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MÓDULO 1

 Descrever a origem da Psicopedagogia e suas características


ORIGEM E HISTÓRIA DA PSICOPEDAGOGIA
A Psicopedagogia é um campo teórico e metodológico interdisciplinar caracterizado pela
confluência de áreas, ou seja, constituiu-se das contribuições da Epistemologia, da
Linguística, da Pedagogia, da Psicanálise e da Neuropsicologia. Os estudos nessas
diferentes áreas permitem o desenvolvimento de ações preventivas em instituições e clínicas
para ajudar as pessoas com dificuldades de aprendizagem (BOSSA, 2011).
Nesse contexto, a Psicopedagogia surge para buscar respostas aos conflitos e aos desafios
no processo de aprendizagem, envolvendo técnicas de trabalho para atendimentos
individualizados ou em grupos. Seu objetivo é minimizar as adversidades que impactam as
pessoas, como baixa autoestima, baixo senso de autoeficácia e de autocompetência,
potencializando, resgatando e fortalecendo a vontade, a crença e a capacidade de aprender.
Foto: Shutterstock.com
INSPIRAÇÕES PARA A PSICOPEDAGOGIA
Na Europa do século XIX, estudos e iniciativas nas áreas da Epistemologia, da Linguística,
da Pedagogia, da Psicanálise e da Neuropsicologia inspiraram o surgimento da
Psicopedagogia. Jean Itard (1774-1838), Édouard Séguin (1812-1880) e Johann Heinrich
Pestalozzi (1746-1827) desenvolveram estudos voltados para a compreensão das variáveis
que impactam as crianças com dificuldades de aprendizagem (MERY, 1985).
Foto: Wikimedia Commons/CC-PD-Mark
Itard apresentou e chocou a sociedade com o caso da reeducação da criança encontrada
com 11 ou 12 anos na floresta, em Cantão de São Sernin, na França, em 1798, que ficou
conhecida como o Victor de
Aveyron ou o Selvagem de Aveyron. O caso foi retratado no cinema pelo diretor François
Truffaut, em 1969, em um longa-metragem intitulado L’enfant sauvage (A criança selvagem).
Itard propôs um treinamento ao menino, na tentativa de torná-lo sociável. Entre suas
conclusões, destaca-se a importância do convívio social nos primeiros anos de vida para a
construção da personalidade.
Foto: Wikimedia Commons/CC-PD-Mark
Discípulo de Itard, Séguin avançou nos estudos e nas pesquisas em relação a seu mestre ao
enaltecer a necessidade de considerar a aprendizagem que ocorre por meio das interações
sociais, a importância dos aspectos sociais e cognitivos e a distinção do plano cognitivo e
perceptivo da educação (TEZZARI, 2010).
Imagem: Shutterstock.com
Após ler a obra Emílio (1762), de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Pestalozzi inspirou-
se no movimento naturalista e passou a atuar pelas causas sociais na França, sobretudo a
educação. Ele propôs uma metodologia de trabalho para acolher as crianças impactadas
pela invasão francesa na Suíça, em 1798, que passaram a viver sem pais, sem lar e sem
comida. Pestalozzi partiu do método mais simples e fácil para o mais complexo e difícil. Suas
atividades procuravam estimular, preferencialmente, a percepção.
Foto: Fred Boissonnas/Wikimedia Commons/CC-PD-Mark
Esses estudos influenciaram os pressupostos de Édouard Claparède (1873-1940), um dos
responsáveis pela formação das classes especiais na escola pública, em 1898 (BOSSA,
2011).
Entre 1904 e 1908, iniciaram as primeiras consultas médico-pedagógicas, com o objetivo de
encaminhamento de alunos às classes especiais, destinadas às crianças que não
conseguiam aprender
— “crianças com retardo mental”, conforme eram intituladas.
PRIMEIROS CENTROS E INSTITUTOS PSICOPEDAGÓGICOS
A literatura não traz um consenso sobre o ano da fundação do primeiro centro ou instituto
psicopedagógico. Sabe-se que foram fundados, na Europa, no início do século XX. Andrade
(2004) sinaliza que, por volta de 1920, teria surgido o primeiro Centro de Psicopedagogia
com inspiração nos estudos de Jacques Lacan (1901-1981). Nomes como Françoise Dolto
(1908-1988) e Maud Ferreira Mannoni (1923-1998) articulavam a aplicação dos princípios
teóricos da Psicanálise para crianças e adolescentes, fundamentando o campo que, mais
tarde, viria a ser conhecido como Psicopedagogia Clínica.
Françoise Dolto e as Casas Verdes
De uma família tradicional católica parisiense, Dolto foi uma pediatra e psicanalista que se
destacou pela defesa e pelo uso das técnicas da Psicanálise para terapias com crianças,
desde o início do século XX. Com inspiração nos estudos de Sigmund Freud (1856-1939),
Dolto vivenciou uma época em que os adultos ignoravam as crianças ou as tratavam com
gritos e indiferença. Sua proposta era oferecer aos pais e educadores um repertório para
subsidiar os cuidados com o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças,
conscientizando-os de que os cuidados físicos e de subsistência não eram suficientes.
Considerava necessário ir além e envolver as crianças com uma linguagem acolhedora,
atenta e cuidadosa, que deveria ser frequentemente empregada por seu responsável
imediato e seus educadores.
Era preciso desenvolver a escuta significativa, o diálogo franco com as crianças; e evitar o
julgamento, a coerção e a manipulação e, dessa forma, a reprodução de um modelo de
relacionamento tóxico.
Como psicanalista, a preocupação de Dolto era a leitura do corpo. Por isso, desenvolveu
estudos e práticas na interface entre a “imagem do corpo” e a “linguagem” como recursos
que fomentam a bagagem do inconsciente. Para tanto, utilizava o jogo e o desenho. Em seus
atendimentos, deixava vários materiais lúdicos e de oficina pedagógica à disposição das
crianças, como papel, lápis, massa de modelar, bonecos e instrumentos musicais.
Além disso, Dolto desenvolveu um material peculiar: “a boneca flor”. Consistia em um cilindro
coberto por uma tela verde e uma cabeça com rosto de margarida. Esse material foi utilizado
para trocar e inventar palavras e empregado com sucesso nas sessões de psicoterapia,
cujos resultados foram apresentados à Sociedade Psicanalítica de Paris em 1949.
Dolto também se preocupou com a necessidade de separação da mãe, mediante o que
chamou de “castrações simbólicas” em diferentes fases do desenvolvimento, para que a
criança pudesse desenvolver seu autoerotismo, possibilitando maior espaço de intervenção
do pai. Seus estudos e suas práticas influenciaram os pressupostos das creches a partir dos
anos 1950, com a defesa de uma rotina de diálogo com os bebês, o que contribuiu para a
redução da mortalidade infantil nessas instituições da França, uma vez que os cuidadores e
educadores se mostravam mais atentos às necessidades das crianças.
Em 1979, Dolto propôs e implantou as Casas Verdes: uma experiência educacional que
iniciou na França, impactou outros países e dura até hoje. As Casas Verdes recebiam
crianças de 0 a 3 anos de idade com seus pais. A instituição acolhia a família, convidando os
pais a atividades em conjunto, com poucas regras — entre elas, as que garantiam a
segurança das crianças. Alguns psicanalistas acompanhavam as famílias, conversando e
procurando aliviar as situações de tensão. O propósito era auxiliar os pais com recursos,
para que os filhos pudessem descobrir as possibilidades do mundo ao redor.
Entre as publicações de Françoise Dolto, merecem destaque:
No jogo do desejo – ensaios clínicos (1984)
Quando os pais se separam (1989)
Destinos de criança (1998)
As etapas decisivas da infância (1999)
O caso Dominique – educação e psicose (2004)
A imagem inconsciente do corpo (2004)
Quando os filhos precisam dos pais (2008).
Maud Ferreira Mannoni e a Escola Experimental de Bonneuil
Colega de Dolto no Centro de Psicopedagogia, Mannoni foi uma psicanalista francesa de
origem neerlandesa e uma das principais defensoras do processo de humanização do
tratamento e acompanhamento de crianças em sofrimento psíquico. Suas contribuições
impactaram as reflexões sobre o espaço dessas crianças na sociedade, repercutindo na
França e, posteriormente, em vários outros países. Partindo dos pressupostos da
antipsiquiatria aos ensinamentos de Lacan, Mannoni criticou severamente o poder
psiquiátrico e os lugares que acolhiam de forma inadequada as crianças em sofrimento
psíquico.
Foto: Mannoni/Wikimedia Commons/CC-Zero
A psicanalista francesa e outros colaboradores criaram, em 1969, a Escola Experimental de
Bonneuil, localizada na cidade de Bonneuil-sur-Marne, no sul de Paris. Desde sua criação, a
escola mantém o mesmo ideal: acolher com sensibilidade e engajamento as crianças
que foram excluídas de outras escolas por apresentar especificidades em seu
desenvolvimento, sobretudo as autistas, evitando o aprisionamento asilar. O local é fonte de
vários estudos que refletem sobre as possibilidades da escola, entre elas a de atuar com a
ferramenta terapêutica do imprevisto. A criança é convidada a se perder para se encontrar,
ou seja, são disponibilizados recursos para que ela possa agir como sujeito de seu próprio
desejo (MANNONI, 1983).
Na Escola Experimental de Bonneuil, percebe-se uma proposta compartilhada: educativa e
terapêutica. A criança participa de jornadas diárias de atividades, recebendo instruções que
variam de acordo com seu potencial, além da acolhida terapêutica. As atividades podem
variar entre viagens de férias escolares com a equipe, estadias em famílias de acolhida em
diversas regiões da França e trabalho compartilhado com estabelecimentos da comunidade
(padaria, oficina, loja de roupas). O acompanhamento é desenhado para cada criança, com
um calendário escolar e um projeto educacional desenvolvido e pensado para suas
necessidades específicas.
O pressuposto essencial na Escola Experimental de Bonneuil é libertar a criança do
aprisionamento psíquico, provocando uma separação física e psíquica do outro alienante, ou
seja, do seio familiar e do fantasma parental que lhe abdicava do direito ao discurso e à
ação.
Foto: Shutterstock.com
Bonneuil é um espaço onde o discurso da criança e sua ação são livres, sem arestas. O
desafio de Mannoni era mostrar que o convívio social exige alguns acordos. Para isso, a
psicanalista pretendia conscientizar a sociedade sobre as especificidades no
desenvolvimento dessas crianças. O maior objetivo da equipe que trabalhava – e trabalha
– na escola é a luta contra a exclusão social, promovendo a ideologia antimanicomial. A
proposta não é o ajustamento social, mas o questionamento dos moldes psiquiátricos e da
ação devastadora de seus significantes. Na Bonneuil, as críticas são bem recebidas. Mantém
o espírito ideológico como pilar estruturante da instituição e legitima o termo experimental ao
nome da escola.
Juliette Favez-Boutonier e George Mauco e o primeiro Centro Psicopedagógico
Bossa (2011) e Masini et al. (1993) apontam que, em 1946, surgiu o primeiro Centro
Psicopedagógico em Paris, fundado por Juliette Favez-Boutonier (1903-1994) e Georges
Mauco (1899-1988). O nome “Centro Psicopedagógico” foi a forma que os fundadores
encontraram para que os pais levassem seus filhos (considerados com problemas) com
menos constrangimento para um atendimento com direção médica e pedagógica. Os
atendimentos procuravam intervir nos comportamentos considerados inadequados
socialmente e nas dificuldades de aprendizagem.
Esta foi uma das primeiras tentativas de articulação entre Medicina, Pedagogia, Psicanálise e
Psicologia na busca pela compreensão da criança e de seu meio, visando a uma ação
reeducadora. Uma das preocupações era diferenciar e caracterizar as crianças que não
aprendiam ou que possuíam dificuldade de aprendizagem daquelas que apresentavam
deficiência intelectual — até então denominada deficiência mental — ou alguma dificuldade
sensorial (BOSSA, 2011).
Pedagogia Curativa e Grupos Operativos
A partir de 1948, a Pedagogia Curativa despontou entre os estudos e as práticas voltadas
para as dificuldades de aprendizagem. De acordo com Mery (1985), o pedagogo francês
Maurice Debesse (1903-1998) propôs esse método voltado para a readaptação
pedagógica de alunos que, embora inteligentes, demonstravam maus resultados escolares.
O objetivo era auxiliar nos processos voltados para a aquisição dos conhecimentos, mas
também para a promoção da personalidade.
Os primeiros estudos e as primeiras atividades europeias inspiraram iniciativas em outros
continentes, entre eles a América – sobretudo na América do Sul. Estudos de referência
encontram-se na Argentina, como os do psiquiatra suíço Enrique Pichon-Rivière (1907-
1977). Inspirado nas premissas da
Psicanálise e da Psicologia Social, Pichon-Rivière criou a teoria e a técnica dos Grupos
Operativos (FABRIS, 2009) para a compreensão da estrutura e do funcionamento dos
grupos, articulando processos de intervenção voltados para a aprendizagem (PEREIRA,
2013).
Foto: Maxildsm/Wikimedia Commons/CC-BY-SA-4.0
É uma técnica não diretiva que, com base na análise de uma situação vivenciada em grupo,
fomenta um campo de investigação ativa (PICHON-RIVIÈRE, 2000). Para isso, o
coordenador do grupo tem o importante papel de mediar, facilitar e potencializar a
comunicação entre os integrantes, tornando o grupo operativo para além da realização
mecânica da tarefa atribuída.
Com essa proposta, Pichon-Rivière ofereceu uma alternativa aos atendimentos
psicopedagógicos a partir de oficinas pedagógicas, voltadas para crianças e adolescentes
que demonstrassem dificuldades de aprendizagem, contribuindo para uma mudança gradual
dos que estão inseridos no grupo. Nos Grupos Operativos, são potencializadas as questões
de convívio social, de partilha de concepções, de elaboração de conflitos, de reflexões e
insights (clareza súbita), fomentando a reelaboração das demandas sociais e psíquicas do
sujeito de acordo com seu percurso de aprendizagem.
AS PRIMEIRAS INSPIRAÇÕES PARA A PSICOPEDAGOGIA
A especialista Gabriela Maffei Moreira Malagolli abordará as primeiras inspirações para o
surgimento da Psicopedagogia, destacando as contribuições dos primeiros estudiosos até a
efetivação das práticas pioneiras no campo.
MÓDULO 2
 Identificar os principais movimentos da Psicopedagogia na Argentina
INFLUÊNCIAS EUROPEIAS NA PSICOPEDAGOGIA ARGENTINA
Um dos países da América Latina que se destaca por estudos, pesquisas, práticas e
formação de profissionais no campo da Psicopedagogia é a Argentina, sobretudo com
propostas de intervenção no âmbito da aprendizagem (BERTRAN, 2006).
As influências europeias, inicialmente marcadas por propostas médico-pedagógicas,
impactaram de forma significativa o país. De acordo com Bossa (2011), as premissas da
Psicopedagogia na Argentina estão enraizadas, majoritariamente, nos autores franceses. Já
abordamos alguns deles no módulo anterior, como Georges Mauco, Maurice Debesse,
Enrique Pichon-Rivière, Françoise Dolto e Maud Ferreira Mannoni. Agora, vamos apresentar
outros autores e um breve resumo de suas contribuições para a área.
Jacques-Marie Émile Lacan (1901-1981)
Psicanalista francês que contribuiu com as bases da Psicanálise estruturalista e os estudos
sobre a influência do simbólico na organização e no desenvolvimento da linguagem.
Julian de Ajuriaguerra (1911-1993)
Psiquiatra e professor francês de origem espanhola que deixou contribuições ímpares para o
tratamento e o acompanhamento dos distúrbios da psicomotricidade.
René Diatkine (1918-1998)
Psiquiatra e psicanalista francês que deixou estudos referentes ao tratamento das psicoses
em crianças e adultos.
Michel Lobrot (1924-)
Educador francês que defendeu o conceito de autogestão como estratégia para minimizar ou
eliminar a repressão e a coerção na educação.
Janine Mery
Psicopedagoga francesa que adotou o termo Psicopedagogia Curativa para se referir à ação
terapêutica que tem como frentes de investimento os recursos pedagógicos e psicológicos no
apoio às crianças que demonstram fracasso escolar.
Pierre Vayer
Psicólogo francês que propôs o diálogo corporal como recurso para a promoção da
psicomotricidade.
DESENVOLVIMENTOS DA PSICOPEDAGOGIA NA ARGENTINA
Os pesquisadores franceses influenciaram as pesquisas, os estudos e as produções de
autores argentinos, tais como: Sara Paín, Jorge Visca, Alicia Fernández, Nadia Bossa,
Carmen Alicia Montti.
Vamos nos ater aqui, mais especificamente, aos três primeiros.
Sara Paín
É psicóloga, Doutora em Filosofia pela Universidade de Buenos Aires e em Psicologia pelo
Instituto de Epistemologia Genética de Genebra, Suíça. Paín exilou-se na França durante a
ditadura argentina, onde reside desde a década de 1970 e leciona na Universidade Paris XIII
e na Faculdade de Psicologia em Tolouse. Participa de projetos para a formação de
professores na Europa e na América Latina.
Além de ser pesquisadora, Sara Paín postulou os fundamentos teóricos do processo de
aprendizagem, considerando-a como instância alienante e possibilidade libertadora. Suas
obras resgatam o processo histórico da aprendizagem, fornecendo elementos para a
avaliação e a intervenção psicopedagógica, com orientações práticas relevantes para os
processos que envolvem a devolutiva diagnóstica para a família e a pessoa envolvida. A
pesquisadora ainda trata das dimensões do processo de aprendizagem, descrevendo-as em
biológicas, cognitivas e sociais. A articulação desses fatores contribui para a combinação
das variáveis que envolvem as condições internas e externas de aprendizagem, ou seja:
As condições da pessoa: Fatores orgânicos, fatores específicos da linguagem e fatores de
natureza psíquica, que nos ajudam a compreender os sintomas.
Suas principais obras são:
Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem (1985)
Psicopedagogia Operativa (1987)
A função da ignorância (1991)
Jorge Pedro Luis Visca
Conhecido como Jorge Visca, o psicólogo social argentino foi autor da Epistemologia
Convergente. Sua teoria propõe três frentes de estudo em Psicologia:
A Psicanálise, de Sigmund Freud
A Psicologia Social, de Enrique Pichon-Rivière
A Epistemologia Genética, de Jean Piaget
A convergência dessas três vertentes teóricas permite aos profissionais preocupados com o
desenvolvimento e a aprendizagem humana compreender a complexidade do processo que
envolve o ensinar e o aprender, considerando as variáveis que impactam nessa dinâmica.
Tais variáveis incluem os aspectos cognitivos, afetivos, sociais e estruturais em
diferentes contextos: escola, família e demais espaços de aprendizagem, como centros de
apoio psicossocial, centros de acolhida social e núcleos de apoio pedagógico (VISCA, 1991).
A Psicanálise contribui com o estudo, a análise e as inferências sobre a percepção, a
afetividade e a memória, possibilitando um olhar cuidadoso sobre as ações da pessoa no
cotidiano e sobre como o vínculo com a aprendizagem se constitui.
A Psicologia Social fornece elementos para a compreensão das relações e contradições
que se constroem nos grupos sociais. Inspirado na Psicanálise e na Psicologia Social,
Pichon-Rivière propõe uma técnica não diretiva para analisar uma situação vivenciada em
grupo.
Já a Epistemologia Genética valoriza os aspectos cognitivos, enaltece o sujeito que
aprende como protagonista do processo, considerando as demandas do organismo como
singulares de acordo com os esquemas assimiladores possíveis.
Entre suas obras, podemos citar:
Clínica psicopedagógica: epistemologia convergente (1985)
Diagnóstico operatório na prática psicopedagógica de crianças, adolescentes e adultos (2008)
O esquema evolutivo da aprendizagem (2020)
Alicia Fernández
Foi uma psicopedagoga, formada no tradicional e reconhecido curso de Psicopedagogia da
Universidad del Salvador (USAL). Responsável pela formação de muitos profissionais na
Argentina, no Brasil, no Uruguai e em Portugal, fomentou parcerias para o desenvolvimento
de estudos e o aprimoramento de práticas. Durante sua formação, Alicia conheceu Pichon-
Rivière, Blanca Tarnopolsky e Paín.
Alicia Fernández conheceu Paín em 1974, auxiliando-o nos trabalhos desenvolvidos no setor
de Psicopatologia do Hospital Pinheiro, cujas experiências foram registradas no já
mencionado livro
Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem (1985).
O contato com as pesquisadoras foi interrompido em 1976 — ano do início da ditatura na
Argentina. Blanca Tarnopolsky e sua família foram assassinados, e seus materiais de
pesquisa, queimados. Os atendimentos no Hospital Pinheiro foram suspensos. Esses e
outros eventos contribuíram para o exílio de vários estudiosos.
Neste cenário, Fernández exilou-se no Brasil, onde criou o conceito de inteligência
aprisionada, inspirada nos temores, nas angústias e na esperança vivenciados durante o
período da ditadura.
Com o fim da ditadura em 1982, Fernández voltou para a Argentina e começou a trabalhar no
Centro de
Aprendizagens do Hospital Posadas. Com um trabalho interdisciplinar e inspirada em Paín
e PichonRivière, propôs a relação entre escola, família e hospital, por meio da
musicoterapia e da expressão plástica e corporal.
Sua obra A inteligência aprisionada: abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua
família (1991) aborda os aspectos clínicos da criança e da família, contemplando as variáveis
institucionais, familiares e subjetivas que influenciam no processo terapêutico. Fernández
retrata a criança com as necessidades infantis, assim como as possibilidades de aprender,
envolvidas a partir da relação com o outro, em uma dinâmica que contempla seu organismo,
sua inteligência e seu desejo, mesmo que de forma inconsciente.
Esse processo também articula as condições que levam à omissão do aprender, à repressão,
à inteligência aprisionada. Foi nesse contexto que ela propôs o chamado Diagnóstico
Interdisciplinar Familiar de Aprendizagem em uma só Jornada (DIFAJ). Aqui, a participação
dos pais era indispensável para a compreensão da origem e das variáveis que permeiam as
dificuldades de aprendizagem.
Fernández sempre acreditou na relação entre família e escola, defendendo que aqueles que
aprendem (aprendentes) precisam do apoio daqueles que ensinam (ensinantes). Em outras
palavras, os pais e os professores precisam proporcionar autonomia, autoria e crença no
potencial às crianças, além de oferecer espaço para o reconhecimento de suas hipóteses a
respeito do conteúdo ensinado.
Conforme a estudiosa destacou, esse processo não se inicia na escola, mas nos primeiros
vínculos estabelecidos com a família, de forma inconsciente e inteligente, a partir de um
conceito intitulado por ela de modalidade de aprendizagem, que indica meios e condições
que devem ser articulados em situações de aprendizagem. Fernández pensava na
Psicopedagogia como um campo que não se preocupa com o conteúdo, mas como
ensinantes e aprendentes se posicionam, promovendo ou não o conhecimento e o saber.
Entre suas obras, destacam-se:
A inteligência aprisionada: abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família
(1991)
O saber em jogo: a psicopedagogia proporcionando autorias do pensamento (2001)
Os idiomas dos aprendentes: análise das modalidades ensinantes com famílias, escolas
e meios de comunicação (2001)
PRIMEIRO CURSO DE PSICOPEDAGOGIA E PRIMEIROS CENTROS DE SAÚDE
MENTAL ARGENTINOS
Na década de 1950, em Buenos Aires, surgiu o primeiro curso de Psicopedagogia, criado
pela
Universidade de Buenos Aires (FERNÁNDEZ, 1991). Conforme apontam Carmen Alicia
Montti, Alicia Fernández e Nadia Bossa, nessa época, surgiu a preocupação com a
reeducação psicopedagógica como estratégia para enfrentar a explosão demográfica
vivenciada pela Argentina após a Segunda Guerra Mundial, que impactou no aumento de
matrículas escolares. As escolas argentinas não estavam preparadas para absorver o
número significativo de estudantes, o que ocasionou um grande volume de reprovações,
evasões e fracasso escolar.
Os primeiros Centros de Saúde Mental foram organizados a partir da década de 1970, com
equipes de psicopedagogos atuando em diagnósticos e programas de acompanhamento
voltados para as dificuldades de aprendizagem (MERY, 1985; BOSSA, 2011). Os
psicopedagogos perceberam que, após um ano de acompanhamento, as dificuldades de
aprendizagem eram minimizadas ou resolvidas, mas os distúrbios de personalidade surgiam
como deslocamento de sintoma.
Em outras palavras, esses profissionais notaram que as intervenções ainda eram superficiais,
pois focavam nos sintomas e não na real causa da dificuldade. Eliminavam um problema,
mas geravam outro. Nesse sentido, resolveram investir “no olhar e na escuta clínica
psicanalítica” – uma das marcas mais relevantes no perfil atual do psicopedagogo argentino.
Há três momentos distintos na história da Psicopedagogia na Argentina, que compreende os
períodos de 1956 a 1961, de 1963 a 1969 e após 1970.
SURGIMENTO DA PSICOPEDAGOGIA NA ARGENTINA: DE 1956 A 1961
A Psicopedagogia surgiu no cenário argentino como uma disciplina no curso de Psicologia,
na
Faculdade de Psicologia da USAL, em Buenos Aires. Na prática, a atividade psicopedagógica
já existia antes da criação do primeiro curso. Profissionais com formação em áreas cuja
preocupação se voltava para a interface entre o desenvolvimento humano e a aprendizagem,
tais como Neuropsicologia, Fonoaudiologia e Psicologia Escolar, perceberam a necessidade
de ocupar um espaço entre a Psicologia e a Pedagogia. Iniciaram com estratégias voltadas
para a reeducação na tentativa de minimizar o fracasso escolar.
O primeiro curso universitário foi instituído na Argentina, em 1956, por Arminda Aberastury
(Psicanalista e esposa de Enrique Pichon-Rivière) . Pioneiro na América Latina, o curso tinha
como propósito oferecer uma
Especialização para professores com duração de três anos (RENAULT, 2006). Assim, na
Faculdade de
Psicologia funcionava o Instituto de Psicopedagogia, visando à formação de profissionais
especializados.
Durante o primeiro período, a ênfase residia na formação filosófica e psicológica para a
estruturação, o desenvolvimento e a divulgação da nova prática: a Psicopedagogia. O
objetivo era levantar recursos para lidar com os graves problemas que a Pedagogia
enfrentava, envolvendo a compreensão das variáveis que influenciam no processo de
ensino e aprendizagem e as estratégias para minimizar e superar as dificuldades
relacionadas ao aprender, assim como o fracasso escolar.
Conforme nos esclarece Renault (2006), em 1961, a formação se dividia em três:
Formação do professor de ensino secundário

Formação específica em Psicopedagogia

Formação relacionada ao licenciado em Psicopedagogia

INFLUÊNCIA DA PSICOLOGIA EXPERIMENTAL: DE 1963 A 1969


No período de 1963 até 1969, percebe-se a influência da Psicologia Experimental na
formação do psicopedagogo na Argentina. Os professores do curso de formação notaram a
necessidade de instrumentalização do futuro profissional, voltada para a tendência da época
de mensurar as funções cognitivas e afetivas.
Eram objetos de estudo e de pesquisa da Psicologia Experimental a observação do
comportamento, com testes e modelos matemáticos aplicados à percepção, à aprendizagem,
à decisão, à interação, entre outros aspectos. A ação era controlada com observação e
sistematização. Os testes e modelos eram experimentais, ou seja, organizados com base
nos seguintes princípios teóricos e práticos da pesquisa experimental:
A existência de um problema definido e delimitado.
A formulação de hipótese(s) que garantisse(m) a verificação dos comportamentos que se
pretendia observar, caracterizando o método operacional.
A observação e o controle dos eventos que ocorriam durante o processo de experimentação
(ocorrências).
O registro dos eventos ou das ocorrências mediante prontuário e planilha de controle.
A análise dos eventos ou das ocorrências durante o período investigado — a análise dos
dados que culmina na conclusão do estudo. Esses cuidados garantiam o estudo do controle
das variáveis independentes provocadas em função da variável dependente, com registro e
medição rigorosos e precisos.
CRIAÇÃO DA FACULDADE DE PSICOPEDAGOGIA:
APÓS 1970
A partir de 1971, o Instituto de Psicopedagogia passou a admitir os alunos que não possuíam
conhecimento nas áreas da Pedagogia.
Em 7 de agosto de 1972, esse instituto se transformou na Faculdade de Psicopedagogia,
valorizando, priorizando e defendendo a investigação e a orientação psicopedagógica
(RENAULT, 2006).
Em 1978, o curso passou a ser de graduação em cinco anos e a incluir disciplinas de clínicas
pedagógicas e função terapêutica, potencializando o surgimento dos Centros de Saúde
Mental. Nesta época, teve início a distinção entre as áreas de atuação da educação e da
saúde, ou seja, em instituições ou em clínicas. Este terceiro momento procurou valorizar a
área clínica, priorizando o diagnóstico e o tratamento, à luz da Psicanálise, inspirado nos
ideais europeus de controle, aferição e encaminhamentos que, na maioria das vezes, eram
determinantes na trajetória acadêmica e pessoal das crianças, dos adolescentes e dos
adultos (FONTES, 2006).
Em 1984, o Ministério da Educação Argentina publicou a Resolução nº 2.473, em que foram
definidas as responsabilidades da profissão do psicopedagogo no país. A partir de então,
somente os licenciados em Psicopedagogia poderiam exercer a profissão clínica
(RENAULT, 2006). Neste período, surgiu a ideia da criação de um código de ética da
profissão, que valorizasse a formação biopsicossocialespiritual, garantindo a regulamentação
na sociedade perante as leis do país (BERTRAN, 2006).
A partir de 1995, as práticas da docência, investigação e assistência passaram a ser o eixo
central da formação em Psicopedagogia, articulando ensino, pesquisa e extensão
universitária.
No ano de 1996, a Argentina mudou as leis do Ensino Superior, permitindo que no ano
seguinte fossem criados ciclos no curso de Licenciatura para psicopedagogos. Esses ciclos
eram destinados aos estudantes que haviam concluído os Institutos Secundários Não
Universitários e para os graduados na USAL do período anterior à Licenciatura Plena. Era
uma tentativa de compensar o currículo até então instalado, para que os novos estudantes
pudessem acompanhar os estudos e as pesquisas exigidos pelo curso.
De acordo com as novas leis do Ensino Superior e a consequente revisão dos Planos de
Ensino, o futuro psicopedagogo também poderia atuar em novas áreas relativas à saúde e à
empresa (RENAULT, 2006). Com essas possibilidades, a profissão se expandiu, projetando-
se em outras cidades do país, como Posadas, Bahia Blanca, Santa Rosa, Rosário,
Corrientes, San Martín, Sarandí, San Antonio de Pádua e Ramos Mejía.
Atualmente, a USAL uniu as faculdades de Psicologia e de Psicopedagogia, onde foram
disponibilizados dois planos de estudos, cuja matriz mais recente é de 2015. As matrizes são
compostas pelos seguintes ciclos:
CICLO BÁSICO
Dois anos de formação, este ciclo é constituído pelas disciplinas do eixo de fundamentos do
curso, contemplando: Neurociências, Filosofia, Psicologia e Teologia etc.
CICLO DE FORMACIÓN PROFESIONAL (CFP)
Com mais dois anos de formação, este ciclo envolve as disciplinas do eixo de metodologias e
práticas, incluindo: diagnóstico e intervenção, técnicas, seminários, práticas, pesquisas e
treinamento etc. Especificamente quanto às disciplinas de diagnóstico, várias provas e
diversos testes estão disponíveis
para a atuação do psicopedagogo argentino (BOSSA, 2011). Entre eles, destacam-se:
A Escala Weschsler de Inteligência para Crianças (WISC)
As provas operatórias piagetianas
A Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem (EOCA)
O teste gestáltico visiomotor de Bender
Os testes projetivos: Teste de Apercepção Temática Infantil (CAT), Teste de Apercepção
Temática
(TAT), Desenho da Família, Desenho da Figura Humana e Teste de Personalidade (HTP)
Os testes psicomotores: prova de estruturas rítmicas e teste de lateralidade
O jogo psicopedagógico: objetos lúdicos
Ao concluir os quatro anos de formação, o futuro profissional obterá os títulos de professor do
Ensino secundário, normal e especial em Psicopedagogia.
A ESCOLA PSICOPEDAGÓGICA ARGENTINA
A especialista Gabriela Maffei Moreira Malagolli abordará as influências francesas na linha de
pensamento e de prática argentina, destacando os primeiros centros de formação e o diálogo
inicial com
o Brasil.
MÓDULO 3
 Reconhecer os principais movimentos da Psicopedagogia no Brasil
DESENVOLVIMENTOS DA PSICOPEDAGOGIA NO BRASIL
A literatura francesa influenciou os estudos, as pesquisas e o exercício da Psicopedagogia
argentina que, por sua vez, inspirou a práxis brasileira. Conforme Bossa (2011), a atuação
dos psicopedagogos no Brasil difere em alguns aspectos da situação na Argentina,
principalmente, considerando as condições da formação.
Ao nos debruçarmos sobre os estudos que versam sobre a Psicopedagogia no Brasil, em
especial, o levantamento organizado por Rubinstein, Castanho e Noffs (2004), encontramos
alguns elementos importantes para nossa compreensão.
O fracasso escolar tem sido objeto de estudo e interesse científico desde o início do século
XX no Brasil.
Entre as décadas de 1930 e 1940, mais de 50% das crianças ficaram retidas no 1º ano do
Ensino Fundamental (SAWAIA, 2002). Naquele contexto, o aluno era culpado por seu
desempenho escolar, ou seja, somente os fatores orgânicos eram considerados para o
entendimento do fracasso escolar. As demais variáveis, como as possíveis práticas
inadequadas dos docentes, a falta de apoio e acompanhamento familiar, a ausência de
incentivo de políticas públicas, entre outras situações, não era levantada em conta.

Considerando somente as demandas do aluno, eram habituais os testes de psicometria,


como o teste de inteligência para mensurar a capacidade intelectual. Injustamente, muitos
eram classificados com deficiência intelectual e encaminhados para as escolas ou
instituições especiais. Gerações foram excluídas do convívio social e escolar, impactando
trajetórias pessoais e rotulando crianças e jovens por toda a vida, sem perspectivas futuras.
Entre as décadas de 1960 e 1970, a explicação para o fracasso escolar apoiou-se na Teoria
da Carência Social, cujo princípio defendia que o desempenho escolar insuficiente decorre
do meio cultural deficitário e vulnerável dos alunos.
Atualmente, com o avanço das pesquisas e o reconhecimento científico, sobretudo em
estudos na área de Psicologia Social e Escolar, Educação Escolar e Psicopedagogia, a
análise contextual tem ganhado espaço, considerando as múltiplas variáveis que recaem
sobre a pessoa em desenvolvimento e em processo de aprendizagem. Esses estudos
consideram a relação que o sujeito estabelece com o conhecimento, a relação entre
professor e aluno, as práticas docentes, a relação entre o aluno e seus pares (colegas de
classe), as estratégias da escola, a relação família-escola e as influências das políticas
públicas nos ambientes dos quais o sujeito participa.
Nesta perspectiva, o diagnóstico psicopedagógico procura investir nos fatores de proteção
que circundam o contexto da pessoa, potencializando seus recursos e minimizando suas
adversidades. Há o cuidado para averiguar o que se considera proteção e o que é
considerado risco para a pessoa que aprende: dependendo do contexto e das relações
construídas nele, o que é considerado risco em uma situação pode ser considerado proteção
em outra.
No contexto do exemplo mencionado, em que sentido ter os pais morando juntos,
casados ou em um relacionamento estável, favorece a aprendizagem ou o apoio e o
incentivo ao filho na escola? Ou ainda: a família monoparental pode apresentar mais
fatores de proteção do que de risco, na medida em que preserva a criança de
presenciar os pais discutindo e se agredindo?
 Ambiente conflituoso no lar pode afetar a aprendizagem da criança.
A experiência confirma que a análise da singularidade dos conflitos pode contribuir para
reverter o insucesso escolar ou diminuir sua incidência.
Com o deslocamento do foco do problema do aluno para a consideração das variáveis
contextuais, a atuação do psicopedagogo também ganhou espaço e notoriedade nas
escolas, deixando de contribuir exclusivamente para o contexto clínico, em clínicas e
institutos especializados ou hospitais-escola — também chamados de hospitais-dia. Mesmo
deslocando e galgando outros espaços de atuação, a
preocupação ainda é a relação entre a pessoa e a aprendizagem, entendendo esta última
como:
Processo e não produção.
Apropriação do conhecimento como possibilidade cognitiva e psíquica.
Articulação entre os conhecimentos que a pessoa já possui e as possibilidades de
aprender novos conteúdos, desenvolvendo saberes.
Transmissão do conhecimento por meio do outro, isto é, consideração do par
aprendente-
ensinante com seus conflitos, seus desafios e suas transferências.
INICIATIVAS BRASILEIRAS
Em 1906, foram encontrados registros de atendimentos no Laboratório de Psicologia
Pedagógica, no Rio de Janeiro, com ênfase médica.
Em 1914, o Gabinete de Psicologia Científica da Escola Normal Secundária, em São Paulo,
iniciou suas atividades no campo do ensino e da aprendizagem.
Dado um salto no tempo, a partir da década de 1940, ainda no Rio de Janeiro, a Secretaria
de Saúde passou a atender estudantes com dificuldades de aprendizagem.
Na década de 1950, houve um avanço muito grande, classes especiais foram criadas com
atendimentos voltados para estudantes classificados como “deficientes mentais”. Para a
época, foi muito significativa a retirada das pessoas de instituições especializadas e a
aproximação com o contexto regular de ensino. Com o tempo, notou-se que esse
atendimento mascarava as tentativas de inclusão escolar, na medida em que ainda
preservava um ambiente segregador, com horários de entrada, intervalo e saída específicos
para o público que atendia. Os estudantes das classes especiais, ainda rotulados, na
realidade não conviviam com os demais da escola. Ainda na mesma década, no Rio Grande
do Sul, a Secretaria da Educação iniciou estudos e pesquisas sobre educação e linguagem
em parceria com o Centro de Educação da Universidade de Genebra.
A partir de 1960, no Estado da Guanabara, criou-se o Departamento de Educação Especial,
com atendimentos para crianças com dificuldades de aprendizagem. Essas iniciativas
colaboraram para impulsionar o surgimento da Psicopedagogia no Brasil. Em 1966, no Rio
Grande do Sul, diante da preocupação e da sensibilização com o alto número de alunos com
dificuldades de aprendizagem, foram criadas as Clínicas de Leitura.
Na década de 1970, já havia mais de 300 Clínicas de Leitura no Rio Grande do Sul, com
estudos e práticas na interface entre a Medicina e a Educação. O objetivo era adaptar as
crianças, para integrá-las ao sistema regular de ensino. Em São Paulo, na mesma década,
começavam a ganhar destaque os estudos de Genny Golubi de Moraes. A abordagem
organicista ainda prevalecia na década de 1970, com ênfase nas disfunções neuromotoras,
chamadas de Disfunções Cerebrais Mínimas (DCMs). A sigla era amplamente utilizada por
pais e professores para explicar o insucesso do aluno. A patologização do fracasso e a
culpabilização do aluno denotavam o discurso social da época, procurando, dessa forma,
compensar as vulnerabilidades sociais que impactavam no desempenho acadêmico. Essa
concepção justificava a procura pelos consultórios médicos — ainda hoje, um hábito entre as
famílias brasileiras. Muitos encaminhamentos para o acompanhamento psicopedagógico
advinham de consultas com pediatras, indicado, muitas vezes, pela escola. Filas de crianças
e adolescentes se formavam nos corredores dos hospitais, aguardando o diagnóstico.
Em meio a esse contexto, foi criado o primeiro curso de Psicopedagogia no Brasil, em São
Paulo, em 1979, oferecido pelo Instituto Sedes Sapientiae por iniciativa da pedagoga e
psicodramatista Maria Alice Vassimon e da madre Cristina Sodré Dória, diretora do Instituto.
Na década de 1980, mudanças na concepção e no entendimento do insucesso escolar e das
dificuldades de aprendizagem foram sinalizadas. Dois movimentos começaram a despontar.
O primeiro tinha o objetivo de compreender o fracasso escolar, levantando os elementos
intraescolares, isto é, os aspectos estruturais, funcionais e da dinâmica interna da escola. O
segundo, de ênfase clínica, com profissionais da área da Fonoaudiologia, Pedagogia e
Psicologia, tinha a proposta de reeducação psicopedagógica voltada para a intervenção
adaptativa. Esses dois movimentos contribuíram para uma visão dinâmica da queixa escolar,
abarcando um maior número de variáveis no entendimento do fracasso escolar.
A partir da década de 1990, a consideração e a compreensão do aspecto psicológico do
sujeito que aprende ganharam impulso com contribuições de Jean Marie Dolle, Maria Cristina
Machado Kupfer e Leandro de Lajonquière. A preocupação era com a necessária
diferenciação entre intervenção psicopedagógica e intervenção psicanalítica, exigindo,
portanto, a revisão das bases teóricas do conhecimento na Psicopedagogia.
CONTRIBUIÇÃO DE GENNY GOLUBI DE MORAES
Esta pesquisadora desenvolveu um trabalho pioneiro na área da Psicopedagogia no Brasil,
atuando, essencialmente, na prevenção das dificuldades de aprendizagem. Foi uma das
responsáveis pela defesa de cada vez menos encaminhamentos às clínicas por problemas
escolares. Entre suas principais obras, encontra-se Prontidão para a Alfabetização (1966).
Genny de Moraes atendia grupos de crianças, no máximo cinco, que eram encaminhados
com dificuldades de aprendizagem. Esses grupos tinham o mesmo nível escolar e problemas
semelhantes. O foco era potencializar a habilidade socioemocional, reprimida e excluída na
escola. Ela se preocupava com a utilização de métodos inadequados na alfabetização, que
poderia comprometer as habilidades
para a leitura e a escrita.
Acreditava que as habilidades para a alfabetização caminhavam harmonicamente com a
maturação cognitiva das crianças, ou seja, os pré-requisitos para a alfabetização não
surgiam espontaneamente no repertório das crianças, mas precisavam ser desenvolvidos
com o trabalho pedagógico. Quando algum evento comprometia esse percurso, como, por
exemplo, não ter frequentado a educação infantil ou manifestar atraso na maturação
neurológica, a criança poderia apresentar dificuldades nas primeiras tarefas escolares, então,
seria necessário treinar e adequar sua atenção, coordenação motora e percepção.
Com 20 anos de estudos na Clínica Psicológica da PUC-SP, Genny de Moraes concluiu
que o método mais adequado de alfabetização era o analítico-sintético, por favorecer a
capacidade de análise e de síntese das crianças a partir de exercícios que, gradualmente,
exigiam complexidade para as habilidades de leitura e escrita.
A partir de palavras simples do cotidiano da criança, era solicitada a decomposição,
possibilitando a análise de seus elementos constitutivos, ou seja, de quais partes a palavra
era formada. Nessa etapa do trabalho, a criança se familiarizava com grafemas e fonemas
para treino motor e visualização. O treino motor era estimulado pelo tracejado em linhas
pontilhadas, em preto e branco — a fim de chamar a atenção para o conteúdo —, formando
os grafemas. Na sequência, esses grafemas eram copiados sem pistas visuais, exigindo da
criança o resgate, na memória, de seus movimentos e a percepção das formas para executar
o movimento das letras. Esse exercício fomentava o aprimoramento da coordenação óculo-
manual, com o recurso do simbólico, e se caracterizava como a primeira fase do método. A
segunda fase era trabalhada com palavras complexas.
Esse método permitia a aplicação individual ou em grupo. Para essa definição, o professor
precisava conhecer sua turma de alunos, ou seja, realizar o mapeamento da sala mediante a
sondagem, para descobrir o que eles já sabiam e o que precisavam saber. Após a aplicação
e a análise do método, o professor teria recursos para perceber as habilidades e dificuldades
das crianças.
Moraes tinha ciência de que cada criança possuía um ritmo próprio de desenvolvimento e
aprendizagem. Portanto, algumas poderiam não ser sensíveis às atividades propostas.
Nesse sentido, a pesquisadora adaptava o método, flexibilizando-o para o fonético ou
silábico e conscientizando os professores dessa necessidade, de acordo com as demandas
da criança. Atenta e sensibilizada às especificidades das crianças com necessidades
educacionais e à preparação para a alfabetização,
Moraes, em parceria com a psicóloga Ana Maria Poppovic, adaptou o Teste de Prontidão
para a Alfabetização, de Gertrude H. Hildreth e D. Nellie L. Griffiths.
Procurada por muitos professores de escolas públicas, preocupados com as dificuldades de
aprendizagem das crianças, Moraes publicou a obra Coordenação da leitura e da escrita:
Alfabetização. Realfabetização: Ao professor (1986) – fruto de suas pesquisas sobretudo
com estágios nas escolas. O objetivo era evitar um número significativo de encaminhamentos
ao tratamento psicopedagógico. A publicação era uma cartilha, utilizada tanto nas escolas
quanto na clínica, com exercícios planejados, para permitir que as crianças alcançassem as
etapas sucessivas de alfabetização de acordo com sua maturação. Após três anos de
utilização nas escolas, resultados positivos foram conquistados.
A contribuição de Moraes auxiliou crianças com dificuldades de aprendizagem na leitura e na
escrita, com dislalia, dislexia e deficiência intelectual. Com os professores, ela ofereceu
recursos para que conhecessem seus alunos de forma mais integrada e atuassem diante das
dificuldades antes que estas se agravassem.
FORMAÇÃO DO PSICOPEDAGOGO BRASILEIRO
Os aportes teóricos argentino e europeu influenciaram de forma significativa a formação do
psicopedagogo brasileiro. Ana Maria Rodriguez Muñiz, Alicia Fernández, Ana Teberosky,
Bernardo Quirós, Emília Ferreiro, Jorge Visca, Jacob Feldman, Mabel Condemarin e Sara
Paín contribuíram diretamente na formação teórica e prática dos psicopedagogos brasileiros,
impactando na construção de um modelo de intervenção clínica, com inspiração na
Epistemologia Genética, Psicologia Social, Psicanálise, Psicolinguística e Neurociência.
Neste cenário, considera-se a formação oferecida pelo Laboratório de Psicopedagogia do
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), coordenado pelo professor
Doutor Lino de Macedo, e o Aprimoramento em Psicopedagogia para Pedagogos no Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, que, por muitos anos, foi
coordenado pelas professoras Doutoras Edna Maria Marturano e Maria Beatriz Martins
Linhares. Ambos os cursos foram e são responsáveis pela formação de psicopedagogos por
décadas, contribuindo para projetos de pesquisas de Mestrado e Doutorado, com iniciativas
em escolas de periferia e com atendimento gratuito à comunidade.
A trajetória aqui relatada evidencia que, na Argentina, a Psicopedagogia possui uma
perspectiva específica, advinda do histórico de estudos e pesquisas com fundamentos nas
propostas europeias. Historicamente, na Argentina, o curso de Psicopedagogia é de
Graduação, com quatro anos de duração, o que contempla um maior período de estudos e
pesquisas.

No Brasil, por sua vez, a maioria dos cursos é de Especialização ou de aprimoramento
profissional, alinhado à proposta de oferta aos profissionais já formados nas áreas afins da
aprendizagem humana, como Pedagogia, Psicologia ou Fonoaudiologia. No entanto,
percebe-se abertura para outras ofertas, como os cursos de Graduação estruturados a partir
de uma grade curricular ampla, atualizada e alinhada às propostas de avaliação e
intervenção psicopedagógica.
Muitos testes psicopedagógicos que são aplicados na Argentina não são autorizados no
Brasil, por serem considerados de uso exclusivo dos psicólogos (BOSSA, 2011).
Esse fator contribui para uma menor variabilidade de testes em nosso país durante o
processo de diagnóstico, dificultando abarcar um conjunto maior de variáveis para a
compreensão do caso estudado. Essa situação também demanda uma formação mais ampla
referente às possibilidades de investigação diagnóstica quanto ao treinamento, à condução
da entrevista, à análise dos dados, à construção do relatório e à devolutiva para a pessoa
envolvida e para a família.
REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE PSICOPEDAGOGO NO BRASIL
A profissão de Psicopedagogia requer a defesa pela revisão das práticas e teorias que não
contribuem para o sucesso escolar. É preciso rever as possibilidades na escola, em parceria
com os professores, para a articulação de alternativas que possam atender com eficácia e
qualidade os estudantes. Na clínica, é preciso considerar e partir da análise contextual,
abarcando o conjunto de variáveis que contribuem para o desempenho escolar.
Após 11 anos de tramitação, no dia 5 de fevereiro de 2014, a Comissão de Assuntos Sociais
aprovou o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados, PLC 31/2010, que regulamenta a
atividade de Psicopedagogia.
Esse projeto afirma que a profissão poderá ser exercida por graduados e por especialistas
em
Psicopedagogia e com formação inicial em Psicologia, Pedagogia ou outra Licenciatura e
Fonoaudiologia. O curso de Psicopedagogia deverá ter a duração mínima de 600 horas.
A HISTÓRIA DA PSICOPEDAGOGIA NO BRASIL
A especialista Gabriela Maffei Moreira Malagolli abordará as influências europeias e
argentinas no Brasil e que impactaram no surgimento dos primeiros centros de formação no
país, contribuindo para a articulação de estudos, pesquisas e práticas em todo o território
nacional.

MÓDULO 4

 Identificar as principais características das teorias de aprendizado


TEORIAS DE APRENDIZADO
Como campo interdisciplinar, a Psicopedagogia contempla estudos e pressupostos de várias
vertentes teóricas. Os fundamentos teóricos que respaldam o processo do ensino e da
aprendizagem oferecem os elementos para compreendermos as variáveis que permeiam
esse processo, entre as quais estão:
Os recursos e as demandas da pessoa que aprende.
A relação entre os vários contextos dos quais a pessoa participa.
A relação entre ensinante e aprendente.
EPISTEMOLOGIA GENÉTICA
Formulada pelo biólogo suíço Jean Piaget (1896-1980), a Epistemologia Genética foi
elaborada no Centro Educacional de Epistemologia Genética de Genebra, fundado em 1955.
Essa teoria do desenvolvimento cognitivo busca a compreensão das possibilidades e
limitações do conhecimento, utilizando o método clínico e observando como o sujeito passa
de um conhecimento simples para um mais complexo.
De acordo com a Epistemologia Genética, a aquisição do conhecimento ocorre por meio das
estruturas cognitivas, bem como pela interação com o meio, mediante a maturação do
Sistema Nervoso Central, as experiências físicas e lógicas, a transmissão social e o
equilíbrio das estruturas cognitivas. Esses elementos são requisitos para a passagem por
estágios que dependem da superação
do anterior.
Os estágios evidenciam que é preciso ter maturidade cognitiva para aprender, ou seja, a
criança se
desenvolve para aprender.
Entre as principais obras de Piaget, destacam-se:
Linguagem e pensamento na criança (1959)
A construção do real na criança (1975)
O nascimento da inteligência na criança (1978)
Na Psicopedagogia, um dos instrumentos de avaliação intelectual individual são as provas
operatórias, organizadas de acordo com os pressupostos da Epistemologia Genética. Essas
provas permitem investigar se a criança atingiu o estágio cognitivo que lhe possibilite realizar
operações mentais, oferecendo repertório para o psicopedagogo analisar as estratégias de
raciocínio lógico.
Da Epistemologia Genética, originou-se uma teoria do aprendizado chamada Construtivismo.
A psicóloga argentina Emília Ferreiro, aluna de Doutorado de Piaget, postulou as premissas
da referida teoria, enfatizando que o aluno precisa se envolver com a perturbação do
equilíbrio de seus conceitos em um processo dinâmico de assimilação e acomodação do
novo conteúdo em suas estruturas cognitivas (FERREIRO; TEBEROSKY, 1979 e 1985).
A partir da década de 1980, muitas escolas brasileiras, sobretudo as públicas municipais,
passaram a adotar a teoria construtivista em sala de aula. A proposta do trabalho é realizar
sondagens (Avaliações diagnósticas) periodicamente para a identificação do nível de leitura e
escrita dos alunos e para a verificação de seus conhecimentos prévios, mapeando-os em
pré-silábicos, silábicos, silábicos alfabéticos e alfabéticos. A partir daí, é possível pensar nos
agrupamentos produtivos e trabalhar em sala com os alunos de forma individual ou em
grupo, bem como promover a aprendizagem por meio das mediações pedagógicas de
conflitos cognitivos, conhecendo e se familiarizando com as estratégias dos alunos, a fim de
oferecer recursos para que possam superar os níveis iniciais de leitura e escrita.
Piaget e Ferreiro nos levam à conclusão de que a criança desempenha um papel ativo na
aprendizagem, construindo o próprio conhecimento. Disso, resulta o nome da teoria:
Construtivismo. O processo de aprendizagem desloca-se da figura do professor para a figura
do aluno, buscando compreender quais estratégias ele mobiliza para aprender. Até então, a
preocupação se respaldava somente naqueles que pareciam não aprender.
O método clássico de ensino, por meio das cartilhas, foi criticado por Ferreiro. Ela defende o
uso de diferentes portadores de textos, tais como: livros, gibis, panfletos de supermercado,
jornais, revistas, textos digitais etc. A proposta é contextualizar o processo de ensino,
oferecendo elementos que façam sentido para a criança. As descobertas de Emília Ferreiro e
suas conclusões no campo da alfabetização foram publicadas na obra A psicogênese da
língua escrita (1979), em parceria com a pedagoga espanhola Ana Teberosky (FERREIRO;
TEBEROSKY, 1985).
TEORIA SÓCIO-HISTÓRICO-CULTURAL
Lev Semionovitch Vygotsky (1896-1934) foi um psicólogo russo que formulou a Teoria Sócio-
históricocultural, compreendendo o aprendizado humano a partir de sua natureza social e
empenhando-se em colocar a educação a serviço da transformação das relações
sociais. Esse pressuposto se materializa na sala de aula em um processo dialético,
permeando a articulação entre a teoria e a prática, em um método crítico e reflexivo de
elaboração do conhecimento científico na perspectiva da transformação social.
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Vygotsky (1991) foi pioneiro no conceito de que o desenvolvimento intelectual das
crianças ocorre em função das interações sociais (ou seja, a criança aprende para se
desenvolver) e das condições de vida, isto é, a criança desenvolve-se em um meio social, em
determinado período de tempo e em determinada cultura. Disso, resulta o nome de sua
teoria: Sócio-histórico-cultural.
O interesse de Vygotsky pela Psicologia o levou a ler criticamente a produção teórica da
época, entre elas, a Gestalt, a Psicanálise, o Behaviorismo e a Epistemologia Genética. Suas
leituras também se concentravam nas proposições teóricas do materialismo histórico de Karl
Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). Os estudos e sua vivência durante a
Revolução Russa de 1917 contribuíram para que ele pensasse e propusesse a
reorganização da Psicologia, fundando a Escola Soviética de Psicologia Histórico-
cultural, em diálogo com a teoria marxista.
Para Vygotsky, a linguagem é uma ferramenta construída socialmente e com a capacidade
de organizar as funções psicológicas superiores, ou seja, a memória, a atenção e o
pensamento. Nesse sentido, ao se apropriar de determinada cultura, o indivíduo altera
qualitativamente seu modo de pensar, sua percepção e sua memória. Vygotsky afirmava que
as funções cerebrais não são fixas, mas possuem plasticidade e se adéquam ao longo da
história, possibilitando à espécie humana a transformação do ser biológico para um ser
sócio-histórico.
Quanto aos estudos referentes ao desenvolvimento da aprendizagem, Vygotsky (1998)
apresentou conceitos que se tornaram imprescindíveis para a prática docente. Entre eles, o
conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), que se refere à diferença entre:
Zona de Desenvolvimento Real
O que a criança consegue fazer sozinha. 
Zona de Desenvolvimento
Potencial O que a criança é
capaz de aprender.
O conceito de ZDP diz respeito, portanto, àquilo que a criança pode aprender com a
intervenção de um adulto mais experiente que ela e habilitado para aquele fim.
Outra importante contribuição do psicólogo russo foram os estudos que apresentaram a
relação entre pensamento e linguagem, atribuindo a esse processo a relevância significativa
na evolução humana. De acordo com Vygotsky (2005), a relação entre pensamento e
linguagem acontece durante o desenvolvimento e sua evolução ocorre em um processo
dinâmico, com raízes distintas na filogênese e na ontogênese, mas que se articulam
dialeticamente no desenvolvimento. Os primeiros balbucios do bebê não vêm acompanhados
do pensamento, mas já cumprem a função social: chamar a atenção do adulto. A partir dos 2
anos de idade, as interações sociais favorecem o encontro entre o pensamento e a fala,
originando uma nova organização linguístico-cognitiva: o pensamento verbal e a linguagem
racional
O psicopedagogo com abordagem vygotskyana considerará as condições socioeconômicas
das crianças e dos adolescentes encaminhados, acolhendo-os e promovendo estratégias de
superação das dificuldades, com foco no conteúdo e em articulação com a família e a escola,
para que possam exercer o protagonismo social com autonomia e criticidade. Em outros
termos, o que se propõe é o estudo do ser humano inserido em uma cultura, em
interação com a história e a sociedade, valorizando e potencializando o que a criança já sabe
fazer e conscientizando-a do percurso que deverá caminhar para atingir determinado fim.
Nessa abordagem, o psicopedagogo promoverá a autoestima e a motivação da criança.
BEHAVIORISMO
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O termo em inglês behavior significa comportamento. Behaviorismo é o estudo do
comportamento, cujos primeiros ensaios surgiram no final do século XIX e no início do
século XX. Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936) foi um fisiologista russo, considerado o
precursor do movimento e o primeiro a utilizar o
termo behaviorismo.
Conhecido por experimentos com cães, seus estudos e suas pesquisas inspiraram John
Broadus Watson (1878-1958), que, por sua vez, mostrou oposição aos estudos mentalistas,
altamente focados nos processos psicológicos, como a memória e a emoção — a tendência
no início do século XX. Watson é representante do Behaviorismo Metodológico de
orientação positivista. Seu objeto de estudo é o comportamento que pode ser observável
por todos para se valer da mensuração e da concordância entre os observadores. Logo, a
verdade é comprovada por consenso social (WATSON, 1970). Essa premissa evidencia a
influência do positivismo social de Auguste Comte (1798-1857).
Nesta proposta, a experiência promove o conhecimento, ou seja, é na prática, no fazer, que
se aprende. O ensino é organizado por etapas, visando à aquisição de determinado padrão
de comportamento no final do processo. A aquisição do comportamento ocorre a partir de
estímulos negativos ou positivos, ou seja, o comportamento pode ser conquistado,
moldado, como resultado de uma resposta individual aos estímulos do meio. Quando ocorre
o reforço do estímulo, o comportamento é fortalecido. Esse modelo, chamado de paradigma
pavloviano de estímulo e resposta, ficou conhecido como condicionamento clássico, mais
especificamente, como S-R — sigla em inglês que significa, respectivamente, Stimulus e
Response.
No entanto, ao estudar somente o que é observável, o Behaviorismo Metodológico nega o
status científico da mente, afirmando que não pode estudá-la por sua inacessibilidade.
Por exemplo, se alguém diz que está pulando corda, esse ato pode ser comprovado pela
observação, mas, se alguém diz que está com sede, esse fato não tem como ser
comprovado pela observação. Portanto, o Behaviorismo Metodológico não tem como explicá-
lo. Nesse contexto, ganharam destaque os estudos de Burrhus Frederic Skinner (1904-
1990) — um dos representantes do Behaviorismo
Radical de base empírica. Ele formulou o princípio de reforço:
Imagem: Silly rabbit/ Wikimedia Commons/CC-BY-3.0
Com consequências ruins, as chances de repetição são mínimas; mas, com consequências
boas, as chances de repetição são maiores.
Nesta proposta do Behaviorismo, o ambiente é um dos fatores essenciais para a
aprendizagem, o desenvolvimento e a interação da criança. Aqui, as ações e os atos são
mensuráveis e, portanto, podem ser medidos, comparados e avaliados (SKINNER, 1961).
Essa escola de pensamento recebeu influências do positivismo lógico do Círculo de Viena, o
que equivale dizer que, diferentemente do que ocorre com o Behaviorismo Metodológico, o
Behaviorismo Radical se interessa pela função que o comportamento exerce na
experiência de determinada pessoa. Em outras palavras, o que a pessoa faz deve ser
analisado individualmente, legitimando a análise do comportamento.
Para o Behaviorismo Radical, o comportamento é fruto de interações com o ambiente, e as
relações estabelecidas devem ser analisadas individualmente e consideradas por sua
funcionalidade. Dessa forma, o estudo procura focar no estímulo, no comportamento e na
consequência, permeados por uma interação relacional.
No contexto educacional, a corrente comportamentalista oferece o recurso do reforço para
potencializar as chances de determinada resposta. Em atendimento psicopedagógico, a
investigação de base comportamentalista se baseia em elementos que procurariam
compreender os eventos que podem afetar ou que afetam o desempenho escolar, a partir de
questionamentos como: Em quais condições determinada situação ocorre e como essas
condições impactam a aprendizagem?
Nesta corrente, o papel do psicopedagogo seria planejar estratégias para alterar
determinado evento, programando consequências reforçadoras para a mudança do
contexto, com possibilidades em relação ao aluno, à família ou à equipe da escola. O
psicopedagogo precisa estar in loco, ou seja, precisa observar como essas relações ocorrem
no local, por meio da observação ou de entrevistas.
AS TEORIAS DE APRENDIZADO
A especialista Gabriela Maffei Moreira Malagolli abordará s principais teorias apresentadas
com o campo de estudo e atuação em psicopedagogia.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao estudar o percurso histórico da Psicopedagogia, notamos que esse campo de estudos e
pesquisas, que comporta significativas influências europeias, articulou estratégias para
minimizar os altos índices de fracasso escolar, evasão e reprovação. Tais estratégias foram
as responsáveis pela criação dos grandes centros de formação, projetando renomados
professores e pesquisadores em nível mundial, principalmente, no Brasil.
França e Argentina são as escolas que mais contribuíram para a articulação dos
pressupostos filosóficos e metodológicos da profissão de psicopedagogo no Brasil. Esses
pressupostos se reúnem em prol de uma prática que ganha cada vez mais espaço no país
não somente nas clínicas especializadas ou nos hospitais, mas, sobretudo, nas escolas, com
apoio e acompanhamento das práticas docentes e suas relações, como o suporte à família.
No Brasil, a profissão caminha para a legitimidade e o
reconhecimento da sociedade.

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