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Estudos Bibliográficos: Resenhas - Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 11: 311, 2001.

GASPAR, M. Sambaqui: arqueologia do litoral brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2000. 89 p.

Francisco Silva Noelli*

A vida cotidiana e a história dos povos que dominou a arqueologia dos sambaquis.
sambaquieiros finalmente receberam uma Junto com as novas abordagens de campo, um
síntese de divulgação devotada a “entender os de seus avanços mais importantes é a inversão
processos de manutenção- de um longevo do modo de conceber os povos samba­
sistema sócio cultural” (p.79), que perdurou quieiros, a partir de “uma certa ruptura com o
por mais de 5 mil anos. Trata-se da síntese das esquema de análise adotado desde os primei­
novas perspectivas que vêm ocupando alguns ros estudos de sambaquis”. Isto é, colocou de
pesquisadores brasileiros desde o final da lado o velho esquema de imaginar os constru­
década de 1980, quando o estudo dos samba- tores dos sambaquis como pessoas rudimenta­
quis passou por uma renovação teórica e res à mercê das ofertas dos ecossistemas e das
metodológica derivada da incorporação dos mudanças climáticas, procurando conceber a
principais avanços da Arqueologia internacio­ exploração dos recursos naturais baseada no
nal. A pequena obra é brilhante e essencial­ conhecimento profundo das peculiaridades
mente didática, onde Madu Gaspar dá uma dos nichos aquáticos e terrestres que formam
lição sobre a interpretação dos dados arqueo­ as paisagens costeiras do sul do Brasil.
lógicos, servindo como exemplo aos seus Também abandona a imagem estática e ideali­
pares, que ainda devem trabalhos similares zada sem uma adequada base de dados,
para outras regiões brasileiras. substituindo-a por uma imagem dinâmica.
Com um texto leve, livre de jargões e Madu considera que “traços culturais podem
antropológicamente orientado, a autora variar no tempo e no espaço, como de fato
conseguiu expor com riqueza de detalhes variam, sem que isso afete a identidade social
aspectos diversos sobre as pesquisas, a do grupo. Essa perspectiva percebe a cultura
ocupação do litoral brasileiro, as tecnologias como algo essencialmente dinâmico e perpetua­
para elaborar artefatos, a arte, os rituais mente reelaborado”.
funerários, o domínio do mar, o tempo de A perspectiva desse livro inaugura um
ocupação e atividades diversas, além de novo patamar para perceber aspectos da
levantar questões sobre territorialidade, história e da vida cotidiana, contribuindo
demografía, organização social, rituais e tipos definitivamente para estabelecer novos
diferentes de ocupação dos sambaquis. Essa parâmetros de pesquisa, a partir da perspecti­
leveza resulta da reflexão e da interpretação va que procura a diversidade dentro da
inteligente sobre uma vasta e detalhada gama estrutura que embasa a tradição cultural dos
de informações levantadas pela própria autora construtores dos sambaquis. Felizmente, esse
e por muitos outros arqueólogos que pesqui­ livro, que coroa uma etapa da produção
sam a ocupação humana do litoral centro-sul científica de Madu Gaspar, impõe um padrão
do Brasil (entre o Rio de Janeiro e o Rio científico mais elevado, mais sistemático,
Grande do Sul). mais detalhista e mais preocupado em apro­
A perspectiva adotada abandonou de vez fundar o conhecimento sobre a vida samba-
o formato etnocêntrico e meramente descritivo quieira.

R eceb id o p a ra p u b lica çã o em 15 de m aio de 2001. (*) Universidade Estadual de Maringá, PR.

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