Descrever a origem da Psicopedagogia e suas características
ORIGEM E HISTÓRIA DA PSICOPEDAGOGIA A Psicopedagogia é um campo teórico e metodológico interdisciplinar caracterizado pela confluência de áreas, ou seja, constituiu-se das contribuições da Epistemologia, da Linguística, da Pedagogia, da Psicanálise e da Neuropsicologia. Os estudos nessas diferentes áreas permitem o desenvolvimento de ações preventivas em instituições e clínicas para ajudar as pessoas com dificuldades de aprendizagem (BOSSA, 2011). Nesse contexto, a Psicopedagogia surge para buscar respostas aos conflitos e aos desafios no processo de aprendizagem, envolvendo técnicas de trabalho para atendimentos individualizados ou em grupos. Seu objetivo é minimizar as adversidades que impactam as pessoas, como baixa autoestima, baixo senso de autoeficácia e de autocompetência, potencializando, resgatando e fortalecendo a vontade, a crença e a capacidade de aprender. Foto: Shutterstock.com INSPIRAÇÕES PARA A PSICOPEDAGOGIA Na Europa do século XIX, estudos e iniciativas nas áreas da Epistemologia, da Linguística, da Pedagogia, da Psicanálise e da Neuropsicologia inspiraram o surgimento da Psicopedagogia. Jean Itard (1774-1838), Édouard Séguin (1812-1880) e Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) desenvolveram estudos voltados para a compreensão das variáveis que impactam as crianças com dificuldades de aprendizagem (MERY, 1985). Foto: Wikimedia Commons/CC-PD-Mark Itard apresentou e chocou a sociedade com o caso da reeducação da criança encontrada com 11 ou 12 anos na floresta, em Cantão de São Sernin, na França, em 1798, que ficou conhecida como o Victor de Aveyron ou o Selvagem de Aveyron. O caso foi retratado no cinema pelo diretor François Truffaut, em 1969, em um longa-metragem intitulado L’enfant sauvage (A criança selvagem). Itard propôs um treinamento ao menino, na tentativa de torná-lo sociável. Entre suas conclusões, destaca-se a importância do convívio social nos primeiros anos de vida para a construção da personalidade. Foto: Wikimedia Commons/CC-PD-Mark Discípulo de Itard, Séguin avançou nos estudos e nas pesquisas em relação a seu mestre ao enaltecer a necessidade de considerar a aprendizagem que ocorre por meio das interações sociais, a importância dos aspectos sociais e cognitivos e a distinção do plano cognitivo e perceptivo da educação (TEZZARI, 2010). Imagem: Shutterstock.com Após ler a obra Emílio (1762), de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Pestalozzi inspirou- se no movimento naturalista e passou a atuar pelas causas sociais na França, sobretudo a educação. Ele propôs uma metodologia de trabalho para acolher as crianças impactadas pela invasão francesa na Suíça, em 1798, que passaram a viver sem pais, sem lar e sem comida. Pestalozzi partiu do método mais simples e fácil para o mais complexo e difícil. Suas atividades procuravam estimular, preferencialmente, a percepção. Foto: Fred Boissonnas/Wikimedia Commons/CC-PD-Mark Esses estudos influenciaram os pressupostos de Édouard Claparède (1873-1940), um dos responsáveis pela formação das classes especiais na escola pública, em 1898 (BOSSA, 2011). Entre 1904 e 1908, iniciaram as primeiras consultas médico-pedagógicas, com o objetivo de encaminhamento de alunos às classes especiais, destinadas às crianças que não conseguiam aprender — “crianças com retardo mental”, conforme eram intituladas. PRIMEIROS CENTROS E INSTITUTOS PSICOPEDAGÓGICOS A literatura não traz um consenso sobre o ano da fundação do primeiro centro ou instituto psicopedagógico. Sabe-se que foram fundados, na Europa, no início do século XX. Andrade (2004) sinaliza que, por volta de 1920, teria surgido o primeiro Centro de Psicopedagogia com inspiração nos estudos de Jacques Lacan (1901-1981). Nomes como Françoise Dolto (1908-1988) e Maud Ferreira Mannoni (1923-1998) articulavam a aplicação dos princípios teóricos da Psicanálise para crianças e adolescentes, fundamentando o campo que, mais tarde, viria a ser conhecido como Psicopedagogia Clínica. Françoise Dolto e as Casas Verdes De uma família tradicional católica parisiense, Dolto foi uma pediatra e psicanalista que se destacou pela defesa e pelo uso das técnicas da Psicanálise para terapias com crianças, desde o início do século XX. Com inspiração nos estudos de Sigmund Freud (1856-1939), Dolto vivenciou uma época em que os adultos ignoravam as crianças ou as tratavam com gritos e indiferença. Sua proposta era oferecer aos pais e educadores um repertório para subsidiar os cuidados com o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças, conscientizando-os de que os cuidados físicos e de subsistência não eram suficientes. Considerava necessário ir além e envolver as crianças com uma linguagem acolhedora, atenta e cuidadosa, que deveria ser frequentemente empregada por seu responsável imediato e seus educadores. Era preciso desenvolver a escuta significativa, o diálogo franco com as crianças; e evitar o julgamento, a coerção e a manipulação e, dessa forma, a reprodução de um modelo de relacionamento tóxico. Como psicanalista, a preocupação de Dolto era a leitura do corpo. Por isso, desenvolveu estudos e práticas na interface entre a “imagem do corpo” e a “linguagem” como recursos que fomentam a bagagem do inconsciente. Para tanto, utilizava o jogo e o desenho. Em seus atendimentos, deixava vários materiais lúdicos e de oficina pedagógica à disposição das crianças, como papel, lápis, massa de modelar, bonecos e instrumentos musicais. Além disso, Dolto desenvolveu um material peculiar: “a boneca flor”. Consistia em um cilindro coberto por uma tela verde e uma cabeça com rosto de margarida. Esse material foi utilizado para trocar e inventar palavras e empregado com sucesso nas sessões de psicoterapia, cujos resultados foram apresentados à Sociedade Psicanalítica de Paris em 1949. Dolto também se preocupou com a necessidade de separação da mãe, mediante o que chamou de “castrações simbólicas” em diferentes fases do desenvolvimento, para que a criança pudesse desenvolver seu autoerotismo, possibilitando maior espaço de intervenção do pai. Seus estudos e suas práticas influenciaram os pressupostos das creches a partir dos anos 1950, com a defesa de uma rotina de diálogo com os bebês, o que contribuiu para a redução da mortalidade infantil nessas instituições da França, uma vez que os cuidadores e educadores se mostravam mais atentos às necessidades das crianças. Em 1979, Dolto propôs e implantou as Casas Verdes: uma experiência educacional que iniciou na França, impactou outros países e dura até hoje. As Casas Verdes recebiam crianças de 0 a 3 anos de idade com seus pais. A instituição acolhia a família, convidando os pais a atividades em conjunto, com poucas regras — entre elas, as que garantiam a segurança das crianças. Alguns psicanalistas acompanhavam as famílias, conversando e procurando aliviar as situações de tensão. O propósito era auxiliar os pais com recursos, para que os filhos pudessem descobrir as possibilidades do mundo ao redor. Entre as publicações de Françoise Dolto, merecem destaque: No jogo do desejo – ensaios clínicos (1984) Quando os pais se separam (1989) Destinos de criança (1998) As etapas decisivas da infância (1999) O caso Dominique – educação e psicose (2004) A imagem inconsciente do corpo (2004) Quando os filhos precisam dos pais (2008). Maud Ferreira Mannoni e a Escola Experimental de Bonneuil Colega de Dolto no Centro de Psicopedagogia, Mannoni foi uma psicanalista francesa de origem neerlandesa e uma das principais defensoras do processo de humanização do tratamento e acompanhamento de crianças em sofrimento psíquico. Suas contribuições impactaram as reflexões sobre o espaço dessas crianças na sociedade, repercutindo na França e, posteriormente, em vários outros países. Partindo dos pressupostos da antipsiquiatria aos ensinamentos de Lacan, Mannoni criticou severamente o poder psiquiátrico e os lugares que acolhiam de forma inadequada as crianças em sofrimento psíquico. Foto: Mannoni/Wikimedia Commons/CC-Zero A psicanalista francesa e outros colaboradores criaram, em 1969, a Escola Experimental de Bonneuil, localizada na cidade de Bonneuil-sur-Marne, no sul de Paris. Desde sua criação, a escola mantém o mesmo ideal: acolher com sensibilidade e engajamento as crianças que foram excluídas de outras escolas por apresentar especificidades em seu desenvolvimento, sobretudo as autistas, evitando o aprisionamento asilar. O local é fonte de vários estudos que refletem sobre as possibilidades da escola, entre elas a de atuar com a ferramenta terapêutica do imprevisto. A criança é convidada a se perder para se encontrar, ou seja, são disponibilizados recursos para que ela possa agir como sujeito de seu próprio desejo (MANNONI, 1983). Na Escola Experimental de Bonneuil, percebe-se uma proposta compartilhada: educativa e terapêutica. A criança participa de jornadas diárias de atividades, recebendo instruções que variam de acordo com seu potencial, além da acolhida terapêutica. As atividades podem variar entre viagens de férias escolares com a equipe, estadias em famílias de acolhida em diversas regiões da França e trabalho compartilhado com estabelecimentos da comunidade (padaria, oficina, loja de roupas). O acompanhamento é desenhado para cada criança, com um calendário escolar e um projeto educacional desenvolvido e pensado para suas necessidades específicas. O pressuposto essencial na Escola Experimental de Bonneuil é libertar a criança do aprisionamento psíquico, provocando uma separação física e psíquica do outro alienante, ou seja, do seio familiar e do fantasma parental que lhe abdicava do direito ao discurso e à ação. Foto: Shutterstock.com Bonneuil é um espaço onde o discurso da criança e sua ação são livres, sem arestas. O desafio de Mannoni era mostrar que o convívio social exige alguns acordos. Para isso, a psicanalista pretendia conscientizar a sociedade sobre as especificidades no desenvolvimento dessas crianças. O maior objetivo da equipe que trabalhava – e trabalha – na escola é a luta contra a exclusão social, promovendo a ideologia antimanicomial. A proposta não é o ajustamento social, mas o questionamento dos moldes psiquiátricos e da ação devastadora de seus significantes. Na Bonneuil, as críticas são bem recebidas. Mantém o espírito ideológico como pilar estruturante da instituição e legitima o termo experimental ao nome da escola. Juliette Favez-Boutonier e George Mauco e o primeiro Centro Psicopedagógico Bossa (2011) e Masini et al. (1993) apontam que, em 1946, surgiu o primeiro Centro Psicopedagógico em Paris, fundado por Juliette Favez-Boutonier (1903-1994) e Georges Mauco (1899-1988). O nome “Centro Psicopedagógico” foi a forma que os fundadores encontraram para que os pais levassem seus filhos (considerados com problemas) com menos constrangimento para um atendimento com direção médica e pedagógica. Os atendimentos procuravam intervir nos comportamentos considerados inadequados socialmente e nas dificuldades de aprendizagem. Esta foi uma das primeiras tentativas de articulação entre Medicina, Pedagogia, Psicanálise e Psicologia na busca pela compreensão da criança e de seu meio, visando a uma ação reeducadora. Uma das preocupações era diferenciar e caracterizar as crianças que não aprendiam ou que possuíam dificuldade de aprendizagem daquelas que apresentavam deficiência intelectual — até então denominada deficiência mental — ou alguma dificuldade sensorial (BOSSA, 2011). Pedagogia Curativa e Grupos Operativos A partir de 1948, a Pedagogia Curativa despontou entre os estudos e as práticas voltadas para as dificuldades de aprendizagem. De acordo com Mery (1985), o pedagogo francês Maurice Debesse (1903-1998) propôs esse método voltado para a readaptação pedagógica de alunos que, embora inteligentes, demonstravam maus resultados escolares. O objetivo era auxiliar nos processos voltados para a aquisição dos conhecimentos, mas também para a promoção da personalidade. Os primeiros estudos e as primeiras atividades europeias inspiraram iniciativas em outros continentes, entre eles a América – sobretudo na América do Sul. Estudos de referência encontram-se na Argentina, como os do psiquiatra suíço Enrique Pichon-Rivière (1907- 1977). Inspirado nas premissas da Psicanálise e da Psicologia Social, Pichon-Rivière criou a teoria e a técnica dos Grupos Operativos (FABRIS, 2009) para a compreensão da estrutura e do funcionamento dos grupos, articulando processos de intervenção voltados para a aprendizagem (PEREIRA, 2013). Foto: Maxildsm/Wikimedia Commons/CC-BY-SA-4.0 É uma técnica não diretiva que, com base na análise de uma situação vivenciada em grupo, fomenta um campo de investigação ativa (PICHON-RIVIÈRE, 2000). Para isso, o coordenador do grupo tem o importante papel de mediar, facilitar e potencializar a comunicação entre os integrantes, tornando o grupo operativo para além da realização mecânica da tarefa atribuída. Com essa proposta, Pichon-Rivière ofereceu uma alternativa aos atendimentos psicopedagógicos a partir de oficinas pedagógicas, voltadas para crianças e adolescentes que demonstrassem dificuldades de aprendizagem, contribuindo para uma mudança gradual dos que estão inseridos no grupo. Nos Grupos Operativos, são potencializadas as questões de convívio social, de partilha de concepções, de elaboração de conflitos, de reflexões e insights (clareza súbita), fomentando a reelaboração das demandas sociais e psíquicas do sujeito de acordo com seu percurso de aprendizagem. AS PRIMEIRAS INSPIRAÇÕES PARA A PSICOPEDAGOGIA A especialista Gabriela Maffei Moreira Malagolli abordará as primeiras inspirações para o surgimento da Psicopedagogia, destacando as contribuições dos primeiros estudiosos até a efetivação das práticas pioneiras no campo. MÓDULO 2 Identificar os principais movimentos da Psicopedagogia na Argentina INFLUÊNCIAS EUROPEIAS NA PSICOPEDAGOGIA ARGENTINA Um dos países da América Latina que se destaca por estudos, pesquisas, práticas e formação de profissionais no campo da Psicopedagogia é a Argentina, sobretudo com propostas de intervenção no âmbito da aprendizagem (BERTRAN, 2006). As influências europeias, inicialmente marcadas por propostas médico-pedagógicas, impactaram de forma significativa o país. De acordo com Bossa (2011), as premissas da Psicopedagogia na Argentina estão enraizadas, majoritariamente, nos autores franceses. Já abordamos alguns deles no módulo anterior, como Georges Mauco, Maurice Debesse, Enrique Pichon-Rivière, Françoise Dolto e Maud Ferreira Mannoni. Agora, vamos apresentar outros autores e um breve resumo de suas contribuições para a área. Jacques-Marie Émile Lacan (1901-1981) Psicanalista francês que contribuiu com as bases da Psicanálise estruturalista e os estudos sobre a influência do simbólico na organização e no desenvolvimento da linguagem. Julian de Ajuriaguerra (1911-1993) Psiquiatra e professor francês de origem espanhola que deixou contribuições ímpares para o tratamento e o acompanhamento dos distúrbios da psicomotricidade. René Diatkine (1918-1998) Psiquiatra e psicanalista francês que deixou estudos referentes ao tratamento das psicoses em crianças e adultos. Michel Lobrot (1924-) Educador francês que defendeu o conceito de autogestão como estratégia para minimizar ou eliminar a repressão e a coerção na educação. Janine Mery Psicopedagoga francesa que adotou o termo Psicopedagogia Curativa para se referir à ação terapêutica que tem como frentes de investimento os recursos pedagógicos e psicológicos no apoio às crianças que demonstram fracasso escolar. Pierre Vayer Psicólogo francês que propôs o diálogo corporal como recurso para a promoção da psicomotricidade. DESENVOLVIMENTOS DA PSICOPEDAGOGIA NA ARGENTINA Os pesquisadores franceses influenciaram as pesquisas, os estudos e as produções de autores argentinos, tais como: Sara Paín, Jorge Visca, Alicia Fernández, Nadia Bossa, Carmen Alicia Montti. Vamos nos ater aqui, mais especificamente, aos três primeiros. Sara Paín É psicóloga, Doutora em Filosofia pela Universidade de Buenos Aires e em Psicologia pelo Instituto de Epistemologia Genética de Genebra, Suíça. Paín exilou-se na França durante a ditadura argentina, onde reside desde a década de 1970 e leciona na Universidade Paris XIII e na Faculdade de Psicologia em Tolouse. Participa de projetos para a formação de professores na Europa e na América Latina. Além de ser pesquisadora, Sara Paín postulou os fundamentos teóricos do processo de aprendizagem, considerando-a como instância alienante e possibilidade libertadora. Suas obras resgatam o processo histórico da aprendizagem, fornecendo elementos para a avaliação e a intervenção psicopedagógica, com orientações práticas relevantes para os processos que envolvem a devolutiva diagnóstica para a família e a pessoa envolvida. A pesquisadora ainda trata das dimensões do processo de aprendizagem, descrevendo-as em biológicas, cognitivas e sociais. A articulação desses fatores contribui para a combinação das variáveis que envolvem as condições internas e externas de aprendizagem, ou seja: As condições da pessoa: Fatores orgânicos, fatores específicos da linguagem e fatores de natureza psíquica, que nos ajudam a compreender os sintomas. Suas principais obras são: Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem (1985) Psicopedagogia Operativa (1987) A função da ignorância (1991) Jorge Pedro Luis Visca Conhecido como Jorge Visca, o psicólogo social argentino foi autor da Epistemologia Convergente. Sua teoria propõe três frentes de estudo em Psicologia: A Psicanálise, de Sigmund Freud A Psicologia Social, de Enrique Pichon-Rivière A Epistemologia Genética, de Jean Piaget A convergência dessas três vertentes teóricas permite aos profissionais preocupados com o desenvolvimento e a aprendizagem humana compreender a complexidade do processo que envolve o ensinar e o aprender, considerando as variáveis que impactam nessa dinâmica. Tais variáveis incluem os aspectos cognitivos, afetivos, sociais e estruturais em diferentes contextos: escola, família e demais espaços de aprendizagem, como centros de apoio psicossocial, centros de acolhida social e núcleos de apoio pedagógico (VISCA, 1991). A Psicanálise contribui com o estudo, a análise e as inferências sobre a percepção, a afetividade e a memória, possibilitando um olhar cuidadoso sobre as ações da pessoa no cotidiano e sobre como o vínculo com a aprendizagem se constitui. A Psicologia Social fornece elementos para a compreensão das relações e contradições que se constroem nos grupos sociais. Inspirado na Psicanálise e na Psicologia Social, Pichon-Rivière propõe uma técnica não diretiva para analisar uma situação vivenciada em grupo. Já a Epistemologia Genética valoriza os aspectos cognitivos, enaltece o sujeito que aprende como protagonista do processo, considerando as demandas do organismo como singulares de acordo com os esquemas assimiladores possíveis. Entre suas obras, podemos citar: Clínica psicopedagógica: epistemologia convergente (1985) Diagnóstico operatório na prática psicopedagógica de crianças, adolescentes e adultos (2008) O esquema evolutivo da aprendizagem (2020) Alicia Fernández Foi uma psicopedagoga, formada no tradicional e reconhecido curso de Psicopedagogia da Universidad del Salvador (USAL). Responsável pela formação de muitos profissionais na Argentina, no Brasil, no Uruguai e em Portugal, fomentou parcerias para o desenvolvimento de estudos e o aprimoramento de práticas. Durante sua formação, Alicia conheceu Pichon- Rivière, Blanca Tarnopolsky e Paín. Alicia Fernández conheceu Paín em 1974, auxiliando-o nos trabalhos desenvolvidos no setor de Psicopatologia do Hospital Pinheiro, cujas experiências foram registradas no já mencionado livro Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem (1985). O contato com as pesquisadoras foi interrompido em 1976 — ano do início da ditatura na Argentina. Blanca Tarnopolsky e sua família foram assassinados, e seus materiais de pesquisa, queimados. Os atendimentos no Hospital Pinheiro foram suspensos. Esses e outros eventos contribuíram para o exílio de vários estudiosos. Neste cenário, Fernández exilou-se no Brasil, onde criou o conceito de inteligência aprisionada, inspirada nos temores, nas angústias e na esperança vivenciados durante o período da ditadura. Com o fim da ditadura em 1982, Fernández voltou para a Argentina e começou a trabalhar no Centro de Aprendizagens do Hospital Posadas. Com um trabalho interdisciplinar e inspirada em Paín e PichonRivière, propôs a relação entre escola, família e hospital, por meio da musicoterapia e da expressão plástica e corporal. Sua obra A inteligência aprisionada: abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família (1991) aborda os aspectos clínicos da criança e da família, contemplando as variáveis institucionais, familiares e subjetivas que influenciam no processo terapêutico. Fernández retrata a criança com as necessidades infantis, assim como as possibilidades de aprender, envolvidas a partir da relação com o outro, em uma dinâmica que contempla seu organismo, sua inteligência e seu desejo, mesmo que de forma inconsciente. Esse processo também articula as condições que levam à omissão do aprender, à repressão, à inteligência aprisionada. Foi nesse contexto que ela propôs o chamado Diagnóstico Interdisciplinar Familiar de Aprendizagem em uma só Jornada (DIFAJ). Aqui, a participação dos pais era indispensável para a compreensão da origem e das variáveis que permeiam as dificuldades de aprendizagem. Fernández sempre acreditou na relação entre família e escola, defendendo que aqueles que aprendem (aprendentes) precisam do apoio daqueles que ensinam (ensinantes). Em outras palavras, os pais e os professores precisam proporcionar autonomia, autoria e crença no potencial às crianças, além de oferecer espaço para o reconhecimento de suas hipóteses a respeito do conteúdo ensinado. Conforme a estudiosa destacou, esse processo não se inicia na escola, mas nos primeiros vínculos estabelecidos com a família, de forma inconsciente e inteligente, a partir de um conceito intitulado por ela de modalidade de aprendizagem, que indica meios e condições que devem ser articulados em situações de aprendizagem. Fernández pensava na Psicopedagogia como um campo que não se preocupa com o conteúdo, mas como ensinantes e aprendentes se posicionam, promovendo ou não o conhecimento e o saber. Entre suas obras, destacam-se: A inteligência aprisionada: abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família (1991) O saber em jogo: a psicopedagogia proporcionando autorias do pensamento (2001) Os idiomas dos aprendentes: análise das modalidades ensinantes com famílias, escolas e meios de comunicação (2001) PRIMEIRO CURSO DE PSICOPEDAGOGIA E PRIMEIROS CENTROS DE SAÚDE MENTAL ARGENTINOS Na década de 1950, em Buenos Aires, surgiu o primeiro curso de Psicopedagogia, criado pela Universidade de Buenos Aires (FERNÁNDEZ, 1991). Conforme apontam Carmen Alicia Montti, Alicia Fernández e Nadia Bossa, nessa época, surgiu a preocupação com a reeducação psicopedagógica como estratégia para enfrentar a explosão demográfica vivenciada pela Argentina após a Segunda Guerra Mundial, que impactou no aumento de matrículas escolares. As escolas argentinas não estavam preparadas para absorver o número significativo de estudantes, o que ocasionou um grande volume de reprovações, evasões e fracasso escolar. Os primeiros Centros de Saúde Mental foram organizados a partir da década de 1970, com equipes de psicopedagogos atuando em diagnósticos e programas de acompanhamento voltados para as dificuldades de aprendizagem (MERY, 1985; BOSSA, 2011). Os psicopedagogos perceberam que, após um ano de acompanhamento, as dificuldades de aprendizagem eram minimizadas ou resolvidas, mas os distúrbios de personalidade surgiam como deslocamento de sintoma. Em outras palavras, esses profissionais notaram que as intervenções ainda eram superficiais, pois focavam nos sintomas e não na real causa da dificuldade. Eliminavam um problema, mas geravam outro. Nesse sentido, resolveram investir “no olhar e na escuta clínica psicanalítica” – uma das marcas mais relevantes no perfil atual do psicopedagogo argentino. Há três momentos distintos na história da Psicopedagogia na Argentina, que compreende os períodos de 1956 a 1961, de 1963 a 1969 e após 1970. SURGIMENTO DA PSICOPEDAGOGIA NA ARGENTINA: DE 1956 A 1961 A Psicopedagogia surgiu no cenário argentino como uma disciplina no curso de Psicologia, na Faculdade de Psicologia da USAL, em Buenos Aires. Na prática, a atividade psicopedagógica já existia antes da criação do primeiro curso. Profissionais com formação em áreas cuja preocupação se voltava para a interface entre o desenvolvimento humano e a aprendizagem, tais como Neuropsicologia, Fonoaudiologia e Psicologia Escolar, perceberam a necessidade de ocupar um espaço entre a Psicologia e a Pedagogia. Iniciaram com estratégias voltadas para a reeducação na tentativa de minimizar o fracasso escolar. O primeiro curso universitário foi instituído na Argentina, em 1956, por Arminda Aberastury (Psicanalista e esposa de Enrique Pichon-Rivière) . Pioneiro na América Latina, o curso tinha como propósito oferecer uma Especialização para professores com duração de três anos (RENAULT, 2006). Assim, na Faculdade de Psicologia funcionava o Instituto de Psicopedagogia, visando à formação de profissionais especializados. Durante o primeiro período, a ênfase residia na formação filosófica e psicológica para a estruturação, o desenvolvimento e a divulgação da nova prática: a Psicopedagogia. O objetivo era levantar recursos para lidar com os graves problemas que a Pedagogia enfrentava, envolvendo a compreensão das variáveis que influenciam no processo de ensino e aprendizagem e as estratégias para minimizar e superar as dificuldades relacionadas ao aprender, assim como o fracasso escolar. Conforme nos esclarece Renault (2006), em 1961, a formação se dividia em três: Formação do professor de ensino secundário
Formação específica em Psicopedagogia
Formação relacionada ao licenciado em Psicopedagogia
INFLUÊNCIA DA PSICOLOGIA EXPERIMENTAL: DE 1963 A 1969
No período de 1963 até 1969, percebe-se a influência da Psicologia Experimental na formação do psicopedagogo na Argentina. Os professores do curso de formação notaram a necessidade de instrumentalização do futuro profissional, voltada para a tendência da época de mensurar as funções cognitivas e afetivas. Eram objetos de estudo e de pesquisa da Psicologia Experimental a observação do comportamento, com testes e modelos matemáticos aplicados à percepção, à aprendizagem, à decisão, à interação, entre outros aspectos. A ação era controlada com observação e sistematização. Os testes e modelos eram experimentais, ou seja, organizados com base nos seguintes princípios teóricos e práticos da pesquisa experimental: A existência de um problema definido e delimitado. A formulação de hipótese(s) que garantisse(m) a verificação dos comportamentos que se pretendia observar, caracterizando o método operacional. A observação e o controle dos eventos que ocorriam durante o processo de experimentação (ocorrências). O registro dos eventos ou das ocorrências mediante prontuário e planilha de controle. A análise dos eventos ou das ocorrências durante o período investigado — a análise dos dados que culmina na conclusão do estudo. Esses cuidados garantiam o estudo do controle das variáveis independentes provocadas em função da variável dependente, com registro e medição rigorosos e precisos. CRIAÇÃO DA FACULDADE DE PSICOPEDAGOGIA: APÓS 1970 A partir de 1971, o Instituto de Psicopedagogia passou a admitir os alunos que não possuíam conhecimento nas áreas da Pedagogia. Em 7 de agosto de 1972, esse instituto se transformou na Faculdade de Psicopedagogia, valorizando, priorizando e defendendo a investigação e a orientação psicopedagógica (RENAULT, 2006). Em 1978, o curso passou a ser de graduação em cinco anos e a incluir disciplinas de clínicas pedagógicas e função terapêutica, potencializando o surgimento dos Centros de Saúde Mental. Nesta época, teve início a distinção entre as áreas de atuação da educação e da saúde, ou seja, em instituições ou em clínicas. Este terceiro momento procurou valorizar a área clínica, priorizando o diagnóstico e o tratamento, à luz da Psicanálise, inspirado nos ideais europeus de controle, aferição e encaminhamentos que, na maioria das vezes, eram determinantes na trajetória acadêmica e pessoal das crianças, dos adolescentes e dos adultos (FONTES, 2006). Em 1984, o Ministério da Educação Argentina publicou a Resolução nº 2.473, em que foram definidas as responsabilidades da profissão do psicopedagogo no país. A partir de então, somente os licenciados em Psicopedagogia poderiam exercer a profissão clínica (RENAULT, 2006). Neste período, surgiu a ideia da criação de um código de ética da profissão, que valorizasse a formação biopsicossocialespiritual, garantindo a regulamentação na sociedade perante as leis do país (BERTRAN, 2006). A partir de 1995, as práticas da docência, investigação e assistência passaram a ser o eixo central da formação em Psicopedagogia, articulando ensino, pesquisa e extensão universitária. No ano de 1996, a Argentina mudou as leis do Ensino Superior, permitindo que no ano seguinte fossem criados ciclos no curso de Licenciatura para psicopedagogos. Esses ciclos eram destinados aos estudantes que haviam concluído os Institutos Secundários Não Universitários e para os graduados na USAL do período anterior à Licenciatura Plena. Era uma tentativa de compensar o currículo até então instalado, para que os novos estudantes pudessem acompanhar os estudos e as pesquisas exigidos pelo curso. De acordo com as novas leis do Ensino Superior e a consequente revisão dos Planos de Ensino, o futuro psicopedagogo também poderia atuar em novas áreas relativas à saúde e à empresa (RENAULT, 2006). Com essas possibilidades, a profissão se expandiu, projetando- se em outras cidades do país, como Posadas, Bahia Blanca, Santa Rosa, Rosário, Corrientes, San Martín, Sarandí, San Antonio de Pádua e Ramos Mejía. Atualmente, a USAL uniu as faculdades de Psicologia e de Psicopedagogia, onde foram disponibilizados dois planos de estudos, cuja matriz mais recente é de 2015. As matrizes são compostas pelos seguintes ciclos: CICLO BÁSICO Dois anos de formação, este ciclo é constituído pelas disciplinas do eixo de fundamentos do curso, contemplando: Neurociências, Filosofia, Psicologia e Teologia etc. CICLO DE FORMACIÓN PROFESIONAL (CFP) Com mais dois anos de formação, este ciclo envolve as disciplinas do eixo de metodologias e práticas, incluindo: diagnóstico e intervenção, técnicas, seminários, práticas, pesquisas e treinamento etc. Especificamente quanto às disciplinas de diagnóstico, várias provas e diversos testes estão disponíveis para a atuação do psicopedagogo argentino (BOSSA, 2011). Entre eles, destacam-se: A Escala Weschsler de Inteligência para Crianças (WISC) As provas operatórias piagetianas A Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem (EOCA) O teste gestáltico visiomotor de Bender Os testes projetivos: Teste de Apercepção Temática Infantil (CAT), Teste de Apercepção Temática (TAT), Desenho da Família, Desenho da Figura Humana e Teste de Personalidade (HTP) Os testes psicomotores: prova de estruturas rítmicas e teste de lateralidade O jogo psicopedagógico: objetos lúdicos Ao concluir os quatro anos de formação, o futuro profissional obterá os títulos de professor do Ensino secundário, normal e especial em Psicopedagogia. A ESCOLA PSICOPEDAGÓGICA ARGENTINA A especialista Gabriela Maffei Moreira Malagolli abordará as influências francesas na linha de pensamento e de prática argentina, destacando os primeiros centros de formação e o diálogo inicial com o Brasil. MÓDULO 3 Reconhecer os principais movimentos da Psicopedagogia no Brasil DESENVOLVIMENTOS DA PSICOPEDAGOGIA NO BRASIL A literatura francesa influenciou os estudos, as pesquisas e o exercício da Psicopedagogia argentina que, por sua vez, inspirou a práxis brasileira. Conforme Bossa (2011), a atuação dos psicopedagogos no Brasil difere em alguns aspectos da situação na Argentina, principalmente, considerando as condições da formação. Ao nos debruçarmos sobre os estudos que versam sobre a Psicopedagogia no Brasil, em especial, o levantamento organizado por Rubinstein, Castanho e Noffs (2004), encontramos alguns elementos importantes para nossa compreensão. O fracasso escolar tem sido objeto de estudo e interesse científico desde o início do século XX no Brasil. Entre as décadas de 1930 e 1940, mais de 50% das crianças ficaram retidas no 1º ano do Ensino Fundamental (SAWAIA, 2002). Naquele contexto, o aluno era culpado por seu desempenho escolar, ou seja, somente os fatores orgânicos eram considerados para o entendimento do fracasso escolar. As demais variáveis, como as possíveis práticas inadequadas dos docentes, a falta de apoio e acompanhamento familiar, a ausência de incentivo de políticas públicas, entre outras situações, não era levantada em conta.
Considerando somente as demandas do aluno, eram habituais os testes de psicometria,
como o teste de inteligência para mensurar a capacidade intelectual. Injustamente, muitos eram classificados com deficiência intelectual e encaminhados para as escolas ou instituições especiais. Gerações foram excluídas do convívio social e escolar, impactando trajetórias pessoais e rotulando crianças e jovens por toda a vida, sem perspectivas futuras. Entre as décadas de 1960 e 1970, a explicação para o fracasso escolar apoiou-se na Teoria da Carência Social, cujo princípio defendia que o desempenho escolar insuficiente decorre do meio cultural deficitário e vulnerável dos alunos. Atualmente, com o avanço das pesquisas e o reconhecimento científico, sobretudo em estudos na área de Psicologia Social e Escolar, Educação Escolar e Psicopedagogia, a análise contextual tem ganhado espaço, considerando as múltiplas variáveis que recaem sobre a pessoa em desenvolvimento e em processo de aprendizagem. Esses estudos consideram a relação que o sujeito estabelece com o conhecimento, a relação entre professor e aluno, as práticas docentes, a relação entre o aluno e seus pares (colegas de classe), as estratégias da escola, a relação família-escola e as influências das políticas públicas nos ambientes dos quais o sujeito participa. Nesta perspectiva, o diagnóstico psicopedagógico procura investir nos fatores de proteção que circundam o contexto da pessoa, potencializando seus recursos e minimizando suas adversidades. Há o cuidado para averiguar o que se considera proteção e o que é considerado risco para a pessoa que aprende: dependendo do contexto e das relações construídas nele, o que é considerado risco em uma situação pode ser considerado proteção em outra. No contexto do exemplo mencionado, em que sentido ter os pais morando juntos, casados ou em um relacionamento estável, favorece a aprendizagem ou o apoio e o incentivo ao filho na escola? Ou ainda: a família monoparental pode apresentar mais fatores de proteção do que de risco, na medida em que preserva a criança de presenciar os pais discutindo e se agredindo? Ambiente conflituoso no lar pode afetar a aprendizagem da criança. A experiência confirma que a análise da singularidade dos conflitos pode contribuir para reverter o insucesso escolar ou diminuir sua incidência. Com o deslocamento do foco do problema do aluno para a consideração das variáveis contextuais, a atuação do psicopedagogo também ganhou espaço e notoriedade nas escolas, deixando de contribuir exclusivamente para o contexto clínico, em clínicas e institutos especializados ou hospitais-escola — também chamados de hospitais-dia. Mesmo deslocando e galgando outros espaços de atuação, a preocupação ainda é a relação entre a pessoa e a aprendizagem, entendendo esta última como: Processo e não produção. Apropriação do conhecimento como possibilidade cognitiva e psíquica. Articulação entre os conhecimentos que a pessoa já possui e as possibilidades de aprender novos conteúdos, desenvolvendo saberes. Transmissão do conhecimento por meio do outro, isto é, consideração do par aprendente- ensinante com seus conflitos, seus desafios e suas transferências. INICIATIVAS BRASILEIRAS Em 1906, foram encontrados registros de atendimentos no Laboratório de Psicologia Pedagógica, no Rio de Janeiro, com ênfase médica. Em 1914, o Gabinete de Psicologia Científica da Escola Normal Secundária, em São Paulo, iniciou suas atividades no campo do ensino e da aprendizagem. Dado um salto no tempo, a partir da década de 1940, ainda no Rio de Janeiro, a Secretaria de Saúde passou a atender estudantes com dificuldades de aprendizagem. Na década de 1950, houve um avanço muito grande, classes especiais foram criadas com atendimentos voltados para estudantes classificados como “deficientes mentais”. Para a época, foi muito significativa a retirada das pessoas de instituições especializadas e a aproximação com o contexto regular de ensino. Com o tempo, notou-se que esse atendimento mascarava as tentativas de inclusão escolar, na medida em que ainda preservava um ambiente segregador, com horários de entrada, intervalo e saída específicos para o público que atendia. Os estudantes das classes especiais, ainda rotulados, na realidade não conviviam com os demais da escola. Ainda na mesma década, no Rio Grande do Sul, a Secretaria da Educação iniciou estudos e pesquisas sobre educação e linguagem em parceria com o Centro de Educação da Universidade de Genebra. A partir de 1960, no Estado da Guanabara, criou-se o Departamento de Educação Especial, com atendimentos para crianças com dificuldades de aprendizagem. Essas iniciativas colaboraram para impulsionar o surgimento da Psicopedagogia no Brasil. Em 1966, no Rio Grande do Sul, diante da preocupação e da sensibilização com o alto número de alunos com dificuldades de aprendizagem, foram criadas as Clínicas de Leitura. Na década de 1970, já havia mais de 300 Clínicas de Leitura no Rio Grande do Sul, com estudos e práticas na interface entre a Medicina e a Educação. O objetivo era adaptar as crianças, para integrá-las ao sistema regular de ensino. Em São Paulo, na mesma década, começavam a ganhar destaque os estudos de Genny Golubi de Moraes. A abordagem organicista ainda prevalecia na década de 1970, com ênfase nas disfunções neuromotoras, chamadas de Disfunções Cerebrais Mínimas (DCMs). A sigla era amplamente utilizada por pais e professores para explicar o insucesso do aluno. A patologização do fracasso e a culpabilização do aluno denotavam o discurso social da época, procurando, dessa forma, compensar as vulnerabilidades sociais que impactavam no desempenho acadêmico. Essa concepção justificava a procura pelos consultórios médicos — ainda hoje, um hábito entre as famílias brasileiras. Muitos encaminhamentos para o acompanhamento psicopedagógico advinham de consultas com pediatras, indicado, muitas vezes, pela escola. Filas de crianças e adolescentes se formavam nos corredores dos hospitais, aguardando o diagnóstico. Em meio a esse contexto, foi criado o primeiro curso de Psicopedagogia no Brasil, em São Paulo, em 1979, oferecido pelo Instituto Sedes Sapientiae por iniciativa da pedagoga e psicodramatista Maria Alice Vassimon e da madre Cristina Sodré Dória, diretora do Instituto. Na década de 1980, mudanças na concepção e no entendimento do insucesso escolar e das dificuldades de aprendizagem foram sinalizadas. Dois movimentos começaram a despontar. O primeiro tinha o objetivo de compreender o fracasso escolar, levantando os elementos intraescolares, isto é, os aspectos estruturais, funcionais e da dinâmica interna da escola. O segundo, de ênfase clínica, com profissionais da área da Fonoaudiologia, Pedagogia e Psicologia, tinha a proposta de reeducação psicopedagógica voltada para a intervenção adaptativa. Esses dois movimentos contribuíram para uma visão dinâmica da queixa escolar, abarcando um maior número de variáveis no entendimento do fracasso escolar. A partir da década de 1990, a consideração e a compreensão do aspecto psicológico do sujeito que aprende ganharam impulso com contribuições de Jean Marie Dolle, Maria Cristina Machado Kupfer e Leandro de Lajonquière. A preocupação era com a necessária diferenciação entre intervenção psicopedagógica e intervenção psicanalítica, exigindo, portanto, a revisão das bases teóricas do conhecimento na Psicopedagogia. CONTRIBUIÇÃO DE GENNY GOLUBI DE MORAES Esta pesquisadora desenvolveu um trabalho pioneiro na área da Psicopedagogia no Brasil, atuando, essencialmente, na prevenção das dificuldades de aprendizagem. Foi uma das responsáveis pela defesa de cada vez menos encaminhamentos às clínicas por problemas escolares. Entre suas principais obras, encontra-se Prontidão para a Alfabetização (1966). Genny de Moraes atendia grupos de crianças, no máximo cinco, que eram encaminhados com dificuldades de aprendizagem. Esses grupos tinham o mesmo nível escolar e problemas semelhantes. O foco era potencializar a habilidade socioemocional, reprimida e excluída na escola. Ela se preocupava com a utilização de métodos inadequados na alfabetização, que poderia comprometer as habilidades para a leitura e a escrita. Acreditava que as habilidades para a alfabetização caminhavam harmonicamente com a maturação cognitiva das crianças, ou seja, os pré-requisitos para a alfabetização não surgiam espontaneamente no repertório das crianças, mas precisavam ser desenvolvidos com o trabalho pedagógico. Quando algum evento comprometia esse percurso, como, por exemplo, não ter frequentado a educação infantil ou manifestar atraso na maturação neurológica, a criança poderia apresentar dificuldades nas primeiras tarefas escolares, então, seria necessário treinar e adequar sua atenção, coordenação motora e percepção. Com 20 anos de estudos na Clínica Psicológica da PUC-SP, Genny de Moraes concluiu que o método mais adequado de alfabetização era o analítico-sintético, por favorecer a capacidade de análise e de síntese das crianças a partir de exercícios que, gradualmente, exigiam complexidade para as habilidades de leitura e escrita. A partir de palavras simples do cotidiano da criança, era solicitada a decomposição, possibilitando a análise de seus elementos constitutivos, ou seja, de quais partes a palavra era formada. Nessa etapa do trabalho, a criança se familiarizava com grafemas e fonemas para treino motor e visualização. O treino motor era estimulado pelo tracejado em linhas pontilhadas, em preto e branco — a fim de chamar a atenção para o conteúdo —, formando os grafemas. Na sequência, esses grafemas eram copiados sem pistas visuais, exigindo da criança o resgate, na memória, de seus movimentos e a percepção das formas para executar o movimento das letras. Esse exercício fomentava o aprimoramento da coordenação óculo- manual, com o recurso do simbólico, e se caracterizava como a primeira fase do método. A segunda fase era trabalhada com palavras complexas. Esse método permitia a aplicação individual ou em grupo. Para essa definição, o professor precisava conhecer sua turma de alunos, ou seja, realizar o mapeamento da sala mediante a sondagem, para descobrir o que eles já sabiam e o que precisavam saber. Após a aplicação e a análise do método, o professor teria recursos para perceber as habilidades e dificuldades das crianças. Moraes tinha ciência de que cada criança possuía um ritmo próprio de desenvolvimento e aprendizagem. Portanto, algumas poderiam não ser sensíveis às atividades propostas. Nesse sentido, a pesquisadora adaptava o método, flexibilizando-o para o fonético ou silábico e conscientizando os professores dessa necessidade, de acordo com as demandas da criança. Atenta e sensibilizada às especificidades das crianças com necessidades educacionais e à preparação para a alfabetização, Moraes, em parceria com a psicóloga Ana Maria Poppovic, adaptou o Teste de Prontidão para a Alfabetização, de Gertrude H. Hildreth e D. Nellie L. Griffiths. Procurada por muitos professores de escolas públicas, preocupados com as dificuldades de aprendizagem das crianças, Moraes publicou a obra Coordenação da leitura e da escrita: Alfabetização. Realfabetização: Ao professor (1986) – fruto de suas pesquisas sobretudo com estágios nas escolas. O objetivo era evitar um número significativo de encaminhamentos ao tratamento psicopedagógico. A publicação era uma cartilha, utilizada tanto nas escolas quanto na clínica, com exercícios planejados, para permitir que as crianças alcançassem as etapas sucessivas de alfabetização de acordo com sua maturação. Após três anos de utilização nas escolas, resultados positivos foram conquistados. A contribuição de Moraes auxiliou crianças com dificuldades de aprendizagem na leitura e na escrita, com dislalia, dislexia e deficiência intelectual. Com os professores, ela ofereceu recursos para que conhecessem seus alunos de forma mais integrada e atuassem diante das dificuldades antes que estas se agravassem. FORMAÇÃO DO PSICOPEDAGOGO BRASILEIRO Os aportes teóricos argentino e europeu influenciaram de forma significativa a formação do psicopedagogo brasileiro. Ana Maria Rodriguez Muñiz, Alicia Fernández, Ana Teberosky, Bernardo Quirós, Emília Ferreiro, Jorge Visca, Jacob Feldman, Mabel Condemarin e Sara Paín contribuíram diretamente na formação teórica e prática dos psicopedagogos brasileiros, impactando na construção de um modelo de intervenção clínica, com inspiração na Epistemologia Genética, Psicologia Social, Psicanálise, Psicolinguística e Neurociência. Neste cenário, considera-se a formação oferecida pelo Laboratório de Psicopedagogia do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), coordenado pelo professor Doutor Lino de Macedo, e o Aprimoramento em Psicopedagogia para Pedagogos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, que, por muitos anos, foi coordenado pelas professoras Doutoras Edna Maria Marturano e Maria Beatriz Martins Linhares. Ambos os cursos foram e são responsáveis pela formação de psicopedagogos por décadas, contribuindo para projetos de pesquisas de Mestrado e Doutorado, com iniciativas em escolas de periferia e com atendimento gratuito à comunidade. A trajetória aqui relatada evidencia que, na Argentina, a Psicopedagogia possui uma perspectiva específica, advinda do histórico de estudos e pesquisas com fundamentos nas propostas europeias. Historicamente, na Argentina, o curso de Psicopedagogia é de Graduação, com quatro anos de duração, o que contempla um maior período de estudos e pesquisas. No Brasil, por sua vez, a maioria dos cursos é de Especialização ou de aprimoramento profissional, alinhado à proposta de oferta aos profissionais já formados nas áreas afins da aprendizagem humana, como Pedagogia, Psicologia ou Fonoaudiologia. No entanto, percebe-se abertura para outras ofertas, como os cursos de Graduação estruturados a partir de uma grade curricular ampla, atualizada e alinhada às propostas de avaliação e intervenção psicopedagógica. Muitos testes psicopedagógicos que são aplicados na Argentina não são autorizados no Brasil, por serem considerados de uso exclusivo dos psicólogos (BOSSA, 2011). Esse fator contribui para uma menor variabilidade de testes em nosso país durante o processo de diagnóstico, dificultando abarcar um conjunto maior de variáveis para a compreensão do caso estudado. Essa situação também demanda uma formação mais ampla referente às possibilidades de investigação diagnóstica quanto ao treinamento, à condução da entrevista, à análise dos dados, à construção do relatório e à devolutiva para a pessoa envolvida e para a família. REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE PSICOPEDAGOGO NO BRASIL A profissão de Psicopedagogia requer a defesa pela revisão das práticas e teorias que não contribuem para o sucesso escolar. É preciso rever as possibilidades na escola, em parceria com os professores, para a articulação de alternativas que possam atender com eficácia e qualidade os estudantes. Na clínica, é preciso considerar e partir da análise contextual, abarcando o conjunto de variáveis que contribuem para o desempenho escolar. Após 11 anos de tramitação, no dia 5 de fevereiro de 2014, a Comissão de Assuntos Sociais aprovou o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados, PLC 31/2010, que regulamenta a atividade de Psicopedagogia. Esse projeto afirma que a profissão poderá ser exercida por graduados e por especialistas em Psicopedagogia e com formação inicial em Psicologia, Pedagogia ou outra Licenciatura e Fonoaudiologia. O curso de Psicopedagogia deverá ter a duração mínima de 600 horas. A HISTÓRIA DA PSICOPEDAGOGIA NO BRASIL A especialista Gabriela Maffei Moreira Malagolli abordará as influências europeias e argentinas no Brasil e que impactaram no surgimento dos primeiros centros de formação no país, contribuindo para a articulação de estudos, pesquisas e práticas em todo o território nacional.
MÓDULO 4
Identificar as principais características das teorias de aprendizado
TEORIAS DE APRENDIZADO Como campo interdisciplinar, a Psicopedagogia contempla estudos e pressupostos de várias vertentes teóricas. Os fundamentos teóricos que respaldam o processo do ensino e da aprendizagem oferecem os elementos para compreendermos as variáveis que permeiam esse processo, entre as quais estão: Os recursos e as demandas da pessoa que aprende. A relação entre os vários contextos dos quais a pessoa participa. A relação entre ensinante e aprendente. EPISTEMOLOGIA GENÉTICA Formulada pelo biólogo suíço Jean Piaget (1896-1980), a Epistemologia Genética foi elaborada no Centro Educacional de Epistemologia Genética de Genebra, fundado em 1955. Essa teoria do desenvolvimento cognitivo busca a compreensão das possibilidades e limitações do conhecimento, utilizando o método clínico e observando como o sujeito passa de um conhecimento simples para um mais complexo. De acordo com a Epistemologia Genética, a aquisição do conhecimento ocorre por meio das estruturas cognitivas, bem como pela interação com o meio, mediante a maturação do Sistema Nervoso Central, as experiências físicas e lógicas, a transmissão social e o equilíbrio das estruturas cognitivas. Esses elementos são requisitos para a passagem por estágios que dependem da superação do anterior. Os estágios evidenciam que é preciso ter maturidade cognitiva para aprender, ou seja, a criança se desenvolve para aprender. Entre as principais obras de Piaget, destacam-se: Linguagem e pensamento na criança (1959) A construção do real na criança (1975) O nascimento da inteligência na criança (1978) Na Psicopedagogia, um dos instrumentos de avaliação intelectual individual são as provas operatórias, organizadas de acordo com os pressupostos da Epistemologia Genética. Essas provas permitem investigar se a criança atingiu o estágio cognitivo que lhe possibilite realizar operações mentais, oferecendo repertório para o psicopedagogo analisar as estratégias de raciocínio lógico. Da Epistemologia Genética, originou-se uma teoria do aprendizado chamada Construtivismo. A psicóloga argentina Emília Ferreiro, aluna de Doutorado de Piaget, postulou as premissas da referida teoria, enfatizando que o aluno precisa se envolver com a perturbação do equilíbrio de seus conceitos em um processo dinâmico de assimilação e acomodação do novo conteúdo em suas estruturas cognitivas (FERREIRO; TEBEROSKY, 1979 e 1985). A partir da década de 1980, muitas escolas brasileiras, sobretudo as públicas municipais, passaram a adotar a teoria construtivista em sala de aula. A proposta do trabalho é realizar sondagens (Avaliações diagnósticas) periodicamente para a identificação do nível de leitura e escrita dos alunos e para a verificação de seus conhecimentos prévios, mapeando-os em pré-silábicos, silábicos, silábicos alfabéticos e alfabéticos. A partir daí, é possível pensar nos agrupamentos produtivos e trabalhar em sala com os alunos de forma individual ou em grupo, bem como promover a aprendizagem por meio das mediações pedagógicas de conflitos cognitivos, conhecendo e se familiarizando com as estratégias dos alunos, a fim de oferecer recursos para que possam superar os níveis iniciais de leitura e escrita. Piaget e Ferreiro nos levam à conclusão de que a criança desempenha um papel ativo na aprendizagem, construindo o próprio conhecimento. Disso, resulta o nome da teoria: Construtivismo. O processo de aprendizagem desloca-se da figura do professor para a figura do aluno, buscando compreender quais estratégias ele mobiliza para aprender. Até então, a preocupação se respaldava somente naqueles que pareciam não aprender. O método clássico de ensino, por meio das cartilhas, foi criticado por Ferreiro. Ela defende o uso de diferentes portadores de textos, tais como: livros, gibis, panfletos de supermercado, jornais, revistas, textos digitais etc. A proposta é contextualizar o processo de ensino, oferecendo elementos que façam sentido para a criança. As descobertas de Emília Ferreiro e suas conclusões no campo da alfabetização foram publicadas na obra A psicogênese da língua escrita (1979), em parceria com a pedagoga espanhola Ana Teberosky (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985). TEORIA SÓCIO-HISTÓRICO-CULTURAL Lev Semionovitch Vygotsky (1896-1934) foi um psicólogo russo que formulou a Teoria Sócio- históricocultural, compreendendo o aprendizado humano a partir de sua natureza social e empenhando-se em colocar a educação a serviço da transformação das relações sociais. Esse pressuposto se materializa na sala de aula em um processo dialético, permeando a articulação entre a teoria e a prática, em um método crítico e reflexivo de elaboração do conhecimento científico na perspectiva da transformação social. Imagem: shutterstock.com Vygotsky (1991) foi pioneiro no conceito de que o desenvolvimento intelectual das crianças ocorre em função das interações sociais (ou seja, a criança aprende para se desenvolver) e das condições de vida, isto é, a criança desenvolve-se em um meio social, em determinado período de tempo e em determinada cultura. Disso, resulta o nome de sua teoria: Sócio-histórico-cultural. O interesse de Vygotsky pela Psicologia o levou a ler criticamente a produção teórica da época, entre elas, a Gestalt, a Psicanálise, o Behaviorismo e a Epistemologia Genética. Suas leituras também se concentravam nas proposições teóricas do materialismo histórico de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). Os estudos e sua vivência durante a Revolução Russa de 1917 contribuíram para que ele pensasse e propusesse a reorganização da Psicologia, fundando a Escola Soviética de Psicologia Histórico- cultural, em diálogo com a teoria marxista. Para Vygotsky, a linguagem é uma ferramenta construída socialmente e com a capacidade de organizar as funções psicológicas superiores, ou seja, a memória, a atenção e o pensamento. Nesse sentido, ao se apropriar de determinada cultura, o indivíduo altera qualitativamente seu modo de pensar, sua percepção e sua memória. Vygotsky afirmava que as funções cerebrais não são fixas, mas possuem plasticidade e se adéquam ao longo da história, possibilitando à espécie humana a transformação do ser biológico para um ser sócio-histórico. Quanto aos estudos referentes ao desenvolvimento da aprendizagem, Vygotsky (1998) apresentou conceitos que se tornaram imprescindíveis para a prática docente. Entre eles, o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), que se refere à diferença entre: Zona de Desenvolvimento Real O que a criança consegue fazer sozinha. Zona de Desenvolvimento Potencial O que a criança é capaz de aprender. O conceito de ZDP diz respeito, portanto, àquilo que a criança pode aprender com a intervenção de um adulto mais experiente que ela e habilitado para aquele fim. Outra importante contribuição do psicólogo russo foram os estudos que apresentaram a relação entre pensamento e linguagem, atribuindo a esse processo a relevância significativa na evolução humana. De acordo com Vygotsky (2005), a relação entre pensamento e linguagem acontece durante o desenvolvimento e sua evolução ocorre em um processo dinâmico, com raízes distintas na filogênese e na ontogênese, mas que se articulam dialeticamente no desenvolvimento. Os primeiros balbucios do bebê não vêm acompanhados do pensamento, mas já cumprem a função social: chamar a atenção do adulto. A partir dos 2 anos de idade, as interações sociais favorecem o encontro entre o pensamento e a fala, originando uma nova organização linguístico-cognitiva: o pensamento verbal e a linguagem racional O psicopedagogo com abordagem vygotskyana considerará as condições socioeconômicas das crianças e dos adolescentes encaminhados, acolhendo-os e promovendo estratégias de superação das dificuldades, com foco no conteúdo e em articulação com a família e a escola, para que possam exercer o protagonismo social com autonomia e criticidade. Em outros termos, o que se propõe é o estudo do ser humano inserido em uma cultura, em interação com a história e a sociedade, valorizando e potencializando o que a criança já sabe fazer e conscientizando-a do percurso que deverá caminhar para atingir determinado fim. Nessa abordagem, o psicopedagogo promoverá a autoestima e a motivação da criança. BEHAVIORISMO Imagem: shutterstock.com O termo em inglês behavior significa comportamento. Behaviorismo é o estudo do comportamento, cujos primeiros ensaios surgiram no final do século XIX e no início do século XX. Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936) foi um fisiologista russo, considerado o precursor do movimento e o primeiro a utilizar o termo behaviorismo. Conhecido por experimentos com cães, seus estudos e suas pesquisas inspiraram John Broadus Watson (1878-1958), que, por sua vez, mostrou oposição aos estudos mentalistas, altamente focados nos processos psicológicos, como a memória e a emoção — a tendência no início do século XX. Watson é representante do Behaviorismo Metodológico de orientação positivista. Seu objeto de estudo é o comportamento que pode ser observável por todos para se valer da mensuração e da concordância entre os observadores. Logo, a verdade é comprovada por consenso social (WATSON, 1970). Essa premissa evidencia a influência do positivismo social de Auguste Comte (1798-1857). Nesta proposta, a experiência promove o conhecimento, ou seja, é na prática, no fazer, que se aprende. O ensino é organizado por etapas, visando à aquisição de determinado padrão de comportamento no final do processo. A aquisição do comportamento ocorre a partir de estímulos negativos ou positivos, ou seja, o comportamento pode ser conquistado, moldado, como resultado de uma resposta individual aos estímulos do meio. Quando ocorre o reforço do estímulo, o comportamento é fortalecido. Esse modelo, chamado de paradigma pavloviano de estímulo e resposta, ficou conhecido como condicionamento clássico, mais especificamente, como S-R — sigla em inglês que significa, respectivamente, Stimulus e Response. No entanto, ao estudar somente o que é observável, o Behaviorismo Metodológico nega o status científico da mente, afirmando que não pode estudá-la por sua inacessibilidade. Por exemplo, se alguém diz que está pulando corda, esse ato pode ser comprovado pela observação, mas, se alguém diz que está com sede, esse fato não tem como ser comprovado pela observação. Portanto, o Behaviorismo Metodológico não tem como explicá- lo. Nesse contexto, ganharam destaque os estudos de Burrhus Frederic Skinner (1904- 1990) — um dos representantes do Behaviorismo Radical de base empírica. Ele formulou o princípio de reforço: Imagem: Silly rabbit/ Wikimedia Commons/CC-BY-3.0 Com consequências ruins, as chances de repetição são mínimas; mas, com consequências boas, as chances de repetição são maiores. Nesta proposta do Behaviorismo, o ambiente é um dos fatores essenciais para a aprendizagem, o desenvolvimento e a interação da criança. Aqui, as ações e os atos são mensuráveis e, portanto, podem ser medidos, comparados e avaliados (SKINNER, 1961). Essa escola de pensamento recebeu influências do positivismo lógico do Círculo de Viena, o que equivale dizer que, diferentemente do que ocorre com o Behaviorismo Metodológico, o Behaviorismo Radical se interessa pela função que o comportamento exerce na experiência de determinada pessoa. Em outras palavras, o que a pessoa faz deve ser analisado individualmente, legitimando a análise do comportamento. Para o Behaviorismo Radical, o comportamento é fruto de interações com o ambiente, e as relações estabelecidas devem ser analisadas individualmente e consideradas por sua funcionalidade. Dessa forma, o estudo procura focar no estímulo, no comportamento e na consequência, permeados por uma interação relacional. No contexto educacional, a corrente comportamentalista oferece o recurso do reforço para potencializar as chances de determinada resposta. Em atendimento psicopedagógico, a investigação de base comportamentalista se baseia em elementos que procurariam compreender os eventos que podem afetar ou que afetam o desempenho escolar, a partir de questionamentos como: Em quais condições determinada situação ocorre e como essas condições impactam a aprendizagem? Nesta corrente, o papel do psicopedagogo seria planejar estratégias para alterar determinado evento, programando consequências reforçadoras para a mudança do contexto, com possibilidades em relação ao aluno, à família ou à equipe da escola. O psicopedagogo precisa estar in loco, ou seja, precisa observar como essas relações ocorrem no local, por meio da observação ou de entrevistas. AS TEORIAS DE APRENDIZADO A especialista Gabriela Maffei Moreira Malagolli abordará s principais teorias apresentadas com o campo de estudo e atuação em psicopedagogia. CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao estudar o percurso histórico da Psicopedagogia, notamos que esse campo de estudos e pesquisas, que comporta significativas influências europeias, articulou estratégias para minimizar os altos índices de fracasso escolar, evasão e reprovação. Tais estratégias foram as responsáveis pela criação dos grandes centros de formação, projetando renomados professores e pesquisadores em nível mundial, principalmente, no Brasil. França e Argentina são as escolas que mais contribuíram para a articulação dos pressupostos filosóficos e metodológicos da profissão de psicopedagogo no Brasil. Esses pressupostos se reúnem em prol de uma prática que ganha cada vez mais espaço no país não somente nas clínicas especializadas ou nos hospitais, mas, sobretudo, nas escolas, com apoio e acompanhamento das práticas docentes e suas relações, como o suporte à família. No Brasil, a profissão caminha para a legitimidade e o reconhecimento da sociedade.