Você está na página 1de 33

INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO

RHONEDS A. R. PEREZ DA PAZ


MARIA BELTRÃO

OS SAMBAQUIS BRASILEIROS
COMO
ESTRATÉGIA DE OCUPAÇÃO DO
LITORAL

PAZ , Rhoneds A. R. Perez da


BELTRÃO, Maria
OS SAMBAQUIS BRASILEIROS COMO
ESTRATÉGIA DE OCUPAÇÃO DO LITORAL
R. IHGB, Rio de Janeiro, a.171 (446): 163-194, jan./mar. 2010

Rio de Janeiro
jan./mar. 2010
Os sambaquis brasileiros como estratégia de ocupação do litoral

OS SAMBAQUIS BRASILEIROS COMO ESTRATÉGIA DE


OCUPAÇÃO DO LITORAL
THE BRAZILIAN SHELL MIDDENS AS A STRATEGIC
OCCUPATION OF THE COASTLAND
Rhoneds A. R. Perez da Paz1
Maria Beltrão2

Resumo: Abstract:
A ciência arqueológica brasileira, ainda em The brazilian archaeological science, which is
construção, tem sua trajetória marcada por in- still undergoing construction, has its trajectory
certezas e dificuldades que impedem a formula- marked by uncertainties as well as difficulties
ção de uma síntese da pré-história brasileira. Os which prevent the formulation of a brazilian
estudos realizados nos sambaquis do Município pre-history synthesis. The studies conducted at
de Guapimirim demonstraram que os sítios ar- the shell middens of the municipal district of
queológicos do tipo sambaqui fazem parte de Guapimirim demonstrate that the archaeolo-
um mesmo complexo cultural, que começou gical sites of shell middens kind belong to the
a ser construído a partir de uma estratégia de same cultural complex. Furthermore, this cul-
ocupação que privilegiava o território a ser ex- tural complex’s construction began under the
plorado. light of an occupation strategy which favored
the territory chosen for exploiting.
Palavras-chave: Sambaquis; Pré-História; Keywords: Sambaquis; Prehistory; Guapimi-
Guapimirim; Arqueologia Brasileira. rim; Brazilian Archaeology.

A partir do trabalho desenvolvido durante o Mestrado, Perez se de-


dicou ao estudo dos caçadores-coletores que habitaram o baixo curso do
rio Passa Cinco, em Rio Claro, São Paulo. Nessa oportunidade através da
análise da indústria lítica, observou o grau de conhecimento e domínio
que o homem tinha do fogo, fosse como fogueira para os diversos usos do
cotidiano, fosse para o preparo de seus instrumentos de sílex. Em outras
palavras, pode observar que a exposição do sílex ao calor por determina-
do período de tempo e dada temperatura se constituía em etapa necessária
na elaboração dos artefatos, especialmente os bifaciais.

Posteriormente, seu foco de interesse se modificou a partir da esca-

1 – Mestre e Doutora em Arqueologia pela Universidade de São Paulo. Arqueóloga e Co-


ordenadora de Extensão do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
2 – Professora Titular do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Pesquisador Sênior do CNPq. Doutora em Arqueologia e Geologia pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Sócia titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010 163


Rhoneds A. R. Perez da Paz e Maria Beltrão

vação realizada em 1986, no sambaqui de Sernambetiba, em parceria com


o professor Wesley Hurt, quando encontrou uma constante associação de
lascas de quartzo e fogueiras. Tal correlação, aliada aos dados que obteve
para os grupos caçadores-coletores, a impulsionou a investigar o porquê
de tal associação visto que as datações disponíveis para Rio Claro, SP, in-
dicam contemporaneidade de seus últimos ocupantes com os construtores
dos sambaquis. Passou a considerar, portanto, que certamente o aprofun-
damento dessa investigação poderia resultar em mais uma informação
importante para se entender o complexo mecanismo adotado pelo homem
para se adaptar aos ambientes costeiros.

Uma vez que a Arqueologia se preocupa em explicar a emergência,


a manutenção e a transformação pelas quais passaram as diversas socie-
dades através do tempo, o presente artigo se volta para a reflexão desse
fenômeno e suas possíveis causas.

Pressupostos conceituais
A Arqueologia é aqui entendida como uma ciência do comporta-
mento, com métodos e teorias próprias e não uma técnica de escavação
para interpretação de dados. Hoje seu campo de estudo não se finda mais
pelo surgimento da escrita, já que a Arqueologia Histórica se volta para
a investigação das diversas sociedades que surgiram e desapareceram no
período histórico.

A leitura arqueológica da sedimentação do terreno e das estruturas


arquitetônicas, que oferecem elementos de continuidade do processo de
vida de determinado núcleo urbano, permite o entendimento da cidade,
desde seus primórdios ao seu traçado atual sob diversos perfis, tais como:
urbanismo, topografia, economia social, organizativo, cultural, religioso,
etc.

As escavações e a análise de evidências arqueológicas, em espaço


urbano, atingiram uma relevância e uma dinâmica que operações análo-
gas, em espaços rurais, nunca alcançam a não ser excepcionalmente.

164 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010


Os sambaquis brasileiros como estratégia de ocupação do litoral

A arqueologia, portanto, busca estudar os modos de vida de antigas


comunidades que deixaram suas marcas em lugares específicos, identi-
ficados como sítios arqueológicos. Os estudos interdisciplinares que o
trabalho arqueológico proporciona permitem avançar no sentido de atin-
gir metas importantes como, por exemplo, a recuperação dos cenários
paisagísticos históricos. Os sítios históricos, assim, compõem um acer-
vo paisagístico, histórico e arquitetônico de relevante importância para a
compreensão da história local.

O termo “meio ambiente” aqui não é simplesmente entendido como


uma redundância, isto é, a tradução literal da palavra inglesa environ-
ment; possui significado distinto que se completa com a etimologia da
expressão; é a junção de elementos naturais e culturais cuja interação
constitui e condiciona o meio em que se vive fornecendo o desenvolvi-
mento sustentado da vida em todas as suas formas. Meio é o instrumento
de criação e funcionamento da organização da sociedade no espaço geo-
gráfico. Ambiente é, simultaneamente, espaço e tempo, natural e cultural.
Em outras palavras, é um sistema aberto que integra sociedade e natureza
em suas várias interações; é “produto” da relação homem-meio, homem-
sociedade, homem-natureza, sociedade-meio, sociedade-homem, socie-
dade-natureza na medida em que a natureza é recriada pela sociedade e
que o homem é parte integrante e não mero agente interventor.

As relações Homem x Meio Ambiente devem ser vistas como ele-


mentos de um sistema de produção cultural, cujas atividades afetaram e
foram afetadas pelo meio ao longo do tempo. As adaptações humanas ao
ambiente só podem ser entendidas na proporção em que os componentes
sócio, econômico, político e cultural deixados pelo homem no espaço
geográfico ocupado – os sítios arqueológicos – forem sendo desvendados.
O sítio arqueológico deve ser compreendido como uma construção feita
pelos indivíduos que o ocuparam, já que os materiais que o compõem
foram decididamente ali depositados como produto de ações pertinentes
ao sistema sócioeconômico-cultural.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010 165


Rhoneds A. R. Perez da Paz e Maria Beltrão

O ambiente aqui é, assim, entendido como um conjunto de elemen-


tos e condições que estabeleceram e estabelecem o que se denomina con-
dição de vida, dentro de um espaço de tempo que compreende desde o
surgimento do sítio arqueológico até os dias atuais.

A relação entre uma sociedade humana e o seu ambiente é um siste-


ma adaptativo. Este sistema é chamado de “cultura” – que são os meios
extrassomáticos de adaptação do organismo humano. Logo, a cultura é o
conjunto de tudo aquilo que, nos planos material e espiritual, o homem
constrói sobre a base da natureza, quer para modificá-la, quer para modi-
ficar-se a si mesmo (Reale, 1993). É o conjunto de padrões de comporta-
mento, de crença e ideias, de artefatos, técnicas, instituições e organiza-
ções de uma sociedade. Em suma é a presença do homem na natureza.

O sítio arqueológico é uma representação espaço/temporal das ati-


vidades desenvolvidas pelo homem em consonância com o ambiente. A
circunscrição periférica decorrente da exploração dos recursos por este
homem é chamada de entorno, que, dependendo do contexto ambiental
poderá compreender de poucos metros a quilômetros. Assim, a partir das
pesquisas realizadas nos sítios, são obtidos os dados que contribuem para
a compreensão da reconstituição do passado do homem através do levan-
tamento, do estudo e da escavação sistemática dos sítios pré-históricos.

Os dados da pesquisa arqueológica


A ciência arqueológica brasileira, ainda em construção, tem sua tra-
jetória marcada por incertezas e dificuldades que impedem a formulação
de uma síntese da pré-história brasileira. Completamente distanciada da
pré-história universal, várias tentativas de periodização têm sido feitas,
porém, sem surtir os efeitos desejados talvez em razão do caráter frag-
mentário dos dados utilizados.

Mas, na América, a grande maioria dos pesquisadores não aceita


uma visão integrada, universalizada da pré-história. Destarte, os vestígios
correspondentes a caçadores superiores do mesmo nível que os do Velho
Mundo e contemporâneos às suas fases finais são classificados como “Pa-

166 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010


Os sambaquis brasileiros como estratégia de ocupação do litoral

leoíndio”, “Lítico Superior”, etc. Estas diferenças, dentro de uma visão


integrada e abrangente, não se justificam. De qualquer maneira, continua-
se preferindo a denominação pré-cerâmico, por exemplo, ou pré-colonial,
como rótulo para designar todas as culturas e tempos anteriores à cerâ-
mica, como, também, o termo “formativo” que tem sido usado de modo
abusivo (Schobinger, 1988).

É a partir desse quadro que se compreende o porquê das diferentes


propostas colocadas para explicar o povoamento da América e também
do litoral. Estes, de igual forma, são tratados mais como situações em
separado do que como uma consequência lógica no processo de ocupação
do continente e, quiçá, do planeta.

Diante de certas colocações, alguns pesquisadores emprestam ao


homem pré-histórico a imagem de um indivíduo desprovido de conheci-
mentos, de desejos, de curiosidades, enfim, de anima que o movesse pela
simples razão de estar vivo. Perdido, vagando sem razão e sentido parece
que o homem tinha hora marcada para chegar a cada região do planeta.

De qualquer forma, o povoamento pré-histórico do litoral brasilei-


ro teria sido feito por grupos originários de Minas Gerais que se fixa-
ram na região serrana no norte fluminense (Mendonça de Souza, 1981),
adaptando-se a habitats florestados enquanto outros atingiram o litoral,
adaptando-se à exploração de recursos marítimos e lacustres; ou ainda,
embora a ocupação da faixa costeira do sul/sudeste brasileiro, em tempos
pré-históricos, não tenha sido um fenômeno isolado, mas parte integrante
de um processo mais amplo envolvendo o interior
“os dados atualmente disponíveis não permitem discutir em maior
profundidade a origem das populações que alcançaram o litoral du-
rante o Holoceno..., embora se avente a hipótese de serem oriundas
do planalto (Schmitz, 1984; Neves, 1988). Muito menos os fatores
causais que teriam determinado esse deslocamento ...”.

Assim sendo, no processo de deslocamento forçado do interior para


o litoral, os grupos tiveram que enfrentar outro tipo de dificuldade: a
transposição da barreira montanhosa representada pela Serra do Mar, que

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010 167


Rhoneds A. R. Perez da Paz e Maria Beltrão

os obrigou a descer para o sul até onde pudessem fazer a passagem para a
costa. É importante, no entanto, notar que em ambos os casos a referência
aos grupos do interior é hipotética.

Perez (1999) admite que o processo de ocupação do litoral não se


deu apenas por uma ou outra via de acesso. Ao contrário, acredita que
além do deslocamento pelo norte e pelo sul, alguns grupos conseguiram
encontrar um corredor natural que permitiu sua passagem para o litoral,
transpondo a Serra do Mar.

Fig.1 Variedades de quartzos presentes no sambaqui de Sernambetiba.


(A) Quartzo fumée; (B) Quartzo cinza; (C) Quartzo hialino; (D) Quartzo leitoso.

Essa proposição não só se apoia nos cenários propostos por Ama-


dor, que admite a possibilidade de travessia da serra, visto que a Mata
Atlântica ainda não teria ocupado de maneira plena a região (Amador,
comunicação pessoal), como em achados no sambaqui de Sernambetiba
de quartzo esfumaçado cuja ocorrência não é local (Fig.1). A recuperação
desse material em níveis diferentes do sítio indicaria a existência de uma
via de acesso interior/litoral/interior, que mais tarde, já durante a ocupa-
ção histórica, teria sido “redescoberta”3.

3 – Lembra Lamego (1963) que, em meados do séc. XVIII, quando as cidades mineiras
nascidas com a mineração floresciam, toda a bacia serrana do Paraíba na zona mineira e na
fluminense estava mergulhada em mato bravo e os índios Coroado, Puri e de outras tribos,
a fauna e a flora afrontavam a penetração do colonizador. A verdadeira barreira, portanto,
não seria a serra, mas sim a floresta.

168 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010


Os sambaquis brasileiros como estratégia de ocupação do litoral

Alguns estudiosos propõem que o homem pré-histórico fixava-se em


território que lhe fornecia um ecossistema onde poderia extrair os recur-
sos necessários para a sua sobrevivência. Para confirmar essa colocação,
no entanto, faz-se necessário um estudo paleoambiental da região em que
os sítios estão inseridos como fator primordial para obtenção de dados
precisos.

Fig. 2 a) Machado com gumes opostos confeccionado em fonolito.


Sambaqui de Sernambetiba, 1998.

Nesse paleoambiente, o homem pré-histórico frequentou e explorou


os habitats disponíveis na circunscrição periférica de onde viveu; espe-
cialmente, no caso do litoral, os recursos aquáticos, ao qual se adaptou
plenamente estruturando, inclusive, seu modo de vida. Como conse-
quência, condicionou-se que os recursos naturais explorados são fatores
de estruturação sócioeconômico/cultural das populações pré-históricas
litorâneas.

Os estudos realizados nos sambaquis brasileiros têm demonstrado


que esses sítios arqueológicos fazem parte de um mesmo complexo cultu-
ral, que começou a ser construído a partir de uma estratégia de ocupação
que privilegiava o território a ser explorado, certamente por uma questão
de sobrevivência do grupo.

Ou seja, chama-se de populações sambaquieiras as ocupações de


pescadores-coletores-caçadores pré-históricos que deixaram um grande

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010 169


Rhoneds A. R. Perez da Paz e Maria Beltrão

número de testemunhos materiais de sua permanência no território brasi-


leiro. O mais comum desses testemunhos é o próprio sambaqui.

Fig. 2 b) Detalhe do bordo abatido.

Por essa razão a pesquisa arqueológica necessita dos dados forneci-


dos por outras disciplinas como a Geologia, a Palinologia, a Botânica, a
Zoologia, dentre outras. A correlação entre Arqueologia e as ciências da
Terra se justifica mais fortemente em razão do meio ambiente não poder
ser encarado como um dado isolado, mas sim como um dado da cultura
sobre o meio, isto é, como um processo de interação entre o sociocultural,
gerado pelo homem e a natureza.

As escavações realizadas em diferentes sambaquis confirmam que


são construções artificiais feitas pelo homem em tempos pré-históricos.
Mais ainda, sugerem que a acumulação de resíduos bioarqueológicos ti-
veram o homem como principal, senão único agente de acumulação, re-
sultando no processo de construção desses sítios.

Estima-se que originalmente sua forma horizontal teria acompanha-


do a feição morfológica do solo escolhido para fixação dos primeiros pi-
sos. No caso dos sambaquis de Guapimirim, por exemplo, estes acom-
panharam a feição morfológica dos terraços marinhos formados quando
do movimento de regressão do mar. Sobre esta feição o homem dispunha
camadas de ostras de forma a tornar a superfície seca e plana, construin-
do, assim, os primeiros pisos de ocupação do espaço multifuncional.

170 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010


Os sambaquis brasileiros como estratégia de ocupação do litoral

A dimensão do espaço ocupado certamente variava em decorrência


da densidade demográfica e da hierarquia social do agrupamento em rela-
ção ao demais. Como espaços multifuncionais, os sambaquis eram locais
de habitação, área de trabalho, enterramento e descarte de restos tanto
alimentares como utilitários, que obedeciam a um ordenamento de dis-
tribuição de espaço em decorrência de escolha do próprio adensamento
populacional em cada momento ocupado.

A ampliação deste espaço se dava em área contígua, em um desloca-


mento de tendência circular, formando diferentes planos. A distribuição
de espaço deveria ser alternada de acordo com as necessidades de cada
grupo. Com o passar do tempo e com o pisoteamento do solo, pela cir-
culação de pessoas e animais, acabariam por construir uma elevação de
forma irregular. Assim, obedecendo a essa lógica, sucessivamente, eram
construídos passo a passo cada camada de ocupação. Com o tempo, for-
mou-se um verdadeiro “edifício”, com vários pisos apresentando distri-
buição espacial distinta.

Fatores ambientais levaram os ocupantes dos sambaquis a elevarem


os sítios cada vez mais; uma melhor ventilação, por exemplo, e, talvez,
a segurança por ocuparem em lugar pouco defensivo; a curto e a longo
prazo, pelas transgressões marinhas ocorridas, em um primeiro momento,
e, posteriormente, pelo avanço dos manguezais.

Em razão da repetição contínua dos impactos antrópicos e ambien-


tais, os sítios foram transformados ficando com a feição de hoje. Esta
proposição justifica a redução da área superior de ocupação, haja vista
que os sambaquis apresentam uma base bem maior que o topo.

Assim, parece ter chegado ao fim a polêmica que orientou as pesqui-


sas arqueológicas iniciadas no século XIX quanto à natureza do processo
de formação desses sítios, isto é, se sua formação era decorrência de fe-
nômenos naturais, artificiais ou ambos.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010 171


Rhoneds A. R. Perez da Paz e Maria Beltrão

Apenas para recapitular, no primeiro caso a proposição girava em


torno da explicação da formação desses sítios como resultado do recuo
do mar e da ação do vento sobre as conchas jogadas na praia e os ves-
tígios arqueológicos, como esqueletos, artefatos, etc. eram atribuídos a
naufrágios. No segundo caso, a corrente artificialista, a ação humana era a
responsável, na verdade a indolência do homem de então, pela formação
desses sítios. Porém, apresentava diferentes justificativas para o acúmulo
dos restos faunísticos. Por fim, em decorrência desse embate e dos acha-
dos arqueológicos que apontavam claramente para a ação humana, surge
a última corrente: a mista. Para estes, os sambaquis resultariam de uma
combinação de fatores naturais e humanos. Embora esse entendimento
não tenha sido plenamente explorado à época, as pesquisas hoje desen-
volvidas reafirmam mais e mais esse entendimento.

Grande parte da literatura que trata desse aspecto da formação dos


sambaquis entende que seus construtores formavam pequenos grupos po-
pulacionais, que viviam sob a forma de bandos e que se deslocavam com
grande facilidade por dado território. Essa mesma bibliografia demonstra
que os sambaquis estão presentes em quase todo o litoral – do Rio Grande
do Sul até a Bahia e do Maranhão até o litoral do Pará, incluindo o baixo
Amazonas, e em algumas áreas fluviais.

Em termos temporais a ocupação dos construtores de sambaquis data


de 8.000 até 1.500 anos do presente. Segundo Bandeira (2008)
“nos sítios da região norte do país um elemento arqueológico se des-
taca em relação aos demais, trata-se de uma cerâmica temperada com
concha, cujo antiplástico, por ser um marcador bem característico em
relação aos outros tipos cerâmicos do Brasil, foi o motivador para a
criação de uma tradição ceramista denominada de Mina”.

A excepcionalidade dessa cerâmica está na sua alta antiguidade:


6.000 anos antes do presente, datada para a região do Salgado paraense.

Como já mencionado, a cultura material analisada nos diversos sítios


da região de Guapimirim, no litoral sudeste, por exemplo, parece confir-
mar a hipótese de que a área foi partilhada concomitantemente por grupos

172 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010


Os sambaquis brasileiros como estratégia de ocupação do litoral

com a mesma identidade cultural. A presença de um complexo de traços


regularmente associados (padrão de assentamento e subsistência, tecno-
logia de produção de artefatos e de exploração do ambiente), recorrente
em todos os sítios, fragmentada em unidades ocupacionais, parece corres-
ponder a significativos ajustamentos ecossistêmicos, na medida em que é
possível uma exploração praticamente exclusiva de recursos locais.

Portanto, a construção desses espaços não se deu isoladamente e sim


através de uma rede, pela própria disposição e distribuição dos sítios na
região. A maior distância entre eles compreende aproximadamente 6.000
metros (sambaqui de Sernambetiba e o Guaraí-Mirim) e o menor de 50
metros (sambaqui do Imenezes e Rio das Pedrinhas), onde procederam
ao aproveitamento intenso dos nichos ecológicos ali existentes, altamente
produtivos, capazes de assegurar, por um razoável intervalo de tempo, a
sobrevivência de um agrupamento numericamente expressivo, a julgar
pela extensão da área ocupada, pela espessura dos depósitos e pelo volu-
me dos vestígios.

A estruturação sócioeconômica/cultural das populações pré-histó-


rica, mais precisamente no caso dos pescadores, coletores e caçadores,
teve nos recursos naturais o seu condicionador primordial. Isto tanto é
verdadeiro que o hábito de explorar os recursos disponíveis na região
escolhida para moradia é ainda hoje um dos fatores de fixação do homem
em determinada área. Hoje, os recursos naturais existentes na região dos
sítios arqueológicos não deixam de ser, praticamente, os mesmos utiliza-
dos pelo homem pré-histórico em épocas remotas, excluindo-se os plan-
tios e animais introduzidos pelo europeu.

Em suma, pode-se dizer que os grupos que habitaram a região de


Guapimirim constituíam-se em grupos domésticos, assentados próximo
a recursos diversos, desenvolvendo precipuamente uma atividade eco-
nômica corporativa, como a pesca e a coleta de moluscos, atestada não
apenas pela localização dos sítios, pelo grande volume de restos de peixes
e de outros animais marinhos e de mangue, assim como pelas estruturas

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010 173


Rhoneds A. R. Perez da Paz e Maria Beltrão

representadas por extensas fogueiras especialmente construídas para ga-


rantir luz e calor durante a pesca noturna.

Com relação aos sambaquis do litoral norte brasileiro, distribuídos


por todo o litoral equatorial, isto é, litoral do Salgado, litoral de Rias
Maranhenses e Paraenses e Golfão Maranhense, baixo Amazonas, baixo
rio Xingu e arquipélago de Marajó, embora pouco conhecidos do ponto
de vista da arqueologia, já vêm trazendo profundas modificações para o
quadro interpretativo da pré-história sul-americana.

Como afirma Bandeira (2008)


“estudos revisionistas recentes, baseados em datações físico-quími-
cas, apontam para uma desestruturação do modelo defendido por Bet-
ty Meggers (1977) de que inovação cultural e desenvolvimento não
eram esperados na floresta úmida, quando a evidência arqueológica
demonstra que ocupações mais antigas para a região norte, localizadas
ao longo da bacia amazônica, litoral e áreas vizinhas, estão questio-
nando o entendimento sobre a presença humana nessa porção do Bra-
sil e a antiguidade da cerâmica produzida nas Américas”.

E acrescenta que

“a hipótese que considerava os Andes o berço de inovações, como a


agricultura e a cerâmica na América do Sul vem perdendo sustenta-
ção, pois se verifica que as terras baixas tiveram prioridade cronológi-
ca sobre as áreas montanhosas no desenvolvimento da cerâmica e de
ocupações sedentárias”.

A ocupação do recôncavo da Baía da Guanabara


O Rio de Janeiro é dominado pela planície de origem aluvional, co-
nhecida localmente como Baixada Fluminense, formada através de milê-
nios, pelo acúmulo de sedimentos dos rios que descem da Serra do Mar
para desembocar no oceano (Fig. 3 a, b). Este processo se mantém ativo
e resulta no aumento das superfícies continentais e no consequente recuo
das linhas da costa (Amador, 1997).

174 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010


Os sambaquis brasileiros como estratégia de ocupação do litoral

a) b)

Fig. 3) Baixada Fluminense, trecho do Município de Guapimirim;


a) a partir da Serra do Mar; b) Parte da planície onde se encontra o sambaqui de Sernambetiba,
atualmente à margem da BR – 5, Manilha-Magé

O complexo e frágil conjunto de ambientes e ecossistemas da Baía de


Guanabara composto de restingas, praias, ilhas, pontões, penhascos,
costões, falésias, enseadas, estuários, lagunas, sistemas fluviais, brejos
e manguezais encontrados pelos colonizadores no século XVI, foi, na
verdade, o produto não acabado de uma longa história de transformações
de parte do planeta; mais precisamente, é o resultado de um lento escul-
pimento que se iniciou com os primeiros rasgos estruturais ocorridos no
pré-cambriano, até a atual tendência de elevação do nível do mar. Des-
tarte, a região que compreende a Baía de Guanabara vem se ajustando às
lentas modificações paleoambientais sofridas pelo planeta como um todo
(Amador e Amador, 1995). Cada evento deixou seu registro na paisagem,
muitos, por sinal, passíveis de reconstituição.

A superfície atual da Baía de Guanabara é de 377 km2, excluindo


suas ilhas e considerando seu limite externo no arco formado pelas pon-
tas de Copacabana e de Itaipu e as ilhas do Pai, Mãe e Menina. Segundo
Amador (1997) essa superfície era de 468 km2 em 1500, tendo sofrido
uma perda de 91 km2 através de aterros.

O rift da Guanabara, onde a Baía de Guanabara está inserida, apre-


senta, em seu interior, diversos compartimentos, alguns bastante rebai-
xados e outros mais elevados. Em face de sua origem por afogamento
marinho de uma antiga bacia fluvial pleistocênica (Amador, 1980), a baía
tem um fundo muito irregular.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010 175


Rhoneds A. R. Perez da Paz e Maria Beltrão

A baía seria, portanto, quanto à origem, “estuário originado pelo afo-


gamento marinho de uma bacia fluvial pleistocênica complexa, condi-
cionada por compartimentos estruturais”, isto é, uma combinação entre
“vales de rios afogados” e “estuário de origem tectônica”. Teria setores
classificados como “estuários com cunha salina” e outros como “estuá-
rios de águas parcialmente misturadas” que se modificam espaço-tem-
poralmente; face à circulação direcionada pelas correntes oscilatórias de
marés “estuário dominado por marés” (Amador, 1997).

A maré é um fenômeno oscilatório, cujo período é imposto pelos


movimentos astronômicos. Na maioria dos estuários e baías as marés são
as principais fontes de energia responsáveis pela dinâmica ambiental. As
marés da Baía de Guanabara são classificadas como semidiurnas com
desigualdades. Em função de sua geometria, a propagação da onda de
maré sofre alterações de fase e amplitude quando são confrontados pon-
tos distantes.

As dimensões da baía, por outro lado, não favorecem a ocorrência


de marés astronômicas, sendo predominantemente marés oceânicas que
têm origem na troca de águas com o oceano, regulada pelo princípio dos
vasos comunicantes. Portanto, as oscilações que são observadas na baía
são originadas a partir de sua ligação com o Oceano Atlântico e da con-
sequente geração de fluxos de correntes de maré de sentido alternativo,
que repercutem em oscilações no interior da baía, denominadas de maré
de enchente e de vazante (Amador, op. cit.).

Segundo o levantamento feito pela Japan International Cooperation


Agency – JICA em 1992, nos meses de maio/junho, que correspondem
à estação seca, e em novembro, estação úmida, vê-se uma dinâmica de
comportamento intensa das características de temperatura e salinidade
das águas da baía, influenciada tanto por condicionantes sazonais quanto
pelos ciclos de maré.

A análise dos dados coletados em um perfil longitudinal (norte-sul)


da baía e em perfis transversais demonstram que a comunicação restrita

176 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010


Os sambaquis brasileiros como estratégia de ocupação do litoral

da baía com o oceano funciona como um filtro regulador das trocas entre
os dois ambientes. Os perfis de temperatura e salinidade revelam que a
descarga dos rios faz os valores de salinidade decrescer em direção ao
interior da baía e que os de temperatura tendem a apresentar um pequeno
aumento nesta mesma direção.

No início do Cenozóico (65 milhões de anos) os manguezais já ocu-


pavam o Golfo do México e o Caribe passando, a partir daí, com a gra-
dual abertura do Oceano Atlântico, a expandir-se para o sul até atingir a
atual distribuição. Na Baía de Guanabara os manguezais estão presentes
desde o limite Pleistoceno Superior/Holoceno. Amador e Ponzi (1974a,
1974b) conseguiram datar, por C14, em 4.130±150 A.P. um paleoman-
gue no litoral de Magé. Por sua vez, sedimentos contendo restos vegetais
(folhas, troncos e raízes) e animais (diversos moluscos) de mangue são
encontrados em posições bastante interiorizadas da Bacia da Guanabara,
ultrapassando a localidade de Porto das Caixas (Itaboraí) situada a deze-
nas de quilômetros do atual litoral.

A fauna dos manguezais inclui um conjunto complexo de ani-


mais residentes (crustáceos, caranguejos, cracas, ostras e caramujos),
semirresidentes (peixes e camarões) e visitantes. Os primeiros são fre-
quentadores principalmente da zona entre as marés. Os segundos rece-
bem essa denominação em razão de poderem passar uma fase da vida no
mangue ou avançam e recuam diariamente, dependendo da maré. Final-
mente, os visitantes compreendem os diversos animais que frequentam
os mangues de modo constante ou esporadicamente aí nidificando ou se
alimentando. Este grupo é representado, particularmente, por mamíferos
(capivaras, porcos do mato, pacas, etc.), por répteis (jacarés, cágados e
tartarugas) e principalmente por uma rica avifauna (garças, guarás, colhe-
reiros, irerês e mergulhões).

Os antigos habitantes de Guapimirim lançaram mão de praticamente


todas as formas de vida à sua volta. Desde aquelas próprias do ambiente,
e dos que seriam capazes de circular por um espectro ecológico mais
amplo, como alguns dos mamíferos identificados nos sítios, que pare-

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010 177


Rhoneds A. R. Perez da Paz e Maria Beltrão

cem ter sido incluídos apenas circunstancialmente no regime alimentar.


A dieta, por ser hipercalórica, conforme se observou nos restos alimenta-
res encontrados nos sítios, foi decerto contrabalançada pelo consumo de
vegetais, em termos de carboidratos, sugerido pela presença de grande
quantidade de coquinhos encontrados em pelo menos duas campanhas
(1977 e 1998).

O estudo dos sítios arqueológicos, do tipo sambaqui, presentes no


recôncavo da Baía da Guanabara, contam para sua interpretação com os
estudos realizados por cerca de trinta anos pelo geógrafo Elmo Amador,
do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A partir de sua pesquisa, Amador propôs cinco cenários paleogeográficos
com base em uma curva climática e outra de alteração do nível do mar,
corroboradas por análises de amostras de sedimentos coletadas em dife-
rentes pontos da Baía e Bacia da Guanabara.

Os cenários paleoambientais
Amador (op. cit.), após vários anos de estudo da região da Bacia da
Guanabara, propõe que quatro faciologias são apresentadas pelos depósi-
tos do Pleistoceno Superior (Wisconsin 125.000 A.P. a 10.000 A.P.) que
caracterizam a Formação Caceribu. Estas documentariam que durante a
última glaciação condições climáticas mais secas seriam responsáveis por
intensa denudação das encostas e formação de aplainamentos incipientes
ao longo dos fundos de vales, dando origem às formas de rampas (Meis,
1977). No último máximo glacial da América do Sul, que teria ocorrido
entre 20.000 e 18.000 anos A. P., o clima teria se tornado frio e seco e o
nível do mar se situaria abaixo do atual em cerca de 120 metros. A Mata
Atlântica da região sudeste teria recuado, enquanto savanas, caatingas,
campos cerrados e florestas de araucária teriam se expandido.

Diferentes estudos baseados em Palinologia, realizados em pontos


distintos da América do Sul, indicam que condições secas ocorreram nas
regiões tropicais antes do Holoceno e que o ambiente foi caracterizado

178 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010


Os sambaquis brasileiros como estratégia de ocupação do litoral

por uma substancial redução da cobertura florestal e expansão de sava-


nas.

Com um nível de mar em cerca de 130 metros abaixo do atual, a


linha de costa deslocou-se dezenas de quilômetros em direção ao oceano.
Grande parte da plataforma continental encontrava-se exposta a condi-
ções subaéreas e nela desenvolviam-se feições características de áreas
costeiras como praias, restingas, lagunas, falésias e dunas que possuíam
grande extensão. Grande parte das atuais ilhas situadas na baía ou no mar
aberto eram porções mais elevadas de fragmentos do maciço litorâneo.

Fig.4 Cenário paleogeográfico da Baía de Guanabara


no último glacial (20.000 a 18.000 A.P.) (Apud Amador, 1997)

A grande quantidade de sedimentos e água fornecidos pelas encostas,


submetidos a intenso processo erosivo, alimentava um amplo sistema flu-
vial entrelaçado, com canais largos, rasos e divagantes, que rapidamente
soterraram as depressões escavadas pelos rios desenvolvidos no período
anterior úmido interglacial. Como os galhos de uma grande árvore, os ca-
nais afluentes confluíam para um canal principal que, além da drenagem
da Baixada, recebia contribuição de alvéolos de futuras lagoas (Fig.4).
O canal principal do paleo-rio-Guanabara era muito largo, permanecen-
do, até hoje, no fundo da baía, vestígios de antigos talvegues. Alguns
lagos rasos ocupavam depressões do terreno, servindo de manancial para
a fauna como a dos grandes mamíferos hoje extintos. A vegetação do tipo
savana, semelhante àquela do cerrado do Planalto Central, dominava a

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010 179


Rhoneds A. R. Perez da Paz e Maria Beltrão

região, principalmente na Baixada, enquanto manchas esparsas de flores-


ta tropical ocupavam depressões ou nichos abrigados nas serras.

Tomando por base os resultados que vêm sendo obtidos pelas pes-
quisas arqueológicas desenvolvidas em diferentes regiões das Américas
e em especial por aquelas realizadas na Bahia, Rio de Janeiro (Itaboraí)
e São Paulo, que sinalizam datas acima de 40.000 anos, podendo chegar
a 1 milhão de anos para a entrada do homem no Continente Americano,
Amador (1997) acredita que a esta época o homem já ocupava a região
do Vale da Guanabara. O afogamento marinho da plataforma continental
e do Vale, que vai se dar durante o Holoceno, mais precisamente nos
últimos 12.000 anos, indisponibilizou registros importantes não só sobre
essa fase da ocupação humana, mas também sobre os mamíferos hoje
extintos.

Assim, há cerca de 18.000 anos, na transição entre o Pleistoceno e o


Holoceno, teve início a Transgressão Flandriana (Fairbridge, 1961 e Cur-
ray, 1961) também denominada por Amador (1980) de Transgressão Gua-
nabarina. Esta transgressão, que está relacionada ao aquecimento global
do clima e consequente derretimento das geleiras continentais, resultou
no afogamento da plataforma continental e dos vales fluviais pleistocêni-
cos por águas marinhas. O evento, embora gradual, não se processou de
maneira contínua nem uniforme. Foi interrompido por curtas regressões
e estabilizações, que imprimiram paleolinhas de costa sobre a plataforma
continental.

A partir de sondagens realizadas no assoalho da Baía, Amador (1980)


identificou uma sequência de argilas continentais, de origem fluvial, situ-
adas entre os sedimentos arenosos da Formação Caceribu, do Pleistoceno
Superior, e as lamas e areias estuarinas holocênicas. Estas argilas pos-
suem idade estimada por Amador entre 8.000 e 10.000 anos A. P.

Na região da Baixada, em perfis de sondagens, esta unidade se re-


velou, em subsuperfície, como possuindo uma grande extensão e regu-
laridade de ocorrência com posicionamento estratigráfico bem definido,

180 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010


Os sambaquis brasileiros como estratégia de ocupação do litoral

isto é, sobre os sedimentos arenosos grosseiros da Formação Caceribu,


do Pleistoceno Superior, capeada pelos sedimentos fluviais, marinhos e
flúvio-marinhos do Holoceno (Formação Magé).

Fig. 5 Cenário paleogeográfico correspondente à estabilização do nível do mar


na cota batimétrica entre 40 e 50 metros abaixo do nível atual (Apud Amador, 1997)

Portanto, este evento que, sem dúvida, possui uma enorme impor-
tância paleoambiental indicaria uma estabilização do nível do mar entre
40 e 50 metros abaixo do atual no período entre 10.000 e 8.000 anos A. P.
Nesta época, já havia se instalado um sistema de drenagem, possivelmen-
te meandrante, condicionado pela instalação de clima úmido, pós-glacial,
que permitia a recolonização florestal das encostas. A Baía de Guanabara
nesta fase estaria limitada a um estuário (Fig. 5). Provavelmente algumas
lagoas e brejos poderiam ter se instalado na Baixada ao mesmo tempo
em que os manguezais se desenvolveriam no estuário. Esta estabilização
seria seguida pela construção de um cordão de restinga, cujos remanes-
centes compostos por arenitos cimentados, os beach rocks, podem ser
observados dispostos paralelos à linha de costa.

Outro momento de estabilização do nível do mar, porém, na cota


batimétrica de 20 metros é registrado por Dias e Quaresma (1996)
que encontraram um arenito ferruginoso nesta cota que acreditam es-
tar relacionado a um paleosolo. Para os autores estes solos foram for-
mados por processo de podzolização, sendo característicos de áreas de

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010 181


Rhoneds A. R. Perez da Paz e Maria Beltrão

restingas, similar ao que ocorre no reverso de cordões litorâneos trans-


gressivos (Amador, 1997) (Fig. 6).

Fig. 6 Cenário referente à estabilização do nível do mar


na cota de 20 metros negativos (Apud Amador, 1997)

Embora o atual nível do mar tenha sido atingido, pela primeira vez,
há cerca de 7.000 anos A. P., em decorrência da Transgressão Guanaba-
rina iniciada no limite do Pleistoceno-Holoceno, o máximo transgressivo
holocênico só foi atingido durante o chamado “ótimo climático” (Fair-
bridge, 1962 e Bigarella, 1971), ou seja, entre 6.000 e 5.000 anos A. P.,
quando o nível do mar atingiu uma posição entre 4 e 3 metros acima do
atual.

Atendendo às curvas de variação do nível do mar propostas por Su-


guio et al. (1988), o nível máximo atingido nesta fase transgressiva teria
ocorrido por volta de 5.100 anos A.P. Neste momento de avanço máxi-
mo, a antiga bacia fluvial da Guanabara foi inteiramente afogada. O mar
avançando pelos antigos canais fluviais atingiu a base da Serra do Mar e
o maciço litorâneo (Fig. 7). Portanto, locais situados atualmente a mais de
30 km do litoral foram alcançados pelas águas marinhas.

182 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010


Os sambaquis brasileiros como estratégia de ocupação do litoral

Fig. 7 Cenário referente ao máximo transgressivo holocênico


(entre 6.000 e 5.000 anos A.P.) (Apud Amador, 1997)

Com o afogamento marinho, todos os pequenos vales fluviais fo-


ram transformados em enseadas e sacos, reentrâncias que seriam, pos-
teriormente, ornamentadas por restingas e praias. O litoral a essa época
era extremamente irregular e entrecortado, dominado por rias, isto é, um
tipo de costa relativamente acidentada onde a foz dos rios se apresenta
totalmente afogada pelas transgressões marinhas, e ilhas. Os morrotes
e colinas modelados em ciclos erosivos anteriores e situados no antigo
vale fluvial foram transformados em um salpicado de ilhas em número
aproximado de 200.

Amador (1997) estima que no máximo transgressivo holocênico a


área da Baía de Guanabara era de cerca de 800 km2. As águas da baía
eram, em sua maior parte, as de um estuário de águas estratificadas. Os
sedimentos de fundo eram, em sua maioria, arenosos grosseiros, relíquia
do sistema fluvial entrelaçado.

Os canais fluviais que já estavam se adaptando à mudança climática


do seco para o úmido tiveram uma mudança radical no perfil de equilí-
brio, causada pela subida do nível do mar, passando a ter três segmentos
bem definidos: torrencial, canais desenvolvidos sobre sedimentos antigos
passando gradualmente para um sistema meandrante e um trecho sob in-
fluência direta da ação das marés ou de canais meandrantes de maré, que

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010 183


Rhoneds A. R. Perez da Paz e Maria Beltrão

se ajustavam ao domínio dos sedimentos finos flúvio-marinhos que sus-


tentam o ecossistema de manguezais.

As ligeiras oscilações tanto do nível do mar quanto do clima subse-


quentes a Transgressão Guanabarina faziam com que os canais fluviais
buscassem se ajustar às mudanças paleoambientais. Em outras palavras,
expandiam ou retraíam seus segmentos e modificavam a natureza e quan-
tidade da carga sólida que deixou de ter o Oceano Atlântico como único
local de deposição. A Baía de Guanabara passou, assim, a funcionar como
uma bacia de sedimentação, assoreando gradualmente seu leito.

Neste contexto, a exuberante floresta tropical, associada ao clima


quente e úmido, começa a colonizar as serras, colinas e ilhas. A vegetação
relíquia dos Campos de Altitude da Serra dos Órgãos recua para uma po-
sição próxima à atual. Por outro lado, as baleias, botos e grande variedade
de seres marinhos, nectônicos passaram a frequentar a baía. Ainda sem
a presença de ecossistemas periféricos como os manguezais, lagunas e
brejos, a produtividade biológica da baía pode ser considerada baixa. Este
teria sido um segundo momento de ocupação humana pré-histórica, agora
por população de pescadores e caçadores, seguido por outra de coletores
que se fixaram em locais como Itaipu, Guapimirim, entre outros.

Após a grande Transgressão Guanabarina, a região costeira expe-


rimentou novas oscilações de nível do mar de pequena amplitude. Con-
forme datação obtida por Amador e Ponzi (1974a e 1974b) por volta de
5.600 A. P. o mar atingiu o nível máximo, dando, em seguida, início a um
movimento regressivo que, partindo de 4 metros acima do nível atual,
atinge, em torno de 4.200 A. P., cerca de 1 metro abaixo do nível de hoje.
Tal movimento regressivo foi o responsável pela construção de restingas,
terraços marinhos e lagunas; pela expansão dos manguezais junto aos
estuários e pela união de algumas ilhas por corpos arenosos.

Amador e Ponzi (1974a e 1974b) identificaram um terraço marinho


que denominaram TM2 (Terraço Marinho 2) correspondendo ao nível do
mar de 4 metros acima do atual tornado imerso a partir do movimento

184 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010


Os sambaquis brasileiros como estratégia de ocupação do litoral

regressivo. A ação do vento intensificou a construção de dunas em razão


da mudança do clima, agora, frio e seco.

Os rios tiveram o perfil de equilíbrio ligeiramente modificado, pro-


vocando uma erosão remontante e mudança no tipo e quantidade de se-
dimentos transportados. Este maior aporte de sedimentos foi responsável
pelo desenvolvimento de extensos bancos de lamas flúvio-marinhas nos
estuários da baía. Sobre estas se estenderam canais meândricos de maré
e manguezais (Fig.8).

Fig.8 Cenário referente à regressão após o máximo


transgressivo holocênico (4.200 a 3.800 anos A.P.) (Apud Amador, 1997)

Com a instalação dos ecossistemas periféricos de manguezais, la-


gunas e brejos, a produtividade biológica da baía atinge seu mais alto
nível. Para Amador (1997) novas ocupações pré-históricas instalam-se
junto aos manguezais e barras lagunares, explorando bancos de moluscos
e a pesca abundante. São os construtores dos sambaquis.

Além da Mata Atlântica, a flora diversifica-se; surgem as vegeta-


ções de restinga, dunas, brejos e manguezais. A baía, que havia passado
a funcionar como bacia de sedimentação dos sistemas fluviais, teve seu
assoreamento ligeiramente incrementado com a fase regressiva. Porém,
grande parte da sedimentação era retida pelos manguezais.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010 185


Rhoneds A. R. Perez da Paz e Maria Beltrão

Entre 3.800 e 3.600 A.P. uma nova fase transgressiva eleva o nível
do mar em cerca de 1,5 - 2,0 metros, acima do atual, produzindo uma
nova linha de litoral agora mais recuado, e um sistema de praias fós-
seis (Amador, 1974). Algumas restingas são retrabalhadas, ou destruídas
ou recuam. Lagunas costeiras em processo de fechamento pelo cordão
de restinga regressivo são abertas ou desaparecem devido ao recuo das
restingas e tornam-se, outra vez, enseadas. Novas superfícies erosivas e
falésias são construídas. O trabalho abrasivo do mar, junto aos pontões,
rochosos se acentua. O afogamento marinho faz recuar a faixa de man-
guezais e interiorizar o alcance das marés.

Os canais fluviais se readaptam a um novo perfil de equilíbrio e re-


duzem o transporte de sedimentos para a baía. Com isso, o assoreamento
da baía é reduzido. A influência oceânica, inclusive como fonte de sedi-
mentos, faz-se sentir um pouco mais para o interior da baía. A flora de
manguezais, restingas e lagunas é bastante afetada e reduzida, bem como
a produtividade biológica da baía, importando na escassez de moluscos.
Para Amador (1997) este é claramente um momento em que os povos
coletores de moluscos são forçados a se deslocar da região, abandonando
os sambaquis, passando, provavelmente, a se voltar para a caça e pesca
de mar aberto.

Há ±3.000 A.P. ocorre a segunda regressão holocênica do nível do


mar, sendo atingida, ao seu término, uma posição próxima a atual. Uma
nova geração de restinga é produzida, fechando as antigas lagunas e
criando novas, principalmente do tipo intercordão (Amador, 1985), ou
seja, corpos aquáticos aprisionados entre dois cordões de restingas, o in-
terno de primeira geração, consolidado em torno de 4.200 A.P., e o ex-
terno, relacionado a este segundo evento regressivo holocênico (Amador,
1997). No litoral de Magé, corpos lagunares também foram aprisionados
pela restinga externa. Por serem rasas, em função de sua origem fluvial,
grande parte destas lagunas sofreram um processo natural de dissecação e
transformação parcial ou total em brejos e pântanos (Amador, op. cit.).

186 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010


Os sambaquis brasileiros como estratégia de ocupação do litoral

Amador e Ponzi (1974a e 1974b) reconhecem um novo terraço ma-


rinho, denominado TM1, que corresponde ao nível do mar de 1,5 - 2,0
metros abaixo do atual. As dunas reativadas progrediram por sobre os
cordões litorâneos. Os manguezais passaram a ter um grande desenvol-
vimento com a rápida progradação do litoral flúvio-marinho, principal-
mente nas bacias dos rios Macacu, Guapi-Açu, Guaxindiba, Imboaçu,
Meriti, Inhomirim-Estrela, onde passaram a ocupar uma faixa de algumas
dezenas de quilômetros. Associadas ao desenvolvimento ou abandono de
canais de maré, diversas lagunas de maré se instalam nos manguezais.
Extensos bancos de moluscos se desenvolveram, atraindo, segundo Ama-
dor (1997), uma nova ocupação de coletores e pescadores que ocuparam
posições próximas aos estuários, manguezais, barras lagunares e ilhas.

Quase uma centena de praias se desenvolveram no litoral bastante re-


cortado da baía, sendo limitadas em sua maioria por pontais ou elevações.
A vegetação de restinga colonizou as novas superfícies arenosas criadas
com o recuo do mar. A Mata Atlântica que teve sua expansão iniciada
com a mudança climática do semiárido da última glaciação para o úmido
pós-glacial, conclui a colonização das serras, morros e ilhas da baía.

Os sistemas fluviais com gradiente mais reduzido, em função da pro-


gradação do litoral, desenvolvem, na retaguarda dos manguezais, áreas
alagadas de brejo e pântanos. Os sedimentos arenosos praticamente dei-
xam de chegar à baía, sendo depositados nas várzeas, canais e planície de
inundação antes de atingirem os manguezais. De acordo com Amador e
Ponzi (1974a e 1974b) os depósitos e terraços de várzea por eles deno-
minados TV2 e TV1 tiveram esta origem e foram datados em ±2.000 A.P.
e 1.000 A.P. A superfície da baía ao final da regressão era de aproxima-
damente 468 km2, excluindo as ilhas, lagunas e os manguezais. Diversas
evidências indicam um provável movimento transgressivo do nível do
mar de pequena amplitude no último milhar de anos que tenderia a im-
pedir a expansão dos manguezais e a manter ativas diversas falésias e
feições erosivas da baía.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010 187


Rhoneds A. R. Perez da Paz e Maria Beltrão

No século XV, segundo Amador (1997), o planeta experimentou


uma pequena idade do gelo que se caracterizou por nevascas acentuadas
e prolongadas na Europa. O clima frio-seco teve, provavelmente, como
consequência um ligeiro recuo do mar. Conforme foi documentado por
Amador (1980), nos últimos 500 anos estaria havendo uma tendência de
ascensão do nível do mar, independentemente da ação do chamado “efei-
to estufa”.

Conclusão
A coleta de moluscos e/ou a pesca são atividades que estão condi-
cionadas e condicionam quem delas vive ao ambiente aquático. Como
vimos, a partir dos cenários propostos por Amador, pelo menos a porção
do litoral brasileiro que corresponde ao recôncavo da Baía de Guanabara,
toda essa região, foi caracterizada por uma grande quantidade de rios que
formavam vias em meio a região altamente afetada por constantes subi-
das e descidas do mar, isto é, marés e transgressões.

Considerando a possibilidade de ocupação muito antiga como aquela


apontada pelos sítios da Região Arqueológica de Manguinhos, que inclui
os sítios localizados no Parque Paleontológico de São José de Itaboraí e
aqueles encontrados em algumas das ilhas da Baía de Guanabara, não há
que se duvidar de que a(s) população(ões) que se instalaram nessa área
estavam perfeitamente adaptada(s) ao meio, isto é, sabiam das oscilações
ou particularidades deste, vivendo da exploração dos recursos ali dispo-
níveis.

Embora nem todos os itens da cultura dessa(s) população(ões) te-


nham se preservado, os achados arqueológicos recuperados nos sítios da
região indicam claramente a importância desempenhada pelos recursos
hídricos.

A constante associação de proximidade dos sítios aos rios ou cursos


d’água atestam o altíssimo grau de adaptação. Atualmente restam apenas
poucos sítios, porém a literatura revela um grande número de sítios re-
gistrados no passado, estando alguns ainda localizados dentro das áreas

188 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010


Os sambaquis brasileiros como estratégia de ocupação do litoral

alagadas como o sambaqui de Amourins antes da construção da barreira


Imunana/Laranjal.

A escolha para instalação do assentamento em uma região como esta


deve ter levado o homem a utilizar os rios como vias para seu desloca-
mento. Os estudos realizados nos sambaquis presentes em ilhas apontam
para o conhecimento e uso de algum tipo de embarcação mesmo que esta
não tenha se preservado no registro arqueológico. Portanto, essas popula-
ções asseguravam sua alta mobilidade, atestada pelos achados arqueoló-
gicos, pela adoção de mais este equipamento ao conjunto de seus instru-
mentos. É lícito, pois, afirmar que o elemento mais importante para essas
populações seriam os cursos d’água. Estes funcionariam como balizado-
res para construção do assentamento que, com o aumento populacional,
se fragmentava para gerar novo assentamento obedecendo à tessitura de
uma rede de dominação e controle da área ocupada. Essa imposição era
reforçada pela principal atividade econômica desses indivíduos: a pesca.
Diferentemente da coleta, a pesca é uma atividade coletiva, ou seja, exige
a participação de certo número de indivíduos.

A grande variedade da fauna ictiológica garantiria o atendimento às


prescrições sociais, se as houvesse, assim como a disponibilidade do ali-
mento por dias. Não há provas de que os homens que construíram os sam-
baquis conhecessem alguma técnica para conservação do pescado. Fora
isso, como já mencionado, a variedade de peixes importava na imprevisi-
bilidade do número efetivo de indivíduos por espécie a ser capturado, não
importando a técnica utilizada (rede, curral, etc.).

Assim, a determinação do local exato da construção de cada samba-


qui deveria ser ditada por regras sociais definidas de modo a assegurar a
reunião do maior número de pessoas nas épocas de maior oferta de certo
tipo de pescado como o bagre, cuja época de maior presença nas águas da
baía é em torno do mês de setembro ao mesmo tempo garantindo a ma-
nutenção desses grupos nas baixas temporadas quando a coleta e a caça
passavam a ser mais praticadas.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010 189


Rhoneds A. R. Perez da Paz e Maria Beltrão

Em suma, pode-se dizer que os habitantes da região de Guapimirim


eram grupos domésticos, assentados próximo a recursos diversos, desen-
volvendo precipuamente uma atividade econômica corporativa, como a
pesca e a coleta de moluscos, atestada não apenas pela localização dos
sítios, pelo grande volume de restos de peixes e de outros animais mari-
nhos e de mangue, assim como pelas estruturas representadas por exten-
sas fogueiras especialmente construídas para garantir luz e calor durante
a pesca noturna. Mais ainda, os artefatos de quartzo obtidos através de
lascamento bipolar vêm reforçar esse raciocínio. Os trabalhos de campo
mostraram a proximidade dos sítios aos diferentes afloramentos e/ou áre-
as fontes constituídas pelos rios que cortam a região e pelas falésias de
gnaisse ricas em veios de quartzo ainda disponíveis na praia e no interior.
A presença de fogueiras com material lítico associado, mesmo que em
proporções diferenciadas de sítio para sítio, é indicadora do conhecimen-
to referente às propriedades intrínsecas das rochas e minerais. A impos-
sibilidade de se proceder à análise microscópica dos artefatos líticos não
invalida a proposição de que estas, associadas aos outros indicadores,
como as estruturas presentes nos sítios, corroboram para apontar o modo
de dispersão desses indivíduos dentro da planície segundo sua estrutura
social. Foram confirmados pelos trabalhos executados nos sambaquis Rio
das Pedrinhas e Imenezes que as ocupações mais antigas se encontram
assentadas sobre antigas praias fósseis.
Referências bibliográficas
AMADOR, E. S. Praias fósseis do recôncavo da Baía de Guanabara, An. Acad.
Brasil. Ciênc. 46 (2): 253-262, 1974.
AMADOR, E. S. Assoreamento da Baía de Guanabara – Taxas de Sedimentação.
In: Ana. Acad. Bras. Ciênc., vol.52(4); 1980.
AMADOR, E. S. Lagunas Fluminenses: Classificação com base na origem, idade
e processos de evolução. An. Acad. Brasil. Ciênc. 57 (4): 526-527, 1985.
AMADOR, E. S. Geologia e geomorfologia da planície costeira da Praia do Sul
– Ilha Grande – Uma contribuição à elaboração do Plano Diretor da Reserva
Biológica. Anuário do Instituto de Geociências – UFRJ: 35-53, 1987/8.
AMADOR, E. S. Baía de Guanabara e Ecossistemas Periféricos: Homem e
Natureza. Rio de Janeiro: E. S. Amador, 1997.

190 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010


Os sambaquis brasileiros como estratégia de ocupação do litoral

AMADOR, Elmo da Silva &AMADOR,A. Bittencourt. Cenários Paleogeográficos


da Baía de Guanabara. In: V Congresso de estudo do Quaternário e XI Simpósio
de Sedimentologia Costeira – EDUFF, Niterói, 1995.
AMADOR, Elmo e PONZI, U. R. A. Estratigrafia e sedimentação de depósitos
flúvio-marinhos da orla da Baía de Guanabara. An. Acad. Brasil. Ciênc. 46 (3/4):
693, 1974a.
AMADOR, Elmo e PONZI, U. R. A. Evolução geomorfológica da Baía de
Guanabara no Quaternário. III Congresso Brasileiro de Geógrafos, Vol. de
Comunicações: 6-9, 1974b.
BANDEIRA, Arkley Marques. Ocupações humanas pré-históricas no litoral
maranhense: um estudo arqueológico sobre o sambaqui do Bacanga na Ilha de
São Luís-Maranhão. Dissertação de Mestrado. MAE/USP. São Paulo. 317 p., il.,
maio 2008.
BELTRÃO, M. C. M. C. “Projeto Sernambetiba”. Projeto de Pesquisa. Arquivo
da Disciplina de Arqueologia, Museu Nacional, UFRJ, dat., 5 p., Rio de Janeiro,
1971.
BELTRÃO, M. C. M. C. Relatório do trabalho de campo realizado no sambaqui
de Sernambetiba, em Magé. Arquivos da Disciplina de Arqueologia, Museu
Nacional, UFRJ, 6 p., Rio de Janeiro, 1972.
BELTRÃO, M. C. M. C. Pré-História do Estado do Rio de Janeiro, Forense
Universitária. Instituto Estadual do Livro. Rio de Janeiro, 1978.
BELTRÃO, M. C. M. C. Pesquisas Arqueológicas na Planície de Magé – O
sambaqui de Sernambetiba. Primeiro Relatório Semestral de Atividades.
Arquivos da Disciplina de Arqueologia, Museu Nacional, UFRJ, 16 p., dat., Rio
de Janeiro, 1981.
BELTRÃO, M. C. M. C. Pesquisas Arqueológicas na Planície de Magé – RJ –
Primeiro Relatório Anual de Atividades. Arquivos da Disciplina de Arqueologia,
Museu Nacional, UFRJ, 19 p., dat., Rio de Janeiro, 1982.
BELTRÃO, M. C. M. C., HEREDIA, O. R., RABELLO, A. M. C,. e PEREZ,
R. A. R. Pesquisas Arqueológicas no sambaqui de Sernambetiba. Arquivos Mus.
Hist. Nat., vol. VI/VII, pp. 145-155, 1982.
BEZERRA, F. O. S. Sambaqui de Arapuan, Guapimirim, RJ: Histórico da
pesquisa. In: Beltrão, M. C. M. C. (org.) Arqueologia do Estado do Rio de Janeiro.
Niterói: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, pp. 119-128, 1995.
BEZERRA, F. O. S.; GOMES, A. F. T. M. & SARAIVA, F. L. L. Sambaqui
Arapuan (Magé, RJ) Nota Prévia. Rio de Janeiro, Centro Brasileiro de
Arqueologia, 17 p., 1979.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010 191


Rhoneds A. R. Perez da Paz e Maria Beltrão

BIGARELLA, J. J. Variações climáticas no Quaternário Superior e sua datação


radiométrica pelo método do Carbono-14. Paleoclimas, 1, 1-22, Instituto de
Geografia – USP, 1971.
FAIRBRIDGE, R.W. Convergence of evidence on climatic change and ice age.
Annals of the New York Academy of Sciences, 95, 542-579, 1961.
FAIRBRIDGE, R.W. World Sea-level and climatic changes. Quaternaria, 6, 111
– 134, 1962.
FAIRBRIDGE, R.W. Shellfish Eating Preceramic Indians in Coastal Brazil.
Radiocarbon dating of shell middens discloses a relationship with Holocene
sea-level oscillations. Science., vol. 191, no. 4.225, Jannuary, 1976.
HURT, W. Notes by Wesley R. Hurt on the 1986 Excavations at the Sambaqui de
Sernambetiba. Arquivos da Disciplina de Arqueologia, Museu Nacional, UFRJ,
dat., 12 p., Rio de Janeiro, 1986.
HURT, W. & BLASI, O. O Sambaqui do Macedo. Departamento de Antropologia,
“Arqueologia” no 2: 1-98, Curitiba, Paraná, 1960.
KNEIP, L. M. Sambaqui do Forte – identificação espacial das atividades
humanas e suas implicações (Cabo Frio, RJ, Brasil). Coleção Museu Paulista.
Série Arqueologia, São Paulo, 2: 81-142, 1976.
KNEIP, L. M. Pescadores e coletores pré-históricos do litoral de Cabo Frio, RJ.
Coleção Museu Paulista Série Arqueologia. São Paulo, 5: 7-169, 1977.
LAMEGO, Alberto Ribeiro, O homem e a serra. Rio de Janeiro. IBGE. Publicação
nº 8 da Série A “Livros”. 2ª edição. 454 p., 1963.
LEONARDOS, O. H. Concheiros naturais e sambaquis. Bol. Da Div. Serv.
Fomento Prod. Miner. Rio de Janeiro, 37, 109 p., 1938.
MACEDO, A. C. M. “As microfaunas do sambaqui de Sernambetiba e do litoral
de Magé, Estado do Rio de Janeiro”, Notas Preliminares e Estudos – Divisão de
Geologia e Mineralogia do Ministério de Minas e Energia, no 128, 63 p., Rio de
Janeiro, 1965.
MEGGERS, B. J. Amazônia: a ilusão de um paraíso. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1977.
MEIS, M. R. M. & AMADOR, E. S. Formação Macacu: Considerações a respeito
do Neocenozoico da Baía de Guanabara. An. Acad. Brasil. Ciênc. 44 (3/4): 602,
1972.
MEIS, M. R. M. & AMADOR, E. S. Contribuição ao estudo do Neocenozoico
da Baixada da Guanabara – Formação Macacu. Rev. Brasil. Geoc.7 (2): 150-174,
1977.

192 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010


Os sambaquis brasileiros como estratégia de ocupação do litoral

MENDONÇA DE SOUZA, A. Pré-História fluminense. Rio de Janeiro, INEPAC/


SEEC. 88 p., 1981.
MENDONÇA DE SOUZA, A. Povoamento pré-histórico do litoral do Rio de
Janeiro: repensando um modelo, pp. 69-78. In: BELTRÃO, M. C. M. C. (org.).
Arqueologia do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Arquivo Público do
Estado do Rio de Janeiro, 128 p., il., 1995.
MENDONÇA DE SOUZA, A. A. C. & MENDONÇA DE SOUZA, S. M. F.
Pescadores do Litoral do Rio de Janeiro. Arquivo Museu História Natural, v. VI/
VII, pp. 109-131, Belo Horizonte: UFMG, 1981.
MENDONÇA DE SOUZA, A. A. C. & MENDONÇA DE SOUZA, S. M. F.
Tentativa de Interpretação Paleoecológica do Sambaqui do Rio das Pedrinhas
– Magé – RJ. Rio de Janeiro, Instituto Superior de Cultura Brasileira – ISCB,
1983.
MEZZALIRA, S. Sambaqui de Sernambetiba. Ministério da Agricultura, Deptº
Nacional da Produção Mineral, Divisão de Geologia e Mineralogia. Notas
preliminares e Estudos, no 37, Rio de Janeiro, 15 p., 1946.
PEREZ, R. A. R. A Ocupação dos Terraços Fluviais do Baixo Passa Cinco:
Arqueologia Experimental. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, SP, 284 p., il., Dezembro,
1991.
PEREZ, R. A. R. Arqueologia da Baía de Guanabara: Estudo dos Sambaquis do
Município de Guapimirim. Tese de Doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, SP, 220 p., il., 1999.
PEREZ, R. A. R. & BELTRÃO, M. C. M. C. Projeto Integrado: Estudos de
Arqueologia. Projeto de Pesquisa. 19 p., Rio de Janeiro, 1995.
PEREZ, R. A. R, MOREIRA, I. M. B. e LEMOS, M. L Sobre a Identificação de
peças ósseas de bagre. In: Arqueologia do Estado do Rio de Janeiro. Beltrão, M.
C. M. C. (org.). Niterói. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Secretaria
de Estado de Justiça, Rio de Janeiro, RJ, pp. 29-34, 1995.
PEREZ, Rhoneds A. Rodrigues, BELTRÃO, Maria da C. de M.C. & SÃO
PEDRO, Maria de Fátima A. Estudos dos Sítios Arqueológicos da Região de
Magé e Guapimirim In: V Congresso do Estudo do Quaternário e XI Simpósio
de Sedimentologia Costeira -EDUFF, Niterói, 1995.
PEREZ, Rhoneds A. Rodrigues, LEMOS, Maria de Lourdes, SÃO PEDRO,
Maria de Fátima A., & BELTRÃO, Maria da Conceição de M.C. Resultados
Preliminares da Análise do Material Malacológico do Sambaqui de Sernambetiba.
In: Anais do I Encontro de Geomorfologia do Sudeste UFRJ – Rio de Janeiro,

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010 193


Rhoneds A. R. Perez da Paz e Maria Beltrão

1995.
PEREZ, R. A. R.; SÃO PEDRO, M. F. A.; BELTRÃO, M. C. M. C. e LEMOS,
M. L. Elementos Interpretativos para a Reconstituição Paleoambiental e Cultural
do Sambaqui de Sernambetiba/Guapimirim, Estado do Rio de Janeiro.1996.
REALE, M. Lições Preliminares de Direito. 20a Ed. São Paulo: Saraiva, 286 p.,
1993.
SCHOBINGER, J. Prehistoria de Sudamérica. Culturas precerámicas. Alianza
Editorial, Madri, 490 p., 1988.

Artigo apresentado em outubor /2008. Aprovado para publicação em


novembro /2009.

194 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (446):163-194, jan./mar. 2010

Você também pode gostar