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Para iniciar nossa trajetória pela educação infantil, como atendimento institucional, é
preciso uma passagem pelo conceito de infância, absolutamente fundamental e anterior
a qualquer proposta desse tipo de atendimento às crianças. Kramer (2003:16) apresenta
os estudos do historiador francês Philippe Ariès como sendo um dos mais relevantes na
conceituação da infância. Através desses estudos, Ariès relata uma transformação do
sentimento de infância e identifica esse sentimento como a consciência da
particularidade infantil. Esse historiador pesquisou também a questão do surgimento do
sentimento de família, que proporcionou o sentimento de infância na sociedade. Através
de pinturas, documentos antigos, registros escritos, fotografias, Ariès foi delineando um
processo de evolução no sentimento de infância, identificando-o de acordo com a
condição social das crianças e de seus grupos culturais.
Pode-se perceber que a instituição da infância na sociedade foi marcada por duas
posturas distintas com relação à educação das crianças: ou se tinha a criança como um
ser frágil, dependente do adulto, que precisava ser protegido e poupado das más
influências do meio social; ou então se via a criança como um ser “bruto” que
necessitava ser “lapidado” pela educação e o modelo do adulto. Segundo Kramer
(2003), ambas as visões eram baseadas em uma dimensão universal da criança e da
infância, levando em consideração aspectos inerentes à natureza humana nessa etapa da
vida.
Os séculos XVII e XVIII foram palco para a ascensão de uma classe social, constituída
de artesãos e comerciantes, que se fortaleceu economicamente, fazendo surgir novas
organizações na sociedade, entre elas, a família nuclear. Com o surgimento da família
nuclear, o conceito de infância vai assumindo relevância social. Educar as crianças, que
antes era uma preocupação da sociedade, passa a ser tarefa primordial das famílias.
É nesse mesmo contexto que a escola se constitui como instituição social, de cunho
educacional, complementar à família, e, na medida em que família e escola passam a
compartilhar da educação das crianças pequenas, o que veremos mais adiante, o papel
da criança na sociedade vai ganhando especial relevância, mesmo que o sentimento de
infância marque, durante muito tempo de sua trajetória histórica, a natureza da criança e
não a sua existência como sujeito social e cultural.
1
Em 1828 são criadas as Salles d’Asile, as Salas de Asilo francesas, que depois mudam seu nome para
Escola Maternal
2
JEAN-JACQUES ROUSSEAU (1712-1778), nascido na suíça, foi importante fi lósofo e escritor
iluminista, o grande responsável pela idéia de criança e de infância.
francês Freinet como os grandes configuradores da teoria e da prática da
educação infantil. (LEITE FILHO, 2003)3.
No Brasil, os diferentes tipos de infância podem se tornar visíveis a partir da análise das
relações de poder, das diferenças sociais e étnicas existentes nos variados períodos
históricos. As interpretações acerca desses registros históricos apontam para várias
leituras possíveis das relações entre adultos e crianças, caracterizando infâncias
distintas, em cada tempo e cada espaço social. Desde as sociedades indígenas, no
período colonial, as crianças pequenas eram cuidadas pelos adultos, para brincarem e
aprenderem coisas necessárias a sua sobrevivência, até que tivessem idade para assumir
funções nas tribos. Assim, observavam as atividades dos adultos e ouviam suas
histórias.
3
Texto publicado nos Anais do pré-Congresso da ASBREI – Associação Brasileira de Educação Infantil
– em 2003.
Ainda que vivessem em uma condição mais favorável, havia diferença com relação às
crianças criadas na casa grande, pois o direito à escolarização era dado somente aos
meninos, assim como os mais importantes papéis na sociedade. Desde cedo, os meninos
eram criados para serem os grandes varões, frequentavam escolas, aprendiam a dar
ordens, para assumir, mais tarde, o posto de senhor, chefe da família e de toda a
propriedade: escravos, terras e riquezas. As meninas aprendiam a obedecer e a se tornar
mulheres prendadas. Eram criadas para casar e procriar. Poucas sabiam ler e esse
aprendizado, na maioria das vezes, acontecia em casa com ajuda dos adultos da família.
Durante os séculos XVIII e XIX, a Roda recebeu 42.200 enjeitados, filhos de pessoas
pobres, ou ilegítimos, adulterinos ou filhos de escravas que os senhores lá abandonavam
para alugar suas mães como amas de leite. Na contemporaneidade, a legislação passa a
ser a tentativa para a garantia dos direitos às crianças brasileiras. Surge a idéia do
pequeno cidadão, um sujeito que, embora de pouca idade, já possui necessidades e
direitos a serem assumidos e respeitados pela sociedade, ressaltando nesse bojo a
responsabilidade maior para a família e o Estado. Entretanto, ainda há que se refletir:
Ser criança mesmo no mundo atual é ter infância? Mas qual infância? Sabemos que
muitos dos direitos infantis continuam sendo violados: crianças sem família biológica
ou substituta, crianças as quais faltam alimentos, remédios e médicos, crianças
exploradas, abusadas ou negligenciadas, crianças que trabalham, crianças sem creche ou
pré-escola... Ainda falta muito para que todas as crianças possam ser crianças e vivam o
seu tempo de infância. Uma luta que deve ser dos educadores e de toda a sociedade.
REFERÊNCIAS:
KRAMER, Sonia (org). Com a pré-escola nas mãos: uma alternativa curricular
para a educação infantil. São Paulo: Ática, 1993.
LEITE FILHO, Aristeo. Direitos das crianças, desafios dos educadores. In: ASBREI,
Anais pré-congresso. Rio de Janeiro, set., 2003