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ASPECTOS FILOSÓFICOS

E SÓCIO-ANTROPOLÓGICOS
DA EDUCAÇÃO
Carmem Silvia da Fonseca Kummer Liblik;
Mauricio Tinori Piqueira;
Lísia M. Macedo Soares.
Aspectos Filosóficos
Socioantropológicos da Educação
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da Editora Telesapiens.

LIBLIK, Carmen Silvia da Fonseca Kummer / PIQUEIRA,


Mauricio Tintori / SOARES, Lísia M. Macedo

Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação.

ISBN: 978-65-81507-18-3

I.Filosofia. II.Socioantropologia. III. Educação.


Aspectos Filosóficos
Socioantropológicos
da Educação

Créditos Institucionais
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Todos os direitos reservados
OS AUTORES
CARMEM SILVIA DA FONSECA
KUMMER LIBLIK

Olá. Meu nome é Carmem Silvia da Fonseca Kummer


Liblik. Sou formada em Bacharelado e Licenciatura em
História, com Mestrado e Doutorado em História pela UFPR.
Também sou formada em Química Ambiental pela UTFPR,
com especialização em Tutoria em EAD pela UNINTER.
Tenho experiência profissional na área de ensino e produção
de material didático há 14 anos. Passei por empresas como a
UNINTER, PUC-PR e UFPR. Sou apaixonada pelo que faço e
adoro transmitir minha experiência de vida àqueles que estão
iniciando em suas profissões. Por isso fui convidada pela Editora
Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes. Estou
muito feliz em poder ajudar você nesta fase de muito estudo
e trabalho. Conte comigo!

MAURICIO TINTORI PIQUEIRA

Olá. Meu nome é Mauricio Tintori Piqueira. Sou doutor


em Ciências Sociais e mestre em História pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com uma
experiência de docência na área de Ciências Humanas de mais
de 14 anos. Sou professor universitário e do Ensino Médio,
com experiência como professor e coordenador do curso de
História da Faculdade de Ribeirão Pires e, docente na Rede
Pública do estado de São Paulo. Sou apaixonado pelo que faço
e adoro transmitir minha experiência de vida àqueles que estão
iniciando em suas profissões. Por isso fui convidado pela Editora
Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes. Estou
muito feliz em poder ajudar você nesta fase de muito estudo
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LÍSIA M. MACEDO SOARES

Olá. Meu nome é Lísia M. Macedo Soares. Sou formada


em Psicologia, especialista em Gestão Saúde Mental e Mestra
em Administração. Tenho experiência técnico-profissional
como Docente nos cursos de Enfermagem, Ciências Contábeis,
Engenharias e Administração. Nestes cursos de graduação, tive
o prazer de lecionar a disciplina Estudos Socioantropológicos.
Na minha última experiência, fundei um núcleo de Atendimento
Educacional ao discente – NAED, onde atuei como Psicóloga
oferecendo aos alunos apoio psicopedagógico. Sou apaixonada
pelo que faço e adoro compartilhar minha experiência de vida
àqueles que estão iniciando em suas profissões. Por isso fui
convidada pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de
autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você
nesta fase de muito estudo e trabalho. Conte comigo!
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OBJETIVO
Uma nota explicativa
Breve descrição do objetivo
sobre o que acaba de
de aprendizagem;
ser dito;
RESUMINDO
CITAÇÃO Uma síntese das
Parte retirada de um texto; últimas abordagens;

TESTANDO
DEFINIÇÃO
Sugestão de práticas ou
Definição de um
exercícios para fixação do
conceito;
conteúdo;

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DICA SAIBA MAIS


Um atalho para resolver Informações adicionais
algo que foi introduzido no sobre o conteúdo e
conteúdo; temas afins;
EXPLICANDO
SOLUÇÃO
DIFERENTE Resolução passo a
Um jeito diferente e mais passo de um problema
simples de explicar o que ou exercício;
acaba de ser explicado;

EXEMPLO CURIOSIDADE
Explicação do conteúdo ou Indicação de curiosidades
conceito partindo de um e fatos para reflexão sobre
caso prático; o tema em estudo;

PALAVRA DO AUTOR REFLITA


Uma opinião pessoal e O texto destacado deve
particular do autor da obra; ser alvo de reflexão.
SUMÁRIO
UNIDADE 1
Origens e Conceito da Filosofia..........................................14
Origens da Filosofia........................................................... 14
Crítica aos Sofistas............................................................. 18
Conceito de Filosofia......................................................... 19
Sócrates, Platão, Aristóteles e seus Lugares na História da
Filosofia................................................................................23
Sócrates............................................................................. 23
Platão................................................................................. 28
Aristóteles......................................................................... 34
Conhecimento Mítico e Conhecimento Filosófico..............41
A Questão do Saber: o Conhecimento e sua Tipologia......45
Os Tipos de Conhecimento................................................ 47
Conhecimento Popular ou Senso Comum................ 47
Conhecimento Filosófico......................................... 48
Conhecimento Científico......................................... 49
Conhecimento Teológico ou Religioso.................... 51

UNIDADE 2
Filosofia e Pensamento Educacional na Modernidade......56

Leitura e Recortes Acerca de Educação e Filósofos da


Modernidade........................................................................60
René Descartes................................................................... 60
Jean Jacques Rousseau....................................................... 64
Immanuel Kant.................................................................. 67
Georg Hegel....................................................................... 70
Tendências e Correntes Filosóficas: Contexto Histórico e
Pressupostos.........................................................................75
Correntes Filosóficas: Abordagens e Suposições...............79
Positivismo........................................................................ 79
Utilitarismo........................................................................ 82
Pragmatismo...................................................................... 88
Materialismo...................................................................... 92
Fenomenologia.................................................................. 96
Existencialismo................................................................ 100

UNIDADE 3
Compreendendo as diferenças entre o senso comum e o
conhecimento científico.....................................................108
O senso comum e o conhecimento científico ....................108
O conhecimento como um atributo do ser humano...........109
O senso comum...............................................................112
O conhecimento científico...............................................114
É possível a convivência entre ciência e senso comum?....117
As ciências sociais..............................................................120
As áreas das ciências sociais............................................121
Os objetos de estudo das ciências sociais e suas metodologias
de pesquisa......................................................................128
A História da Sociologia..................................................134
Os antecedentes intelectuais da Sociologia.....................135
As transformações sociais decorrentes da Revolução
Industrial.......................................................................138
Os primórdios da Sociologia...........................................142
O Surgimento da Sociologia Educacional......................148
Émile Durkheim: o ideólogo da Educação.......................149
Karl Marx: a educação como meio de conformação e
transformação social........................................................152
Max Weber e a educação como instrumento de “status
social”.............................................................155
Antropologia e seu campo de estudo...................................157
O nascimento da Antropologia.........................................157
O que é Antropologia ............................................161
.Campo de atuação da Antropologia.......................161
Antropologia e ciências afins................................163
Etnocentrismo.....................................................166
O que é etnocentrismo ?...................................................167
Relativismo cultural.........................................................170
Relativismo cultural: conceito e aplicabilidade.................170
Antropologia educacional.................................................174
Conexão entre Antropologia e Educação........................175
Antropologia educacional: suas origens...........................177

UNIDADE 4
Concepções e Contribuições da Filosofia da Educação...182
Filosofia da Educação e Formação Docente..................187
Filosofia da Educação e Educação Brasileira..................192
Filosofia da Educação, Contemporaneidade e
Subjetividade.....................................................................202
Produção de Subjetividades.............................................210
Filosofia da Educação e Pós-Modernidade.....................217
REFERÊNCIAS...............................................................225
UNIDADE

01
14 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Origens e Conceito da Filosofia

OBJETIVO

Ao final do estudo deste capítulo, você será capaz de explicar o


conceito da Filosofia e estabelecer relação com as suas origens.

Origens da Filosofia
Toda civilização que atinge certo grau de desenvolvimento
sente-se naturalmente inclinada à prática da educação, da
Filosofia, da ciência e das artes. No mundo ocidental, as bases
que contribuíram para a origem e o desenvolvimento dessas
grandes áreas de produção de conhecimento vieram da Grécia
Antiga, especialmente a partir do século VI a.C. A Filosofia, a
ciência e as artes, como as conhecemos, são invenções gregas.

Para o filósofo Bertrand Russel:


[...] o advento da civilização grega que produziu
tal explosão de atividade intelectual é um dos
acontecimentos mais importantes da história do
mundo ocidental. No curto espaço de dois séculos
os gregos produziram na arte, na literatura, na
ciência e na Filosofia uma assombrosa torrente de
obras-primas, que estabeleceram os padrões gerais
da civilização ocidental. (2013, p. 14)

O início da Filosofia se caracteriza pela compreensão de


explicações racionais para a realidade humana. Os primeiros
filósofos, chamados então de pré-socráticos, buscavam
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 15

explicações relacionadas ao mundo físico ou da natureza.


Esses filósofos tinham pensado no dinamismo universal,
como o nascer, crescer, morrer, como característica essencial
do princípio (arché), que gera, sustenta e absorve todas as
coisas. A Filosofia da natureza (physis) se caracteriza pela
busca pela unidade e harmonia, inserindo na cultura grega a
ideia do uno, do qual todas as coisas derivam.

A civilização ocidental, que brotou das fontes gregas, se


baseia numa tradição filosófica científica que começou com
Tales de Mileto há 2.500 anos e nisso difere de outras grandes
civilizações ocidentais. Conforme Russel, a noção predominante
que percorre toda a Filosofia grega é o logos, termo que tem a
conotação, entre outras, de “palavra” e “medida”. Portanto, o
discurso filosófico e a investigação científica estão intimamente
vinculados. “A doutrina ética surgida desse vínculo vê o bem
no conhecimento, objeto de investigação desinteressada”
(RUSSEL, 2013, p. 19).

Tales de Mileto (624-546), considerado o primeiro filósofo


pré-socrático, afirma que o princípio originário único de todas as
coisas é a água. Esse filósofo estabeleceu um princípio a partir
do qual trabalharia, formulando, para tanto, a seguinte pergunta:
“Qual é a matéria-prima básica do cosmos”? A noção de que
tudo no universo pode ser reduzido a uma única substância
é a teoria do monismo, e Tales e seus seguidores foram os
primeiros a propor isso dentro da Filosofia ocidental. Tales
concluiu, portanto, que toda matéria, independentemente de
suas aparentes propriedades, deve ser água em algum estágio de
transformação. Essa intenção pode ser considerada a primeira
tentativa de explicação para a origem da vida.

Para Anaximandro (611-546), discípulo de Tales


de Mileto e o primeiro cartógrafo grego, o infinito e o
indeterminado seriam a origem de todas as coisas. Em outras
16 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

palavras, o ilimitado seria uma reserva infinita de material,


que se estende em todas as direções. Dele surge o mundo e a
ele retornará no final.

Anaxímenes (586-525) admite que o ar, em função de


sua grande mobilidade na natureza, seria o princípio de todas
as coisas. As diferentes formas de matéria que encontramos
à nossa volta surgem do ar, por meio de processos de
condensação e rarefação. Para ele, o ar é a substância de que
é feita a alma e, assim, mantém os seres vivos e o mundo.

Contudo, Heráclito (535-470) problematiza essa questão


ao afirmar que “tudo se move, nada permanece imóvel e fixo,
tudo muda”. Esse elemento expressa de modo exemplar as
características de mudança contínua, que ocorre no mundo
físico. Enquanto outros filósofos procuravam explicações
científicas para a natureza física do cosmos, Heráclito o
entendia como governado por um logos divino, às vezes
interpretado como “razão” ou “argumento”. O filósofo em
questão considerava o logos uma lei universal, cósmica, que
de acordo com a qual todas as coisas começam a existir e
todos os elementos materiais do universo são mantidos em
equilíbrio. Heráclito ainda sugeriu que o equilíbrio dos opostos
– dia e noite, quente e frio, por exemplo – levava à unidade
do universo. Tudo seria parte de um único e fundamental
processo ou substância – o princípio central do monismo.
Por outro lado, ele afirmou que uma tensão é constantemente
gerada entre esses pares de opostos, de forma que tudo está
em permanente estado de fluxo e mudança.

E finalmente temos Demócrito (460-370) e Leucipo


(início do século V a.C.), que desenvolveram a teoria dos
átomos para explicar a composição de todas as coisas, ou seja,
que tudo era composto de partículas minúsculas, indivisíveis
e imutáveis. Eles afirmaram que um espaço vazio separa os
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 17

átomos, permitindolhes que se movam livremente. Ao se


movimentarem, os átomos podem colidir uns com os outros,
formando assim novas composições de átomos. Conhecida
como atomismo, a teoria concebida por Demócrito e Leucipo
ofereceu a primeira visão mecanicista completa do universo,
sem qualquer recurso à noção de um ou mais deuses. Ela
também identificou propriedades fundamentais da matéria,
que se provaram importantes para o desenvolvimento das
ciências físicas – particularmente a partir do século XVIII
– até as teorias atômicas que revolucionaram a ciência no
século XX.

A vitória de Atenas sobre os persas, em 479 a.C., marca


também a consolidação da democracia na cidade. Dentre os
novos valores que surgem está o da educação. Trata-se de
formar cidadãos aptos à vida pública. Para tanto, exige-se
deles que sejam excelentes oradores e que saibam argumentar
em público. Dessa educação encarregam-se os sofistas (sábios),
cuja característica era a reflexão sobre o homem e sua vida
em sociedade. Os principais temas que emergiram dessa
relação foram: a ética, a política, a arte, a religião, a retórica,
a educação, ou seja, tudo aquilo que compõe o que chamamos
de cultura.

Por outro lado, os sofistas não se preocupavam com o


que uma argumentação, pode ter de justo ou injusto, moral
ou imoral. Basta-lhes que seus discípulos aprendam a falar –
não importa o quê, mas bem, de modo convincente – e que os
remunerem pelo ensino. Se os sofistas não se preocupam com
o conteúdo de um argumento, é porque compartilham com
os atenienses a experiência da democracia, em que o mundo
humano aparece como uma criação do próprio homem. Nesse
mundo não há um único princípio que a tudo comande, mas
apenas convenções em que os homens estabelecem para depois
abandonar. Os valores e as verdades são instáveis e relativos.
18 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

A própria linguagem, essa capacidade essencialmente humana,


também não passa de convenção, sem poderes para expressar
a verdade, a não ser verdades relativas de cada um.

O estabelecimento da democracia grega coincide com


o aparecimento dos sofistas, que ensinavam tudo a qualquer
um que desejasse, especialmente no que se refere ao homem
que quisesse obter ensinamentos a fim de obter êxito nas
assembleias. A demanda intelectual desse contexto histórico
não admitia mais a superioridade intelectual restrita aos
aristocratas. A concepção de virtude (areté) não poderia ser
mais considerada algo transmitido de pai para filho.

“A construção de uma concepção de virtude como


aprendizado se fortalecia e necessitava de professores que
acreditassem nessa possibilidade. os sofistas eram esses
homens” (FRANKLIN & PINHEIRO, 2014, p. 22). Porém,
os sofistas foram muito criticados, é o que veremos a seguir.

Crítica aos Sofistas


De acordo com Franklin e Pinheiro (2014), há 4 questões
principais que resumem as críticas aos sofistas.

A primeira questão referia-se à concepção do saber como


tal. Tornou-se consenso, para os sofistas, que tudo poderia ser
ensinado, desde a virtude até a arte da política. Devido a isso,
suas maiores preocupações debruçavam-se na arte pedagógica,
ou seja, como levar o outro ao saber. São claros seus impactos
pedagógicos, pois todo professor necessita de alunos e para
a satisfação de seus alunos era necessário delegar-lhes o que
mais desejavam, ou seja, a sabedoria prática.

A segunda questão choca-se com os princípios morais


aristocráticos. Os sofistas geralmente eram estrangeiros
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 19

e exigiam remuneração por seus ensinamentos. Eles preenchiam


uma lacuna deixada pela forma aristocrática de ver o ensino.
Os sofistas não tinham posses e, por isso, cobravam pelos
ensinamentos, tornando a venda do saber uma profissão:
a profissão do mestre e do professor.

A terceira questão se relacionava ao apego à sociedade.


Sendo os sofistas professores itinerantes, nômades, não
poderiam respeitar os limites da cidade-estado (polis),
o paradigma do Estado-Ideal, segundo Platão e Aristóteles.
Aos olhos modernos, os sofistas superaram seus opositores,
pois alargaram as dimensões das cidades, transportando
ideias e costumes para além de seus limites, tornando-se
assim homens do mundo (panhelênicos).

A quarta questão para discussão dizia respeito à liberdade


de espírito em relação à tradição e às normas estabelecidas
pela cidade. Os sofistas tinham uma inabalável confiança na
capacidade e habilidade do homem em compreender todos os
tipos de inovações e situações.

Conceito de Filosofia
“Amigo da sabedoria”: eis a definição da palavra
Filosofia, constituída do termo filon, que equivale a amigo,
e do termo sofia, que equivale à sabedoria. A Filosofia não é
apenas atividade de pensadores brilhantes e excêntricos como
popularmente se pensa. Filosofia é o que todos fazemos, quando
estamos livres de nossas atividades cotidianas e temos uma
chance de nos perguntar o que é a vida, o universo, a morte,
o amor, a tristeza e todos os infindáveis temas que intrigam
a humanidade. Nós, humanos, somos criaturas naturalmente
curiosas e não conseguimos deixar de fazer perguntas sobre
o mundo à nossa volta e o nosso lugar nele. Também somos
dotados de uma capacidade intelectual, que nos permite tanto
20 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

raciocinar quanto divagar, atributos importantes para a prática


do pensamento filosófico.

Chegar às respostas para as questões fundamentais


é menos determinante para a Filosofia do que o próprio
processo de busca dessas respostas pelo uso da razão, em vez
de aceitar sem questionamentos as visões convencionais ou a
autoridade tradicional.

A Filosofia, como aponta Thomas Nagel, é diferente


da ciência e da matemática. Ao contrário da ciência, ela não
se apoia em experimentos ou na observação, mas apenas
na reflexão. E, ao contrário da matemática, não dispõe de
nenhum método formal de verificação. “Ela se faz pela simples
indagação e arguição, ensaiando ideias e imaginando possíveis
argumentos contra elas, perguntando-nos até que ponto nossos
conceitos de fato funcionam” (NAGEL, 2001, p. 2).

A principal ocupação da Filosofia da Filosofia


é questionar e entender ideias muito comuns, que todos
nós usamos no dia a dia sem nem sequer refletir sobre elas.
O historiador perguntará o que aconteceu em determinado
tempo do passado, enquanto o filósofo indagará: “o que é
o tempo”? O matemático investigará as relações entre os
números, ao passo que o filósofo perguntará: “o que é um
número”? O psicólogo talvez pesquise como a criança aprende
a linguagem, mas a indagação do filósofo será: “o que dá
sentido a uma palavra?” (NAGEL, 2001, p. 3). Compreender
filosoficamente a realidade é compreender, como as pessoas
se constituem em grupos, em comunidades, em sociedades e
como organizam suas ideias.

Na história do pensamento que a humanidade


vem construindo ao longo do tempo, muitos foram os
pensadores e pesquisadores que deram uma definição ou um
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 21

conceito para a Filosofia. Por vezes, esses conceitos foram


complexos, por vezes simples; por vezes rebuscados e quase
incompreensíveis. Mas de maneira geral, como argumenta
Cipriano Luckesi, “a Filosofia é um corpo de conhecimento,
constituído a partir de um esforço, que o ser humano vem
fazendo de compreender o seu mundo e dar-lhe um sentido,
um significado compreensível” (1993, p.22). Corpo de
conhecimentos, em Filosofia, significa um conjunto coerente
e organizado de entendimentos sobre a realidade.

A leitura de um texto de Filosofia nos proporciona


o entendimento dos valores e sentidos, que seu autor desenvolve
a partir do contexto que o cerca. O ato de filosofar permite,
assim, a sistematização dos desejos e aspirações dos seres
humanos, bem como o sentido para a relação com as pessoas,
o amor, a amizade, o mundo do trabalho, a ciência, a educação,
a política, a cultura, entre outros. Dito de outro modo,
a Filosofia pode ser compreendida como um campo de
construção de ideias/concepções, que permite a reflexão de
assuntos do cotidiano (como as relações entre as pessoas) até
as questões políticas de uma nação.

Para além de uma mera atividade abstracionista ou


idealista, a Filosofia oferece um direcionamento para as ações
dos sujeitos, ou seja, um rumo para ser seguido. Ela estabelece,
como afirma Luckesi, um quadro organizado e coerente de “visão
de mundo” sustentando, consequentemente, uma proposição
organizada para o agir (LUCKESI, 1993, p. 23). As finalidades
das ações tomadas por todos nós são aquelas que configuram
um sentido para a existência, em suas mais variadas dimensões.

É interessante notar que a Filosofia dos gregos revela,


como aponta Russel, a influência de certo número de dualismos
para compreender o mundo (verdade x falsidade, certo x errado,
justo x injusto, bem x mal, bom x ruim, harmonia x discórdia
22 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

etc.). O pensamento ocidental, portanto, tem em sua base o


dualismo como maneira de perceber e interpretar o mundo e
seus fenômenos. Sob uma ou outra forma, esses continuaram
sendo tópicos sobre os quais os filósofos escrevem e discutem.
“Por conseguinte, vem o dualismo da aparência e da realidade,
muito vivo nos dias de hoje” (RUSSEL, 2013, p. 21). Junto com
eles temos as questões da mente e da matéria, da liberdade e da
necessidade, além de existirem as questões cosmológicas, que
se referem a perguntas como: se as coisas são uma ou muitas;
simples ou complexas e, finalmente, os dualismos do caos e da
ordem, do ilimitado e do limite.

RESUMINDO

Neste capítulo, abordamos o conceito da Filosofia e estabelecemos


relação com as suas origens, além de estudarmos as principais
críticas aos sofistas.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 23

Sócrates, Platão, Aristóteles e seus


Lugares na História da Filosofia

OBJETIVO

Ao final do estudo deste capítulo, você será capaz de reconhecer


as bases teóricas que fundamentam a história da Filosofia da
Educação a partir dos estudos de Sócrates, Platão e Aristóteles.

Sócrates
As três maiores figuras da Filosofia grega estão ligadas
a Atenas. Sócrates e Platão eram atenienses de nascimento
e Aristóteles ali estudou e mais tarde ensinou. Sócrates (469-
399 a.C.) nasceu em Atenas e foi condenado por “impiedade”,
ou seja, sua condenação foi baseada em acusações de não crer
nos deuses da polis e corromper os jovens. Esse filósofo viveu
o apogeu e a crise da democracia ateniense. Atenas, após a
vitória sobre os persas, havia se tornado uma grande potência,
estendendo sua influência por quase toda a Grécia (ABRÃO,
1999, p. 41). A vida cultural é intensa, com grandes escultores
e artistas, dramaturgos como Ésquilo, historiadores (Heródoto
e Tucídides), o médico Hipócrates e os homens públicos como
Péricles.

Contudo, a hegemonia de Atenas fez crescer rivalidades


com Esparta, as quais culminariam na Guerra do Peloponeso
em 431 a.C. O conflito durou décadas, findando em 404 a.C.
com a derrota de Atenas. O regime democrático ateniense se
enfraqueceu em função de intrigas, conspiração e corrupção.
24 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

A crise de valores políticos e morais é muito significativa nesse


contexto histórico de forma que a condenação de Sócrates, em
399 a.C., é uma “triste metáfora da decadência da democracia
e da própria Atenas” (ABRÃO, 1999, p. 42).

Encontramos em Sócrates um precursor das escolas


estoica e cínica do período posterior da Filosofia grega. Com
os cínicos, compartilha a sua própria despreocupação para com
os bens terrenos e com os estoicos, o seu interesse pela virtude
como o maior dos bens. Sabe-se que realizou seu ensino em
locais públicos e era considerado um orador leigo. Como
ele não deixou nada escrito, precisamos confiar nos escritos
de dois de seus discípulos: o general Xenofonte e o Platão.
O principal interesse de Sócrates, como mostra os diálogos
de Platão, incide na busca e definição de termos éticos, como
sabedoria, beleza, moderação, amizade, justiça e coragem.
É interessante perceber que não nos são dadas respostas
definitivas a tais questões, mas nos é mostrada a importância
de fazê-las (RUSSEL, 2013, p. 77).

Terminologia ou expressões comumente ligadas ao


filósofo: daimon (voz divina particular), maiêutica socrática,
“conhece-te a ti mesmo”, alma (psyché), felicidade (eudaimonia).

DEFINIÇÃO

O método de ensino socrático ficou conhecido como maiêutica,


que significa “parto do conhecimento”, em que o aprendiz
desenvolvia raciocínios dedutivos até gerar o conhecimento. A
ação de Sócrates era induzir ao desvelar o que o aluno já tinha
em sua alma (psyché), por meio de um rigoroso questionamento.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 25

Isto ressalta a linha fundamental do pensamento


socrático. Embora ele sempre diga que nada sabe (“só sei
que nada sei”), não considera que o conhecimento esteja
além do nosso alcance. O importante é o dever de tentar a
busca do saber. Sócrates sustenta que o que faz o homem
errar é a falta de conhecimento pois, se soubesse, não erraria.
A causa dominante do mal seria a ignorância de modo que,
para se alcançar o Bem e o conhecimento, precisamos possuir
conhecimento. O vínculo entre o Bem e o conhecimento é
um marco presente em todo pensamento grego. É interessante
notar que a ética cristã se opõe a esse pensamento. Para ela,
o importante é o sujeito possuir um coração puro, e isto
provavelmente se encontra com mais facilidade entre os
ignorantes (RUSSEL, 2013, p. 77).

SAIBA MAIS

Sócrates tentou esclarecer os problemas éticos por meio da


discussão. Esse modo de descobrir as coisas mediante perguntas
e respostas é chamado de dialética, da qual Sócrates foi um
mestre.

Para Sócrates, conhecer a virtude tornou-se o principal


objetivo do verdadeiro conhecimento, de tal forma que
virtude e conhecimento tornam-se sinônimos. Com Sócrates,
as questões morais deixam de ser tratadas como convenções
baseadas nos costumes, as quais se modificam conforme
as circunstâncias e os interesses, para se tornar problemas
que exigem do pensamento uma elucidação racional. Nesse
sentido, ele é fundador da Ética. Pensar racionalmente as
questões morais implica denunciar tudo aquilo que aparece
como virtude, desmascarando-o na sua falsidade. Com isso,
26 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Sócrates põe o dedo na ferida da própria Atenas, que havia


mergulhado em corrupções e fingia ser justa.

SAIBA MAIS

Principal diferença entre moral e ética.

Ética Moral
A ética é o estudo e a reflexão A moral se refere às regras de
sobre a moral, das regras de conduta que são aplicadas a
Definição conduta aplicadas a alguma determinado grupo e cultura.
organização ou sociedade.
Origem Individual Sociedade
Por que Porque acreditamos que algo Porque a sociedade nos diz o que
seguimos é certo ou errado. é certo ou errado.

A ética é normalmente A moral tende a ser consistente


consistente, embora possa mudar dentro de um determinado contexto,
Flexibilidade caso as crenças de um indivíduo sendo aplicado da mesma forma a
mudem ou dependendo de todos. Porém, pode variar de acordo
determinada situação. com cada cultura ou grupo.
Uma pessoa poderá ir contra Uma pessoa que segue
sua ética para se ajustar a um rigorosamente os princípios
determinado princípio moral, morais de uma sociedade pode
Exceções como o código de conduta de não ter nenhuma ética. Da mesma
sua profissão. forma, para manter sua integridade
ética, pode violar os princípios
morais dentro de um determinado
sistema de regras.
Ética vem da palavra grega Tem origem na palavra latina
Significado «ethos” que significa conduta, “moralis”, que significa
modo de ser. “costume”.
João teve uma atitude antiética No Brasil é imoral ter mais
ao furar a fila do banco. de uma esposa, enquanto em
Exemplo alguns países, como a Nigéria, é
moralmente aceito.
Fonte: https://www.diferenca.com/etica-e-moral/
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 27

Sócrates simplesmente questiona, não ensina nem quer


aprender. Seu pensamento parece desprovido de conteúdo direto.
Mesmo assim, ele propõe algo ao desestruturar as respostas
fáceis de seus interlocutores, mostrando que o pensamento
deve ser prudente. Se as respostas são formuladas de modo
fácil é porque a pergunta não foi bem elaborada. Portanto, o
que Sócrates propõe é formular perguntas adequadas, isto é,
um método de investigação que encaminhe o pensamento em
direção à essência das coisas, sem desvios.

EXEMPLO

Quando se indaga se o exercício militar torna um homem corajoso,


as possíveis respostas sempre giram em torno das vantagens
e das desvantagens que esse treinamento oferece, sem alcançar
o verdadeiro problema: o que é a coragem. Discutem-se os meios
(o exercício militar) para atingir os próprios fins (a coragem),
em vez de examinar os próprios fins.

Sócrates, porém, não apresenta diretamente à questão


“o que é...” ao seu interlocutor. Primeiro ouve a resposta
e apresenta objeções aos argumentos dos outros. É como se os
pensamentos tivessem de experimentar outras possibilidades
antes de adentrar ao campo certo do conhecimento. O diálogo,
ou a dialética, cumpre essa função de “experimentação”.
O pensamento sempre necessita de um interlocutor, com quem
possa discutir e o verdadeiro conhecimento nasce desse diálogo;
“não é transmissível do mestre ao aluno, mas arrancado do
interior de uma discussão – um verdadeiro trabalho de parto
(a maiêutica)” (ABRÃO, 1999, p. 44).
28 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Platão
Figura 1: Busto de Platão

Fonte: @pixabay

Mais de dois mil anos já se passaram desde o dia em


que Platão (428-347 a.C.) ocupava o centro do pensamento
filosófico da Grécia e em que todos os olhares convergiam
para a fundação de sua escola, conhecida como Academia.
Nascido numa família nobre em Atenas, foi batizado como
Arístocles, mas ganhou o codinome de Platão, que significa
“amplo”. Quando jovem, Platão começou a estudar com
Crátilo, Heráclito e, por fim, Sócrates, sendo que seu objetivo
era se preparar para a vida política por meio da Filosofia.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 29

SAIBA MAIS

A organização da Academia seguia o modelo das escolas


pitagóricas do sul da Itália, com as quais Platão mantivera
contato durante as suas viagens. A Academia é precursora das
universidades que se desenvolveram a partir da Idade Média.
Como escola, sobreviveu por mais de novecentos anos, período
mais longo do que o de qualquer outra instituição antes ou
depois. Em 529 d.C., foi definitivamente fechada pelo imperador
Justiniano, cujos princípios cristãos se sentiam ofendidos por
esta sobrevivência das tradições clássicas. Os estudos acadêmicos
eram ministrados mais paralelamente às matérias tradicionais
das escolas pitagóricas: aritmética, geometria plana e espacial,
astronomia e som ou harmonia constituíam a base do currículo.
Todas as matérias seguiam o método dialético. Num sentido
bastante real, este continua sendo o objetivo genuíno da educação,
até mesmo nos dias de hoje. Não é função de uma universidade
mostrar aos estudantes o maior número possível de fatos. Sua
verdadeira tarefa é ensinar hábitos de exame crítico, bem como a
compreensão de cânones e critérios referentes às matérias. Com
o ensino propiciado na Academia platônica, o movimento sofista
declinou rapidamente (RUSSEL, 22013, p. 81-82).

Ainda hoje, definem-se as propriedades e características


de uma corrente filosófica, seja ela qual for, pela sua relação
com o platonismo. Todos os séculos da Antiguidade que se
seguiram a este filósofo, ostentam na sua epistemologia traços
da Filosofia platônica, especialmente o mundo greco-romano
que se unificou sob a universal Filosofia do neoplatonismo.

Platão, o mais importante propagador e continuador


da obra de Sócrates, é quem dá à Filosofia a sua primeira
30 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

sistematização. Todavia, Platão nunca escreveu um livro-


texto (seus escritos estão na forma de diálogos) e sempre se
recusou a estabelecer a sua Filosofia como sistema. Parece ter
percebido que o mundo, no todo, é complexo demais para ser
comprimido num molde literário ou filosófico preconcebido.
Seus principais diálogos são:
■ 399-387 a.C. Apologia, Críton, Górgias, Hípias maior,
Mênon, Protágoras (primeiros diálogos);
■ 380-360 a.C. Fédon, Fedro, A República, O banquete
(diálogos intermediários);
■ 360-355 a.C. Parmênides, Sofista, Teeteto (diálogos
finais).

Desde as investigações dos filósofos pioneiros, sobre o


princípio do mundo, ou as exigências lógicas de Parmênidas
e Zenão, e os impasses a respeito da pluralidade das coisas,
até as questões sobre os valores humanos (formuladas, por um
lado, pelos sofistas e, de outro, por Sócrates), passando pelos
rigorosos estudos matemáticos dos pitagóricos, todos esses
aspectos, que constituíram os temas do pensamento ocidental,
encontramse não apenas sintetizados, mas também colocados
em novos termos por Platão. (ABRÃO, 1999, p. 46).

A cultura antiga, que posteriormente a religião cristã


assimilou na Idade Média, era uma cultura inteiramente baseada no
pensamento platônico. É só a partir dela que se pode compreender
uma figura como Santo Agostinho, que traçou a fronteira histórico-
filosófica da concepção medieval do mundo, por meio da sua
Cidade de Deus, tradução cristã da República de Platão.

Em 399 a.C., o mentor de Platão, Sócrates, foi condenado


à morte. Como Sócrates não havia deixado nada escrito, Platão
assumiu a responsabilidade de preservar para a posterioridade o
que tinha aprendido com o mestre. Primeiro na Apologia, relato
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 31

sobre a defesa de Sócrates em seu julgamento, e depois ao usá-


lo como personagem de uma série de diálogos. Nesses diálogos,
às vezes é difícil distinguir quais pensamentos são de Sócrates
e quais ideias partiram do discípulo. No entanto, evidencia-se um
retrato de Platão usando os métodos do mestre, especialmente
a dialética, para explorar e explicar suas próprias concepções.

A República é provavelmente o mais famoso dos diálogos


de Platão. A construção de um Estado ideal deu nome ao diálogo.
Num primeiro momento, Platão tinha como preocupação
buscar definições de valores morais como “justiça” e “virtude”.
A Filosofia platônica recusa a solução dos sofistas para os quais
a justiça e a injustiça não passam de convenções. Sócrates já
havia apontado um caminho diferente: uma e outra confundem-se
porque os homens não sabem verdadeiramente o que é a justiça,
isto é, não conhecem a sua essência. Ao contrário, permanecem
no nível das aparências, constituindo o mundo dos sentidos, o
mundo sensível, em que tudo é instável e variável, de acordo
com as circunstâncias e os pontos de vista. Vejamos a seguir
como Platão desenvolve a noção de justiça:
Principiemos com o primeiro tópico indicado por
mim, a saber, o que é a justiça e qual é a sua origem.
Dizem que cometer injustiça é naturalmente bom
e sofrê-la é naturalmente mau, mas que o mal
de sofrer injustiça excede a tal ponto o bem de
cometê-la que aqueles a cometeram e sofreram,
tendo experimentado as duas posições, quando
[afinal] lhes falta a capacidade de cometê-la e de
se esquivarem de sofrê-la, decidem ser vantajoso
estabelecer um acordo mútuo e comum de não a
cometer nem a sofrer. O resultado é passarem a
produzir leis e contratos e o que a lei determina
classificam como justo e lícito. Isso, de acordo
com eles, constitui a origem e a essência da justiça.
É o meio-termo entre o melhor e o pior: o melhor
32 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

é perpetrar injustiça sem ser punido por isso, o pior


é sofrê-la sem ser capaz de vingar-se. A justiça
é um ponto mediano desses dois extremos. As
pessoas a estimam não como um bem, mas porque
são demasiado fracas para cometer injustiça com
impunidade. Aquele, todavia, que possui o poder
de cometê-la e é um homem autêntico, não faria
acordo algum com ninguém para não fazer injustiça
a fim de não a sofrer. Para ele isto seria loucura.
Conforme tal teoria, Sócrates, eis aí a natureza da
justiça e sua origem. (PLATÃO, 2006, p. 89)

Para Platão, a justiça reina quando cada um cuida da


própria vida. Cada indivíduo realiza o trabalho que lhe compete,
sem se imiscuir nos assuntos alheios. Nesse sentido, o sistema
político funciona tranquila e eficientemente. A justiça, nesse
sentido grego, está vinculada à noção de harmonia, o sereno
funcionamento do todo por meio da adequada função de cada
parte (RUSSEL, 2013, p. 94).

O raciocínio levou Platão a uma única conclusão: deve


haver um mundo de ideias, ou formas, totalmente separado do
mundo material. Ele concluiu que os sentidos humanos não
conseguem perceber tal lugar, pois só nos é perceptível pela
razão. Platão foi mais além ao afirmar, que o reino de ideias é
de fato a “realidade”, e o mundo que nos cerca é moldado por
essa outra realidade. Para ilustrar esse pensamento, que num
primeiro momento pode ser confuso, Platão apresentou o que
se tornaria conhecido como a “teoria da caverna”.

Ele nos convidou a imaginar uma caverna escura, na qual


as pessoas estão aprisionadas desde o nascimento, amarradas e
observando fixamente a parede ao fundo. Elas só podem olhar para
frente, nunca para os lados. Atrás dos prisioneiros há uma chama
brilhante que lança sombras na parede para a qual eles olham.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 33

Há também uma plataforma entre o fogo e os prisioneiros,


na qual pessoas andam e exibem vários objetos de tempos em
tempos, de modo que as sombras desses objetos são lançadas na
parede. Tais sombras são tudo o que os prisioneiros conhecem
do mundo, e eles não têm noção alguma sobre os objetos reais.
Se um prisioneiro conseguir se desamarrar e se virar, verá ele
mesmo os objetos. Mas, depois de uma vida de confinamento,
ele provavelmente ficará muito confuso e talvez fascinado pelo
fogo, e muito provavelmente se voltará de novo para a parede,
a única realidade apresentada a ele desde o nascimento.

Platão discorre que tudo que nossos sentidos apreendem


no mundo material não passa de imagens na parede da caverna,
ou seja, são simples sombras da realidade. Essa crença é a base
de sua teoria das formas: para cada coisa na terra que temos o
poder de apreender com nossos sentidos, há uma correspondente
“forma”(ou “ideia”) – uma eterna e perfeita realidade daquele
objeto – no mundo das ideias. Como o que apreendemos pelos
sentidos é baseado em uma experiência de “sombras” imperfeitas
ou incompletas da realidade, não podemos ter um conhecimento
real das coisas. No máximo, podemos ter opiniões, mas
conhecimento genuíno só pode vir do estudo das ideias, e isso
só pode ser alcançado pela razão.

Essa separação em dois mundos distintos – um, da


aparência, e outro, do que Platão considerou como realidade de
fato – solucionou o problema da busca de constantes num mundo
aparentemente em transformação. O mundo material pode estar
sujeito à mudança, mas o mundo das ideias de Platão é eterno e
imutável.
34 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Aristóteles
Figura 2: Stanza della Segnatura, de Rafael Sanzio. Em relação às figuras centrais, Platão está à esquerda e
Aristóteles à direita.

Fonte: @pixabay

Aristóteles nasceu em 384 a.C. na cidade de Estagira, na


Calcídica, que se encontrava sob a dependência da Macedônia.
Mas sua relação com este reino – que logo mais seria um grande
império, subjugando a Grécia e, depois, a Pérsia – não se limita
ao local de nascimento. Nicômaco, seu pai, era médico da corte
de Filipe, rei da Macedônia. O filho deste, o célebre Alexandre
Magno, teve o próprio Aristóteles como preceptor, entre 343
e 340 a.C. (ABRÃO, 1999, p. 53).
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 35

SAIBA MAIS

Aristóteles tem na história da Filosofia uma influência decisiva.


No período final da Idade Média, a versão cristã de seu pensamento
torna-se praticamente a doutrina oficial da Igreja. A ciência
moderna que nasce no Renascimento desenvolvese em meio ao
acirrado combate contra o aristotelismo (ou às imagens que se
criaram a seu respeito). Pensadores como Kant, Hegel, Marx fazem
de Aristóteles uma fonte de inspiração, e até hoje se discutem as
questões lógicas por ele propostas. Tamanha influência presta-se
a equívocos: muitos, simplificadamente, opõem Aristóteles a seu
mestre Platão, e outros ainda continuam a considerá-lo grande
inimigo do desenvolvimento científico, ignorando as marcas que
ele deixou na ciência.

Aristóteles tinha apenas dezessete anos quando chegou a


Atenas para estudar na Academia de Platão, que na época, com
sessenta anos, já tinha desenvolvido suas teorias. Estudioso e
comprometido com os ensinamentos da Academia, Aristóteles
tinha um temperamento muito diferente se comparado com
Platão. Se Platão era brilhante e intuitivo, Aristóteles era erudito
e metódico. Contudo, havia um respeito mútuo e Aristóteles
permaneceu na Academia, como aluno e posteriormente
professor, até a morte de Platão, vinte anos depois.

Aristóteles escreveu uma série de trabalhos definitivos,


com grande preocupação literária e em forma de diálogos,
da mesma forma que Platão. Essa informação só foi possível
pelas citações feitas por autores posteriores, como Cícero,
Plutarco, Diógenes, Laércio, entre outros. O que temos da
vasta obra aristotélica limita-se praticamente a notas, que o
36 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

filósofo preparava para seus ensinamentos no Liceu. Como tais,


tinham caráter resumido, apenas indicativo e muitas vezes só
compreensíveis para o próprio autor. As principais obras de
Aristóteles são:
■ Ética a Nicômano;
■ Política;
■ Órganon;
■ Retórica das paixões;
■ A poética clássica;
■ Metafísica;
■ De anima (da alma);
■ O homem de gênio e a melancolia;
■ Magna moralia (Grande Moral);
■ Ética a Eudemo;
■ Física;
■ Sobre o céu.

Por se dedicar ao estudo dos seres vivos e de tudo o que


a natureza contém, Aristóteles não desprezou a observação das
coisas que se apresentam aos sentidos. Logo, procura integrar
a percepção do mundo sensível ao conhecimento científico e
filosófico. Mas isso não significa que ele tenha se submetido
ao mundo sensível e às suas variações e incertezas. Os sentidos
que captam as coisas individuais consistem o ponto de partida:
a percepção dessas coisas produz, no intelecto, imagens a elas
correspondentes. A atividade do intelecto consiste em separar
dessas imagens os aspectos acidentais, como o tamanho e a cor,
para ficar com o que lhes é comum e essencial.

A percepção do mundo sensível mostra que tudo se


transforma continuamente. Para dar conta disso, Aristóteles
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 37

elabora noções de ato (energeia) e de potência (dynamis).


O ato refere-se ao estado atual do ser, como existe aqui e agora.
A potência, por outro lado, indica aquilo em que este ser se
transforma, sem, no entanto, deixar de sê-lo. Por exemplo: a
semente de uma árvore, enquanto ato, é semente, mas como
potência é a árvore que dela vai germinar. As mudanças e o
movimento são o modo como as potencialidades do ser vão se
atualizando, passando da potência ao ato (ABRÃO, 1999, p. 56).

Como Platão, Aristóteles preocupou-se em encontrar


algum fundamento imutável e eterno num mundo caracterizado
pela mudança. Mas concluiu que não há necessidade de procurar
por esse lastro num mundo de formas perceptíveis apenas
à alma. A evidência principal estaria aqui, no mundo à nossa
volta, perceptível pelos sentidos. Aristóteles acreditava que as
coisas no mundo material não são cópias imperfeitas de alguma
forma ideal de si mesmas, mas que a forma essencial de uma
coisa é, na verdade, inerente a cada exemplo dessa coisa. Por
exemplo, “o aspecto canino” não é apenas uma característica
compartilhada pelos cães – é algo inerente a todo e qualquer
cão. Ao estudar coisas particulares, portanto, conseguimos
alcançar um pensamento sobre sua natureza universal e imutável
(ATKINSON, 2012, p. 59-60).

Da mesma forma que Platão, Aristóteles tem um


pensamento sistematizado em relação à cidade (a polis grega),
mas analisa a articulação do homem com a cidade de maneira
diferente. O centro do seu parecer está na felicidade (eudaimonia)
como eixo central das relações virtuosas, permeando todo o agir
humano. Isto significa dizer que Aristóteles considera que todas
as ações humanas são motivadas pelo desejo de felicidade.

Do corpus aristotelicum, a Ética a Nicômaco é o mais


importante dos textos sobre o problema ético na produção de
Aristóteles, conjuntamente com a Ética a Eudemo, os Magna
moralia e um pequeno tratado chamado Sobre as virtudes e vícios.
38 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

A análise do problema ético em Aristóteles depende de uma


caracterização nos traços essenciais do seu horizonte específico:
o horizonte prático. Se a Filosofia na sua dimensão teórica visa à
constituição de uma situação que permita contemplar a verdade,
na sua dimensão prática, contudo, a Filosofia tende a expressarse
no agir.

A virtude é um conceito fundamental na Ética de


Aristóteles. A virtude é entendida pelo filósofo como meiotermo,
ou ponto intermediário entre dois extremos ou dois vícios.
Cultivar ações justas e controlar os apetites e impulsos é, ao
mesmo tempo, treinar nosso modo da melhor forma possível.
A razão vai impor o justo-meio entre qualquer dos dois extremos
(excesso ou seu contrário).

IMPORTANTE

O justo-meio não aparece em Aristóteles como uma ação


medíocre (média), mas sim como o ponto alto de uma ação
deliberada e comandada apenas pela razão. A vitória da razão
sobre os instintos é inevitável no mesmo modo deliberativo de
viver.

É ainda neste diálogo que Aristóteles disserta sobre a


conduta humana e sua busca pela felicidade. Isto é, a conduta do
homem está baseada nisso que entendemos por felicidade, mas a
natureza da felicidade é o caminho para tentarmos compreender
como Aristóteles poderia sugerir as regras do bem agir. Em se
tratando da felicidade, a seguir apresentamos o trecho IV do
Livro I do tratado Ética a Nicômaco:
Retomando, procuremos compreender, agora – uma
vez que todo o saber toda a intenção tem um bem
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 39

por que anseiam – o que dissemos sobre a perícia


política e o que ela visa atingir sobre qual será
o mais extremo dos bens susceptível de ser obtido
pela ação humana. Quanto ao nome desse bem,
parece haver acordo entre a maioria dos homens.
Tanto a maioria quanto os mais sofisticados dizem
ser a felicidade, porque supõem que ser feliz
é o mesmo que viver bem e passar bem. Contudo,
acerca do que possa ser a felicidade estão em
desacordo e a maioria não compreende o seu sentido do
mesmo modo que o compreendem os sábios. Para uns
é alguma daquelas coisas óbvias e manifestamente
boas, como o prazer, a riqueza ou a honra; para uns é
uma coisa, para outros, outra - muitas vezes até para
o mesmo podem ser coisas diferentes. Para quem
está doente é a saúde, para quem é pobre, a riqueza.
(ARISTÓTELES, 2009, p. 20)

Por conseguinte, para Aristóteles, é possível viver feliz na


medida em que a pessoa cultive a honra, o prazer e o intelecto.
O filósofo entende que a razão é um dos elementos que constitui
as capacidades do homem, mas ela não é a única. A alma humana
pode sofrer alguma interferência da faculdade do desejo ou
do apetite, por isso não podemos considerá-la absolutamente
racional. Diante da possibilidade dessa interferência, a virtude
ética surge como domínio dessa parte da alma que não é racional.
Sua redução aos limites da razão, segundo as explicações de
Karen Franklin e Celso Pinheiro, passa a ser o grande trabalho
da formação do indivíduo. “Essa virtude ética se adquire com a
repetição de certas ações até que se estabeleçam como hábito”
(FRANKLIN & PINHEIRO, 2014, p. 39).
40 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

IMPORTANTE

A dialética segundo Platão e Aristóteles

No platonismo, a dialética é um processo de diálogo


que se baseia no debate entre interlocutores comprometidos
com a busca da verdade. Nesse debate, a alma (psyché) se
eleva, gradativamente, das aparências sensíveis às realidades
inteligíveis ou ideias.

No aristotelismo, a dialética se constitui pelo raciocínio


lógico que, apesar de coerente em seu encadeamento interno,
está ancorado em ideias apenas prováveis, e por esta razão
traz em seu cerne a possibilidade de ser refutado.

RESUMINDO

Apesar das grandes diferenças, Aristóteles e Platão se aproximam


pela similaridade de suas preocupações com o ser e com o proceder
do homem. É relevante assinalar como o pensamento de todos
os filósofos gregos influencia o pensamento posterior. Sócrates,
Platão e Aristóteles vivem em um período histórico de decadência
do Estado Grego, apesar de serem os principais pensadores da
polis como cidade-estado. “Suas considerações sobre educação,
cidadania, virtude e conhecimento foram fundamentais para
a construção da relação entre Filosofia e Educação desde sua
origem” (FRANKLIN & PINHEIRO, 2014, p. 41).
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 41

Conhecimento Mítico e Conhecimento


Filosófico

OBJETIVO

Ao final do estudo deste capítulo, você será capaz de identificar a


diferença entre conhecimento mítico e conhecimento filosófico,
destacando suas principais características.

O que é o mito? “Sei bem o que é, desde que ninguém


me pergunte; mas quando me pedem uma definição, fico
perplexo”. Assim escreveu Santo Agostinho em suas Confissões,
abraçando a difícil causa de apreender essa categoria esquiva
chamada tempo e descrevendo a aflição a dar uma definição
do mito (apud RUTHVEN, 1997, p. 13). Os mitos têm uma
qualidade que Wallace Stevens atribui à poesia: conseguem
resistir à inteligência. Por isso eles atraem os sistematizadores.
Estes nos “tranquilizam, afirmando que o mito nada mais é que
ciência primitiva, ou história, ou personificação de fantasias do
inconsciente” (apud RUTHVEN, 1997, p. 13-14).

Os mitos são, evidentemente, uma série de histórias criadas


pelos seres humanos. Mas essas histórias foram, durante longos
séculos, motivo de crença e fé. Elas tiveram, no espírito dos
gregos e dos latinos, o valor de dogma, condicionadas ao status de
realidade. Como tal, inspiraram os homens e as mulheres, deram
esteio a instituições por vezes respeitabilíssimas, sugeriram aos
artistas, aos poetas, aos literatos a ideia de criações de admiráveis
obras-primas.
42 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

A Antiguidade, cujos conhecimentos científicos e


filosóficos eram praticamente inexistentes, elegeu as divindades
para suprir a necessidade de compreender os mistérios do
mundo. No caso da Grécia e Roma, bem como muitos países
escandinavos, é isso que explica a existência do grande número
de deuses. Para Pierre Commelin, estudioso da mitologia grega,
tudo o que provocou a admiração, o espanto, o temor ou o horror
nos primeiros homens e nas primeiras mulheres adquiriu, aos
seus olhos, um caráter divino. As virtudes e as paixões mais
abstratas dos seres humanos, também têm esse status de serem
marcadas por um cunho sobrenatural, de trazerem a chancela
divina e revestirem, com uma fisionomia particular, as insígnias
e os atributos da divindade (COMMELIN, 2011, p. 9).

Estudar a mitologia é iniciar-se na concepção de um mundo


primitivo, percebido numa penumbra misteriosa. Não ver nela
mais que a aberração de espíritos rústicos e supersticiosos é, sem
dúvida, julgá-la apenas de acordo com as aparências; mas, por
outro lado, ver nela apenas alegorias, procurar a explicação de
todos esses mitos, de todas essas fábulas, de todas essas lendas
na observação do mundo físico, é superar os limites da realidade.
Seguimos na mesma linha de pensamento de Pierre Commelin
(2011): a imaginação e a fantasia têm um importante papel nessa
longa enumeração de crenças mitológicas aceitas pelos povos
antigos. Cada século, cada geração compraz-se em aumentar o
número de seus deuses, de seus heróis, de suas maravilhas e de
seus milagres.

Os mitos antigos, em especial a Teogonia de Hesíodo,


narravam o modo pelo qual o mundo havia emergido do caos,
como se diferenciaram as suas diversas partes, como se
constituiu e estabeleceu o conjunto da sua arquitetura. Mas o
processo de gênese, nessas narrativas, reveste-se da forma de um
quadro genealógico. Ou seja, como bem argumenta o historiador
e antropólogo Jean Pierre Vernant, “ele se desenrola seguindo
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 43

a ordem de filiação entre os deuses, no ritmo dos sucessivos


nascimentos, dos casamentos, das intrigas, misturando e opondo os
seres divinos de gerações diferentes” (VERNANT, 1990, p. 478).
A deusa Gaia (Terra) engendra sozinha Ouranós
(Céu) e Póntos (Onda salgada); acasalada a
Ouranós, que ela acaba de criar, dá à luz os Titãs,
primeiros mestres do céu, revoltados contra o seu
pai e cujos filhos, os Olímpicos, vão, por sua vez,
combater e derrubar, a fim de confiar ao mais jovem
deles, Zeus, a incumbência de se impor no cosmo,
como soberano novo, uma ordem enfim definitiva.
(VERNANT, 1990, p. 478-479)

No mundo grego, o pensamento racional surge no século


VI a.C., especificamente nas cidades gregas da Ásia menor.
O nascimento da Filosofia marcaria, assim, o começo do
pensamento científico – poder-se-ia dizer simplesmente: do
pensamento. Vernant sugere que na “escola de Mileto, o logos
teria pela primeira vez libertado do mito, como as escaras caem
dos olhos do cego” (VERNANT, 1990, p. 411). Mais que uma
mudança de atitude intelectual, do que uma mutação mental,
trata-se de uma revelação decisiva e definitiva relacionada ao
pensamento. O aparecimento do logos, portanto, introduziria na
história uma descontinuidade radical: “viajante sem bagagem,
a Filosofia viria ao mundo sem passado, sem pais, sem família;
seria um começo absoluto” (VERNANT, 1990, p. 442).

Essa nova maneira de pensar, racional e filosófica,


é considerada oposta ao pensamento mítico. É como se na Grécia
do século VI a.C., o homem tivesse se libertado das fantasias
da mitologia e da religião, para se afirmar e se desenvolver
racionalmente.
44 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

IMPORTANTE

As principais diferenças entre Mito e Filosofia


Mito: narra os acontecimentos passados, buscando um entendimento
sobre a origem, as causas sobretudo até o momento presente;
Filosofia: ocupa-se em explicar não somente os acontecimentos
passados, mas tudo como é no presente e como será no futuro;
Mito: narra a origem do mundo baseando-se em genealogias e
ação de forças sobrenaturais;
Filosofia: explica a origem do mundo pela combinação de
elementos naturais;
Mito: não se preocupa com as contradições nem com as coisas
incompreensíveis;
Filosofia: exige um pensamento coerente, racional, lógico.
A autoridade sobre o conhecimento não está no filósofo, mas
fundada na razão que todas as pessoas possuem.

RESUMINDO

Neste capítulo, estudamos a diferença entre conhecimento


mítico e conhecimento filosófico, destacando suas principais
características.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 45

A Questão do Saber: o Conhecimento


e sua Tipologia

OBJETIVO

Ao final do estudo deste capítulo, você será capaz de classificar a


tipologia do conhecimento e descrever cada um dos tipos.

Na prática docente, muitas vezes se exercita o ensino sem se


perguntar o que é o conhecimento, seu sentido e seu significado.
Para um exercício satisfatório do ensino, entre outros elementos
fundamentais (como Psicologia e Sociologia da Educação),
é importante, como aponta Luckesi, possuir uma teoria do
conhecimento. Teoria do conhecimento nada mais é do que “um
entendimento do que vem a ser o conhecimento, seu processo,
seu modo de ser” (LUCKESI, 1993, p. 121).

O que significa “conhecer”? De modo geral, pode-se dizer


que “conhecer é elaborar um modelo de realidade” e “projetar
ordem onde havia caos” (CYRINO & PENHA, 1992, p. 13).
Nesse sentido, três elementos são necessários para que haja
conhecimento:
■ O sujeito, que é o ser que conhece;
■ O objeto, aquilo que o sujeito investiga para conhecer;
■ A imagem mental em forma de opinião, ideia ou conceito
que resultam da relação sujeito-objeto e que passa a habitar a
subjetividade daquele que conhece.

Visto que o ser humano é um sujeito pensante, senciente


(que percebe o mundo por meio dos sentidos e das impressões)
46 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

e comunicante, o resultado é a transmissão dessa articulação


mediante linguagem simbólica, a qual o diferencia dos demais
seres existentes. Essa linguagem pode ser oral ou escrita,
verbal ou não verbal. O saber é um conjunto de informações e
conhecimentos que todo sujeito mobiliza para relacionar-se com
o mundo, interagir com os semelhantes, com a sociedade, com o
universo e com a vida (CHARLOT, 2000).

Em função da relação sujeito-objeto, da qual resultam


informações, conhecimentos e saberes, o sujeito busca compreender,
representar e explicar os objetos com os quais convive em sua vida
prática e até aqueles que ele imagina que possam existir como
ideia formal apenas. A isso chamamos conhecimento, produto da
inteligência simbólica humana por meio da qual o múltiplo ganha
uma unicidade, a diversidade recebe certa harmonia e o vazio
é preenchido por um sentido, sendo o principal deles o sentido
existencial, a razão de ser da vida, o motivo pelo qual o homem e
a mulher são, pensam, sentem, julgam, valoram, decidem e agem
no aqui-agora de seu ser estar no mundo.

REFLITA

O conhecimento pode ser entendido como aquilo que adquirimos


nos livros, nas aulas e nas conversas, com o objetivo de alcançar
o entendimento da realidade. O que está em primeiro lugar, o que
está na raiz do conhecimento, é a elucidação da realidade e não a
retenção de informações contidas nos livros. Essas informações
deverão ser auxiliares no entendimento da realidade; contudo,
elas por si mesmas não são o conhecimento que cada sujeito tem
da realidade. É preciso utilizar-se das informações de maneira
intelectualmente ativa para que se transformem em efetivo
entendimento do mundo exterior. Muitas vezes o conhecimento
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 47

é confundido com o processo de decorar informações dos


livros, para a seguir, repeti-las em provas escolares. Isso não é
conhecimento, pois essa atitude é memorização de informação,
sem saber o que, de fato, essa informação significa.

Os Tipos de Conhecimento
Ao tratar sobre a construção do conhecimento e o ensino
das ciências, Ana Maria Carvalho (1997) define quatro tipos de
conhecimento, quais sejam: (1) conhecimento popular ou senso
comum, (2) conhecimento filosófico, (3) conhecimento teológico,
(4) conhecimento científico.

Conhecimento Popular ou Senso Comum

O conhecimento popular é valorativo por excelência, pois


se fundamenta numa seleção operada com base em estados
de ânimo, conhecimentos prévios, experiência, impressões e
emoções do sujeito. A característica de assistemático baseia-se na
“organização” particular das próprias experiências do indivíduo
cognoscente, e não em uma sistematização das ideias, isto é,
na busca de uma formulação geral que explane os fenômenos
observados. Além disso, é um tipo de conhecimento verificável,
uma vez que está circunscrito à vida do cotidiano e se relaciona
ao que se pode perceber na vida diária. Por fim, pode ser falível e
inexato, pois se conforma com a aparência e com o que se ouviu
dizer a respeito do objeto.

O conhecimento do senso comum ou popular nada mais


seria, também, que o resultado das necessidades de resolver os
problemas do cotidiano. Nele, há uma tendência de manter o
sujeito que o elabora como um espectador passivo da realidade,
subjugado pelos fatos e acontecimentos do seu ambiente.
48 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Por isso o conhecimento do senso comum caracteriza-se por ser


elaborado de forma espontânea e, muitas vezes, intuitiva.

Conhecimento Filosófico

Corpo de conhecimento, em Filosofia, significa um conjunto


coerente e organizado de entendimentos sobre a realidade.
Conhecimentos estes que expressam a compreensão, que se tem
do mundo, a partir de desejos, anseios e aspirações. Quando
lemos um texto de Filosofia, nos apropriamos do entendimento,
que o seu autor teve do mundo que o cerca, especialmente dos
valores que dão sentido a esse mundo. Valores esses que, por
vezes, são aspirações que deverão ser buscadas e realizadas, se
possível. O filósofo, conforme assinala Luckesi, sistematiza as
aspirações dos seres humanos, aspirações essas que dão sentido
ao dia a dia, à luta, ao trabalho, à ação. (LUCKESI, 1993, p. 22).
Ninguém vive o cotidiano sem um sentido direcionado ao seu
trabalho, à sua relação com as pessoas, ao amor, à amizade, à
ciência, à educação, à política etc.

Segundo Trujillo Ferrari (1982), o conhecimento filosófico


é valorativo, pois seu ponto de partida consiste em hipóteses, as
quais não poderão ser submetidas à observação. “As hipóteses
filosóficas baseiam-se na experi6encia e não da experimentação”
(TRUJILLO, 1974, p. 12). Por conseguinte, o conhecimento
filosófico não é verificável, visto que os enunciados das hipóteses
filosóficas, ao contrário do que ocorre no âmbito da ciência,
não podem ser confirmados nem refutados. É ainda um tipo de
conhecimento racional, em virtude de abarcar um conjunto de
enunciados logicamente correlacionados. Caracteriza-se por ser
sistemático, pois seus enunciados visam a uma representação
coerente da realidade estudada, numa tentativa de apreendê-la
em sua totalidade. Por último, pode ser infalível, já que seus
postulados não são submetidos ao teste de experimentos.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 49

Conhecimento Científico

O conhecimento científico é factual (real), porque se


relaciona com ocorrências e fatos, isto é, com toda “forma de
existência que se manifesta de algum modo” (TRUJILLO, 1982,
p. 14). Constitui um tipo de conhecimento dito contingente,
uma vez que suas proposições têm sua veracidade ou falsidade
conhecida por meio da experimentação e não apenas da razão,
como ocorre do pensamento filosófico. É sistemático, pois se trata
da elaboração de um conjunto de saber ordenado logicamente,
constituindo um sistema de ideias (teoria) e refutando todo e
qualquer tipo de conhecimento disperso, desconexo e que não
passou por experimentos verificáveis. É nesse sentido que possui
a característica de verificabilidade; caso as hipóteses não possam
ser comprovadas, não pertencem ao campo da ciência.

Constitui um conhecimento falível, em virtude de não ser


definitivo, absoluto ou final. Por isso, novas proposições são aceitas
e o desenvolvimento de técnicas, procedimentos e metodologias
podem reformular o corpo teórico existente.

Um dos filósofos que se dedicou à Filosofia da ciência, entre


outros assuntos, foi o francês Gaston Bachelard (1884- 1962). A
intenção substancial de toda a estrutura dos escritos de Bachelard
e seu método de reflexão é a análise da produção do conhecimento
humano sob uma perspectiva histórica. Conforme o estudo dos
procedimentos e das ideias desenvolvidas em períodos de tempo
demarcados por ele mesmo, o autor afirma que o estudo crítico
dessas produções pode ajudar a entender os caminhos trilhados
para a construção dos conhecimentos. Durante a história de
construção da ciência ocidental é possível identificar, mesmo
que de forma geral, três momentos específicos.
■ O primeiro é chamado de Pré-Científico e corresponde
à Antiguidade Clássica e ao Renascimento;
50 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

■ O segundo é o Estado Científico propriamente dito,


que seria o fim do século XVIII e início do XIX;
■ O terceiro corresponderia ao período do Novo Espírito
Científico (depois do início do século XIX até os dias de hoje
(BACHELARD, 2005, p. 9).

As mudanças de objetivos e métodos que ocorreram nessas


etapas históricas do pensamento científico são resultado de um
movimento de estudo crítico do passado, da não repetição de
‘caminhos errados’ nos processos dessa construção. É necessário
que se considere a cultura científica em termos de descontinuidade
com o real, com a experiência imediata e, também, com o seu
passado. Não seria possível a criação do novo, se essa produção
fosse linear e previsível, dedutível por uma lógica interna de
funcionamento, como se um fato novo fosse simplesmente o
resultado/a soma de fatos anteriores. É contra esse modo de
interpretação continuísta da cultura científica que Bachelard vai
sustentar seus argumentos na proposta de uma epistemologia
histórica do conhecimento que reconhece, no não continuísmo,
seu funcionamento primordial.
A história humana bem pode, em suas paixões,
em seus preconceitos, em tudo que releva dos
impulsos imediatos, ser um eterno recomeço;
mas há pensamentos que não recomeçam; são os
pensamentos que foram retificados, alargados,
completados. Eles não voltam a sua área restrita
ou cambaleante. Ora, o espírito científico é
essencialmente uma retificação do saber, um
alargamento dos quadros do conhecimento.
Julga seu passado histórico, condenando-o. Sua
estrutura é a consciência de suas faltas históricas.
Cientificamente, pensa-se o verdadeiro como
retificação histórica de um longo erro, pensa-se a
experiência como retificação da ilusão comum e
primeira. (BACHELARD, 1995, p. 147)
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 51

Conhecimento Teológico ou Religioso

O conhecimento religioso baseia-se em um conjunto


de doutrinas que contém asserções sagradas (valorativas),
justamente por terem sido reveladas pelo sobrenatural
(inspiracional) e, assim sendo, tais verdades são consideradas
infalíveis e indiscutíveis (exatas).

É um conhecimento sistemático do mundo, pois contempla


temas como origem, significado, finalidade e destino do
humano. Suas evidências não são verificadas em função de que
a atitude de fé perante um conhecimento revelado é a base mais
importante. Nesse sentido, os questionamentos não são trazidos
para o campo do conhecimento religioso. Parte-se do princípio
de que as “verdades” tratadas são infalíveis e indiscutíveis, por
consistirem em revelações da divindade.

Nota-se que a adesão das pessoas passa a ser um ato de fé,


pois a visão sistemática do mundo é interpretada como decorrente
dos atos de um criador divino, cujas evidências não são postas em
dúvidas nem sequer verificáveis.

REFLITA

A postura do teólogos e cientistas diante da Teoria da Evolução


das Espécies, de Charles Darwin, particularmente do homem,
indica as abordagens diversas. De um lado, as posições dos
teólogos fundamentam-se nos ensinamentos de textos sagrados.
De outro, os cientistas buscam, em suas pesquisas, fatos
concretos capazes de comprovar (ou refutar) suas hipóteses.
Se o fundamento do conhecimento científico consiste na evidência
52 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

dos fatos observados e experimentalmente controlados, no caso


do conhecimento teológico o fiel não se detém nelas à procura de
evidência, mas da causa primeira, ou seja, da revelação divina.

Apesar da separação metodológica entre os tipos


de conhecimento popular, filosófico, religioso e científico, no
processo de compreensão da realidade, o sujeito pode transitar
nas diversas áreas. Ao investigar sobre o “homem”, por exemplo,
pode-se realizar uma série de conclusões sobre sua atuação na
sociedade, baseada no senso comum ou na experiência cotidiana.
Pode-se analisá-lo como um ser biológico, com base na
investigação experimental, as relações existentes entre os órgãos
e suas funções. Pode-se questionar a sua origem e o seu destino,
assim como sua liberdade. Finalmente, pode-se observá-lo como
ser criado pela divindade, a sua imagem e semelhança, e meditar
sobre o que dizem os textos sagrados.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 53

RESUMINDO

Veja no quadro a seguir um resumo deste nosso estudo acerca do


conhecimento, seus tipos e suas características principais.

Popular Filosófico Científico Religioso


Valorativo Valorativo Real (factual) Valorativo
Reflexivo Racional Contingente Inspiracional
Assistemático Sistemático Sistemático Sistemático
Não Não
Verificável verificável Verificável verificável
Infalível (se Infalível (se
Falível coloca como) Falível coloca como)
Exato (se Aproximadamente Exato (se
Inexato coloca como) exato coloca como)
54 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação
UNIDADE

02
56 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Filosofia e Pensamento Educacional na


Modernidade

OBJETIVO

Ao final do estudo deste capítulo, você será capaz de interpretar


as características e o contexto histórico, em que foi gestada a
filosofia e o pensamento educacional na modernidade...

No curso do século XVI a concepção medieval começou


a declinar, e aos poucos surgiram forças que forjaram o atual
mundo moderno. Grandes movimentos marcam o período de
transição, que se estende do declínio da Idade Média até o grande
surto de progresso do século XVII, a saber: 1) o Renascimento
italiano; 2) a Reforma Luterana; 3) o avanço da investigação
científica; 4) o projeto filosófico humanista; 5) o Absolutismo
francês; 6) posteriormente o Iluminismo.
É em meio a esse quadro que nasce e se desenvolve o
pensamento moderno, marcado pela confiança na razão. Trata-
se de conferir à razão a tarefa de significar o mundo, reproduzi-
lo e representá-lo, afastando do pensamento o que é disperso,
desconexo, mítico e sobrenatural.
O período conhecido como Filosofia Moderna, portanto,
estende-se por pouco mais de dois séculos e meio de história.
Como todo período histórico da Filosofia, é bastante difícil
fixarmos uma data para seu início. Embora alguns autores
considerem a Filosofia do Renascimento, nos séculos XV e
XVI, como parte da Filosofia Moderna, em geral, aceita-se
que o filósofo que iniciou a Filosofia Moderna tenha sido René
Descartes (1596-1650) no século XVII, uma vez que seus
trabalhos definiram e deram corpo aos métodos filosóficos de
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 57

tal período. Entretanto, como afirma Franklin e Pinheiro (2014),


alguns outros filósofos, anteriores a Descartes, como Montaigne
(1533-1592) e Francis Bacon (1561-1626), aparecem também
como membros da Filosofia Moderna.
Da mesma forma, o trabalho de Ludwing Wittgenstein
é considerado o término de tal período, iniciando o que é
normalmente chamado de período pós-moderno. O período
da Filosofia Moderna não é caracterizado por uma escola ou
doutrina específica, mas por um estilo de trabalhar as questões
filosóficas e por certas premissas ou hipóteses comuns.
As áreas exploradas nessa época incluíam a filosofia da
mente, especialmente o problema mente-corpo identificado por
Descartes, epistemologia e metafísica. Por não possuir uma
escola única, a Filosofia Moderna é normalmente dividida pelas
correntes filosóficas, que exploraram os principais temas dessa
época. Os principais nomes foram organizados posteriormente
em dois grupos: os racionalistas e os empiristas. Os próprios
autores não se identificavam dessa forma, mas posteriormente
foram assim organizados em termos de história da Filosofia.
Entre os racionalistas encontramos filósofos franceses e
alemães, que defendiam que todo conhecimento deve originar-
se de algum tipo de ideias inatas na mente (aquelas ideias
que são nativas, já nascem com a pessoa). Contudo, alguns
racionalistas afirmaram ainda que todo o conhecimento é inato
ou provido por meio do raciocínio dedutivo, enquanto outros
racionalistas aceitavam um maior papel da experiência. Entre os
principais racionalistas encontramos René Descartes, o logicista
e matemático Gottlob Frege e Baruch Spinoza.
Tendo como principais figuras os filósofos britânicos John
Locke, George Berkely e David Hume, o empirismo era o opositor
natural do racionalismo. Essa posição defendia que a mente era
uma tábula rasa, termo introduzido por Locke, significando que
não possuímos ideias inatas e que o conhecimento é impresso
em nossa mente, por meio dos dados dos sentidos. Com isso,
58 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

defendeu ainda que existiam duas formas para o surgimento das


ideias, pela sensação e pela reflexão, com ideias podendo ser
simples ou complexas.

Tabela 1: Pontos em Comum e Discordâncias

Pontos em comum Pontos de discordância

Caracteriza-se pela
Tentam resolver
pressuposição de
o problema da
princípios inatos
capacidade de nosso
Racionalismo e conhecimentos
pensamento para
a priori. O visível
captar a realidade
esconde aquilo que
externa; partem de
está para além dele.
convicções teóricas
fundamentais Nega os princípios
que permitem inatos e a
a constituição possibilidade de
do problema: a conhecer a priori. O
indubitabilidade das visível, nesse caso,
Empirismo
nossas representações é revelador por si
e a existência da só. A sensibilidade
realidade exterior a é tomada como a
elas. relação primeira
com o real.
Fonte: (FRANKLIN & PINHEIRO, 2014, p. 72.)

Nessa direção, devemos entender que o Iluminismo


europeu pretende debater a educação a partir de uma abordagem
epistemológica empirista que ressalta o papel das experiências
vividas pelos homens. No entanto, o mesmo empirismo, em
Locke, por exemplo, aponta para a importância da educação
em elucidar o vivido e/ou preparar para compreendê-lo mais
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 59

plenamente. Portanto, como aponta Novelli (2001) a educação


adquire aqui um papel de superação em relação ao antigo regime
caracterizado pela centralização do ensino e pela concentração
de conhecimentos entre poucos escolhidos.
Kant apresentou ainda um sistema filosófico sofisticado
que causou uma verdadeira transformação na filosofia alemã.
Embora seu objetivo de encerrar a disputa entre racionalistas e
empiristas, pela unificação de ambas as posições, não tenha sido
atingido, Kant promoveu grandes mudanças e novas correntes
na filosofia de sua época, sendo particularmente responsável
pelo surgimento da corrente filosófica conhecida como
Idealismo Alemão. O idealismo veio a afirmar que o mundo e
a mente devem ser entendidos segundo as mesmas categorias,
estabelecendo quais categorias seriam estas, o principal trabalho
neste sentido foi a Crítica da Razão Pura, de Kant, publicada em
1781. Este desenvolvido levou também ao trabalho do filósofo
Georg Wilhelm Friedrich Hegel.

RESUMINDO

Neste capítulo, abordamos o nascimento e o desenvolvimento


do pensamento moderno da filosofia e a importância deles para
a educação na modernidade.
60 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Leitura e Recortes Acerca de Educação e


Filósofos da Modernidade

OBJETIVO

A seguir, aprofundaremos as ideias filosóficas de Kant, Hegel


e Jean Jacques Rousseau, bem com suas contribuições para
a Filosofia da Educação. Além disso, também será melhor
definida a diferença entre os filósofos racionalistas e empiristas
no contexto da Filosofia Moderna..

René Descartes
René Descartes (1596-1650) foi um filósofo, físico e
matemático francês, uma das figuras mais importantes da Filosofia
Moderna e da Revolução Científica. O filósofo defende a ideia
de que a razão serve como guia para o conhecimento. Encontra-
se aqui justificado o título de racionalismo ao pensamento de
Descartes. Suas principais obras são:
 Discurso (1637).
 Meditações (1641).
 Os princípios da Filosofia (1644).
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 61

Figura 1: René Descartes

Fonte: @commons.

Muitos especialistas afirmam que, a partir de Descartes,


inaugurou-se o racionalismo da Idade Moderna. Décadas mais
tarde, surgiria nas ilhas Britânicas um movimento filosófico
que, de certa forma, seria o seu oposto – o empirismo, com John
Locke e David Hume.
62 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

A teoria do conhecimento de Descartes começa com


a busca pela certeza, por um ponto de partida ou fundamento
indubitável, sem cuja base o progresso não seria possível.
Deste modo, o filósofo é conhecido por lançar a “dúvida
metódica”, que se baseia numa reflexão, que deixa de lado
qualquer crença cuja verdade possa ser contestada. A intenção
de Descartes era mostrar que, mesmo partindo de uma posição
cética, pode-se alcançar o conhecimento. A “dúvida”, portanto,
pode ser usada como ferramenta filosófica. Em virtude desse
posicionamento, já podemos perceber a importância que terá
Descartes no desenvolvimento das ideias filosóficas, que se
dirigem para as questões pertinentes à educação. Também
consiste o método do conhecimento de quatro regras básicas:
 Verificar se existem evidências reais e indubitáveis
acerca do fenômeno ou da coisa estudada.
 Analisar, ou seja, dividir ao máximo as coisas, em suas
unidades mais simples e estudar essas coisas mais simples.
 Sintetizar, ou seja, agrupar novamente as unidades
estudadas em um todo verdadeiro.
 Enumerar todas as conclusões e princípios utilizados,
a fim de manter a ordem do pensamento.
Descartes começou submetendo suas crenças a uma série
de argumentos céticos cada vez mais rigorosos, questionando
como podemos ter certeza da existência de qualquer coisa.
O mundo que conhecemos pode ser apenas uma ilusão? Não
podemos confiar em nossos sentidos com base segura para o
conhecimento, porque todos já fomos “iludidos” por eles com
alguma certa frequência. Ele dizia que talvez estivéssemos
sonhando, e o mundo aparentemente real não fosse mais que um
mundo de sonho.
Com efeito, Descartes considerava que era preciso colocar
todos os conhecimentos, que temos à prova da dúvida: podemos
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 63

duvidar de tudo, metodicamente, de maneira sistemática e


hiperbólica (de modo exagerado).
Para além das reflexões de um “mundo ilusório, Descartes
compreendeu, que havia uma crença da qual ele não podia
duvidar: a crença na própria existência. Cada um de nós pensa ou
diz: “Sou, existo” – e enquanto pensamos ou dizemos isso, não
podemos estar errados. Em sua obra Discurso sobre o método, ele
apresentou o axioma “Penso, logo existo”.
Apesar de muitas críticas, ao localizar a certeza na própria
consciência de mim, Descartes introduz um tom de primeira
pessoa, na teoria do conhecimento que dominou os séculos
seguintes.
É importante salientar que Descartes não esperava
alcançar certezas absolutas e inquestionáveis. Ele argumentou:
“Arquimedes exigia apenas um ponto de apoio a fim de mover a
Terra inteira”. Para Descartes, a certeza sobre a própria existência
era esse apoio, pois ela o salvava das dúvidas, fornecia-lhe
uma base firme e permitia iniciar a jornada de volta, isto é,
do ceticismo ao conhecimento. Foi crucial para seu projeto de
investigação, mas não o alicerce de sua epistemologia.

DEFINIÇÃO

Conceito de epistemologia
Teoria do conhecimento ou “conhecimento do conhecimento”.
Algumas de suas questões centrais são: a origem do conhecimento,
o lugar da experiência e da razão na gênese do conhecimento; a
relação entre o conhecimento e a certeza, e entre o conhecimento
e a impossibilidade de erro; a possibilidade de ceticismo
universal; e as formas de conhecimento, que emergem das novas
conceitualizações do mundo. (BLACKBURN, 1997, p. 118).
64 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Na continuidade de seu raciocínio, o famoso dualismo


cartesiano associado à separação da mente e da matéria (corpo)
em duas substâncias diferentes, mas em interação. O filósofo
percebe, que é necessário haver uma disposição divina para
assegurar a existência de quaisquer relações entre os dois
domínios divididos.

Jean Jacques Rousseau


Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi um importante
filósofo, teórico político, escritor e compositor autodidata.
É considerado um dos principais filósofos do Iluminismo,
precursor do romantismo e, sobretudo, grande referência para a
filosofia da educação.
Figura 2: Jean Jacques Rousseau

Fonte: @commons.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 65

Suas principais obras são:


 Discurso sobre a desigualdade entre os homens.
 Contrato social.
 Confissões.
 Emílio ou da Educação.
Rousseau foi fortemente influenciado pelo Romantismo
europeu. Além do Iluminismo, deve-se atentar ainda para
a presença e atuação do Romantismo, que também insistia
sobre o determinante papel da educação. Segundo Novelli
(2001), o Romantismo constitui-se numa reação contra a
frieza racionalista do Iluminismo, chamando a atenção sobre a
natureza, a vida, o instinto, enfim, a sensibilidade. Desse modo
pretendia-se um homem completamente realizado em todas as
suas potencialidades.
Sem sombra de dúvidas, Emílio, ou, da Educação, escrito
em 1762, é a obra mais enriquecedora, que Rousseau nos
deixou a fim de pensarmos sobre os processos de educação
nesse contexto do Iluminismo e do Romantismo, bem como as
etapas da infância e as formas como os sujeitos se inserem na
sociedade. Hoje se considera o primeiro tratado sobre filosofia
da educação no mundo ocidental. Explica, por conseguinte,
como o indivíduo pode conservar sua bondade natural (Rousseau
sustenta que o homem é bom por natureza), enquanto participa
de uma sociedade inevitavelmente corrupta.
O texto se divide em cinco “livros”, os três primeiros
dedicados à infância de Emílio, o quarto à sua adolescência, e o
quinto à educação de Sofia, a “mulher ideal” e futura esposa de
Emílio, e à vida doméstica e civil deste, incluindo a formação
política.
Rousseau intenciona mostrar a natureza da arte de educar,
que consiste em superar os obstáculos e em criar melhores
condições que possibilitem o desenvolvimento dos indivíduos.
66 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

A infância é compreendida, como uma etapa, que tem uma


finalidade importante para o desenvolvimento de qualquer
sujeito, e a ela não se deve impor uma “cultura adulta” por meio
da autoridade. Vejamos o que Rousseau diz acerca deste assunto:
A natureza quer que as crianças sejam crianças
antes de serem homens. Se quisermos perverter
essa ordem, produziremos frutos temporões, que
não estarão maduros e nem terão o sabor, e não
tardarão em se corromper; teremos jovens doutores
e velhas crianças. A infância tem maneiras de ver,
de pensar e de sentir que lhes são próprias; nada
é menos sensato do que querer substituir essas
maneiras pelas nossas, e para mim seria a mesma
coisa exigir que uma criança tivesse cinco pés de
altura e que tivesse juízo aos 10 anos. Com efeito,
de que lhe serviria a razão nessa idade? Ela é o
freio da força, e a criança não precisa desse freio.
(ROUSSEAU, 1999, p. 86.)
Para ele, as instituições educativas corrompem o homem
e tiram-lhe a liberdade. Para a criação de um novo homem e de
uma nova sociedade, seria preciso educar a criança de acordo
com a Natureza, desenvolvendo progressivamente seus sentidos
e a razão com vistas à liberdade e à capacidade de julgar por
si mesma. Logo, é possível afirmar, que a ideia central da
educação, para Rousseau, é a “conformidade com a natureza”.
Trata-se da busca rousseauniana da verdade na própria natureza
e no homem, como ponto de convergência da universalidade.
No entanto, o objetivo que permeia a tarefa educacional,
mesmo trabalhada de forma individual e particular, é o da
formação do homem para o convívio com seus semelhantes.
O objetivo maior do projeto pedagógico rousseauniano
sintetiza seus dois ideais, fundindo-os numa só máxima: a de
recriar o homem natural dentro da sociedade. E a educação é o
instrumento mais propício para essa recriação e transformação
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 67

pessoal que invariavelmente poderá propiciar mudanças na


sociedade. (PAIVA, 2011, p. 9). Podemos afirmar, dessa forma,
que educação para Rousseau não é uma tarefa, que se limita ao
ambiente escolar, a programas ou a instituições específicas. Mas
sim uma ação global de desenvolvimento do homem em todas as
suas necessidades. Isso é claro logo no início de sua obra:
Nascemos fracos, precisamos de força; nascemos
desprovidos de tudo, temos necessidade de
assistência; nascemos estúpidos, precisamos de
juízo. Tudo o que não temos ao nascer, e de que
precisamos adultos, é nos dado pela educação.
(ROUSSEAU, 1999, p. 8).
Essa educação, conforme ressaltam Franklin e Pinheiro
(2014), nos ensina a importância de respeitar a criança em seu
próprio mundo repleto de necessidades próprias. Ela não dá
virtudes, mas previne vícios: enfim, ela dispõe a criança, tudo o
que pode levar ao verdadeiro, quando ela já detém a condição de
entender, e de amar. Para Rousseau, a civilização é um grau de
desenvolvimento superior da própria natureza.

Immanuel Kant
Immanuel Kant (1724-1804) nasceu na Prússia Oriental
e, durante toda a sua vida, jamais se afastou de sua cidade
natal, Königsberg. Não seria exagero afirmar, que ele foi um
dos filósofos mais importantes da modernidade, uma vez que
refletiu temas, que são debatidos até nos dias de hoje, como
a objetividade, o saber, a vontade e o juízo. Ele estabeleceu o
que chamamos de Filosofia Crítica, “mantendo o equilíbrio
entre a posição extrema do empirismo britânico, por um lado,
e os princípios inatos do racionalismo cartesiano, por outro”.
(RUSSEL, 2013, p. 368).
Na filosofia kantiana, há um ponto de inflexão importante
acerca da análise e do conhecimento da relação entre ser e
68 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

pensar, entre verdade e certeza, entre objetividade e subjetividade.


Deriva-se desses temas um conjunto de trabalhos desenvolvidos
pelo filósofo: Crítica da razão pura, Crítica da razão prática Crítica
do juízo. Resumidamente, é possível afirmar que sua Crítica está
baseada na possibilidade de uma fundamentação da articulação
entre sujeito e objeto que não se situe no âmbito da fé ou da crença.
Figura 3: Immanuel Kant

Fonte: @commons.

IMPORTANTE

O sentido da Crítica efetuado por Kant não é aquele do senso


comum da desaprovação, e sim da análise. Sua busca é pela
compreensão da maneira pela qual podemos conhecer as coisas,
e não apenas “qual o significado das coisas”.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 69

A educação, para Kant, é um objeto importante de reflexão.


Ele defende a ideia de que o homem é a única criatura que
precisa ser educada, sendo que a educação tem como objetivo
encaminhar o homem em direção a uma finalidade, qual seja, a
perfeição. Uma educação que consegue atingir sua finalidade,
vai de encontro com a filosofia moral e política, sendo que o
homem moral é o ideal a ser seguido no processo de educação.
Tendo como intenção a formação do homem ideal,
Kant estabelece a disciplina e a coação como pressupostos
fundamentais no processo de educação. Por meio do rigor, da
coação e da obediência, o filósofo visa a formação do caráter.
Disciplina e coação são colocadas como fundamentos necessários
para a liberdade e a moral. A autonomia, princípio básico do bom
uso da razão, depende desse primeiro momento da educação
(FRANKLIN; PINHEIRO, 2014, p. 96). Apenas em função de
uma educação baseada na disciplina e na coação será possível
postularmos um sujeito autônomo.
Outro aspecto importante é a defesa da ideia de que
a educação deveria conduzir o homem à liberdade. Dito
de outra forma, a educação para a liberdade necessita de
exercícios e ensinamentos de modo a permitir gradativamente
o desenvolvimento da inteligência. O homem, por ser racional,
ultrapassa a ordenação mecânica de todo o sentido de sua
existência, proporcionando a si mesmo a libertação dos instintos
por meio de sua própria razão (RIBEIRO, ZANCANARO, 2011).
“O homem não deve ser guiado por instintos, pois foi dado a ele
razão e liberdade da qual deve tirar tudo de si mesmo”. Assim,
na era moderna, cresceu o clamor da liberdade geral e sustentou-
se que uma ordem social apropriada só poderia acontecer a partir
de indivíduos livres e emancipados, em que o sujeito só poderá
ser racional e livre ao desenvolver todas as suas potencialidades
de acordo com a vontade.
70 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

IMPORTANTE

Por meio da educação, o indivíduo se torna plenamente


responsável por seu destino, consciente dos valores morais,
do dever e de sua natureza enquanto fim em si. Esse fim é um
fim racional, que supõe um valor pessoal, dado pelo próprio
homem a si mesmo, em todas as circunstâncias, como condição
necessária sob a qual somente ele mesmo e sua existência são
metas finais. O progresso imposto pela educação, ao formular a
disciplina, cultura e moralidade como metas a serem cumpridas,
possibilita a postulação da formação do homem, com vistas à
inteira humanidade (FRANKLIN; PINHEIRO, 2014, p. 97).

Georg Hegel
Georg Hegel (1770-1834) nasceu em Stuttgat, hoje cidade
da Alemanha. Quando jovem, conheceu Schelling e Holderlin,
iniciando uma amizade que duraria décadas. O esforço de Hegel
concentra-se num objetivo muito claro: a compreensão do
presente, a partir da explicação do sentido do desenvolvimento
histórico.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 71

Figura 4: Georg Hegel

Fonte: @commons.

A filosofia hegeliana caracteriza-se, nessa medida, por um


intenso compromisso com a realidade. E o que é a realidade? Ela
se caracteriza justamente por seu aspecto mutável em todos os
níveis, principalmente no histórico. Uma das questões iniciais do
projeto hegeliano é avaliar até que ponto os conceitos formulados
72 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

por diferentes sistemas filosóficos dão conta desse dinamismo,


ou, ao contrário, dividem-no em blocos estanques que se mantêm
imóveis. A mudança – que a filosofia denomina devir – sempre
foi considerada apenas sob o aspecto dos resultados, ou seja,
aquilo que manifesta a relativa estabilidade do real em cada
momento, que se apresenta para o nosso conhecimento.
Esse, todavia, não é o ponto que mais interessa a Hegel.
Interessa-lhe considerar o aspecto de processo, que a mobilidade
do real envolve. Para ele, é preciso explicar as condições de
modificação e o sentido que as mudanças apresentam em todos
os aspectos da realidade, desde a percepção sensível até as
revoluções políticas. Compreender a realidade significa entender
o modo como esse processo transcorre e, se possível, as leis que
o regem.
A obra em que Hegel procura expor essa trajetória é a
Fenomenologia do Espírito (1807), o primeiro livro em que seu
sistema aparece plenamente delineado.

SAIBA MAIS

Hegel afirmava que a filosofia é filha de seu tempo apontando,


assim, a importância da história. Nesse sentido Hegel situa-se
dentro do debate sobre a educação de sua época, pois, além
de encontrar-se nesse contexto, toda a sua vida ficou marcada
pela atividade docente. Hegel foi preceptor, professor, diretor
de ginásio, conselheiro escolar, professor e reitor universitário
e consultor do governo para assuntos educacionais. Hegel viveu
de perto as reformas educacionais na Alemanha tanto no período
do ginásio como na universidade.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 73

Segundo Novelli (2001), Hegel não ficou indiferente à


educação em sua época, mesmo porque os efeitos do Iluminismo
na França e na Inglaterra se estenderam à Alemanha. A
necessidade de libertar o homem retirando-o de sua minoridade,
passava pela possibilidade de recepção do saber segundo o
Iluminismo. Certamente seria válido investigar como a dialética
hegeliana, proporciona contribuições para o que ocorre em sala
de aula. Aliás, como nos informa Novelli é estranho dentro
do hegelianismo, desvincular a sala de aula das concepções e
políticas educacionais (NOVELLI, 2001).
A pedagogia hegeliana remete muito mais à compreensão
do que é e como vem a ser o homem. O homem, em Hegel, é
contínua passagem, contínuo vir-a-ser, sempre filho de seu tempo,
do que o precedeu e do que está por vir enquanto resultado de
sua própria atividade no dia a dia. Certamente é dessa concepção
de homem, que se deve erguer toda uma proposta pedagógica,
que tão somente viabilize esse homem.
Provavelmente por isso não se encontra em Hegel uma
sistematização da questão pedagógica e talvez seja um exagero
procurar remeter passagens da obra de Hegel à referida questão.
No entanto, pode-se operar um esforço no sentido de pensar,
como a filosofia hegeliana apresenta contribuições à temática
educacional. A seguir, escolhemos alguns pontos importantes
dessa proposta:
 A educação proporciona o segundo nascimento do
indivíduo, porque o torna autônomo, senhor de si no convívio
de seu povo. A autonomia é uma conquista do indivíduo, porque
ele precisa aderir à proposta de seu povo e renunciar suas
particularidades e exclusivismos.
 O aprender ocorre por intermédio de alguém, isto é, por
um processo necessariamente mediado.
 O indivíduo precisa passar por diversos estágios em sua
formação.
74 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

 A tarefa do indivíduo é adquirir o que lhe é apresentado


e apropriar-se da cultura de sua época. Essa apropriação é o
acesso à cultura universal da qual participam todos os povos.
Finalmente, Hegel assume uma preocupação marcante
com o conteúdo da prática docente (sem considerar muito a
questão metodológica). Há em Hegel uma certa desconfiança
em relação aos formalismos, métodos e técnicas. Dessa maneira,
o conteúdo torna-se determinante, pois deve ser a apresentação
das verdadeiras riquezas criadas pelos homens ao longo de sua
existência.
O que se pode inferir, apesar de tudo, sobre a postura
hegeliana, é que ele insiste na contribuição, que o acesso ao
conhecimento acumulado pode proporcionar ao aluno. Nesse
sentido, a preocupação com o conteúdo é crucial, pois aí se
encontra algo a ser sabido e ao qual se tem direito. A metodologia,
a técnica adotada, o processo de comunicação desse conteúdo
acabam sendo secundários (NOVELLI, 2001). Contudo, Hegel
entende que não basta comunicar, mas é necessário garantir que
ocorra a comunicação

RESUMINDO

Neste capítulo, abordamos as ideias filosóficas de René


Descartes, Jean Jacques Rousseau, Immanuel Kant, Georg Hegel,
bem com suas contribuições para a Filosofia da Educação. Você
aprendeu a definição e a diferença entre os filósofos racionalistas
e empiristas no contexto da Filosofia Moderna.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 75

Tendências e Correntes Filosóficas:


Contexto Histórico e Pressupostos

OBJETIVO

Ao final do estudo deste capítulo, você será capaz de explicar as


características e o contexto histórico das tendências e correntes
filosóficas do século XIX e início do XX.

A Filosofia Contemporânea situa-se cronologicamente


entre o século XIX até os dias atuais. No entanto, alguns
especialistas em filosofia preferem classificar os pressupostos
teóricos e os pensamentos filosóficos produzidos a partir do
século XIX como parte da Filosofia Moderna. Permitindo-se
fazer uma análise mais conceitual e historiográfica, ao invés de
uma análise estritamente cronológica, preferimos compreender
que as produções filosóficas do século XIX e início do XX
aproximam-se muito mais daquilo que foi produzido nos
séculos posteriores do que nos períodos anteriores. Dessa forma
escolhemos o termo “filosofia contemporânea”..
Além disso, o pensamento predominante no século XX,
as escolas filosóficas, as interpretações, a pós-modernidade,
enfim, tudo o que há de diferente na Filosofia Ocidental nos dias
de hoje, foi gestado a partir de obras de filósofos do século XIX,
como Auguste Comte, Friedrich Nietzsche, Søren Kierkegaard,
Arthur Schopenhauer, Karl Marx, entre outros.
Como vimos na seção 3, durante o Iluminismo, no fim
da modernidade, havia uma crença comum de que o avanço
das ciências, das técnicas e do conhecimento, articulados à
76 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

popularização desse conhecimento por meio da educação,


trariam a realização moral e a liberdade das sociedades ditas
modernas. No século XIX, o positivismo de Auguste Comte
permanece, de certo modo, numa linha iluminista, porém traz a
necessidade de um conhecimento científico (técnico), bem como
da ordem social para que ocorra o almejado avanço social. Já o
materialismo dialético, de Karl Marx, afirma a necessidade de
se entender a história humana como história de sua produção
material.
Considerando os fatos históricos inerentes do final do
século XVIII e que permearam todo século XIX, os que mais
influenciaram o pensamento contemporâneo foram as revoluções
Francesa e Americana, e especialmente a Revolução Industrial.
Em termos práticos, as revoluções políticas e sociais trouxeram
um novo modo de governar, afastando o absolutismo
monárquico do Antigo Regime, enquanto a Revolução Industrial
desencadeou um importante e amplo avanço técnico e científico
nos países europeus.
O filósofo alemão Arthur Schopenhauer, opondo-se à
visão romântica e idealista e aos pensamentos totalizantes da
razão moderna, que pretendiam enquadrar os sujeitos em um
modelo inteiramente racional, lança o conceito de Vontade
como uma força motriz da natureza que tudo causa, ao acaso,
independentemente de qualquer vontade divina.
Kierkegaard, por sua vez, lança a ideia de que a Filosofia
deve prestar atenção à vida do sujeito, para que o próprio ser
humano entenda e se conforme com a sua condição, que muitas
vezes é permeada pela angústia.
Mas de todos os pensadores que marcaram o início
da contemporaneidade, talvez seja Friedrich Nietzsche o
responsável pela maior ruptura com a filosofia moderna, além
de ser enunciador do que viria no século XX. Este filósofo foi
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 77

um grande crítico do que se tornou a filosofia produzida entre


Sócrates e Kant (com exceção de Spinoza), ou seja, quase toda a
Filosofia ocidental. Nietzsche criticou a pretensão do ser humano
de querer alcançar uma verdade objetiva, única e puramente
racional, fundamentando o conhecimento, que ele chamou de
perspectivismo. Além da crítica à teoria do conhecimento e a
elaboração de um método filosófico para compreender o mundo,
Nietzsche tece uma crítica aos sistemas morais, que pretendem
estabelecer uma valoração unilateral e desprezam a origem
histórica e cultural dos mesmos.
O início do século XX, por conseguinte, traz a suspeita
de que as teorias iluministas e modernas talvez não fossem tão
certas. A Primeira Guerra Mundial foi um desses fatores e o
Holocausto engendrou o começo do pessimismo contemporâneo
em relação à ciência e à técnica. Theodor Adorno e Max
Horkheimer, no livro Dialética do Esclarecimento, classificam
o holocausto como o ápice da barbárie, que a humanidade
chegou devido ao que eles chamaram de “razão instrumental”.
A razão instrumental é a utilização não reflexiva da ciência e das
técnicas visando a uma finalidade.
Desde o século XVIII o capitalismo já vinha se utilizando
da racionalidade como instrumento de poder, e o nazismo, por
meio da câmara de gás e dos experimentos científico cruéis,
que utilizavam prisioneiros de campos de concentração como
cobaias, marcaram a contemporaneidade como uma época em
que o avanço científico não garantiu o avanço moral humano.
Nesse contexto, uma dificuldade que aparece a partir
de agora no estudo da Filosofia é o surgimento de correntes
filosóficas. No período contemporâneo, as correntes passam
a ser mais exatas e claras, isto é, há uma classificação mais
detalhada de cada posição e abordagem filosófica. Busca-se,
78 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

nesse sentido, aproximar ou distanciar os filósofos conforme as


principais ideias contidas nelas.

RESUMINDO

Neste capítulo, abordamos a situação cronológica da filosofia,


para compreender o surgimento das tendências e correntes
filosóficas, por meio de análise mais conceitual e historiográfica
das principais ideias dos filósofos desse período.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 79

Correntes Filosóficas: Abordagens e


Suposições

OBJETIVO

Ao final do estudo deste capítulo, você será capaz de identificar


e as correntes filosóficas do século XIX e do XX.

Positivismo
Impulsionado pelo otimismo decorrente da crença no
progresso tecnológico, o positivismo empenhou-se em tornar
o homem consciente de seu destino histórico, e especialmente
comprometido com a vocação tecnocientífica do século XIX. Seu
maior representante é o francês Auguste Comte (1798-1857),
aluno da Escola Politécnica de Paris, professor de Filosofia
e fundador da corrente em questão. De sua obra destacam-se
Curso de Filosofia Positiva (1830-1842), Sistema de Política
Positiva (1851-1854), Catecismo Positivista (1852) e Síntese
Subjetiva (1856).
O pensamento positivista influenciou grande parte da
cultura europeia em diversos âmbitos, como na Filosofia,
na Pedagogia, na Política e na Historiografia. As grandes
transformações decorrentes do processo de industrialização no
século XIX, o avanço da Ciência e da tecnologia, o surgimento
de grandes cidades, o aumento da produção de bens materiais
e de riqueza permeiam o contexto em que o positivismo foi
pensado por Comte.
Comte dividiu o progresso humano em três estágios: 1)
o primeiro diz respeito ao período teológico, representado
80 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

pela Idade Média e caracterizado pela crença no sobrenatural,


nas explicações fantásticas e míticas; 2) o segundo estágio,
denominado de metafísico, Comte defende a ideia de que a
especulação sobre a natureza da realidade passou por uma
grande evolução e que as noções abstratas substituíram o papel
das divindades e, finalmente 3) a era positivista (científica) que
ajudaria a criar uma nova ordem social, baseada nas regularidades
observáveis e escritas pelas Ciências.
Tendo em vista sua teoria, estaríamos no estágio científico
da história da humanidade, apesar de que seria necessário, ainda,
aplicar seu método aos fenômenos sociais. Ou seja, a finalidade
disso seria findar as crises pelas quais a sociedade estava passando
para alcançar uma “ordem social”. A sociologia científica seria
capaz de interromper o estado de crise, em que as sociedades
mais civilizadas se encontravam a fim de conquistarem a ordem
social, que Comte defendia com entusiasmo.
Comte não defendia a Filosofia como um corpo teórico
que tem seu próprio saber pois, o mais importante, segundo
sua perspectiva, eram os objetivos de classificação e ordenação
do conhecimento. Em outras palavras, a filosofia positiva
possui um teor enciclopédico – não no sentido dos conteúdos e
saberes apresentados – mas de sua organização, classificação
e hierarquização. A filosofia se submete ao quadro do saber
já consolidado pela observação e aplicação dos métodos
considerados científicos.
Nesse sentido, não seria incorreto afirmar que o positivismo
creditava uma especial confiança no progresso, na capacidade da
ciência em resolver os problemas das sociedades e, por extensão,
no vínculo entre conhecimento e ciências naturais.
Ademais, o vínculo estabelecido pelo positivismo entre
lógica, ciência, política e moral, mostra que o cientista deve ter
um papel social importante. Para Comte, é impossível considerar
a lógica sem considerar um programa ético e político. Nesse
sentido, Ciência e Filosofia são “como espécie de sacerdócio, de
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 81

apostolado da razão, cujo objetivo é a redenção da humanidade”


(ABRÃO, 1999, p. 398). Esse pensamento conduziu o filósofo
a instituir a “Religião da Humanidade”, caracterizada pelo culto
à razão, presença de rituais e calendários próprios, e adoração
aos grandes personagens do progresso humano (em sua maioria,
homens ilustres).
De forma resumida, apresentamos um quadro com as
principais características do Positivismo:
 As Ciências promovem, exclusivamente, o método de
conhecimento e o próprio conhecimento.
 Esse método é válido para o estudo da sociedade, ou
seja, para a sociologia e historiografia.
 A Ciência soluciona todos os problemas humanos.
 O progresso das sociedades e também da humanidade é
visto de uma perspectiva otimista.
 A História é vista a partir da perspectiva messiânica.
 Os fatos do conhecimento popular ou senso comum são
compreendidos como o verdadeiro conhecimento.
 Crença na racionalidade científica.
 Combate às concepções idealistas e espiritualistas da
realidade. (FRANKLIN; PINHEIRO, 2014, p. 109)
Comte enfrentou duras críticas ao seu pensamento,
especialmente à Religião da Humanidade que, nos dias de
hoje, é pouco reconhecida e valorizada no corpo teórico do
pensamento positivo. Porém, ainda na contemporaneidade
percebemos sinais do positivismo nas sociedades ocidentais,
tais como: a ciência para o progresso da humanidade; crítica ao
pensamento metafísico não provado; ideia da sociologia como
ciência autônoma; a importância da tradição; o reconhecimento
da historicidade dos fatos humanos e da própria ciência; a
unicidade do método científico e seu valor cognoscitivo.
82 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

SAIBA MAIS

O positivismo exerceu grande influência sobre os principais


líderes republicanos brasileiros, quase todos ex-alunos da
Escola Politécnica de Paris. Entre eles destacam-se Luís Pereira
Barreto, Raimundo Teixeira Mendes, Miguel Lemos (fundador
da Igreja Positivista do Brasil) e Benjamin Constant, responsável
pela divisa “Ordem e Progresso” (ideal comtiano) inscrita na
bandeira do Brasil.

Utilitarismo
O advento da Revolução industrial, o crescimento das
cidades, a divisão do trabalho, a circulação de capital e o
aumento de produtos de bens materiais trouxeram consigo uma
certa ênfase a tudo que dizia respeito à “utilidade”. O movimento
denominado utilitarismo, portanto, recebeu esse nome devido a
uma doutrina ética, que remonta ao teólogo e filósofo Francis
Hutcheson (1694-1746) que a defendeu em 1725. Essa teoria
afirma que o bem é prazer e o mal, a dor. O melhor estado que
podemos alcançar é aquele em que o prazer supera a dor.
Esse ponto de vista foi adotado por Jeremiah Bentham
(1748-1832), passando a ser conhecido como utilitarismo, que
nada mais é que um conjunto de teorias éticas. Seu princípio
fundamental é: a máxima felicidade possível para o maior
número de pessoas. Trata-se então de uma moral eudemonista,
mas que, ao contrário do egoísmo, insiste no fato de que devemos
considerar o bem-estar de todos e não o de uma única pessoa.
Além de Bentham, o utilitarismo contou com os filósofos James
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 83

Mill (1773-1836), John Stuart Mill (1806-1873), Henry


Sidgwick (1838-1900) e muitos outros que responderam a todas
as questões acerca do que fazer, o que admirar ou como viver
bem.
Bentham se interessou sobretudo pela jurisprudência,
campo em que se inspirou em Helvétius e Beccaria. Para Bentham,
a ética era uma base para estudar os meios legais de promover
o melhor estado de coisas possíveis. Ele ainda foi o líder de um
grupo de homens conhecidos como “radicais filosóficos”, que se
preocupavam muito com as reformas sociais e com a educação,
e em geral se opunham à autoridade da Igreja e aos privilégios
restritivos da classe social dominante. Porém, como nos informa
Bertrand Russel, Betham era um homem de temperamento
reservado e partia de pontos de vista não especialmente radicais
(RUSSEL, 2013, p. 409).
Bentham preocupava-se muito com a educação e
compartilhava com seu grupo de uma suprema confiança nos
ilimitados poderes da mesma. O fornecimento de uma educação
adequada, foi vista como um dos grandes remédios para todos
os males sociais. De certa forma, os utilitaristas estão certos
quando afirmam que determinados problemas não podem ser
devidamente enfrentados, a menos que exista um entendimento
bastante difundido do que está em jogo, e isto requer, em verdade,
um certo grau de educação.
É importante lembrar que, naquela época, a Inglaterra
contava apenas com duas universidades, e de acesso restrito aos
que professavam o anglicanismo. Logo, a intenção de Bentham
era proporcionar oportunidades de educação universitária, aos
que não preenchiam as estritas qualificações exigidas pelas
instituições existentes. Consequentemente, participou do grupo,
que ajudou a fundar o University College, de Londres, em
1825, instituição na qual não se impunham testes religiosos aos
estudantes.
84 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

De modo geral, a filosofia de Bentham se baseia em duas


ideias predominantes que remontam o início do século XVIII: (1)
a associação, (2) a máxima felicidade. A primeira diz respeito à
noção de dependência causal em função da associação de ideias,
tornando-se o mecanismo central da psicologia. O segundo
princípio, da maior felicidade, já mencionamos. Esta teoria
vincula-se também à psicologia, uma vez que, para Bentham,
o que os homens tendem a fazer é conseguir para si mesmos a
maior felicidade possível. Felicidade significa, aqui, o mesmo
que prazer. A função da lei é garantir que, ao buscar o seu
próprio prazer máximo, ninguém prejudique idêntico propósito
dos demais.
Ao mesmo tempo, o princípio da maior felicidade
possibilita outra interpretação: na concepção dos economistas
liberais, tornou-se uma justificativa para o laisser-faire e para o
livre-comércio, pois assumia-se que a busca livre e sem controle,
por parte de cada indivíduo, do seu maior prazer, produziria a
maior felicidade à sociedade (RUSSEL, p. 411).

IMPORTANTE

Para além de uma teoria ética, o utilitarismo foi, de fato, a


concepção de vida implícita na maior parte do planejamento
político e econômico moderno, na medida em que supõe que a
felicidade também pode ser medida em termos de econômicos.
Em Economia, o utilitarismo pode ser entendido como um
princípio ético no qual o que determina se uma decisão ou ação é
correta, é o benefício intrínseco exercido à coletividade, ou seja,
quanto maior o benefício, tanto melhor a decisão ou ação será.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 85

John Stuart Mill foi um homem de “grande talento, mas


desperdiçado pela falta de densidade filosófica do utilitarismo”
(FRANKLIN; PINHEIRO, 2014, p. 112). Foi fortemente
influenciado pelo seu pai, James Mill, homem muito atuante
politicamente na Inglaterra e defensor do liberalismo como
pensamento político mais apropriado àquele contexto.
Na formulação da doutrina de Stuart Mill, as ações são
corretas proporcionalmente à sua tendência para promover a
felicidade, e erradas se tendem a promover o que é contrário
à felicidade. Esta perspectiva constitui uma forma, como diz
Simon Blackburn (1997) de consequencialismo, em que as
consequências relevantes são identificadas em termos de graus
de felicidade. Diferentes concepções de felicidade separaram a
versão de Mill, que reconhecia diferenças qualitativas entre os
diferentes tipos de prazer, da tentativa assumida de Bentham,
para reduzir todas as questões de felicidade à presença de prazer
ou dor.
Para Mill, todos os nossos conhecimentos são de
conhecimento popular ou do senso comum, inclusive as
proposições das ciências dedutivas como a geometria. Com
efeito, as proposições da geometria também são verdades
experimentais e resultantes da observação. A importância de
Stuart Mill para a educação se estabelece nessa problemática
dos processos indutivos e dedutivos do conhecimento, uma
vez que muitas das pesquisas utilizam esse método lógico para
referendar teorias que são retiradas da experiência, tornando-as
gerais (FRANKLIN; PINHEIRO, 2014, p. 113).
86 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

SAIBA MAIS

Não foi somente à teoria utilitarista que Stuart Mill se dedicou,


pois foi um dos primeiros filósofos homens a se preocupar com a
causa das mulheres. O filósofo publicou em 1869 a famosa obra
Sujeição das mulheres, em meio a um importante movimento
histórico no qual as mulheres reivindicavam direitos de cidadania.
No primeiro capítulo de sua obra, Stuart Mill apresenta muitas
indagações relacionadas à subjugação das mulheres. O filósofo
atentava para o fato de que, apesar de o mundo ter avançado muito
até aquele momento para a libertação de povos escravizados, as
mulheres continuavam sendo subjugadas e oprimidas pelo sexo
oposto. Consequentemente, as mulheres continuavam sendo
vistas como seres inferiores e sem autonomia, não só no âmbito
público, mas também no âmbito privado (OLIVEIRA, 2013).
A obra nos dá a possibilidade de pensar o questionamento do
filósofo, quanto à causa da sujeição das mulheres pelos homens
e a aceitação desta condição. Mill assumia a tarefa de entender
o porquê de a sociedade aceitar como “natural” a situação de
inferioridade da mulher diante do homem, isto é, a sujeição e o
conformismo da maioria: a sociedade não questionava as razões
pela qual as mulheres se mantinham sob o jugo masculino.

A seguir, apresentamos as características fundamentais do


utilitarismo:
 Princípio do bem-estar: O “bem” é definido como
sendo o bem-estar. Diz-se que o objetivo pesquisado em toda
ação moral se constitui pelo bem-estar, que pode ser físico,
moral e intelectual.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 87

 Consequencialismo: As consequências de uma ação


são a única base permanente para julgar a moralidade desta
ação. O utilitarismo não se interessa desta forma pelos agentes
morais, mas pelas ações – as qualidades morais do agente não
interferem no “cálculo” da moralidade de uma ação, sendo então
indiferente se o agente é generoso, interessado ou sádico, pois
são as consequências do ato que são morais. Há uma dissociação
entre a causa (o agente) e as consequências do ato. Assim, para o
utilitarismo, dentro de circunstâncias diferentes um mesmo ato
pode ser moral ou imoral, dependendo se suas consequências
são boas ou más.
 Princípio da agregação: O que é levado em conta
no cálculo é o saldo líquido (de bem-estar, numa ocorrência)
de todos os indivíduos afetados pela ação, independentemente
da distribuição deste saldo. O que conta é a quantidade global
de bem-estar produzida, qualquer que seja a repartição desta
quantidade. Sendo assim, é considerado válido «sacrificar uma
minoria”, cujo bem-estar será diminuído, a fim de aumentar o
bem-estar geral. Esta possibilidade de sacrifício se baseia na
ideia de compensação: a desgraça de uns é compensada pelo
bem-estar dos outros. Se o saldo de compensação for positivo, a
ação é julgada moralmente boa. O aspecto dito sacrificial é um
dos mais criticados pelos adversários do utilitarismo.
 Princípio de otimização: O utilitarismo exige a
maximização do bem-estar geral, o que não se apresenta como
algo facultativo, mas sim como um dever.
 Imparcialidade e universalismo: Os prazeres e
sofrimentos são considerados da mesma importância, quaisquer
que sejam os indivíduos afetados. O bem-estar de cada um tem o
mesmo peso dentro do cálculo do bem-estar geral. Este princípio
é compatível com a possibilidade de sacrifício. A princípio, todos
têm o mesmo peso, e não se privilegia ou se prejudica ninguém
– a felicidade de um rei ou de um cidadão comum é levada
88 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

em conta da mesma maneira. O aspecto universalista consiste


numa atribuição de valores do bem-estar que é independente das
culturas ou das particularidades regionais. Como o universalismo
de Immanuel Kant, o utilitarismo pretende definir uma moral
que valha universalmente.

Pragmatismo
Primeira corrente filosófica que se originou nos Estados
Unidos no final do século XIX, o pragmatismo viveu seu auge
nas primeiras décadas do século XX. Apesar de ter sido pensado
sob diversas formulações, o pragmatismo parte da crença de que
o significado de uma doutrina é idêntico aos efeitos práticos
que resultam de sua adoção. Em outras palavras, “o significado
de um conceito é o efeito sensorial de seu objeto”, é conhecida
como máxima pragmática. Ou então: a “verdade” é a descrição
da realidade que melhor funciona para nós.
Um dos seus principais representantes é Charles Sanders
Peirce (1839-1914). Uma das coisas fundamentais que Peirce
tentava mostrar é que muitos debates na ciência, filosofia e
teologia não têm sentido. Ele afirmava que muitas vezes são
debates sobre palavras, e não sobre a realidade, uma vez que
neles nenhum efeito sobre os sentidos pode ser especificado.
O pragmatismo peirceano era a teoria de que não
adquirimos conhecimento apenas observando, mas fazendo, e
que contamos com esse conhecimento somente enquanto ele nos
é útil, no sentido de que explica adequadamente as coisas para
nós. Quando esse conhecimento não cumpre mais essa função
ou explicações melhores tornam-no obsoleto, o substituímos.
As antigas suposições funcionaram de forma adequada em sua
época, ainda que não fossem verdadeiras. Isso demonstra como
o conhecimento, como ferramenta explicativa, é diferente dos
fatos.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 89

Exemplo:
Podemos ver, ao olhar para a história, como nossas ideias
sobre o mundo mudaram constantemente, do pensamento de que
a Terra é plana até saber que ela é redonda, da suposição da
Terra como centro do universo até a compreensão de que se trata
apenas de um planeta no vasto cosmos.
O ideário de Peirce torna-se importante para as concepções
educativas, porque articula-se à apreensão de como podemos
conhecer as coisas. Para ele, nosso conhecimento nasce de uma
fixação de crenças, que podem ser reduzidas a quatro métodos,
quais sejam:
Tabela 2: Charles Peirce - Como tornar claras nossas ideias (1878)

O método da tenacidade é uma


forma de comportamento do
“avestruz”, que esconde a cabeça
quando o perigo se aproxima. Esse
é o caminho de quem está seguro,
Método da Tenacidade
apenas na aparência e em seu
interior está extremamente inseguro.
Essa insegurança emerge quando
é confrontado com outras crenças,
tomadas igualmente como boas.

O método da autoridade consiste


na utilização da ignorância, do
terror e da inquisição para alcançar
Método da Autoridade a concordância de quem pensa de
forma diversa e quem não pensa da
mesma forma que o grupo ao qual
pertence.
90 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

É aquele que concebe que suas


próprias proposições fundamentais
estão de acordo com a razão. Mas
Peirce alerta que a razão de um
Método a priori
filósofo não é a razão de outro.
O método apriorístico leva ao
insucesso, pois se baseia também
como autoridade.

É superior aos três primeiros,


que inevitavelmente levam ao
Método científico insucesso e não se sustentam. Para
estabelecermos a validade de nossas
crenças, ele é o único correto.
Fonte: Franklin; Pinheiro, 2014, p. 116.

Todavia, as crenças científicas podem ser falíveis, uma


vez que as experiências podem desmentir os significados das
conjeturas levantadas. Por isso, as hipóteses estarão sempre
colocadas à prova nas experiências e nas tessituras das conclusões.
Tal método científico é muito significativo, para a realização de
pesquisas acadêmicas, e para comprovar as respectivas teorias.
O pragmatismo teve outro filósofo como grande referência,
o norte-americano, filósofo e psicólogo William James (1842-
1910), que foi amigo de Peirce e teve mais notabilidade que este.
Para James, a verdade de uma ideia depende do quanto ela é
útil, isto é, se ela responde o que dela se exige. Por isso, se uma
ideia não contradiz os fatos (as leis da ciência, por exemplo) não
pode haver razão para não considerá-la verdadeira. A verdade
de uma ideia não é uma propriedade estagnada inerente a ela:
a verdade acontece a uma ideia, tornando-se verdadeira pelos
acontecimentos. Sua veracidade é um acontecimento, um
processo.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 91

IMPORTANTE

Qualquer ideia, se trabalhada, é considerada como verdadeira


pela ação que tomamos: colocar a ideia em prática é o processo
pelo qual ela se torna verdadeira.

A realidade é um processo dinâmico e ativo, da mesma


forma que a verdade é um processo.

James também julga que a crença numa ideia é um


fator importante na escolha para agir sobre ela, e dessa forma
a crença é parte do processo que torna uma ideia verdadeira.
Na perspectiva de James, quase todas as crenças poderão ser
respeitáveis, e até mesmo verdadeiras, desde que funcionem
(mesmo que este funcionar não seja uma questão tão simples
para James).

SAIBA MAIS

O pragmatismo proposto por James e Peirce estabeleceu os


Estados Unidos como um centro significativo para o pensamento
filosófico no século XX, considerando que toda tradição
filosófica do ocidente tinha sido gestada nos países europeus.
A interpretação de James sobre a pragmática da verdade
influenciou o psicólogo e pedagogista John Dewey, que será
apresentado na Unidade 3. Outros filósofos influenciados pela
corrente pragmática foram: Richard Rorty, Bertrand Russel e
Ludwig Wittgenstein; enquanto os escritores foram: Virginia
Woolf e James Joyce.
92 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Materialismo
A influência de Hegel no pensamento filosófico do
século XIX foi fundamental na produção de ideias, que tinham
em comum, entre outras coisas, a desconstrução religiosa,
especialmente por meio de críticas ao cristianismo. Temos
Bruno Bauer (1809-1882) e Edgar Bauer (1821-1866), que
apresentaram um ateísmo idealista. Max Stirner (1806-1856)
por sua vez, dizia que não podia ser mais cristão, tampouco
ateísta. Mas foi Ludwig Feuerbach (1804-1872) que influenciou
radicalmente todos os filósofos chamados materialistas. Sua tese
principal é a de que, por trás de toda teologia, não há nada além
de antropologia.
A partir desse grupo formado e influenciado por Hegel,
temos Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-
1859) que inspiram até os dias de hoje o pensamento filosófico,
político, econômico e social. Ambos romperam com Feuerbach
ao questionarem a sua concepção especulativa, sobre a natureza
do homem apartada da política e da história, bem como do
desenvolvimento de si próprio desvinculado das condições reais
de sua existência.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 93

IMPORTANTE

Ressalta-se a importância de compreender Marx e seu pensamento


conforme o contexto histórico e social do século XIX, em que
suas ideias foram concebidas. Marx viveu numa época em que a
Europa se envolvia em conflitos, tanto no campo das ideias, como
no das instituições. Já na universidade, as doutrinas socialistas
e anarquistas se encontravam no centro das discussões dos
grupos que Marx frequentava. Alguns dos pensadores que então
alimentavam as esperanças transformadoras dos estudantes hoje
são chamados de socialistas utópicos, como o britânico Robert
Owen (1771-1858) e os franceses Charles Fourier (1772-1837)
e Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865). Dois momentos da
história europeia foram vividos por Marx intensamente e tiveram
importantes reflexos em sua obra: as revoltas antimonárquicas
de 1848 – na Itália, na França, na Alemanha e na Áustria – e
a Comuna de Paris, que, durante pouco mais de três meses em
1871, levou os operários ao poder, influenciados pelas ideias do
próprio Marx. A insurreição acabou reprimida, com um saldo de
20 mil mortes, 38 mil prisões e 7 mil deportações.

Como informado por Franklin e Pinheiro (2014), Marx


aceita o método dialético de Hegel (o poder da contradição),
porém aplica a única realidade que admite: a matéria. Com isso,
Marx elabora definições de materialismo histórico. Nas Teses
sobre Feurbach (1845) e Ideologia Alemã (1846) inicia-se o
interesse de Marx pelas diversas formas da sociedade humana
e pela sua sucessão evolutiva que, na sociedade, surge em
resposta às contradições (ou tensões insolúveis que se dão entre
as diferentes forças produtivas ou classes).
94 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

DEFINIÇÃO

Materialismo Histórico
É uma concepção marxista da História. É descrito como procura
da grande força, que faz mover todos os acontecimentos históricos
importantes no que se refere à economia de uma sociedade, às
mudanças dos modos de produção, à divisão da sociedade em
classes distintas e, finalmente, à luta das classes que se opõem.
Segundo o materialismo histórico, as mudanças nas forças
produtivas de uma sociedade conduzem a conflitos sociais, e
as formas específicas de organização social refletem a estrutura
subjacente dos meios de produção (BLACKBURN, 2004, p. 240).

Sabe-se que a educação não aparece nos textos de Marx


como objeto central de interpretação, análise ou o como
fundamento de alguma proposição. O tratamento do tema se dá
mais como uma das consequências da realização de uma teoria
crítica da economia e sociedade capitalista daquela época.
Marx elaborou alguns princípios importantes que devem
ser levados em consideração se quisermos estabelecer uma
prática educacional transformadora do contexto social. Em
Teses sobre Feuerbach, publicado em 1845, Marx defende
a ideia de que algumas vertentes da doutrina materialista
equivocadamente entendem, que os homens são produtos das
circunstâncias externas, dito de outro modo, do meio ambiente.
Dessa forma, segundo essa concepção, é necessário transformar
as circunstâncias para só depois transformar os homens. Marx
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 95

discorda dessa ideia, afirmando justamente o contrário, para ele


são os homens que transformam as circunstâncias e, por isso, é
necessário primeiro mudar os homens e sua consciência para só
depois mudar as circunstâncias.
Na décima primeira tese a Feuerbach, Marx argumenta que
“Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes
maneiras; mas o que importa é transformá-lo”. Desta forma
ele critica uma postura contemplativa da filosofia, que apenas
observava e nunca fazia intervenção na realidade. Para Marx,
é necessário que se estabeleça uma prática revolucionária, uma
teoria viva, que passa a existir a partir da prática concreta, da
luta, da revolução. Na terceira unidade, veremos correntes
pedagógicas que apostavam na transformação social, como
importante fundamento da prática educativa. Em suma, “o
indivíduo exerce o principal papel na construção da nova
sociedade e, consequentemente, numa dimensão dialética, de
um novo homem”.
Por essa forma, podemos afirmar, com base nesses
princípios, que Marx propõe uma prática educacional
transformadora, onde a escola teria basicamente um duplo papel:
1. Esclarecer e identificar todas as relações sociais
(relações de dominação e exploração) estabelecidas no âmbito
da sociedade, tornando cada indivíduo consciente da realidade
social na qual ele está inserido.
2. Agir pela erradicação das grandes desigualdades
sociais, pelo fim da dominação e exploração de uma classe sobre
outra.
Finalmente, combater a alienação e a desumanização
era, para Marx, a função social da Educação. Para isso seria
necessário aprender competências que são indispensáveis para a
compreensão do mundo físico e social. O filósofo alertava para
96 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

o risco de a escola ensinar conteúdos sujeitos a interpretações de


partido ou de classe. Ele valorizava a gratuidade da Educação,
mas não o atrelamento a políticas de Estado – o que equivaleria
a subordinar o ensino à religião.
Marx via na instrução das fábricas, criada pelo capitalismo,
qualidades a ser aproveitadas para um ensino transformador –
principalmente o rigor com que encarava o aprendizado para
o trabalho. O mais importante, no entanto, seria ir contra a
tendência profissionalizante, que levava as escolas industriais
a ensinar apenas o estritamente necessário para o exercício de
determinada função. Marx entendia que a Educação deveria ser
ao mesmo tempo intelectual, física e técnica. Essa concepção,
chamada de onilateral (múltipla), difere da visão de Educação
integral, porque esta tem uma conotação moral e afetiva que,
para Marx, não deveria ser trabalhada pela escola, mas por outros
adultos. O filósofo não chegou a fazer uma análise profunda
da Educação, com base na teoria que ajudou a criar. Isso ficou
para seguidores como o italiano Antonio Gramsci (1891-1937),
o ucraniano Anton Makarenko (1888-1939) e a russa Nadia
Krupskaia (1869-1939).

Fenomenologia
A Fenomenologia é um termo que surgiu no século
XVIII, nas obras de Johann Heinrich Lambert (1728-1777) e
de Immanuel Kant, para denotar a descrição da consciência e
da experiência, abstraindo de considerações sobre seu conteúdo
intencional.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 97

DEFINIÇÃO

Conceito de intencionalidade
Qualidade de estar dirigido para algo, possuída por muitos,
se não todos, os estados conscientes. Nossos pensamentos, nossos
anseios, nossas crenças nossos sonhos e desejos relacionam-se
ao termo intencionalidade. O problema da intencionalidade é
compreender em que consiste a relação, que se verifica entre
um estado mental, ou sua expressão, e as coisas acerca das quais
esse estado mental se constitui como tal. Mais difundida é a
opinião de que, uma vez que o conceito de intencionalidade é
indispensável, temos de declarar que a ciência é incapaz de lidar
com a característica da mente, ou alternativamente, temos de
explicar como a ciência poderá abranger a intencionalidade.
Fonte: BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1997, p. 206.

Para Hegel, a fenomenologia é, em vez disso, a investigação


histórica da evolução da autoconsciência que se desenvolve a
partir da experiência sensorial elementar, até alcançar processos
de pensamento completamente racionais e livres capazes de
engendrar conhecimento.
Mas no século XX, o termo está associado à obra e à
escola de Edmund Husserl (1859-1938), que foi um dos poucos
filósofos contemporâneos sem formação filosófica, pois havia
estudado Matemática. Somente ingressou o terreno da Filosofia
por influência de seu mestre, Franz Bretano. Envolveu-se com a
Filosofia construindo sua carreira em universidades e lecionando
esta disciplina.
Husserl percebeu que a intencionalidade era a marca
característica da consciência, e viu nela um conceito suscetível
98 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

de ultrapassar o dualismo da mente-corpo. Defendeu o ponto


de vista de que o principal problema ao tentar compreender o
pensamento, é explicar o modo como um conteúdo intencional
pode pertencer ao fenômeno mental que o exibe. Assim, os
fenômenos mentais são alicerçados nos dados dos sentidos.
A intencionalidade é, assim, a recusa da noção clássica de
representação. Mas, então, se nossa consciência é intencional,
se ela é sempre em direção a um objeto, a tarefa primeira da
fenomenologia será verificar quais as sínteses que se encontram
na origem desse efeito: temos consciência de um mundo a
despeito da veracidade das perspectivas que possamos ter sobre
ele (ABRÃO, 1999, p. 439).
Enquanto em nossa experiência efetiva existe um fluxo
permanente de manifestações ou fenômenos de objetos, a
capacidade sintética de nossa consciência faz com que, por meio
dessa multiplicidade de fenômenos, tenhamos consciência de um
objeto uno e idêntico. E Husserl vai perseguir incansavelmente
os mecanismos da “estrutura sintética” da consciência para
desvelar seu funcionamento e, assim, descobrir como existe,
para nós, algo como consciência de objeto.
O problema de reconciliar a natureza subjetiva ou
psicológica da vida mental com seu conteúdo objetivo e
lógico ocupou Husserl a partir de então. Por exemplo, para
Husserl, nossos atos psíquicos são acontecimentos de senso
comum, individuais, enquanto os conceitos aritméticos são
universalmente válidos e aceitos. Assim, reconduzir “conceitos
universalmente válidos a fatos individuais significava demolir a
objetividade das matemáticas” (ABRÃO, 1999, p. 438).
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 99

A ciência aspira à certeza em relação ao mundo

Mas a ciência é de senso comum: depende da experiência

A experiência é sujeita a suposições e predisposições

ENTÃO, A EXPERIÊNCIA, POR SI, NÃO É CIÊNCIA

As teorias científicas baseiam-se na experiência. Mas


Husserl acreditava que a experiência, sozinha, não constituía
ciência, porque a experiência está repleta de toda espécie de
suposições, predisposições e equívocos. O filósofo queria
expulsar essas incertezas para conferir à ciência bases
absolutamente incontestáveis. Para solucionar esse embate,
Husserl sugeriu que, se adotarmos uma atitude científica em
relação à experiência, deixando de lado toda suposição particular
(incluindo a suposição de que um mundo externo exista fora
de nós), então poderemos começar a filosofar, ato livre de
inferências.
Husserl chamou essa abordagem de fenomenologia: uma
investigação filosófica sobre os fenômenos da experiência.
Precisamos olhar para a experiência com uma atitude científica,
100 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

deixando de lado (ou colocando entre parênteses, como dizia


Husserl) cada uma de nossas suposições.
A fenomenologia de Husserl é geralmente conhecida como
um método de investigação. Porém, diferentes filósofos que
seguiram o método de Husserl chegaram a resultados diferentes,
ou seja, houve pouca concordância sobre o que era realmente
este método e como se colocaria em prática. No final da carreira,
Husserl escreveu que o sonho de conferir bases sólidas para as
ciências, tinha acabado. Embora a fenomenologia de Husserl
tenha fracassado em fornecer aos filósofos uma abordagem
científica à experiência, ela deu origem a uma das mais ricas
tradições do pensamento do século XX: o existencialismo.

Existencialismo
O existencialismo é a corrente filosófica que surge no
centro da reflexão sobre a existência individual, a liberdade e
as escolhas pessoais. Portanto, é uma corrente que se diferencia
dos grandes sistemas filosóficos, pois abarca uma múltipla
diversidade de pensamento que se preocupa com temas como
a existência individual, a subjetividade, a liberdade e as
escolhas dos sujeitos. O pensamento do século XX reencontra
os problemas tradicionais da filosofia, não mais dispostos no
rigor da ordem clássica, ou mesmo na hierarquia rígida do
positivismo. A compreensão da experiência singular e própria
de cada indivíduo, atrelada ao contexto histórico, fortaleceu
o sentido dado aos fatos e enfraqueceu a pretensão dada às
verdades eternas e imutáveis.
Com efeito, o campo da Filosofia voltou-se à complexidade
do mundo e da vida dos sujeitos, atravessados por determinadas
contingências e singularidades de causas diversas. Com isso,
é nesse contexto que nascem as filosofias da existência. Ao
tratarmos delas, é necessário lembrar que não podemos nos
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 101

referir a elas no singular, afirmando, por exemplo, que existe


um existencialismo. Pelo contrário, pois o que caracteriza
as filosofias da existência é “a multiplicidades de direções, a
diversidade de influências e as maneiras como se situam frente
à tradição (ABRÃO, 1999, p. 441). Mesmo assim, é possível
verificar alguns traços comuns na maneira como formulam o
problema geral do homem frente à adversidade, o que faz dessas
filosofias verdadeiros testemunhos da complexidade histórica
do século XX. Nota-se que a preocupação sobre a existência
humana é o ponto de partida e o objeto privilegiado de análise.
Desde Platão, grande parte dos filósofos defendem que o
bem moral funciona da mesma maneira para toda humanidade.
Porém, no século XIX, o filósofo dinamarquês Søren
Kierkegaard (1813-1855) pode ser considerado o primeiro
filósofo existencialista que se opõe a essa tradição. Kierkegaard
afirma que o homem não pode encontrar o sentido da sua vida
de outro modo, a não ser por meio da descoberta de sua única
vocação. Isto é, o homem deve escolher sua própria vida sem
se referir aos critérios ditos universais. Se opondo à concepção
tradicional da escolha moral, que implica o julgamento do bem
e do mal, os existencialistas não admitem a existência de uma
base, de um fundamento objetivo, universal e racional nas
decisões morais (FRANKLIN; PINHEIRO, 2014, p, 131).
A filosofia de Kierkegaard desenvolveu-se em reação ao
pensamento idealista alemão que dominou a Europa continental
em meados do século XIX, particularmente o de Georg Hegel.
Kierkegaard refutou a ideia de sistema filosófico de Hegel –
que definia a humanidade como parte de um desenvolvimento
histórico inevitável – defendendo a ideia de uma abordagem mais
subjetiva e singular. Ele desejava investigar o que “significa ser
um ser humano”, não como parte de um grande corpo filosófico,
mas como indivíduo autônomo.
102 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Kierkegaard acreditava que as vidas dos homens são


determinadas por suas ações, e elas próprias determinadas por
escolhas, de modo que a maneira como se faz essas escolhas
é tema crucial para ele. Assim como Hegel, ele considerava
as decisões morais como uma escolha entre o hedonismo (que
gratifica a si mesmo) e o ético. Mas enquanto Hegel julgou que
essa escolha era condicionada em grande parte pelas condições
históricas, Kierkegaard acredita que as escolhas morais são livres
e, acima de tudo, subjetivas. É exclusivamente a nossa vontade
que determina nosso julgamento, dizia o filósofo. Longe de ser
uma razão para a felicidade, a liberdade total de escolha nos
provoca um sentimento de angústia ou apreensão.
O sentimento de angústia foi debatido por Kierkegaard
na obra O conceito de angústia. Como exemplo, ele citou um
homem no alto de um penhasco. Se esse homem olha para baixo,
sente dois tipos de medo: o medo de cair e o medo causado pelo
impulso de lançar-se ao vazio. Esse segundo tipo de medo, ou
angústia, surge a partir da compreensão de que ele tem liberdade
absoluta para escolher se pula ou não. Nesse sentido, o filósofo
defendeu a ideia de que sentimos a mesma angústia em todas
as nossas escolhas morais, quando compreendemos que temos
a liberdade de tomar até as mais difíceis e terríveis decisões.
Ele descreveu essa angústia como “a vertigem da liberdade”,
e foi além ao explicar que, embora ela cause desespero, pode
também nos livrar de respostas impensadas, pois nos torna mais
conscientes das escolhas disponíveis.
Na filosofia de Kierkeggard é importante percebermos
a existência de uma reflexão voltada para temas existenciais
e subjetivos, em que o filósofo chama atenção, com muita
frequência, para o estado de autoconsciência, que se opõe ao
estar “alheio de si”. Estar consciente é saber se orientar no
caminho da própria interioridade, voltando-se sobre si mesmo.
Na obra O desespero humano, Kierkegaard elabora o sentimento
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 103

do desespero sob o viés da consciência ou da ausência dela no


processo reflexivo. Ou seja:
Que importa então que o desesperado desconheça
seu estado, se nem por isso deixa de desesperar?
Se é desvario esse desespero, a ignorância ainda
o torna maior. Isto é estar ao mesmo tempo
desesperado e em erro. Essa ignorância está para
o desespero, como está para a angústia, a angústia
do nada espiritual reconhece-se precisamente pela
segurança vazia de espírito. No âmago, todavia, a
angústia está presente, assim como o desespero. E
quando suspende o encantamento das ilusões dos
sentidos, já que a existência vacila, o desespero
que se ocultava, surge (KIERKEGAARD, 2003,
p. 45).
Muitas das ideias de Kierkegaard foram rejeitadas por
seus contemporâneos, mas se mostraram muito influentes nas
gerações posteriores, que veremos adiante. O alemão Friedrich
Nietzsche (1844-1900) foi, sem dúvida, um dos filósofos mais
importantes da filosofia existencialista que teve continuidade
depois de Kierkegaard. No limiar do pensamento contemporâneo,
a filosofia enfrenta um desafio crucial: o questionamento do valor
absoluto que se atribuía aos critérios que serviam como base à
civilização ocidental. Com Nietzsche, tem início a exposição
da fragilidade das certezas universais e seculares. A maior parte
de suas obras foi escrita na forma de aforismas, marcada por
sobreposição de observações acerca de diversos temas. Suas
principais obras são:
 Humano, demasiado humano.
 O viandante e sua sombra.
 Aurora.
 A gaia da ciência.
104 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

 Assim falou Zaratustra.


 Para além do bem e do mal.
 O caso Wagner.
 Crepúsculo dos ídolos.
 Genealogia da moral.
 Ecce homo.
 O anticristo.
Temas como a moral, as ciências, a religião e as artes
povoam suas reflexões. A simples enumeração desses temas
indica que o objeto privilegiado da análise desse filósofo é, no
conjunto, a nossa “civilização”. O objetivo de se compreender
a “civilização”, no interior do campo filosófico, seria alcançar
a “educação superior da humanidade”, tarefa que não se
restringiria à mera pedagogia. Em Assim falou Zaratustra,
Nietzsche mostra o percurso do Ocidente, que se resume em três
períodos, indicados pela metamorfose do espírito.

++
+
EXPLICANDO DIFERENTE

A civilização ocidental passou, primeiramente, pelo estágio “tu


deves”, isto é, pelo primado da moral e da religião; a segunda
etapa refere-se ao domínio do “eu quero”, que designa o fim do
mundo do dever e o reconhecimento da vontade; e, finalmente,
o “eu sou”, domínio que explica uma nova relação do indivíduo
com sua existência.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 105

Nietzsche declara que é tarefa do indivíduo decidir o valor


moral de seus atos e das ações dos outros. Ao questionarmos
o valor dos valores aos quais estamos submetidos, devemos
estar preparados para o desafio de viver por nossa conta e risco,
sem mais tutela e o comando de algo superior. Logo, somos
responsáveis pelo o que escolhemos.
A filosofia nietzschiana para alguns estudiosos, está
dividida em três fases. Na fase denominada “metafísica de
artista”, Nietzsche assumiu um posicionamento veementemente
contrário a uma educação controladora, disfarçada como
propulsora da cultura, mas que na realidade, mantinha os jovens,
tanto do ensino nos ginásios como na universidade, à mercê dos
interesses estatais, científicos e comerciais. Entre outras análises,
o filósofo criticou a tendência à ampliação máxima da cultura e a
tendência ao enfraquecimento desta.
Quanto à ampliação, o objetivo da educação seria conduzir
o máximo de pessoas à cultura, mas com a intenção de estarem
a serviço das ambições estatais. O máximo de conhecimento e
cultura geraria uma grande produção de necessidades, assim,
a utilidade seria o objetivo e fim da educação (NIETZSCHE,
2003). Quanto à redução da cultura, Nietzsche aponta, por
exemplo, para a cultura da especialização impulsionada pela
Ciência, como o trabalho do homem erudito, o especialista que
se ocupa de tal modo com uma determinada área a ponto de se
despreocupar com todas as outras (NIETZSCHE, 2003).
O filósofo contesta a educação do seu tempo, que visava
imprimir nos indivíduos as virtudes do rebanho: “quem aspira
e quer promover a cultura de um povo deve aspirar a promover
esta unidade suprema e trabalhar conjuntamente na aniquilação
deste modelo moderno de formação.” (NIETZSCHE, 2003, p.
43). A crítica se dirige contra um tipo de vida igualitário, que por
106 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

força das ideias coletivistas, enfraquece o que é próprio tanto de


uma nação, como dos homens particularmente.
“O filósofo questiona a compreensão distorcida
de cultura que domina na modernidade que, com
a sua tendência à generalização, à abstração, à
dependência do mercado onipotente, aniquila a
singularidade de cada grupo, de cada nação, de
cada povo.” (VIEIRA, 2011, p. 38)

RESUMINDO

Neste capítulo, abordamos as correntes: Positivismo, Utilitarismo,


Pragmatismo, Materialismo, Fenomenologia e Existencialismo.
Você aprendeu que a consciência está na origem do fato de ela
ser sempre consciência de algo e que o sentimento de angústia
aumenta nossa consciência e senso de responsabilidade social.
UNIDADE

03
108 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Compreendendo as diferenças entre o senso


comum e o conhecimento científico

OBJETIVO

Ao término desta unidade você será capaz de entender a


diferença entre o senso comum e o conhecimento científico.
Isto será fundamental para o exercício de sua profissão docente.
As pessoas que tentaram atuar na área sem a devida instrução
tiveram problemas ao longo de sua carreira. E então? Motivado
para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante!

O senso comum e o conhecimento científico


A busca pela compreensão do mundo e de seus fenômenos está
presente a milhares de anos nas sociedades humanas. A cada problema
enfrentado por essas sociedades, desde a necessidade de alimentar
os integrantes de um grupo social até satisfazer as suas necessidades
espirituais, suscitavam a busca por um conhecimento que atendesse
as expectativas de superar esses problemas. Entretanto, no decorrer
da maior parte da História humana, a busca pelo conhecimento estava
delimitada pela crença de que todos os fenômenos existentes eram
“naturais”, ou decorrentes da ação dos deuses, sem interferência dos
seres humanos. Ainda na atualidade, muito dessa percepção está
presente no que denominamos de senso comum.
Apenas a partir do período do Renascimento (século XVI)
e, principalmente, da emergência do Iluminismo (século XVIII)
no continente europeu, é que os fenômenos da natureza e sociais
começaram a ser problematizados, vistos como resultado de
leis comprovadas empiricamente ou como inerentes da própria
ação humana. Nesse contexto, emergiu o que denominamos de
conhecimento científico, que procura explicar e analisar tanto
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 109

os fenômenos naturais como a vida de homens e mulheres em


sociedade.

O conhecimento como um atributo do ser


humano
Os seres humanos têm diversos comportamentos similares aos
dos animais. Como qualquer espécie animal, são capazes de se reunir,
conviver, competir, se acasalar e reproduzir, etc., sempre de acordo
com o meio-ambiente em que vivem. Dessa forma, todas as espécies
animais, incluindo o ser humano, desenvolvem estilos próprios de
comportamento, permitindo que sobrevivam e se reproduzam,
garantindo a existência de sua espécie no planeta. Dessa forma,
homens e mulheres adquirem hábitos instintivos, ou seja, ações e
reações que se desenvolvem de forma espontânea, como é o caso
de andar, respirar e se alimentar. Além disso, homens e mulheres
desenvolveram também genes hereditários presentes em seu corpo
que os tornam capazes de sentir medo, prazer, frio e de expressar seus
próprios sentimentos.
Entretanto, os seres humanos desenvolveram habilidades
que não estão presentes nas demais espécies animais, despertadas
devido a diferentes fatores, como as dificuldades impostas pela
própria natureza e as próprias particularidades da espécie humana.
Assim, os grupos humanos foram capazes de adquirirem habilidades
e comportamentos culturais, ou seja, um conjunto de crenças,
valores, padrões de comportamento, hábitos cotidianos e formas
de organização do trabalho que se desenvolvem coletivamente, são
transmitidos de geração em geração e se transformam conforme a
passagem do tempo.
Como um indivíduo que vive e pensa de acordo com a sua
cultura, os seres humanos desenvolveram a capacidade de elaborar
sistemas simbólicos necessários para se comunicarem entre si e
transmitirem toda a sua bagagem de conhecimento por meio da
socialização, que nada mais é do que o convívio entre os indivíduos
em um grupo social.
110 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Mas, como podemos definir o conhecimento? O conhecimento


pode ser definido como o conjunto de toda a prática adquirida, cuja
memória e transmissão capacita o indivíduo a realizar as tarefas
exigidas no seu cotidiano. Quando um indivíduo age de acordo com
a sua experiência de vida, ele expressa a sua forma de conhecimento
do mundo, aprendida em um contexto social, mas que é assimilada de
forma diferente por cada ser humano. Nas mais variadas situações, os
seres humanos aprendem conhecimentos uns com os outros.
Figura 1 - Pai ensinando o filho a andar de bicicleta

Fonte: Freepik
Ao longo de sua história, os seres humanos desenvolveram
diferentes formas de conhecimento. Entre elas, podemos citar
o conhecimento religioso, relacionado à busca da compreensão
do sentido da vida, das formas de encarar a inevitabilidade da
morte e o que poderia ocorrer após ela, a crença em divindades
superiores aos seres humanos que comandariam os fenômenos
da natureza e da vida humana e da necessidade de seguir
determinados procedimentos morais para conquistar a “salvação”
após a morte, etc.; e o conhecimento filosófico, que assim como
o conhecimento religioso, também busca uma compreensão do
sentido da vida, mas de forma racional e lógica, apesar de não
prescindir de uma verificação empírica, como ocorre com o
conhecimento científico, cujas características veremos adiante.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 111

Além destes, também temos outras duas formas de


conhecimento que norteiam a nossa visão de mundo, no caso
o senso comum e o conhecimento científico, ambos presentes
no dia a dia da maior parte das pessoas e que, muitas vezes,
entram em conflito, embora estes também possam algumas
vezes complementarem-se.

CURIOSIDADE

Podemos definir religião (palavra originada do latim religio, cujo


significado era “respeito pelo sagrado”, como um conjunto de
crenças e práticas relacionadas à fé na existência de uma ou mais
divindades, que determina os preceitos morais a serem seguidos
por uma comunidade de seguidores, influenciando na visão de
mundo. Diversas formas de práticas religiosas estão presentes em
praticamente todas as civilizações humanas desde o início de sua
História. Já filosofia (palavra originada do grego philossophia,
que significa “amor ou amizade pela sabedoria) trabalha de forma
racional e lógica questões importantes para o ser humano, como
valores morais, estéticos, e do conhecimento em suas mais variadas
vertentes, mas sem ter a pretensão de construir uma “verdade
absoluta” sobre esses temas. A origem da filosofia remonta ao
século VI a.C., na Grécia Antiga, quando alguns homens aspiraram
construir um conhecimento que se distinguisse tanto da religião
(mais precisamente, da mitologia) quanto do senso comum. Na
realidade, no pensamento grego, ciência e filosofia eram duas
instâncias que não se separavam. Apenas a partir do Renascimento,
entre os séculos XVI e XVII, que a ciência passou a ter métodos e
objetos de estudo específicos, diferenciando-se assim da filosofia.
112 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

O senso comum
O senso comum corresponde ao conhecimento espontâneo,
aquele que é adquirido por meio das experiências cotidianas
nas quais procura, autonomamente, resolver os dilemas de sua
existência. Não é um processo que realiza individualmente,
mas sim por meio da troca de informações com os indivíduos e
instituições com quem convive. Tais conhecimentos também são
adquiridos de forma hereditária por meio da família, que passa
de geração para geração.
Podemos delimitar as características principais do senso
comum da seguinte forma:
Ametódico e Assistemático: surge da tentativa dos
seres humanos resolverem seus problemas da vida cotidiana,
não se apresentando de forma sistemática, ou seja, organizada.
O camponês aprende a cultivar a terra a partir das práticas de sua
família, esse conhecimento é transmitido de pai para filho.
Empírico: é baseado na experiência do dia a dia das
pessoas, de sua própria vivência.
Ingênuo: é um conhecimento acrítico, pois não se coloca
como problema, mas sim como algo “natural”, espontâneo e
desprovido de qualquer reflexão mais aprofundada.É construído
a partir de uma observação que se prende apenas à aparência do
fenômeno, sem aprofundar uma reflexão sobre as suas causas.
Uma cozinheira sabe que, ao bater uma clara de ovo, ela ficará
esbranquiçada e crescerá, mas desconhece o porquê e como ela
fica dessa forma .
Aparente: está preso ao que é observável a primeira
vista, o que pode levar uma pessoa às conclusões equivocadas.
Para quem observa o céu sem telescópio, o Sol parece que gira
em torno da Terra, que aparentemente está estática, posicionada
no centro do Universo. Até o século XVI, a Igreja Católica
referenciava tal teoria a partir do senso comum das pessoas.
Entretanto, o uso do telescópio e os estudos realizados por
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 113

Nicolau Copérnico (1473-1543) e Galileu Galilei (1564-1642)


desmentiram tal tese de forma científica, sendo a primeira mostra
da oposição entre senso comum e ciência.
Fragmentário: não estabelece conexões entre
conhecimentos que poderiam ser complementares, impedindo
que o indivíduo tenha uma visão global de determinados
fenômenos. O homem comum é incapaz de estabelecer uma
relação entre a queda de um objeto com a lei da gravidade que
rege o movimento dos corpos no planeta.
Particular: parte do entendimento de um fenômeno
específico para fazer generalizações com pretensões de
universalidade. Ou seja, o que acontece com um indivíduo
também acontece da mesma forma, para todos. Se uma pessoa
passou mal após comer manga, logo todas as pessoas podem
passar mal se comerem da mesma fruta.
Subjetivo: depende de juízos individuais a respeito
das coisas, muitas vezes baseado em emoções e valores
morais de uma determinada coletividade e que geralmente não
aceita opiniões contrárias, impedindo a consolidação de uma
visão baseada no princípio da alteridade. O homem comum,
geralmente, ao observar o comportamento de outros indivíduos
originários de outras culturas tende a considerá-los estranhos,
perigosos, atrasados, etc., pois só é capaz de julgar o outro a
partir dos valores de sua própria cultura.
114 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Figura 2 - Para muitos, a crueldade cometida contra os escravos no Brasil do século XIX seria algo natural
devido a suposta superioridade do europeu frente ao africano e seus descendentes.

Fonte: Wikimedia Commons

Devido a tais características, muitos consideram que o senso


comum seria um conhecimento limitado, precário, distorcido e,
algumas vezes, perverso. Por isso, muitos defendem que esse deve
ser superado através das formas consideradas mais sofisticadas
de conhecimento, como a filosofia e a ciência. Entretanto,
outros acham que, ao desprezar o senso comum, boa parte da
população estaria sujeita a tutela dos “indivíduos esclarecidos”,
o que poderia estabelecer uma forma de dominação.

O conhecimento científico
Historicamente, o conhecimento científico é uma recente
conquista da humanidade. Sua origem remonta ao século
XVII, inicialmente a partir das descobertas e inovações do
astrônomo italiano Galileu Galilei, tido como o criador do
método científico moderno. Também foram importantes nesse
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 115

processo as contribuições do filósofo e matemático francês René


Descartes (1596-1650), criador do racionalismo cartesiano que
pode ser sintetizado pela famosa frase: “penso, logo existo”, e
pelo Iluminismo do século XVIII.
Galileu Galilei foi o criador do moderno método científico,
em meados do século XVII. Entretanto, o cientista italiano
enfrentou perseguições promovidas pela Igreja Católica, que via
em suas descobertas uma ameaça aos seus dogmas

Figura 3 – Galileu Galilei

Fonte: Wikimedia Commons

O conhecimento científico caracteriza-se pela utilização


de métodos rigorosos visando atingir um tipo sistemático de
conhecimento, objetivo e universal, capaz de analisar o objeto
de estudo, identificar a regularidade de um fenômeno permitindo
prever acontecimentos e planejar a ação humana sobre a natureza.
Entre as principais características do conhecimento
científico, podemos citar as seguintes:
116 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Particular: há diversos campos delimitados de pesquisa,


com seus próprios métodos que permitem um determinado
campo tornar-se uma disciplina específica. No campo das
ciências, nós temos diversas disciplinas, como a física, que
estuda o movimento dos corpos; a química, cujo objeto é análise
da transformação dos elementos presentes nos corpos, etc.
Geral: as conclusões de uma pesquisa não são válidas
apenas para os fenômenos observados nela, mas também para
todos os outros com os quais se assemelham. Quando uma
pesquisa afirma que “a água é uma substância composta de
hidrogênio e oxigênio”, essa conclusão é válida para qualquer
porção de água encontrada pelos seres humanos.
Regular: os cientistas ocupam-se em tentar identificar
a regularidade com que determinados fatos acontecem. Um
astrônomo calcula a periodicidade em que ocorrem os eclipses
solares e como esses interferem no planeta.
Abstrato: O objeto de pesquisa geralmente é isolado
para a realização do estudo, e as conclusões são utilizadas para
a elaboração de leis gerais que analisam fenômenos similares. A
partir da observação da queda de uma maçã, o físico inglês Isaac
Newton (1643-1727) elaborou a teoria geral da gravidade.
Objetivo: qualquer cientista pode chegar às mesmas
conclusões, pois estas são construídas de forma racional e
metódica, de forma distanciada que evita a subjetividade.
Independente da opinião subjetiva do cientista, os movimentos
dos astros podem ser explicados por meio de leis gerais e
imutáveis, consolidada na comunidade científica.
Linguagem Rigorosa: os diversos campos e áreas
da ciência utilizam conceitos precisos com o intuito de evitar
dúvidas e ambiguidades.
Entretanto, é importante enfatizar que tais características
correspondem às Ciências Exatas (matemática, física) e
Naturais (biologia). Já as Ciências Humanas (história, geografia,
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 117

sociologia e filosofia) são mais permeáveis a algum grau de


subjetividade do pesquisador que relativizam conclusões mais
deterministas.

É possível a convivência entre ciência e


senso comum?
A relação entre o conhecimento científico e o senso comum
é objeto de vários debates. Podemos considerar que, ao longo da
história, formaram-se dois grupos distintos. De um lado, aqueles
que defendem que a Ciência é um conhecimento superior ao
senso comum. Do outro, aqueles que acreditam na possibilidade
de estabelecer uma relação entre cientificidade e senso comum,
com um complementando o outro.
A defesa da superioridade da Ciência sobre o senso
comum surgiu com o Iluminismo europeu do século XVIII.
Os intelectuais iluministas consideravam o senso comum um
com um conhecimento irracional da realidade, geralmente
manipulado pelos detentores do poder, na época a Monarquia
Absolutista e a Igreja Católica. Já a Ciência, um conhecimento
neutro, racional e lógico, desmascararia o caráter supersticioso
do senso comum, possibilitando o progresso da humanidade.
Tal entendimento ganhou força no século XIX,
principalmente com a emergência do Positivismo, que defendia
não apenas a superioridade da Ciência com relação aos demais
tipos de conhecimento, mas também a considerava o único tipo
de conhecimento válido e útil para a humanidade, sendo a única
forma de investigar e conhecer a realidade e resolver todos os
empecilhos que impediam a humanidade de conquistar o tão
desejado progresso.
O Positivismo foi uma corrente do pensamento filosófico
criada pelo francês Augusto Comte (1798-1857), que defende
a ideia de que apenas com a ciência a humanidade poderia
118 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

conquistar o progresso. Além disso, o positivismo defendia que


os métodos de pesquisa científica presentes nas Ciências Exatas
e Naturais deveriam ser usados para o estudo e análise dos
fenômenos sociais.
Entretanto, essa crença na infalibilidade da ciência
começou a ser questionada no século XX. As duas guerras
mundiais demonstraram que a ciência poderia, ao mesmo tempo,
permitir à humanidade alcançar o progresso tecnológico, mas a
um preço bem alto: a mortandade de milhões de pessoas, vítimas
da utilização das inovações científica para a fabricação de armas
com capacidade destrutiva cada vez maior. Além disso, muitos
intelectuais passaram a valorizar a cultura popular, sendo boa
parte dela embasada no senso comum, identificando no “culto
à ciência” uma forma de impor o poder de um determinado
grupo social sobre os demais. Segundo o sociólogo português
Boaventura de Souza Santos, se a oposição entre ciência e
senso comum era justificável nos séculos XVIII e XIX, na
atualidade não fazem mais sentido, pois, ao contrário dos séculos
precedentes, é possível popularizar o conhecimento científico, o
que poderia fazer o senso comum tornar-se mais crítico e menos
receptivo a crenças desprovidas de fundamentos racionais,
lógicos e objetivos. Assim, ciência e senso comum se tornariam
complementares, deixando de serem conhecimentos opostos.
Boaventura de Souza Santos nasceu em Coimbra, Portugal,
no ano de 1940. É especialista em Sociologia do Direito e grande
defensor da relação complementar entre ciência e senso comum.
Ativista, considera importante a atuação dos movimentos sociais
para a superação das crises da atualidade.
O sociólogo português Boaventura de Souza Santos
defende que o conhecimento científico e o senso comum são
complementares.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 119

Figura 4 – Boaventura de Souza Santos

Fonte: Wikimedia Commons

SAIBA MAIS

Quer se aprofundar neste tema? Recomendamos o acesso à


seguinte fonte de consulta e aprofundamento: Livro: “Uma
nova ciência para um novo senso comum” (LOPES, 2012),
acessível pelo link http://books.scielo.org/id/qdy2w (Acesso em
18/05/2019).

E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo


tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente
entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo
o que vimos. Você deve ter aprendido que o conhecimento é
um atributo do ser humano, que o diferencia dos demais
animais. Entre as diversas formas de conhecimento, podemos
citar o religioso, o filosófico, o senso comum e o científico. Na
120 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

atualidade, persiste o debate sobre a relação do senso comum


com o pensamento científico. Para compreendermos tal debate,
vimos inicialmente as características mais marcantes desses
dois tipos de conhecimento, sendo que a Ciência costuma se
sobrepor ao senso comum, pois o primeiro é um saber construído
metodicamente, de forma rigorosa e crítica, enquanto o segundo
é influenciado pela vivência do cotidiano, principalmente das
classes populares. Nas últimas décadas, alguns intelectuais
vão questionando esse tipo de hierarquização, defendendo a
importância de estabelecer uma relação dialógica entre ciência
e senso comum para efetivar a popularização do conhecimento
científico.

As ciências sociais
A sociedade tornou-se um objeto do conhecimento
científico a partir do Renascimento (século XVI), com a
emergência da Ciência Política, responsável pela desvinculação
entre a política e a ética, comuns nas análises filosóficas
sobre o tema. Em outras palavras, foi nesse contexto em que
alguns intelectuais procuraram analisar um fenômeno social a
partir da própria dinâmica das relações reais entre os homens,
distanciando-se das especulações filosóficas ou das justificativas
religiosas manipuladas pelo poder do alto clero e dos monarcas
absolutistas.
Entretanto, a solidificação das Ciências Sociais ocorreu
apenas entre a virada do século XVIII e no decorrer do século
XIX, quando as transformações sociais, políticas e econômicas
decorrentes da crescente hegemonia do modo de produção
capitalista no mundo, instigaram pesquisadores e intelectuais a
analisarem cientificamente os aspectos que influenciavam tais
mudanças.
Influenciada pelas ciências já estabelecidas, como a
física, a matemática e as Ciências Naturais, as Ciências Sociais
adaptaram métodos dessas ciências para realizar as suas
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 121

pesquisas e análises. Entretanto, no decorrer do processo de


desenvolvimento das Ciências Sociais, tal metodologia começou
a ser questionada, abrindo o espaço para o desenvolvimento de
métodos próprios para a análise da vida em sociedade.

As áreas das ciências sociais


As Ciências Sociais integram as Ciências Humanas,
conjuntamente com disciplinas como História, Geografia e
Filosofia. Assim como elas, as Ciências Sociais tem como
objeto de estudo o ser humano, ou mais precisamente, a vida
em sociedade, na qual podem ser observados os mais variados
tipos de relações sociais. Tal estudo possibilitou que as Ciências
Sociais fossem divididas em três áreas que, geralmente,
realizam um intenso diálogo entre si, construindo uma forma de
conhecimento interdisciplinar que tanto caracteriza essa ciência
que estuda o homem em sociedade.
As três áreas das Ciências Sociais são: Ciências Sociais,
Sociologia e Antroplogia, conforme veremos em detalhes, a
seguir:
Ciência Política: tem como objeto de estudo e análise os
sistemas políticos existentes nas diversas sociedades espalhadas
pelo planeta. A origem da Ciência Política remonta o período
do Renascimento Cultural na Europa Ocidental do século XVI,
inicialmente com filósofos que, decepcionados com a opressão
de regimes políticos tirânicos identificados com as monarquias
absolutistas, escreveram livros de ficção que, partindo das
instituições existentes, imaginavam uma sociedade alternativa
na qual o autoritarismo monárquico dava lugar para um mundo
sem tirania e desigualdades sociais. Entre as diversas obras
fictícias da época, teve destaque o livro A Utopia, do filósofo
inglês Thomas Morus.
122 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Thomas Morus (1478-1535) foi um filósofo e político


inglês nascido em Londres. Foi autor de A Utopia, uma obra
que usava a ficção para criticar o sistema político existente na
época. Chegou a ser o principal conselheiro do rei Henrique
VIII. Entretanto, opôs-se ao divórcio do casamento entre o
monarca inglês e a rainha Catarina de Aragão e continuou
fiel à Igreja Católica, recusando-se a jurar fidelidade à Igreja
Anglicana, fundada por Henrique para desafiar o poder do papa
na Inglaterra. Acabou preso a mando do rei, sendo condenado à
morte e executado.

Figura 5 –Thomas Morus

Fonte: Wikimedia Commons

Entretanto, coube ao filósofo e político italiano Nicolau


Maquiavel a realizar as primeiras reflexões mais realistas sobre
a política, contidas principalmente no livro O Príncipe, que
tornou-se uma espécie de manual de ação política, colocando
como principal objetivo dessa a conquista e a manutenção do
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 123

poder. Na obra, Maquiavel faz uma clara e precisa análise sobre


as bases de sustentação do poder político, sendo ainda hoje
considerada básica para o estudo e análise da política. Muitos
estudiosos consideram O Príncipe como a obra que inaugurou
a Ciência Política e uma das primeiras (senão a primeira)
que analisa um fenômeno social através da própria realidade,
afastando-se das questões relacionadas à ética (comuns nas
reflexões sobre a política por parte dos filósofos greco-romanos)
e à religião.
Nicolau Maquiavel (1469-1527) foi um filósofo, político e
diplomata nascido na cidade italiana de Florença. Suas principais
obras, como O Príncipe, foram escritas na época em que estava
exilado devido a divergências com Lourenço de Médici, o
principal estadista e homem mais poderoso de Florença. É
considerado o fundador da Ciência Política.
Influenciada pelas ciências já estabelecidas, como a
física, a matemática e as Ciências Naturais, as Ciências Sociais
adaptaram métodos dessas ciências para realizar as suas
pesquisas e análises. Entretanto, no decorrer do processo de
desenvolvimento das Ciências Sociais, tal metodologia começou
a ser questionada, abrindo o espaço para o desenvolvimento de
métodos próprios para a análise da vida em sociedade.
Figura 6 –Nicolau Maquiavel

Fonte: Wikimedia Commons


124 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Sociologia: tem como objeto de estudo a sociabilidade


(relações sociais) e as estruturas sociais. Etimologicamente, a
palavra sociologia significa “estudo da sociedade” (socio –
sociedade; logia – estudo). A sociologia emergiu como uma
ciência voltada para o estudo da sociedade em meados do século
XIX, inicialmente na França com o Positivismo. Na realidade, ela
compunha uma das disciplinas do curso de filosofia positivista
ministrados por Augusto Comte e tinha como objetivo analisar as
transformações da sociedade naquele período visando auxiliar,
de forma científica, as tomadas de decisão por parte do Estado
que abrissem caminho para o progresso. Veremos a história da
sociologia no próximo capítulo desta unidade.
Augusto Comte (1798-1857) foi um filósofo francês
fundador do Positivismo, cujo nome relaciona-se com o terceiro
estágio no qual acreditava que a humanidade deveria chegar para
alcançar o seu estágio de perfeição, o positivo. Considerava que
a humanidade só poderia alcançar tal estágio se concentrasse
esforços para conquistar o progresso tecnológico. Mas, como
haveria grupos que fariam oposição a tal projeto, acreditava que
apenas através da ordem, imposta pelos detentores “esclarecidos”
do poder, seria possível alcançar o progresso desejado. Muitos
estudiosos atribuem a Comte a condição de criador da Sociologia,
inicialmente uma das disciplinas da filosofia positiva, cuja
função era estudar cientificamente a sociedade com o objetivo
de identificar as “leis” que a regeriam.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 125

Figura 7 –Augusto Comte

Fonte: ©Jean-Pierre Dalbéra from Paris, France / Wikimedia Commons

Antropologia: a partir da etimologia da palavra (antro –


homem; logos – estudo), podemos definir a antropologia como
o estudo do homem, ou tudo o que se refere ao humano. Como
definiram Hoebel e Frost (1981), a antropologia é “a ciência
da humanidade e da cultura”. A partir de tal conceituação, a
antropologia é uma disciplina que tem como objetivo dar conta
de todos os aspectos referentes às sociedades humanas que não
são nem biológicos, nem naturais, sendo transmitidos por meio
da linguagem que constitui o seu universo simbólico.
Dessa forma, a antropologia considera que a diversidade
das sociedades humanas podem ser explicadas por meio da
cultura, entendida como o conjunto de valores e práticas
aprendidos na convivência social, cuja configuração ocorre a
partir das escolhas e experiências históricas vivenciadas pelas
diversas comunidades, povos e civilizações.
As origens da Antropologia moderna remontam à
Inglaterra da segunda metade do século XIX. Em um contexto
126 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

marcado pelo neocolonialismo, no qual as potências imperialistas


europeias disputaram o domínio de diversas regiões da África
e da Ásia, a disciplina emergiu com o objetivo de estudar e
analisar os hábitos culturais dos povos não-europeus por meio
de uma visão etnocêntrica, na qual a cultura europeia era
considerada “superior” as culturas “primitivas” e “selvagens”
dos povos do continente africano e asiático. Tal perspectiva
foi fundamentada a partir do conceito de cultura definido
pelo antropólogo britânico Edward Tylor. Influenciado pelo
positivismo e pelo evolucionismo darwinista, Tylor acreditava
que o destino da humanidade era o progresso, mas esse só seria
alcançado pelas civilizações que se mostrassem mais “aptas”
para o desenvolvimento industrial, sendo elas as “vencedoras”
dessa seleção natural. Mas, se tais ideias são questionáveis na
atualidade, o antropólogo britânico teve o mérito de conceber a
cultura como um conjunto de crenças, arte, moral, leis, costumes
e qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem
em sua convivência na sociedade.
Edward Tylor (1832-1917) foi um antropólogo britânico
cuja principal obra foi Cultura Primitiva, lançada em 1871,
onde estabeleceu o conceito moderno de cultura, que influencia
a antropologia até os dias atuais. Entretanto, ele concebia as
diferenças culturais como resultante dos diferentes estágios
evolutivos das civilizações, considerando a civilização europeia
superior às demais, sendo um “espelho” de como as demais
civilizações deveriam ser no futuro.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 127

Figura 4 –Edward Tylor

Fonte: ©Wikimedia Commons

O neocolonialismo foi uma nova fase do avanço colonial


das grandes potências europeias (Grã-Bretanha, Alemanha
e França), acrescidas de países industrializados emergentes
como os Estados Unidos e o Japão, que estabeleceram colônias
na África, Ásia e Oceania, com o objetivo de conquistar
mercados de matéria-prima para abastecerem as suas indústrias
e consumidores para os seus produtos industrializados. O auge
desse movimento ocorreu entre os anos de 1870 e 1914, sendo
uma das causas da I Guerra Mundial (1914-1918). Nessa época,
alguns estudos antropológicos, de viés evolucionista, serviram
como base ideológica para justificar o avanço imperialista sobre
tais continentes.
A antropologia evolucionista justificava a exploração e o
domínio dos povos africanos e afrodescendentes pela civilização
europeia.
128 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Figura 8 – Exploração e domínio dos povos africanos

Fonte: ©Wikimedia Commons

Os objetos de estudo das ciências sociais e


suas metodologias de pesquisa
Na área das Ciências Sociais existem inúmeros
conceitos, interpretações, análises e referenciais teóricos
instrumentalizados pelos pesquisadores para a análise de
seus objetos de pesquisa. Os cientistas sociais propõem-se
estudar realidades aparentes que, para uma compreensão mais
aprofundada, devem ser inseridos em um contexto social mais
amplo. Assim, o conhecimento construído pelo cientista social é
resultado da relação dialética entre as mais variadas formas que
os fenômenos sociais se apresentam na sociedade e a percepção
individual do pesquisador, composta pelo seu capital cultural,
visão de mundo, ideologia, entre outros aspectos.
O cientista social delimita o seu objeto de pesquisa a partir
dos seus próprios valores e concepções que delimitam as suas
escolhas e problematizações. A metodologia, as hipóteses e os
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 129

objetivos da pesquisa são escolhas individuais do pesquisador,


influenciadas pelo contexto social no qual está inserido, sendo
essas compostas tanto por indagações presentes na sua própria
vivência quanto por temas relevantes para a comunidade no qual
está inserido. Em outras palavras, é o próprio tempo presente
que se impõe tanto como critério como objeto da reflexão do
cientista social, e a problemática, as hipóteses e possibilidades
de interpretação estão diretamente relacionadas com o universo
cultural no qual o cientista social está inserido. Assim, a escolha
do pesquisador em estudar um aspecto da realidade social (e não
outro) será feita a partir da perspectiva histórica do seu próprio
tempo e do lugar no qual está inserido na sociedade.
Atualmente, há diversos temas relevantes pesquisados
pelas Ciências Sociais relacionados diretamente à sua vida
cotidiana, como a criminalidade, as questões de gênero, a
sociabilidade, a juventude, o envelhecimento, a violência
doméstica, a religiosidade, a saúde e a afetividade. E as análises
dessas diversas temáticas servem de subsídio para a elaboração
e planejamento de políticas públicas por parte do Estado, além
de instigarem debates na sociedade por meio dos diversos meios
de comunicação utilizados para a divulgação das pesquisas
acadêmicas, podendo influenciar o senso comum, tornando-o
mais crítico.
130 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

SAIBA MAIS

Podemos citar como exemplo de uma pesquisa que procura


cumprir a sua função social, Juventude, juventudes: o que une
e o que separa, publicada em 2006 pela UNESCO (órgão das
Nações Unidas dedicado a questões relacionadas à educação e à
cultura).Ela ocorreu por meio da participação de dez mil jovens
brasileiros de 15 a 29 anos, cujas informações foram utilizadas
para elaborar questões, hipóteses e análises relacionadas à gênero,
escolaridade, região e moradia. A pesquisa tinha como objetivo
elaborar políticas públicas relacionadas à juventude a partir de
temas como inclusão digital, religiosidade, lazer, sexualidade e
trabalho. Além disso, a pesquisa, disponibilizada para o público,
foi importante para alguns jovens analisarem criticamente o seu
próprio comportamento e experiência de vida. Para maiores
informações, ver http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-
this-office/unesco-resources-in-brazil/studies-and-evaluations/
violence/youth-in-brazil/

Quanto às metodologias de pesquisa em Ciências Sociais


existem dois tipos de abordagens:
A Pesquisa Quantitativa: tem como base a análise
estatística, utilizando gráficos, levantamentos estatísticos,
porcentagens, entre outros instrumentos matemáticos para
analisar tendências de comportamento, intenções de voto,
opiniões, etc., da sociedade.
Na pesquisa quantitativa, é necessário selecionar uma
amostra de um determinado grupo social (ou seja, um percentual
de indivíduos a serem entrevistados, cujo recorte deve ser
elaborado visando representar, em escala menor, as principais
características da totalidade dos indivíduos do grupo).
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 131

A opção pelo método quantitativo de pesquisa exige que


seja utilizado um questionário como principal instrumento do
pesquisador, que deve ser elaborado com questões e alternativas
de respostas objetivas.
[[Exemplo]]: Na Sociologia, é considerada uma obra
pioneira e exemplar quanto a utilização do método quantitativo
de pesquisa a obra do sociólogo francês Émile Durkheim,
O Suicídio, publicado em 1897. O autor utilizou dados
estatísticos sobre o número de suicídios em vários países
europeus durante um ano, comparou-as com o número total de
habitantes estabelecendo uma taxa anual de suicídio para cada
100 mil habitantes. Por meio desses dados, Durkheim chegou
a conclusão de que o número de suicídios aumentam nos anos
de crise econômica, comprovando a tese defendida por ele de
que o suicídio é um fenômeno social decorrente da falta de
normas sociais suficientes para evitar um mal-estar insuportável
ao indivíduo em um contexto marcado pela falta de emprego e,
consequentemente, dinheiro para a subsistência.
A Pesquisa Qualitativa: a principal característica da
pesquisa qualitativa é o contato direto e pessoal do pesquisador
com a comunidade estudada, um método utilizado inicialmente
pela antropologia que acabou sendo assimilado pelas demais
Ciências Sociais. Dentre as diversas técnicas, destacamos a
observação participante, na qual o pesquisador procura o maior
e mais próximo contato possível com o grupo social a ser
pesquisado. Por meio da inserção do pesquisador ao contexto
social objeto da pesquisa, torna-se possível para o pesquisador
identificar as diversas maneiras de agir, sentir e pensar daquele
grupo social. Muitas vezes, chega-se ao ponto do pesquisador
assimilar os hábitos socioculturais daquele grupo social,
afastando-se de uma visão etnocêntrica preconcebida e, muitas
vezes, preconceituosa e adotando uma perspectiva de alteridade
diante do objeto pesquisado. Além disso, a convivência próxima
do pesquisador geralmente proporciona que ele, com o tempo,
seja recebido com naturalidade pela comunidade, facilitando
132 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

ainda mais o processo de pesquisa.


Para utilizar tal método de pesquisa, o pesquisador deve
se preparar e adotar alguns procedimentos, como se preparar
teoricamente para ter a percepção do que realmente irá observar e
elaborar hipóteses referentes a possível conclusões que ele pode
chegar no final da pesquisa. Sem tal preparo, a probabilidade da
pesquisa mostrar-se insuficiente e infrutífera é enorme.
Outro procedimento básico para a realização de uma
pesquisa qualitativa é a utilização de um diário de campo, onde
o pesquisador irá anotar todas as experiências e impressões
adquiridas no processo de convivência com o grupo social
pesquisado. Tais anotações servem como autêntica matéria-
prima para a realização da análise do pesquisador.
Para a realização de uma pesquisa qualitativa sobre a relação
dos jovens com a política, o pesquisador deve inicialmente fazer
um recorte no qual define o campo a ser pesquisado (o local
da pesquisa, que poderia ser um shopping center ou a saída
de uma escola) e se haverá mais de um campo onde os dados
serão levantados (importante se o pesquisador quiser analisar
as diferenças de opinião a partir das perspectivas de classe
social, faixa etária, etnia, etc.). Entretanto, não se deve iniciar a
pesquisa sem antes estabelecer as hipóteses e os objetivos que o
pesquisador deseja alcançar. É apenas no final da pesquisa, e não
antes, que o pesquisador terá a certeza de que as hipóteses e os
objetivos estabelecidos foram confirmados e alcançados.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 133

Figura 6 – Pesquisas em Ciências Sociais

Fonte: Pixabay

SAIBA MAIS

Quer se aprofundar neste tema? Leia o artigo: “Aprendendo


a entrevistar: como fazer entrevistas em Ciências Sociais”
(LOPES, 2012), acessível pelo link https://periodicos.ufsc.br/
index.php/emtese/article/view/18027/16976

E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo


tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente
entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir
tudo o que vimos. Você viu que as Ciências Sociais originou-
se no período do Renascimento Cultural e Artístico europeu
(século XVI), mas que ganhou um impulso, principalmente,
em um contexto marcado por intensas transformações sociais
decorrentes do avanço do capitalismo industrial (século XIX).
As Ciências Sociais são compostas por três áreas: a Ciência
Política (cujo objeto de pesquisa são as relações, as estruturas
e as instituições políticas), a Sociologia (que analisa a vida em
sociedade) e a Antropologia (estuda os aspectos culturais dos
mais variados grupos sociais). Na atualidade, as Ciências
134 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Sociais desenvolvem pesquisas nos mais variados temas


considerados relevantes para a vida cotidiana, como questões
evolvendo as relações entre as classes sociais, gênero, etnias,
violência, etc., sendo que boa parte destas servem como subsídio
para o planejamento de políticas públicas. Tais pesquisas são
desenvolvidas por meio de dois tipos de métodos: o quantitativo
(levantamento de dados estatísticos) e qualitativo (pesquisa
de campo). Mas, independente da metodologia adotada, o que
prevalece nas Ciências Sociais é o rigor com o qual as pesquisas
devem ser desenvolvidas, visando atender as suas expectativas.

A História da Sociologia
Nesse item você verá o contexto histórico no qual o
desenvolvimento do conhecimento sociológico está inserido.
Isto será fundamental para o exercício de sua profissão docente.
As pessoas que tentaram atuar na área sem a devida instrução
tiveram problemas ao longo de sua carreira. E então? Motivado
para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante!
Reflexões sobre a vida social são tão antigas quanto a
própria humanidade. Entretanto, a Sociologia, como uma área
delimitada do conhecimento científico, só emergiu na Europa
de meados do século XIX. Para compreender esse processo, é
necessário entender o amplo quadro de mudanças econômicas,
políticas e sociais que ocorreram no continente europeu, com
implicações em todo planeta, a partir do século XVI, e as
correntes de pensamento filosófico que se tornaram a base
ideológica da modernidade – o racionalismo, o empirismo e o
Iluminismo.
Nesse período, a Europa passou por um contexto marcado
pela instabilidade, representada nas diversas formas de crises
(econômica, social, cultural, religiosa e moral). Foi em meio a
essa turbulência que surgiu a Sociologia, um modo de interpretar
o “caos” vivenciado por uma sociedade em constante processo
de transformação.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 135

Os antecedentes intelectuais da Sociologia


Até o século XVIII, a maioria dos campos de conhecimento
eram considerados integrantes dos grandes sistemas filosóficos,
uma tradição que vinha desde a Antiguidade greco-romana.
A constituição do atual conceito de ciência e da constituição
de disciplinas específicas do conhecimento ocorreram em um
contexto marcado por intensas transformações vivenciadas na
Europa que contribuíram para mudar essa concepção de longa
duração.
Um dos momentos importantes de tal processo foi a
Reforma protestante, iniciada no século XVI, pois tal movimento
contestou a autoridade da Igreja Católica que monopolizava a
interpretação dos textos sagrados e a absolvição dos pecados
dos fiéis. Na realidade, o movimento iniciado pelo monge
agostiniano alemão Martinho Lutero deslocou para o indivíduo
a responsabilidade pelos seus próprios atos e por sua consciência
diante deles, sendo um aspecto importante para a disseminação
do individualismo e da concepção de que o destino do homem
depende de si mesmo, e não da “vontade divina” ou das “forças
da natureza”.
Martinho Lutero (1483-1546) foi um monge agostiniano
alemão que se opôs às práticas e dogmas da Igreja Católica de
sua época, condenando principalmente a venda de indulgências,
ou seja, a compra do perdão dos pecados (que, segundo a Igreja,
poderia ser concedido pelo clero católico) por parte de homens
ricos arrependidos de seus atos. Lutero foi o precursor do
princípio de que a fé em Deus é manifestada de forma individual,
sendo o próprio indivíduo responsável tanto por suas atitudes
como pelo verdadeiro arrependimento dos pecados cometidos.
136 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Figura 10 –Martinho Lutero

Fonte: ©Lucas Cranach the Elder (1472-1553) / Wikimedia Commons

Dessa forma, fortaleceu-se concepções que começaram


a ter relevância entre os intelectuais do Renascimento
cultural e artístico, cujo processo histórico ocorria quase
concomitantemente com o início da Reforma protestante.
Emergia assim o racionalismo, a crença de que a razão é capaz
de captar as dinâmicas existentes no mundo material, abalando
as velhas crenças que sustentavam o poder da Igreja Católica e
das monarquias absolutistas europeias. Com essa base, tornou-
se possível o surgimento do empirismo e do racionalismo
cartesiano, além do avanço das ciências experimentais. Com
isso, alicerçavam-se os princípios da ciência moderna.
Nesse processo, no século XVIII, tivemos o surgimento do
movimento filosófico conhecido como Iluminismo, sendo um de
seus princípios a confiança na razão e no conhecimento como
impulsionadores do progresso da humanidade, possibilitando
a conquista definitiva da natureza pelo homem, essencial para
a conquista da felicidade universal e terrena. Tal perspectiva
possibilitou um enorme impulso para a investigação e
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 137

interpretação da realidade social. É importante ressaltar que o


Iluminismo tornou-se a base ideológica da burguesia europeia,
que acreditava no racionalismo como instrumento para trazer
ordem ao mundo, superando a desordem e o atraso resultantes
da dominação do Antigo Regime, sustentado pelas elites
decadentes compostas pelo alto clero católico e pela nobreza.
Para os iluministas e burgueses que apoiavam o movimento, seria
possível, com a vitória dos valores iluministas, educar as massas
(cuja maioria era relegada pela antiga ordem ao analfabetismo)
e tornar todos os seres humanos, independente da classe social,
bons e iguais.
A busca por explicações realistas, racionais e concretas
sobre a origem, a natureza e os possíveis rumos de uma
sociedade em constante processo de transformação fez com que
temas como a liberdade, a moral, as leis, o direito, as obrigações,
a autoridade e a desigualdade social fossem importantes objetos
de pesquisa por parte de diversos filósofos iluministas que
tornaram-se precursores do pensamento sociológico.
Entre os filósofos iluministas, podemos citar dois
que influenciaram o conhecimento sociológico: o Barão de
Montesquieu (1689-1755), que utilizou dos seus próprios
conhecimentos históricos e de dados empíricos para fundamentar
a validade de suas teses sobre os sistemas políticos e a necessidade
de dividir os poderes para aplacar o poder absoluto dos reis, o
que resultou na teoria da divisão dos poderes em três instâncias
(Executivo, Legislativo e Judiciário); Jeân-Jacques Rousseau
(1712-1778), pioneiro na análise das causas da desigualdade
social presentes na obra Discurso sobre a desigualdade, na qual
atribui ao conceito de propriedade privada, a causa principal das
diferenciações entre as classes sociais. Rousseau, ao abordar tal
temática, influenciou posteriormente a Sociologia.
138 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Figura 2 – Jean-Jacques Rousseau

Fonte: ©Wikimedia Commons

As transformações sociais decorrentes da


Revolução Industrial
A emergência do conhecimento científico foi importante
para a introdução de diversas inovações tecnológicas, inicialmente
na Grã-Bretanha, que estimularam e impulsionaram importantes
transformações sociais em um processo que ficou conhecido
como Revolução Industrial, que instigaram o surgimento da
Sociologia, cuja proposta inicial era, justamente, analisar e
compreender cientificamente tais transformações.
No decorrer do século XVIII, diversas invenções
impulsionaram a produção da indústria manufatureira britânica,
que desde meados do século XVII passava por um processo de
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 139

crescimento decorrente da conquista do monopólio do comércio


internacional de tecidos por parte da Grã-Bretanha. Entre estas
invenções, podemos citar a lançadeira, construída por John Kay
em 1733, o tear mecânico, inventado por John Kay e Lewis Paul
em 1738, a máquina a vapor, criado por James Watt entre os
anos de 1761 e 1768. Inicialmente, tais inovações multiplicaram
a capacidade de produção da indústria têxtil britânica, sendo que
essas seriam adaptadas para outros ramos da produção industrial
e, em meados do século XIX, para os meios de transporte e
comunicação, possibilitando que o comércio se tornasse cada
vez mais globalizado, importante para o avanço do modo de
produção capitalista, sob a hegemonia do capital industrial, por
todo o planeta.
Esse avanço do modo de produção capitalista desestruturou
a ordem social tradicional da Europa Ocidental de forma rápida,
profunda e intensa, influenciando transformações nas bases da
vida cotidiana, material de todos os indivíduos em todos os
seus aspectos, abalando crenças e princípios morais, religiosos,
jurídicos e filosóficos que sustentavam o Antigo Regime. O
feudalismo e sua ordem social baseada no princípio da ordem
“natural e divina” presente nos estamentos (a forma como a
sociedade francesa era dividida hierarquicamente desde a Idade
Média), nos quais estavam garantidos os privilégios da nobreza
e do alto clero que mantinham sua posição por meio do seu
monopólio do exercício do poder político (no qual a emergente
burguesia estava excluída) e na servidão dos camponeses,
vigente desde o período medieval, desabou rapidamente com as
revoluções inglesas de meados do século XVII e, principalmente,
com a Revolução Francesa, ideologicamente influenciada pelo
Iluminismo, no final do século XVIII, sendo tal movimento
propagado por toda a Europa através das guerras napoleônicas
(1799-1815).
Uma nova ordem social emergiu a partir das ruínas do
feudalismo. Nas primeiras décadas do século XIX, já eram
perceptíveis as mudanças na paisagem das cidades europeias.
140 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Surgiram grandes fábricas cujas chaminés começaram a despejar


fumaça pelos céus e que empregava uma mão de obra relegada
ao desalento com o desaparecimento das antigas propriedades
comunais, obrigadas a abandonar o campo e migrar para as cidades
para garantir a sua sobrevivência, além de serem obrigados a
trabalhar nas fábricas para evitar punições severas previstas por
leis redigidas pela nova classe dominante: a burguesia. Assim,
nas grandes cidades europeias, enquanto as famílias burguesas
começavam a ostentar o seu poder e riqueza em mansões e
palacetes construídos nas partes centrais de Londres e Paris,
uma nova classe, o proletariado (também conhecido como
classe operária ou classe trabalhadora) começava a morar em
bairros periféricos, desprovidos de higiene e saneamento básico,
tornando-os vulneráveis a todo tipo de doenças. Além disso, a
classe operária estava sujeita a fome devido aos baixos salários
pagos pelos proprietários das fábricas, além de serem obrigados
a exercerem longas jornadas de trabalho em um ambiente
insalubre, que chegava a 12 e até 16 horas diárias. A tais precárias
condições de trabalho estavam sujeitos não apenas os homens,
mas também mulheres e crianças, que recebiam salários menores
do que os já baixos salários dos homens. Muitas vezes, todos os
membros de uma família proletária empregavam-se nas fábricas
para obterem rendimentos que garantissem o mínimo para a sua
sobrevivência.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 141

SAIBA MAIS

Os efeitos contraditórios das transformações sociais vivenciadas


na Europa no decorrer do século XIX podem ser percebidas a
partir de alguns dados referentes à expectativa média de vida na
França. Enquanto apenas 7% da população tinha a expectativa
de chegar aos 60 anos, nas primeiras décadas do século XIX,
44% da população tinha a expectativa de chegar, apenas, aos 20
anos.

Figura 3 – A casa de uma família proletária

Fonte: ©David Henry Friston, fl. 1850s to late 1880s / Wikimedia Commons

Houve também mudanças profundas nos aspectos


culturais da emergente sociedade burguesa europeia do século
XIX. O antigo patriarcalismo começou a ser questionado pelas
mulheres (inicialmente nas famílias burguesas), que começaram
142 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

a reivindicar por direitos sociais mais igualitários e justos com


relação aos homens. Além disso, as crianças foram reconhecidas
como seres humanos em formação, e não mais como adultos em
miniaturas que deveriam auxiliar os de fato adultos nas tarefas
cotidianas, algo que impulsionou mudanças profundas na área
da educação. Há que se destacar também que, com relação
aos casamentos, os indivíduos das elites foram conquistando
autonomia para tentarem concretizar o seu imaginário de “amor
romântico”, ou seja, de contraírem matrimônio com as pessoas
que elas escolhessem e pelas quais teriam afeto, não aceitando
mais passivamente a velha tradição dos casamentos combinados
pelos pais visando à manutenção das riquezas e do status social.
Foi nesse contexto de intensas transformações sociais nas
mais variadas áreas da vida cotidiana que impulsionaram estudos
e análises que permitiram o surgimento da ciência cujo objeto é,
justamente, as relações sociais e as transformações decorrentes
destas, no caso a Sociologia.

Os primórdios da Sociologia
As origens da Sociologia teve ligação direta com o
ativismo político de Claude Henri de Rouvroy, o conde de Saint-
Simon. Ele foi um dos primeiros a fundamentar uma análise
da sociedade a partir dos conflitos entre as classes sociais.
Uma de suas principais obras, Parábola, publicada em 1819,
apontava que a nova sociedade moderna (capitalista) na França
era marcada pelos conflitos entre o que denominava de “classe
industrial”, que segundo o autor era formada pela junção entre
a burguesia industrial e a classe operária, que seriam o conjunto
de produtores; e a elite ociosa, formada pela nobreza, alto clero e
a alta burocracia estatal. Para Saint Simon, a “classe industrial”
representava o ”progresso”, enquanto a elite ociosa era o atraso
e o retrocesso, uma forte barreira para o desenvolvimento de
seu país. Para ele, o destino já havia reservado a vitória para
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 143

a “classe industrial”, que voltaria toda a produção industrial e


agrária para a satisfação das necessidades de todos os membros
da sociedade. Assim, todos deveriam cooperar para a felicidade
social, enquanto os ociosos deveriam ser excluídos da sociedade.
Mais tarde, Saint Simon reviu algumas de suas posições, sendo
uma delas a fé na burguesia industrial, rebaixada para a classe
ociosa, enquanto apenas os trabalhadores teriam condições de
assegurar o progresso social.
Tal concepção era a base, segundo Saint Simon, de
uma nova ciência: a Fisiologia Social. O objeto de estudo
deveria ser a ação humana que incessantemente transforma o
meio social, enquanto a metodologia de pesquisa deveria ser
o método positivo, trazido das Ciências Físicas e Naturais.
A base da sociedade seria a produção material, a divisão do
trabalho e a propriedade privada, enquanto as vidas individuais
corresponderiam a meras engrenagens cuja função era contribuir
para o progresso da humanidade,
A Fisiologia Social de Saint-Simon, portanto, era uma
ciência social “positiva”, cuja principal tarefa seria revelar as
leis do desenvolvimento da história da sociedade, algo de suma
importância para organizar racionalmente a vida social.
Claude Henri de Rouvroy, mais conhecido como conde de
Saint-Simon (1760-1825), foi um filósofo e economista francês
socialista que teve grande atuação na cena política francesa por
um longo período que vai da Revolução Francesa até a restauração
Bourbon. Sua obra influenciou duas correntes antagônicas do
conhecimento social: o positivismo e o materialismo histórico.
144 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Figura 4 – O conde de Saint-Simon

Fonte: Wikimedia Commons

A Fisiologia Social de Saint-Simon foi a base do que seria


a Sociologia, termo utilizado pela primeira vez por Augusto
Comte para designar a disciplina do positivismo dedicada ao
estudo da sociedade. Na realidade, Comte havia sido secretário
de Saint-Simon e, posteriormente, acabou usando muitas de
suas ideias para elaborar os fundamentos da filosofia positivista.
Entretanto, Comte deu um viés mais conservador aos conceitos
elaborados inicialmente por Saint-Simon. Isso foi decorrente do
fato de que o criador do positivismo considerava que a sociedade
de sua época vivia um tempo turbulento de caos e desordem
que, fatalmente, impediriam o progresso da sociedade francesa.
Assim, fazia-se necessária uma autoridade que defendesse o
coletivo, que colocasse seus interesses acima do indivíduo e
de seus desejos considerados mesquinhos. Em outras palavras,
que uma autoridade disposta a impor a “ordem” em prol do
“progresso”.
A sociologia de cunho positivista considerava que as
diferentes e diversas sociedades poderiam ser classificadas em
estágios diferentes de progresso, com algumas delas sobressaindo-
se às outras. Tais aspectos se alargaram e reforçaram por meio
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 145

da influência do evolucionismo, baseado nas descobertas do


britânico Charles Darwin e sua Teoria das Espécies, que defende
a existência de estágios diferentes de desenvolvimento dos
animais, com os mais “aptos” sobrevivendo às dificuldades
impostas pela natureza, enquanto os demais encontravam
maiores barreiras para sobreviverem em um ambiente hostil.
Um dos sociólogos que ficaram marcados pela miscigenação
entre positivismo e evolucionismo foi o britânico Herbert
Spencer, considerado um dos principais difusores do chamado
darwinismo social que tornou-se base para justificar injustiças
e barbaridades sobre os povos da Ásia e da África cometidas
descaradamente pelas grandes potências industriais.
Herbert Spencer (1820-1903), sociólogo britânico
influenciado pelo positivismo conteano e pela teoria evolucionista
darwinista, mesclando as duas escolas em uma teoria social
que teve relevância no século XIX, denominada “darwinismo
social”, usado muitas vezes para justificar a política imperialista
das nações industrializadas.
Figura 5 – Herbert Spencer

Fonte: Wikimedia Commons


146 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

A partir do final da década de 1840, em um contexto


marcado pelas revoluções sociais que ocorreram em boa parte da
Europa em 1848, uma nova abordagem de análise da sociedade,
mais crítica quanto a realidade social do capitalismo industrial e
reivindicando o status de ciência, emergiu dos trabalhos conjunto
dos filósofos alemães Karl Marx e Friedrich Engels, conhecido
como materialismo histórico dialético. Tal teoria é considerada
pelos sociólogos como uma das abordagens clássicas da
disciplina, ao lado do funcionalismo e do método compreensivo.
Veremos mais detalhadamente o materialismo histórico e as
demais teorias clássicas da Sociologia mais adiante.
Entre o final do século XIX e as primeiras décadas do XX,
a Sociologia tornou-se uma disciplina acadêmica, conquistando
oficialmente a condição de conhecimento científico. Nesse
processo, foram importantes as contribuições do sociólogo
francês Émile Durkheim, seguidor do positivismo e fundador
da Escola Funcionalista, e do alemão Max Weber, criador do
Método Compreensivo, que conjuntamente com o Marxismo
(como também é conhecido o materialismo histórico) constituem
as teorias clássicas da Sociologia.
No decorrer do século XX e início do XXI, a Sociologia
vem contribuindo para a compreensão e análise de diversas
questões complexas que estão presentes na sociedade moderna.
Mas, tais contribuições não se restringem a teoria, pois as
hipóteses e considerações produzidas em inúmeros trabalhos
auxiliam diversos agentes sociais no planejamento de suas ações
e na busca de resoluções e compromissos visando a construção
de uma sociedade mais justa e solidária.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 147

SAIBA MAIS

Quer se aprofundar neste tema? Leia o artigo: “O futuro das


Ciências Sociais – A sociologia em questão” (LOPES, 2012),
acessível pelo link http:// http://www.scielo.mec.pt/pdf/spp/n48/
n48a03.pdf

E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo


tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente
entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o
que vimos. Você viu alguns aspectos da história da Sociologia.
Vimos que o conhecimento científico sobre a sociedade passa
a ser buscado em um contexto de intensas transformações
econômicas, sociais e culturas na Europa e, posteriormente, no
mundo, decorrente da expansão do modo de produção capitalista.
A partir do século XVIII, com o Iluminismo, alguns pensadores
como Montesquieu e Jeân-Jacques Rousseau fizeram reflexões
sobre a sociedade europeia relacionadas à concentração do poder
nas mãos da monarquia e as causas da desigualdade social. Já no
início do século XIX, com a Revolução Industrial, a constituição
da ordem social burguesa sob as ruínas do mundo feudal
estimularam intelectuais como Saint-Simon a refletirem sobre o
contexto social visando encontrar caminhos para construir uma
sociedade mais condizente com a modernidade que emergia
no horizonte. As ideias de Saint-Simon influenciaram diversas
teorias sociológicas, como o positivismo e o materialismo
histórico dialético. Outras teorias sociológicas de impacto da
época foram o darwinismo social e o já citado materialismo
histórico, que conjuntamente com o funcionalismo e o método
compreensivo, constituem as teorias clássicas da Sociologia.
148 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

O Surgimento da Sociologia Educacional

OBJETIVO

Chegamos ao quarto item desta unidade. Nela você será capaz de


refletir sobre a contribuição do conhecimento sociológico para
a análise do papel da educação na sociedade contemporânea.
Isso será fundamental para o exercício de sua profissão docente.
As pessoas que tentaram atuar na área sem a devida instrução
tiveram problemas ao longo de sua carreira, pois tiveram
dificuldade de compreender a influência da realidade social em
sua prática pedagógica. E então? Motivado para desenvolver
esta competência? Então vamos lá. Avante!

A Educação é um dos principais objetos de pesquisa da


Sociologia desde o seu surgimento como conhecimento científico.
Os teóricos clássicos da disciplina (Émile Durkheim, Max Weber
e Karl Marx) abordaram o tema, apesar de apenas Durkheim tenha
realizado estudos específicos que resultaram em obras consideradas
as pioneiras do que seria denominada Sociologia Educacional.
Na realidade, como o ser humano se capacita a exercer
inúmeras atividades, além de formar a sua consciência e de tornar-
se um ser social, por meio da educação, essa se tornou um objeto
prioritário tanto de pesquisas quanto de projetos com o objetivo de
reproduzir ou transformar hábitos culturais da sociedade. Entretanto,
enquanto na sociedade capitalista, a educação ser direcionada
para a formação de mão de obra para o mundo do trabalho, boa
parte dos sociólogos concebem uma educação que vá além dos
interesses do capital, tendo como objetivo a formação plena do
cidadão, observando principalmente os aspectos relacionados à
capacidade do indivíduo conviver em uma sociedade cada vez mais
diversificada e complexa.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 149

Figura 10 - Educação e Sociedade

Fonte: Pixabay

Émile Durkheim: o ideólogo da Educação


Émile Durkheim deu uma atenção especial à Educação em
sua obra. Foi o primeiro autor a afirmar que a educação é um
processo social, e, como tal, deve ser objeto de estudo e análise
da Sociologia. Não por acaso, Durkheim é considerado o
fundador da Sociologia da Educação. Para o sociólogo francês,
o sistema educacional tem a função de perpetuar os valores da
coletividade. Em outras palavras, a educação deve integrar os
indivíduos à sociedade, convencendo-os de que devem seguir
as normas determinadas por ela. Dessa forma, a educação teria
como função social a perpetuação da ordem social, reproduzindo
a organização social para as novas gerações. Assim, a escola teria
um papel tanto de formar as crianças como de impedir o caos
social (denominada por ele de anomia) que ameaça a coesão
social. Nas palavras de Durkheim (apud LOPES, 2012,p.6): “a
educação tem por objetivo suscitar e desenvolver na criança um
certo número de estados físicos, intelectuais e morais que lhe
exigem a sociedade no seu conjunto e o meio ao qual se destina
150 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

particularmente”. Percebe-se aqui uma forte influência do


positivismo, do qual Durkheim era um seguidor e continuador
das teorias de Augusto Comte.
Durkheim defende que a escola deve ser pública e
laica, embora não seja contrário às iniciativas privadas na
área, mas desde que estejam submetidas aos interesses da
sociedade, representados pela ação do Estado. Max Weber e
Karl Marx abordaram o tema, apesar de que apenas Durkheim
tenha realizado estudos específicos que resultaram em obras
consideradas as pioneiras do que seria denominada Sociologia
Educacional.
A educação, segundo Durkheim, deve atuar para a
consolidação da coesão social, enfatizando na mediação de
conhecimentos relacionados à formação moral, à qualificação
profissional e à aprendizagem da estrutura social e o papel que
o indivíduo deve exercer nessa engrenagem social, ou seja, o
indivíduo deve se submeter aos interesses da sociedade.
Para Durkheim (apud LOPES, 2012, p.6), a educação
é uma ação exercida pelos pais e professores sobre a criança,
que deve ocorrer de forma ininterrupta, formando-a tanto como
indivíduo quanto como um ser social, embora o principal foco
seja “perpetuar e reforçar a homogeneidade entre os membros
de uma sociedade, fixando com antecedência na alma da criança
as similitudes que a vida coletiva exige”. Assim, a educação é
um processo ininterrupto de socialização do indivíduo, com a
finalidade de fazer do aluno um ser realmente humano, pois para
o sociólogo francês, um homem só é plenamente humano se for
um ser social. Entretanto, isso não o deve afetar a sua formação
como um indivíduo com interesses particulares, pois indivíduo e
sociedade se complementam, na visão do fundador da sociologia
funcionalista.
O sistema educacional proposto por Durkheim deve ser
meritocrático, no qual as individualidades mais capacitadas são
premiadas. Além disso, a educação, a partir de certa idade, não
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 151

deve ser a mesma para todos, sendo direcionada a partir daí


para a especialização, visando a formação do aluno para uma
sociedade marcada pela divisão social do trabalho, onde esse
irá ser formado nas profissões que a sociedade mais necessita.
Segundo Durkheim (apud LOPES, 2012, p.7): “é a sociedade
que, para poder subsistir, precisa que o trabalho se divida entre
os seus membros (...). É por isso que prepara com suas próprias
mãos, pela via da educação, os trabalhadores especializados de
que precisa”.
O papel do professor, segundo Durkheim (apud LOPES,
2012, p.7), é representar os interesses da sociedade, interpretando
e transmitindo “as grandes ideias morais do seu tempo e de
seu país”. Entretanto, tais ideias variam conforme o contexto
histórico, sofrendo mudanças conforme a passagem do tempo.
Para ele, educação e pedagogia são coisas distintas. A primeira é
a relação entre os educadores (pais e professores) e as crianças,
que deve ser voltada para a formação das novas gerações dentro
das normas sociais, visando a sua integração e a consequente
reprodução dos valores hegemônicos de uma determinada
sociedade. Já a segunda seria a reflexão sobre os fatos que
envolvem a educação, como uma ciência que deve contribuir
para o próprio desenvolvimento do processo educativo.
A Sociologia Educacional de Émile Durkhein influenciou
as práticas pedagógicas consideradas tradicionais e que ainda
estão presentes em várias salas de aulas em diversas partes do
mundo. A disposição das carteiras em fileiras e a postura do
docente como “mestre do saber”, hierarquicamente superior aos
alunos, são exemplos de uma organização do espaço escolar
influenciada pelas perspectivas durkheimianas.
152 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Figura 2 – A sala de aula tradicional

Fonte: Wikimedia Commons

Karl Marx: a educação como meio de


conformação e transformação social
Karl Marx, diferentemente de Émile Durkheim, não
escreveu nenhuma obra especificamente sobre educação, mas
abordou o tema ao longo de suas obras críticas em relação
à sociedade capitalista. Segundo o materialismo histórico
dialético, a educação faria parte da superestrutura da sociedade
(assim como a política, a cultura e a legislação), sendo um
instrumento de legitimação do modo de produção capitalista, de
sua divisão social do trabalho e de formação de mão de obra.
Além disso, ela teria também a função ideológica de legitimar e
transmitir a ordem social capitalista, com a escola exercendo um
papel central nesse processo.
Na sociedade burguesa, o professor assumiria o papel de
transmitir a ideologia das classes dominantes para os alunos,
principalmente os da classe operária, que acabariam formando
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 153

uma “falsa consciência de classe” ao assumir para si os valores


burgueses e considerando a sua própria exploração algo
“natural”.
Para romper com tal quadro de coisas (algo que só seria
possível, segundo o materialismo histórico, apenas por meio
da revolução socialista que colocaria um fim na história do
capitalismo) e transformar o sistema educacional de instrumento
de dominação de classe para um mecanismo de emancipação
social, Marx sugere algumas medidas importantes que deveriam
ser tomadas São elas:
Educação pública e gratuita para todos: a educação se
tornaria um direito dos cidadãos, ou seja, qualquer homem ou
mulher poderiam ter acesso a ela nas escolas mantidas pelo
Estado, sem nenhum custo para as famílias. Curiosamente,
essa reivindicação marxista acabou assimilada (e adaptada, de
acordo com o espírito conservador do positivismo) por Émile
Durkheim, sendo comum em quase todos os países a existência
de um sistema educacional no qual a escola tem gratuidade e
universalidade;
Educação voltada para a formação do indivíduo como
um trabalhador: para Marx, é a partir do trabalho que o homem
construiu a sociedade e, dessa forma, tal atividade tem uma
centralidade na história humana. Pensando na superação do
capitalismo e a constituição de uma sociedade socialista,
o pensador alemão concebeu uma formação integral do
aluno que abrangeria três aspectos: 1- a Educação intelectual
(historicamente restrita às elites, até então); 2- a Educação
corporal (a Educação Física, composta por exercícios de ginástica
e até exercícios militares); 3- a Educação tecnológica, o ensino
da ciência, da produção industrial e iniciação ao manuseio de
máquinas utilizadas na produção industrial. Nesse modelo de
educação, tanto homens quanto mulheres seriam capacitados
para exercer mais de uma profissão, rompendo-se a barreira que
existia entre o trabalho intelectual e o manual, um dos fatores
154 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

que estabeleciam a divisão social do trabalho e a sociedade


de classes. Paradoxalmente, esse foi outra proposta de origem
marxista que acabou sendo assimilada pelo sistema educacional
da sociedade capitalista e utilizada para os seus fins de gerar
lucro e formar mão de obra.
As escolas de ensino profissionalizante e de tempo integral
são exemplos da influência das propostas de Karl Marx para a
educação, apesar da finalidade atual dessas estarem distantes
das perspectivas do fundador do materialismo histórico, mais
voltada para a formação de uma sociedade sem classes sociais.

Figura 3 – O ensino integral profissionalizante

Fonte: Pixabau

A abordagem do materialismo histórico assume que a


educação tem uma função social política, que revertida para
a construção de uma sociedade sem dominação e exploração
de uma classe social sobre a outra, pode ser um instrumento
de emancipação de homens e mulheres, algo essencial para a
construção de uma nova sociedade, segundo Karl Marx.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 155

Em países socialistas, como China e Cuba, parte das


perspectivas dos fundadores do materialismo histórico estão
presentes em seus respectivos sistemas educacionais.

Max Weber e a educação como


instrumento de “status social”
Assim como Karl Marx, Max Weber também considera
a educação como um instrumento de dominação na sociedade
capitalista. Entretanto, Weber analisa outros aspectos dessa
dominação, pois essa não se restringiria à exploração de uma
classe social sobre a outra ou à formação de mão de obra para
o mundo do trabalho, mas seria um instrumento que legitimaria
o monopólio dos empregos e cargos mais valorizados para os
portadores de diplomas universitários. Ou seja, na perspectiva
weberiana, a universidade exerceria não apenas o papel de
formar, mas de realizar provas visando selecionar os indivíduos
mais aptos para exercerem ocupações privilegiadas na sociedade
e, dessa forma, conquistarem “status social”. Através disso, a
educação se torna um meio para o indivíduo conquistar ascensão
social, prestígio e maiores salários na sociedade capitalista.
Inserida na estrutura burocrática do Estado, a escola,
segundo Weber, seria um local também marcado, como outras
instituições, pelas relações de poder. Como tais relações resultam
em três tipos de dominação (a carismática, a humanística e a
racional-burocrática), cada uma delas resultam em três tipos
diferentes de educação:
1 - Educação carismática: estaria relacionada a despertar
o “talento natural” do indivíduo, associada simbolicamente com
as “qualidades heroicas” ou com “dons mágicos”;
Nesse tipo de educação emergem as pessoas que
aparentemente tem um “talento nato” para exercerem tal
atividade, destacando-se das demais. Seriam os casos de um
Mozart ou um Beethoven na música clássica.
156 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

2- Educação humanística: direcionada para a formação


intelectual do indivíduo. Aqueles que demonstram maiores
aptidões na assimilação do conhecimento destacam-se sobre os
demais; é na educação humanística que se revelam os intelectuais
de todas as áreas, que se destacam pelo seu conhecimento em
uma ou várias áreas do conhecimento filosófico e científico.
Nessa área, podemos citar a capacidade intelectual de um Freud
ou de um Einstein.
3 - Educação racional-burocrática: é aquela voltada
à especialização do indivíduo, ao qual aquele que formar-
se especialista em uma determinada função irá ter maiores
possibilidades de ascensão na estrutura burocratizada das
instituições da sociedade capitalista. Esse é o caso daqueles
que conseguem os diplomas universitários e, ao exercerem
cargos hierarquicamente superiores na estrutura burocrática do
Estado ou das empresas privadas, sobressai-se sobre os demais,
conquistando status e ascensão social.

SAIBA MAIS

Quer se aprofundar neste tema? Leia o artigo: “Educação,


Sociologia da Educação e Teorias Clássicas” (LOPES, 2012),
acessível pelo link http://www.bocc.uff.br/pag/lopes-paula-
ducacao-sociologia-da-educacao-e-teorias.pdf (Acesso em
23/05/2019).
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 157

Antropologia e seu campo de estudo


A antropologia pode ser definida com uma ciência que
estuda a humanidade, suas convicções, seu comportamento
e sua cultura. De acordo com Marconi e Presotto (2010), visa
compreender a existência do homem na sua totalidade dividido
como membro de grupos organizados, com a sua história, crença,
linguagem e também na evolução da sua espécie.

OBJETIVO

Ao término capítulo você será capaz de entender as semelhanças


e diversidade existente nas inúmeras culturas humanas. será
fundamental para o exercício de sua profissão. As pessoas que
não aceitam a heterogeneidade do homem têm problemas ao se
depararem com o oposto. E então? Motivado para desenvolver
competência? Então vamos lá. Avante!

O nascimento da Antropologia
Desde a antiguidade o homem sempre questionou e
observou a si mesmo e seus semelhantes. A descoberta da
América pelos europeus - o Novo Mundo marca a origem da
reflexão antropológica sobre os habitantes que viviam naquelas
terras ainda desconhecidas. Pode-se afirmar que o contato com
os povos distintos provocou uns dos primeiros questionamentos
antropológicos: E povos pertencem à humanidade? Possuem
alma?
Naquela época, utilizava-se a religião para regulamentar
o indivíduo como humano. As primeiras observações sobre os
povos “distantes” eram trazidas pelos viajantes e missionários
jesuítas. Além do critério religioso, os europeus utilizaram
158 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

a partir do século XIV, alguns julgamentos para definir se os


índios encontrados eram humanos, são eles: andavam nus ou
vestidos com “peles de animais”; se alimentavam com “carne
crua” e utilizavam uma linguagem que não era compreendida,
denominada como “uma língua ininteligíve”.
Percebe-se, portanto que, o encontro dos europeus com as
índios marcam a grande dificuldade humana de aceitar e entender
a disparidade entre os seus semelhantes. Na carta titulada como
“História das Índias”, Cornelius de Pauw (1955) escreve que
os índios por sua natureza são ociosos, sujos, de má condição,
mentirosos, pecadores e que por isso, Senhor permitiria que
fossem banidos da .
Por outro lado havia também curiosidade por parte
dos índios sobre os comportamentos, vestimentas e crenças
dos desbravadores. O autor Lévi- Strauss (1961), citado
por Laplantine, François (2003) destaca que, porquanto os
espanhóis pesquisavam se os índios possuíam ou não uma alma,
e afundavam os corpos dos europeus na água por um longo
período e observavam se os seus cadáveres também iriam passar
pelo processo de putrefação, como aconteciam com os corpos
dos seus semelhantes. Percebe-se, portanto que, a curiosidade de
classificar os sujeitos europeu e o índio como humanos ou não
pertenciam aos dois grupos simultaneamente . , a excentricidade,
ou seja, aquilo que é diferente, sempre instigou o homem a
encontrar respostas.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 159

Figura 1 - Pai ensinando o filho a andar de bicicleta

Fonte: Pixabay

Em meados do século XVIII, a versão de que os selvagens


eram de “natureza má” é lentamente transformada em possível
“bom selvagem”. Os primeiros viajantes começaram a destacar
características positivas sobre os indígenas, classificando-os
como pessoas bonitas, mansas, de corpo elegante, ingênuos,
afáveis, liberais e felizes. Desse modo, a imagem que os europeus
tinham com as diferenças entre os indígenas começaram a
oscilar entre dois pêndulos: uma vertente positiva – representada
pelo encantamento pelo exótico e outra, negativa – como uma
rejeição à disparidade (característica do que é díspar;.
Dianteparadoxo, iniciaram-se vários questionamentos,
dentre os quais, um merece destaque que é levar em consideração
que a civilização indígena não é inferior ou superior, e sim,
diferente. Os viajantes do século XVI e XVII coletavam
“curiosidades”, já no século XVIII a preocupação voltou-se para
de que forma poder-se-ia coletar e interpretar e, o que foi coletado
sobre essas curiosidades. Com a revolução industrial inglesa e
revolução política francesa, houve mudanças significativas na
sociedade francesa. século XIX em um contexto geopolítico
novo, período colonial, emigração em massa é que a antropologia
os primeiros passos para uma disciplina científica.
160 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Com os progressos da civilização, o indígena, antes


denominado como “selvagem”, tornou-se o “primitivo”, ou seja,
o antecessor do civilizado. Dessa forma, a antropologia destina-
se inicialmente os seus estudos ao conhecimento do primitivo,
da origem humana – considerando o progresso técnico e
econômico das cidades coloniais como prova da evolução
histórica dos europeus. Dessa forma, os pioneiros pesquisadores
definiram como objeto de pesquisa as sociedades primitivas e
não ocidentalizadas. 003).

++
+
EXPLICANDO DIFERENTE

Vale ressaltar que na segunda metade do século XIX ainda não


existiam antropólogos. Os pesquisadores não eram especialistas
se julgavam como observadores consciente guiados por cientistas
preocupados em criticar fontes.

Deduz-se que os estudos rudimentares da antropologia


consistiam em analisar grupos “diferentes” e distantes da sua
cultura. O primeiro objeto de estudo da corrente antropológica
foram às sociedades primitivas e método de pesquisa, inicialmente
utilizados eram os dados coletados pelos observadores e,
posteriormente, instaurou-se a técnica do trabalho de campo que
consiste no contato intenso e prolongado entre o pesquisador e
as pessoas e/ou grupos escolhidos para serem estudadas (novo
conceito será detalhado nos próximos capítulos). forma, o
trabalho do antropólogo consiste em estar em contato com a
pessoa que é diferente e transformar essa diferença em um fazer
científico.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 161

O que é Antropologia
Pode-se definir o significado de Antropologia em uma
abordagem mais ampla da seguinte maneira:
“(...) ciência que estuda o homem, suas produções e seu
comportamento. O seu interesse está no homem como
um todo (...). Tenta compreender a existência humana em
todos os seus aspectos, no espaço e no tempo, partindo
do princípio de uma estrutura biopíquica.” (MARCONI e
PRESOTTO, 2010, p. 2).
Como visto no capítulo anterior, a Antropologia iniciou os
seus estudos visando os grupos primitivos “diferentes”, aqueles
que não pertenciam à sociedade ocidental. Acreditava-se que
ao entender a sua linguagem, comportamento modo de viver,
estariam identificando a origem humana, como o ser humano
vivia antes da civilização.

Campo de atuação da Antropologia


Portanto, o objetivo da Antropologia no estudo do homem
em sua plenitude avalia o ser como biopsicocultural – como
ser biológico pensante e como produtor de cultura e elemento
integrante da sociedade. Como a esfera de investigação é
extensa, a Antropologia é dividida em dois campos de atuação:
Antropologia Física ou Biológica e Antropologia Cultural.
Na antropologia física ou biológica são investigadas as
características físicas do homem, no qual consiste compreender
a estrutura anatômica, sua origem e evolução, a estrutura, os
processos fisiológicos e características raciais do ser humano
ancestral e civilizado. Como uma ciência interdisciplinar, a
Antropologia se apoia na Medicina, Fisiologia, Zoologia, entre
outras. (MARCONI E PRESOTTO, 2010).
Para facilitar o entendimento do campo de atuação da
Antropologia, um explicativo das áreas e subáreas ciência.
162 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Figura 2 – Campos de atuação da Antropologia Física ou Biológica

Fonte: Autora com base em MARCONI PRESOTTO, 2010 / Editorial

Verifica-se, portanto que, a Antropologia Física ou


Biológica é decomposta em cinco subáreas: paleontologia
humana – estuda a origem e evolução humana através dos
fosseis; Somatologia – avalia as diferenças individuais físicas
e sexuais; Raciologia – classificação da espécie humana em
raça; Antropometria – utiliza-se de técnicas quantitativas para
medir o corpo humano e Estudos comparativos do crescimento
– ampliação da somatologia com o intuito de conhecer as
diferenças grupais relativas ao crescimento convergentes com
atividade física, alimentação, etc.
A antropologia cultural consiste na análise do homem
como ser cultural, promotor de sua própria cultura. A sua
essência abarca em conhecer e analisar o conhecimento cultural
humano adquirido por aprendizado em todas as suas proporções.
É considerado o campo mais extenso dentro da ciência
antropológica.
Observe o esquema a seguir representando as subáreas do
campo de atuação da Antropologia Cultural.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 163

Figura 3 – Campos de atuação da Antropologia Cultural

Fonte: Elaborado pela Autora com base em MARCONI e PRESOTT / Editorial

O campo da Antropologia cultural é subdividido em


sete subáreas, a Arqueologia – análise das culturas do passado
de reestruturação de amostras duráveis ao longo do tempo;
Etnografia – descrição/conhecimento material e imaterial das
sociedades que apresentam culturas simples e “diferentes”;
Etnologia – consiste na análise, interpretação e comparação entre
múltiplas culturas ressaltando suas semelhanças e diferenças;
Linguística – pesquisa a linguagem (meio de comunicação) em
culturas diversas; Folclore – avalia a cultura autêntica de grupos
humanos urbanizados ou rurais; Antropologia social – explora
os processos culturais e da estrutura social das instituições e
sociedades; Cultura e personalidade – examina as inter-relações
entre cultura e personalidade do individuo.
É possível perceber a variedade dos campos de atuação
da Antropologia que está correlacionada com diversos outros
campos do saber, o que fundamenta a sua eficiência como ciência
ao estudar o homem em sua totalidade.

Antropologia e ciências afins


Como detalhado no item anterior, a Antropologia para
realizar um estudo do ser humano integrado busca fundamentação
teórica e prática em outras ciências.
Vale ressaltar que existem outras disciplinas que também
tem o ser humano como objeto de estudo. A Sociologia,
Psicologia, Economia, Política, Geografia e Biologia estão entre
164 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

as ciências que perpetuam uma relação multidisciplinar com


a Antropologia. Todas emprestam e trocam dados de pesquisa
mutuamente respeitando a fundamentação teórica de cada uma
delas.
A tabela a seguir irá detalhar a contribuição, importância e
correlação de cada área para o campo do saber da Antropologia.
Tabela 1 – Antropologia e sua relação com ciências afins

Enfatiza o conceito de
Sociologia sociedade e compreensão dos
fatos práticos e presentes.
Interpretação das diferenças
individuais que, determinam
Psicologia os inúmeros tipos de
personalidade básicos da
cultura.
Avaliar a organização
econômica de grupos,
Economia
baseado no seu trabalho e
recursos disponíveis.
Compreender a organização
Política política de um grupo (poder,
ordem e integridade).
Investiga a reconstrução de
culturas passadas, revelando
História
fenômenos que estão ligados
a origem humana.
Adaptação e modificação
Geografia do homem em seu meio
ambiente físico.
Fonte: Elaborado pela autora com base em MARCONI e PRESOTTO, 2010
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 165

IMPORTANTE

Apesar de a Antropologia ser reconhecida como ciência do


homem, a cooperação de outras ciências nas suas análises é de
extrema importância, já que estudos de problemas específicos
relacionado ao ser humana requisita a utilização de técnicas ao
diálogo entre as ciências, pois contribui para agregar valor de
dados mensuráveis e embasamento teórico reflexivo acerca do
estudo mais detalhado e profundo sobre o ser humano.

E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo


tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente
entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo
o que vimos. Você deve ter aprendido que a antropologia é uma
ciência que estuda o ser humano em sua totalidade, ou seja, visa
examina-lo em todas as suas dimensões bio-psíquico-social. Foi
relatado também no capítulo, um breve histórico do surgimento
da Antropologia no qual explicamos a definição do seu objeto
de estudo que foram os povos indígenas. A antropologia surgiu
para explicar o “outro” distante, aquilo que era “diferente” da
civilização europeia, ou seja, entender como existiam pessoas
que se alimentavam, vestiam, reproduziam, tinham rituais
religiosos excêntricos e se comunicavam de outra forma. Em
seguida, foram demonstrados os diversos campos de atuação
da Antropologia como ciência e por fim, foi explicitada a inter-
relação da mesma com outras ciências no qual contribuem para
uma compreensão técnico-científica mais precisa do homem
e seu meio.
166 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Etnocentrismo
No decorrer do capítulo 1 foi abordada a dificuldade
que o ser humano apresenta desde a época da colonização em
aceitar a diferença. A intolerância em admitir o “outro” com
suas particularidades se enquadra no conceito de etnocentrismo,
definido por Rocha (1988) como uma visão de mundo no qual
um grupo considera os seus valores, modelos e definições no
centro de tudo.
Figura 4: Olhar etnocêntrico

Fonte: Freepik

OBJETIVO

Ao término deste capítulo você será capaz de compreender o


conceito de etnocentrismo, de relativismo cultural e por fim,
correlacionar os dois temas com exemplos práticos da sociedade
contemporânea.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 167

O que é etnocentrismo ?
O etnocentrismo pode ser definido como um choque
cultural entre grupos diferentes. A dificuldade em encarar e
aceitar o excêntrico acompanha o homem desde a sua origem. O
autor Rocha (1988) elucida o etnocentrismo da seguinte forma:
De um lado, conhecemos um grupo do “eu”, o “nosso”
grupo, que come igual, veste igual, gosta de coisas
parecidas, conhece problemas do mesmo tipo, acredita nos
mesmos deuses, (...). Aí, então, de repente nos deparamos
com um “outro”, o grupo do “diferente” que, às vezes,
nem sequer faz coisas como as nossas ou quando as faz
é de forma tal que não reconhecemos como possíveis. E,
mais grave ainda, este “outro” também sobrevive à sua
maneira, gosta dela, também está no mundo e, ainda que
diferente, também existe. (...) O grupo do “eu” faz, então,
da sua visão a única possível ou, mais discretamente se
for o caso, a melhor, a natural, a superior, a certa. O grupo
do “outro” fica, nessa lógica, como sendo engraçado,
absurdo, anormal ou ininteligível. (ROCHA, 1998, p.5.)
Portanto, é possível perceber a falta de compreensão do
ser humano com a disparidade entre os seus semelhantes. Essa
visão de que a maneira como o “nosso” grupo se comporta,
veste e se comunicam é a melhor e única. O que vem do “outro”
é estranho, incompreensível e até mesmo, considerado errado e
fora da normalidade.
Lembra-se de como os europeus interpretaram o estilo de
vida e hábitos dos índios americanos? O julgamento era como se
os mesmos não fosse humanos apenas pelo fato de se vestirem,
alimentarem e comunicarem de uma forma totalmente diferente
da civilização europeia.
O etnocentrismo defende a ideia de que as diferenças do
grupo A em relação ao grupo B, torna-se padrões de julgamentos
no qual o primeiro se considera superior ao segundo e que pode
168 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

ser intitulado como estranho, sem inteligência, inferiorizados,


entre outras características. Portanto, o etnocentrismo analisa o
outro conforme sua visão e de seu grupo de valores culturais
e morais, o que é diferente do ponto de vista é taxado com o
julgamento de inferioridade.

REFLITA

Foi citado anteriormente exemplo de atitude etnocêntrica


no passado. E, atualmente, qual atitude da nossa sociedade
contemporânea pode ser classificada como etnocêntrica?

A atitude ou visão etnocêntrica ocorre quando há um


bloqueio de aceitação da heterogeneidade do outro. Dessa forma,
o preconceito está intimamente correlacionado ao etnocentrismo.
Quando se julga que a cultura dos índios no Brasil é “atrasada”
porque não sabem utilizar a tecnologia, ou quando consideramos
que as pessoas do nordeste brasileiro são “intelectualmente
menos favorecidas” que a região do sudeste, está praticando o
etnocentrismo.
FIGURA 4: Índios da floresta amazônica

Fonte: Freepik
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 169

Portanto, todas as vezes que não se respeita as características


particularizadas do outro, a individualidade, o seu sotaque, a sua
forma de vestir, o seu jeito de falar é considerada uma prática
etnocêntrica. Atrelado a isso, temos exemplos atuais de bullying,
machismo, racismo, entre outros.
Outro exemplo bem contemporâneo sobre etnocentrismo
são os discursos do atual presidente dos Estados Unidos – Donald
Trump. Todas as opiniões, conceitos, ações e estilo de vida que
se distanciam do sistema de valores do presidente são taxados
de maneira preconceituosa. Trump, recentemente rotulou os
mexicanos de “criminosos” e instaurou no seu governo uma
batalha contra os imigrantes ilegais, chamando-os de “animais”.

Figura 5 – Discurso etnocêntrico

Fonte: Pixzabay
170 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

De acordo com Rocha (1988, p. 9) “nossas próprias


atitudes frente a grupos sociais nas grandes cidades são, muitas
vezes, repletas de atitudes etnocêntricas. Rotulamos e aplicamos
estereótipos através dos quais nos guiamos para o confronto
cotidiano com a diferença”. Portanto, há limite tênue entre a
aceitação do outro com suas particularidades e o preconceito
explicito com a disparidade entre grupos sociais.

ACESSE

Para entender melhor o que é etnocentrismo, assista o vídeo


Cultura: Etnocentrismo e Relativismo Cultural, disponível no
link: https://www.youtube.com/watch?v=EZXKWdQ5eps

Relativismo cultural
Relativismo cultural em uma linguagem simples ocorre
quando há a compreensão do “outro” sem julgamento de valores.
É uma ideia que se contrapõe a do Etnocentrismo. Os autores
Marconi e Presotto (2010 p. 17 ) destacam que “este princípio
permite ao observador ter uma visão objetiva das culturas cujos
padrões e valores são tidos como próprios e convenientes nos
seus integrantes”. Ou seja, é visualizar e respeitar o “outro” e sua
cultura com suas particularidades, sem hierarquizar as diferenças
encontradas como melhor ou pior, superior ou inferior, etc.

Relativismo cultural: conceito e


aplicabilidade
O conceito de relativismo nos ensina que uma cultura deve
ser compreendida dentro dos seus padrões de comportamentos e
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 171

regras morais únicos, mesmo que ao olhar dos “outros” grupos,


tais esquemas de vida se pareçam “estranhas” ou “exóticas”.
A significância do relativismo para a Antropologia consiste
em respeitar outras culturas e sociedades – ao invés de taxar os
costumes próprios como “incomuns” aprender algo novo sobre o
ser e sociedade. A prudência com a objetividade – o pesquisador
fica imerso na cultura a ser estudada com o objetivo de captar o
sentido da sua organização e por último a não interferência entre
tentativas de modificar seus costumes e tradições. (MENESES,
1999).
O homem como produtor de sua própria cultura construiu de
maneira única e particular as suas crenças, regras de convivência
em grupo e rituais específicos de cada comunidade, ou seja,
peculariedades da sua maneira de viver e de se relacionar com
a natureza e com o “outro”. Tais propriedades tornam possível
a existência de inúmeras culturas distintas. Os autores Hoebel e
Frost (1981) destacam que, os padrões de valores (certo/errado)
e os costumes são inerentes ao seu respectivo meio cultural.

Figura 6 – “Mulheres girafas” – Tribo Padaung

Fonte: Pixabay
172 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

A figura ilustra uma das integrantes da Tribo Padaung,


localizada no norte da Tailândia. Pelo fato de por muitos anos,
evitarem contato com a sociedade, porque viviam escondidas,
as mulheres foram consideradas por muito tempo, como figuras
mitológicas. A tribo possui a tradição cultural milenar que são
colocarem argolas de cobre no pescoço das mulheres. Afinal de
contas, por que utilizam estas argolas? Não se sabe ao certo
porque esse ritual começou, para muitos estudiosos seriam uma
competição de beleza, quanto mais argolas, o pescoço mais
longo e assim teriam mais admiradores, em contrapartida, outros
pesquisadores ressaltam que as argolas seriam uma proteção no
passado contra ataques de tigres. Na tribo, são as mulheres que
sustentam a casa vendendo os artesanatos que produzem. Os
homens ficam em casa, cuidam das crianças e vestem saias. A
tradição é ainda preservada nos tempos atuais e as mulheres são
visitadas como atração turística da região.

ACESSE

Para saber mais detalhes sobre a cultura da Tribo Padaung, assista


ao vídeo Mulheres-girafa são atração na Tailândia, exibido pelo
programa Fantástico no ano de 2002, disponível no link: https://
www.youtube.com/watch?v=M2HQGIh1jgQ.

Sobre a tradição das argolas da Tribo Padaung. Qual a sua


opinião, aluno, sobre a utilização das argolas nas mulheres da
tribo?
Entre as características do relativismo cultural, vale
destacar que, os elementos de uma cultura só tem validade
quando estão inseridos no seu meio, ou seja, imerso dentro de
um contexto. As culturas também são relativas, cada um traz em
si o seu padrão, não existe uma referencia universal a ser seguida
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 173

e por último, suspensão de juízo. (MENESES, 1999).


Os valores culturais e normativos de cada sociedade tem
sentido apenas para os integrantes que convivem em seu meio.
A compreensão pelo viés da antropologia só é possível quando
o pesquisador se coloca no lugar do “outro” e vivencia junto
com os demais todos os rituais da sua cultura, sem critérios de
julgamentos do que é certo ou errado.
Marconi e Presotto (2010) destacam que o relativismo
cultural proporciona ao antropólogo atitude mais neutras e leva
em consideração princípios humanitário:
Direito à autonomia tribal – Os grupos humanos têm
direito de possuir e fazer desenvolver a própria cultura,
sem interferências externas. (...) Valores culturais –
As formas de pensar e agir de grupos diferentes deve
merecer o maior respeito possível e, por isso, seria
injusta a introdução deliberada de mudanças no interior
dessas culturas. (...) Da mesma forma, os costumes que
diferem muito dos da sociedade civilizada devem ser
considerados e avaliados dentro da configuração cultural
a que pertencem (MARCONI E PRESOTTO 2010, p.17-
18).
Por mais excêntrico que possa parecer cada cultura
desenvolvida pelo ser humano é única e deve ser respeitada
em todas as suas singularidades. Nenhuma deve se sobrepor ás
demais e todas devem conviver em harmonia e aceitação mútua.
Assim sendo, não existem comunidades com culturas melhores
ou piores que as outras, o que há são inúmeras e ricas culturas
no Brasil e no mundo.
E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo
tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente
entendeu o tema de estudo neste capítulo, vamos resumir tudo
o que vimos. Você deve ter aprendido que o relativismo cultural
representa a oposição ao conceito de etnocentrismo.
174 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

No relativismo não há julgamento de valor com outras


culturas que não é semelhante a sua, que existem inúmeras
culturas com diversidades únicas e que é característica central
do homem criar estilos de vida para organizar a comunidade,
conviver em harmonia com os seus semelhantes e com a natureza.
Foi aprendido também que para o Antropólogo pesquisar e
entender outras culturas, esse profissional deve vivenciar a
cultura do “outro” dentro do seu próprio contexto cultural, já
que apenas dessa forma serão interpretados os significados
verdadeiros. Além disso, o antropólogo não deve colocar a
sua cultura como centro de tudo, a sua visão deve ser neutra e
livre de julgamentos. Sendo assim, o conceito antropológico de
relativismo cultural nos ensina a entender e aceitar as diferenças
para vivermos em harmonia com a nossa sociedade.

REFLITA

Será que a escola atual está preparada para lidar e aceitar


diferentes culturas?

Antropologia educacional
A visão de que a Antropologia é a ciência que estuda o
ser humano em sua totalidade e que o respeito primordial é
alteridade entre as culturas, já foi amplamente discutido nos
capítulos anteriores. Nestecapítulo será abordada a essência
da antropologia educacional e como esta, se relaciona com as
teorias contemporâneas da educação.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 175

OBJETIVO

Ao término deste capítulo você será capaz de entender como a


significância da antropologia educacional, o seu objeto de estudo
e as considerações práticas desta disciplina. E então? Motivado
para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante!

Conexão entre Antropologia e Educação


Torna-se válido iniciar este capítulo ressaltando a
semelhança entre o conceito de antropologia e educação. Ambas
lidam com a intenção de compreender um conhecimento que não
é nosso, as duas devem visualizar o olhar do “outro” e, para que
isso aconteça é primordial ser empático, ou seja, se colocar no
lugardesse “outro” (GUSMÃO, 1997). Tais características são
fundamentais tanto para o antropólogo como para o educador.
Para compreender a comunicação entre Antropologia e
educação torna-se necessário ressaltar alguns pontos históricos
marcantes. Já estudamos no capítulo 1 o nascimento da
Antropologia. Ela,surge como ciência em meados do século
XIX, na Europa e tem como objeto de estudo a compreensão
do “outro” que fica distante e é diferente do “nosso”. De acordo
com Gusmão (1997, p. 4), a educação nesse período consistia
em uma “modalidade de ajustamento psicossocial que resulta
numa forma de controle social, com base na organização social
e no horizonte cultural partilhado por um grupo.” Ou seja, por
meio de regras de condutas e técnicas educativas, as sociedades
elaboravam mecanismos com o objetivo de incentivar e punir o
comportamento de seus integrantes desde o período da infância
até a fase adulta.
Dessa forma, historicamente, tanto a antropologia quanto a
educação por meio do desenvolvimento colonial tentaram impor
176 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

a “sua” cultura tida como única e correta ao “outro”. Com o


intuito de eliminar qualquer alteridade, visavam padronizar uma
sociedade com o modelo de vida cultural unificado.
Revise o que já foi estudado no capítulo 1 – “O nascimento
da Antropologia”.
O discurso entre a antropologia e a educação se instaura
após a crítica ao etnocentrismo, e início do relativismo cultural
no qual a antropologia busca compreender outras sociedades e
culturas. Gusmão ressalta que:
“(...) O diálogo revela como ponto comum a cultura,
entendida como instrumento necessário para o homem
viver a vida, distinguir os mundos da natureza e da
cultura e, ainda, como lugar a partir do qual o homem
constrói um saber que envolve processos de socialização
e aprendizagem. No primeiro caso trata-se de diferentes
formas de transmissão de conhecimento, de habilidades
e aspirações sociais; no segundo, trata-se de das formas
de transmissão de herança cultural, através de gerações
implicando processos de apropriação de conhecimentos,
técnicas, tradições e valores. Tudo em acordo com a
criação dos homens em situações sociais, concretas e
historicamente determinadas”. (GUSMÃO, 1997, p.5).
Percebe-se, portanto que, a cultura representa a interseção
entre a antropologia e a educação. Na vertente antropológica, está
relacionada a uma ferramenta utilizada pelo homem para viver
harmoniosamente entre os seus semelhantes do grupo ao qual
pertencem. Já no âmbito da educação, a cultura está associada à
aprendizagem de técnicas tradicionais de um povo e também ao
processo de socialização – pertencimento de um grupo.
Na unidade 4, o conceito de cultura será mais detalhado.
No próximo subitem, serão abordadas as bases teóricas que
sustentam a ciência antropológica e sua evolução no conceito de
antropologia educacional.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 177

Antropologia educacional: suas origens


Conforme detalhado nos capítulos anteriores, a
Antropologia firmada como ciência instituiu a alteridade como
questão norteadora de seus princípios. E, como uma disciplina,
ela busca se basear em diferentes teorias que fornecem amparo
técnico-científico.
O evolucionismo foi uma das primeiras teorias
antropológicas que considerava o modelo europeu como único no
mundo. Baseava-se o etnocentrismo, no qual coloca a sua cultura
no centro do universo, como “modelo” a ser seguido e as demais
culturas são consideradas como “atrasadas” e inferiores”. Lewis
Morgan e seu aluno Frans Boas eram importantes evolucionistas
em meados do século XIX (GUSMÃO, 1977).
E você? Está lembrado do conceito etnocêntrico? Caso
tenha esquecido, não se preocupe e faça uma revisão do capítulo
2 – “Etnocentrismo”.
No princípio do século XX, Frans Boas entra em oposição
com o seu mestre L. Morgan ao considerar a teoria de que cada
grupo tem sua história e cultura singular. Boas introduziu o
conceito de culturalismo no qual defendia a ideia de que não
existia somente uma cultura e sim,
“culturas” diferentes com hábitos, costumes e
valores individualizados. Ainda no mesmo século, a
Antropologia afirmava que “(...) a condição humana só
poderia ser pensada no interior da cultura (...). Cultura
como realidade múltipla, plural e diversa”. (GUSMÃO,
2008, p.60).
A cultura, portanto, se torna uma ferramenta essencial para
compreensão das condutas humanas. Por meio da cultura, o ser
humano se diferencia dos animais, define o seu papel na natureza
e ainda, utiliza de costumes, padrões, hábitos desenvolvidos pelo
próprio ser humanos como meios para dar sentido à vida.
178 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

ACESSE

Para saber mais sobre o que é cultura, assista ao vídeo


Cultura: O que é Cultura? Tylor, Malinowski, Franz Boas e
Lévi Strauss, disponível no link: https://www.youtube.com/
watch?v=v8HaLIrJxV0.

Nesse mesmo período, apesar da evolução na vertente de


conhecimento da Antropologia, na área educacional, os recursos
pedagógicos ainda seguiam os regulamentos de uma educação
marcada por um modelo único, na qual a escola estava inserida.
Diante disso, Boas iniciou também críticas aos sistemas
educativos e práticas pedagógicas das escolas americanas.
O antropólogo alegava que o sistema de ensino americano
não possibilitava independência e autonomia aos indivíduos
inseridos no seu contexto. A escola desconsiderava a pluralidade
da comunidade escolar, tinha como centro um aluno-modelo e
utilizava do autoritarismo para contenção do mesmo.

REFLITA

As instituições de ensino atuais reconhece a diversidade cultural


dos seus alunos?

Também em oposição ao conceito evolucionista, entre os


anos de 1920 e 1930 surge um novo conceito de origem inglesa,
o funcionalismo e tem como fundador o antropólogo Bronislaw
Malinowski.
Centrado na concepção de função e de sistema, o
funcionalismo compreende a sociedade de uma forma
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 179

integrada, em que o todo resulta de partes integradas, ao


mesmo tempo em que as partes contem em si o todo. Os
procedimentos de análise do social podem então, eleger a
parte e, por dedução, explicar a totalidade da vida social.
(GUSMÃO, 2008, p.62).
Assim sendo, o funcionalismo tem como pilar o estudo
de outras culturas. Malinowski por meio do trabalho de campo,
que consiste na observação, coleta de dados e interpretação dos
acontecimentos que acontecem dentro do contexto de cada grupo
pesquisado, identificou que as sociedades possuíam problemas
básicos semelhantes (como por exemplo, na alimentação e
na organização do grupo) e que cada sociedade encontrava
soluções diferentes para os mesmos problemas de sobrevivência
da humanidade. E que cada atitude que a sociedade faz em sua
cultura tem uma função, daí o nome de funcionalismo. Portanto,
as necessidades de um grupo ou sociedade e suas respostas
encontradas estão intimamente relacionadas com a sua cultura.

SAIBA MAIS

Para saber mais sobre as aventuras do Antropólogo Bronislaw


Malinowski e das suas descobertas com a pesquisa de campo leia
no livro de Everardo Rocha - “O que é etnocentrismo” o capítulo
“Voando Alto”.

Sobre o incentivo do funcionalismo, a Antropologia da


Educação ganha força ainda no interior dos sistemas coloniais
vigentes, entre os anos de 1920 e 1930. Nesse período histórico,
as culturas populares eram consideradas como obstáculos
à modernização da sociedade. Visando o desenvolvimento
da comunidade, a escola surge como tentativa de uma ordem
em mudança. Seria necessário que se instalasse uma cultura
significativa que tinha por objetivo impor “ordem” à civilização.
180 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Geralmente o sentido da “mudança” era baseado nos


objetivos do Estado que visava o progresso e a modernização
na sociedade urbana. A escola, nesse contexto de mudanças, do
mesmo modo que fundamentava a estrutura funcionalista, era
organizada em um sistema de ensino integrado por suas partes
que era constituída por: pais, alunos e funcionários. (GUSMÃO,
2008).
Note, portanto que apesar de já aceita a ideia da existência
de múltiplas culturas humanas, a escola, surge como uma
instituição que visava instaurar a ordem e mudança preconizando
a instauração de um modelo de cultura homogêneo, com vista
a garantir a modernização da sociedade e desconsiderando a
riqueza e pluralidade das culturas populares.
Em vista dos aspectos abordados acima, vale destacar
que a relação entre educação e antropologia é essencial para o
desenvolvimento da civilização humanas. As duas lidam com o
ensinar – conhecimento e aprender – novas culturas. No decorrer
dos anos, tanto a antropologia como a educação passaram por
muitas transformações. A antropologia ampliou a sua vertente
e atualmente. Visa entender a pluralidade humana e estudar
grupos sociais diferentes. A educação, inicialmente ainda
atrelada á época colonial, visava homogeneizar as culturas com o
objetivo de instaurar a ordem e modernização das comunidades.
Atualmente, a educação tem como desafio pedagógico absorver
e dialogar com as diferenças e diversidade social e cultural do
nosso povo. E então, caro aluno, será que a Escola moderna
conseguiu atingir este objetivo?
UNIDADE

04
182 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Concepções e Contribuições da Filosofia


da Educação

OBJETIVO

Já aprendemos que o filósofo alemão Immanuel Kant reflete que


“O homem é a única criatura que precisa ser educada” (KANT,
1996, p. 11). Afirma ainda que, ao contrário dos animais, os
humanos necessitam de cuidados para sobreviver, crescer e,
devido à nossa natureza racional, precisamos não apenas de
cuidados físicos, mas também emocionais e intelectuais. Esses
apontamentos sugerem que todo ser humano necessita de
educação para tornar-se humano, uma vez que nenhum sujeito
nasce “pronto”. Essa necessidade confere à nossa espécie uma
necessidade gregária, ou seja, dependemos definitivamente de
outros para nos tornarmos o que somos.

A Educação está vinculada a todos os registros humanos,


como o dos sentidos, das emoções, do conhecimento e até
mesmo do caráter. Ao mesmo tempo, temos as relações de uns
para com os outros e a relação para consigo mesmo. A análise
sobre as ideias que fundamentam teorias pedagógicas pode ser
uma das perspectivas do trabalho em Filosofia da Educação,
como também podemos elucidar as questões dos sujeitos como
construção cultural, social e histórica.
A Educação pode ser compreendida como uma atividade
que intenciona cumprir uma finalidade, tanto no sentido de
preservar/manter quanto de transformar/modificar a realidade
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 183

e a sociedade. Como toda área de conhecimento, à educação


são articulados pressupostos e conceitos que fundamentam e
orientam seus caminhos norteadores. Nesse sentido, como bem
nos informa Cipriano Luckesi, “não pode ser a prática educacional
que estabelece os seus fins. Quem o faz é a reflexão filosófica
sobre a educação dentro de uma sociedade” (LUCKESI, 1990,
p. 31). Enquanto a educação se envolve com o desenvolvimento
de jovens e adultos, a filosofia da educação trata da reflexão
sobre o quê e como devem ser ou desenvolver esses indivíduos.
Como vimos nas unidades anteriores, muitos filósofos do
Ocidente tiveram como tema de suas reflexões a educação. Os
chamados filósofos pré-socráticos, os sofistas, Sócrates, Platão
foram os intérpretes das aspirações de seus respectivos tempos,
apresentando-se como educadores. Séculos depois, na Idade
Moderna, Kant, Hegel, Descartes e Rousseau, por exemplo,
também refletiram o processo de adquirir conhecimento, o
desenvolvimento pessoal do sujeito e, cada um da sua forma,
as noções que representariam a educação. De certo modo, é
possível dizer que todos eles tiveram uma preocupação com
a definição de uma cosmovisão que deveria ser divulgada por
meio dos processos educacionais.
Filosofia e Educação são, portanto, dois fenômenos que
estão presentes em todas as sociedades: a primeira se dedica à
interpretação teórica das aspirações, desejos e anseios de uma
determinada sociedade, enquanto a segunda se responsabiliza
pela veiculação dessa interpretação.
184 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Figura 1: Filosofia e Educação

Fonte: @freepik

IMPORTANTE

A Filosofia fornece à educação uma reflexão sobre a sociedade


na qual está situada, sobre o educando, o educador, a ação
pedagógica e para onde esses elementos podem caminhar.
Faz parte desse cenário a reflexão sobre o que se faz em sala
de aula a fim de se realizar uma ação educativa consciente.
Logo, não há como se processar uma ação pedagógica sem
uma correspondente reflexão filosófica, no sentido de que esta
estabeleça pressupostos para ela.

Contudo, se a reflexão filosófica não for realizada


intencional e conscientemente, ela o será sob a forma do “senso
comum”, assimilada ao longo da convivência dentro de um
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 185

grupo. Se considerarmos que a ação pedagógica não se processa


a partir de conceitos e valores explícitos e conscientes, ela se
processará, queiramos ou não, baseada em conceitos e valores
que a sociedade propõe a partir de sua postura cultural. Nessa
mesma linha de pensamento, Luckesi adverte que:
Quando não se reflete sobre a educação, ela se
processa dentro de uma cultura cristalizada e
perenizada. Isso significa que nada mais há para
ser descoberto em termos de interpretação do
mundo (LUCKESI, 1990, p.32).
De forma inconsciente, muitos educadores - com ou
sem experiência - adaptam-se a essa interpretação do mundo,
a qual permanece como a única linha norteadora para eles. É
essencial para e na ação pedagógica, o ato de filosofar sobre ela,
questionando-a e buscando novos sentidos e interpretações de
acordo com as transformações pelas quais a sociedade passa.

REFLITA

Filosofia e educação estão intimamente articuladas no tempo e no


espaço, ou seja, no contexto histórico de cada sociedade e numa
determinada época. Você sabe distinguir quais são as principais
características do atual momento cultural, social, político e
econômico do nosso país e que refletem diretamente na ação
pedagógica? Para além destas quatro dimensões, ainda podemos
perceber a grande importância dos registros psicológicos,
antropológicos, religiosos e de saúde, que também interferem
na dinâmica nos processos educativos. Filosofar, hoje, pode
significar a análise questionadora dessa conjuntura, sem perder
a dimensão da pluralidade de respostas e elaborações reflexivas.
186 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

De certa forma, podemos afirmar que “Uma pedagogia”


inclui na sua práxis uma quantidade considerável de elementos
que ultrapassam os limites dos pressupostos de qualquer linha ou
corrente filosófica. Temos que incluir, obviamente, os processos
socioculturais e econômicos, a concepção psicológica do educando
e do educador, a forma de organização do processo educacional em
termos de políticas públicas, entre outros. Porém, esses elementos
compõem uma Pedagogia à medida que estão aglutinados e
articulados a partir de um pressuposto, de um direcionamento
filosófico. A reflexão filosófica sobre a educação é que fornece
uma orientação à pedagogia, garantindo-lhe a compreensão dos
valores que hoje direcionam a prática educacional.
Assim, não há como se ter uma proposta pedagógica sem
de fundamentos e proposições filosóficas, uma vez que tudo
depende desse direcionamento. Cabe, nesta análise, lembrar que
a Pedagogia Montessori, a Pedagogia Piagetiana, a Pedagogia
da Libertação, entre outras, sustentam-se em uma linha filosófica
sobre a educação. Muitas vezes, as proposições filosóficas estão
subjacentes, mas nem por isso são inexistentes.
Frequentemente a Filosofia da Educação é confundida
com as próprias noções e concepções pedagógicas. Esse fato,
conforme elucida Franklin e Pinheiro (2014), contribuiu para que
a própria Filosofia assumisse que essa tarefa estava mais próxima
de pedagogos que de filósofos. Contudo, essa compreensão
é errônea, pois desde a origem do pensamento filosófico
sistematizado, Filosofia e Educação estão intrinsicamente
ligadas. Tanto uma como outra forma de pensamento e ação
fazem parte da reflexão sobre os humanos e seu mundo. Essa
preocupação conjunta conduz a Filosofia para o centro da ação
pedagógica, transformando-se em Filosofia da Educação.
A educação precisa ser vista, enfim, como um exercício para
construir a realidade educacional, e não simplesmente como um
dos “fundamentos da educação” ou como uma reflexão acerca
das questões educacionais. Ademais, ele fala sobre as chances
de se recorrer a um exemplo que já representou transgressão no
passado e que, atualmente, é um mero clichê, como o uso do
termo caixa de ferramentas, por exemplo.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 187

Filosofia da Educação e Formação


Docente

OBJETIVO

De que forma o educador compreende a filosofia? A partir de


quais pressupostos teórico-filosóficos ele poderá nortear sua
prática pedagógica? Qual é a importância desse campo de saber
para a educação? Qual é o papel da Filosofia na formação do
educador? Essas questões são centrais para a Filosofia da
Educação e, a partir de suas respostas, podemos compreender
como ocorre na ação educativa a aplicação dos pressupostos
filosóficos.

A atitude filosófica emerge no momento que o educador


suscita a reflexão crítica sobre os problemas existentes. O ato
de ensinar exige que o educador acredite na mudança, devendo
escolher metodologias que proporcionem ao educando o
interesse e a curiosidade pelo conhecimento, formando os
educandos para atuar e intervir ativamente na realidade. O ponto
de partida para refletir sobre o processo de ensino-aprendizagem
no contexto educacional inclui a ideia de inacabamento do ser
que toma consciência dos seus atos e assimila a capacidade de
aprender, não apenas para se adaptar à realidade, mas com o
anseio de reconstruí-la.
Em relação à escola primária, o campo filosófico tornou-
se importante no processo educativo a partir da década de
1970 em função dos trabalhos de Matthew Lipman e Gareth
Matthew. Ambos atuavam no Institute of Philosophy for
188 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Children de Montclair State College e estavam preocupados


com as soluções para um sistema educacional que julgavam
ineficiente. Não só eles, mas outros grupos de professores,
argumentavam que era necessário uma reforma do ensino que
pudesse atender, especialmente as camadas da população que se
encontravam em desvantagem educacional.
Nessa direção, os autores mencionados defendiam a ideia
de que o grau de suscetibilidade dos estudantes está articulado
diretamente com aos danos causados pela ineficiência dos
processos educacionais. E o que isso pode significar? Podemos
afirmar que, num primeiro momento, não são as dificuldades
pontuais dos alunos que devem ser o foco da busca por
remediações, mas sim uma nova forma do professor conceber e
conduzir as ações educativas.

REFLITA

Se partimos do princípio que todos os indivíduos, sejam crianças,


adolescentes ou adultos, buscam significados que possam
conferir sentidos às suas experiências de vida, em que medida
a escola fornece isso a eles? Muitas informações e poucos
significados?

A referência da qual parte Lipman é Dewey, que em 1916


já havia alertado para a íntima associação entre Filosofia e
Educação. Lipman analisa as expectativas de pais e crianças com
respeito à escola, e quase todas são frustradas. Uma das formas
de se compreender essa situação é perceber que os adultos tem
muita dificuldade de ouvir as demandas por significados das
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 189

crianças e adolescentes, uma vez que estes, por seu turno, tem
dificuldades argumentativas de expressar-se diante dos adultos.
Segundo Lipman, as crianças acreditam em nossas palavras
e têm pouca autoconfiança para questionarmos. Quando
elas protestam (mais através do que não conseguem fazer do
que pelo que fazem ou dizem), alegam não serem capazes de
perceber os significados do que ensinamos (LIPMAN; SHARP;
OSCANYAN, 1997, p. 23).
A fim de contornar essa situação, pais e educadores utilizam
o argumento da autoridade para se esquivar da responsabilidade
de educar com significados. Ora, educar com significados não
está articulado com o método originário da Filosofia?
“A ênfase ao termo descobrir não é por acaso. A informação
pode ser transmitida, as doutrinas podem ser incutidas, os
sentimentos podem ser compartilhados, mas os significados têm de
ser descobertos (LIPMAN; SHARP; OSCANYAN, 1997, p. 23).
É de extrema importância desenvolver uma metodologia de
ensino que possa conduzir as crianças à descoberta dos significados,
pois não é possível simplesmente “dar” significados para os
outros. As crianças se frustram e não conseguem compreender
a importância do que está sendo ensinado justamente porque a
escola fundamenta-se em “dar” conhecimento compartimentado
em disciplinas, cujas especificidades não são articuladas ao todo
e, principalmente, às suas vivências. Vejamos o que Lipman diz
a respeito:
Assim como todo mundo, as crianças anseiam por uma
vida repleta de experiências ricas e significativas. Elas
não querem simplesmente ter e compartilhar, mas ter e
compartilhar de modo significativo, não simplesmente
gostar e amar, mas sim gostar e amar significativamente;
as crianças querem aprender mais significativamente.
(LIPMAN; SHARP; OSCANYAN, 1997, p. 25)
190 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Aliado a isso, Lipman chama atenção para o papel de


mediação do professor na prática educativa:
Qualquer criatura viva passa por um processo de
crescimento, mas a ampliação da capacidade de
crescer é algo só pode ocorrer sob a influência de
um professor cuidadoso, interessado e que sabe o
que faz. (LIPMAN, 1998, p. 96)
Uma das ações solicitadas aos professores é de reconhecer
e lidar com as capacidades e os estilos de pensar de seus alunos,
incentivando tanto a criatividade quanto o rigor intelectual. Ao
ensinar, o professor deve estar preparado para alimentar uma
profusão de estilos de pensar e ao mesmo tempo insistir em que o
pensamento de cada um seja tão claro, coerente e compreensivo
quanto possível, desde que o conteúdo do pensamento não fique
comprometido. (LIPMAN, 1998, p. 127).
A contribuição do professor é ajudar a expressar a
individualidade de sua experiência e a originalidade de seu
ponto de vista. É nesse intenso processo de conviver com formas
de pensar e se comunicar diferentes que as crianças aprendem
umas com as outras.
Cada criança é um indivíduo e, ao mesmo tempo, faz
parte da comunidade. Esses dois fatos são indissociáveis. Como
indivíduo, a criança é única e pode desenvolver suas capacidades
específicas de acordo com o papel que desempenha no grupo.
Sua especialidade individual se revelará na diferença que faz no
grupo, e cada diferença deve fazer uma diferença. (LIPMAN,
1998, p. 210)
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 191

Figura 2: A criança

A criança é única
e pode desenvolver suas
capacidades específicas
de acordo com o papel que
desempenha no grupo.

Fonte: @freepik

A ação investigativa pode ser ampliada no âmbito


escolar transformando-se numa prática para todas as áreas de
conhecimento. Nesta prática pode ser desenvolvido o pensar
matemático, pensar artístico, pensar histórico, pensar científico,
pensar religioso, entre outros. Além disso, estas formas de
pensar se entrecruzam proporcionando um intenso processo
inter e multidisciplinar. Por que não tentar?
192 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Filosofia da Educação e Educação


Brasileira

OBJETIVO

Em relação ao tema “Filosofia da Educação e educação


brasileira”, pretendemos abordar o pensamento de alguns autores,
e os temas mais trabalhados que influenciaram a formação de
professores brasileiros nas últimas décadas do século XX. Neste
momento, é importante estarmos informados, sobre quais foram
as matrizes filosóficas, que mais influenciaram a formação de
professores no Brasil, bem como a influência das metodologias
e procedimentos de ensino que foram sendo implementados no
país no final do século passado.

A obra Filosofia da Educação, de Cônego Ângelo A. de


Siqueira reflete a educação brasileira na primeira metade do
Séc. XX. Publicada em 1948, a obra tem o intuito de debater
seguintes temas: Educação física, a Constituição Brasileira de
1946 e a Pedagogia Comunista. E qual seria, fundamentalmente,
a concepção filosófica de educação de Siqueira? Para ele, a
educação está diretamente associada à filosofia cristã católica,
em especial, às ideias de São Tomás de Aquino. Atribui à
educação o papel de formar a mente humana de acordo com os
valores religiosos e sua intelectualidade, pautada num raciocínio
científico aristotélico. O autor explica também como seria
a relação dos professores com seus alunos: o educando é um
sujeito ativo, isto é, seguindo uma concepção filosófica tomista,
o professor deve intervir pouco e nos momentos certos, e que o
aluno é o responsável por construir seu pensamento.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 193

Dessa forma, a atuação dos professores era respaldada


pelo princípio de ativismo do educando, Isso quer dizer que seu
papel era de conduzir e orientar os estudos de seus educandos,
não cabendo ao mestre transferir todo o seu conhecimento a ele.
Porém, essa conduta não retira da figura do mestre sua autoridade
perante o aluno.
Intitulada Filosofia da educação, a obra dos americanos
John Redden e Francis Ryan, foi aceita e publicada no Brasil
em 1964. Tal como Siqueira, os autores tiveram como objetivo
apresentar a filosofia da educação baseada na filosofia católica.
O livro intenciona alcançar esse objetivo por meio da exposição
dos princípios da educação segundo a filosofia escolástica, a qual
serve de parâmetro para “apreciação crítica de falsas filosofias
da educação”. (REDDEN e RIAN, 1964, p. 7). Além disso,
por meio da obra, defendem uma educação católica afirmando
que esta [...] leva em conta o ‘homem integral’, porque nela se
compreende o desenvolvimento e a disciplina de todas [sic] as
potencialidades do corpo e da alma e, por isso, é essencialmente
religiosa, moral, liberal, cultural e universal. (REDDEN e RIAN,
1964, p. 7).
Desviando-se da pretensão de articular a filosofia da
educação com a religião católica, um marco importante para
a Filosofia da Educação brasileira foi a presença de Dermeval
Saviani, com a publicação do livro Educação: do Senso Comum
à Consciência Filosófica, em 1996.
O autor estabelece os sentidos e as intenções da Filosofia
da Educação, sendo que o ponto de partida refere-se ao
“problema” e à “reflexão”, ambos colocados no centro da
atividade filosófica. Suas preocupações voltam-se à “noção de
problema”, “os usos da palavra problema”, a “necessidade de
se recuperar a problematicidade do “Problema”, a “noção de
reflexão” e “as exigências da reflexão filosófica”. As principais
conclusões que Saviani desenvolve a partir desses temas incide
194 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

no que ele denomina Esquematização da dialética “ação-


problema-reflexão-ação” (1996).
Na tentativa de definir ou de discutir o papel da filosofia
da educação e da história da educação no Brasil, Saviani diz
que a Filosofia da Educação só poderá prestar um serviço à
formação dos educadores na medida em que contribuir para que
estes adotem esta postura reflexiva para com a problemática
educacional.
Se, ao contrário, nós, enquanto educadores, nos
limitarmos a tomar conhecimento de determinados
resultados a que se chegou a partir de determinadas
reflexões, então não estaremos desenvolvendo a
reflexão filosófica propriamente dita. (SAVIANI,
1996, p. 29).
Por conseguinte, Saviani publicou um importante artigo
na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, qual seja: “A
filosofia da educação no Brasil e sua veiculação pela revista
brasileira de estudos pedagógicos” (1984). Neste artigo, o autor
analisa a periodização das principais concepções de filosofia da
educação no Brasil. Até 1944, a educação recebeu influência
das seguintes correntes: primeiro foi fundada no espírito do
Tomismo-Aristotélico, que trazia como modelo fundamental a
Ratio Studiorum.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 195

DEFINIÇÃO

Ratio Studiorum
O Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Iesu (Plano e
Organização de Estudos da Companhia de Jesus), normalmente
abreviada como Ratio Studiorum, é uma espécie de coletânea
fundamentada em experiências vivenciadas no Colégio Romano,
a que foram adicionadas observações pedagógicas de diversos
outros colégios, cujo objetivo era instruir rapidamente todo o
jesuíta docente sobre a natureza, a extensão e as obrigações
do seu cargo. O Ratio surgiu com a necessidade de unificar o
procedimento pedagógico dos jesuítas diante da explosão do
número de colégios confiados à Companhia de Jesus como base
de uma expansão em sua totalidade missionária. Constituiu-se
numa sistematização da pedagogia jesuítica contendo 467 regras
cobrindo todas as atividades dos agentes diretamente ligados ao
ensino e recomendava que o professor nunca se afastasse do
estilo filosófico de Aristóteles, e da teologia de Santo Tomás de
Aquino. Fonte: https://bit.ly/3nzI27t
Esta orientação pedagógica deteve o monopólio do ensino no
Brasil durante aproximadamente dois séculos. É justamente o
tomismo que se encontra nos fundamentos da Ratio Studiorum
a que limitava, na regra no 35, os livros de estudo à summa
theologica de Santo Tomás de Aquino e à obra de Aristóteles.
(SAVIANI, 1984, p. 274)

Ainda no início do século XX, houve também a influência


da vertente liberal, que promoveu mudanças em relação à vertente
religiosa. Na década de 1930, os ideais do escolanovismo, por
196 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

meio do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, fizeram


oposição ao grupo dos católicos. Além disso, a aprovação da
Constituição de 1934 revelou um equilíbrio de forças entre os
católicos e os pioneiros no âmbito educacional. À resistência dos
católicos correspondeu um progressivo avanço dos pioneiros que
já no início da década de 1930 ocupavam os principais postos da
burocracia educacional. (SAVIANI, 1984, p. 276).
Quanto à concepção, ou às concepções de filosofia da
educação brasileira, o autor demonstra que o momento da Ratio
é o que foi classificado de “Concepção Humanista Tradicional
na sua vertente religiosa”. Enquanto o momento da educação,
no início da república, é classificado de “Concepção Humanista
Tradicional na sua vertente leiga”. Saviani coloca, ainda, que
a “Concepção Humanista Moderna” ganha impulso a partir de
1924, sendo que, após 1945, é que esta concepção se delineia
predominante. (SAVIANI, 1984, p. 275).
Após o ano de 1944 houve o predomínio da Concepção
Humanista Moderna, que tem uma visão de homem centrada
na existência, na vida, na atividade. Se na visão tradicional a
educação se centrava no adulto (no educador), no intelecto, no
conhecimento, na visão moderna o eixo do processo educativo
se desloca para a criança (o educando), a vida, a atividade
(SAVIANI, 1984, p. 276). A tendência educacional Humanista
Moderna entrou em crise entre 1960 e 1968, período em que se
articulou a tendência tecnicista.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 197

RESUMINDO

Dermeval Saviani (1984), ao analisar a Filosofia da Educação


na RBEP, utiliza como critério a vinculação dos artigos por ela
publicados com as correntes educacionais brasileiras. Ele baseia-
se numa periodização provisória dessas correntes educacionais
constante de artigo publicado no ano anterior, assim: de 1945 a
1960, concepção humanista moderna; de 1960 a 1969, articulação
entre a concepção humanista moderna e a tecnicista; de 1969 em
diante, em que domina a concepção tecnicista e as manifestações
da filosofia analítica. Segundo a sua análise, até o ano de 1962
são publicados exclusivamente artigos com enfoque humanista
moderno (Escola Nova) e, a partir dessa data, também artigos
com a visão tecnicista.

Outro importante autor que se debruçou sobre a Filosofia


da Educação no Brasil é Moacir Gadotti. Seu livro publicado
em 1987, Pensamento Pedagógico Brasileiro, faz apontamentos
sobre a teoria da dependência, a teoria da Modernização e
coloca a pedagogia progressista como fundamento de sua
perspectiva. Para ele, a educação brasileira tem influência
por duas concepções, e que vive numa encruzilhada entre a
educação de cunho “liberal conservador e uma concepção
democrática e popular que nasce do movimento de organização
e de conscientização (...)”. (GADOTTI, 1987, p. 139)
O artigo chamado Ideias diretrizes para uma Filosofia
da Educação, publicado em 1979 na revista Reflexão, Gadotti
discute a situação da educação e da pedagogia naquele período.
Para ele, a educação deve apresentar um desafio para a filosofia,
198 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

o que denota de uma perspectiva de pensar a filosofia da educação


pela práxis da ação educativa. Segundo suas palavras:
[...] a Filosofia da Educação não poderá tornar-se
uma especialidade qualquer com seus “mestres”
e seus “peritos”: ao meu ver, ela deve ser uma
preocupação que concerne finalmente a todos os
parceiros, todos os atores da educação. Promover
uma filosofia da educação não significa dar o poder
aos filósofos (em nome de uma doutrina ou de
uma sabedoria dos quais eles seriam os guardiães,
e teriam o monopólio), de decidir, do alto e pelos
outros, o que a educação deveria ser, separando os
que pensam daqueles que executam, o pensar, do
trabalho. A filosofia da educação dever contribuir
para indicar possíveis caminhos, para esclarecer,
para suscitar o espírito de responsabilidade, de
lucidez, de participação na solução dos problemas
educacionais que são os nossos, os problemas do
nosso tempo. (GADOTTI, 1979, p. 10)
Antônio Joaquim Severino, outro autor que se destaca
devido às suas preocupações com a Filosofia da Educação, entre
vária publicações, lançou em 1993 o livro Paradigmas filosóficos
e conhecimento da Educação: limites do atual discurso filosófico
no Brasil na abordagem da temática educacional. Seu objetivo é
inserir a questão da presença das dimensões política e educacional
no discurso filosófico que vem constituindo o tecido da reflexão
sistemática da filosofia entre nós. (SEVERINO, 1993, p. 132)
O trabalho de Severino procura evidenciar as concepções
que marcaram nossa cultura filosófica: a tradição metafísica
clássica, a tradição positivista, a tradição subjetivista e a tradição
dialética. Diz, ainda, que a reflexão filosófica atual no Brasil
vem ensaiando alguns voos de autonomia sem se desvincular
das grandes tradições e tendências da filosofia ocidental.
(SEVERINO, 1993, p. 133). Resultado de uma pesquisa que
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 199

o autor realizou entre os professores de filosofia e filosofia de


educação, explicita as “inspirações que marcam o pensamento
filosófico atual no Brasil”. Para Severino,
É assim que se pode constatar que em nossa cultura
filosófica atual se faz presente, ainda que numa
condição de resistência, a tradição metafísica
clássica, com sua perspectiva essencialista
de compreender a realidade. Manifesta-se
fundamentalmente nas expressões teóricas do
neotomismo. Mas também tem forte presença entre
nós, numa perspectiva de crescente consolidação,
a tradição positivista, que se expressa nas correntes
e vertentes neopositivistas e transpositivistas,
mantendo, e até certo ponto ainda consolidado, as
posturas cientificistas; por outro lado, a tradição
subjetivista se faz presente através das tendências
e correntes vinculadas aos neo-humanismos,
à fenomenologia, à arqueogenealogia e ao
culturalismo. Por fim, também vem adquirindo
uma consistente expressão filosófica a tradição
dialética, representada por correntes vinculadas
às diversas vertentes do marxismo e, de modo
especial, à dialética negativa fundada na teoria
crítica frankfurtiana. (SEVERINO, 1993, p. 134).
Severino deu continuidade em suas reflexões na obra A
filosofia contemporânea no Brasil: conhecimento, política e
educação (1999), propondo um levantamento sobre a prática da
filosofia no atual momento cultural brasileiro, buscando perceber
as tendências, os temas e as abordagens que esse discurso
filosófico vem assumindo. Nesse texto Severino aponta dados
sobre a formação do pensamento filosófico brasileiro, falando
da ligação entre a filosofia, a educação e a política como pontos
para a construção de um projeto civilizatório.
200 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Quando se busca entender as atitudes fundamentais que


delineiam os estilos específicos do filosofar brasileiro, duas
constatações chamam logo a atenção. A primeira constitui uma
verdadeira tradição: a grande maioria dos nossos pensadores
desenvolve seu esforço teórico deixando-se guiar por algum
modelo filosófico já constituído. (SEVERINO, 1999, 24)
A filosofia entre nós nem sempre revela uma preocupação
em se posicionar explicitamente quanto ao sentido da tarefa do
filosofar, aponta o autor. “(...) Esta ausência de conceituação
expressa parece vincular-se à primeira constatação, decorrendo
do fato de que ao se colocar na linha e ritmo de um modelo
já constituído de filosofia, ele está assumindo simultaneamente
três elementos: uma temática, uma teoria do filosofar e uma
metodologia de reflexão. Filosofar parece, então, ser assumido
como preceder de modo igual ao dos representantes mais
significativos do modelo seguido” (SEVERINO, 1999, p. 25).
No último capítulo, o autor trata da Filosofia da Educação como
uma “dimensão política e educacional no discurso filosófico”.
Este último capítulo trata do mesmo texto, com alguns ajustes,
que anunciamos acima com data de 1993.
O que é Filosofia da Educação, livro publicado em 1999,
sob a coordenação de Paulo Guiraldelli Jr., é uma coletânea
de vários artigos: sendo quatro de autores estrangeiros e seis de
brasileiros. Os textos estão assim colocados: “O que é filosofia
da educação” – uma discussão metafilosófica: Do advento dos
tempos modernos à reconstrução da Filosofia da Educação pelo
Neopragmatismo nos tempos contemporâneos, escrito por Paulo
Guiraldelli Jr. Segundo o próprio autor, o texto tenta responder
à pergunta “o que é Filosofia da Educação”; este texto divide-se
em seis partes:
 O chamado pensamento moderno e a filosofia moderna,
de base iluminista e romântica, nos quadros do humanismo.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 201

 Crítica à filosofia da consciência ou filosofia do sujeito,


o núcleo central, metafísico-epistemológico, do pensamento
humanista e da filosofia da educação moderna.
 Exposição sobre o que alguns pensadores e algumas
correntes reservaram à filosofia da educação nos tempos
contemporâneos.
 Impasses da filosofia social e política da educação,
ainda comprometida com o pensamento moderno e, portanto,
sujeita às críticas desenvolvidas contra a filosofia da consciência
e/ou filosofia do sujeito.
 O projeto neopragmatista.
 Avaliação das responsabilidades de uma filosofia da
educação neopragmatista, incluindo uma definição a respeito da
filosofia da educação. (GUIRALDELLI, 1999, p. 7).
Outra produção, Filosofia da Educação, editado pela
DP&A, em 2000, de Paulo GUIRALDELLI Jr, faz parte da
coleção “o que você precisa saber sobre”. Segundo o autor, o
livro trata dos debates internos à filosofia da educação moderna,
destacando J. F. Herbart, Jonh Dewey, Émile Durkheim e Paulo
Freire. Também disserta sobre o que acontece com a filosofia da
educação em uma situação pós-moderna. Explica com detalhes
e de forma didática as alterações nas teorias de verdade das
filosofias, o nascimento de posturas minimalistas no campo das
teorias de verdade e a ligação disso tudo com novas perspectivas
na filosofia da educação. Destaca então a transição do moderno
para o pós-moderno, enfatizando a colaboração dos filósofos
atuais como Willard V. Quine, Donald Davidson e Richard
Rorty. (GUIRALDELLI JÚNIOR, 2000).
202 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Filosofia da Educação,
Contemporaneidade e Subjetividade

OBJETIVO

O período que compreende a Filosofia Contemporânea é de


meados do século XX até os dias atuais. Nos anos de 1990,
com o enfraquecimento da teoria marxista, os pensamentos dos
filósofos pós-estruturalistas como Michel Foucault, Jacques
Derrida, Giles Deleuze, Felix Guattari, Jean Baudrillard,
Judith Butler, Luce Irigaray, Julia Kristeva, Hèlene Cixous e
Jean-François Lyotard são verdadeiramente importantes para
a Filosofia da Educação, especialmente no que se refere ao
tratamento que eles fornecem aos problemas contemporâneos.
Além da corrente francesa pós-estruturalista, ainda temos outros
filósofos que conquistaram grande visibilidade, tais como:
Frantz Fanon, Thomas Kuhn, Jugen Habermas, Richard Rorty,
Edward Said, Henry Odera Oruka, Peter Singer e Slavoj Zizek.

Os temas tratados por grande parte desses filósofos


correspondem às questões próprias do século XX e início do século
XXI. Temas nunca antes tratados como o multiculturalismo, o
feminismo, seres sencientes, a sexualidade e a homossexualidade,
por exemplo, foram inseridas no pensamento filosófico
ocidental, bem como os assuntos referentes às questões raciais
e étnicas. Do pós-modernismo, adquiriram-se os diversos tipos
de relativismo, como o psicológico, epistemológico, cultural,
entre outros. Vale ressaltar, contudo, que essas duas correntes
intelectuais – o pós-modernismo e o pós-estruturalismo – não
são delimitadas por diferenciações rigorosas no que diz respeito
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 203

às teorias educacionais, por isso é comum que as duas sejam


enquadradas como pós-modernistas (PORTO, 2006).
Conforme nosso atual contexto sócio-histórico, o que
compreendemos como educação na contemporaneidade revela
os limites dos modelos ético-políticos das tradições racionalista
e metafísica da modernidade. A educação começa a perpassar
por um âmbito antropológico e psicológico, além naturalmente
das dimensões éticas e políticas.
Um dos temas problematizados pela filosofia
contemporânea é a questão da “verdade”. “Como ocorre
que o sujeito humano se torne ele próprio um objeto de saber
possível; por meio de que formas de racionalidade, de que
condições históricas e, finalmente, a que preço?”, questionou
Michel Foucault (2013, p. 334) em uma entrevista concedida
ao filósofo Gérard Raulet, publicada em 1983, na revista Telos.
Iniciar essa seção por meio do questionamento de Foucault – por
uma pergunta que é, antes de tudo, genealógica sobre os modos
como as verdades determinam, em maior ou menor grau, o que
somos e o que podemos ser em um determinado contexto – nos
permite trazer uma questão cada vez mais urgente e necessária: a
necessidade de assumirmos uma postura problematizadora diante
dos modos como nos constituímos como sujeitos inscritos nas
políticas da verdade, sobretudo em suas dimensões ontológicas e
epistemológicas. No tocante ao campo epistemológico, Foucault
(2010) evidenciou como, a partir da modernidade, a relação
do sujeito com a verdade se efetiva, muito singularmente,
intermediada pela razão e pelo conhecimento. Para o autor, é a
partir deles e de sua complementaridade irrenunciável, que as
condições de acesso do sujeito à verdade podem ser definidas.
Foucault (2014, p. 185) destaca,com base em Nietzsche, que, de
fato, somos até hoje herdeiros dessa inextricável relação a partir
da qual o que entendemos como conhecimento (na qualidade
de produção de um sujeito cognoscente) se torna sinônimo de
verdade.
204 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Qual a importância disso para as questões aqui discutidas e


para a Filosofia da Educação? É no jogo do verdadeiro e do falso,
em que o conhecimento ocupa lugar ímpar para a consolidação
de um dado saber como verdade, que a dimensão ontológica
da política da verdade emerge e atua na produção de sujeitos.
Afirmar sobre o modo como a verdade atua ontologicamente
implica entender o quanto ela se faz próxima, nos mínimos
gestos, daquilo que somos (ou devemos ser) enquanto sujeitos.
Entendida como forma também de poder, a verdade “aplica-
se à vida cotidiana imediata que categoriza o indivíduo, marca-o
com sua própria individualidade, liga-o à sua própria identidade,
impõe-lhe uma lei de verdade que devemos reconhecer e que os
outros têm de reconhecer nele” (FOUCAULT, 2010a, p. 278).
Logo, entendemos que a verdade pode, no sentido da sujeição,
estabelecer relações de reconhecibilidade em que os marcos
normativos de uma ontologia do sujeito, instituídos pelas redes
de saber-poder, determinam o que é permitido ou proibido ao
indivíduo:
Em Foucault, parece, há um preço por se dizer
a verdade sobre si mesmo, precisamente porque
o que constitui a verdade será enquadrado por
normas e modos específicos de racionalidade que
emergem historicamente e são, nesse sentido,
contingentes. Na medida em que dizemos a
verdade, conformamo-nos a um critério de
verdade e aceitamos esse critério como o que
nos vincula a nós mesmos. [...] Portanto, dizer a
verdade sobre si mesmo vem com um preço e o
preço é a suspensão de uma relação crítica com
o regime de verdade em que se vive. (BUTLER,
2005, p. 121-122)
O que Butler nos indica, baseada em Foucault, é que não
somos meros efeitos dos regimes de verdade; antes disso, os
atos de verdade a que somos convocados em nossa cultura nos
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 205

constituem (e, de modo paralelo, são por nós constituídos) a certo


preço como sujeitos, e isso de modo historicamente contingente.
Quando a autora afirma que esse preço implica a suspensão
de uma relação crítica com um regime de verdade, ela mostra o
quanto a adesão a ele implica uma negação de sua historicidade.
Ou seja, Butler destaca que a edificação de certo conhecimento
tido como a verdade pressupõe, em algum sentido, exorcizá-lo
de sua historicidade, pressupondo-o como ahistórico. Como,
então, se efetiva a resistência a um tipo de poder que não exige
somente a obediência, mas que nos convoca a atos de verdade
que correspondem à manifestação constante daquilo que se é –
a atos de verdades que dizem respeito aos nossos desejos? É,
pois, no conceito de crítica foucaultiano, que se encontra uma
possibilidade de pensar em formas de resistência aos modos
de sujeição às verdades. A crítica, concebida como uma atitude
diante do mundo, nos coloca diante de uma questão tão direta
como complexa: como não ser governado pelas verdades
hegemônicas de nosso tempo?
Para Foucault, enquanto atividade questionadora dos
modos como somos governados por certas verdades, a crítica
diz respeito a uma atitude diante do mundo, um modo de
transformação e mesmo de criação do pensamento:
Fazer a crítica é tornar difícil os gestos mais
simples. Nessas condições, a crítica (e a crítica
radical) é absolutamente indispensável para a
transformação, pois uma transformação que
ficasse no mesmo modo de pensamento, uma
transformação que só fosse uma certa maneira de
melhor ajustar o mesmo pensamento à realidade
das coisas, não passaria de uma transformação
superficial. Em compensação, a partir do momento
que começamos a não mais poder pensar nas coisas
como nelas pensamos, a transformação torna-se,
ao mesmo tempo, muito urgente, muito difícil e
206 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

absolutamente possível. (FOUCAULT, 2013b, p.


356-357).

IMPORTANTE

A crítica é uma forma de colocar em movimento uma


transformação do pensamento, como um trabalho de constante
questionamento do que somos e do que podemos ser. De algum
modo, a crítica diz do ato de fraturar as verdades das quais
somos sujeitos. Portanto, ela é um exercício que pode deslocar
o pensamento da ordem da sujeição, inscrevendo-o, mesmo que
de forma provisória, como possibilidade de resistência e de luta
às formas instituídas pelas quais nos fazemos sujeitos em nossa
cultura.

Outro filósofo da corrente pós-estruturalista que escolhemos


destacar nessa unidade dedicada à Filosofia Contemporânea
é o francês Gilles Deleuze (1925-1995). Deleuze, na década
de 1960 e início da década de 1970, realizou ensaios sobre o
estruturalismo, tendo a intenção de fazer modificações e levá-
lo a radicalidade. No texto chamado Diferença e Repetição, ele
reflete sobre o quanto que o estruturalismo poderia se tornar
radical, vindo a ser, portanto, o pós-estruturalismo. Ao mesmo
tempo, ele tem uma visão do pensamento de que os conceitos
podem se modificar, resistindo à ideia de fixidez ou, em outras
palavras, aos conceitos identitários. Aliás, o rígido para ele é
sempre sinal de repetição e que não favorece os signos da
diferença (os simulacros). Por isso, uma das questões centrais
para entendermos sua filosofia refere-se ao tratamento da
diferença no interior das repetições a fim de se evitar a repetição
e a rigidez.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 207

DEFINIÇÃO

Simulacro
O conceito de simulacro tenta dizer que um signo não é uma
relação entre identidades, mas uma sensação individual ligada a
um movimento dentro de várias identidades e com variações dentro
das estruturas. O simulacro deve ser pensado em termos de todos
os processos que ele une. Só que isso não significa que podemos
sintetizar uma representação total do simulacro. Ainda em relação
aos simulacros, para Deleuze, Derrida e Foucault, não há nenhuma
origem, ou um pensamento fundante, apenas uma cadeia de
simulacros interconectados. Nada existe fora dessas cadeias.

Mas o que Deleuze entende por estruturalismo? Surpreen-


dentemente, para ele a estrutura não se define como um simples
modelo teórico de uma coisa estruturada. Não é simplesmen-
te uma representação das coisas. Pelo contrário, ela é definida
como uma condição necessária para a transformação e uma parte
viva das coisas. Pós-estruturalismo, para ele, é a percepção de
que a estrutura pode ser vista como o limite do conhecimento de
qualquer coisa. E esse limite é a condição para possíveis trans-
formações.
Então, em relação ao estruturalismo e ao pós-
estruturalismo, podemos chegar à seguinte conclusão: ambos
não podem ser entendidos de maneira oposicional. Eles
se relacionam. O pós-estruturalismo deve ser visto com a
transformação do estruturalismo. Temos que ir para além dos
conceitos de representação e identidades fixas e imutáveis. As
respostas que ele dá são em termos de características formais,
208 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

e não de definições essenciais. Deleuze explica como as coisas


funcionam, e não como elas são.
Estruturalismo e pós-estruturalismo trabalham com
relações e mudanças que acontecem no interior de diferentes
sociedades. Ambos operam com as condições relacionais para
entender o aparecimento de situações, que podem ser referidas na
linguagem, como também sentidas. Deleuze traz o estruturalismo
a um compromisso com a rede de conexões e podemos dizer
que isso é uma característica de sua filosofia. Para ele, é
incoerente uma verdade final ou o conhecimento completo
e absoluto sobre um conteúdo particularmente. Há sempre
mais combinações possíveis além daquelas referidas numa dada
situação. E, talvez o mais importante aqui para os educadores,
é perceber que os signos são múltiplos, são estruturas móveis
de relações aos invés de pares binários, sempre em oposição e
imutáveis. Enfim, Deleuze propõe a abertura para entendermos
os fenômenos da vida desde que haja oposição a uma única
determinação causal.

RESUMINDO

Em se tratando das relações estruturais, há uma determinação/


relação recíproca de uma estrutura pela outra. Uma relação
numa estrutura não tem nenhum sentido independente. É uma
via de mão dupla. Todas as coisas estão conectadas e não há
nada transcendente ou que está num nível superior, causando a
realidade. Deleuze, então, privilegia a multiplicidade de relações
sobre seus elementos ou sobre suas relações individuais. A
importância disso está no fato de que não compreendemos as
situações e os fenômenos de uma maneira completa se não dermos
conta das possíveis estruturas que são correlatas.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 209

Se o pós-estruturalismo se opõe a verdades fundantes, este


posicionamento requer uma maneira diferente de formularmos
perguntas e respostas. Aqui ele foca numa faceta muito
importante do pós-estruturalismo, abordando a importância
do conceito do problema, ao lado do conceito da questão. Na
verdade, Deleuze privilegia os problemas mais que as questões.
Os problemas são inacabados, contínuos e se inter-relacionam.
Já as questões, são limitadas pelas respostas. Nesse sentido o
autor dá exemplos de perguntas que devem ser evitadas em
função de questões particularmente mais complexas. Enfim,
para Deleuze, um problema é determinado pelo modo no qual
diferentes estruturas se encontram e se chocam. Exemplo disso
é o choque de culturas que, na perspectiva pós-estruturalista, tal
choque acaba definindo elas mesmas.
Por conseguinte, a pretensão do sujeito como um “ser
fundamento da verdade” (no conhecimento) ou não ação (pelo
livre arbítrio) é ilusória. O sujeito perde sua estabilidade em
razão da sua relação com lugares vazios de indeterminação e
com eventos que fogem à sua compreensão. Sempre há algo que
não podemos dar conta ou compreender. Só que Deleuze não
se opõe ao sujeito. Suas observações sobre ele não têm nada
a ver com a ideia de sua eliminação (fim do sujeito) ou com a
ideia de que podemos ultrapassá-lo. O seu sujeito, portanto, não
é fixo e não tem uma identidade única, pois ele é, conforme suas
palavras, “móvel, nômade e singular”.
210 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

REFLITA

O que é interessante pensar aqui é justamente sobre o lugar


das diferenças entre os indivíduos. Essas diferenças exigem,
então, uma nova política e ética, uma vez que nos levam a ir
além das noções acerca de normas e valores intersubjetivos
compartilhados. Ou seja, nos forçam a ir além das verdades
significativas em comum e dos determinismos pré-estabelecidos.

Por fim, para Deleuze não há propriamente uma forma


verdadeira de pensamento externo, pois não há fundamento
no qual ela pudesse se apoiar. Por isso o pós-estruturalismo é
antifundacional e aberto a um modo construtivo do pensamento.
As cadeias de pensamento começam com encontros ao acaso e
por isso o pensamento é uma relação com algo inesperado. Isso
implica que ele deve ser uma prática criativa ao invés de um
corpo fechado e definido de conhecimento.

Produção de Subjetividades
Com muita frequência vê-se a transformação do homem
naquilo que ele precisa se tornar como uma responsabilidade
da educação, ou da psicologia, no entanto, nem todos os
teóricos concordam com essa visão. Contudo, a Filosofia da
Educação na contemporaneidade precisa enfrentar justamente
esse problema, quando se faz a relação entre a educação e o
projeto antropológico. Pensar a constituição e a experiência da
subjetividade na prática educativa é o maior desafio.
O debate acerca do que se convencionou nomear
amplamente de “subjetividade” vem de longe. Os esforços
para enfrentar o desafio da compreensão da “vida subjetiva”,
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 211

estabeleceram-se desde sempre no contraponto com a “vida


objetiva”, explicitando duas dimensões fundamentais da
condição humana: a objetividade – externa, material, coletiva,
prática - e a subjetividade - interna, afetiva, espiritual, individual,
emocional. Esses esforços podem ser apreendidos em boa parte
da discussão acerca da relação entre indivíduo e sociedade, que
sempre ressoou a relação entre a subjetividade e a objetividade.
Pode-se ponderar que não existem mais dúvidas a esse
respeito no campo das ciências filosóficas, historiográficas
e práticas sociais. Afinal, ninguém discordaria de um autor
(filósofo, historiador, sociólogo, antropólogo, educador, entre
outros) que postulasse as seguintes observações:
Que a relação entre indivíduo e sociedade implica a
consideração da subjetividade e da objetividade na perspectiva
da constituição recíproca de um e de outro. Este seria o campo
da intersubjetividade.
1. Que a determinação social da vida subjetiva e a
determinação subjetiva na vida social não estão mais em questão
porque esse é um pressuposto que restou suficientemente
provado na história e no debate travado nas ciências humanas e
sociais em geral.
2. Que não é mais suficiente entregar a subjetividade
somente à responsabilidade e aos contornos da Psicologia.
3. Que não é possível continuar questionando
socraticamente a psicologia para obrigá-la a confessar que não
pode definir, por si, os fundamentos da subjetividade.
4. Que a psicologia não detém o “segredo” da subjetividade
porque esse “segredo” não é de ordem exclusivamente
psicológica. Pode-se, enfim, ponderar que a questão da
relação entre objetividade e subjetividade, entre sociedade e
indivíduo, não estaria mais em questão e, portanto, não haveria
mais por que indagá-la.
212 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

Se assim fosse, estariam superadas, no pensamento


contemporâneo, as tendências de se considerar o indivíduo e
a sociedade, a subjetividade e a objetividade, como realidades
distintas especialmente num momento em que se afirma e
valoriza a subjetividade.

IMPORTANTE

Contudo, a realidade não confirma essa afirmação. O suposto da


unidade entre objetividade e subjetividade é apenas retórico e
o dilema secular se atualiza e se complexifica no presente, seja
quando alterna a ênfase sobre o indivíduo e a sociedade, sobre
a subjetividade e a objetividade, quando dilui um no outro ou
quando conserva a integridade ativa e absoluta de um frente a
passividade de outro.

Não seria exagero considerar que algo parece anunciar


a emergência da subjetividade como uma, senão a grande
novidade a ser enfrentada pelas ciências sociais e humanas
na contemporaneidade. Estranhamente, é justo quando o
processo de individualização do homem alcançou patamares
nunca imaginados que se reportam à subjetividade como uma
grande inovação contemporânea. Justo quando declinam, as
possibilidades de autonomia e emancipação do sujeito, postula-
se o aparecimento da subjetividade como questão a ser debatida.
Para além da subjetividade, temos também outro
importante conceito, a intersubjetividade. Ela refere-se à relação
entre as várias dimensões que afetam o sujeito, à interação das
várias particularidades e a tudo o que se refere à singularidade
dos sujeitos. A própria comunidade dos indivíduos constitui
uma rede de intersubjetividades na qual cada ponto afeta de
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 213

alguma maneira o outro, produzindo indeléveis ou explícitas


pressões que impõem um certo horizonte de possibilidades às
experiências vividas.
Nessa direção, acreditamos na possibilidade de vislumbrar
a positividade da subjetivação como resistência, singularidade
e produção de diferença. Para o francês Félix Guattari, na
obra escrita com a brasileira Suely Rolnik, Micropolítica:
Cartografias do desejo, importa pensarmos em uma subjetividade
descentrada, múltipla, nômade, que dialoga com a superfície e
não com o fundamento, a substância em si. Busca-se pensar uma
subjetividade construída na imanência (aqui e agora). Ela não
é mais substância ou fundamento fixo, mas superfície, fluxos
de vida e singularidades. Guattari explica que devemos nos
afastar da ideia de que as representações, papéis identitários
e ideologias são colocadas às pessoas no que diz respeito à
produção subjetiva.

IMPORTANTE

Contra a existência de uma lógica da identidade, Guattari mostra


que os conceitos de “totalidade”, “unidade”, “fundamento” e
“substância” são traços predominantes da filosofia metafísica
e representacional. Por isso que ele faz um elogio ao campo
da micropolítica: ao devir, ao transitório, à multiplicidade, ao
diverso, à diferença, como elementos capazes de mostrar outro
sentido para a compreensão da vida.

Para Guattari, conforme a filosofia metafísica, as


subjetividades são cortadas de suas realidades políticas, de
suas condições de produção, de sua polifonia constitutiva e de
seu caráter processual, uma vez que elas se particularizam e se
autonomizam na esfera individual. Isso é válido no sentido de
214 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

não pensarmos a representação do mundo na consciência de um


sujeito autônomo, mas que nele se exprimem uma multiplicidade
de objetos e de signos concatenados para formar um gosto, um
jeito de vestir, um modo de viver e pensar.
Devemos não mais falar em sujeito dado a priori, mas em
agenciamentos coletivos de enunciação, “máquinas de produção
subjetiva, concerto polifônico de vozes, devires imperceptíveis,
mutações afetivas e outras sensibilidades” (GUATTARI;
ROLNIK, 1999, p. 45). Devemos focar no descentramento da
questão do sujeito para a da produção de subjetividade, pois esta,
como nos diz Guattari (Ibid., p.28) “constitui matéria-prima de
toda e qualquer produção”.
E quais condições podem estar relacionadas à produção
de subjetividade dos indivíduos? Estão implicadas nesta questão
a manifestação linguagem, as instâncias etológicas (costumes
e hábitos de uma cultura), as experiências transgeracionais e
familiares, as interações institucionais de diferentes naturezas,
as referência musicais, literárias, artísticas e estéticas, as formas
comunicacionais (vide as redes sociais e outros dispositivos
ligados a rede mundial de computadores), entre outros. Para o
educador, portanto, seria interessante considerar um universo
múltiplo que constitui a subjetividade de seus alunos, e não
somente instâncias tradicionais, como igreja, estado e escola.
Para Guattari e Rolnik, a subjetividade é uma trama que não
está dada, mas que está em composição contínua com diferentes
arranjos, sendo assim, ela não está na ordem do “identificado”,
como uma espécie de moldura formatada e fixada que leva à
padronização do indivíduo a ser conhecido e reconhecido, pois
“a subjetividade não é passível de totalização ou centralidade no
indivíduo” (por isso fala-se em sujeitos descentrados).
Ela está sempre em processo e identificada no registro
social e cultural. Já que ela não pode ser identificada, como que
o educador poderá falar sobre a subjetividade? Percebendo-a
como um processo em construção no registro social: ora, a
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 215

subjetividade não se situa no campo individual, “seu campo


é o de todos os processos de produção material e social, de
máquinas de produção e de agenciamentos de enunciação
(GUATTARI, F. 1992, p. 11). A subjetividade está em circulação
nos conjuntos sociais. Ela é essencialmente social, e assumida e
vivida por indivíduos em suas existências particulares (os quais
podem aceitar ou resistir por meio de processos singulares).
A subjetividade é polifônica, é plural, “e que não há nenhuma
uma única instância estruturante e dominante que a determine
segundo uma causalidade unívoca” (GUATTARI, F. 1992, p.
11). A subjetividade interage, sofre variações, produz sentidos,
contra-sentidos, opera modos coletivos e heterogêneos. Há uma
subjetividade que dialoga com o outro.
O subjetivo aqui não tem a ver com uma outra camada
ligada à psique, aos sentimentos ou ao obscurecido. A
subjetividade não é oposição binária ao material, mas ao
contrário, “a produção de subjetividade constitui matéria-prima
de toda e qualquer produção objetiva” (GUATTARI, 1992).
Nesse sentido, para os autores, não existe uma contraposição
entre relações econômicas e subjetivas, pois elas são ao mesmo
tempo materiais e semióticas. A diferença está, portanto, no
olhar que não deve estar atento para os fatores determinantes de
uma produção ou outra, mas antes, perceber as linhas e conexões
entre elas. Como o próprio autor mesmo declara: toda a questão
está em elucidar como os agenciamentos de enunciação reais
podem colocar em conexão essas diferentes instâncias.
É sempre possível resistir ao presente, escapar das
modelizações dominantes e dos clichês, apropriar-se
diferentemente do que nos é oferecido cotidianamente pela
televisão, pelo cinema, pelo patrão, pelo cônjuge, pela escola
ou pelo outdoor, pois “esse desenvolvimento da subjetividade
capitalística traz imensas possibilidades de desvio e
singularização” (GUATTARI; ROLNIK, 1999). Em resumo,
é sempre possível atrever-se a singularizar (DELEUZE, 1997;
GUATTARI; ROLNIK, 1999):
216 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

A essa máquina de produção de subjetividade


eu oporia a ideia de que é possível desenvolver
modos de subjetivação singulares, aquilo
que poderíamos chamar de ‘processos de
singularização’, uma maneira de recusar esses
modos de codificação preestabelecidos, todos
esses modos de manipulação e tele comando,
recusá-los para construir, de certa forma, modos
de sensibilidade, modos de relação com o outro,
modos de produção, modos de criatividade que
produzam uma subjetividade singular. Uma
singularização existencial que coincida com um
desejo, com um gosto de viver, com uma vontade
de construir o mundo no qual nos encontramos,
com a instauração de dispositivos para mudar os
tipos de sociedade, os tipos de valores que não são
os nossos. (GUATTARI; ROLNIK, 1999, p.16-17)
Quanto ao processo de singularização: ele é automodelador
e tem o caráter de autonomia. Ele constrói seus próprios tipos de
referências práticas e teóricas, sem ficar na posição de dependente
em relação a um poder. Isso ocorre a partir do momento em que
os grupos adquirem liberdade de viver seus processos, e assim
eles passam a ter uma capacidade de ler suas próprias situações
e aquilo se passa em torno deles. Essa capacidade é que vai lhe
dar um mínimo de possibilidade de criação e permitir preservar
esse caráter de autonomia que é tão importante.
Por isso, o processo de singularização é algo que frustra
os mecanismos de interiorização dos valores capitalísticos.
Ele conduz a afirmações de valores num registro particular,
independente das escalas de valor que nos cercam e espreitam.
Guattari e Rolnik defendem, portanto, a ideia de um devir
diferencial que recusa a subjetivação capitalística que teria como
meta a padronização dos valores estéticos, artísticos, culturais,
sentimentais, entre outros.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 217

Filosofia da Educação e Pós-Modernidade


O relacionamento entre a pós-modernidade e a Teoria
Crítica, a Sociologia e a Filosofia é ferozmente contestado, e
os termos “pós-modernidade” e “pós-modernismo” são difíceis
de distinguir, sendo o primeiro muitas vezes o resultado do
posterior. O período tem tido diversas ramificações políticas:
suas “ideias anti-ideológicas” parecem ter sido positivamente
associadas com o movimento feminista, aos movimentos de
igualdade racial e a favor dos direitos dos homossexuais, a
maioria das formas do anarquismo do final do século XX,
de movimentos pacifistas e vários híbridos destes com os
atuais movimentos antiglobalização. Apesar de nenhuma
dessas instituições abarcarem inteiramente todos aspectos do
Movimento Pós-Moderno, todos eles refletiram ou emprestaram
alguma de suas ideias mais centrais.
Elegemos neste tópico tratar de alguns temas debatidos
pela filósofa americana Judith Butler (1956-atual). No início
do ensaio El no-pensamiento en nombre de lo normativo (2010),
Butler diz que em um diálogo recente, o sociólogo britânico
Chetan Bhatt, afirmou que na sociologia, assim como na teoria
cultural ou nos estudos culturais, muitos de nós pressupomos
um campo de verdades, um campo de conhecimento teórico
ou e de inteligibilidade para descrever o “eu, o outro, o sujeito,
a identidade e cultura”. E ele prossegue dizendo que não está
seguro de que estas concepções tenham capacidade para abordar
as transformações do mundo cotidiano, assim como a rápida
transformação do que chamamos de identidade.
Em seguida, a própria estrutura discursiva do
multiculturalismo ou dos direitos humanos, está tomando
por suposição um tipo específico de sujeito que pode ou não
corresponder às formas de vida que existem no tempo presente.
Os sujeitos pressupostos pelos quadros liberais e multiculturais
caracterizam-se por pertencer a certos tipos de identidades
218 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

concebidas como únicas, diferentes – ou individuais, ou então


multiplamente determinados por listas de categorias que incluem
etnia, classe, raça, religião, sexualidade e gênero.
Há questões muito importantes sobre se e como
tais indivíduos podem ser representados no quadro desta
normatividade. Dessa maneira, Judith Butler diz que é necessário
fazermos perguntas para uma melhor compreensão de representar
ou reconhecer os vários sujeitos.
De fato, ela assume que nestas questões o problema é
normativo, ou seja, devemos (1) interrogar qual é a melhor
maneira, ao dispor do campo da política, para que possamos
produzir o reconhecimento e a representação dos sujeitos. Não
podemos responder a isso se, antes de tudo, não considerarmos
a ontologia do sujeito cujo reconhecimento e representação
está sendo avaliado. Mais ainda, qualquer indagação sobre a
referida ontologia exige que consideremos outro nível em que
opera o normativo, a saber, estamos situados mediante (2)
normas que produzem a ideia de um humano merecedor de
reconhecimento e representação. É necessário compreender a
diferença de poder existente que distingue os sujeitos que seriam
eleitos para o reconhecimento e os que não seriam.
Neste ensaio, portanto, Butler tece suas críticas partindo
do multiculturalismo e da política liberal. Já em artigo publicado
originalmente em 1990, e depois em 1998 nos Cadernos Pagu,
intitulado Fundamentos contingentes: o feminismo e a questão
do pós-modernismo, ela defende a ideia de que o feminismo,
também deve estabelecer críticas sobre os processos que
produzem e desestabilizam as categorias de identidade. No
momento em que se invoca a categoria “mulheres”, descrevendo
a clientela pela qual o feminismo fala, começa invariavelmente
um debate duvidoso sobre o conteúdo descritivo do termo.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 219

Ela dá exemplos: há quem afirme haver uma especificidade


ontológica das mulheres enquanto mães; há outras que entendem
a maternidade como uma situação social específica da mulher; e
há aquelas que recorrem a uma “especificidade feminina” que se
manifesta nas comunidades e culturas.
Logo, qualquer esforço para dar conteúdo universal ou
específico à categoria mulheres, ou “A Mulher”, produzirá
necessariamente facções, e que, a “identidade”, como ponto
de partida, jamais se sustentaria como base sólida de um
movimento político feminista. As categorias de identidade nunca
são meramente descritivas, mas sempre normativas e como tal,
exclusivistas. Mas isso não quer dizer que o termo “mulheres”
não deva ser usado. Ao contrário, se o feminismo pressupõe
que “mulheres” designa um campo de diferenças indesignável,
que não pode ser totalizado ou resumido por uma categoria de
identidade descritiva, então o próprio termo se torna um lugar
de permanente abertura e ressignificação. Desconstruir o sujeito
do feminismo não é, portanto, censurar sua utilização, mas, ao
contrário, liberar o termo num futuro de múltiplas significações,
emancipá-lo das ontologias maternais às quais esteve restrito e
fazer dele um lugar onde significados não antecipados podem
emergir.

IMPORTANTE

A partir desta perspectiva, o cidadão é propriamente uma troca


coalizada. Em outras palavras, Butler sugere que não há um
sujeito individual (fixo) ou multiplamente determinado (fixo)
220 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

sem pensarmos num processo social dinâmico, um sujeito


que está sendo constituído e reconstituído no transcurso do
intercâmbio social. Quando se trata, então, de pensarmos sobre
identidades, sujeito, entre outros, é claro que o problema não é
somente ontológico, posto que as formas que tomam o sujeito,
assim como os mundos cotidianos que não se enquadram nas
categorias disponíveis, surgem à luz dos contextos históricos e
geopolíticos. Não é somente atribuir ao sujeito o status de cidadão,
mas é pensar que este status se determina e é reformulado nos
transcurso das interações sociais.

Em relação aos modos possíveis que podemos descrever os


sujeitos, Butler prossegue em seu ensaio dizendo que poderíamos
então sentir a tentação de formular uma nova concepção do
sujeito, uma concepção que poderia denominar-se coalicional.
Mas o que constituiriam as partes da dita coalizão? Diremos
que existem vários sujeitos dentro de um único sujeito ou que
existem partes que entram em comunicação umas com as outras?
Cremos que a historiadora Guacira Lopes Louro, no livro Gênero,
sexualidade e educação, nos ajuda com a seguinte reflexão: de
fato, os sujeitos são, ao mesmo tempo, homens ou mulheres,
de determinada etnia, classe, sexualidade, nacionalidade; são
participantes ou não de uma determinada confissão religiosa ou
de um partido político. Essas múltiplas identidades não podem,
no entanto, ser percebidas como se fossem “camadas” que se
sobrepõem umas às outras, como se o sujeito fosse se fazendo
“somando-se” ou agregando-as. Em vez disso, é preciso notar
que elas se interferem mutuamente, se articulam; podem ser
contraditórias; provocam, enfim, diferentes “posições”. Essas
distintas posições podem se mostrar conflitantes até mesmo para
os próprios sujeitos, fazendo-os oscilar, deslizar entre elas –
perceber-se de distintos modos.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 221

Ainda a respeito do sujeito coalicional, devemos perguntar


também “o que exatamente é isso que seria reconhecido”. Por
exemplo: é a homossexualidade da pessoa gay? É a crença
religiosa do muçulmano? Se nossos quadros normativos
pressupõem que esses traços ostensivamente definidores de
sujeitos singularmente determinados com seus “próprios
objetos”, então, o reconhecimento se converte em parte dessa
mesma prática de ordenar e regular os sujeitos que seguem normas
preestabelecidas. Se o reconhecimento reconsolida o “sujeito
sexual”, o “sujeito cultural” e o “sujeito religioso”, entre outros,
fazemos certo reconhecer os sujeitos por meio de tais motivos ou
objetos? O que ocorre se os traços, mesmos que reconhecidos,
resultam basear-se no fracasso do reconhecimento?
Nesse sentido, como afirma Butler, o fato de que não
pode surgir nenhum sujeito sem estar diferenciado tem várias
consequências. No primeiro caso, um sujeito somente se torna
“discreto” excluindo outras possíveis formações de si, ou uma
série de “não eus”. No segundo caso, surge um sujeito mediante
um processo de abnegação, descartando aquelas dimensões do
ser que não se conformam com as figuras apresentadas pela
normatividade do sujeito humano.
De todo o resto, se o sujeito está sempre diferenciado,
devemos entender que significa exatamente isto? Há uma
tendência para entender a diferenciação tanto como um recurso
interno de um sujeito constituído (o sujeito é diferenciado
internamente e composto de várias partes que são mutuamente
determinantes) e como um recurso externo. Sobre isto, Butler
diz: “Qualquer diferenciação interna que eu poderia fazer entre
as minhas partes ou minhas identidades resulta, de certa maneira,
de unificar estas diferenças e, assim, reinstalar o sujeito como
fundamento da diferença”(BUTLER, 2010, p. 63). Por sua vez,
este sujeito obtém sua especificidade definindo-se contra o que
está fora dele, de maneira que a diferenciação externa ressalta
ser fundamental para explicar a diferença interna.
222 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

A pessoa homossexual pode ser muçulmana ou não, e


a pessoa muçulmana poder ser homofóbica ou não. Mas se o
quadro do conflito cultural (gay frente o muçulmano) determina
a maneira como concebemos estas identidades, então o
muçulmano acabará definindo-se por sua ostensiva homofobia
e o homossexual acabará definindo-se, segundo o quadro,
como antimuçulmano e receoso da homofobia muçulmana.
Isto é, ambas as posturas se definem a partir de uma relação
mútua conflituosa, em cujo caso nos foram ocultados os pontos
de convergência entre muçulmanos e gays. De fato, o marco
da tolerância ordena a identidade segundo suas exigências e
borra as completas realidades culturais das vidas dos gays e dos
religiosos.
A consequência é que o quadro normativo opera sob certa
ignorância sobre os “sujeitos” em questão, negando qualquer
possibilidade de fazemos outras avaliações. Inclusive se necessita
certo esforço para entender as realidades culturais designadas
pelos “homossexuais” e “muçulmanos”, especialmente em seus
mundos cotidianos e transnacionais. Afinal, entender esta relação
implicaria considerar certo número de formações naquelas em
que a sexualidade e a religião operam como veículos recíprocos
ou, em algumas vezes, como antagonistas.
Com efeito, deve-se refletir sobre a afirmação, inclusive, de
que a religião e a sexualidade podem constituir as únicas formas
impulsionadoras para um determinado modo de vida. Trata-se
então de criticarmos o quadro binário que dá por suposto que
a religião e a sexualidade estão determinando por separada e
exaustivamente a identidade do sujeito (como se houvesse
duas identidades, distintas e opostas). Semelhante quadro não
considera que, inclusive onde há antagonismos, isso não implica
uma contradição ou um impasse com conclusões necessárias.
O antagonismo pode ser vivido dentro e entre os sujeitos
como uma força política e dinâmica. Assim, evita-se a forma
de não-pensamento, ratificada por um modelo restritivamente
normativo. Na realidade, o não pensamento é uma forma de
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 223

avaliação que falsifica o mundo com o objetivo de apontar o


juízo moral propriamente dito como signo de certo privilégio e
de certa “perspicácia” cultural, uma maneira de manter tudo em
ordem.
É importante ressaltar que Judith Butler, não obstante,
não pretende refutar ou prejudicar as exigências regulamentares
(soterrar as normas), mas insistir que devemos conceber novas
constelações de pensar sobre elas, pensar numa forma
intelectualmente aberta e abrangente, a fim de capturar e
avaliar o nosso mundo. Na realidade, ela caminha na mesma
direção de Teresa de Lauretis (Feminist Studies/Critical Studies,
1986), quando esta diz que “um quadro de referência feminista
que sirva para tudo não existe. Ele tampouco deveria, jamais,
ser um pacote pronto para usar. Nós precisamos continuar
construindo esse quadro, um quadro absolutamente flexível e
reajustável, a partir da própria experiência das mulheres com
relação à diferença, a partir de nossa diferença em relação à
noção “Mulher” e das diferenças entre as mulheres; diferenças
que (...) são percebidas como tendo a ver tanto (ou mais) com
a raça, a classe ou a etnia quanto o gênero ou a sexualidade. Na
mesma direção, Judith Butler chama atenção para duas coisas:

a. Expandir os atuais conceitos normativos de cidadania,


reconhecimento e direitos, superando os impasses
contemporâneos.
b. Fazer um pedido a favor de vocábulos alternativos fundados
na convicção de que os discursos normativos derivados
do liberalismo e do multiculturalismo são igualmente
inadequados para a tarefa de captar tanto a nova formação
do sujeito como as novas formas de antagonismo social e
político.
Talvez o locus mais importante, em que aparece um
impasse não seja entre o sujeito constituído pela minoria sexual
e o sujeito constituído pela minoria religiosa, mas entre um
quadro regulamentar que exige e produz aos ditos sujeitos em
224 Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação

mútuo conflito e uma perspectiva crítica que pergunte se e como


existem tais sujeitos fora – ou em relações diversas – com esse
presente antagonismo. Isso implica a consideração de como
esse quadro depende de entender a complexidade do surgimento
histórico das populações religiosas e sexuais das formações do
sujeito, que não podem reduzir-se a nenhuma identidade.
Por fim, Judith Butler, ao retomar Asad, sugere uma crítica
de um certo tipo de sujeito liberal que converte a este mesmo
sujeito em um problema político que deverá ser abordado
explicitamente. Podemos tomar este sujeito como a base da
política somente se aceitarmos pensar melhor nas condições de
sua formação, de suas respostas morais e de suas reivindicações
avaliativas. Recordamos o tipo de reivindicações fundamentais
que se fazem no transcurso do debate “normativo” sobre estas
questões; por exemplo, que existem “sujeitos”, muçulmanos
ou homossexuais, que se encontram em uma posição política,
que representam diferentes “culturas” ou diferentes “tempos
de desenvolvimento histórico” ou que não se conformam às
noções estabelecidas de cultura ou as concepções inteligíveis
de “tempo”. Uma resposta a este quadro seria insistir que
existem diferentes construções do sujeito, e que a maioria das
versões do multiculturalismo erram ao pressupor que conhecem
por adiantado qual deve ser sua forma. O multiculturalismo
que necessita de certo tipo de sujeito, que institui de fato essa
exigência conceitual como parte de suas descrições e de seus
diagnósticos. Finalmente, gostaria de concluir que a coalizão
exige um repensar sobre o sujeito no interior de uma série
dinâmica de relações sociais.
Aspectos Filosóficos Socioantropológicos da Educação 225

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