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Universidade Federal de Uberlândia – UFU

Instituto de Psicologia

Psicanálise Infantil

Trabalho apresentado à disciplina de Histórias


e Sistemas em Psicologia 2, como parte dos
requisitos necessários à aprovação na
disciplina

Uberlândia, Junho de 2023


Universidade Federal de Uberlândia – UFU
Instituto de Psicologia

Psicanálise Infantil

Integrantes:
Ana Laura Martins Dias (12211PSI034)
Leonardo Ferreira Almada
Camila Lacerda Gomes
Fernanda Fonseca Simões
Marina Carrasco Pereira (12211PSI022)
Matheus Rodrigues de Queiroz

Uberlândia, Junho de 2023


Sumário

1. Introdução (Ana Laura) 01


2. Contexto histórico, construção da infância e mito do amor materno (Ana
Laura) 02
3. Sexualidade Infantil e a Gênese das psiconeuroses (Leonardo) 04
4. Perversão e neurose à luz da teoria freudiana da sexualidade infantil
(Leonardo) 06
5. Pós-freudianos e a psicanálise infantil (Camila e Fernanda) 08
6. As origens da psicanálise de crianças no Brasil (Marina) 09
7. Sofrimento psíquico das crianças negras (Matheus) 15
8. Referências 18
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1. Introdução (Ana Laura)


O surgimento da psicanálise parte da teoria do inconsciente freudiano, sendo tal
termo cunhado no capítulo final dos “Estudos sobre a histeria” (Breuer & Freud,
1895/2006). Acerca do olhar para infância, adaptando a abordagem e sendo, agora,
voltada para a psiquê das crianças, o contexto no qual os primeiros rascunhos foram
escritos condensava ideais de uma natureza volátil. Ou seja: acreditava-se em uma
possibilidade de “formato” manipulável da criança, moldando o comportamento através
da educação e/ou da psicologia.
A priori, Sigmund Freud, a partir da escuta de pacientes histéricas, desenvolve a
“Teoria da Sedução”. Segundo ela, a etiologia das neuroses dos adultos é encontrada nas
experiências sexuais traumáticas sofridas durante o período de crescimento. Finalmente,
observa-se a realidade psíquica determinante, pois os sintomas seriam, assim, decorrentes
de fantasias impregnadas de desejo. A sexualidade infantil é explorada como pano de
fundo, modificando crenças que tratavam a infância como um registro genético
cronológico; passam a surgir visões voltadas a lógica do inconsciente.
Visto que, de acordo como supracitado, com o emergir das diversas ideias iniciais
de Freud, o viés ao encarar o desenvolvimento humano não só é relativo, mas também
muda com o passar do tempo. Dessa forma, a título de estabelecer o cunho da discussão
sobre a psicanálise infantil e sua gradativa construção ao longo dos séculos, é preciso,
primeiramente, perguntar-se: qual é a definição de infância?
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2. Contexto histórico, construção da infância e mito do amor materno


(Ana Laura)
O referencial a ser tomado é a partir da perspectiva do sentimento de infância em
Philippe Ariés. historiador e medievalista francês. Na perspectiva de Áries (1978), ver a
infância como uma descoberta não significa negar a existência biológica dos filhos ou
mesmo a falta de afeto por eles, mas sim a forma como as pessoas, principalmente as
famílias, veem as crianças. em Reconhecer sua condição especial, diferente da dos
adultos. O autor, em seu livro “História social da criança e da família” toma como objeto
de análise para sustentar suas hipóteses as obras de arte produzidas em cada tempo
histórico; por exemplo: as efígies funerárias, representações em pinturas etc.

Ariès (1978) considera esses fatos como um marco na história do


sentimento de infância, pois representaram a importância em conservar
a memória da criança que faleceu, modificando o sentimento de
insignificância atribuído à criança durante séculos. (COSTA, 2020, p.
31-36)

O panorama inicial irá partir da Idade Média. Na respectiva época, a criança era
vista como um pequeno adulto, não se tendo conhecimento de suas particularidades
afetivas e emocionais. Consequentemente, a lacuna deixada por essa perspectiva
subjetiva, o trabalho infantil era extremamente comum nas sociedades agrarias medievais,
agravado pelo perfil demográfico da época em questão. Com o avanço de doenças (por
exemplo: a peste negra), de guerras e da fome/miséria, era tido como necessário a
adaptação da mão de obra, resultando em tal fenômeno e na diminuição do
desenvolvimento psíquico das crianças. Ademais, com uma configuração hierárquica
impassível de mudanças, o acolhimento dentro dos feudos também impactava na
socialização e aprendizagem das crianças, que era majoritariamente realizada pela
comunidade, não pela escola ou pela família.
No que se diz respeito a expressão da sexualidade, Terezinha Costa cita em seu
livro Psicanálise com crianças, explicitando o tratamento superficial recebido:

Em primeiro lugar, porque acreditavam que a criança impúbere fosse


alheia e indiferente à sexualidade e, em segundo, porque ainda não
existia o sentimento de que as referências aos assuntos sexuais
pudessem macular a inocência infantil.” (COSTA, 2010. p.9)
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Seguindo no tempo histórico, as novas eras revolucionaram o pensamento


antropocêntrico e/ou teocêntrico, decorrendo um aprimoramento de técnicas e formas de
se olhar o ser infan — “aquele que não fala”. Em um panorama medial, é abordada a
perspectiva durante o Renascimento, com o início da privatização do espaço doméstico.
A criança, nesse caso, é o novo centro do grupo familiar, sendo preparada para o futuro;
surge, portanto, a preocupação moral e interesse psicológico. Como consequência, e
atuando como influência direta para a próxima abordagem, a noção de inocência da
infância é predominante, até mesmo na perspectiva de rosseauniana (na qual o meio é
responsável pela modelagem do comportamento do indivíduo), durante o Iluminismo, e
prepondera atualmente. O papel da igreja e da educação, posteriormente, será voltada para
uma nova espécie de razão, desviando a criança do caminho da sexualidade pelo amplo
viés cristão em tal campo de atuação. A censura acerca da sexualidade na infância foi
construída socialmente a partir desse ponto.
No sistema capitalista do século atual, a família desempenha um papel pedagógico
importante ao preparar os indivíduos para se tornarem produtivos e domesticá-los. A
criança, possível adulto, é considerada um investimento lucrativo, uma força produtiva e
fonte de lucro a longo prazo. Com passar do tempo, a formação da vida familiar começou
a centralizar-se no filho(a), assumindo um caráter normatizador. Os estigmas
relacionados à infância, nos quais a natureza infantil precisava ser corrigida, a
assexualidade da criança e sua suposta constante imaturidade, estão gradualmente sendo
abandonados com a teoria sexual de Freud.
Em meio a construção ativa do conceito de infância, emerge um mito que circunda
a maternidade e o papel social da mulher desde o antigo regime. O mito do amor materno
é uma ideia culturalmente difundida que retrata a figura da mãe como uma fonte
incondicional de amor e cuidado para com seus filhos, sugerindo que as mães são
naturalmente dotadas de um instinto materno infalível, capaz de suprir todas as
necessidades emocionais e físicas de seus filhos. No entanto, esse mito muitas vezes
ignora a realidade complexa da maternidade, que é uma experiência individual e
multifacetada, afetada por fatores como contexto cultural, apoio social, condições
econômicas e saúde mental das mães — nem todas se encaixam nesse estereótipo.
Desconstruir o mito do amor materno significa promover uma visão mais realista e
compassiva da maternidade, valorizando o suporte emocional e a equidade de gênero,
uma vez que ele primeiro surgiu para igualar funções femininas as delegadas aos homens.
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3. Sexualidade infantil e a gênese das psiconeuroses (Leonardo Ferreira


Almada)
Não há dúvidas de que Freud revolucionou nossa visão de homem. Muito
contribuiu, para tanto, sua teoria da sexualidade. Freud causou grande espanto e rejeição
na comunidade científica da época ao propor que o desenvolvimento psicológico deve ser
considerado mais precisamente como desenvolvimento psicossexual. Por trás dessa
compreensão, está a ideia de que a sexualidade é inerente às vivências infantis, revertendo
a compreensão até então vigente de que a sexualidade inere ao mundo adulto. Mais do
que se iniciar ainda na vida dos infantes, a sexualidade infantil está na base de sua
revolucionária teoria sobre a gênese das psiconeuroses (Freud, 1996 [1905]; Mendonça
et al., 2012). Sobre isso, Roudinesco afirma que, ao usar o termo Sexualtheorie (teoria
sexual), Freud assumia sua ruptura para com a compreensão vigente de sexualidade
humana (a sexologia), rejeitando as hipóteses científicas de então e considerando as
teorias infantis que serviam como fantasias para responder ao enigma da procriação
(Silva; Brígido, 2016).
Um dos pontos mais importantes de ruptura da teoria da sexualidade psicanalítica
em relação às concepções clássicas diz respeito à compreensão, rejeitada por Freud, de
que a sexualidade e o sexo são redutíveis à genitalidade. Freud propõe que a sexualidade
está em um patamar muito para além do ato sexual restrito e de seu aspecto reprodutivo.
É daí que advém o termo psicossexualidade. Assim concebida, a sexualidade está presente
desde a infância, a ponto de podermos falar de impulsos sexuais nos recém-nascidos
(Silva; Brígido, 2016). De uma forma especial, Freud associa a sexualidade com as
experiências psíquicas do inconsciente, revelando uma nova lógica do inconsciente. Um
importante exegeta de Freud, Garcia-Roza (2003, p. 102) nos ensina em que sentido a
sexualidade não é um apanágio da mera corporeidade. Garcia-Roza nos lembra que o
corpo psicanalítico é um corpo fantasmático, e não um corpo anátomo-fisiológico. Este é
o motivo pelo qual Freud ressalta as diferenças, e não as semelhanças, entre a sexualidade
e as necessidades básicas do indivíduo, entre a pulsão e o instinto. Freud nos ensina que
é para esse corpo fantasmático que se dirige o desejo, e não para o corpo real. A
psicanálise deve ser entendida, desde o desenvolvimento psicossexual, como ocorrendo
ao nível da representação (Silva; Brígido, 2016). Queremos com isso dizer que o conceito
psicanalítico de sexualidade é estruturado no âmbito da subjetividade (o corpo
fantasmático). É aí que se inscreve a concepção psicanalítica de inconsciente, formulada
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para demonstrar a inexistência de uma descontinuidade em nossa vida mental, ou ainda,


para demonstrar que nossos processos mentais não ocorrem por acaso. A relação entre o
inconsciente e o nível representacional do corpo fantasmático é essencial para
compreendermos a teoria da psicossexualidade infantil (Silva; Brígido, 2016).
Em sua prática clínica, Freud progressivamente constatou que as causas e
atividades das neuroses guardavam relações importantes com desejos e pensamentos
reprimidos pelo inconsciente, e que, portanto, as neuroses estavam associadas com
desordens e conflitos no campo privado da experiência sexual. Sua constatação
surpreendente é que as repressões não apenas se forjavam a partir de experiências difíceis
e/ou traumáticas localizadas na infância, mas, também, que essas experiências infantis
possuíam poder causal sobre os distúrbios sintomáticos e atuais. Nasce daí sua teoria da
sexualidade infantil, travestida sob a compreensão de desenvolvimento psicológico como
desenvolvimento psicossexual (Silva; Brígido, 2016).
Ao longo de seus diversos escritos dedicados direta e indiretamente à sexualidade
infantil, Freud nos mostra em que sentido a estruturação e organização psíquica da fase
adulta remonta à sexualidade infantil. As zonas erógenas do corpo constituem pontos de
fixação do prazer em determinadas fases do desenvolvimento infantil. As experiências
infantis são parcialmente estruturadas pelo nível de alcance do prazer nesses pontos
erógenos. Essas experiências ficam registradas no psiquismo e desempenham papel
primordial não apenas na realidade sexual e genital na vida adulta, mas também na vida
psíquica e constituição da subjetividade (Silva; Brígido, 2016).
É amplamente sabido que o desenvolvimento sexual envolve 4 fases, a saber: Oral,
anal, fálica e genital. Falemos agora um pouco de cada uma dessas fases.
Em primeiro lugar, temos a fase oral, a qual abarca o período compreendido entre
0 e 2 anos de idade. Nesta fase, o ponto ou zona erógena é a boca. O prazer é obtido pela
ingestão de alimentos, sem desconsiderar o contato com o mamilo materno. A mucosa
dos lábios e a cavidade bucal constituem, aqui, o ponto de excitação. Sobre esse momento,
diz Freud que:

A obstinação persistente do bebê em sugar dá prova, em estágio


precoce, de uma necessidade de satisfação que, embora se origine da
ingestão da nutrição e seja por ela instigada, esforça-se, todavia por
obter prazer independentemente da nutrição e, por essa razão, pode e
deve ser denominada de sexual. (FREUD, 2001 [1938], p. 179)
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A fase anal, por sua vez, encontra-se entre o segundo e o quarto ano de vida, tendo
o ânus como ponto ou zona erógena. A excitação aqui oscila entre o ativo e o passivo, em
que a relação de objeto diz respeito aos significados atribuídos à função de defecação (a
saber, expulsão e retenção) e ao valor simbólico das fezes. Essa polaridade atividade-
passividade é considerada por Freud com um dos pares de opostos fundamentais da vida
psíquica e também um dos mais utilizáveis. Por meio da associação entre a atividade-
passividade da musculatura somática e da membrana mucosa erógena do ânus, temos a
representação plena do objetivo sexual ativo e passivo.
Em um terceiro momento, temos a fase fálica. Segundo Freud (1996 [1905], p.
193), a fase fálica encontra no próprio órgão genital sua zona erógena. Trata-se, a
genitália, a zona para sexual primária para onde convergem nossos impulsos primitivos;
nos meninos, o pênis (falo); nas meninas, temos a descoberta da ausência do pênis. Surge
então a distinção freudiana entre falo e castração, que substitui a relação ativo-passivo da
fase anal.
Após um período de latência, e diminuição das atividades sexuais, chegamos à
fase genital na puberdade. A fonte de prazer não é mais extraída do próprio corpo, mas e
um objeto externo, e, portanto, temos, para ambos os sexos, a afirmação da consciência e
identidade sexual.

4. Perversão e neurose à luz da teoria freudiana da sexualidade infantil


(Leonardo Ferreira Almada)
Em seus Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (Freud, 1996 [1905]), Freud
propõe que a ideia de que as perversões se compreendem como uma regressão do
psiquismo e de uma fixação a uma certa fase do desenvolvimento libidinal. Cada uma das
fases do desenvolvimento sexual é caracterizada pela prevalência de pulsões específicas.
É somente a partir dos Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade (Freud, 1996 [1905])
que encontramos a proposta freudiana de uma nova perspectiva em relação à sexualidade.
É neste contexto que Freud lança mão do conceito de pulsão, que, segundo os ensaios, se
compreendem a partir de dois eixos axiais, a saber: 1) as pulsões são independentes do
objeto; e 2) a satisfação pulsional não é a necessidade biológica.
Ao longo do desenvolvimento da teoria freudiana (1969a [1893]; 1969b [1894]),
vai se consolidando a tese de que o trauma psíquico é o determinante da neurose. A partir
do relato de seus pacientes na clínica, Freud é levado a concluir que a experiência
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traumática que condiciona o aparecimento de um sintoma neurótico é de caráter sexual,


e remonta à infância. É importante ressaltar: Freud não objetiva a busca de uma etiologia
sexual para as neuroses. O que ocorre é que Freud eleva o tema da sexualidade à categoria
de essencial em função de sua prática clínica. É ele próprio quem afirma, em Etiologia
da histeria (1896), o risco de se levantar a hipótese da etiologia sexual das neuroses: “Ao
fazer isso, certamente chegamos ao período da mais precoce infância, período anterior ao
desenvolvimento da vida sexual; e isso pareceria envolver o abandono de uma etiologia
sexual” (Freud, 18961 [1969c], pp. 228-229).
A hipótese psicanalítica segundo a qual a pesquisa etiológica das neuroses
depende da compreensão dos mecanismos da sexualidade começa a ganhar terreno a
partir do momento em que o relato dos pacientes avance cada vez mais para a tenra
infância. Daí a convicção de que o trauma psíquico deriva de uma experiência sexual
infantil. Sua primeira teoria, posteriormente substituída, é a da sedução traumática,
elaborada nos anos 1895 e 1896 com o objetivo de estabelecer uma etiologia específica
para as neuroses, levando em conta a sexualidade. Desde que formulou essa teoria, no
entanto, Freud está seguro quanto à sua hipótese da defesa: a neurose é resultado de um
mecanismo defensivo contra a sexualidade. As ideias que sofrem a ação do recalcamento
são de caráter sexual.
A questão é a seguinte: por que a sexualidade seria vivida como um trauma? De
que forma Freud propõe a articulação destes termos: sexualidade, trauma e recalcamento?
Temos, assim, e a partir de agora, o entrelaçamento da teoria psicossexual de Freud com
todos os outros conceitos de seu magnânimo edifício conceitual.
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5. Pós-freudianos e a Psicanálise infantil (Camila e Fernanda)


A psicanálise infantil tem suas raízes nas obras de Freud. No entanto, desde
então, diversos psicanalistas têm contribuído com suas teorias e práticas específicas para
a compreensão da psique infantil. Nosso objetivo é apresentar brevemente alguns
psicanalistas que foram relevantes no campo da Psicanálise Infantil, analisando alguns
pontos principais de suas vidas e carreiras, além de suas práticas e contribuições para a
área.
Hermine von Hug-Hellmuth (1871-1924) foi uma psicanalista infantil austríaca
que se destacou como uma das pioneiras no tratamento psicanalítico de crianças.
Começou sua carreira como professora e posteriormente estudou medicina na
Universidade de Viena. Em 1910, tornou-se a primeira mulher a ser admitida na
Sociedade Psicanalítica de Viena. Freud confiou-lhe a seção dedicada à psicanálise com
crianças na revista Imago.
Hug-Hellmuth apresentou o método da Psicanálise Lúdica, onde a criança pode
expressar seus conflitos, angústias e fantasias através do brincar. Através do brinquedo, a
criança pode representar simbolicamente seus desejos, medos e traumas, possibilitando a
análise dos mesmos pela psicanalista. Ela acreditava na inclusão da família no processo
terapêutico, reconhecendo que os problemas emocionais da criança muitas vezes estão
relacionados a conflitos familiares. E desaprovava a ideia de analisar crianças muito
pequenas, que ainda não haviam passado pelo complexo de Édipo, sendo ideal começar
a psicanálise só após os 5 anos de idade.
Anna Freud (1895 – 1982), nasceu em Viena, foi i a sexta e última filha de
Sigmund e Martha Freud. Impossibilitada de ingressar na universidade e estudar
medicina, tornou-se professora primária. Em 1918 tornou-se analisanda de Freud, com
intenção de se tornar psicanalista. Em 1927 publicou sua obra principal, O tratamento
psicanalítico das crianças. Ela desempenhou um papel significativo no campo da
psicanálise infantil. Ela fundou a Hampstead Child Therapy Course e Clinic, onde
trabalhou com crianças em situações de guerra e trauma. Anna Freud contribuiu com
estudos sobre o ego e os mecanismos de defesa na infância, e também desenvolveu
técnicas terapêuticas específicas para crianças
Ana Freud acreditava na importância do analista de crianças desempenhar um
papel ativamente pedagógico e na impossibilidade de se estabelecer uma relação
puramente analítica com uma criança em função de sua imaturidade e dependência do
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meio ambiente, pois a criança não consegue associar livremente como o adulto. Toda
análise infantil é realizada com o apoio dos pais, pois o superego da criança ainda se
encontra sob a influência dos pais.
Melanie Klein (1882 – 1960), foi uma psicanalista austríaca-britânica que se
concentrou na psicanálise infantil. Em 1914 Klein iniciou uma análise com Ferenczi que
a incentivou a analisar crianças. Em 1919 apresentou seu primeiro caso clínico sobre a
análise de seu filho. Klein acreditava que a vida fantasística que modela a realidade, e não
o contrário. Ela desenvolveu a técnica do "brincar terapêutico", que permitia às crianças
expressar seus pensamentos e emoções por meio do jogo, Klein dava grande importância
para a Técnica da análise pela atividade lúdica com crianças. O brincar era visto como
expressão simbólica da fantasia inconsciente. Prevalência da fantasia e dos “objetos
internos” sobre as experiências desenvolvidas no contato com a realidade externa.
Melanie Klein acreditava que a diferença que existe entre a análise de crianças e
a de adultos reside no método e não em seus princípios básicos - o brincar é capaz de
substituir as associações livres. O elemento organizador essencial do pensamento de
Melanie Klein é a prevalência da fantasia e dos “objetos internos” sobre as experiências
desenvolvidas com a realidade externa.

6. As origens da Psicanálise de crianças no Brasil (Marina Carrasco


Pereira)
Segundo Marialzira Perestrello (1986), importante psicanalista e pesquisadora da
história da psicanálise no Brasil, as primeiras referências à teoria psicanalítica surgidas
no brasil datam do final do século XIX, ou mais especificamente, do ano de 1899, ocasião
em que o eminente psiquiatra Juliano Moreira ministrou aulas na Faculdade de Medicina
da Bahia fazendo referência a Freud e suas formulações teóricas relativas à neurose. Foi
somente a partir da década de 1920 que a disciplina freudiana encontrou maior
ressonância no meio intelectual científico brasileiro, vindo a influenciar as práticas
dedicadas ao cuidado da criança existentes no país, tano no âmbito da saúde quanto no da
educação. Nesse período, as primeiras formulações teóricas concernentes à psicanálise de
crianças começavam a tomar forma por intermédio dos trabalhos pioneiros de Melanie
Klein e Anna Freud. A fim de compreender um pouco mais a cerca da história da
psicanálise de crianças no Brasil, é necessário, primeiro, refletir a respeito do contexto no
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qual a medicina e a educação se encontravam na década de 1920, alimentados pelos


conceitos da higiene mental e da eugenia.
A higiene mental, de maneira geral, entendia que a desorganização social e o mau
funcionamento da sociedade eram causas das doenças. Dessa maneira, caberia à medicina
neutralizar todo perigo possível, aplicando os conhecimentos científicos na prevenção das
perturbações. Eram consideradas atribuições da higiene mental: a criação dos hábitos
sadios; o combate à “taras sociais”; e a realização das grandes aspirações sanitárias do
Estado: a robustez do indivíduo e a virtude da raça. Segundo a concepção higienista, não
seria possível fazer uma grande nação com uma raça inferior, marcada pela mestiçagem,
como são os brasileiros. Nesta questão, o higienismo se fundamentava na eugenia. A
higiene mental:
“Tornou-se ‘ciência social’; tornou-se instrumento de planejamento
urbano; tornou-se analista das instituições; transformou o hospital em
‘máquina de curar’; criou o hospício como enclausuramento disciplinar
do doente mental; inaugurou o espaço da hegemonia da clínica,
condenando formas alternativas de cura; ofereceu um modelo de
transformação à prisão e de formação à escola” (COSTA, s/d, p. 10-11).

Tendo em vista a influência da eugenia e do higienismo no contexto da saúde


mental, a utilização das ideias psicanalíticas voltadas para crianças no Brasil se deu no
âmbito prático. No contexto educacional, tais ideias eram usadas com o intuito de melhor
gerir a educação das crianças e solucionar seus problemas escolares, e no contexto da
medicina, o modelo teórico era empregado como elemento complementar no tratamento
de crianças com problemas emocionais atendidas em instituições dedicadas à promoção
da saúde mental infantil, em sua maioria vinculadas ao meio psiquiátrico.
Ainda na inserção da psicanálise no meio educacional brasileiro, é possível
destacar o movimento de reformas educacionais conhecido como “Escola Nova”, que
ocorreu durante a década de 1930. A Escola Nova funda uma proposta pedagógica
inovadora, na qual a criança passa a ser entendida como um ser em desenvolvimento, com
características e necessidades diferenciadas do adulto, de forma que a sua singularidade
deve ser considerada durante a elaboração e a execução das atividades pedagógicas. Sob
essa ótica, o fracasso escolar e/ou inadaptação da criança à escola deixam de ser vistos
pura e simplesmente como uma expressão de anormalidade ou de inaptidão da criança e
passam a ser considerados a partir de uma nova perspectiva, uma vez que as condições
do desenvolvimento intelectual e emocional da criança, que a tornam apta para as
atividades acadêmicas, passam a ser contempladas na busca de compreensão e resolução
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de suas dificuldades. As principais características da Escola Nova foram: educação


integral; educação ativa; educação prática, sendo obrigatórios os trabalhos manuais; e
ensino individualizado. Ao considerar as dificuldades da criança em aprender ou adaptar-
se à escola, há a necessidade de recursos teóricos e práticos que capacitem os profissionais
com vistas à compreensão e ao manejo das dificuldades. Assim, a psicanálise começou a
ser mais requerida e ganhar mais expressão no Brasil.
No mesmo período da Escola Nova, surgiram as clínicas de orientação infantil,
que foram instituições criadas com a finalidade de dar exequibilidade aos programas de
atendimento ao escolar deficitário. Essas clínicas foram inspiradas nas child garden
clinics americanas, que eram clínicas de atendimento infanto-juvenil com orientação
predominantemente psicanalítica, voltadas à investigação, ao cuidado e ao atendimento
de crianças e adolescentes, bem como de suas famílias, visando a seu melhor ajustamento
ao meio social. Nessas clínicas de orientação, foram iniciadas as primeiras experiências
em atendimento psicoterápico infanto-juvenil do Brasil – até então, as crianças e jovens
recebiam somente atendimento psiquiátrico, avaliadas sob o signo da “anormalidade”.
O trabalho executado por intermédio das clínicas de orientação infantil junto aos
escolares reconhecidos pelas escolas como detentores de alguma dificuldade cognitiva ou
comportamental estava baseado em dois procedimentos principais: diagnóstico e
modificações ambientais. Uma vez admitida na clínica, a criança era submetida a um
processo de avaliação conduzido por profissionais de diversas áreas, que incluíam
psiquiatras, pediatras, psicólogos e assistentes sociais. Com base nos procedimentos
realizados, era possível circunscrever um diagnóstico que explicasse as dificuldades
apresentadas pela criança e propor estratégias com vistas à sua resolução. A segunda etapa
consistia, na grande maioria dos casos, em promover modificações ambientais que
favorecessem o desenvolvimento infantil é a adaptação da criança à escola, o que era
conseguido mediante um trabalho de orientação com pais e professores quanto à forma
mais adequada de conduzir a educação de seus filhos e alunos e à conduta mais indicada
a adotar ante as dificuldades manifestadas pela criança. Segundo a psicanalista brasileira
Virgínia Bicudo (que foi membro da Clínica de Orientação Infantil da Seção de Higiene
Mental Escolar de São Paulo):
“A psicanálise, por sua vez, demonstra que a personalidade resulta de
um compromisso entre as necessidades biológicas e psíquicas do
indivíduo e as exigências socias. Se, por um lado, a sociedade impõe
padrões de conduta aos indivíduos, por outro lado os indivíduos
possuem necessidades vitais a serem satisfeitas. Nos distúrbios deste
processo de ajustamento entre o indivíduo e a sociedade encontram-se
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as condições etiológicas dos problemas de conduta.” (BICUDO, 1946,


p. 80)

Contudo, o emprego da teoria psicanalítica, que se fazia presente durante a


avaliação das crianças e as orientações de pais e professores, não era estendido ao trabalho
psicoterápico, haja vista que a psicoterapia infantil de base psicanalítica era entendida
como um procedimento bastante complexo, para o qual não se dispunha, na ocasião, de
profissionais com formação adequada. Em síntese, podemos considerar que o emprego
da psicanálise nas clínicas de orientação infantil teve um caráter muito mais profilático
do que terapêutico.
Nas décadas de 1930 e 1940, havia poucas alusões ao trabalho de Melanie Klein.
Serão destacadas figuras importantes para a inserção da psicanálise infantil no meio
científico e social da época e os motivos pelos quais a obra kleiniana se destaca dentre as
outras. Arthur Ramos, antropólogo e psiquiatra brasileiro que coordenou uma clínica de
orientação infantil na Seção de Ortofrenia e Higiene Mental do Rio de Janeiro, faz alusões
ao trabalho da técnica de análise de crianças através do brincar ao compor o artigo “A
Técnica da Psicanálise Infantil”. Esta obra é considerada por alguns historiadores da
psicanálise a primeira apresentação sistemática de um conceito da obra kleiniana e
mostrou a apurada compreensão dos conceitos kleinianos por Ramos, demonstrando um
interesse constante pelo tema, o que o levou a se manter constantemente atualizado. Mas
por quê Melanie Klein? Pois a maleabilidade na utilização da técnica do brincar, que
possibilita a sua utilização fora do setting psicanalítico, foi o principal fator que levou os
autores brasileiros a aproximarem-se de Melanie Klein. O brincar, enquanto forma de
expressão simbólica do conteúdo inconsciente da criança, é um recurso que pode ser
empregado com finalidade tanto terapêutica quanto diagnóstica (que era o intuito
principal das intervenções feitas na clínica). Assim, muitos psicanalistas brasileiros e
demais funcionários das clínicas de orientação socorreram-se de algumas ideias
kleinianas para dar conta das vicissitudes que a prática lhes empunha.
Décio de Souza também pode ser apontado como um dos pioneiros mais
importantes para a divulgação das ideias kleinianas acerca da psicanálise infantil. Souza
havia sido supervisionado por Melanie Klein em meados da década de 1930 e ao chegar
no Rio de Janeiro, viabilizou a divulgação das ideias kleinianas junto ao meio médico
carioca, criando possibilidades para sua aplicação prática. Ele priorizou na Cínica de
Orientação Infantil do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil (IPUB) uma
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demanda de natureza emocional que pudesse ser beneficiada com um atendimento


psicanalítico e promoveu uma atenção sistemática à formação dos profissionais que ali
atuavam, com o intuito de aproximá-los e familiarizá-los com a psicanálise e com a teoria
kleiniana. Assim, a clínica do IPUB serviu como começo para muitos profissionais que
se aproximavam da psicanálise, com ênfase na análise infantil e na teoria kleiniana.
Muitos psiquiatras que deram início a sua vida profissional na clínica buscaram, algum
tempo depois, formação regular em psicanálise junto à Sociedade Brasileira de
Psicanálise do Rio de Janeiro, da mesma forma em que candidatos à sociedade foram
encaminhados para a Clínica de Orientação Infantil do IPUB para praticarem a
psicoterapia psicanalítica com crianças.
Deodato Moraes, formado em pedagogia e não em medicina, como a maior parte
dos pioneiros da psicanálise infantil brasileira, foi apontado por Porto Cerrero – figura
importante da qual falaremos à frente – como o autor da primeira obra brasileira na área
de Psicanálise de crianças: A psychanalyse na educação¸de 1927. Deodato procurou
esclarecer alguns conceitos psicanalíticos, com o intuito de proporcionar aos professores
o do ensino primário uma nova maneiro de entender o psiquismo humano e lidar com o
desenvolvimento da criança. O autor falou pouco à respeito da educação sexual infantil,
pois considerava um tema tão delicado que deveria ser abordado pelo médico da família;
não considerava o espaço escolar um espaço ideal para a educação sexual. Para ele, a
versão por uma disciplina escolar apresentada pelo aluno não era uma “incapacidade
real”, mas estava associada no inconsciente a uma causa extremamente desagradável,
tentava explicar a inibição intelectual por um viés psicanalítico, com base nos processos
inconscientes que influenciam o aprendizado escolar.
Durval Marcondes, formado na Faculdade de Medicina de São Paulo, tratou do
tema da educação sexual na infância, como podemos ver no livro Enteroclisma como
fator de fixação da libido, em que é discutido o emprego do clister, que se trata de uma
injeção de água ou medicamento nos intestinos pelo ânus, muito utilizado de maneira
caseira no início do século XX. Durval chama atenção para a contribuição do clister para
a fixação do anal-erotismo, uma vez que contribui para o cultivo da sensibilidade local,
sendo um exemplo da discussão acerca dos cuidados que devem ser tomados para que
não ocorra a fixação da libido em alguma zona sexual específica. Trabalhou na Clínica de
Orientação Infantil e foi chefe da Seção de Higiene Mental Escolar do Departamento de
Educação do Estado de São Paulo até a sua extinção em 1974. Ele fazia trabalhos com
noivos que eram preparados para se ajustarem ao casamento e oferecerem boa educação
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aos filhos. A Liga Paulista de Higiene Mental tinha princípios eugenistas e usava o
discurso higienista para afirmar a cientificidade da psiquiatria enquanto prática médica.
Marcondes enfatizou a responsabilização dos pais pela neurose dos filhos ao afirmar que
os problemas em geral são de fundo sexual e devem ser considerados como uma
deficiência pedagógica dos pais. Para ele, se os pais não tiveram capacidade pedagógica
para educar bem seus filhos, caberia aos especialistas da higiene mental escolar colaborar
para o bom desenvolvimento psicológico da criança.
Gastão Pereira, médico pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, manteve
contado com o próprio Sigmund Freud e foi um dos maiores divulgadores de sua obra no
Brasil, escrevendo entre 70 e 80 livros dedicados à Psicanálise. Pereira entendia que a
construção do Eu moral, ou seja, do superego, era uma tarefa para pais e educadores, e os
orientava a agirem no sentido de contribuir para que não houvesse a fixação da libido em
uma zona erógena específica. Pra ele, educadores deveriam ler livros de Psicanálise como
um evangelho, pela responsabilidade “nobilíssima” de educar e instruir. Em carta, Silva
recebeu agradecimentos de Freud por disseminar seu nome que, na época, era pouco
conhecido no país.
Nota-se que, no início, a Psicanálise Infantil brasileira foi fortemente influenciada
pela ideologia da higiene mental escolar, na qual a concepção reinante era baseada na
normalização. Sob essa ótica, a criança não tinha voz, seu sintoma não tinha lugar e ela
não respondia pelo seu lugar de sujeito. Dessa forma, não era possível pensar a criança
enquanto sujeito desejante e nem mesmo uma Psicanálise, de crianças na prática, somente
uma Psicanálise de pais, pois a Psicanálise não opera com a perspectiva de sintoma a ser
eliminado e, para ela, a criança não é apenas reflexo do parental, pois seu sintoma pode
representar uma formação inconsciente autêntica, por meio da qual ela lida com aquilo
que lhe afeta. Lacan pensa o sintoma não como uma desadaptação ao social, mas como
uma resposta da criança enquanto sujeito que também enfrenta conflitos psíquicos
analisáveis.
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7. Sofrimento psíquico das crianças negras (Matheus)


A partir de uma perspectiva fanoniana, é preciso entender a estrutura social como
a grande ferramenta responsável por subverter o psiquismo do negro. Como irá admoestar
o filósofo martinicano, Frantz Fanon, em seu livro Pele negra, máscaras brancas, o
menor contato estabelecido de uma criança negra com o mundo branco é capaz de torná-
la “anormal”. Aqui, a conceituação atribuída à normalidade é concernente, simplesmente,
ao indivíduo que apresenta uma desconjuntura do funcionamento psíquico, não tendo
relação com uma noção de imposição da normalidade ou algo do tipo.
Para além disso, os processos de imposição cultural de forma velada e indireta,
que permeiam à tecitura social, são responsáveis por uma assimilação feita pelo negro
dos fatores que lhe são apresentados desde a sua concepção, ou seja, existe, ao contrário
da construção de um Ideal de Ego Negro, uma reprodução dos Ideais de Ego Branco, que
são predominantes na sociedade (Santos Souza, 1983). Nessa medida, a todo momento o
negro é ensinado e imerso, desde a sua mais tenra infância, aos aprendizados e aos
símbolos socialmente tidos como brancos. Percebe-se, a partir do exposto que os
cuidadores e as figuras parentais, ligadas fortemente a construção do eu, são responsáveis
por introjetarem no arquétipo linguístico do infante uma visão permeada de valorização,
exaltação e, consequentemente, cristalização do imaginário branco em seu psiquismo
(Santos Souza, 1983).
A partir dos processos de intoxicação psíquica que acontecem com o negro, por
conta desse englobamento ao que lhe é apresentado como o “belo”, o “bom”, o
“inteligente”, o “guerreiro” e tantos outros adjetivos que a estrutura desloca para o branco,
há como consequência uma espécie de rejeição simbólica da família preta. É exatamente
por isso que em seu livro de 1983, Tornar-se negro, as vicissitudes do negro em ascensão
social no Brasil, a Neusa Santos Souza irá discutir sobre a forma como existe uma espécie
de negação simbólica de si (entenda-se aqui esse processo a partir da busca de
embranquecimento pelo negro, como forma de ser aceito e legitimado no lugar em que
ocupa socialmente) como forma de ocupar certos lugares que são tidos, socialmente,
como espaços ocupados por pessoas brancas.

No mundo branco, o homem de cor encontra dificuldades na


elaboração do seu esquema corporal. O conhecimento do corpo é
unicamente uma atividade de negação. É um reconhecimento em
terceira pessoa. Em torno do corpo, reina uma atmosfera densa de
incertezas. (Frantz Fanon, 2008, p.104)
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A partir de toda a exposição a cima, é necessário entender a forma como é


concebida os processos de formação dos traumas psíquicos pela psicanálise clássica e
realizar uma discussão com o filósofo supracitado. Nesse sentido, o analista pode ser
compreendido como aquele responsável por reencontrar, na nova estrutura psíquica do
adulto, determinados elementos presentes na infância que surgiram na conjuntura familiar
e podem ser causadores de alguma neurose, psicose ou perversão.
Com relação ao negro, é preciso pensar que o seu processo de constituição
psicopatológica não se deve à relação entre a formação de traumas e a função familiar,
como iria admoestar a psicanálise clássica. Pode-se perceber a conjuntura estabelecida a
partir da perspectiva do filósofo surrealista René Ménil, em que legitima a visão sempre
defensiva e de desconfiança dos negros nos espaços dominados, majoritariamente, por
brancos, pois entende que são nesses espaços que a estruturação entre senhor e escravo
se tornar mais latente. Entretanto, pensar a partir dessa concepção no século XX é mais
concebível do que creditá-la no século XXI? De prontidão, a resposta para tal indagação
deve ser: não. Fanon, a partir do conceito de “catarse coletiva” irá discutir que em todas
as sociedades existe a necessidade de que tenha algum lugar para que as energias
acumuladas sejam liberadas. Assim, as ferramentas colonizadoras de cultural funcionam
como receptoras de tais energias acumuladas e que, com isso, desaguam no corpo negro,
refletindo vieses pejorativos a eles e reafirmando a superioridade dos povos brancos. Tal
afirmação se confirma ao se debruçar nos dados divulgados pela Paramount Global, em
2022, de que cerca de 23% dos negros se sentem representados em filmes e séries como
violentos e criminosos.
Sob toda a construção teórica realizada a cima, pode-se perceber que o processo
de adoecimento psíquico do negro é tido, principalmente, por conta do seu encontro com
um mundo branco que é antinegro. Com isso, Frantz Fanon irá afirmar que o Complexo
de Édipo em pessoas negras não acontece da forma como a psicanálise clássica é capaz
de conceber, ou seja, sendo a matriz primeira, a família, como responsável por constituir
os processos de subjetivação do sujeito. Desse modo, o filósofo irá afirmar que esse
processo de subjetivação acontece, desde o primeiro momento, a partir de fatores
históricos, políticos e sociais, não sendo possíveis de serem pensados de forma
desvinculada.
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Muito se falou da aplicação da psicanálise ao preto. Desconfiando do uso


que dela poderia ser feito, 13 preferimos intitular este capítulo: “O preto e
a psicopatologia”, uma vez que, nem Freud, nem Adler, nem mesmo o
cósmico Jung em suas pesquisas pensaram nos negros. No que bem tinham
razão. As pessoas esquecem constantemente que a neurose não é
constitutiva da realidade humana. Quer queira quer não, o complexo de
Édipo longe está de surgir entre os negros. (Fanon, 2008, p.134)

Sob o que foi exposto, é necessário dizer que, a partir dos referenciais teóricos
clássicos da psicanálise, o filósofo Frantz Fanon não é concordante sob a forma de se
conceber o complexo de édipo e nem sob a forma como são estruturados o adoecimento
psíquico no negro.
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9. Referências
Costa, Teresinha. (2010). Psicanálise com crianças. Rio de Janeiro: Zahar.
Fanon, F. (2008). Pele Negra, Máscaras Brancas. (J. P. de Castro, Trad.). São Paulo:
Editora 34.
Freud, S. (1996). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In S. Freud. Edição standard
brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Strachey, Trad.,
Vol. 7, pp. 117-231). Imago. (Trabalho original publicado em 1905)
Freud, S. (2001). Esboço de psicanálise. In S. Freud. Edição standard brasileira das
obras psicológicas completas de Sigmund Freud J. Strachey, Trad., Vol. 23). Imago.
(Trabalho original publicado em 1938)
Freud, S. (1969a). Estudos sobre a histeria. In S. Freud. Edição standard brasileira das
obras psicológicas completas de Sigmund Freud J. Strachey, Trad., Vol. 2). Imago.
(Trabalho original publicado em 1893).
Freud, S. (1969b). As neuropsicoses de defesa (In S. Freud. Edição standard brasileira
das obras psicológicas completas de Sigmund Freud J. Strachey, Trad., Vol. 3).
Imago. (Trabalho original publicado em 1894).
Freud, S. (1969c). A etiologia da histeria (In S. Freud. Edição standard brasileira das
obras psicológicas completas de Sigmund Freud J. Strachey, Trad., Vol. 3). Imago.
(Trabalho original publicado em 1896).
Garcia-Roza, L. A. (2003). Freud e o inconsciente. Jorge Zahar.
Mendonça et al. (2012). A neurose como negativo da perversão: um estudo das perversões
em Freud. Psicologia: ciência e profissão 41, e218321, 1-16.
Roudinesco, E. (2016). Sigmund Freud na sua época e em nosso tempo. Zahar
Silva, F. B.; Brígido, E. (2016). A sexualidade na perspectiva freudiana. Revista
Contemplação 13, p. 125-138
Souza, N. S. (1983). Tornar-se Negro. Ed. UFMG.

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