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Psicanalise:
Freud foi levado cada vez mais à vida pregressa do paciente, chegando até a sua
infância. Isso o fez concluir que as impressões desse período da vida de um indivíduo
deixam marcas indeléveis e fundamentam a disposição para qualquer distúrbio neurótico
que viesse a sobrevir.
A publicação desse caso (hans) trouxe uma contribuição muito importante para
o posterior desenvolvimento da psicanálise de crianças: mostrou que as crianças podiam se
beneficiar de uma interpretação, na medida em que Hans, pela transformação de seu
comportamento, mostrava-se afetado pelas interpretações fornecidas por seu pai – que, por
sua vez, era orientado pelo próprio Freud. A ideia de que as crianças poderiam ser afetadas
por aquilo que os adultos faziam ou falavam era extremamente nova; as crianças eram
vistas como aqueles indivíduos que “não entendem” ou “não estão prestando atenção”,
legitimando toda sorte de comportamentos e formas de tratá-las sem que houvesse algum
tipo de preocupação com a influência que poderia advir daí.
Tal contribuição trouxe uma importante implicação na prática clínica: o olhar mais
cuidadoso e interessado para os pais e sua influência na análise da criança (Winnicott,
1979, 1984), ao contrário de Klein (1981), que reduzia ao máximo a participação dos
cuidadores na análise, encarando-os predominantemente como um empecilho ao bom
andamento analítico e encontrados somente para obter dados a respeito da criança e
realizar o contrato. Outra grande contribuição de Winnicott (1975) foi o desenvolvimento
da teoria do brincar, que ampliou a compreensão da função do brinquedo no
desenvolvimento infantil e introduziu a noção de espaço transicional, fundamental para
entendermos o processo de diferenciação entre a criança e o adulto e os recursos que ela
utiliza para tal. O pediatra também assinalou o espaço terapêutico como um espaço
fundamentalmente do brincar;
Da mesma forma, a escola francesa de psicanálise não aponta mais para a necessidade de
pais e mães concretos para a constituição da criança como sujeito, mas para o que veio
denominar de funções materna e paterna, descolando a questão relacional não só dos
critérios biológicos como também dos critérios de gênero. Isso significa que qualquer
pessoa, de qualquer sexo, ligada ou não à criança por laços sanguíneos, pode realizar a
função materna de acolhimento e cuidado, e qualquer coisa ou pessoa que quebrar e
intermediar essa relação pode exercer a função paterna de limites e separação. Não importa
quem faz, mas o que faz e como faz.
O comportamento da criança não é mais interpretado, mas significado pela própria criança
com base na reflexão de sentimentos (Axline, 1984) realizada pelo psicoterapeuta: “Dibs:
‘Portas trancadas, não. Portas trancadas, não. Dibs não gosta de portas trancadas’.
Terapeuta: ‘Você não gosta que as portas estejam trancadas’” (Axline, 1986, p. 42). A
aceitação da criança exatamente como ela é, o respeito pelo seu tempo e pela sua
capacidade de resolver seus problemas, o não direcionamento de suas ações ou conversas,
o estabelecimento de um sentimento de permissividade e o desenvolvimento de uma sólida
relação de confiança entre criança e psicoterapeuta são os princípios básicos dessa nova
forma de compreender e trabalhar psicoterapeuticamente com a criança.
“Jim: ‘O meu desenho tem uma caixa grande e uma porção de linhas curvas coloridas
dentro’. Terapeuta: ‘Muito bem. Eu gostaria que você fosse essa linha azul escura que
forma a caixa, e conversasse com as coisas que estão dentro dela’” (Oaklander, 1980, p.
39). Ao posterior e progressivo desenvolvimento da Gestalt-terapia com crianças, na
perspectiva humanista, existencial e fenomenológica, somou-se a visão de campo (Yontef,
1998; Robine, 2006) – que, entre outras implicações, concorreu para uma maior
participação do contexto familiar na psicoterapia.
CARTOGRAFIA DA FORMAÇÃO
A psicoterapia psicanalítica com qualquer faixa etária, se bem-sucedida, comporta três fases:
início do tratamento, fase intermediária e de término, que ocorrem depois de realizado um
processo de avaliação detalhada do paciente. A experiência nos mostra que essas fases não
são determinadas por sua duração, mas sim pelas características do vínculo terapeuta-
paciente, que se modificam no decorrer do processo psicoterápico.
Porém, nem sempre a psicoterapia atinge essas três fases, pois podem ocorrer interrupções no
transcurso do processo terapêutico devido a múltiplas causas, no caso de psicoterapia com
crianças, esses aspectos devem ser observados ainda mais atentamente, pois além da relação
paciente terapeuta, envolve os pais, escola, médicos e outros profissionais que as
acompanham.
Na maioria das vezes, a criança vem para tratamento em virtude de uma preocupação dos pais
ou de uma recomendação da escola, do pediatra, por reforços legais, entre outros. Em geral,
foi observado algum comportamento preocupante ou, então, sintomas que não melhoraram
com a passagem do tempo, como é esperado e normal no curso do desenvolvimento infantil.
Já nos primeiros contatos, é possível verificar inúmeras razões e motivos, declarados ou não,
pelos quais uma criança é trazida para atendimento. Em muitas situações, as crianças são
encaminhadas na de que se ajustem ou se comportem da maneira que a família ou a escola
deseja. Entretanto, pensamos que a psicoterapia psicanalítica não tem por objetivo a
adaptação da criança, mas sim oportunizar a essa um espaço de autoconhecimento a partir da
exploração de seus potenciais.
Em muitos casos, faz-se necessária uma investigação que atenda outras demandas, como o
atendimento combinado com profissionais de outras áreas, tais como neurologistas, pediatras,
psiquiatras infantis, fonoaudiólogos, psicopedagogos, entre outros. Um exame realizado por
equipe multiprofissional ocorre sempre que se faz necessária uma avaliação mais complexa,
abrangente e inclusiva, ou seja, quando é preciso investigar e integrar dados referentes às
condições médicas, cognitivas, sociais da criança que está sendo avaliada, para chegar a uma
hipótese diagnóstica e a um prognóstico mais coerente.
O uso do “Perfil Desenvolvimental” proposto por Anna Freud é um recurso auxiliar bastante
interessante que pode servir como guia para a organização e o detalhamento do material
clínico, levando a um diagnóstico que reflete múltiplos pontos de vista metapsicológicos,
provenientes de abordagem meticulosa e multifacetada da história do paciente e seus
sintomas.
Cabe lembrar também que a psicoterapia nem sempre é a exclusiva indicação ao paciente que
chegou à avaliação. Muitas vezes os familiares é que estão apresentando dificuldades para
manejar uma crise vital do desenvolvimento da criança, sendo necessário auxiliá-los através
de outros encaminhamentos. Outras vezes a demanda é dos pais, que acabam se dando conta
de que eles também precisam de psicoterapia. O propósito da etapa avaliativa é, portanto,
obter um entendimento aprofundado do sofrimento da criança e de seu modo de
funcionamento mental a partir de uma visão ampla e global do contexto social, familiar e
desenvolvimental.
É nesse período que a maioria dos abandonos de tratamento costumam ocorrer, especialmente
entre a primeira e a oitava sessão (Chaieb et al., 2003). Isso se deve ao fato de o terapeuta
possuir menos recursos para trabalhar as ambivalências, desconfianças e resistências acerca
do tratamento que se inicia, já que, nessa fase, predominam emoções e ansiedades paranoides
que devem ser compreendidas e trabalhadas.
No final da primeira fase, o paciente, mais aliviado dos sentimentos persecutórios e mais
familiarizado com o processo terapêutico, deverá se aliar ao terapeuta na tarefa de identificar
conflitos e buscar elaborá-los, mostrando-se mais preparado para receber interpretações.
Para o psicoterapeuta, uma das tarefas mais difíceis no curso da psicoterapia é o defrontar-se
com o profundo sofrimento da criança. Nestes momentos, é necessário estar atento aos
sentimentos contratransferenciais para não entrar em conluio inconsciente com o paciente,
evitando tocar nessas situações dolorosas.
O jogo é uma narrativa que faz parte de um campo emocional estabelecido entre a criança e o
terapeuta. O brincar pode ser entendido como texto narrativo que é pré-partilhado pela dupla,
não existindo sentidos prontos, ou interpretações previamente saturadas pela mente do
terapeuta. A dupla (terapeuta, paciente e pais)deve buscar descobrir ou criar esses sentidos
Mesmo com essas conquistas, os riscos de interrupção não se extinguem nessa etapa
intermediária. As possíveis causas para a interrupção prematura incluem fatores do terapeuta,
do paciente e também da realidade (Luz, 2005). O mesmo se pode pensar para os casos de
estagnação do progresso terapêutico. Qualquer paralisação do processo terapêutico pode ser
pensada não só a partir da interação entre a transferência do paciente e a contratransferência
do terapeuta, mas também sob a ótica de um fenômeno de campo, produto da interação dos
três elementos.
A fase final do processo psicoterápico é o período que se estende desde a primeira menção
séria de término do tratamento até o minuto final da última sessão, combinada para o
encerramento de fato (Luz, 2005). A ideia da finalização do tratamento pode vir do paciente,
dos pais, do terapeuta, ou, ainda, das três partes envolvidas quando há uma melhora visível e
clara que justifique um término terapêutico.
Duarte (1989) desenvolveu a ideia de “entrevista final” em psicoterapia infantil, que seria a
entrevista na qual é vivenciado o término do tratamento por parte da criança, não sendo,
necessariamente, a última sessão. A autora considera que essa “entrevista final” ocorre
quando a criança pode compreender que deixará de fazer psicoterapia e irá se separar do
terapeuta, quando há uma concordância entre os pais, o terapeuta e a própria criança de que
ela está bem e poderá seguir sua evolução sozinha.
Um tempo combinado para o término possibilita rever etapas e examinar conquistas obtidas
ao longo de todo o processo, bem como analisar objetivos que não puderam ser atingidos
total ou parcialmente. É uma etapa de “balanços” e de elaboração da separação
Diante disso, percebe-se que términos fora do timing podem acarretar riscos para um bom
fechamento do processo, seja por serem prematuros ou postergados (Luz, 2005). Quando
ocorrem precocemente, é possível que o luto não seja elaborado suficientemente, podendo
envolver ansiedades tanto do paciente quanto do terapeuta em lidar com a separação. Da
mesma forma, tratamentos prolongados além do necessário também podem refletir
dificuldades de separação da dupla ou da família de assumir, agora sem a ajuda do terapeuta,
a responsabilidade pela criança e seguir lidando com as dificuldades que possam vir a surgir
no curso do desenvolvimento. Além disso, tais términos podem denunciar dificuldades
contratransferenciais por parte do terapeuta.
O término do tratamento psicoterápico de uma criança é uma vitória para ela e também para o
terapeuta, em que se mesclam uma gama de sentimentos como pesar pela separação e a
satisfação pelas conquistas alcançadas. Cada terapeuta tem seus próprios critérios para alta,
embasados nas experiências profissionais e na síntese individual, resultantes da for- 112
Maria da Graça Kern Castro, Anie Stürmer & cols. mação e do tratamento pessoal.
A elaboração da separação é apenas o ponto de partida para que o paciente possa seguir
sozinho e com mais autonomia a sua caminhada, desfrutando das conquistas obtidas no
decorrer do processo. Além disso, a vivência de uma boa experiência psicoterápica na
infância mantém as portas sempre abertas para que um novo processo possa ser iniciado em
outro momento de vida, caso seja necessário.
A infância é o período que vai desde o nascimento até aproximadamente o 12º ano devida. Entre 0 e
3 anos, o bebê pode ser encaminhado por uma série de motivos: irritabilidade, diculdade em ser
consolado, problemas alimentares, distúrbios do sono e atraso no desenvolvimento. Dos 3 aos 6
anos, na fase pré-escolar, a criança pode apresentar birras ou comportamentos agressivos,
problemas no treinamento esncteriano, medos e ansiedades e diculdades de adaptação à escola.
Entre 6 e 12 anos, na fase escolar, são os problemas relacionados à escola e à aprendizagem que
costumam chamar a atenção dos pais.
O avaliador deve sempre levar em conta a possibilidade de negligência, abuso e maustratos, mesmo que
não haja queixa formal quanto a isso.