhecimento,
seria o de estruturar a comunicação pedagógica, confrontar dados e
informações, tomar decisões no campo da didática, dinamizando no-
vas situações de aprendizagem. Suas ações constituem-se em condi-
ção para que o aluno se “distancie” do objeto de conhecimento, isto
é, o olhar e a fala do professor são imprescindíveis ao processo de
metacognição e funcionam como oportunidades de estender e diver-
sificar as competências de auto-regulação. Isso porque a metacogni-
ção é atravessada por mecanismos de linguagem, interações verbais,
funcionamentos discursivos. Para tanto, são necessários novos
instrumentais, novas perspectivas teóricas e novos referenciais que
orientem a interpretação da realidade (HADJI, 2001).
Dentro desse pensamento da avaliação como linguagem/dis-
curso, Perrenoud (1999) sustenta que a comunicação é o motor prin-
cipal dos progressos do aluno, não por ser a responsável direta pela
aprendizagem, mas por estruturar o funcionamento da linguagem e
do processo pedagógico e, conseqüentemente, regular os movimen-
tos de construção, reconstrução e apropriação do conhecimento.
Uma vez que os resultados da avaliação não são definitivos nem
inquestionáveis, eles exigem um cuidadoso trabalho de interpreta-
ção, discussão e crítica. Como se vê, cada vez mais vai se confirman-
do a dimensão discursiva da avaliação. Por isso, Hadji (1994, 2001)
emprega a metáfora da avaliação como rede de palavras: avaliar é ter
algo a dizer; o avaliador é o ator de uma comunicação social. Trata-se
de uma rede de sentidos – o professor interpreta dados, interroga
respostas, busca sinais, capta singularidades; a realidade não lhe é
revelada de modo natural e espontâneo, isto é, aquilo que ele observa
(um comportamento, uma atitude, um conhecimento) é um signo que
está por ser interpretado; os referenciais da avaliação não servem
apenas para julgar, mas para tecer uma rede de significados para com-
preender e agir.
Perrenoud (1999), reconhecendo o valor das concepções de
avaliação como medida e como gestão, sugere, entretanto, que ultra-
passemos essas fronteiras, rumo a uma lógica de enfrentamento e
construção de possibilidades. A avaliação que ele nomeou de formativa
39
fornece informações, identifica e explica erros, sugere hipóteses, ali-
mentando continuamente a ação pedagógica.
É possível estabelecer semelhanças entre essa visão e as de
Luckesi (1978, 2000a, 2000b) e de Hoffmann (1995b). Para o primeiro
autor, a avaliação implica dois processos articulados e indissociá-
veis: diagnosticar e decidir. Já Hoffmann, considerando o caráter pro-
cessual da prática avaliativa, afirma que esta deve ser entendida como
problematização, questionamento, reflexão.
No que diz respeito aos objetivos da avaliação, temos que, para
muito além da medida, ela tem funções sociais bem mais amplas e abran-
gentes. Cabe-lhe fornecer subsídios para que os responsáveis pelas
ações educativas promovam o aperfeiçoamento dos processos e das
condições de ensino-aprendizagem. É também sua função democrati-
zar a educação e o conhecimento, desenvolvendo ações que levem à
efetivação da aprendizagem e ao êxito escolar. Luckesi (2000a) atribui à
avaliação duas grandes finalidades: auxiliar o educando em seu desen-
volvimento pessoal e responder à sociedade pela qualidade do traba-
lho educativo empreendido (nesse segundo caso, teríamos o balanço
do que o autor denominou de “balanço do mandato social da escola”).
A avaliação deve instalar-se como cultura, ser uma ação perma-
nente, organizada e programática. Ela tem uma evidente dimensão
educativa, pois gera informações, indica desafios e necessidades,
para cujo enfrentamento precisamos de formação e aperfeiçoamento.
Como dizem Davis e Espósito (1990), a avaliação produz novos ru-
mos, novos arranjos, novos fluxos de comunicação que articulam, de
forma mais produtiva, a sala de aula e os demais espaços da escola.
Assim também pensa Dias Sobrinho (2002) – atribuir graus e
classificar sujeitos e instituições a partir de desempenhos mostrados
em exames é pouco relevante; o que interessa, de fato, é discutir se os
conteúdos ensinados constituem realmente um corpo significativo
de conhecimentos; é discutir sobre como estes podem contribuir para
a formação dos alunos e sobre qual o sentido dessa formação. Para o
autor, é preciso, numa postura de abertura mental, transformar aquilo
que os números e os dados registram em um universo pleno de signi-
ficados. Fechando este item, diríamos que, sem dúvida, a avaliação é
40
um trabalho simbólico por definição. Além da produção de sentidos e
juízos de valor, deve levar a tomadas de decisão, ações, à transforma-
ção social, enfim.
3 Conclusão
Supondo que aprender/formar-se vai além da aquisição de com-
portamentos e informações; que o professor não é aquele que dá e
toma a lição ou que controla o aluno para que ele domine progressiva
e cumulativamente os conteúdos de um programa de ensino, defen-
demos que a avaliação contribua para que o aluno desenvolva sua
capacidade de auto-organização, auto-avaliação e auto-regulação.
Essa avaliação – que está mais próxima da busca de conheci-
mentos, da interpretação e da análise crítica – é conhecida atualmente
como avaliação formativa. Com ela, pretende-se desenvolver postu-
ras e não só promover competências estritamente acadêmicas; é uma
avaliação fundamentada no diálogo e que prevê a reorganização cons-
tante da prática pedagógica.
A avaliação formativa é comprometida com uma educação demo-
crática; consiste em fazer apreciações críticas; busca qualificar o ensino
e a aprendizagem; tem função diagnóstica e exige a participação ampla
das instituições e sujeitos envolvidos; enfatiza aspectos qualitativos;
considera resultados e também os processos de produção desses resul-
tados; favorece uma leitura dos diversos aspectos e dimensões dos
processos e fenômenos educativos. A natureza formativa da avaliação
remete não para a correção do rumo e a homogeneidade, mas para o
movimento próprio das relações pedagógicas e da linguagem.
Referências
AFONSO, A. J. Avaliação educacional: regulação e emancipação – para uma
sociologia das políticas avaliativas contemporâneas. São Paulo: Cortez, 2000.
ÁLVAREZ MÉNDEZ, J. M. Avaliar para conhecer, examinar para excluir.
Porto Alegre: Artmed, 2002.
41
BARRIGA, A. D. Uma polêmica em relação ao exame. Em: ESTEBAN, M.
T. (org.). Avaliação – uma prática em busca de novos sentidos. 2.ed., Rio de
Janeiro: DP & A, 2000, pp. 51-82.
42
ESTRELA, A. e NÓVOA, A. Apresentação. Em: ESTRELA, A. e NÓVOA,
A. (orgs.). Avaliações em educação: novas perspectivas. Porto: Porto Edito-
ra, 1999, pp. 7-13.
GOLDSTEIN, H. Modelos da realidade: novas abordagens para a compreen-
são de processos educacionais. Em: FRANCO, C. (org.). Avaliação, ciclos e
promoção na educação. Porto Alegre: Artmed, 2001, pp. 85-99.
HADJI, C. A avaliação desmistificada. Porto Alegre: Artmed, 2001.
________. A avaliação, regras do jogo – das intenções aos instrumentos.
4.ed., Porto: Porto Editora, 1994.
HOFFMANN, J. Avaliação mediadora – uma prática em construção da
pré-escola à universidade. 6.ed., Porto Alegre: Educação e realidade, 1995a.
________. Avaliação: mito e desafio – uma perspectiva construtivista. 18.ed.,
Porto Alegre: Mediação, 1995b.
LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar – estudos e proposi-
ções. 10.ed., São Paulo: Cortez, 2000a.
________. Avaliação educacional: pressupostos conceituais. Em: Tecnologia
educacional, ano 7, no 24, set.-out., 1978, pp. 5-8.
________. O que é mesmo o ato de avaliar a aprendizagem? Em: Pátio, ano 4,
no 12, fev., 2000b, pp. 6-11.
________. Pontos e contrapontos – do pensar ao agir em avaliação. 5.ed.,
Porto Alegre: Mediação, 2000.
PERRENOUD, P. A avaliação dos estabelecimentos escolares: um novo ava-
tar da ilusão cientificista? Em: CONHOLATO, M. C. (coord.). Idéias, no 30
– Sistemas de avaliação educacional. São Paulo: FDE, 1998, pp. 193-204.
________. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens – entre
duas lógicas. Porto Alegre: Artmed, 1999.
SOARES, M. B. Avaliação educacional e clientela escolar. Em: PATTO, M.
H. S. (org.). Introdução à psicologia escolar. São Paulo: T. A. Queiroz, 1981,
pp. 47-53.
43
44
C APÍTULO 3
45
Assim, as iniciativas que contribuem para ampliar as discus-
sões sobre como trabalhar de modo significativo e relevante com
textos na escola e as que permitem a análise crítica de atividades
didáticas propostas nos manuais de ensino devem ser estimuladas
e aplaudidas.
O trabalho com textos na escola deve considerar, em primeiríssi-
mo lugar, a diversidade. Diversidade de gêneros textuais e, nesses, a
diversidade de ideologias que, de resto, traduzem a diversidade do
nosso próprio cotidiano; diversidade de suportes e usos sociais;
diversidade de situações didáticas e de material didático. Em que
pese o livro didático ser o material mais comum na escola, e por mais
que tenha evoluído tanto em qualidade gráfica quanto em variedade
de gêneros textuais e de temas, é essencial tornar o professor autôno-
mo no uso de outros recursos. Isso, além de ampliar os horizontes de
sua prática, contribuirá, inclusive, para que ele possa tirar melhor
proveito do livro didático, usando-o de maneira mais eficaz e crítica.
Trabalhar com textos, mesmo com aqueles que não figuram no
livro didático, selecioná-los de acordo com objetivos pedagógicos
pertinentes, mas conciliando os interesses do grupo-classe, sobretu-
do elaborando atividades pedagógicas significativas e interessan-
tes, ainda constitui um desafio para grande parte dos professores.
Este trabalho pretende ser mais uma contribuição para o “muito
a ser feito” na construção dessa prática pedagógica relevante e eficaz
que todos perseguimos.
1 Avaliação de leitura?
O ensino de língua com base na leitura de textos tem suscitado
alguns questionamentos, por exemplo, acerca das famosas pergun-
tas de “interpretação de texto”, muitas vezes formuladas de modo a
gerar ambigüidade e imprecisão ou ainda quando se mostram óbvias
ou irrelevantes. Por outro lado, há os que advogam que tomar um
belo texto literário, produzido, quase sempre, para atender finalidades
estéticas e transformá-lo em objeto de especulação lingüística não
ajuda a despertar o interesse pela leitura.
46
Na verdade, o que está no centro dessa discussão são as
práticas escolares. Admitindo-se que a escola tenha papel importante
na formação do cidadão e que a leitura é essencial para o exercício da
cidadania, ainda restam questões como que concepções estão na
base do ensino de língua e de leitura e quais os princípios de avalia-
ção adotados na escola. Aqui, sem aprofundar a discussão, vamos
deixar claro que compreendemos a língua e seu ensino, assim como a
leitura e a avaliação, como práticas sociais de interação humana.
Desse posicionamento teórico derivam tomadas de decisão
relativas às posturas metodológicas. Assim, não se trata de substituir
os exercícios sobre regras gramaticais por qualquer coisa que envol-
va um texto. Trata-se de promover na escola a reflexão cotidiana e
significativa sobre as vivências humanas de toda ordem. E, sem dúvi-
da, a melhor maneira de se fazer isso é pela via da prática de textos. A
leitura, a discussão, a escrita, a avaliação (do tema, da participação,
da adequação dos procedimentos, do aluno, da aula, da prova, do
livro, do filme...), tudo são práticas textuais/discursivas que podem
gerar aprendizado escolar e humano. Se leitura é para ser avaliada?
Pensamos que sim. Mas não só isso. É, sobretudo, para ser praticada;
e também discutida, curtida, vivida. Viver leitura.
A recorrente queixa entre professores, especialmente os de
português, sobre a falta de interesse do aluno pela leitura, sem querer
dar explicações simplistas para um problema tão importante, pode ser
creditada ao que nós, professores, fazemos com o texto em sala. Tex-
tos inadequados para a faixa etária e os interesses do grupo-classe,
associados a exercícios enfadonhos e sem significado, a “fichas de
leitura”, a “provas do livro paradidático”, tudo isso certamente pode
contribuir para que o aluno não desenvolva o gosto pela leitura.
Encarar o trabalho docente de modo profissional (evitando a
improvisação que decorre da falta de planejamento e reflexão) e ter,
sobretudo, compromisso com a própria formação podem servir de
ponto de partida para que o professor construa uma prática exitosa.
No momento de selecionar material de leitura, o professor preci-
sa ter propósitos pedagógicos claros, relevantes e também amplos.
Submeter a prática da leitura na escola exclusivamente a atividades
didáticas é um dos equívocos do ensino de português. O professor
47
que olha para além do programa escolar e que tem interesse em fazer
com que seu aluno descubra o prazer da leitura deve prever momentos
nos quais, após a partilha da leitura de um bom texto, não sejam espe-
radas do aluno mais do que manifestações de apreço, emoção, o riso
fácil ou, quando muito, um simples comentário, se assim o aluno leitor
o desejar. A leitura na escola não precisa necessariamente estar atrela-
da a exercícios e pode pretender, também, o prazer, o gosto de apreciar
um jeito afável, sensível, hilário, surpreendente, comovente, doloroso
etc. etc. de dizer algo que todos nós, em algum momento, gostaríamos
de dizer ou de ter dito, e que o autor disse (e publicou) antes de nós.
O fragmento abaixo, retirado do texto Alfabeto, de Luiz Fernan-
do Veríssimo, com seu delicioso jogo semântico, é um exemplo de
leitura leve, prazerosa, divertida, que não precisa ser transformada em
exercício, mas que pode ser levada ao aluno simplesmente para delei-
te, fazendo-o experimentar a leitura sem compromisso com tarefas
escolares.
Texto 1:
48
Entretanto, há de se destacar que a leitura-deleite na escola não
significa a falta de compromisso com a sistematização do conheci-
mento. Com isso queremos dizer que uma leitura agradável pode re-
presentar mais do que diversão e também que há prazer na elaboração
do conhecimento; essa é a forma como o educador francês Georges
Snyders compreende a escola: lugar de acesso à cultura elaborada e
também de satisfação cultural.
A avaliação, como parte integrante do trabalho docente, deve,
sim, incluir a verificação da capacidade de leitura do aluno. Precisa-
mos saber se o aluno compreende o que lê, porque isso é relevante
para a vida em nossa sociedade letrada e porque, como professores,
temos a responsabilidade de promover o desenvolvimento da com-
petência leitora dos nossos alunos. As representações do mundo
manifestam-se em textos, concretizados nos diferentes gêneros tex-
tuais, então compreender textos é compreender o mundo, embora
essa não seja a única maneira de fazê-lo; produzir textos é manifestar-
se sobre o mundo, mesmo que haja outras formas de exprimir-se.
Para avaliar a compreensão leitora do aluno, é imprescindível
considerar as finalidades dessa avaliação e é nesse ponto que emer-
gem as diferentes concepções de avaliação defendidas (e aplicadas)
na escola. Aqui reivindicamos a concepção de avaliação formativa, a
qual constitui, como aparece em Luis (2003, p. 37):
49
2 O que deve ser avaliado em leitura?
Por não se fazerem essa pergunta ou por não atentarem para
suas possíveis respostas, muitos professores (e também autores de
livro didático) propõem exercícios com base em perguntas auto-res-
pondidas, as quais não podem ser aceitas como “de compreensão do
texto”1. São mais comuns ainda o “desperdício” de recursos impor-
tantes do texto e, ao mesmo tempo, a mera exploração de aspectos
superficiais ou literais. Um exemplo desse caso seria perguntar, base-
ando-se no poema Quadrilha2, de Carlos Drummond de Andrade,
algo do tipo: “Quem amava Teresa?”; ou ainda:
a) João
b) Raimundo
c) Joaquim
d) J. Pinto Fernandes
e) Francisco
1
Em estudo sobre tipologia de perguntas de compreensão de texto, Marcuschi
(2001) classifica-as como do tipo “a cor do cavalo branco de Napoleão”.
2
Texto 2: (I) João que amava Teresa que amava Raimundo/ que amava Maria que
amava Joaquim que amava Lili/ que não amava ninguém./ (II) João foi para os
Estados Unidos, Teresa para o convento,/ Raimundo morreu de desastre, Maria
ficou para tia,/ Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes/ que
não tinha entrado na história.
3
Exemplo retirado de uma situação de produção de itens de avaliação.
50
discussão sobre as dores amorosas, sobre o que nos reserva o futu-
ro, enfim, sobre o imponderável. Para alunos de 5ª a 8ª séries do
Ensino Fundamental, sugerimos as seguintes atividades:
Exemplo de atividade 2:
51
abertura para a discussão e a possibilidade de o aluno também pensar
a respeito de outra resposta tornam a questão bastante interativa.
É evidente que, para propor atividades significativas, é neces-
sário saber enxergar o texto, descobrir-lhe os segredos, afinar a lin-
guagem para aquele determinado grupo, aprimorar o formato. A pai-
xão pela leitura também ajuda. Aqui tomamos como prioritários, no
estudo, ensino e avaliação da compreensão leitora, aspectos que
contribuem para a construção do(s) sentido(s) do texto, mesmo que
não todos. Partindo disso, vejamos o que poderia ser destacado como
relevante no seguinte texto:
Texto 3:
O LOBO E A HIENA
Saddam abre o palácio à ONU, mas Bush não
quer saber de desculpas
52
de que funcionam como esconderijos para as armas químicas e
biológicas mantidas pelo Iraque à revelia das resoluções interna-
cionais. A crise acabou levando à retirada dos inspetores, quatro
anos atrás. Mesmo apertado pelas sanções, Saddam provavel-
mente achou que havia saído ganhando: livrava-se do escrutínio
estrangeiro, passava por defensor da soberania nacional e ainda
ganhava fôlego para esconder os materiais clandestinos. Desta
vez, sem margem de manobra, ele teve de abrir o palácio à ONU.
(...)
Quem acompanha o tamanho e a sofisticação da operação tem
poucas dúvidas: não importa quanto o Saddam-hiena procure dar
a impressão de cooperar, para o lobo americano, a guerra é ape-
nas uma questão de tempo.
(Fonte: Revista VEJA,11 de dez. de 2002, p. 105-106. adaptado)
53
no texto, tudo isso representa o domínio de alguns dos mais proemi-
nentes recursos para a compreensão leitora. Tais recursos constitu-
em parte importante da coerência global do texto, inclusive, porque
representam informações inscritas na estrutura profunda do texto,
fundamentais para a formulação dos sentidos pretendidos. A capaci-
dade de “traduzir”, esclarecer, trazer à tona essa informação velada é
o que é denominado inferência.
Esse texto oferece ótimas possibilidades de trabalhar a inferên-
cia, também, pela análise dos seus recursos de coesão. Observe-se
que a fábula serve-lhe de elemento coesivo mais amplo, “costuran-
do” toda a idéia, desde o título, passando pelas referências explícitas
às figuras da fábula (cordeiro e lobo); pela rejeição da ovelha e sua
substituição pela hiena com sua representação tradicional; pela as-
sociação entre essas figuras e os presidentes Bush e Saddam Hus-
sein (lobo americano/ hiena ladina e sempre cheia de truques); até
o fechamento do texto com a explicitação da falta absoluta de saída
para Saddam Hussein (e o bom leitor, aqui, infere que Saddam é a
ovelha: sem saída).
Outros aspectos relativos à coesão textual incluem as relações
sintático-semânticas as quais se apresentam bem marcadas no texto
através de conectivos, por exemplo: quanto mais...mais; portanto, e
ainda, desta vez. Ainda no aspecto da coesão textual, destaquem-se as
substituições de palavras e expressões: a pergunta que ronda o mun-
do (por Vai ter guerra ou não?); esse déspota sanguinário (por Sad-
dam); gesto carregado de simbolismo (por abriu as portas de (...) Al-
Sajoud) e as substituições pronominais. A propósito, a recuperação
das substituições sempre constitui valioso recurso de compreensão.
O texto também apresenta expressões nominais definidas4 impor-
tantes: déspota sanguinário, Saddam-hiena, lobo americano, aspec-
to em que se ampara grande parte de sua força argumentativa. Outros
recursos semântico-lexicais podem ter os significados levantados com
base no contexto: déspota, ladina, sanções, escrutínio, sem margem
4
Expressão nominal definida é o recurso semântico que substitui o nome, acar-
retando algum efeito (positivo ou negativo) sobre quem recebe esse novo
nome; por exemplo, “déspota sanguinário”, para Saddam.
54
de manobra, cordura (contrastar com cordeiro; usar a base etimológi-
ca dos termos para isso); alta (ao lado de letalidade, ganhando valor
de intensificador); apertado (pelas sanções); ganhar fôlego (para es-
conder os materiais clandestinos), sofisticação (da operação).
Por fim, mas sem esgotar a riqueza do texto, chamamos atenção
para o lugar e o contexto histórico em que ele se insere: a análise da
conjuntura política mundial, às vésperas da invasão americana ao
Iraque, feita através de texto da esfera jornalística. Dentro desse as-
pecto, podem-se verificar alguns traços próprios do texto jornalístico
(além da evidência do veículo), como a relação espacial entre título e
subtítulo e certa informalidade, por exemplo, em Vai ter guerra ou
não?. Por outro lado, o texto permite a velha discussão da imparciali-
dade que costuma ser reivindicada pela imprensa. Se assim não for, se
o texto não está imparcial, onde estão as marcas da falta de isenção
do jornalista? Eis aí uma interessante questão de análise.
É debalde dizer que ainda há aspectos não analisados no texto,
por exemplo, os relativos à pontuação expressiva, à organização textual,
às propriedades do gênero etc., assim como não foram aqui previstos
os conhecimentos prévios dos alunos, por exemplo: que representação
eles possuem da hiena, o que poderia contribuir para que antecipassem
hipóteses de interpretação, entre outras possibilidades.
55
No dia-a-dia, o professor deve propor atividades de formato
variável com possibilidades de respostas curtas ou mais longas, mas,
sobretudo, que permitam ao aluno a reflexão sobre a coerência global
do texto. As questões que envolvem título e organização do texto
costumam atender a esse critério, porque ajudam a identificar os tópi-
cos e argumentos principais, levando o leitor a formular hipóteses.
Feitas essas observações sobre concepção e natureza da avali-
ação, apresentamos agora mais algumas sugestões de atividades,
tentando aplicar os princípios de relevância, clareza, exercício da aná-
lise, da síntese e da argumentação, variação de formato e de grau de
dificuldade, aqui propostos. As atividades são baseadas no texto O
lobo e a hiena, analisado acima, e na fábula O lobo e o cordeiro.
SADDAM HUSSEIN
Ditador
56
Diante das denominações encontradas, qual a opinião do autor acerca
de Saddam Hussein?
____________________________________________________________________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
impunemente.
inadvertidamente.
Desta vez, ele teve de abrir o palácio à ONU, incondicionalmente.
inconvenientemente.
perigosamente.
57
coesivos de substituição; já a segunda, mediante inferência, leva-o a
perceber a importância desses mesmos recursos para a linha argu-
mentativa adotada pelo autor.
O exemplo 7 também explora recursos coesivos do texto e leva
o aluno a perceber relações de interdependência entre marcadores
temporais que contribuem para a construção de um dos sentidos do
texto. O formato da questão exige releitura minuciosa.
No exemplo 8, temos a exploração de recursos semânticos, com a
recuperação de sentido, com base no contexto. A formulação inclui um
trabalho com deslocamento de termo, que visa a ajudar a percepção,
mas pode servir também de pretexto para o professor mostrar o efeito
desse recurso sobre o sentido. A disposição das alternativas contribui
para que o aluno “experimente” cada alternativa no trecho, o que au-
menta a possibilidade de descoberta da resposta mais adequada.
Merecem comentário, ainda, as instruções dadas para as ativi-
dades. Em alguns dos exemplos, o modo como o aluno deve respon-
der está indicado com ações (escreva, complete, circule); já os exem-
plos 6 e 7 trabalham com perguntas diretas. No exemplo 4, há indicação
do gênero textual e da delimitação do tamanho da resposta. Esses
aspectos formais representam pistas importantes para o aluno reali-
zar com êxito a atividade e também servem de indicadores do seu
nível de capacidade leitora.
O trabalho com textos na escola requer, ainda, espaço para a
sistematização dos conhecimentos gerados na sua análise. Isso cons-
titui uma das dificuldades para o professor e essa limitação, sem dú-
vida, representa prejuízo na aprendizagem dos alunos. Acostumado a
trabalhar de maneira sistemática, mas só com a norma gramatical, o
professor deixa que o trabalho com textos siga de modo solto, assis-
temático, com exceção, em alguns aspectos mais pontuais, do texto
literário. O exercício oral ou escrito de compreensão leitora deve ser
seguido de sistematização, para que se possam ordenar os aspectos
analisados e seguir com a avaliação do que foi visto, do que ainda
não foi visto, do que precisa de reformulação no jeito de ver.
Se para alguns o trabalho com textos no ensino de língua ainda
está na fase do alumbramento, para outros, avança no campo teórico;
58
entretanto, no nosso entender, é no aspecto metodológico que ainda
temos muito a caminhar, sem nos esquecermos, é claro, de pelejar no
campo da formação docente.
Por fim, destacamos os princípios de avaliação aqui referenda-
dos. É diante desses princípios que se deve olhar a compreensão
leitora. Avaliação é também ensino e, se o ensino é diário, a avaliação
não pode ser eventual. Se admitirmos que a avaliação não deva estar
a serviço da classificação, mas da aprendizagem, precisamos também
utilizá-la no campo da leitura, diária e continuamente. E então é neces-
sário avançar na reflexão sobre as pistas que a avaliação da compre-
ensão leitora vai nos deixar para descobrir e propor soluções de su-
peração, avanço e ampliação da aprendizagem.
Referências
ANTUNES, Irandé. A análise de textos na sala de aula: elementos e aplica-
ções. In: MOURA, Denilda. (Org.) Língua e ensino: dimensões heterogêne-
as. Maceió: Edufal: 2000, p. 13-28.
GENETTE, Gérard. Palimpsestes. La littérature au second degré. Paris:
Seuil, 1982.
LUIS, Suzana Maria Barrios. Ensinar, aprender e avaliar como processo
único: a avaliação formativa. In: SILVA, Janssen Felipe da; HOFFMAN,
Jussara; ESTEBAN, Maria Teresa (orgs.). Práticas avaliativas e aprendiza-
gens significativas em diferentes áreas do currículo. Porto Alegre: Mediação,
2003. p. 39-44.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Compreensão de texto: algumas reflexões.
In. DIONISIO, Angela Paiva; BEZERRA, Maria Auxiliadora (orgs.). O
livro didático de português: múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna,
2001, p. 46-59.
SNYDERS, Georges. Alunos felizes: reflexão sobre a alegria na escola a
partir de textos literários. 2.ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
59
60
C APÍTULO 4
Beth Marcuschi
1 Contextualizando o tema
Neste artigo, desenvolvemos algumas reflexões sobre o proces-
so encaminhado em sala de aula, quando se trata de avaliar o texto
produzido pelo aluno no contexto das atividades escolares de escri-
ta1. Por isso mesmo, é relevante explicitar logo de saída a perspectiva
por nós adotada no que tange às noções de ‘texto escolar’ e de ‘ava-
liação’, anunciadas no título.
Quando nos referimos a ‘texto escolar’, não estamos nos repor-
tando a muitos dos gêneros textuais que circulam rotineiramente no
espaço da sala de aula, como: a lista de chamada, o boletim de notas, a
ementa de disciplinas, as anotações feitas pelos aprendizes, o planeja-
mento da aula pelo professor, entre tantos outros, mas nos referimos
1
Sobre a avaliação de textos orais, veja o capítulo 5 deste livro, e sobre a
avaliação das atividades de leitura, o capítulo 3.
61
especificamente ao gênero textual produzido pelo aluno com fins pe-
dagógicos, a já conhecida redação.
O gênero redação escolar, quando investido das característi-
cas de objeto de ensino, abarca dois subgrupos, pelo menos: reda-
ção clássica ou endógena e redação mimética (MARCUSCHI, B. &
CAVALCANTE, 2005). Não se trata de uma classificação dicotômi-
ca, pois, embora cada um dos subgrupos se distinga do outro por
seus aspectos próprios, características convergentes podem ser
identificadas em ambos. O que os reúne no assim chamado ‘macro-
gênero redação’ é justamente o fato de serem produzidos e circula-
rem predominantemente na escola e sobretudo por se caracterizarem
como objeto de ensino e veicularem a mesma função sociocomunica-
tiva, mais precisamente, a função pedagógica2. Indicada a convergên-
cia principal, vejamos, agora, o que basicamente distingue os dois
subgrupos.
A redação clássica é o texto rotineiramente presente na tradição
escolar, quando se trata da produção escrita do aluno. Pode ser soli-
citada a partir da mera indicação de um tema, de uma característica
tipológica3 ou mesmo da explicitação de ambos.
O tema geralmente abarca algum evento (campanha contra a
violência), alguma data comemorativa (dia das mães), alguma ocor-
rência na comunidade (festa da padroeira) ou simplesmente reproduz
assuntos tradicionais da cultura escolar (minhas férias, uma aventu-
ra, um passeio). Nesses casos, o tema (que acaba se transformando
muitas vezes no próprio título do trabalho do aluno), costuma ser
escrito na lousa ou indicado oralmente pelo professor, sem que seja
fornecida qualquer orientação de planejamento do texto. É a redação
clássica por excelência.
Por sua vez, o trabalho com os tipos textuais em sala de aula aparece
historicamente de tal forma associado a condições de produção e
2
Para um aprofundamento da temática, considere a discussão desenvolvida em
Marcuschi, B. 2006.
3
São cinco os tipos textuais destacados pela maioria dos teóricos da linguagem:
narrativo, argumentativo, descritivo, expositivo e injuntivo.
62
circulação específicas (o leitor presumido é o professor; o objetivo da
produção é pedagógico; o contexto de circulação é predominante-
mente a sala de aula), que os tipos (principalmente, a narração, a
descrição e a dissertação) foram se constituindo como gêneros textu-
ais tipicamente escolares (SCHNEUWLY & DOLZ, 2004b).
Não se pode perder de vista que os gêneros textuais respondem
a objetivos e interesses sociointeracionais próprios, definidos por
comunidades com práticas lingüísticas e normas sociais comuns. Daí
a emergência, na escola, dos referidos gêneros escolares, cujo objeti-
vo principal é permitir que o professor cheque a aprendizagem reque-
rida, notadamente de questões relacionadas a aspectos formais da
linguagem. No que tange à função sociointeracional, os gêneros tex-
tuais produzidos pelos alunos assumem, na quase totalidade das
vezes, uma função claramente pedagógica.
No espaço extra-escolar, o usuário é circunstancialmente mobi-
lizado a produzir vários gêneros textuais, desde os de circulação pri-
vada como uma “lista de compras” ou um “bilhete”, até os de circula-
ção pública como um “texto de opinião”, um “editorial”, uma “carta
do leitor”, uma “carta de reclamação”, entre outros. Para efetivar seu
planejamento de escrita, o indivíduo considera uma série de condi-
ções, dentre elas para quem está escrevendo, com que objetivo, o
que se propõe a explicar ou reivindicar etc. Na escola, via de regra, as
condições de produção não são apresentadas. Quando é solicitada
do aluno a escrita de um texto a respeito de um determinado tema ou
gênero escolarizado, as recomendações mais comuns são: atenha-se
ao tema; escreva um texto com começo, meio e fim; observe a grafia
correta das palavras; não faça parágrafos longos; não faça parágra-
fos curtos, ou variantes desse tipo de comando, que em nada contri-
buem para ampliar as competências de escrita do aprendiz.
Todavia, mesmo quando as condições de elaboração textual não
são explicitamente indicadas (objetivo da produção, leitor presumi-
do, espaço de circulação do texto, nível de formalidade, gênero), elas,
de alguma forma, acabam sendo deduzidas pelo aprendiz com base na
sua experiência de aluno e no contrato didático que se estabelece em
63
sala de aula. Em decorrência desse formato das tarefas, o estudante
limita-se a produzir um “texto escolarizado”, ou seja, uma redação que
se configura pela precariedade de suas condições interativas e dialó-
gicas, na medida em que a escrita é feita da e para a própria escola4.
Como veremos mais adiante, o texto assim construído, caracterizado
como a redação clássica, costuma receber do professor uma avalia-
ção de natureza somativa.
A redação mimética, relativamente recente no espaço escolar,
não pode ser compreendida à parte da enorme contribuição ofereci-
da pelos estudos de Bakhtin (1997) às questões discursivas da lin-
guagem, nem da abordagem mais ampla oferecida pela escola de
Genebra, sobretudo por Schneuwly & Dolz (2004a), no que concer-
ne à transposição didática dos gêneros textuais provenientes do
espaço extra-escolar para a sala de aula. São exemplos de gêneros
textuais desse grupo a receita médica, a reportagem de jornal, a
tirinha, o ofício, a mensagem eletrônica, a ata de reunião, o artigo
acadêmico, a lista de compras, o panfleto, a crônica, a letra de músi-
ca, entre tantos outros.
Quando trabalhado na escola, o gênero textual será sempre uma
variação desses gêneros de referência. Ao longo da trajetória, que vai
do espaço extra-escolar para o escolar, o gênero textual acaba sendo
submetido a mutações várias, pois os professores e os autores de
livros didáticos vão selecionar e incluir no currículo os aspectos do
gênero a serem ensinados e didatizados, deixando de lado aqueles de
difícil concretização (como a circulação do gênero textual em seu
espaço originário). E não poderia ser diferente. Se, por um lado, à
escola é atribuída a tarefa, em nossa cultura, de favorecer o ensino-
aprendizagem dos conhecimentos historicamente construídos e de
propiciar o acesso aos bens culturais elaborados pela humanidade,
por outro lado a esmagadora maioria dos conhecimentos não pode
ser vivenciada em seu contexto direto, mas precisa ser experimentada
no âmbito do simbólico.
4
Note-se que, enquanto esses gêneros escolares se fizerem presentes em instân-
cias públicas, como nos concursos de vestibular e outros, o seu ensino na escola
estará legitimado.
64
Os estudos sobre os gêneros textuais, a concepção de língua
como interação e os estudos sociointeracionistas provocaram signi-
ficativas transformações no encaminhamento do trabalho com o tex-
to em sala de aula. A escrita de textos passou então a ser vista como
uma habilidade que deve ser ensinada e que precisa fazer sentido
para o aluno. Começaram a se fazer presente um cuidado em explicitar
para o aprendiz, parcial ou amplamente, as condições de produção e
circulação do texto, bem como uma atenção no sentido de propiciar
encaminhamentos pedagógicos que favoreçam o planejamento, a re-
visão e a reescrita dos textos. Nessa perspectiva, o que se solicita
dos estudantes não é uma simples ‘narração’ ou uma ‘descrição’, por
exemplo, mas a elaboração de um texto que incorpore os traços de
gêneros que circulam na esfera extra-escolar. Isso não significa, obvi-
amente, deixar de lado o ensino das seqüências narrativas ou descri-
tivas ou argumentativas presentes nos diferentes gêneros textuais,
mas envolve uma mudança significativa no foco da aprendizagem,
que passa a dar prioridade ao gênero textual extra-escolar e não se
fixa apenas no tema ou no gênero escolarizado.
Como se nota, a redação mimética é híbrida, pois é elaborada “à
moda de um determinado gênero textual”, sem, contudo, perder as
características do gênero redação, ou seja, ao mesmo tempo em que
ela preserva as características de gêneros que circulam em contextos
sociointeracionais diversos, conserva igualmente os traços de uma
redação tipicamente escolar, pois se constitui em um objeto de ensino
e de aprendizagem com função nitidamente pedagógica. Como se
verá em seguida, a redação mimética envolve ações que se inter-
relacionam com encaminhamentos de uma avaliação formativa.
Ressalte-se que, apesar de os dois procedimentos menciona-
dos (clássico e mimético) levarem à produção de uma redação esco-
lar, é fundamental que o professor dê prioridade ao trabalho com o
segundo subgrupo (a redação mimética), dada a contribuição que
este pode oferecer à construção da textualidade e à formação de um
aluno produtor de texto autônomo e competente. É importante tam-
bém não perder de vista que aprender a escrever um texto não é
apenas saber representar graficamente as palavras, mas implica, so-
bretudo, aprender estratégias de produção de texto. Para tanto, é
65
necessário estabelecer a situação em que o texto será empregado,
bem como a pertinência das características lingüísticas a serem utili-
zadas, de forma a configurar um texto com significado interacional
(NOVAES, 2005, p. 87). O desafio está justamente em conseguir ope-
rar ao mesmo tempo com gêneros textuais transmutados, para fins de
aprendizagem, mas suficientemente contextualizados para que o alu-
no utilize aqueles gêneros segundo suas funções sociais originais.
No que tange à avaliação, ela é aqui vista como a ação processu-
al de construir um valor provisório para o ser focalizado, mediante
categorias social e culturalmente marcadas e interativamente ela-
boradas. Avaliar, portanto, envolve concepções de mundo, conheci-
mentos partilhados e a emissão de juízos de valor, juízos esses formu-
lados a partir de informações coletadas e selecionadas em contextos
sócio-históricos específicos. Diante dos múltiplos aspectos que po-
dem ser acionados para construir a avaliação, o usuário salienta os
que lhe interessam, dependendo da atividade em curso e de suas
finalidades práticas (MARCUSCHI, B., 2004).
Na tomada da decisão avaliativa, são estabelecidos procedi-
mentos comparativos entre o fenômeno, a pessoa ou o evento avali-
ado e a expectativa que se tem a respeito desse fenômeno, pessoa ou
evento. É nessa confluência de parâmetros que se instala a avaliação.
Esta se caracteriza como um ‘refletir sobre’ os saberes construídos
com vistas à revisão do ensino e da aprendizagem, e não como um
“identificar erros” com vistas ao estabelecimento de uma medida para
o aluno. A avaliação é dinâmica e passível de alterações, estando
sujeita a versões variadas (mas não infinitas), culturalmente situadas,
no decorrer do processo interacional. Essa proposta avaliativa rompe
com a perspectiva quantitativa, e é elaborada com base em um discur-
so reflexivo e crítico da concepção de avaliação somativa, fundada na
mensuração de resultados.
No âmbito do ensino-aprendizagem, avaliar em uma perspectiva
formativa implica considerar todo o processo de aprendizagem e não
apenas o produto; envolve ações investigativas e de retomada e não
apenas a mensuração e a classificação de resultados, predominantes
na avaliação somativa5. Além disso, a avaliação formativa compartilha
66
a idéia de que os sujeitos escolares são sujeitos históricos e sociais e
não meros repetidores de conteúdos neles depositados. O que se bus-
ca é determinar até que ponto cada educando alcançou as competênci-
as definidas como básicas para aquela etapa da escolarização, ofere-
cendo-se para isso as oportunidades que se fizerem necessárias.
A avaliação do texto produzido pelo aluno, que aqui nos interes-
sa mais de perto, varia consideravelmente conforme a noção de lín-
gua subjacente ao trabalho do professor, as concepções a respeito
dos conhecimentos a serem privilegiados no ensino da escrita, a no-
ção de redação (clássica ou mimética) e de avaliação (formativa ou
somativa) priorizadas, entre outros aspectos. É justamente de alguns
dos diferentes formatos que a avaliação da produção textual pode
assumir em sala de aula e de suas implicações para o processo de
ensino-aprendizagem que nos ocupamos no próximo item.
Relato 1
Professora: Francisca Teodora do Nascimento
Rede Municipal do Recife
“A avaliação da aprendizagem tem sido, na maioria das vezes, uma
forma de constrangimento para o aluno. Lembro-me que, quando
fazia a quinta série, a professora de Língua Portuguesa costumava ler
em voz alta os ‘erros’ encontrados nas avaliações das redações da
turma. Ela fazia questão de chamar o aluno de ‘estapafúrdio’, quando
ela percebia algum tipo de erro de ortografia, concordância nominal,
verbal, coisa desse tipo. Confesso, que no início, achava que era
algum tipo de elogio, mas descobri no dicionário que era uma forma
de xingamento e achava uma falta de respeito o jeito como ela se
dirigia ao aluno que cometera algum equívoco”.
5
Para maiores detalhes, veja o capítulo 2 deste livro.
67
Relato 2
Professora: Janaína Paixão
Rede Municipal do Recife
“Lembro de uma experiência enquanto aluna de 5ª série, quando meu
professor de português colocava observações detalhadas em nossas
produções de textos, sugerindo sempre um novo caminho e uma nova
possibilidade de refacção, mesmo que já tivesse sido atribuída uma
nota. Outra prática dele que eu gostava muito (sentia uma preocupa-
ção do professor com nossas produções) era que as correções orto-
gráficas eram feitas a partir dos nossos textos”.
68
possíveis problemas de compreensão que determinadas inadequa-
ções de natureza lingüística podem causar aos leitores.
No caso do primeiro relato, as propostas de escrita assumem
características da redação clássica, enquanto a avaliação é utilizada
como instrumento de punição e de categorização do ‘mau’ aluno,
descrito como “estapafúrdio”. É facilmente constatável que esse
tipo de procedimento faz com que o aluno, no decorrer de sua esco-
larização, aprenda rapidamente o que fazer para obter uma boa nota:
basta não se desviar das normas ortográficas e gramaticais. Em
conseqüência, é para essa preocupação que seus esforços serão
direcionados. Em outras palavras, de forma a agradar o professor e
garantir sua aprovação, o aprendiz investe no que rende bons fru-
tos: num texto que satisfaça as exigências formais, que não marque
a posição do autor, que reproduza o discurso da escola (PÉCORA,
1992; GERALDI, 1997).
No caso do segundo relato, as propostas de escrita assumem
características próprias da redação mimética, enquanto os procedi-
mentos avaliativos visam a favorecer a aprendizagem de fenômenos
da textualidade ainda não construídos ou em processo de elaboração
pelo aluno. Daí a percepção de Janaína de que o seu professor preo-
cupava-se com a qualidade textual da produção de seus alunos. Por
esse encaminhamento, o que se sobressai, principalmente, é o zelo
pela formação de um aluno produtor de textos autônomo e crítico.
Pode-se deduzir ainda, dos dois depoimentos acima reproduzi-
dos, que não existe o ‘bom texto’ ‘em si’, mas que a categorização de
um ‘texto escolar’ como ‘bom’ se constrói com base nos valores que
orientam o olhar avaliativo. Em outras palavras: se, para o professor,
o principal o ‘valor’ de uma redação estiver, sobretudo, na escrita
correta das palavras, na obediência às regras da gramática normativa,
o texto que respeitar essas características obterá uma avaliação favo-
rável, mesmo quando esse texto se configurar como estereotipado e
reproduzir o discurso escolar; se, por sua vez, o ‘valor’ da redação
estiver direcionado para a construção de sentidos do texto, a redação
será avaliada principalmente em função da adequação à situação
69
sociocomunicativa, ou seja, em função do objetivo pretendido; serão
observadas a pertinência do gênero, do suporte, do registro, sem se
descuidar, naturalmente, do emprego da norma-padrão. Com isso, se
está dizendo que as categorias avaliativas do ‘bom texto’ são sócio-
historicamente situadas, mutáveis, dinâmicas, e podem ser vistas como
fortes indicadores das concepções assumidas pelo professor a res-
peito da linguagem, do texto e da avaliação.
Um exemplo de avaliação somativa, que adota a concepção de
texto como produto e de língua como sistema, e que opera com a
chamada redação clássica é o que mostramos a seguir:
70
Segundo relato da professora Rejane (nome fictício), os alunos
(quarta série) receberam a orientação de escrever um texto em home-
nagem à árvore, após debates a respeito do dia da árvore. A indicação
para o aluno das condições de produção e de circulação do texto não
ocorreu. Observe-se que, no alto da folha, após a escrita de seu nome
e de seu número (possivelmente na lista de chamada), a aluna anun-
cia que o texto que se vai ler é uma “Redação”. Com isso, configura
com clareza o que lhe foi solicitado, ou seja, um exercício de escrita em
torno do tema em debate, que recebe o título de: “Sobre a importância
da árvore”.
Pelas marcas feitas pela professora no texto da aluna, percebe-
se uma supervalorização de fenômenos identificáveis na superfície
textual, como: acentuação inadequada de algumas palavras (árvore,
importante), concordância verbal incorreta (eles comem, dormem),
uso de letra maiúscula no lugar da minúscula (saúde), organização
sintagmática inadequada (do calor do sol; a árvore tem; e nos dá
frutas como). Aparentemente, a professora acredita que o simples
apontar do erro será suficiente para que a aprendizagem se efetive.
Consideremos agora as observações introduzidas pela profes-
sora na redação. Em primeiro lugar, ela revindica que a aluna se ate-
nha ao tema solicitado, o que, aparentemente, ocorreu, pois a menina
destaca a importância da árvore na fabricação de móveis, na utiliza-
ção de abrigo para os pássaros e no fornecimento de alimentos para
o ser humano.
Em seguida, a professora recomenda que a aluna “nem invente
nem copie frases dos outros”. Ora, esse comentário dificulta enorme-
mente a construção da autoria, pois descarta duas atitudes básicas
na formação do autor: a singularidade discursiva e a capacidade de
introduzir a voz de outros enunciadores no próprio dizer (POSSENTI,
1994). Com isso, avalia-se negativamente o trabalho coletivo com a
linguagem e, conseqüentemente, atribui-se um valor positivo aos tex-
tos produzidos de modo solitário, fora do dialogismo. Como se isso
fosse possível!
Por fim, a professora enuncia, enfaticamente, que a aluna deve
ler bastante. Mas não há qualquer orientação a respeito do que deve
71
ser lido, nem sobre como essa leitura pode vir a contribuir na produ-
ção de textos. Como afirma Possenti (1994: 28), “ler deveria ser, antes
de mais nada, desmontar um texto para ver como ele se constrói, até
para que se possa dizer qual a relação entre seu modo de ser constru-
ído e os efeitos de sentido que produz”. Por esse caminho, ao se ler,
está-se também aprendendo a produzir textos.
Como pode ser facilmente percebido, a avaliação realizada pela
professora Rejane limita-se a apontar os problemas constatados no
texto da menina. Em nenhum momento a professora estimula a rees-
crita, nem oferece contribuições à superação das dificuldades revela-
das pela aluna ao longo da produção do texto.
Em uma perspectiva formativa, a produção escrita e sua avalia-
ção são entendidas como um processo, no qual estão envolvidas
diferentes atividades vistas de modo recursivo, interativo e inter-
relacionado. O gráfico abaixo permite visualizar essas atividades,
72
Quando elaboramos este artigo, por exemplo, em vários momen-
tos avaliamos a pertinência ou improcedência de certas formulações,
sendo essas últimas então reescritas ou simplesmente descartadas.
Esse procedimento exigiu igualmente reformulações quanto ao pla-
nejamento inicial do texto. Além da avaliação processual e de partes
do presente capítulo, ao seu término procedemos a uma leitura do seu
conjunto, atividade que também envolveu refacções e revisões. Por
que então exigir que o aluno apresente, em uma primeira versão, um
texto sem defeitos?
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal,
2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997 [1953], p. 277-326.
GERALDI, João Wanderley. Escrita, uso da escrita e avaliação. In:___. (org.).
O texto na sala de aula. 2 ed. São Paulo: Ática, 1997, p.127-131.
73
MARCUSCHI, Beth. Redação escolar: breves notas sobre um gênero textu-
al. In: C. F. SANTOS, M. CAVALCANTE & M. MENDONÇA (orgs.).
Diversidade textual: os gêneros na sala de aula. Recife/Belo Horizonte: MEC-
CEEL/Autêntica. No prelo, a sair em 2006.
MARCUSCHI, Beth. Avaliação da língua materna: concepções e práticas.
Revista de Letras, v. 1 /2, nº 26, jan./dez., 2004, p. 44-49.
MARCUSCHI, Beth & CAVALCANTE, Marianne. Atividades de escrita
em livros didáticos de língua portuguesa: perspectivas convergentes e diver-
gentes. In: M. G. COSTA VAL & B. MARCUSCHI (orgs.). Livros didáticos
de língua portuguesa: letramento e cidadania. Belo Horizonte: CEALE/AU-
TÊNTICA, 2005, p. 237-260.
NOVAES, Gláucia Torres Franco. Linguagem, características de alunos da
oitava série do ensino fundamental e seu desempenho em redação. Estudos
em Avaliação Educacional, São Paulo, FCC, v. 16, nº 31, jan./jun., 2005,
p.81-134.
PÉCORA, Alcir. Problemas de redação. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes,
1992.
POSSENTI, Sírio. Discurso, sujeito e o trabalho da escrita. In: NASCIMEN-
TO, E. M. F. S.; GREGOLIN, M. R. (orgs.). Problemas atuais da Análise do
Discurso. Série Encontros. Araraquara: Unesp, 1994, p. 27-41.
SCHNEUWLY, Bernard & DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na
escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004a.
________. Os gêneros escolares – das práticas de linguagem aos objetos de
ensino. In: B. SCHNEUWLY & J. DOLZ. Gêneros orais e escritos na esco-
la. Campinas: Mercado de Letras, 2004b, p. 71-91.
74
C APÍTULO 5
Superando os obstáculos
de avaliar a oralidade
75
estabeleça uma relação nova com a linguagem e se desfaça das repre-
sentações habituais que possui a respeito da oralidade de e seu ensi-
no; nesse campo, a oralidade ora é identificada com as antigas ativi-
dades de leitura e recitação, ora é relacionada ao falar cotidiano.
Segundo os autores, no primeiro caso, percebe-se a dependência do
oral em relação à norma escrita, caracterizando-se o que se costuma
chamar de ‘oralização da escrita’. No segundo, o ensino da oralidade
corresponde à tarefa inútil de ensinar ao aluno o que ele já domina,
pois, como afirmam Dolz & Schneuwly, o oral “puro” escapa de qual-
quer intervenção sistemática; é aprendido naturalmente, na própria
situação comunicativa. Enfim, esses pesquisadores alertam para o
fato de que, apesar de a linguagem oral estar bastante presente nas
salas de aula (nas rotinas cotidianas, na leitura de instruções, na
correção de exercícios etc.), ela ainda não é bem compreendida como
objeto autônomo do trabalho escolar, sendo essa uma das razões que
levam seu ensino a ocupar atualmente um lugar limitado na escola.
Precisa-se mudar esse quadro, já que uma das formas de inser-
ção lingüística do indivíduo numa cultura se dá pelo seu desempe-
nho oral em contextos concretos de interlocução; e, como o domínio
dos jogos interativos e estratégias de negociação em situações inter-
locutivas públicas não é trivial nem facilmente perceptível, a escola
tem um forte papel a desempenhar nesse campo, explicitando, pela
análise da oralidade, como se dão esses jogos interativos.
O grande problema é, diante da multiplicidade de manifesta-
ções da oralidade nas práticas sociais, definir claramente que lin-
guagem oral trabalhar na escola. Frente ao desafio de ensinar o oral,
boa parte dos professores, legitimamente, se aflige com as seguin-
tes questões apontadas por Dolz & Schneuwly (2004, p. 151): “Como
tornar o oral ensinável? Que oral tomar como referência para o ensi-
no? Como torná-lo acessível aos alunos? Que dimensões escolher
para facilitar a aprendizagem?”. Todas essas indagações são impor-
tantes e mostram que o passo inicial para o ensino da oralidade é ter
clareza sobre as características do oral a ser ensinado e saber até
que ponto esses aspectos podem ser objeto de ensino de maneira
explícita e consciente.
76
1. Desfazendo equívocos
Como dissemos mais acima, a primeira coisa a fazer para “acertar
a mão” no ensino do oral é adotar uma concepção mais rica e comple-
xa do fenômeno e uma visão mais adequada sobre a relação entre oral
e escrito do que aquelas assumidas até aqui pela escola.
Quando se fala em ensino do oral, certamente não se trata de
ensinar as crianças a falar, pois isso elas aprendem fora da escola. Por
outro lado, não é verdadeira a idéia de que a fala é apenas uma ques-
tão de aprendizado espontâneo no dia-a-dia. O desempenho adequa-
do em certas práticas orais formais pode ser desenvolvido na escola,
como é o caso da apresentação de seminários ou da realização de
debates, júris simulados, entrevistas etc.
Trabalhar com o oral em sala é, antes de tudo, identificar a imen-
sa riqueza e variedade de usos da linguagem oral no cotidiano1. Por-
tanto, é necessário abandonar a idéia de que o oral é uma realidade
única, normalmente identificada com a conversa espontânea (o que,
em sala de aula, resulta em exercícios do tipo “Converse com o cole-
ga...” ou “Dê sua opinião...”), bem como deixar de imaginar que o
trabalho com o oral se resolve com atividades que envolvem o que se
costuma chamar de escrita oralizada (toda palavra lida ou recitada).
Logo de saída, deve ficar claro que não existe “o oral”, mas
gêneros orais diversos. Não é preciso ser especialista para perceber
que há pouca coisa comum entre a fala de um político no palanque e
a conversa de duas vizinhas sobre o último capítulo da novela; entre
a piada contada por um garoto e o desempenho oral de alunos de 4ª
série durante a apresentação de um seminário; entre a argüição de um
promotor num tribunal de justiça e a leitura de um poema em sala de
aula. Em cada um desses casos, a situação física em que os partici-
pantes estão inseridos, o grau de intimidade e afetividade entre eles,
1
Nunca é demais lembrar que a concepção sociointeracionista que hoje predomi-
na na escola tirou o foco do ensino do aspecto da estrutura da língua (gramáti-
ca) e passou a privilegiar aspectos referentes ao funcionamento da língua em
práticas sociais efetivas, ou seja, os usos.
77
os elementos lingüísticos característicos de cada gênero (estruturas
sintáticas, seleção lexical, estratégias interativas etc.) são, entre ou-
tros aspectos, bastante diferentes. Em virtude dessa diversidade de
formatos que o oral apresenta, Dolz & Schneuwly afirmam ser mais
propício trabalhar em sala de aula com gêneros orais específicos,
observando as características de cada um.
78
o gênero funda uma prática de linguagem que é, necessaria-
mente, fictícia, uma vez que instaurada com fins de aprendi-
zagem.( DOLZ & SCHNEUWLY, 2004, p. 76)
79
relação instaurar com a escrita? Como definir a relação entre fala e
escuta?”
Para responder a tais perguntas, a orientação adotada pelos
autores acima mencionados é a de trabalhar com gêneros orais públi-
cos. Os próprios PCN também afirmam que a escola deve privilegiar o
ensino dos gêneros orais formais públicos.
80
em sala de aula. E, para ter sucesso numa tarefa dessa natureza, o
aluno precisa ser orientado sobre os contextos sociais de uso dos
gêneros requeridos, bem como familiarizar-se com suas característi-
cas textuais (composição e estilo, entre outras). O aluno necessita
saber, por exemplo, que apresentar um seminário não é meramente
ler em voz alta um texto previamente escrito. Também não é se colo-
car à frente da turma e “bater um papo” com os colegas sobre aquilo
que pesquisou.
O segundo grupo de gêneros orais públicos citado por Dolz &
Schneuwly (2004, p.175) são aqueles tradicionais da vida pública (de-
bate, entrevista, negociação, testemunho diante de uma instância
oficial etc.). Conhecer e dominar o funcionamento desses gêneros é
importante na vida do aluno, pois são gêneros que estão intimamente
relacionados ao exercício da cidadania2.
2
Para os professores que quiserem ter uma idéia de propostas didáticas consisten-
tes para o ensino de alguns gêneros orais formais públicos, uma boa dica são os
trabalhos desenvolvidos pela Escola de Genebra, como, por exemplo, os traba-
lhos de Dolz e Schneuwly (1998, 2004).
81
Para essa linha em que a avaliação é vista como linguagem/
discurso, ganha proeminência o caráter processual da prática avaliati-
va, denominanada de avaliação formativa. Nesse contexto, como
bem colocou Suassuna (op.cit), o papel do professor é o de estrutu-
rar a comunicação pedagógica, confrontar dados e informações,
tomar decisões no campo da didática, dinamizando novas situações
de aprendizagem.
Acreditamos que a proposta de trabalho de Dolz & Schneuwly
(2004) com seqüências didáticas encaixa-se perfeitamente nessa pers-
pectiva de avaliação como um processo formativo. Segundo os au-
tores, a seqüência didática é um conjunto de atividades escolares
organizadas, sistematicamente, em torno de um gênero textual oral
ou escrito, de preferência daquele com o qual o aluno não tem fa-
miliaridade. A seqüência se constitui como estratégia de apropriação
e reflexão de/sobre um determinado gênero.
Agora que já temos uma orientação sobre como planejar pe-
dagogicamente o trabalho com gêneros (no nosso caso específico,
os gêneros orais) apontaremos algumas categorias analíticas que
devem ser consideradas na avaliação da oralidade.
3
Ver BAGNO (1999, 2000, 2001a, 2001b, 2002, 2003); FARACO (2001); GNERRE
(1991).
82
um equivalente empírico, ou seja, o dialeto padrão, de fato, não reme-
te a falantes reais. Nesse contexto, analisar a fala é também uma
oportunidade singular para esclarecer aspectos relativos ao precon-
ceito e à discriminação lingüística, bem como suas formas de dissemi-
nação. Além disso, é uma atividade relevante para analisar em que
sentido a língua é um mecanismo de controle social e reprodução de
esquemas de dominação e poder implícitos em usos lingüísticos na
vida diária, tendo em vista suas íntimas, complexas e comprovadas
relações com as estruturas sociais.
Para além da variação dialetal e de registro, como já destaca-
mos anteriormente, o estudo da fala deve abordar questões relaci-
onadas a situações comunicativas, estratégias organizacionais de
interação próprias de cada gênero, processos de compreensão
etc. É na perspectiva de um trabalho de reflexão que articule todos
esses aspectos que a oralidade deve ser alçada à condição de
objeto de ensino.
Pensando nas situações comunicativas e estratégias organi-
zacionais, resolvemos listar alguns critérios que devem ser foco
de atenção num trabalho com os gêneros orais. Um primeiro con-
junto desses critérios relaciona-se a aspectos de natureza extralin-
güística da produção oral em dada situação comunicativa; um se-
gundo conjunto diz respeito a aspectos de natureza paralingüística
e um terceiro grupo corresponde a aspectos de caráter lingüístico-
discursivo. É bom lembrar que os aspectos extra e paralingüísti-
cos interferem diretamente no funcionamento daquilo que é de
natureza estritamente lingüística (verbal). Também deve estar cla-
ro que esses três aspectos são indissociáveis, pois é o conjunto
que constrói a significação. Vejamos, então, alguns critérios rela-
cionados ao primeiro grupo:
83
Quadro 1 – Aspectos extralingüísticos
Aspecto Descrição
número de participantes envolvidos na si-
tuação comunicativa; quantidade de interlo-
a) Grau de publicidade
cutores, seja do ponto de vista da produção
ou da recepção do texto
conhecimento dos participantes entre si;
b) Grau de intimidade conhecimentos comuns/partilhados entre
dos participantes os interlocutores; grau de institucionaliza-
ção do evento
84
nosso cotidiano (seminário e conversa telefônica entre amigos) e
classificamos cada um deles a partir dos aspectos selecionados:
a) Público Privado
85
Quadro 2 – Aspectos paralingüísticos e cinésicos4
Fenômenos Características
*
Maneira de produzir fala: rápida, lenta, atropelando as palavras, soletrando etc.
4
Basedo no quadro de Dolz & Schneuwly (2004, p.160).
5
Maneira de produzir fala: rápida, lenta, atropelando as palavras, soletrando etc.
86
O terceiro quadro diz respeito a alguns aspectos de natureza
lingüística, mais precisamente, à sintaxe mesma da construção do
texto e às estratégias de interação:
87
discursos; 2) a partir de que condições históricas e situacionais elas
aparecem; e 3) quais efeitos elas causam no(s) interlocutor(es) e no
próprio processo da interação.
A fim de ilustrar como, a partir das categorias descritas, pode-
mos operacionalizar uma análise de gênero oral, comentamos um tre-
cho da entrevista concedida pelo ex-presidente Fernando Collor de
Mello ao Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, em 1997. À
época da entrevista, Collor já não mais ocupava o cargo de Presiden-
te da República. Havia sofrido impeachment cinco anos antes por
escândalos em seu governo envolvendo o nome do seu ex-tesoureiro
Paulo César Farias, morto em junho de 1996. Em 1997, os nomes de PC
Farias e Fernando Collor voltaram a ocupar as páginas da imprensa
nacional. Suspeitava-se de que Collor estaria envolvido num supos-
to esquema de PC Farias com a máfia italiana. Na ocasião da entrevis-
ta em análise, Collor morava nos Estados Unidos e é nos estúdios da
Rede Globo em Miami que ele dá esta entrevista exclusiva à repórter
Sônia Bridi. A entrevista tomou 10 minutos e 30 segundos do último
bloco do Jornal Nacional, configurando-se como a principal notícia
do telejornal naquela noite. Ao que tudo indica a entrevista foi acer-
tada com antecedência entre a equipe da Globo e o ex-presidente.7
6
Valendo-se do estudo de Goffman (1974) sobre a auto-imagem pública (face)
construída pelos participantes na interação, Brown e Levinson (1987) distinguem
dois aspectos complementares da auto-imagem construída socialmente: a face
negativa e a face positiva. Esta reporta ao desejo, da parte dos participantes, de
aprovação social e reconhecimento da face (auto-imagem); aquela reporta ao
desejo da não-imposição do outro e às reservas do território pessoal (privado).
Para os autores, há um conjunto de estratégias das quais os interlocutores lançam
mão para resguardar a sua face e não arranhar a face do outro. Ou seja, na medida
em que o falante não ameaça a face do ouvinte, este não ameaça a face daquele. A
preservação da própria face implica que se tenha o cuidado de não ameaçar a face
do outro e, nesse jogo, ao preservar a face do outro, deve-se atentar para não
perder/arranhar a própria face. Nem sempre os interlocutores conseguem preser-
var as faces dos outros nem as suas faces. Esse fato confere à conversação um
status de atividade potencialmente conflitante. Desse modo, a face é algo que pode
ser perdido, mantido, enaltecido e precisa ser observada na conversação.
7
Como se trata de uma entrevista exclusiva à Rede Globo, concedida em ambiente
privado, supõe-se que ela foi negociada com antecedência. O aspecto cuidado da
produção fica evidenciado também pela preocupação estética com o cenário de
realização da entrevista, com um quadro do pintor Romero Brito ao fundo.
88
Exemplo 2 – Entrevista de Fernando Collor à jornalista
Sônia Bridi, Jornal Nacional, em 18/03/1997
1. SB: o senhor está sendo julgado pela REceita Federal por sonegação
fiscal...
2. FC: não, não estou sendo julga::do pela receita federal ... isso é outra
menTIRA ... não estou sendo julgado coisa NENHUMA e::: não
existe processo legal formado ... isso é uma mentira, uma pantomina,
uma pat/patuscada ... dessas autoridades que estão tentando de
alguma maneira me vincular a atitudes de terceiros e eu repuDIO
com toda a veemência da minha força interior e do meu coração ...
isso é um absurdo que se está fazendo hoje no brasil ... isso é
incompreenSÏvel dentro do sistema democrático... isso é absolu-ta-
mente abomiNÁvel que um estado patrocine tal tipo de campanha
política BRUTAL, VENAL, crimiNOSA contra alguém que já foi
fiscalizado, investigado como ninGUÉM neste país... e:: eu quero
repelir mais uma vez isso, e eu não admito qualquer insinuação
incluindo meu NOME em qualQUER atitude ou a:tividade de ter-
ceiros, SOBRETUDO porque é dito e sabido que eu não tenho nada
a ver com isso.
3. SB: Segundo a receita federal, o senhor foi convidado a prestar escla-
recimento sobre a operAÇÃO uruguai, não respondeu e seria julga-
do a revelia.
4. FC: é: uma menTIra da receita federal, é uma MENTIRA da receita
federal, ment/menTIRA da receita federal ... tê/três vezes digo que É
MENTIRA ... em/em ne/nenhum momento deixei de comparecer
com os meus advogados a QUALQUER determinação ou a/a: qual
qualquer inquisição da receita federal ou/de qualquer outra instância
do poder.
5. SB: eu vou citar alguns NOMES que foram citados em relação à:
máfia italiana e gostaria que o senhor me dissesse se coNHECE
ESSAS pessoas... osvaldo lasSALVIA.
6. FC: não conheço.
7. SB: luis felipe RICA
8. FC: não conheço ... não conheço NENHUM deles.
9. SB: nenhum italiano chamado Ângelo ZaNEtti?
89
10. FC: não precisa/na... você pode relacionar aí uns 200 ou o que vocês
quiSErem/eu não conheço... não conheço... nunca estive com ne-
nhum deles, nem sei da existência deles/quer dizer porque perguntar
a: mim se eu conheço esses/esses camaradas? por que? por que eu
teria que CONHECÊ-LOS? por que eu teria que ter vinculação com/
c qualquer tipo de Máfia ((bate violentamente o punho na mesa)).
EU SOU UM EX-PRESIDENTE DA REPÚBLICA ...e:u fui julga-
do como nenhum homem foi julgado neste país e inocentado pela
mais alta corte de justiça do meu país... o que eu posso exigir agora é
um certo respeito pelo menos pelo meu padecimento e o meu sofri-
mento... não conheço nenhuma dessas figuras e não tenho nenhuma
relação a ver com máfia de qualquer tipo que seja... nem máfia de
autoridade, nem muito menos máfia que tem sotaque.
11. SB: o senhor disse numa nota oficial que é candidato em 98?
12. FC: nota oficial? mas você está inteiramente desinformada minha
FILHA... filhoTInha: eu nunca disse que sou candidato em 98... o
que eu disse é que serei novamente candidato quando a oportunidade
apareceu/eu novamente colocarei o meu nome à disposição da opi-
nião pública e da população do meu país... para ser julgado p/pela
voz das urnas. Foi isso que eu falei minha filha, não foi em relação a
98 ou 2002.
13. SB: é:::... a partir de que momento o senhor considera que as suas
relações com o seu tesoureiro de campanha PC farias se encerraram?
14. FC: é preciso esclarecer muito bem isso... se fala de tesoureiro de
campanha em 1993... em 1993 não havia campanha, em 1993 não
haVIA tesoureiro, em 1993 eu nem na presidência estava. não aceito
esse tipo de vinculação... não aceito esse tipo de vi/lação... repudio
essa pergunta... até porque as relações minhas com o senhor paulo
césar farias estão nos autos, busque os autos e procure nos autos e
vá ver lá o que está escrito e colocado.
15. SB: após tomar posse na presidência da república o senhor manteve
algum tipo de relação com o senhor paulo césar farias?
16. FC: mas minha FI::lha, você está perguntando coisas 10, 15, 20
vezes. estão lá... está lá no processo todas as vezes em que eu estive
com o senhor Paulo César Farias antes e durante a campanha eleito-
ral... Tenha um pouco de trabalho e responda a sua curiosidade.
90
Na transcrição dos trechos acima, percebe-se que, dentre as
categorias apontadas no quadro 3 (aspectos lingüísticos), a que
mais se destaca é a dos atos de fala negativos. Essa categoria ga-
nha relevo no evento comunicativo analisado porque a postura de
Collor era justamente a de negar as acusações que lhe estavam
sendo feitas pela imprensa – e que Sônia Bridi retoma na entrevista.
Ou seja, a princípio, o ex-presidente estaria ali para se defender de
certas acusações, mas ele tenta virar o jogo partindo para o ataque.
Para tanto, a estratégia usada por Collor foi a de desqualificar pro-
fissionalmente a repórter. Logo no início, ele não deixa a jornalista
completar a sua pergunta. Nesse contexto, Sônia Bridi viu sua face
positiva ser ameaçada diversas vezes por atos de fala negativos do
ex-presidente. Por exemplo, são recorrentes os atos de recusa e
repúdio de Collor (linhas 2 a 12, 15 a 19, 26 a 28, 34 a 36, 38 e 39, 42,
47 e 48, 53 a 56), bem como os atos de ofensa, nos quais se destaca
o emprego dos vocativos ‘minha filha’ e ‘filhotinha’ (linhas 38, 42,
53). Importante salientar todo o aspecto não-verbal da fala de Co-
llor: seus gestos e movimentos ameaçadores; seu tom de voz irado;
seus olhares; tudo isso contribuiu enormemente para o efeito de
sentido final de seu discurso.
Os marcadores conversacionais e as hesitações se fazem pouco
presente. Isso porque, embora o gênero analisado seja uma entrevis-
ta, em que canonicamente predominaria o caráter dialógico; a postura
adotada por Collor é a de um discurso monológico. Ele fala pratica-
mente sozinho, de maneira firme, impositiva e contundente. Por isso,
não há hesitações e titubeios. Por sua vez, a repórter se limita a deixá-
lo falar, talvez na tentativa de manter-se fiel ao preceito da objetivida-
de jornalística e/ou no intuito de que o comportamento alterado do
ex-presidente falasse por si só, denunciando possíveis inverdades
presentes no seu dizer e no seu comportamento.
No trabalho em sala de aula, é importante não só perceber a pre-
sença/ ausência desses elementos, mas por que eles ocorrem ou não
no discurso. Dessa forma, deixamos clara a associação entre aquilo que
se manifesta na superfície textual e as motivações sociais, culturais,
situacionais, cognitivas que condicionam as práticas sociais.
91
5 Conclusão
Afora o trabalho com a variação dialetal e de registros, que são
os aspectos mais presentes no ensino da oralidade em sala de aula,
apostamos que uma perspectiva frutífera de trabalho com o oral é
focalizar as estratégias organizacionais de interação próprias de cada
gênero textual. Do ponto de vista da avaliação, o aluno competente é
aquele que, ao analisar um gênero oral, consegue perceber e relacio-
nar aspectos de natureza extralingüística, paralingüística e lingüística
atuando conjuntamente na construção das significações.
Referências
BAGNO, Marcos. (1999). Preconceito lingüístico – o que é e como se faz.
São Paulo: Edições Loyola. 2ª. ed.
92
BROWN, Penelope & LEVINSON, Stephen C. (1987). Politeness: some
universals in language usage. Cambridge: Cambridge University Press.
DOLZ, Joaquim & SCHNEUWLY, Bernard (1998). Pour um enseignement
de l’oral: initiation aux genres formels à l’école. Paris: ESF Éditeur.
________. e cols. (2004). Gêneros orais e escritos na escola. Trad. Roxane
Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado de Letras.
GOFFMAN, Erving. (1974). A frame analysis. New York: Harper & Row.
GNERRE, Maurizzio. (1991). Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Mar-
tins Fontes. 3ª. ed.
PERRENOUD, P.(1999). Avaliação: da excelência à regulação das aprendi-
zagens – entre duas lógicas. Porto Alegre: Artmed.
SILVA, Paulo Eduardo Mendes da & MORI-DE-ANGELIS, Cristiane Cag-
noto. (2003). Livros didáticos de língua portuguesa (5a a 8a séries): perspec-
tivas sobre o ensino da linguagem oral. In: Livro didático de língua portugue-
sa, letramento e cultura da escrita. Roxane Rojo & Antônio Augusto Gomes
Batista (orgs.). Campinas, SP: Mercado de Letras, pp. 185-210.
93
94
C APÍTULO 6
Análise lingüística:
por que e como avaliar
Márcia Mendonça
95
• as especificidades da AL e sua avaliação no processo de alfa-
betização e no ensino fundamental; e
• o tratamento da norma-padrão na AL e sua avaliação.
96
nos princípios gerais que norteiam o ensino de língua. Por exemplo,
privilegia a produção em detrimento do reconhecimento e da repro-
dução de saberes; a expressão da subjetividade no lugar do silenci-
amento; o texto e não a frase como unidade básica do trabalho
pedagógico; a linguagem como atividade e não como produto de
tarefas, entre outros.
1
Poderíamos usar o verbo no presente (são) porque, na verdade, o eixo de língua
materna que menos sofreu modificações quanto ao seu ensino é o da AL,
embora o tempo escolar já seja dividido também com leitura e escrita. Em
parte dos casos, o que continua a ser feito é o ensino de gramática nos moldes
mais tradicionais, tal como o caracterizamos acima. Mas, como vivemos um
momento de transição, e como é comum ocorrer nas transformações educacio-
nais, já se mesclam práticas mais inovadoras – a AL – com práticas mais
conservadoras – o ensino de gramática.
2
Um outro objetivo, geralmente não-declarado, seria o de formação erudita quan-
to a particularidades da língua, ou seja, a formação de “gramáticos-mirins”.
97
• ortografia de palavras pouco comuns ou complexas do ponto de
vista da grafia, já nas séries iniciais (por exemplo: aquiescência, ex-
cepcional, etc.);
• coletivos incomuns no uso cotidiano da língua, como cáfila e alca-
téia, apresentados em listas a serem decoradas;
• análises morfossintáticas exaustivas de frases, cujas palavras e ex-
pressões eram dissecadas em suas classes gramaticais e funções sin-
táticas (A bola é azul. / bola – substantivo feminino singular, núcleo
do sujeito simples ‘A bola’), sendo essas atividades um fim em si
mesmas;
• construções sintáticas distantes dos usos lingüísticos brasileiros,
inclusive das pessoas que falam a norma-padrão, como é o caso das
mesóclises (dir-te-ei; comprá-lo-ia, etc.);
• casos especiais, e de baixa freqüência em textos, de concordância ou
regência, para os quais não há consenso sequer nas gramáticas norma-
tivas e sobre os quais não se operava qualquer reflexão em sala de
(por exemplo, a regência do verbo assistir, que tem, entre vários
sentidos, o de residir).
98
Não bastasse a seleção equivocada de conteúdos e as ativida-
des pouco reflexivas, havia ainda a mais paradoxal das característi-
cas do ensino de gramática: a sua desarticulação em relação aos
eixos da leitura e da produção. Tanto isso é verdade que, em certas
escolas, nos dias de hoje, há um professor exclusivo de gramática
(também chamada de “Português”, como se a disciplina Língua Por-
tuguesa se resumisse à gramática...), além do professor que leciona
especificamente “Redação”. A incoerência dessa separação reside
no fato de que o objetivo declarado do ensino de gramática era o
domínio da norma-padrão, que iria se manifestar posteriormente na
produção de textos e na leitura de textos. Obviamente, tal meta não
poderia ser alcançada, dado o divórcio entre, de um lado, as práticas de
uso da língua, nas quais o domínio da norma-padrão seria necessário
(leitura, escrita, oralidade), e, de outro, a reflexão sobre a língua (AL).
Considerando esse conjunto de características, o processo de
avaliação também seguia uma perspectiva estrutural e somativa. As-
sim, os instrumentos de avaliação mais usados eram as provas escri-
tas, as chamadas orais, os ditados, entre outros, já que permitiam uma
quantificação exata dos erros e a localização precisa dos “problemas”
a serem sanados. A avaliação era feita de forma pontual, ou seja, a
cada conteúdo estudado, era aplicado um instrumento de avaliação à
semelhança dos exercícios de fixação feitos em sala: preenchimento
de lacunas com verbos a serem corretamente flexionados ou com
determinadas letras (ortografia); exercícios de análise morfossintáti-
ca de palavras, frases e orações, isoladas ou extraídas de textos;
ditados de palavras esdrúxulas, cuja correção era feita copiando-se,
dez, vinte, cinqüenta vezes a grafia das palavras em que se havia
errado, sem qualquer discussão ou comparação das ocorrências, etc.
Lembramos que, por trás desses procedimentos, não havia uma
“mente sádica” que quisesse dificultar a vida do aluno, mas uma
crença genuína de que eles levariam ao domínio da norma-padrão e
ao desenvolvimento das habilidades de leitura e produção de texto3.
3
A esse respeito, Rangel (2001) propõe o inverso: as práticas de leitura e escrita,
convertidas em objeto privilegiado do trabalho em sala de aula, permitiriam ao
aluno intuir a gramática subjacente.
99
Esse princípio baseava-se numa concepção de língua(gem) como
código, o que levava ao pressuposto (falso) de que esta poderia ser
estudada em suas partes estruturais. Logo, poderia ser aprendida
como um quebra-cabeça a ser montado sintática e morfologicamente,
partindo-se da análise dos elementos mais simples – fonemas, letras,
sílabas, palavras – para os mais complexos – frases, períodos e tex-
tos. Esse pressuposto ignora que
100
de textualidade (coesão, coerência), seleção de registro (formal, infor-
mal, semiformal, etc.), atendimento à norma-padrão, etc.; seriam ava-
liados, por meio de revisão e reescrita, por exemplo, os aspectos de
que o aluno já tenha se apropriado, seja no âmbito discursivo, textual
ou lingüístico, incluídas as questões normativas;
• a AL realizada a respeito de certo tópico, dentre os conhecimen-
tos lingüísticos a serem trabalhados na escola, buscando-se a compre-
ensão do seu funcionamento no âmbito da língua (ex.: formação de
palavras); essas capacidades contribuiriam, em última análise, para a
ampla formação lingüística dos alunos; a avaliação focalizaria a capaci-
dade de refletir sobre os fenômenos e de explicitar essa reflexão.
Nesse sentido, a AL
E acrescentamos:
4
Publicada no livro Cara ou coroa?, do mesmo autor (São Paulo: Ática, 2000).
101
Desde que mandei colocar na minha janela uns vasos de gerâ-
nio, eles começaram a aparecer. Dependurei ali um bebedou-
ro, desses para beija-flor, mas são de outra espécie os que
aparecem todas as manhãs e se fartam de água açucarada, na
maior algazarra. Pude observar então que um deles só vem
quando os demais já se foram.
Vem todas as manhãs. Sei que é ele e não outro por um
pormenor que o distingue do demais: só tem uma perna. Não
é todo dia que costuma aparecer mais de um passarinho com
uma perna só. (...)
102
comuns a textos pertencentes a um mesmo gênero5. Alguns exemplos
são o trabalho com a adequação de registro – informalidade em bilhetes
e formalidade em cartas endereçadas a autoridades; e com a escolha de
certos adjetivos, e não de outros, para descrever: a) um personagem de
um conto; b) um produto a ser anunciado em classificados; c) um fato
numa notícia (SANTOS, ALBUQUERQUE e MENDONÇA, 2005: 124).
O depoimento da professora Fernanda Pinheiro6, que trabalhou com
textos publicitários com seus alunos, ilustra como isso pode ser efeti-
vado: Quando terminaram a produção dos anúncios, trabalhei a fun-
ção qualitativa e designativa dos adjetivos e dos substantivos, mos-
trando o efeito de sentido, no texto, de cada elemento mórfico.
A partir desses exemplos, conclui-se que a avaliação da prática
de AL deve considerar a construção de competências e habilidades
de linguagem, o que não pode ser atingido por meio de avaliações
pontuais, que enfoquem apenas ou principalmente aspectos estrutu-
rais e normativos. Faz-se necessário um trabalho constante em que o
aluno seja levado a refletir sobre a linguagem e, especialmente, a
pensar sobre os caminhos que percorre para analisar os fenômenos
discursivos (metacognição).
Lembramos que a nomenclatura usada neste artigo para expli-
car os fenômenos não precisa, necessariamente, ser usada ou estu-
dada em sala de aula para que se concretize a prática de AL. A
decisão sobre explicitar ou não as nomenclaturas no Ensino Funda-
mental I (EFI) e Ensino Fundamental II (EFII) dependerá da série/
ciclo e dos objetivos do professor. Por exemplo, gradativamente, e
na medida da necessidade que possa surgir das discussões em
sala, já no EFI, os alunos podem se familiarizar com termos como
5
Para mais detalhes, ver o cap. “Análise lingüística: refletindo sobre o que há de
especial nos gêneros”, em: C. F. SANTOS, M. CAVALCANTE & M. MEN-
DONÇA (orgs.). Diversidade textual: os gêneros na sala de aula. Recife/Belo
Horizonte: MEC-CEEL/Autêntica. No prelo, a sair em 2006.
6
A professora Fernanda Pinheiro de Souza e Silva trabalha na Escola Alzira da
Fonseca Breüel (rede estadual), em Jaboatão do Guararapes (PE). Ela ministra as
disciplinas de Língua Portuguesa e Língua Inglesa nas turmas de 5a a 8a séries do
ensino fundamental. Seu depoimento foi coletado durante o curso Avaliação em
Língua Portuguesa, promovido pelo CEEL-UFPE, no 2º semestre de 2005.
103
substantivo, adjetivo, frase, entre outros, desde que essa termino-
logia ajude a elaborar as reflexões.
Vejamos, a seguir, como a prática de AL pode ser realizada e
avaliada, levando em conta o processo de alfabetização e a norma-
padrão como objeto de ensino.
104
Vale salientar que esse progresso não é linear, mas comporta
avanços e retrocessos, por isso, ao se avaliar os alunos, não se
deve “encaixá-los” em níveis estanques de conhecimento sobre a
escrita – pré-silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético. É
necessário apontar uma dessas quatro categorias como referência
para aquilo que o aluno já conhece a respeito da escrita. Mais
necessária ainda faz-se a atenção ao processo, devido a essa di-
nâmica peculiar.
Porém não se pode esquecer que aspectos outros, não ligados
ao sistema de escrita, mas também relativos à reflexão sobre a lingua-
gem, devem ser contemplados já nesse momento da escolarização,
respeitando-se a pertinência para a série/ciclo e para o planejamento
em curso. É possível, portanto, em todo o EFI, e mesmo quando os
alunos não se alfabetizaram ainda, levá-los a pensar sobre certas
ocorrências em textos e avaliar as hipóteses construídas, no proces-
so de ensino-aprendizagem.
Selecionamos os seguintes verbetes do livro de Adriana Falcão,
Mania de explicação7, que tem uma série deles, muito divertidos:
a) Intuição é quando o seu coração dá um pulinho no futuro e
volta rápido.
b) Desespero são dez milhões de fogareiros acesos dentro de
sua cabeça.
7
FALCÃO, Adriana. Mania de Explicação. Ilustrações de Mariana Massarani.
São Paulo: Moderna, 2001.
105
Esse tipo de atividade integra os eixos de leitura e AL, já que os
aspectos enfocados são importantes para se desvelar os processos
de produção de sentidos. Ao se levar os alunos a refletirem – ainda
que assistematicamente – sobre processos lingüístico-discursivos,
permite-se a ampliação das habilidades e competências de leitura.
A avaliação desse processo deverá, portanto, contemplar a am-
pliação dessas habilidades e competências ao longo do tempo e não
poderá, conseqüentemente, ser pontual ou isolada dos eixos de leitu-
ra e de produção. Algumas estratégias avaliativas relevantes são o
acompanhamento da aprendizagem dos alunos por meio de registros
sobre os progressos alcançados; o trabalho com grupos heterogêneos,
de modo que os alunos mais avançados possam auxiliar os que estão
em etapas anteriores do conhecimento sobre a escrita, permitindo ao
professor avaliar se e como os avanços se dão, entre outras.
3 A AL e a norma-padrão
Quanto ao tratamento da norma-padrão, aspecto importante na
prática de AL, é comum ouvirmos afirmações do tipo “Não é mais
preciso trabalhar com a norma-padrão na escola.” Nada mais engano-
so, pois há muito que o dilema do professor não é mais ou texto ou
gramática (que inclui o trabalho com a norma-padrão), mas sim para
que se ensina gramática na escola. A resposta a esse para quê levará
a reflexões sobre o que ensinar, como ensinar e como avaliar.
Nessa perspectiva, segundo Possenti (1996), a missão da escola
não seria exatamente ensinar a norma-padrão, mas dar condições para
que ela seja apreendida. Em outras palavras, isso significaria que o
padrão lingüístico não deve ser considerado um objeto separado das
práticas lingüísticas dos falantes. Na verdade, o padrão é uma varieda-
de que vai sendo internalizada pouco a pouco, principalmente por meio
da mediação do professor durante: a) a prática de leitura de textos
elaborados nessa variedade; b) a análise das produções dos alunos,
para perceber os efeitos de sentido alcançados pelo uso de certos
registros e dialetos, bem como para revisão e reescrita, tendo em vista
a eventual necessidade de ajustes quanto à variedade usada.
106
Dessa forma, ao contrário do que ocorre no ensino de gramática,
a norma deve ser vista como objeto de reflexão e não como objeto de
memorização. Sim, é possível e necessário pensar sobre a norma!
Construir hipóteses, verificá-las, reconstruí-las e sistematizar o que
foi aprendido, tudo isso faz parte de uma opção pedagógica de
base construtivista que implica optar pela predominância de algumas
estratégias didáticas.
Uma delas é o método indutivo, que se dirige do particular para
o geral – da análise dos exemplos para a construção das regras gerais.
Esse método vai, portanto, de encontro à forma mais convencional de
ensinar a norma-padrão na escola, o método dedutivo, que parte do
geral – as regras – para o particular – os exemplos, seguindo-se exer-
cícios de fixação/aplicação da regra. No primeiro caso, o aluno é leva-
do a pensar sobre certos fenômenos para só então reconhecer algu-
ma regularidade e depois elaborar, com a mediação do professor (e
dos colegas, se for o caso), a(s) regra(s) de funcionamento. A pesqui-
sa também ocuparia um bom espaço já que, aliada a momentos de
observação, comparação, reflexão, sistematização e aplicação, permi-
tiria a construção gradativa dos conhecimentos.
Conseqüentemente, a avaliação não pode se pautar pela “devo-
lução” do que havia sido memorizado, mas pela (re)elaboração de
conhecimentos sobre o funcionamento da linguagem, por exemplo,
por meio da capacidade de verbalizar o que foi aprendido. Vejamos o
caso da acentuação: a dedução de regras por parte dos alunos bem
como a justificativa para determinadas ocorrências podem ser objeto
de avaliação em sala de aula. Nessa perspectiva, oferece-se oportu-
nidade para a postura ativa do aprendiz na construção dos seus próprios
conhecimentos.
4 Palavras finais
A prática de AL na escola deve ser compreendida como um
momento em que os alunos, auxiliados pela intervenção adequada
do professor, refletem sobre a linguagem, seja em textos produzidos
por eles mesmos ou por outras pessoas. Partindo dessa reflexão,
uma visão mais ampla de como interagimos lingüisticamente pode
107
ser construída ao longo dos anos escolares, de modo que os alunos
desenvolvam habilidades de compreensão e produção de textos orais
e escritos, em gêneros diversos.
A autonomia para fazer as escolhas lingüísticas mais expressi-
vas e adequadas e aos objetivos de quem fala ou escreve depende,
em grande parte, de um trabalho escolar com a AL. Esse trabalho
contribui ainda, fundamentalmente, com a elucidação dos mistérios
das entrelinhas, com a sensibilização para o jogo metafórico, com a
formação de um leitor mais arguto e, portanto, crítico. A prática de AL
também ajuda na tomada de consciência do falante quanto aos mo-
dos de funcionamento da língua, nas dimensões formais, textuais e
discursivas. Desse modo, espera-se que os aprendizes ampliem gra-
dativamente suas práticas de letramento, tornando-se cada vez mais
autônomos e críticos nas interações verbais de que venham a partici-
par, dentro ou fora dos muros da escola.
Reconhecemos que essa mudança de perspectiva, de objetivos,
de conteúdos a serem ensinados não é fácil para o professor. Alguns
obstáculos surgem: sua própria formação enquanto aluno e posterior-
mente como professor, os anos de prática docente e a organização
escolar, tudo isso reflete, na maioria dos casos, uma pedagogia tradi-
cional de ensino de língua, que fragmenta as práticas lingüísticas e
ignora a produção de sentido como aspecto essencial. Porém, é pos-
sível e absolutamente necessário iniciar e ampliar as mudanças no
ensino de AL e na sua avaliação.
Nesse sentido, a avaliação do eixo de AL numa perspectiva for-
mativa8, ou seja, aquela que permite compreender o processo de apren-
dizagem, lançar hipóteses a respeito, visando, entre outras metas, à
intervenção adequada do professor e à posterior transformação de
saberes, implica necessariamente a avaliação do aluno quanto às suas
competências de leitura e produção de textos. Ainda que ocupe, even-
tualmente, momentos específicos do tempo escolar, a AL não pode
ser um fim em si mesma, tampouco pode ser avaliada isoladamente,
pois corre-se o risco de fragmentar, de forma equivocada, o complexo
fenômeno da linguagem.
8
Para mais detalhes a respeito, ver o capítulo 2, neste livro.
108
Referências
GERALDI, João Wanderley. Unidades básicas do ensino de português. In
GERALDI, João Wanderley (Org.) (1997). O texto na sala de aula. São
Paulo: Ática, p. 59-79.
MENDONÇA, Márcia. Análise lingüística no ensino médio: um novo olhar,
um outro objeto. In BUNZEN, Clecio e MENDONÇA, Márcia. (orgs.)
(2006).Português no ensino médio e formação do professor. São Paulo: Pa-
rábola Editorial.
POSSENTI, Sírio. (1996). Por que (não) ensinar gramática na escola. Cam-
pinas, SP: Associação de Leitura do Brasil (ALB)/Mercado de Letras.
RANGEL, Egon Oliveira. (2001). Livro didático de Língua Portuguesa: o retor-
no do recalcado. In: DIONISIO, A.; BEZERRA, M. A. (Orgs.). O livro didá-
tico de português: múltiplos olhares. 2. ed., Rio de Janeiro: Lucerna. p. 7-14.
SANTOS, Carmi; ALBUQUERQUE, Eliana; MENDONÇA, Márcia (2005).
Alfabetização e letramento nos livros didáticos. In SANTOS, Carmi; MEN-
DONÇA, Márcia (orgs.) Alfabetização e letramento: conceitos e relações.
Belo Horizonte: Autêntica, p.111-132.
109
110
CAPÍTULO 7
Lívia Suassuna
1 Introdução
Um importante tema a se tratar quando discutimos a avaliação
do ensino-aprendizagem são os instrumentos e testes. Neste capí-
tulo, faremos uma exposição acerca desse aspecto da avaliação,
procurando relacioná-lo com os paradigmas vistos no princípio deste
volume e também com as concepções de linguagem, leitura, escrita,
oralidade e análise lingüística apresentadas nos capítulos subse-
qüentes.
Em linhas gerais, os instrumentos dizem respeito ao conjunto de
tarefas, atividades, exercícios, testes etc. que aplicamos com o objeti-
vo de acompanhar a aprendizagem dos alunos. Desenvolveremos o
capítulo discutindo, inicialmente, alguns pressupostos gerais sobre
os instrumentos de avaliação. Em seguida, faremos algumas análises
de questões de avaliação da aprendizagem em língua portuguesa,
contrastando aquelas que se baseiam numa concepção de linguagem
111
enquanto código/estrutura com aquelas centradas numa visão soci-
ointeracionista da língua e de seus usos. Na conclusão, por fim, fare-
mos uma síntese da discussão, tentando apontar o que é relevante
avaliar em leitura, em produção textual (oral e escrita) e em análise
lingüística, considerando que essas são as práticas em que se baseia
atualmente o ensino da língua portuguesa.
2 Os instrumentos de avaliação
112
e reelaborações, e que o papel do professor seria o de fazer cone-
xões entre as formulações dos alunos, suas possibilidades cog-
nitivas e o conhecimento que se pretende que eles construam
(DE LA TAILLE, 1997; HOFFMANN, 2001a).
Se fizermos uma relação entre a função dos instrumentos de
avaliação no quadro de uma avaliação classificatória e no quadro de
uma avaliação formativa, veremos que, na primeira, o objetivo é ape-
nas verificar ou comprovar a aprendizagem, para o que basta, muitas
vezes, a repetição, pelo aluno, de um conceito anteriormente apre-
sentado a ele pelo professor; na segunda, em contrapartida, a tarefa
ou instrumento teria a função de mobilizar experiências e saberes
prévios, acionar estratégias cognitivas, estimular a reflexão, o ques-
tionamento, o cotejo de conhecimentos.
Por isso, dizemos que, no processo avaliativo, não é qualquer
pergunta que gera um discurso ricamente interpretável. Ao elabo-
rarmos instrumentos de avaliação, devemos ter em mente que as
questões postas para os alunos precisam ser instigantes, mobiliza-
doras; levar à solução de problemas, à tomada de decisões, à elabo-
ração de justificativas, ao desequilíbrio cognitivo, a desacordos
intelectuais, enfim, à ampliação da aprendizagem. As perguntas são,
elas próprias, formas de interação entre aluno e professor; dotadas
de intenções didático-pedagógicas, estabelecem entre ambos uma
relação multidimensional.
Analogamente, as respostas que os alunos nos dão fornecem
informações sobre como eles pensam e aprendem, e também como
compreendem as perguntas que lhes fazemos, razão pela qual deve-
mos considerar o efeito dos instrumentos sobre as formulações apre-
sentadas pelos aprendizes.
De acordo com Sousa (1998), os resultados e respostas que
encontramos nos permitem formular hipóteses sobre o desempenho
do aluno e, ao mesmo tempo, informam sobre o tipo de ensino ofere-
cido. Nesse sentido, diante das respostas e dos resultados, temos
que fazer interpretações amplas e qualitativas a respeito não só das
aprendizagens, mas também do ensino, do currículo, da escola e da
própria avaliação.
113
Hoffmann (2001b), tecendo considerações acerca das tarefas,
afirma que estas têm uma dupla função, tanto para o professor quan-
to para o aluno:
a) para o professor, elas constituem elementos de reflexão sobre os
conhecimentos dos alunos e sobre o sentido de sua ação pedagógica;
b) para o aluno, constituem oportunidade de expressão/reorganiza-
ção do conhecimento, e elementos de reflexão sobre os conhecimentos
já construídos e sobre seus próprios procedimentos de aprendizagem.
1
As tarefas aqui discutidas foram retiradas de livros didáticos diversos e de instrumen-
tos de avaliação aplicados por professores das redes pública e privada de ensino de
Pernambuco. Não identificaremos as fontes por razões éticas e por acharmos que
o mais importante, no momento, é que as questões sirvam ao debate em torno da
avaliação da aprendizagem, independentemente de sua autoria.
114
Para o texto “Como o gato e o rato se tornaram inimigos” (Rogé-
rio de Andrade Barbosa), encontrado em um livro didático (LD) de 5a
série, foram sugeridas algumas questões de interpretação/compreen-
são de leitura, entre elas:
(2) Leia:
“No tempo em que os gatos e os ratos ainda eram amigos...”Anote a
conclusão a que podemos chegar a partir desse trecho.
– A história se passa numa época imaginada, inventada.
– A época em que a história ocorre pode ser identificada com precisão.
115
medida em que a resposta adequada parece óbvia. Tal modo de for-
mular a questão contraria um princípio básico relativo às questões de
múltipla escolha, qual seja, o de que as alternativas não devem ser
claramente refutáveis, mas, ao contrário, devem ser, em alguma medi-
da, todas plausíveis, de modo que o aluno, ao tentar respondê-las,
reflita em busca do que considera a melhor resposta e saiba, em se-
guida, justificar sua escolha (as alternativas seriam eliminadas, por
exemplo, não porque dizem obviamente o contrário das outras, mas
porque se assemelham, ou contêm elementos das outras, ou resumem
melhor as outras, ou extrapolam demais o texto, ou não respondem
precisamente ao que foi perguntado... etc. (cf. SOARES, 1990).
(3) Na última questão da seqüência aqui mostrada, repete-se o
fato apontado na questão 1, só que, desta vez, pergunta-se ao aluno
se ele sabe dizer qual é o nome do recurso apontado (que, no caso, é
a onomatopéia). Caso o aluno não saiba (e, freqüentemente, não tem
como saber isso numa 5a série), ele não responderia à questão, o que
não o impediria de fazer a outra parte da atividade, que consiste em
encontrar no texto um exemplo de onomatopéia e explicar o barulho
que ela tenta imitar. Ao nosso ver, uma pergunta que pode ficar sem
resposta , sem que isso tenha importância para os processos de inter-
pretação e aprendizagem, não tem razão de ser enquanto uma propo-
sição didática de compreensão de um texto previamente lido.
1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010
116
Cada espaço entre dois tracinhos é uma década – um período de dez
anos. Discutam e respondam:
1. Em que década vocês estão?
Um de vocês vai escrever, na linha do quadro-de-giz, um H (de Hoje)
em cima da década em que vocês estão. Façam o mesmo na linha que
desenharam em seus cadernos.
2. Em que décadas vocês nasceram?
Um de vocês vai escrever, na linha do quadro-de-giz, um N (de Nas-
cimento) em cima de cada década em que alunos da turma nasceram.
Façam o mesmo em seus cadernos.
3. Identifiquem, debaixo da foto de Monteiro Lobato, em que década
ele morreu.
Um de vocês vai escrever, na linha do quadro-de-giz, um M (de
Morte) em cima da década em que Monteiro Lobato morreu. Façam
o mesmo em seus cadernos.
4. Observem o ano em que as duas cartas foram escritas.
Um de vocês vai escrever, na linha do quadro-de-giz, um C (de Carta)
em cima da década em que as cartas foram escritas. Façam o mesmo
em seus cadernos.
5. Agora, respondam, consultando a linha no quadro-de-giz e em seus
cadernos:
• Quantas décadas separam vocês, hoje, da década em que as duas
crianças escreveram suas cartas a Monteiro Lobato?
• Se João Eduardo, que escreveu uma das cartas, ainda estiver vivo,
quantos anos ele tem, hoje? Quais de vocês conhecem pessoas que
têm essa idade?
117
4. permitem o cruzamento de informações presentes nas cartas e
na biografia de Monteiro Lobato;
5. permitem fazer discussões temáticas mais amplas acerca da
cultura, da literatura, do papel do escritor na sociedade e das relações
entre o hoje e o ontem, o presente e o passado, a infância e a velhice.
Eu andei no cavalo
e e bon día da dica
valou cavalo e bonito acondeli
E braco é pento é maro
Eu li E macio toda tardi
Eu andava íneli Eu e bonito
118
Nesse caso, pode-se afirmar que o texto produzido pelo alu-
no (semelhante aos das cartilhas) não apresenta título, nem si-
nais de pontuação, e tem uma sintaxe típica – frases declarativas,
com predomínio da estrutura sujeito-verbo-objeto ou sujeito-
verbo-predicativo, margeadas à esquerda e dentro de um tama-
nho mais ou menos padrão (VOTRE, 1987). Outro aspecto que se
pode salientar é a circularidade (expressa na repetição de infor-
mações e termos) e a mera seqüência de frases (nesse aspecto, o
aluno seguiu rigorosamente o comando da professora), sem que
estejam claros o gênero textual, o destinatário, as finalidades
comunicativas do texto etc.
Em contrapartida, apresentamos abaixo uma proposta de pro-
dução de texto escrito2 que contempla alguns dos aspectos negli-
genciados no caso acima. Vejamos: o texto gerador trabalhado
antes da produção escrita foi “Sol e chuva”, de José Lins do Rego
(trecho do romance “Menino de engenho”). Nas questões de com-
preensão de leitura de número 14 a 21, foram explorados vários
detalhes e informações do texto, particularmente no que diz res-
peito ao contraste entre os dias de sol e os dias de chuva (carac-
terísticas, atividades e brincadeiras possíveis, malefícios e benefí-
cios da chuva e do sol, aproveitamento da água, caracterização
das estações inverno e verão em diferentes regiões do Brasil e do
mundo, comportamento das crianças em dias de sol e de chuva...
etc.). Previamente, também, havia sido trabalhado o conteúdo “nar-
rativa ficcional” e seus elementos (narrador, tempo, espaço, enre-
do), e, ainda, a presença, no texto narrativo, de elementos descri-
tivos e argumentativos. A partir daí, propôs-se a alunos de 5a série
a seguinte tarefa de escrita:
2
A proposta em questão resultou de uma produção conjunta de professoras de 1a
a 4a séries do ensino fundamental, no âmbito de um projeto de formação
continuada de profissionais de cinco redes públicas municipais de educação da
Região Metropolitana de Recife – Projeto Nova Escola.
119
Releia as respostas dadas por você às questões 14 a 21. Reorganize
as idéias e redija um texto, seguindo o roteiro abaixo:
SOL E CHUVA
PARÁGRAFO 1 – sugestão de parágrafo de introdução (Às vezes, o
dia amanhece com sol e, outras vezes, com chuva.)
PARÁGRAFO 2 – características de um dia de sol (aparência, aspec-
tos, elementos... etc.)
PARÁGRAFO 3 – características de um dia de chuva (aparência,
aspectos, elementos... etc.)
PARÁGRAFO 4 – atividades e brincadeiras que você realiza num dia
de sol
PARÁGRAFO 5 – atividades e brincadeiras que você realiza num dia
de chuva
PARÁGRAFO 6 – conclusão (resumo do que você pensa sobre o sol
e a chuva)
120
Atividade 1
Fazer, em grupos, leitura expressiva do poema “História”, de Raul
Bopp. Cada grupo, seis elementos. No livro, com os versos já enu-
merados, fazer esta marcação:
• os seis alunos, numa só voz: versos 1, 3, 7, 9, 15, 21, 26, 30, 41 e 48;
• aluno A: versos 2, 11, 12, 20, 31 e 40;
• aluno B: versos 4, 13, 22, 23, 32, 42 e 43;
• aluno C: versos 5, 14, 24, 33, 34 e 44;
• aluno D: 6, 16, 25, 35, 36 e 45;
• aluno E: 8, 17, 18, 27, 28, 37, 38 e 46;
• aluno F: 10, 19, 29, 39 e 47.
Atividade 2
PRODUÇÃO DE TEXTO
121
2. O professor vai organizar a turma em grupos.
• No grupo, exponham uns aos outros as respostas obtidas, usando
as anotações para lembrar.
• Em seguida, escrevam, em conjunto, um roteiro para expor ao pro-
fessor e à turma os resultados obtidos pelo grupo. Façam uma síntese
das respostas dadas pelas pessoas entrevistadas a cada uma das
perguntas.
• Dividam a exposição entre os membros do grupo, de modo que
todos tenham a oportunidade de falar. Decidam quem vai falar o quê.
LINGUAGEM ORAL
122
Exemplo 4 – Instrumentos de avaliação da análise lingüística
123
1) O francês Alain Robert não é o estudante Peter Parker. Por que ele
é chamado de homem-aranha?
2) Alain Robert é um homem-aranha, não é o Homem-Aranha – qual
é a diferença?
3 Conclusão
Esperamos ter favorecido, com este capítulo, uma reflexão que
tome, de um lado, pressupostos teórico-metodológicos sobre os ins-
trumentos de avaliação e, de outro, análises de diferentes instrumen-
tos sobre diferentes aspectos da língua portuguesa. Nosso propósi-
to principal foi deixar claro que os instrumentos de avaliação
expressam uma determinada concepção de linguagem (e de ensino-
aprendizagem na área da linguagem).
Assim, é muito importante que os instrumentos, tarefas, ativida-
des ou testes que elaboramos, na perspectiva do letramento, contem-
plem os diferentes usos sociais da leitura e da escrita, levem à produ-
ção dos mais variados discursos e permitam uma multiplicidade de
respostas e dizeres.
Em termos estritos, defendemos:
a) que as questões de leitura permitam ao aluno construir os
caminhos pelos quais ele atribui sentido ao dizer do outro;
124
b) que as propostas de produção de texto escrito levem o aluno
a expressar sua visão de mundo;
c) que as atividades de linguagem oral dêem margem a que o
aluno participe, enquanto cidadão, do debate social;
d) e, finalmente, que as práticas de análise lingüística contribuam
para que ele, refletindo sobre a língua, busque e construa explicações
cada vez mais sistemáticas e articuladas sobre seu funcionamento.
Referências
DE LA TAILLE, Y. O erro na perspectiva piagetiana. Em: AQUINO, J. G.
(org.). Erro e fracasso na escola – alternativas teóricas e práticas. São Paulo:
Summus, 1997, pp. 25-44.
GARCIA, R. L. A avaliação e suas implicações no fracasso/sucesso. Em:
ESTEBAN, M. T. (org.). Avaliação – uma prática em busca de novos senti-
dos. 2.ed., Rio de Janeiro: DP & A, 2000, pp. 29-49.
HADJI, C. A avaliação desmistificada. Porto Alegre: Artmed, 2001.
HOFFMANN, J. Avaliação na pré-escola – um olhar sensível e reflexivo
sobre a criança. 10.ed., Porto Alegre: Mediação, 2001a.
________. Avaliar para promover: as setas do caminho. Porto Alegre: Me-
diação, 2001b.
PERRENOUD, P. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens
– entre duas lógicas. Porto Alegre: Artmed, 1999.
SOARES, M. B. Português através de textos. São Paulo: Moderna, 1990,
manual do professor, vol. 5a série.
SOUSA, C. P. Descrição de uma trajetória na/da avaliação educacional. Em:
CONHOLATO, M. C. (coord.). Idéias, no 30 – Sistemas de avaliação educa-
cional. São Paulo: FDE, 1998, pp. 161-174.
VOTRE, S. I. Discurso e sintaxe nos textos de iniciação à leitura. Em: CLE-
MENTE, E. e KIRST, M. H. (orgs.). Lingüística aplicada ao ensino do
português. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987, pp. 111-126.
125
126
C APÍTULO 8
Avaliação e alfabetização
127
resultados têm sido alarmantes: entretanto, apesar de os índices de
repetência nas séries iniciais do Ensino Fundamental terem diminuí-
do, muitos alunos têm concluído a 4ª série, e mesmo a 8ª série, sem
conseguir ler e produzir textos com autonomia.
128
esses métodos, a escrita alfabética seria um código, cuja aprendiza-
gem se daria a partir da memorização de informações prontas sobre
letras e sons, que eram repassadas às crianças (ou jovens e adultos)
a partir de exercícios repetitivos.
É importante destacar que, nessa perspectiva, para iniciar o pro-
cesso de aprendizagem do “código” alfabético, ou seja, de memoriza-
ção das correspondências entre letras e sons, os alunos precisariam
alcançar um estado de “prontidão”, relacionado ao desenvolvimento
de habilidades “psiconeurológicas” ou perceptivo-motoras” (coor-
denação motora, discriminação visual e auditiva, memória visual e
auditiva, equilíbrio etc.). Como afirma Morais (2005 a),
129
Não lembro com muita ênfase a partir de que momento fui
alfabetizada. O que consigo lembrar é que quando fui alfabe-
tizada o sistema era tradicional, a professora escrevia os pa-
drões silábicos, nós os repetíamos, ela nos tomava a lição,
que possuía palavras com os padrões estudados. Lembro
que, até a terceira série, minha leitura era arrastada e eu tinha
vergonha de ler em público, pois queria fazer aquela leitura
corrida e não conseguia. (...) Lembro apenas que fiz a 1a série
de forma cansada, não que eu não aprendi coisas novas, mas
tornou-se enfadonha a repetição de algumas atividades.
130
de alfabetização os alunos que tivessem sido aprovados no teste ou
exame “de prontidão”.
Iniciada a instrução formal em alfabetização, avaliava-se o aluno
para determinar seu prosseguimento nos estudos, tanto no que se
refere à apresentação das lições/unidades, como aos níveis escola-
res. Atrelada à prática tradicional de alfabetização estava a prática,
também considerada hoje tradicional, de avaliação, cuja ênfase era,
como abordado no primeiro capítulo deste livro, na classificação e
medição das aprendizagens dos alunos. Aqui também o propósito
seletivo ficava evidente: basta observarmos os antigos índices de
reprovação ao final da primeira série. Sabemos que no século XX,
durante décadas, a média nacional de fracasso na alfabetização este-
ve próxima a 50%.
131
me levou a muitos lugares e a outros exílios. Meu pai fumava
Mistura Fina. Eu comprava para ele, no bar da esquina, com
a esperança de ganhar o troco que já não vinha desde a doença
de minha mãe.
132
As situações em que o aluno era chamado a ler em voz alta
também ilustram os princípios das avaliações escritas, acima enfoca-
das. Vejamos o que nos conta a professora Evandra Maria Peixoto:
133
para alguém aprender a ler e a escrever. Pesquisas constataram
que crianças já alfabetizadas eram avaliadas como “imaturas”
para a alfabetização (CORRÊA; SANTOS, 1986), o que ates-
ta o quanto aqueles instrumentos – e a concepção em que
estavam baseados – eram promotores de exclusão. (p. 41).
134
os diferentes gêneros textuais escritos e sobre os diferentes usos
sociais que damos a eles. Essa última perspectiva ampliou radical-
mente as expectativas para o ensino alfabetizador: em lugar de res-
tringir-se a formar pessoas que “dominassem o código”, a escola
deveria inserir os alunos o mais precocemente possível em situações
reais de usos da língua escrita, letrando-os e alfabetizando-os simul-
taneamente (MORAIS & ALBUQUERQUE, 2004).
Qual a relação entre, de um lado, as teorias e práticas construti-
vistas de alfabetização e, de outro, as práticas de avaliação a que se
vinculavam? Responderemos a essa pergunta retomando como base
aqueles três aspectos que fundamentam o processo avaliativo: o que,
como e para que se avalia.
135
considerando o domínio da escrita alfabética, documentamos, por
exemplo, se o aluno:
• diferencia letras de números e outros símbolos, empregando
apenas letras ao escrever;
• escreve e lê respeitando as convenções de sentido “esquerda-
direita” e “do alto para baixo”;
• consegue refletir sobre os segmentos sonoros das palavras: a)
detectando se uma palavra oral tem mais sílabas que outra; b) identi-
ficando e produzindo palavras que começam com sílabas orais pare-
cidas; c) identificando e produzindo palavras que rimam.
136
nossa língua, pensamos que o docente poderá adotar quadros es-
pecíficos (MORAIS, 2005 b, pp.50-51), nos quais marca, ao lado dos
diferentes tipos de regras de nossa norma ortográfica, aquelas de
que cada aluno vai se apropriando. Isto é, ele vai registrando se o
aluno domina:
• cada regularidade direta: P, B, T, D, F, V, M e N em início de sílaba;
• cada regularidade contextual: usos de C ou QU, G ou GU, R ou
RR, O ou U em final de sílaba, E ou I em final de sílaba, M ou N no final
de sílaba nasal, usos do NH e do til (~) também em sílabas nasais, Z
em início de sílaba;
• cada regra morfológica, ligada às principais flexões verbais: os
usos de ÃO no futuro e AM em outros tempos verbais, o uso de OU/
EU/ IU no passado simples, o uso de SSE no imperfeito do subjuntivo
e de NDO no gerúndio.
137
• elabora textos a serem registrados pela professora, organizan-
do as informações e estabelecendo relações entre partes do texto, em
atendimento a diferentes finalidades e destinatários;
• escreve textos curtos dos gêneros que foram explorados
nas aulas.
138
2.3 Como se avalia?
139
tendem a avaliar por meio de atividades em que os aprendizes são
solicitados a escrever de forma espontânea, de modo a se perceber o
nível de escrita em que se encontram (a forma como pensam em rela-
ção ao sistema de escrita alfabética, o domínio que já têm ou não das
convenções som-grafia).
No lugar das provas escritas ou do “dar a lição”, outros instru-
mentos têm sido utilizados: cadernos de registros dos alunos, porti-
fólios, entre outros. A fim de captar a diversidade (e poder ajustar o
ensino aos variados ritmos de aprendizagem), envolve-se o aluno na
seleção e arquivamento de suas produções. Desse modo, o estudan-
te passa a observar seus avanços e exercita essa prática fundamental
que é a auto-avaliação. Mesmo sendo principiantes, dividem com o
adulto a tarefa de “saber o que sabem”, de olhar em retrospectiva
para a trajetória já percorrida. Numa sala de aula em que isso era
vivenciado, presenciamos em certa ocasião algo curioso. Relendo no
final do ano produções que tinham escrito alguns meses antes, os
alunos formulavam comentários como: “poxa, mas eu escrevia muito
errado” ou “eu sempre botava menos letra do que era pra ter”.
Maravilhoso, não?
3 Para concluir...
Na história recente de nosso país temos assistido a uma série de
medidas que buscam eliminar os efeitos excludentes das práticas tra-
dicionais de alfabetização. A ampliação do ensino fundamental ou a
sua reorganização em ciclos têm por base a idéia de que as crianças
precisam ter seus diferentes ritmos de aprendizagem respeitados e
que é necessário garantir que cedo, na escola, convivam com a língua
escrita em situações reais e significativas.
A avaliação das aprendizagens realizadas pelos estudantes du-
rante a etapa de alfabetização inicial precisa ser um exercício que
promova a inclusão. Cremos que, nesse processo, o aprendiz e sua
família precisam ter voz e participar efetivamente do processo de ava-
liação. Os pais ou seus substitutos têm todo o direito de conhecer as
expectativas que a escola tem em relação aos alfabetizandos em cada
140
unidade e série (ou ano) e precisam acompanhar os avanços e lacu-
nas experimentados. Quando o aluno e sua família sabem aonde a
escola quer chegar, quando estão envolvidos num processo de que
são os principais beneficiários, podem participar com mais investi-
mento e autonomia na busca do sucesso nessa empreitada que é o
alfabetizar-se.
Referências
FERREIRO, E. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 1985.
FERREIRO, E. & TEBEROSKY, A. Psicogênese da Língua Escrita. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1986.
LEAL, T. F. Intencionalidades da avaliação na língua portuguesa. Em Silva, J.
F.; Hoffmann, J. & Esteban, M. T. Práticas avaliativas e aprendizagens
significativas em diferentes áreas do currículo. Porto Alegre: Ed. Mediação,
2003, pp 19-31.
MORAIS, A. G. Se a escrita alfabética é um sistema notacional (e não um
código), que implicações isto tem para a alfabetização? Em MORAIS, A.;
ALBUQUERQUE, E. e LEAL, T. Alfabetização: apropriação do sistema de
escrita alfabética. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2005 a, pp. 29-45.
________. O diagnóstico como instrumento para o planejamento do ensino
de ortografia. Em SILVA, A; MORAIS, A. G. & MELO, K. R. (orgs.) Orto-
grafia na sala de aula. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2005 b, pp. 45-60.
MORAIS, A. G. & ALBUQUERQUE, E. B. O livro didático de alfabetiza-
ção: mudanças e perspectivas de trabalho. In MORAIS, Artur; ALBUQUER-
QUE, E. & LEAL, T. Alfabetização: apropriação do sistema de escrita alfa-
bética. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2005, pp. 147-166.
________. Alfabetização e letramento: O que são? Como se relacionam?
Como “alfabetizar letrando”? Em ALBUQUERQUE, E. B. C. e LEAL, T. F.
Alfabetização de jovens e adultos em uma perspectiva do letramento. Belo
Horizonte: Autêntica, 2004, pp. 59-76.
MOREIRA, N. Portadores de texto: concepções de crianças quanto a atribu-
tos, funções e conteúdo. In KATO, M. (org.) A concepção de escrita pela
criança. Campinas: Pontes, 1988, pp. 15-52.
141
OLIVEIRA, S. A. O ensino e a avaliação do Sistema de Escrita Alfabética
numa escolarização organizada em ciclos. Dissertação de mestrado, Univer-
sidade Federal de Pernambuco, Programa de Pós-graduação em Educação.
Recife, 2004.
PERRENOUD, P. Ofício de aluno e sentido do trabalho escolar. Porto:
Porto Editora, 1995.
QUEIRÓS, B. C. Ler, escrever e fazer conta de cabeça, Belo Horizonte:
Miguilim, 1997.
REGO, L. L. B. Descobrindo a língua escrita antes de aprender a ler: algumas
implicações pedagógicas. In KATO, M. (org.) A concepção de escrita pela
criança. Campinas: Pontes, 1988, pp. 105-134.
TEBEROSKY, A. Psicopedagogia de linguagem escrita. São Paulo: Trajetó-
ria Cultural; Campinas: Editora da UNICAMP, 1989.
WELLS, G. Story reading and the development of symbolic skills. In G.
WELLS (org.) Language, learning and education. CLSC: University of Bris-
tol, 1982, pp. 187-201.
142
OS AUTORES
Beth Marcuschi
Doutora em Lingüística, professora do Departamento de Letras
e pesquisadora do Centro de Estudos em Educação e Linguagem da
UFPE. Coordena o Núcleo de Avaliação e Pesquisa Educacional da
UFPE e também integra a equipe de avaliação de livros didáticos de
Língua Portuguesa do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).
beth.marcuschi@uol.com.br
143
Lívia Suassuna
Doutora em Lingüística pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), professora do Departamento de Métodos e Técnicas de
Ensino do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambu-
co (UFPE), membro do CEEL (Centro de Estudos em Educação e Lin-
guagem) e do NAPE (Núcleo de Avaliação e Pesquisa Educacional).
lsuassuna@ariano.nlink.com.br
144