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do
Rio de Janeiro
organização
Jeanne Cordeiro
2011
Presidente da LLX
Otávio Lazcano
Organização
Jeanne Cordeiro
Capa e Editoração
Ivo Almico
Revisão de Textos
Angela Buarque
Imagens
A cargo dos autores
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela bibliotecária Eloísa Helena P. Almeida -CRB7-2935
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-64326-00-2
CDU 902
Introdução
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Capítulo I
O modelo arqueológico de mudança sociocultural para a faixa litorânea do
Rio de Janeiro
Márcia Barbosa Guimarães
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Capítulo II
A Tradição Una e a Diáspora Jê
Jeanne Cordeiro
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Capítulo III
Tupiguarani no Rio de Janeiro, uma intensa e longa permanência
Angela Buarque
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Capítulo IV
Nativos da Pindorama e os Filhos de Deus: o contato entre mundos e a
cultura material
Jeanne Cordeiro
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Introdução
deu para adequar muito ... Arqueologia não é tão simples. Penso que de todas as
ciências ela talvez seja a mais complexa. Para entender o passado pelo prisma
arqueológico é necessário reunir conhecimentos das ciências naturais e das
ciências sociais. Isso equivale dizer que temos que conhecer dois universos
radicalmente distintos e distantes. Ligar humores a números não é das tarefas
mais fáceis ... Para entender como e porque as sociedades antigas mudaram, só
nos sobraram pedras, cerâmica, carvões, esqueletos ... Devemos tirar daí o
universo simbólico, devemos emprestar palavras ao que não tem mais ânimo,
dar cor a um colorido que já não se vê.
Tentamos ... você que percorrerá essas páginas nos dirá depois se
conseguimos. Boa viagem há alguns anos antes do presente !!!
O modelo arqueológico de mudança sociocultural para a faixa litorânea do Rio de Janeiro 7
Introdução
dos mais variados temas. Contudo, apenas duas breves tentativas foram feitas
no sentido de elaborar um panorama da ocupação do complexo lagunar de
Saquarema (Kneip 1994; Kneip et al. 1997), mesmo assim, estas mantiveram o
caráter arqueográfico, não avançando na interpretação e análise relacional.
Como é característico à tradição francesa4, o sambaqui (sítio) foi visto
isoladamente, sendo na evidenciação das estruturas internas que se deve
procurar entender a sua organização espacial. Esta abordagem reforça, assim,
as análises isoladas - o sítio, o artefato, as estruturas - deixando de perceber os
aspectos relacionais e, principalmente, os contextos sociais nos quais estavam
envolvidos (Barbosa-Guimarães 2003).
Resultados
ambiental, ora canais abertos para o mar (no caso do cordão externo), ora foz
dos rios que deságuam na laguna (cordão interno).
Quadro 3 - Calibração das datações radiocarbônicas dos sítios arqueológicos do
Complexo Lagunar de Saquarema, utilizando o CALIB, versão 6.2.
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A datação de 3.810±70 anos BP (4.296-4089 anos cal AP) disponível em Kneip (2001) foi aqui
considerada como pertencente ao final da camada II e não ao início da camada I, visto a amostra
ter sido coletada entre 60-70 cm de profundidade.
O modelo arqueológico de mudança sociocultural para a faixa litorânea do Rio de Janeiro 25
Considerações Finais
Cabo, Região dos Lagos (Tenório et al. 2005). Contudo, a adoção da prática de
cremação em sambaquis ocorre em um horizonte cronológico entre
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2.500/1.500 anos cal AP . Em associação, ocorre a intensificação e
aprimoramento da tecnologia do lascamento de quartzo, evidenciado pela
abundância de resíduos de lascamento e de lascas utilizadas, no sambaqui da
Pontinha e no sambaqui da Ilha de Santana (Lima 1991). É interessante
observar que no sambaqui da Ilha de Santana, localizado no litoral norte
fluminense, os artefatos confeccionados sobre espinhos de peixes predominam,
em muito, sobre os artefatos confeccionados em pontas ósseas. Tal associação,
não identificada em Saquarema, parece indicar que essa tecnologia pesqueira se
manteve ativa até 1.200 anos AP nas porções insulares, pois estavam associadas
possivelmente à pesca de representantes da família Scianidae.
Por outro lado, no Complexo Lagunar de Araruama, o sambaqui de
Geribá I, embora tenha baixa frequência no conjunto de artefatos, apresentou
predomínio dos artefatos lascados e das pontas ósseas, no horizonte 1.230 anos
AP, demonstrando a recorrência desta tecnologia óssea associada ao
predomínio dos artefatos lascados no período tardio da ocupação sambaquieira
no litoral fluminense (Gaspar 2003). Assim, a mudança tecnológica proposta
para a área piloto, qual seja, o Complexo Lagunar de Saquarema, foi observada,
também, a nível macrorregional, o litoral fluminense. O mesmo pode ser dito
sobre a prática da cremação, observada em sambaqui da Ilha de Cabo Frio, num
mesmo horizonte cronológico (Tenório et al. 2005).
Diante desses dados locais e regionais, ou mesmo suprarregionais, como
no caso do litoral norte fluminense, fica claro o predomínio da técnica de
lascamento do quartzo e da adoção da prática da cremação, embora não
necessariamente predominante, entre os grupos sambaquieiros num horizonte
entre 2.000 a 1.000 anos cal AP. O sambaqui da Pontinha é emblemático nesse
sentido. Possivelmente outro sítio, o sambaqui do Boqueirão, inteiramente
destruído, mas com acervo arqueológico sob a guarda do Museu
Nacional/UFRJ, tenha sido concomitante ao sambaqui da Pontinha, dada a
presença de ossos humanos calcinados recuperados, em contexto estratigráfico,
por Castro Faria, em 1944, e observado, por nós, durante o desenvolvimento da
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Amostra de carvão coletada na camada mais antiga do sambaqui da Ilha de Santana foi datada
em 1.260±330 anos AP (Lima 1991), enquanto o sítio sobre duna da Ilha de Cabo Frio teve sua
data estimada entre 2.200 a 1.200 anos cal AP (Tenório et al. 2009).
O modelo arqueológico de mudança sociocultural para a faixa litorânea do Rio de Janeiro 33
pesquisa.
Consideramos que essas mudanças na prática funerária e no aparato
tecnológico estejam relacionadas ao contato dos grupos sambaquieiros com
grupos oriundos do interior, relacionados à tradição ceramista Una, podendo
estar representada no sítio Ilha dos Macacos. As datações existentes
demonstram concomitância entre essas duas unidades socioculturais, e a
presença do sítio Ponta dos Anjos, no cordão interno da laguna de Saquarema,
relacionado à tradição Una, e onde foram recuperados dois objetos cerâmicos
fusiformes iguais aos da camada I do sambaqui da Pontinha, ratificam o
sincronismo entre os dois sistemas socioculturais e contato intersocietal.
Mudanças no universo simbólico, indiretamente inferidas a partir da
adoção da prática crematória, estão relacionadas às mudanças estruturais,
inseridas na longa duração e consideradas pilares sobre os quais uma
sociedade/grupo constrói sua identidade e distingue-se do outro. Tendo isso
como premissa, observamos que os grupos sambaquieiros organizaram-se à
volta da construção de mounds conchíferos, sob os quais sepultavam os
indivíduos que partilhavam regras sociais que diziam respeito, não somente,
mas também: ao cuidado criterioso com o corpo do morto (cobrindo-o com
conchas, escolhendo posições específicas e, muitas vezes, espargindo corantes
ou sedimento avermelhados nos ossos, como nos sepultamentos presentes nos
sambaquis de Manitiba I, Beirada, Moa e Itaúnas)(sobre preservação do corpo
em sambaquis, ver Gaspar 2004); à presença de uma parafernália ritual que se
compunha de oferendas alimentares e objetos; além da delimitação do espaço
funerário com sedimentos coloridos, covas rasas e/ou esteios que sustentavam
algum tipo de cobertura, como o observado no sambaqui de Itaúnas (Barbosa-
Guimarães et al. 2005/2006).
Nesse sentido, o sambaqui da Pontinha, embora mantivesse a tradição de
edificação de mounds funerários, esses não eram mais de conchas, mudança
resultante, possivelmente, da gradual escassez de moluscos, iniciada em
períodos anteriores. Por outro lado, o sincronismo entre sepultamentos
cremados e não cremados, num mesmo contexto estratigráfico, e de
sepultamentos estendidos com ossos espargidos de corante, mostram o peso da
longa tradição regional sambaquieira e impede interpretações de ordem prática
e simbólica para explicar um possível desenvolvimento local da prática de
cremação.
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(a) (b)
Figura 3 - Objetos cerâmicos fusiformes: (a) sambaqui da Pontinha (Desenho de W. Soares
de Borba, retirado de Crancio & Kneip 2001); (b) Sítio Ponta dos Anjos.
(Foto: M. Barbosa-Guimarães).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS