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MUITO ALÉM DA SALA DE AULA: POTENCIALIDADES DE UM

SÍTIO ARQUEOLÓGICO NA AMAZÔNIA NO ENSINO DE


HISTÓRIA
Clarice Bianchezzi

Estudar a História indígena como disciplina no curso de licenciatura em 563


História na Universidade do Estado do Amazonas, intenciona apresentar
novas chaves de leitura sobre a História e cultura Indígena capaz de
superar os preconceitos, desconhecimentos que contribuem para destituir
de contemporaneidade as populações nativas que habitam as Américas, o
Brasil, negando-lhes o reconhecimento dos seus direitos étnicos
(OLIVEIRA; FREIRE, 2006).

Ao considerar que um curso de licenciatura forma futuros docentes, ter uma


disciplina para discutir a História e cultura Indígena é uma oportunidade
para debater, se apropriar da discussão sobre sociodiversidade indígena no
Brasil superando visões preconceituosas sobre o tema, “buscar
compreender as possibilidades de coexistência sociocultural, fundamentada
nos princípios da interculturalidade” (SILVA, 2013, p. 217) e também
“problematizar o lugar pensado e ocupado pelos povos indígenas na história
do país.” (SILVA, 2013, p. 222)

Desta forma, os vestígios arqueológicos nos despertam para problematizar


uma história do Brasil e da Amazônia, como antecede a chegada dos
colonizadores:

“Inúmeras pesquisas arqueológicas assinalam a ocupação do território


brasileiro por populações paleoíndias há mais de 12 mil anos. (....)
Pesquisas dirigidas pela arqueóloga norte-americana Ana Roosevelt (1992)
na Amazônia apontam registros de sociedades complexas, sofisticadas no
desenvolvimento tecnológico (cerâmicas) e na organização social
(cacicados). As investigações posteriores, se não mantêm um acordo
completo, questionam as antigas hipóteses de povoamento, baseadas na
pressuposição de existência de sociedades pequenas e simples, de
caçadores e coletores, caracterizadas por uma alta mobilidade e o uso de
materiais perecíveis, como cestarias. (OLIVEIRA; FREIRE, 2006, p.21).

Isso exposto, temos um território amazônico rico em vestígios


arqueológicos e pesquisas feitas nesta região do Baixo Amazonas (LIMA;
SILVA, 2005) aponta a existência de vários sítios arqueológicos nos onze
municípios ali existentes. Com isso agregamos as aulas da disciplina da
História e Cultura Indígena a valorização, debate e estudo sobre esses
espaços para aprendizagem sobre o tema, oportunizando contato com a
cultura material em um espaço ocupado, no passado distante, por povos
indígenas que habitaram este meio amazônico.
Estudo do meio como prática disciplinar
A visita a um sítio arqueológico acontece como parte da carga horária
prática da disciplina de História e Cultura Indígena do currículo do curso de
Licenciatura em História da Universidade do Estado do Amazonas no Centro
de Estudos Superiores de Parintins -UEA/CESP. O Centro de Estudos
Superiores de Parintins está localizado no município de Parintins-Amazonas,
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distante aproximadamente 395 km da capital do estado, Manaus.

Neste município há pesquisas que apontam a existência de vestígios


arqueológicos em grande quantidade, em inúmeros locais, tanto próximo da
área urbana da cidade, como distantes, onde só se tem acesso via fluvial
através de barcos ou embarcações menores. (SILVA, 2016; AZEDO, 2017;
MACHADO; BIANCHEZZI; SOUZA, 2017; ELLIS; RIBEIRO; STAMPANONI,
2018; BIANCHEZZI, 2018; MACHADO, 2018; BATALHA, 2019). Nos
municípios próximos registra-se também a presença de vestígios
arqueológicos com indicação de sítio de potencialidades para pesquisas
sobre a presença dos grupos humanos nesta região no período pré-colonial
(HILBERT; HILBERT, 1980; SIMÕES, ARAÚJO-COSTA, 1978; LIMA; SILVA,
2005; SOUZA, BIANCHEZZI, 2018).

Ao consideramos que “os historiadores perceberam que os artefatos que os


seres humanos criam, produzem, utilizam e consomem dizem respeito não
só à sua trajetória histórica como também à construção de sua identidade”
(ABUD; SILVA, ALVES, 2010, p. 109) e partindo da riqueza que o meio
dispõem, valorizando a importância de compreendermos a História para
além de livros, agregando elementos que nos ensinem sobre os povos que
habitavam o Brasil e a Amazônia (NEVES, 2006; SCHAAN, 2009), antes da
chegada do colonizadores europeus, a visita ao sítio arqueológico é uma
oportunidade aos professores em formação de aprendizagem histórica no
meio.

Para que o objetivo seja alcançado, sempre fazemos algumas preparações


prévias, de forma multidisciplinar: a) estudo de texto bibliográfico sobre a
presença de grupos humanos pré-colonial no Brasil; b) palestra com
professor Biólogo sobre a importância e tipos de alimentos necessários para
vida de um ser humano saudável e relação com ambientes costeiros; c)
palestra com Engenheiro Agrônomo sobre Terra Preta de Índio ou
Antropogênica - tipo de solo amazônico formado pela ocupação humana de
longa data com presença de fragmentos de cerâmica arqueológica (KÄMPF;
KERN, 2005); d) palestra com professor de Física sobre algumas técnicas de
datação em vestígios arqueológicos; e) panorama e informações fornecidas
pelas pesquisas em sítios arqueológicos, em Parintins e região do Baixo
Amazonas; f) legislação sobre patrimônio arqueológicos – aspectos de
preservação, responsabilidades do cidadão e proibições legais.

Todos os aspectos que são previamente estudados e discutidos em sala de


aula visam dar condições para que os acadêmicos da licenciatura em
História tenham acesso domínio de informações básicas sobre o tema, antes
de ir a visita ao sítio arqueológico, para evitar danos ao patrimônio
arqueológico e percepção dos inúmeros aspectos que podem ser observados
no local. O local a ser visitado é escolhido de acordo com as condições de
acesso naquele semestre, desta forma, nem sempre ocorre a visita no
mesmo sítio arqueológico efetuado por turmas anteriores. Exemplo disso,
foi no ano de 2019, que em parceria com o professor José Camilo Ramos da
disciplina de Ética e Meio Ambiente, os sítios arqueológicos visitados (Orla
da cidade e Ilha de Vera Cruz – ambos já mapeados pelo trabalho de
pesquisa de LIMA; SILVA, 2005) foram no município de Maués-AM, distante, 565
aproximadamente, 137 KM de Parintins-AM, com acesso via fluvial.

Na orla da cidade houve um primeiro estranhamento, por parte do grupo,


pois trata-se do local onde aportam os barcos que chegam a cidade, desta
forma, também nós estávamos aportados neste local e, necessariamente,
se faz preciso caminhar sobre o sítio ao descer do barco e acessar a rua.
Quando os acadêmicos voltavam de mais uma atividade, os mesmos foram
alertados para olhar no chão onde pisavam, no caminho de acesso ao barco
e foi aí que se depararam com fragmentos de cerâmica arqueológica, na
margem do rio, onde a cheia e vazante anual e o assoreamento têm
removido a terra da margem, ocasionando a exposição do material
arqueológico, que fica exposto.

Na Ilha de Vera Cruz, o grupo teve contato com uma grande extensão de
Terra Preta de Índio e numerosos vestígios arqueológicos, desde
fragmentos cerâmicos nos quintais das casas, nos roçados, várias urnas
arqueológicas e vasilhames de grande porte semi- enterrados nos quintais
das casas e/ou próximo do caminho que seguimos para chegar as
residências de alguns moradores que se localizam as margens do rio.
Ouvimos os relatos dos residentes no local de como esses se relacionam
com esse patrimônio arqueológico, como o compreendem e significam.

A riqueza de cultura material que ali se teve contato, bem como o ambiente
e paisagem, foi algo que ativou outros modos de aprendizagens, como os
sentidos sensoriais - ver, sentir, tocar, ouvir. Um viajar no tempo ao
motivar a perceber como os conhecimentos prévios, relacionados ali,
naquele meio arqueológico, ampliou possibilidades de entender presença
indígena muito antes do contato com europeus, não como algo distante,
mas como algo real e presente no local destes futuros professores de
História.

Potencialidades no ensino de História


Algumas afirmações dos acadêmicos envolvidos nesta experiência,
registradas em seus nos relatórios de campo, destacam as potencialidades
para o ensino de história da visita a um sítio arqueológico como
possibilidade didática na Amazônia. Queremos aqui refletir como o estudo
do meio, neste caso, pode contribuir para formação inicial dos professores
de História.
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Podemos perceber que os quatro relatos apontam para a ampliação da


compreensão de aspectos vistos e lidos sobre o tema, indicando
desdobramentos para além do tema específico, como as indicações sobre a
percepção valorização da cultura e patrimônio. Alguns autores da área d
ensino já destacaram que:

“O estudo do meio representa uma excelente estratégia para a construção


do conhecimento histórico por professores e alunos pelo fato de unir
pesquisa, contato direto com um contexto (meio), sua observação e
descrição, aplicação de entrevistas, análise de elementos que compõem o
patrimônio histórico e memória. Outra vantagem do estudo do meio é que,
dependendo do local ou da região escolhida para se desenvolver o estudo,
ele pode adquirir uma configuração interdisciplinar.” (ABUD; SILVA, ALVES,
2010, p. 79)

Isso demonstra que o contato com o meio, neste caso, aqui apresentado,
oportunizou experiência e estudo multidisciplinar, além de instigar a
imaginação e percepção a partir da cultura material, da história dos grupos
humanos que ocuparam esse território brasileiro em passado remoto.

Outro aspecto importante de destacar, trata-se do contato com cerâmica


arqueológica indicado, de forma explica, pelos grupos 2 e 3, pois como não
temos no município nenhum museu, os acadêmicos têm mais contato com
esses vestígios nos livros sobre o tema e, nesta oportunidade, tiveram no
meio visitado. As frases como ‘as cerâmicas que impressionaram a turma’ e
‘entramos em contato pela primeira vez com artefatos arqueológicos’,
indicam os usos de sentidos sensoriais como ver e sentir, um sentir para
que toma conta da alma, porque impressiona, deslumbra o que contribuiu
para um aprendizado em história também experimental, com significação e
compreensão mais amplas, que complementam as leituras e discussões de
sala de aula. Assim é importante termos presente que:

“A utilização da cultura material como meio de construir conhecimento 567


histórico não se esgota na análise dos artefatos, mas impõe aos
historiadores a mesma abordagem em relação as suas etapas de confecção.
Esse caminho que exige dos professores de história maior cuidado no
estudo do modo de vida das culturas ao longo do tempo, no tocante aos
artefatos criados e/ou transformados no decurso da história.” (ABUD;
SILVA, ALVES, 2010, p. 112)

Isso contribui para compreendermos a história da presença humana no


território nacional, em contato com vestígios, que nos ajudam a entender
processos de significação e ressignificação do espaço. Também despertam
para percepção das continuidades históricas, como o caso das cerâmicas
que foram produzidas no passado, mas que ainda hoje são produzidas por
técnicas e insumos muito semelhantes. (CATIVO, BIANCHEZZI, 2018).

Outro aspecto que merece destaque refere-se a oportunidade de ouvir os


residentes sobre esses sítios arqueológicos e o modo como esses coletivos
humanos se relacionam com os vestígios arqueológicos - algo recorrente no
território amazônico como demonstram vários estudos (BEZERRA, 2011;
BEZERRA, 2012; BEZERRA, 2013; BEZERRA, 2018; AZEDO, 2017;
BIANCHEZZI, 2018, MACHADO; BIANCHEZZI; SOUZA, 2017; SOUZA;
BIANCHEZZI, 2018; BATALHA, 2019) – na Ilha de Vera Cruz, foram essas
pessoas que residem ali que apresentaram ao grupo de acadêmicos e
professores os locais onde estavam os vestígios arqueológicos, falando o
que compreendiam ser esses materiais. Isso contribuiu para a percepção da
importância da ‘valorizando a cultura e preservando o achado’ e ‘a
importância da preservação desse sítio arqueológico, pois apesar de não
moramos em Vera Cruz também é nosso patrimônio e é nosso dever
protegê-lo como cidadão’. Esses coletivos humanos nos ensinaram muito
mais do que a valorização da cultura material e do meio, nos ensinaram que
tem muito a contribuir com a aprendizagem histórica.

Não pretendemos fechar em itens as potencialidades do ensino de história a


partir de estudo do meio, da cultura material, apenas indicar a partir dessa
experiência que podemos formar professores de História valorizando o
ambiente e espaço que estamos inseridos, abrindo possibilidades para
interações com meio, com as pessoas sobre a história do lugar que
vivemos.

Referências
Professora assistente do curso de Licenciatura em História no Centro de
Estudos Superiores de Parintins (CESP) da Universidade do Estado do
Amazonas (UEA). Vicecoordenadora do Grupo de Pesquisas em Educação,
Patrimônio, Arqueometria e Ambiente na Amazônia – GEPIA. Doutoranda do

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