Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
HOMOSSEXUAIS DE UBERLÂNDIA-MG
Resumo
METODOLOGIA
Esta pesquisa é um estudo transversal de base empírica, aplicado em campo,
com objetivo descritivo e de abordagem quali-quantitativa, realizada na cidade de
Uberlândia-MG. Constituíram o grupo de participantes da pesquisa, indivíduos
homossexuais com idades entre 20 e 40 anos, jovens adultos segundo a classificação de
Papalia et al (2013), residentes em Uberlândia e que, consentiram em participar da
pesquisa através de assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Os instrumentos que integraram a presente pesquisa foram, um questionário
sociodemográfico e uma entrevista estruturada, ambos elaborados pelos pesquisadores.
As respostas dos participantes foram codificadas numa planilha do programa
estatístico Systat (versão 10.2), segundo as categorias especificadas nos instrumentos de
pesquisa, para obtenção de médias, desvios padrões e amplitudes para as variáveis
numéricas, e de frequências percentuais para as variáveis categóricas (SYSTAT, 2002),
além de tabelas de Contingências (teste X2) para verificar se as questões: (i) você
conhece os procedimentos para adoção no Brasil?, (ii) Você conhece outras
pessoas/casais homossexuais que tenham adotado crianças e/ou adolescentes?, (iii) Em
sua opinião a sociedade atual tem preconceito frente à adoção?, (iv) Você possui
vontade de ter filhos biológicos? (ZAR, 1984), diferiam em frequência de resposta sim e
não, entre os gêneros.
REFERENCIAL TEÓRICO
Toda criança possui direito à permanência em sua família de origem, contudo há
casos excepcionais, na qual a complexidade familiar conduz à consideração da adoção.
A adoção se instaura assim, em caráter de excepcionalidade, como medida tomada por
ordem judicial ao se concluir a impossibilidade de permanência e manutenção da
criança ou do adolescente menor de idade em sua família de origem, necessitando
assegurar seu direito à convivência familiar e comunitária (EM DISCUSSÃO!, 2013).
Reafirmando este dever legal de acolhimento do menor em condição filial no seio de
outra família, temos o sentido do próprio termo, etimologicamente “adotar” significa
aceitar, aprovar, perfilhar/legitimar, assumir e também escolher para si (FERREIRA,
2004, p.96).
A adoção foi tratada pela primeira vez no Código Civil brasileiro em 1916.
Posteriormente seguiram-se a aprovação das Leis nº 3.133/1957, que atualiza o instituto
da adoção prescrita no Código Civil,nº 4.655/1965 (já revogada), sobre a legitimidade
adotiva, e nº 6.697/1979, que institui o Código de Menores, todas anteriores ainda ao
estabelecimento em 1990 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), através da
Lei nº 8.069. Atualmente contam-se ainda alterações tais como as leis nº 12.010/2009 e
mais recentemente nº 13.2572016 (MAUX; DUTRA, 2010).
De acordo com material oficial do Senado, as normas brasileiras para adoção são
mais burocráticas, exigentes e detalhadas do que a da maioria dos outros países no
mundo, porém não se pode, apenas por esse caráter, desmerecer os trâmites vigentes.
Em se tratando de uma medida excepcional e com firmes burocracias que demandam
um longo processo, a permissão para adoção, no panorama brasileiro já foi mais restrita.
Pelas primeiras redações de Lei, até a pouco mais de 40 anos, admitia-se somente aos
casais casados em cartório a possibilidade de adoção conforme os trâmites
regulamentares, havendo, além disto, diversas constrições e necessidades.
Diferentemente, nos tempos atuais se busca maior viabilização da adoção (EM
DISCUSSÃO!, 2013).
Tendo em vista o tema do presente trabalho, investigar a concepção da adoção na
perspectiva de um grupo de indivíduos homossexuais, faz-se necessário conceituar os
termos homossexualidade e homoafetividade.
O dicionário Aurélio da língua portuguesa traz por definição do termo
Homossexual, (adj.) “Diz-se de, ou indivíduo que tem preferência sexual por pessoa do
mesmo sexo que o seu” (FERREIRA, 2004, p.455), em Larousse, (adj.) “Relativo à
homossexualidade. Que ou aquele cujo desejo sexual se dirige a pessoas de seu
sexo” (LAROUSSE, 2005, p.412). Segundo Passos (1999 apud GUIMARÃES, 2009), a
sexualidade se refere ao modo de vivenciar a experiência do sexo sob crenças e valores
particulares que se tem em torno do assunto. Como decorrência, a homossexualidade
pode ser compreendida como um modo de prática e vida sexual assim compartilhada,
entre pessoas doe mesmo gênero.
Por sua vez, a palavra homoafetividade, não significa apenas afeto por alguém
do mesmo sexo, é comum ter afetos por pessoas do mesmo sexo no contexto do
relacionamento social, por exemplo, o afeto que se tem entre irmãos, pais e amigos(as).
Esta palavra veio ao contexto contemporâneo corroborar com a expressão de
relacionamentos afetivossexiais, ganhando um significado que ultrapassa o gramatical
(MAGALHÃES, 2013). Dias (2004) defende que “homoafetividade” é um termo
moderno que busca o reconhecimento e a descriminalização das relações homossexuais,
valorizando-as, portanto, como uma entidade familiar. Torna-se uma expressão cada vez
mais comum e conhecida no cotidiano social, em substituição a termos como “gays” ou
“lésbicas”, pois estes são muitas vezes empregados em contextos preconceituais (DIAS,
2004).
Mesmo em um panorama de maior aceitação social, de acordo com Barroso
(2011), ainda nos tempos atuais verificam-se dificuldades por parte de casais
homoafetivos em adotar crianças. Nestas condições, as crianças a serem adotadas ficam
submetidas à espera, negando-se o direito de terem uma vida em família, com pais
homoafetivos.
Dias (2004) também faz notar que existe uma grande resistência no que diz
respeito a homossexuais adotarem crianças, mesmo após constantes evoluções e
mudanças sociais, pois se percebe a resistência de crenças (populares) que afirmam que,
a ausência do modelo do gênero masculino e feminino possam eventualmente tornar
confusa a identidade sexual da própria criança, havendo o “risco” de ela se “tornar”
homossexual. Segue-se outra crença preconceituosa, a de que crianças adotadas por
casais homossexuais se tornariam alvo de repúdio no meio que frequentam, o que as
levariam a perturbações psicológicas ou problemas de inserção social.
Contudo não há evidências, derivadas de pesquisas, que afirmem tais distúrbios
ou desvios. É importante rever princípios familiares e sociais e, dar abertura para
debates, de forma a possibilitar aos casais homossexuais realizarem o sonho de ter
filhos. Não há como prevalecer o mito de que a homossexualidade dos genitores gere
distúrbios nos filhos (DIAS, 2004). Fato que contesta as concepções preconceituosas é o
Estatuto da Criança e do Adolescente autorizar a adoção (a um casal ou uma única
pessoa), não fazendo qualquer restrição quanto à orientação sexual do pretendente
adotante (DIAS, 2004).
Ao tratarmos a relação entre indivíduos/casais homossexuais na construção da
família, é preciso ainda conceitualizar o termo Homoparentalidade. Este termo, segundo
Grossi, Uziel e Mello (2007), é um neologismo criado pela Associação de Pais e
Futuros Pais Gays e Lésbicas de Paris (PPGL), em 1997, com o objetivo de
contextualizar a situação de uma pessoa que se reconhece como homossexual e cuida de
pelo menos uma criança, ou pretende tê-la, ou adotá-la.
Ainda conforme estes autores, esse termo é utilizado no Brasil há pouco tempo e
tem o mesmo significado que na França, isto é, envolve uma ou mais pessoas homo ou
bissexuais, seja um pai, mãe ou um casal assumindo o papel de pais. Esse termo está
ligado ao desejo das pessoas homossexuais de serem reconhecidas pela sociedade, bem
como pelo poder judiciário, como capazes de construir uma família e cuidar de filhos.
Afinal, há vários modelos de família, o uso deste termo vem desconstruir, na sociedade
contemporânea ocidental o modelo da família “naturalizada”, baseada na figura pró-
criativa constituída por pai, mãe, filho, o que em verdade é um modelo parental, não o
único existente (GROSSI et al, 2007).
Atualmente, as lutas pelos direitos dos homossexuais têm proporcionado uma
maior visibilidade social para as famílias, cujos pais, e mães são homossexuais. Portanto
começa-se a compreender que a paternidade e a maternidade, são um vínculo muito
mais social do que biológico. Nas famílias homoparentais, existem dois pais ou duas
mães, essa ideia de que um deve ser o “pai” e o outro a “mãe” está ligada ao conceito de
família heterossexual naturalizado, isto é tornado como natural, sem críticas
(MARTIAL, 2012 apud PEREIRA; SCHIMANSKI, 2012).
Conforme Sousa e Rizini (2001 apud PEREIRA; SCHIMANSKI, 2012), quanto
aos filhos não se verificam mudança de papel, uma vez que o vínculo permanece nas
mesmas bases em relação às figuras paternas, ou seja, eles serão, ou assumirão,
igualmente o papel de filhos, em uma relação parental de dois pais ou duas mães que
desempenharão igualmente as funções materna e paterna. O relevante nesses casos é
que essas pessoas sejam capazes de cuidar dos filhos, de transmitir os valores culturais,
propiciando à criança o ingresso ao mundo social.
ANÁLISE E DISCUSSÃO
O questionário sociodemográfico elaborado pelos pesquisadores objetivou traçar
o perfil da amostra da pesquisa, cujos resultados gerais são: idade média dos
participantes 25,7 anos, variando de 20 a 36 anos, todos residentes em Uberlândia, em
média há 15 anos. Do total de 30 indivíduos, o grupo se compôs de 60% pessoas do
gênero masculino e 40% do gênero feminino. Todos os participantes se declararam
solteiros e 93,3% não possuíam filhos.
A entrevista estruturada elaborada pelos pesquisadores possibilitou obter
informações sobre o convívio e aceitação social da sexualidade dos participantes e seus
posicionamentos particulares sobre a adoção, ao que, se segue a descrição e discussão
das respostas.
Com relação às dificuldades para se adotar uma criança no Brasil, foram
mencionadas, a triagem e a análise do perfil dos pais ou da família que pretende adotar -
suas condições financeiras e psicológicas 43,3% de incidência da resposta e, a
exigência, por parte dos pais, de um perfil específico de características das crianças a
serem adotadas 63,3% de incidência da resposta. Do total, apenas 10% dos
entrevistados mencionaram dificuldades relacionadas a questões socioculturais.
O total de 83,4% dos entrevistados acreditavam que há entraves para a adoção
de homossexuais em nossa sociedade, sendo citados (i) o preconceito; (ii) a necessidade
de união estável e (iii) fatores diversos. Apenas 3,3% dos entrevistados não souberam
dizer quais seriam estes entraves, apesar de achar que eles existem e, igualmente 3,3%
não acreditavam na existência de entraves na adoção por homossexuais. Por fim, 13,3%
não souberam responder à pergunta.
De acordo com Uziel (2007), a adoção feita por casais homossexuais nos dias
atuais é considerada pelo Judiciário como um mal menor, ao invés de, neste ato, se
afirmar os benefícios da inclusão da criança em uma família independente da orientação
sexual dos adotantes. Sendo assim, um dos desafios enfrentados por casais
homossexuais é o silêncio constitucional, pela falta de elaboração legislativa sobre
família e adoção homoparental conjunta, além de certo conservadorismo judicial.
A omissão legal está relacionada ao fato dos pares homoafetivos não possuírem
plena aceitação social, o que repercute nos legisladores, eleitos pela sociedade
(SPENGLER, 2008). Considera-se que, mesmo nesta esfera, que ainda que nas últimas
décadas as questões referentes à sexualidade tenham sofrido mudanças na forma de
entendimento, ocorrendo maior tolerância com a união entre casais homoafetivo,
observam-se situações e fatos marcados por preconceitos, discriminações e estigmas aos
indivíduos que não têm preferências sexuais dentro de determinados padrões de estrita
moralidade (DIAS, 2000; MELLO, 2006).
Um dos mitos mais presentes em relação às famílias homoafetivas é o de que as
crianças que se desenvolvem nesse tipo de configuração familiar tenderiam a adotar a
mesma orientação sexual de seus pais (MATIAS, 2007). Assim, a sociedade se constitui
por um sistema de exclusões e valores culturais baseados em estigmas e preconceitos.
Conforme afirma Martínez (2010), os laços afetivos são desenvolvidos com base
no processo de aproximação entre os membros da família.
No Brasil, há uma “tendência negativa do Poder Legislativo, que reluta em não
admitir a entidade familiar composta de convivência de pessoas do mesmo sexo”
(AZEVEDO, 2011, p.455). Ocorre um “vazio legal no trato da dimensão familiar dos
vínculos afetivos sexuais para os homoafetivos, o que faz com que ora seja afirmada, e,
ora seja negada” (MELLO, 2006).
A maior parte dos entrevistados, 76,7%, acreditava que as crianças deveriam ser
ensinadas sobre as formas de orientação sexual, alegando que (i) as informações devem
ser dadas a partir das dúvidas das crianças e de acordo com seu desenvolvimento
intelectual; (ii) precisa haver um ambiente de reflexão e muito cuidado para a criança
não se sexualizar e que (iii) isto vai contribuir para que não haja preconceitos com os
demais. Apenas 23,3% dos entrevistados responderam que a criança deve descobrir
sozinha as informações acerca desta questão que somente lhe seriam dadas quando ela
crescesse.
Todos os entrevistados, isto é, 100%, discordaram da afirmação de que uma
criança crescendo em ambiente homossexual é incentivada a seguir a mesma orientação
sexual. Alguns afirmaram: (i) a homossexualidade não é desenvolvida, mas inata e não é
o ambiente que vai incentivar a criança; (ii) o casal deve respeitar a criança para ela
mesma descobrir sua orientação; (iii) não influencia nada, pois minha mãe é
heterossexual e eu não e (iv) não há incentivo, pois, as crianças não são induzidas a
fazer as mesmas escolhas dos pais. E 3,3% dos entrevistados afirmaram que crianças
criadas por homossexuais aprendem a respeitar o próximo, de modo mais tolerante e
consciente.
Corroborando tal concepção, Matias (2007 apud RODRIGUES; TOSCANO,
2017) afirma que, é errônea a concepção de que a criança possa desenvolver a mesma
orientação dos pais homoafetivos, um mito que foi gerado através de crenças sociais.
Estudos indicam que a educação oferecida por casais homoafetivos, não exerce um
poder definitivo sobre a criança, em sua orientação sexual ou mesmo em sua identidade
pessoal (PATTERSON, 2006 apud RODRIGUES; TOSCANO, 2017).
Salienta-se a este respeito que, em termos de prática educativa, a orientação
sexual em qualquer família independente do gênero das figuras parentais, deve ser
caracterizada pelo diálogo, indo ao encontro da proposta de tirar as duvidas da criança
e/ou adolescente, seja adotado ou biológico.
Nesta pesquisa, 100,0% dos entrevistados foram favoráveis ao processo de
adoção de crianças ou adolescentes menores de idade, o que significa dizer que a
adoção, marcadamente, possuí grande aceitação neste público pesquisado. Os motivos
citados foram (i) o acolhimento de crianças abandonadas em um lar, dando a elas nova
oportunidade de viver em família; (ii) gesto amoroso, bonito, corajoso, de solidariedade,
de humanismo e de muita responsabilidade, algo muito positivo; (iii) ação importante e
necessária que deve ser incentivada em nossa sociedade e (iv) oportunidade para dar
carinho e respeito e de fazer o bem. Um entrevistado afirmou ser a adoção “algo
maravilhoso” - S.26, e outro declarou que “quem adota tem uma luz muito grande” - S.
22. Nem todos os entrevistados citaram motivos em suas respostas.
Já tiveram a intenção de adotar 76,7% dos participantes e, um deles (3,3%) já
contava como membro da família um filho adotivo. Os motivos alegados para esta
intenção foram: (i) desejo de ser pai ou mãe; (ii) gostar de brincar; (iii) sentir-se feliz
por poder dar uma família a uma criança; (iv) desejo de adotar adolescentes que
ninguém quis, por causa do preconceito; (v) contribuir para a integração social; (vi) ter
alguém para cuidar de si quando precisar ou por (v) não considerar diferença entre filho
adotivo e biológico. Os demais 23,3% dos entrevistados alegaram que não pretendem
adotar, porque (i) querem tentar, primeiramente, ter um filho biológico; (ii) não possui
estrutura financeira nem casa própria; (iii) não desejam ter filhos ou (iv) não querem
assumir tamanha responsabilidade ou riscos.
Com relação às expectativas de adoção e de como seria a família do entrevistado
com a presença do novo integrante, foi mencionado (i) o aumento na responsabilidade e
no tempo para dedicação e educação, seguindo as próprias ideologias; (ii) o desejo de
poder trocar fraldas, proteger e amar o filho; (iii) a não preocupação com a opinião
alheia e a consideração da criança como parte da família; (iv) o acolhimento integral da
criança, que vai permitir o crescimento da família; (v) um sensação espantosa pela
situação diferente, (vi) tranquilidade ou harmonia, por causa do apoio da família, que é
muito unida e, ainda, (vii) que seria uma situação difícil. Outros 10,0% dos
entrevistados afirmaram não saber como seriam suas expectativas e, 3,3% dos
entrevistados não responderam a este questionamento.
Segundo Baumkarten, Busnello e Tatsch (2013) a adoção é vista como um ato,
ou um investimento de amor, manifestado por parte dos pais, que tem como motivação
um desejo profundo e pessoal, de cuidar de uma criança e/ou adolescente, não gerado
biologicamente. Seguindo a mesma concepção, Granato (2010 apud BAUMKARTEN et
al, 2013) defende que a adoção tem como objetivo dar condições favoráveis para a
criança e ou adolescente, pois espera-se que a família que tenha intenção de adotar,
ofereça as condições necessárias para que ela consiga ter um bom desenvolvimento.
Os entrevistados foram questionados também sobre a existência de interesse em
ter filhos biológicos. Em resposta, os dados coletados mostraram que, 50% destes,
possuíam vontade de ter filhos biológicos, enquanto outros 50% não a possuíam.
É interessante relacionar os dados obtidos desta pergunta com a anteriormente
dada aos pesquisadores sobre o interesse em adotar; nesta referida questão 76,7% dos
entrevistados disseram pretender adotar crianças e/ou adolescentes. Podemos
depreender da correlação entre estas respostas que, apesar da disposição e interesse por
constituir famílias baseadas na reparentalidade de crianças em situação de adoção, há
ainda forte interesse e valorização do caráter filial biológico no grupo amostral da
pesquisa.
Observa-se, pois ambos os desejos em paralelo um ao outro, permanecendo o
remanescente valor à possibilidade de continuidade biológica dos sujeitos pesquisados
(ou consensualmente, do casal), mesmo frente ao impedimento de geração própria de
filhos e, ainda que dependendo da mediação de um terceiro, como nas técnicas de
Reprodução Assistida.
Nos diz Passos (2005), este desejo, de procriação na especificidade da relação
homossexual, só se realiza de modo incompleto, é barrado, frente ao impedimento de
geração e concepção biológica originaria de ambas as pessoas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa objetivou avaliar a concepção da adoção a partir da perspectiva de
indivíduos homossexuais de Uberlândia, Minas Gerais. Especificamente pretendeu-se,
além de identificar a intenção de adoção por parte dos entrevistados, levantar os dados
socioeconômicos deste público e seus familiares, nível acadêmico e profissional,
verificar se possuíam conhecimento de leis para adoção e levantar considerações de
desafios enfrentados pelos mesmos no contexto desta intenção.
Diretivamente à questão apresentada sobre o desejo em adotar, a maioria
expressou possuir ou já ter possuído esta intenção, 76,7% do total de 30 participantes.
Apenas 23,3% consideraram não pretender adotar.
Não obstante este resultado, as duas hipóteses inicialmente organizadas pelos
pesquisadores foram refutadas: a) não há grande incidência do desejo de adoção pelos
participantes da pesquisa concomitante ao de constituir famílias e b) a impossibilidade
biológica de ter descendentes naturais, na condição do relacionamento homossexual,
não constitui a principal justificativa para adoção.
Como exposto nos resultados e discussões, os motivos alegados para adoção
foram: (i) desejo em ser pai ou mãe; (ii) gostar de brincar; (iii) sentir-se feliz por poder
dar uma família a uma criança; (iv) desejo de adotar adolescentes que ninguém quis, por
causa do preconceito; (v) contribuir para a integração social; (vi) ter alguém para cuidar
de si quando precisar e (vii) por não considerar diferença entre filho adotivo e biológico.
Observa-se que constituir família não foi um item listado pelos participantes, como
motivadora à ação de adoção, o que significa que, este não é o fator principal do desejo
de adoção por indivíduos/ casais homossexuais.
Dentro da amostra de opinião e escolha dos integrantes do presente trabalho, a
adoção, como escolha consciente de assumir um(a) filho(a) (não gerado
biologicamente) concedido por lei (ECA artigo 48, 1990), passou por questões outras
que não diretamente a implicância de uma família, tais como, o gosto por brincadeiras e
o desejo de ter alguém para cuidar de si quando precisar e ainda, poder dar uma família
a uma criança e contribuir para a integração social.
Associado à família, porém não diretamente relacionada (pelos entrevistados) a
ela, apontamos o desejo em ser pai ou mãe e não considerar diferença entre filho
adotivo e biológico (Sujeitos: 05, 08, 10, 14, 17, 27- Resposta concedida a uma Questão
da Entrevista Semiestruturada, sequencialmente à indagação sobre a intenção em adotar
crianças e/ou adolescentes: “Se sim: O que o leva a este desejo? Qual a motivação?”).
Tomamos por base para esta associação alguns relatos de entrevista que descrevem o
que é família:
1) “composta por pai, mãe, filhos, avô e avó” - S. 13;
2)”família como relação de acolhimento e suporte emocional ‘nos piores dias’ ou
‘na maioria das vezes’” - S. 26;
3) “conjunto de pessoas que cooperam entre si, compartilham afeto, amor,
cumplicidade e parceria, com membros que se respeitam, aprendendo a viver com amor
e limites” - S. 07.
Compreendemos que, em sua maioria os entrevistados concebem família por
uma estrutura que vai além dos laços sanguíneos, não tendo uma estrutura fixa, uma
espécie de “mini sociedade, onde todos trabalham pelo bem comum” - S. 20.
Neste sentido a adoção se desvincula do “constituir uma família” e passa a dizer
respeito primeiramente ao próprio indivíduo que toma a decisão por adotar,
independentemente e sem uma ótica que prioriza a constituição/convivência
grupal/familiar.
Apenas 03 sujeitos (S. 04, S. 23 e S. 25) relacionaram diretamente o desejo de
possuir filhos, por meio da adoção, com um correspondente desejo pela família.
Destacamos a consideração de um deles: “Concordo com a adoção [...], é outra opção
que os casais homossexuais tem de ter um filho, para construir sua família” - S. 04.
Enfatizamos, com base nas respostas apresentadas que, os motivos apresentados
na pesquisa indicaram significância maior no que toca à condição inerente às
crianças/adolescentes em situação de adoção e ao perfil destas geralmente encontrado
nas instituições de abrigo, isto é, à condição social de rompimento total dos vínculos
com a família anterior (biológica) com consequente encaminhamento para
reparentalidade e à preferência comum de características das crianças pretendidas em
detrimento de outras.
Este desejo vai ao encontro da visão que trouxeram sobre o adotar, como “ato de
amor, coragem, responsabilidade e solidariedade”.
Como amostra de tal raciocínio, citamos os seguintes apontamentos: “sentir-se
feliz por poder dar uma família a uma criança” - S. 06; “[...] poder dar uma
oportunidade para uma criança, que talvez ela não teria [...]” - S. 15; “desejo de adotar
adolescentes, pois sei da dificuldade que é [...] enfrentar a rejeição” - S. 16; “[...] quero
uma criança diferente do padrão geralmente escolhido [...]” - S. 22; “contribuir para a
integração social” - S. 24.
Não relacionado pelos entrevistados, porém presente no discurso de interesse a
adoção, está o citado “perfil de criança” que caracteriza preferência por parte dos
adotantes. Encontramos na 15ª ed. da revista EM DISCUSSÃO! (2013) do Senado
brasileiro, a descrição do que seria este perfil: crianças ainda pequenas, sobretudo bebês
(34,72% pretendem adotar crianças com até 02 anos), crianças que não possuam irmãos
(apenas 18,52% consideram adotar irmãos institucionalizados), meninas (¾ dentre os
40% que manifestam preferência por algum gênero - masculino ou feminino) e brancas
(32,36%).
Justifica-se a não aplicação da segunda hipótese levantada, pela incidência de
23,3% entrevistados alegarem não querer adotar por não possuir a estrutura financeira
necessária, não querer ter filhos de nenhuma maneira e por fim, porque primeiramente
querem ter filhos biológicos.
É interessante estabelecer o paralelo entre os dados demonstrativos de interesse
pela adoção, com o desejo de possuir filhos biológicos: 15 participantes (50%) disseram
pretender ter filhos biológicos e, para muitos destes é concomitante também ao de
possuir filhos adotivos, isto é, desejos não mutuamente excludentes ou substitutivos,
deseja-se tanto filhos biológicos, quanto adotivos. Neste sentido pontuamos o quanto a
concepção de filhos entre o casal, ou provinda biologicamente de um único indivíduo
que o deseja (considerando-se os solteiros homossexuais que querem ser pais/mães),
representa importância neste público pesquisado. Identificamos assim que a
impossibilidade biológica de ter descendentes naturais, na condição do relacionamento
homossexual, não constitui a principal justificativa para adoção.
Os resultados demonstraram ainda que, a maioria dos entrevistados não tem
conhecimento dos trâmites legais referentes à adoção no país. Consideramos, portanto,
importante buscar compreensão destes procedimentos uma vez que este desejo existe,
pois são de suma importância para orientação das práticas que levarão a efetivar a
adoção.
É importante ressaltar que pesquisas que envolvem o tema adoção são quase
sempre atuais, considerando o fato de que o assunto vem se desenvolvendo mais a cada
ano, segundo novas diretrizes de lei e a cada mudança de modelo de concepção de
família estabelecida na sociedade. Ademais, modelos novos de constituição de família,
tem sido um assunto muito debatido e questionado na sociedade, o que nos leva,
portanto, a considerar importante o fato de que esta pesquisa de alguma forma
contribuiu, para o crescimento e expansão desse assunto levando ao desenvolvimento de
outras questões, o que poderá contribuir para a área cientifica e, principalmente para que
tenhamos conhecimento das práticas sobre o processo e o desejo de adoção.
De modo geral, os entrevistados afirmaram ter gostado de participar do estudo,
considerando-o um “bom passo” (S. 17) em pesquisas que relacionem a adoção ao
público homossexual. Este posicionamento positivo esteve presente na avaliação de
93,4% dos entrevistados, que mostraram acreditar que os tópicos discutidos foram
benéficos à análise da questão, sendo que o seguinte relato: “Gostei de participar do
estudo” (S. 13), sugere que os mesmos obtiveram um determinado proveito para si, em
contrapartida à contribuição com os pesquisadores ao relatarem sua visão pessoal sobre
o tema.
A justificativa dos entrevistados sobre os benefícios da presente pesquisa
passaram por temas como (i) oportunizar a discussão sobre os trâmites da adoção por
casais homossexuais, divulgando o assunto e investigando o que as pessoas pensam
sobre o tema; (ii) permitir a expressão de idéias que podem contribuir para quebrar
paradigmas e preconceitos e gerar novas perspectivas, um avanço que promove
movimentos transformadores de consciência; (iii) abordar tema delicado, importante e
pouco estudado.
Apenas um entrevistado (3,3%) afirmou que preferiria não opinar sobre este
questionamento.
No decorrer da entrevista, fazia-se necessário que o participante se sentisse
confortável e acolhido para opinar claramente neste assunto muitas vezes delicado, a
confiança na credibilidade dos pesquisadores como foi relatado possibilitou alcançar
grandes reflexões, observa-se que a empatia foi uma grande ferramenta, na qual o
indivíduo pode se expressar sem esperar um pré-julgamento.
REFERÊNCIAS
________. Direito das famílias. 11ª. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2016.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio: o minidicionário da língua
portuguesa; [et al] 6° ed. Curitiba: Positivo, 2004. p.455.
GONÇALVES, C. R. Direito civil brasileiro: direito de família. v. VI. 6ª. ed. rev. e
atual. São Paulo: Saraiva, 2009.