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DESVELANDO A FAMÍLIA HOMOPARENTAL: UM ESTUDO SOBRE OS

RELATOS DE CASAIS HOMOSSEXUAIS COM FILHOS1

Mário Augusto Tombolato


Profa. Dra. Ana Cláudia Bortolozzi Maia

Bolsa (FAPESP): nº Processo 2012/13570-7

INTRODUÇÃO

As relações entre pessoas do mesmo sexo estão presentes na sociedade durante


toda a história da humanidade (ZAMBRANO, 2006). Em muitos períodos da história o
afeto e prática sexual não se distinguiam e as relações sexuais não eram hierarquizadas
por ocorrerem entre pessoas de mesmo sexo ou de sexo oposto (SALGADO et al., 2007).
Com o passar do tempo, a internalização dos ideais da cultura judaico-cristã gerou a
assimilação do valor estritamente procriador do sexo e a concepção sobre a relação de
pessoas do mesmo sexo adquiriu novas feições: o sexo entre iguais passou a ser
considerado pecado (BIRMAN, 1998). Durante o século XIX, o cristianismo, as ciências
médicas e a sexologia definiram a homossexualidade como uma patologia, um desvio
da conduta sexual normal, almejando com isso, transformá-la para o padrão vigente da
heterossexualidade (MENDES, 2007). Nesse sentido, Uziel (1999) explica: “a opção
sexual/afetiva pelo mesmo sexo já ocupou a esfera religiosa como pecado, a legal como
crime e a médica como doença” (p. 4).

Apenas recentemente, em meados da década de 1990, a décima edição da


Classificação Internacional das Doenças - CID-10 e a quarta edição do Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-IV, retiraram a
homossexualidade da categoria de doença/distúrbio (MENDES, 2007). A partir disso e

1 Esta pesquisa se insere na linha 2: Comportamento e Saúde. Exame de qualificação será realizado em
janeiro de 2014 e a data prevista de defesa é junho de 2014.

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também com o reflexo da positivação dos direitos e dignidade da pessoa humana,
observa-se uma razoável melhoria na tolerância e respeito aos homossexuais.

Concomitantemente a esse processo histórico e político envolvendo a


homossexualidade, vê-se também a historicidade do conceito de família que, segundo
Ariés (1981), desenvolveu-se na Europa, entre os séculos XVII e XVIII. O casamento e a
família não visavam mais à garantia do patrimônio ou dos laços de linhagem, tinham
por objetivo central a socialização das crianças de maneira afetuosa, tendo como
prioridade a privacidade da relação do casal e dos filhos. A atuação da família se
modifica, sendo elaborado o sentimento de paternidade e maternidade; aos pais cabia
não só a reprodução biológica, mas especialmente a educação e os cuidados com os
filhos, envolvendo transmissão de valores, costumes e tradições sociais. Na atual
sociedade ocidental a família é considerada a mais natural das instituições em que
convivem os indivíduos; o núcleo organizador a partir do qual se estruturam e
transmitem os valores mais importantes da nossa cultura (RODRIGUEZ; PAIVA, 2009).
A família não deve ser considerada uma entidade fixa, mas uma organização variada
em que se desenvolvem as normas de filiação e de parentesco, construindo sistemas
elementares cuja finalidade é ligar os indivíduos entre si e à sociedade (LÉVI-STRAUSS,
1982).

A instituição familiar transformou-se ao longo do tempo e, por isso, não se deve


apenas considerar a existência de um único modelo de família (FARIAS; MAIA, 2009).
Em contrapartida, segundo Rodriguez e Paiva (2009), prevalece o modelo ainda restrito
de família no enquadre nuclear-monogâmico, organizada a partir de um casamento
heterossexual. Essa ideologia de família-nuclear norteia as práticas socioeducacionais e
atua segregando as organizações alternativas que se opõem a esse imaginário social. É
dentro da diversidade de modelos familiares que surge a homoparentalidade, que diz
respeito à capacidade de pessoas de orientação homossexual exercerem a parentalidade,
ou seja, a situação na qual pelo menos um adulto que se autodesigna homossexual é (ou
pretende ser) pai ou mãe de, no mínimo, uma criança (ZAMBRANO, 2006).

Somente em maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro declarou


o reconhecimento da união estável para casais do mesmo sexo, legitimando-os
juridicamente como entidade familiar. Desse modo, a Constituição Brasileira tentou
abarcar as mudanças ocorridas na vida da sociedade. Hoje se verifica um contingente
significativo de uniões conjugais formadas por pares homossexuais, todavia, no que
concerne ao direito à adoção de crianças por esses pares, a legislação brasileira não
possui uma norma jurídica que permita ou impeça, de forma clara, essa prática (HAAG,
2007; ZAMBRANO, 2006). Passos (2005) pontua que as novas formas de ser família
devem ser consideradas a partir de uma ética que leve em conta as demandas afetivas

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dos sujeitos nelas envolvidos que deve estar assentada, destarte, nas diferentes formas
de conjugalidade, parentalidade e filiação que configuram um contexto familiar
baseado em laços de afeto. Seus princípios adviriam não mais das leis gerais que
fundamentam a ordem familiar patriarcal, mas das novas redes que sustentam as
relações de afeto nas novas famílias. Nesse sentido, para a entidade familiar, o que
conta é a organização psíquica dos que cuidam da criança, ou seja, o fundamental para
o desenvolvimento da criança é a possibilidade desta manter relações saudáveis com
seus responsáveis e irmãos, e que permitam o desenvolvimento de todos os indivíduos
que formam a família (UZIEL, 2007).

Alguns estudos sobre famílias homoparentais brasileiras evidenciaram


peculiaridades no contexto desse arranjo familiar, entre elas a questão do preconceito e
da discriminação sofridos por parte das famílias de origem e da sociedade - amigos,
trabalho, Igreja, escola (ALMEIDA, 2012; FARIAS, MAIA, 2009; MOSCHETA, 2004;
RODRIGUEZ; PAIVA, 2009; SANTOS, 2004; TARNOVSKI, 2002; TOLEDO, 2008;
UZIEL; GROSSI; MELLO, 2006; VIEIRA, 2011). Se as famílias homoparentais
“ganharam visibilidade social nos últimos anos, também foram alvos de ataques e
tiveram sua legitimidade e cidadania contestadas por instituições centrais para a vida
cotidiana, tais como a Igreja, o poder legislativo e judiciário” (TOLEDO, 2008, p. 9).
Segundo Mosqueta (2004, p. 6) “a relação homossexual é produzida em contínuo
diálogo com as instâncias sociais que muitas vezes, por preconceito e discriminação,
limitam e isolam a experiência conjugal, constituindo uma fonte de angústia”.

Diante do exposto, questiona-se: como é a vivência, enquanto família, de casais


homossexuais com filhos? Quais motivações foram importantes no processo de escolha
da paternidade ou maternidade? O que relatam sobre a filiação? Passaram por situações
de discriminação ou preconceito no contexto social? Diante desta problemática,
desenvolve-se esta pesquisa qualitativa-descritiva (LÜDKE; ANDRÉ, 1986) que visa
aprofundar de modo empírico a temática das famílias homoparentais no contexto
brasileiro.

OBJETIVOS

Objetivo geral - Investigar, a partir de relatos, a vivência enquanto família de casais


homossexuais com filhos.

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Objetivos específicos

 Analisar os relatos sobre a escolha e o exercício da parentalidade em casais


homossexuais;
 Averiguar as descrições dos participantes acerca de suas famílias atual e de
origem;
 Investigar os relatos dos casais em relação às possíveis manifestações de
discriminação e/ou preconceito no contexto social (família, amigos, trabalho);
 Averiguar as descrições dos participantes acerca das redes de apoio disponíveis e
suas relações com elas.

MÉTODO

Procedimentos éticos - o projeto foi enviado submetido à Plataforma


Brasil/CONEP/CEP em agosto de 2012, obtendo o parecer de aprovação em abril de
2013. Antes de iniciar a coleta de dados, leitura em conjunto com os participantes do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e assinaturas individuais de cada membro
dos casais.

Participantes - A seleção dos participantes ocorreu por meio de pesquisas na internet -


em sites de busca -; contato com pesquisadores; conhecidos que indicaram as famílias
homoparentais. Trata-se, portanto, de uma “seleção por conveniência”. Os critérios para
a seleção e inclusão dos participantes foram: casais homossexuais que coabitam com
filhos (biológicos/ adotados), ou seja, que vivam em relação familiar. O pesquisador
entrou em contato com 13 casais residentes nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro:
dois casais recusaram, justificando não quererem se expor; três casais não responderam
ao convite; três aceitaram o convite, porém nas diversas vezes ao se tentar agendar a
entrevista, demonstraram indisponibilidade e cinco casais aceitaram participar.

Instrumentos e Coleta de dados – Foram utilizados dois instrumentos: questionário de


perfil socioeconômico e roteiro de entrevista semiestruturada. O questionário continha
questões fechadas e abertas com a finalidade restrita de levantamento social e
econômico dos participantes. A entrevista continha um roteiro com questões
relacionadas aos objetivos do estudo. A construção e validação dos dois instrumentos se
constituíram em três momentos: a) instrumentos delineados pelo pesquisador e pela
orientadora por meio de levantamento bibliográfico; b) submissão a três juízes -
doutores especialistas na temática em que o projeto se insere - para a avaliação das
questões propostas e posteriores adequações conforme as sugestões dos mesmos e c)

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realização de uma entrevista-piloto para testar a apropriação dos instrumentos aos
objetivos da pesquisa.
As entrevistas estão sendo realizadas pelo próprio pesquisador, nas cidades e nas
residências dos casais participantes, com exceção de uma delas que foi feita em um
estabelecimento comercial. Optou-se por entrevistar conjuntamente ambos os membros
do casal, assim como em outros estudos da área (ALMEIDA, 2012; MOSCHETA, 2004).
As entrevistas são áudio-gravadas e tiveram duração entre 1h16 e 2h05. As entrevistas
são transcritas na íntegra pelo próprio pesquisador.

RESULTADOS - Pesquisa em andamento.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, M. R. Os processos subjetivos no acolhimento e na adoção de crianças por casal


homoafetivo: um estudo de caso. 2012. 223p. Tese (doutorado). Instituto de Psicologia,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

ARIÉS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981.

BIRMAN, J. Erotismo, desamparo e feminilidade - uma leitura psicanalítica sobre a


sexualidade. In: Loyola, Maria Andréa (org.). A sexualidade nas ciências humanas. Rio de
Janeiro: EDUERJ, 1998. p. 93-132.

FARIAS, M. O.; MAIA, A. C. B. Adoção por Homossexuais: a família homoparental sob o


olhar da psicologia jurídica. Curitiba: Juruá, 2009.

HAAG, C. Um é pouco. Dois é bom. Estudos desmistificam preconceitos sobre famílias de pais
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Ferreira. Petrópolis, RJ: Vozes, 1982.

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MOSCHETA, M. S. Construindo a diferença: a intimidade conjugal em casais de homens
homossexuais. 2004. 145p. Dissertação (mestrado). FFCLPRP. Universidade de São
Paulo, Ribeirão Preto, 2004.

PASSOS, M. C. Homoparentalidade: uma entre outras formas de ser família. Psicologia


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RODRIGUEZ, B. C.; PAIVA, M. L. S. C. Um estudo sobre o exercício da parentalidade


em contexto homoparental. Vínculo. São Paulo, v. 1, p. 13-25, 2009.

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TARNOVSKI, F. L. Pais assumidos: adoção e paternidade homossexual no Brasil


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lésbicas, gays e travestis. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.

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ZAMBRANO, E. O direito à homoparentalidade: cartilha sobre as famílias constituídas por


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