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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

LICENCIATURA EM PEDAGOGIA
PROFª.

Ana Luisa Pereira Siqueira


Eduardo Sampaio Rubim de Toledo
Isabela Romano
Sayuri Gabriela
Sid Cinthia Camila Fachineti
Thaina Helena Mascaro
Vitória Magnus

EIXO TEMÁTICO I: A CRIANÇA E A INFÂNCIA

Um estudo sobre o sentimento da infância e a sua trajetória histórica

São Carlos
2023
Introdução
O presente trabalho busca analisar a obra “História Social da Criança e da Família" de
Philippe Ariès, onde historiciza a infância e sua percepção ao longo da história. Através da
iconoclastia, assimilada pela análise de registros visuais, o autor apresenta o conceito da
criança na sociedade classificando em períodos sua constituição, analisando as etapas
dispostas ao longo dos anos da infância e classificando seu crescimento de acordo com o
contexto social - em conclusão, a infância sendo uma construção social.
A partir disso, Ariès discute acerca do reconhecimento da infância necessário para sua
saudável efetivação, dado através do entendimento de suas necessidades e especificidades e
atendimento das mesmas. Com isso, o autor discorre sobre importantes questões sobre a
infância, a serem analisadas no presente artigo, como sexualidade, idealização moral e
religiosa e as primeiras influências e responsabilização da escola. Com a ajuda de meticulosas
análises de obras que exemplificam tais questões, esperamos trazer uma profunda reflexão
acerca da concepção social de infância e seus impactos diretos em sua educação e inserção na
sociedade.

Objetivos

1. Compreender teorias sobre a percepção da criança e infância formuladas pelo autor


Ariés
2. Analisar obras literárias e cinematográficas que exemplificam a prática da pedofilia e
adultização de crianças no atual contexto social
3. Propor reflexões acerca das construções sociais acerca da criança e a vivência da
infância
4. Promover reflexões quanto a formas de proteção da criança e valorização de sua
infância

Períodos históricos e a percepção da criança e a infância: Analisando a obra de Ariés


Phillipe Ariès foi um historiador francês, que tinha como fundamental fonte de pesquisa a
criança e a família. Sua metodologia da iconoclastia, assimiladas pelo estudo de imagens e
também de diários de médicos e preceptores, visavam a observação das representações sobre
infância em diferentes períodos analisados. Ariès obteve importantes parcerias em seus
estudos - em destaque, Michel Foucault (1926-1984), com quem converge em suas ideias e
discussões. Em sua obra “História Social da Criança e da Família”, o autor tem como tese
central a análise da questão do sentimento social de infância, assimilado pelo momento em
que a sociedade passa a reconhecer a criança como um indivíduo singular com suas próprias
características e necessidades, e não apenas como um molde de adultos.
São três os momentos historicamente importantes analisados e destacados pelo autor quanto a
concepções de infância. O primeiro momento, disposto da antiguidade ao século XII é
marcado pelo conceito da ausência do sentimento de infância, onde a criança é vista pela
sociedade como um perfeito molde do que deveria ser o adulto, não havendo diferenças entre
indivíduos de idades diferentes - todos compartilhavam das mesmas rotinas,
responsabilidades e lazer. Nesse contexto, o processo de socialização da criança
encontrava-se imerso no mundo dos adultos (incluindo práticas sexuais), ao não se fazer
percepção de especificidades de cada período do desenvolvimento humano.
Já em um segundo momento, situado entre os séculos XIII e XVIII, surge um novo
sentimento em relação à infância, onde crianças passam a ser retratadas em artes sacras - o
que demonstra mudanças significativas em tais idealizações, pela enfim percepção da criança
como indivíduo singular e superação do abandono social dirigida a elas na antiguidade.
Assim, essas crianças passam a ser vistas de forma diferente dos adultos em tamanho e em
relação com o mistério, profano ou divino. Surge nesse período, o sentimento de paparicação
para com crianças, onde são vistas como “engraçadinhas” ao divertirem os adultos. Por outro
lado, nasce ainda o sentimento de irritação para com crianças, onde adultos percebem as
mesmas como “inacabadas” e “incompletas”, e defendem sua disciplina e moralização para
sua rápida adultização. É desse sentimento que surge a ideia de que a criança precisa estar em
lugares adequados para ser educada - as instituições escolares, que nascem como ambientes
responsáveis por apartar crianças da imoralidade social existente, com o objetivo de
pudorizá-las e discipliná-las.
Por conseguinte, em um terceiro momento, mudanças importantes ocorreram a partir do
século XII em relação às crianças, como a condenação e abandono de brincadeiras e jogos,
por serem consideradas imorais. Tais brincadeiras vão sendo deixadas de lado por classes
dominantes e passam a ser associadas às crianças de classes populares - o que denuncia o
surgimento do sentimento de infância na nobreza, que, por sua vez, cria uma forte segregação
social. O uso de brincadeiras e jogos volta a vigor durante os séculos XV e XVI, onde
vinham com finalidades educativas (moralizantes), instituindo regras, e servindo como
importante instrumento pedagógico. Participam dessa mudança os jesuítas que “limpam” as
brincadeiras de assuntos não apropriados como os de conotação sexual.
Reformas religiosas e morais trouxeram mudanças em relação ao tratamento dado às
crianças. A Companhia de Jesus1 é criada no intuito de propagar os ideais dessas reformas,
trazendo um modelo relacionado a religião, com o novo conceito da criança vista como
inocente e pura, apresentando mudanças também relacionadas à percepção do corpo e da
sexualidade das crianças - o terceiro momento historicamente importante abordado pelo
autor. No contexto de sexualidade, Ariès constata que crianças tocarem seus órgãos genitais
era motivo de divertimento para os adultos, que permitindo tudo, não demonstravam respeito
para com crianças. Tal atitude em relação à sexualidade da criança varia de acordo com a
época e mentalidade mas o autor observa que os jesuítas criam uma espécie de pudor e
vergonha em relação a tais gestos, colocando, assim, a criança diante de um sentimento de
inocência, passando-a de despudorada a inocente. Nesse contexto, a família também passa a
contribuir para que a criança se mantivesse inocente - de uma forma tradicional e cristã, no
aspecto pedagógico, a literatura para a criança era definida como manual educativo. A
pedagogia nasce no seio de tais normatizações - o que deve ser ensinado e o que não deve.
Essa nova fase da educação da criança é sustentada por três importantes pilares: o vigiar com
amor - para que a criança goste da vigilância; mostrá-la como ser um “bom homem” e a
censura do que prejudique a inocência da criança.
Foucault também trouxe importantes contribuições para o conceito de sexualidade
relacionado à criança, afirmando que a sexualidade é uma construção social, criada sob a
ótica das relações de poder - sendo o homem o grande opressor. Analisa também a
preocupação da sociedade com as crianças quanto a sua orientação sexual - por tentativas de
não deixá-la vivenciar a homossexualidade -, e a manutenção de sua pureza e bondade,
estabelecendo um opressor tipo de controle sobre o corpo da criança, a partir das reformas
religiosas que embasam tal movimento.

1
A Companhia de Jesus ou Ordem dos Jesuítas, é uma ordem religiosa fundada em 1534 com o intuito de
catequização e difusão do catolicismo para os “infiéis” e “pagãos”, que não seguiam essa vertente religiosa.
A sexualidade e a cultura da pedofilia por Jane Felipe

Em seu artigo “Afinal, quem é mesmo pedófilo?”, a autora Jane Felipe aborda a relação da
criança com a infância, a sexualidade e a pedofilia, demonstrando que a criança, naturalmente
livre de malícia sexual, é socialmente colocada como uma possibilidade de experimentação
do desejo sexual do adulto. A autora também destaca acontecimentos do período do século
XVIII onde crianças começam a ser percebidas como sujeitos classificados em uma natureza
infantil, que possui suas especificidades e características, e a partir dessa nova visão sobre a
criança e sua infância, a concepção do erotismo infantil é invisibilizada e negada pela
sociedade. Desse modo, as crianças passam a precisar de um certo tipo de proteção, incluindo
determinados conhecimentos, como assuntos relacionados ao sexo e a sexualidade. Tais
temas apresentados pela autora se assemelham com as ideias de Ariès, quanto à questão do
sentimento da infância em relação à sexualidade da criança, pois é possível observar a forte
influência na relação da criança com o adulto. Jane destaca que tais conceitos se relacionam
diretamente com as relações de poder entre adultos e crianças, onde homens historicamente
sentem-se concedidos do direito de aliciar, abusar e manipular mulheres e meninas em
relações intrafamiliares - ato tal originado do sentimento de propriedade de homens sobre
mulheres. Em contexto atualizado, percebe-se também que o acesso à internet e novas
tecnologias dificultou em muito ações de proteção a criança - a prática da pedofilia pela
mídia é alarmante, já que o acesso a tal material não possui nenhum tipo de restrição.
Denota-se ainda a grande organização criminosa que embasa tal rede de conteúdos explícitos,
perpassada por crimes de sequestro, violência sexual, coerção de incapazes e em casos
extremos, até a morte. A pornografia infantil aumenta e estimula o mercado da pedofilia;
dados indicam que a cada 8 horas uma criança é vítima de abuso/violência sexual. Dessa
forma, é necessário discutir acerca da pedofilização como prática social contemporânea,
tendo em vista a grande contradição que rodeia tal fato, onde mesmo com a instituição de leis
e sistemas de proteção a criança, a pedofilização ainda se faz presente como prática
socialmente difundida.
Não só crianças propriamente ditas, mas observa-se também a infantilização de mulheres
adultas na mídia, com o uso de roupas e acessórios que remetem a infância, o que novamente
acarreta à relação de poder entre adultos e crianças de forma intrinseca, já que embora com
mulheres adultas, consumidores de pedofilia acham dentro de tal exposição uma forte forma
de sexualização infantil, o que denuncia as bases pedófilas sobre as quais a sociedade se
alicerça.
Lolita: uma análise sobre a idealização pedófila de crianças

Para melhor compreender e refletir a construção da infância delineada por Ariès,


analisaremos agora a obra cinematográfica “Lolita” (1997), dirigido por Adryan Line e
baseado no romance de Vladimir Nabokov de 1955.
O filme é ambientalizado nos Estados Unidos, no ano de 1947, onde o professor universitário
Humbert aluga estadia na casa de uma viúva, que possui uma filha, Dolores, de 12 anos -
futuramente apelidada de Lolita pelo mesmo, o que origina o nome da obra. Lolita é
primeiramente apresentada como uma menina doce e de boas relações familiares, vista com
adoração pelo professor. A história se baseia no “romance” entre o professor e Lolita, que se
consolida após a morte da mãe dela, ao descobrir o diário do professor, onde expressa sua
paixão secreta pela mesma. A partir disso, essa relação será abordada de forma mais
abrangente e ampla, utilizando-se de recursos visuais e emocionais que abordam de forma
brilhante a mente perturbada de Humbert ao se apaixonar por sua Lolita - uma criança de 12
anos. Contada sob a ótica de Humpert, o filme apresenta cenas fortíssimas da visão distorcida
do pedófilo sobre Lolita.
A obra - literária e cinematográfica - destaca-se por sua forte exploração do distúrbio da
mente pedófila, com representações explícitas da sexualização que Humpert faz de Lolita,
para sua própria convicção de que a relação é lícita e recíproca. Com a brilhante tática da não
especificação da verdadeira realidade, através da não confiabilidade do narrador, e com o
intuito de chocar o leitor, Nabokov estrutura uma obra que horroriza a sociedade de sua
época, pela explicitação de conteúdos sexuais e exploração de relações pedófilas. Alvo de
fortes críticas e censuras, ganha posteriormente título de maiores realizações literárias do
século XX, e a partir de tal, constrói-se a obra cinematográfica de 97, que torna visuais e
explícitas cenas de horror retratadas no romance. Postergando preceitos e julgamentos
morais, a escolha da obra se deu pela relação direta com temas abordados na disciplina,
presentes no eixo 1 - “a criança e a infância” - e com a questão primordial analisada no
presente trabalho - a construção de infância como aspecto social, e sua estruturação atual em
bases pedófilas de adultização infantil.

Orgulho e preconceito: a adultização de crianças e seu contexto histórico-social


A obra literária “Orgulho e Preconceito”, de Jane Austen (1813), também adaptada para os
cinemas em anos posteriores, é de grande auxílio na análise e exemplificação da adultização
precoce de crianças, que antecede a pedofilia. No romance, Jane apresenta a família Bennet
como uma tradicional família dos subúrbios da Inglaterra, com cinco filhas mulheres, cuja
única responsabilidade atribuída às mesmas é encontrar um homem de boa índole e condição
financeira para casar. Todas apresentam de 22 anos - sendo a mais velha, Jane - , a 15 - sendo
a mais nova, Lydia. O romance conta a preparação que as meninas sofrem desde sua infância
para o momento de escolha de pares românticos e seus casamentos. Tudo isso, sustentado
pelos princípios e valores regentes na época onde a história se ambientaliza - nos anos de
1700.
A obra busca trazer uma reflexão acerca do comportamento da sociedade inglesa aristocrática
no início do século XIX, além de dissertar sobre a busca da felicidade pautada em ideais
vigentes sobre posições sociais e destaques financeiros. Através do desenvolvimento da
personagem Elizabeth, e sua força em colocar seus princípios pessoais e felicidade individual
acima de expectativas sociais quanto a casamento e ascensão social, Austen critica
fortemente a socialização do indivíduo pautada em competições e utilização de todos os
meios para obter destaque em uma sociedade fadada ao fracasso das relações puras e
legítimas, substituídas diretamente por relacionamentos sem amor, amizade ou livres de
qualquer tipo de emoções. Com tal análise, buscamos evidenciar, através de dados históricos
e sociais, a construção social que embasa atuais situações de pedofilia e adultização de
crianças analisadas no presente trabalho, com o objetivo de traçar uma trajetória histórica da
consolidação da atual sociedade pautada em princípios pedófilos.

Considerações Finais
Com a elaboração do presente artigo, buscamos analisar a concepção de infância e criança ao
longo de períodos históricos, através do estudo minucioso da obra de Ariés sobre tais
períodos e reflexão acerca da percepção de crianças ao discorrer dos mesmos. Com a análise
filmográfica, buscamos instituir reflexões sobre a construção social de infância e seu
embasamento em ideais pedófilos e de adultização precoce de crianças, e o papel crucial que
a educação exerce em tal perpetuação.
Os conteúdos abordados no artigo trazem discussões importantes que envolvem o conceito da
infância e como ele se desenvolve ao longo do tempo. As obras analisadas demonstram as
temáticas elaboradas por Ariès, e por meio dessas, buscamos trazer suas análises com o
respectivo embasamento teórico, desenvolvendo discussões que abordam a pedofilia e a
adultização de crianças. A partir de tais, busca-se discutir a relação dessas questões à
realidade atual, em torno de tais temáticas, observando de que forma esses conceitos afetam
hoje a visão sobre a criança e de seu sentimento de infância, construído e modificado de
acordo com as mudanças sociais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARIÈS, Philippe. “História Social da Criança e da Família”. 2 ed. Rio de Janeiro: LTC,
1981.

FELIPE, Jane. Afinal, quem é mesmo pedófilo? Cadernos Pagu, n. 26, p. 201–223, jun.
2006.

Lolita. Direção: Adryan Line. Produção: Stephen Schiff . Local: Europa. Produtora: Pathé.
Data: 25 de set. de 1997. Duração: 137 min.

Orgulho e Preconceito. Direção: Joe Wright. Produção: Tim Bevan, Eric Fellner, Paul
Webster. Local: Reino Unido. Produtora: StudioCanal Working Title Films. Data: 16 de set.
de 2005. Duração: 129 min.

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