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João H. Rosa
Juvandi S. Santos
ROSA, J.H.; SANTOS, J.S. Potencial de aproveitamento de sítios arqueológicos para fins
de musealização in loco: estudo de caso no Curimataú e Seridó da Paraíba. R. Museu
Arq. Etn. 39: 156-169, 2022.
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R. Museu Arq. Etn., 39: 156-169, 2022.
concepção de que essas ciências não são apenas as escavações terminam por desmontar o
autônomas, mas também independentes contexto em que os artefatos estavam. Com isso,
entre si. Wichers (2008) ressalta que esse temos um número significativo de material
equívoco, isto é, a falta de interconexão entre coletado que, obrigatoriamente, deverá ser
as disciplinas, é o principal causador de transportado para fora do sítio, possibilitando
problemas na salvaguarda, na comunicação e, inúmeras formas de aproveitamento dessas
ademais, na socialização do diverso patrimônio frações do passado.
material do qual o Brasil dispõe. Todavia, dependendo do tipo de evidências
Para uma compreensão da necessária identificadas (móveis ou imóveis), temos
interação entre estudar, recuperar evidências uma forma que pode, a princípio, trazer mais
e apresentá-las com sentido histórico e social, elementos físicos para ajudar os visitantes
como antecipado anteriormente, é preciso na compreensão dos registros arqueológicos
passar pelo entendimento de que reconstruir e possibilitar interações autônomas de
o passado com base em vestígios arqueológicos representação do passado: a musealização
requer um exercício interdisciplinar, o qual in loco. Aproveitar o ambiente real em que os
começa com a identificação de um mínimo objetos e as evidências arqueológicas estavam/
de evidências que possam garantir que o local estão pode ajudar a preencher parte das
tenha sido palco de interações e transformações lacunas de interpretação de quem visita acervos
humanas. Na sequência, em geral, os espaços retirados do contexto de origem.
são estudados e registrados, e os artefatos No nosso entendimento, a falta de estudos
arqueológicos móveis, oriundos desses estudos, e levantamentos sistemáticos sobre a real
são coletados e transportados para fora do situação do patrimônio material na esfera
ambiente de origem. Normalmente são municipal pode contribuir negativamente para
armazenados em reservas técnicas para estudo um baixo ou inexistente aproveitamento dessa
minucioso individualizado, fornecendo suporte expressão, além de não fortalecer noções de que
a interpretações sobre conjuntos e coleções. se trata de um bem de direito difuso.
Após essa etapa, parte do conjunto coletado Ao que parece, conjugar elementos físicos
poderá servir a exposições visuais voltadas ao e institucionais em um comparativo sistemático
público interessado, atividade própria do campo pode facilitar o entendimento dos pontos
da museologia. fortes e das possíveis deficiências, fazendo dessa
O fato é que o aproveitamento do iniciativa uma ferramenta capaz de diagnosticar
conhecimento gerado pelos estudos de sítios e orientar políticas e ações de interesse coletivo
arqueológicos pode se dar de diferentes para uma melhor gestão compartilhada do
maneiras, além da interpretação publicada patrimônio cultural de cada município e,
em textos e documentários, e a mais comum por consequência, um aproveitamento mais
parece ser a transformação dos conjuntos inclusivo e representativo de e por diferentes
recuperados dos sítios em acervos físicos públicos. Compreender o potencial de
dispostos em museus de modo a permitir aproveitamento museológico de cada município
interação visual com visitantes. Nesse caso, pode facilitar o fortalecimento de ações
estamos diante de uma opção de representação educativas e de conservação e preservação
baseada especialmente em evidências móveis. do patrimônio arqueológico e bens culturais
Mesmo que parte do cenário seja recriado conhecidos e a conhecer.
como pano de fundo, ainda assim o que Assim, a musealização in loco traria
temos é um simulacro da realidade material benefícios importantes para suprir determinadas
fora do ambiente em que tais artefatos foram deficiências próprias da escolha por musealização
produzidos e utilizados. extrassítio, como permitir a municípios que
Há uma razão para essa escolha de não têm casa de memória e/ou museus
representação em forma de exposição visual, instalados aproveitar sítios arqueológicos que
visto que para estudar determinados sítios, não apresentam material móvel, como sítios
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rupestres1, além de outros argumentos que serão ainda salientar que o conceito de musealização,
abordados ao longo do texto. que aqui não será esgotado, é entendido
Diante dessa suposição, decidiu-se construir como um processo científico que demanda
um comparativo de atributos físicos e de um conjunto de atividades administrativas
tratamento institucional entre diferentes tipos de e técnicas no contexto do museu e também
sítios em municípios de duas regiões arqueológicas fora dele (no caso de musealização in loco).
da Paraíba, a saber, Seridó e Curimataú, tendo Tais atividades técnicas estão vinculadas ao
como referência o sítio Itacoatiaras do Rio Ingá, processo curatorial, de pesquisa, preservação e
considerado pelos autores o sítio com melhor comunicação do patrimônio cultural (Bruno
aproveitamento nos moldes propostos aqui. 2005; Cury 2009; Desvallées & Mairesse 2013).
Antes de avançar, porém, convém
destacar que este artigo se apresenta mais
como uma proposta inicial de análise e de Materiais e métodos
criação de categorias analíticas capazes de
avaliar o potencial de musealização de sítios Apesar dos registros oficiais apresentarem
arqueológicos a céu aberto. Esta proposta cadastro inferior a duas centenas de sítios
parte de um contexto arqueológico regional arqueológicos (Centro Nacional de Arqueologia
conhecido pelos autores que, em suas 2014), o estado da Paraíba tem um número
experiências de campo, observaram muito superior, tanto em quantidade como em
determinados aspectos positivos e negativos para diversidade, conforme aponta o arqueólogo
o aproveitamento de sítios arqueológicos no que Juvandi de Souza Santos em comunicação
se refere ao uso público e social. Convém pessoal2 (Fig. 1).
1 Conquanto na plataforma do Instituto do Patrimônio 2 Considerando registros dos períodos histórico e pré-
Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tenhamos um histórico, é possível estimar que esse total esteja próximo
número bastante reduzido de sítios (296) cadastrados no de 2 mil sítios arqueológicos. Com efeito, as atividades de
Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA) para o levantamento arqueológico no âmbito do projeto de criação
estado da Paraíba, com base nos levantamentos dos autores, da Área de Proteção Ambiental do Seridó Oriental da
é possível afirmar que esse número já ultrapassou mais de Paraíba, em curso, já registraram cerca de 300 sítios somente
mil, sendo sua maior parte sítios do tipo rupestre (gravura nos municípios que fazem parte da proposta, e estima-se que
e pintura), condição que aumenta a possibilidade de esse número poderá aumentar ainda mais, tendo em vista
aproveitamento in loco. que as buscas continuam.
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Para efeitos de comparação, tomou-se como do agreste paraibano (Fig. 2). Um sítio fora das
parâmetro um sítio tombado oficialmente como áreas de interesse desse texto, mas que em certa
patrimônio cultural em 1944, amplamente medida pode ajudar na compreensão dos critérios
conhecido e estudado, a saber, Itacoatiaras do Rio aqui adotados, especialmente por apresentar tanto
Ingá, localizado no município de Ingá, na região material móvel como evidências in loco3.
A escolha por esse sítio se deu porque que possibilita uma visitação segura e imersiva
ele apresenta características físicas desejáveis no ambiente arqueológico.
do ponto de vista do aproveitamento in loco. Tendo como referência o sítio
Trata-se de um sítio predominantemente mencionado, foi construída uma planilha
rupestre (gravuras), e um intenso processo de com 14 atributos físicos e de tratamento
estudo foi realizado desde sua descoberta por institucional (Tabela 1), e os sítios
diferentes autores. selecionados foram inseridos e classificados
No caso específico desse sítio, tomado com pesos de 0 a 2, em que 0 é a menor nota
como referência no comparativo, é justo afirmar e 2 a maior. Da soma dos diferentes pesos foi
que ele foi submetido a um intenso e proveitoso obtida uma média aritmética que indica uma
processo de musealização, considerando os suposta maior aptidão de cada sítio analisado
parâmetros aqui adotados: os artefatos coletados para uma possível musealização in loco.
em sua escavação estão acomodados em um
centro de exposição contíguo ao próprio 3 O sítio Itacoatiaras do Rio Ingá apresenta espaço
monumento, e este desenvolve a função de visitação guiada a céu aberto e conta com um prédio
construído em área contígua, com exposição permanente de
de grande painel de exposições ao ar livre, material arqueológico oriundo das imediações e de outros
dispondo ainda de uma adequada infraestrutura sítios, incluindo ainda material paleontológico.
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Peso
Atributo
2 1 0
Distância da cidade mais próxima até 5 km de 5 a 15 km acima de 15 km
Estado de preservação Bom Regular Ruim
Visibilidade dos vestígios Alta Média Baixa
Necessita de intervenção Não Desejável Sim
Tipo de intervenção Limpeza/cercamento Estruturas Escavação
Classificação de acesso Fácil Médio Difícil
Tipo de acesso Pavimentado Misto Não pavimentado
Trilha (caminhada) até 1 km de 1 a 2 km acima de 2 km
Contexto arqueológico Forte Médio Fraco
Estudos realizados Sim Em estudo Não
Acessibilidade (PNE) Sim Em estudo Não
Órgão de patrimônio cultural Sim Em estudo Não
Turismo no município Sim Em estudo Não
Museu no município Sim Em estudo Não
Tabela 1. Atributos de referência e pesos utilizados na classificação de sítios para musealização in loco.
Fonte: Elaboração dos autores.
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que pouco contribui para seu aproveitamento, voluntários interessados em apoiar essa prática.
tendo em vista que o município não tem Esse é um exemplo de situações existentes,
equipamentos públicos voltados ao patrimônio em que, para cada um dos locais analisados,
arqueológico e não está estruturado para pode ser elaborado um quadro de conflitos,
receber turistas, apesar de haver munícipes impasses e alternativas.
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ROSA, J.H.; SANTOS, J.S. Potential of use of archaeological sites for musealization
in loco: case study in Curimataú and Seridó in the state of Paraíba. R. Museu Arq. Etn.
39: 156-169, 2022.
Abstract: This text aims to discuss perspectives for evaluating the potential
for the creation of open-air archaeological museums, proposing as a tool a
preliminary classification key based on physical and institutional aspects, which
assesses the responsiveness to proposals for musealization of sites in its own
implantation site using as partial sample two archeological regions, Curimataú
and Seridó, located in the north-northeast of the State of Paraíba. The tool uses
14 basic aspects, which are classified according to weights from 0 to 2 and that,
once combined, result in a score supposedly indicative of the greater or lesser
adequacy of the analyzed sites in receiving interventions for musealization in loco.
The result obtained in this initiative indicated that of the 17 classified sites,
53% had high potential, 29% medium, and 18% low, with no site appearing in
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the extremes of “very high” and “very low” potential. The text also points out
that this proposal was able to diagnose strengths and weaknesses considering
basic characteristics and of easy access to managers and interested professionals.
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