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CONVERGÊNCIAS
Para Johnson (2010) o passado não existe e os artefatos que os arqueólogos tão
avidamente buscam não podem nos dizer nada sobre o ele. Tais artefatos estão no presente e o
que podemos escrever sobre eles também está no presente, desta forma criamos um passado
que de alguma forma possa ser coerente para nós e para tanto usamos analogias entre o passado
e o presente. Para tentar entender esse passado, os arqueólogos utilizaram algumas teorias ao
longo da história da arqueologia, apropriando-se daquela que mais lhes parecia conveniente.
Alguns arqueólogos afirmam, segundo Johnson, serem ateóricos, mas o autor defende que,
todos de alguma maneira usam uma ou outra teoria de alguma forma, mesmo que não
reconheçam esse uso.
Boas relaciona a arqueologia como um dos quatros campos do estudo do ser humano,
sendo os outros a linguística, a antropologia social e a antropologia física (hoje chamada de
bioarqueologia e se ocupa dos macro-vestígeos humanos, como os ossos). A linguística, de
acordo com J.Harder fundamenta unidades políticas (citado por Prouss, 2019, p.92) e pode ser
de grande auxílio no entendimento como certo grupo desenvolveu algumas técnicas ou crenças.
Se foi de forma independente ou se as recebeu de outros grupos (PROUSS, 2019.p.94)
Segundo Boas (1896) a antropologia tendia a afirmar que a sociedade humana cresceu
e se desenvolveu de maneira que suas formas, opiniões e ações tem muitos traços em comum e
isso implica que existiam supostas leis gerais que governam o desenvolvimento da sociedade e
que essas leis seriam aplicadas tanto em sociedades contemporâneas como as do passado.
Alguns sítios próximos do Abrigo do Cubatão já são classificados de acordo com essa
teoria, como os de tradição Umbu, para artefatos líticos ou as cerâmicas, agrupadas em Jê e
Guaranis ou em tradições como a Itararé, dependendo de suas características estilísticas. Desta
forma podemos descrever as fases e a área da mudança cultural, se uma cultura seguiu a outra
ou se uma inovação se espalhou ou se difundiu de uma certa forma.
O Abrigo sob Rocha Cubatão foi localizado por Brochier em 2002 durante o
levantamento arqueológico da APA de Guaratuba. O abrigo em sondagem preliminar, mostrou-
se um sitio com potencial para ser multicomponencial, ou seja, que houve diversas ocupações
por diferentes populações em momentos distintos. Trata-se de um abrigo cuja a formação se
deve devido a presença de matacões rochosos. Localizado na região do Cubatão em Guaratuba
(UTM 721441: 7141777), pertencendo a Folha Cubatão. Com área aproximada entre 70 x 50
m². BROCHIER (2002)
Em sondagem superficial Brochier (2002) relata a ocorrência de material cerâmico e
lítico da tradição Itararé, com muito potencial para a ocorrência também de vestígios da tradição
Umbu (comunicação por e-mail). Caso venha a se confirmar a tradição Umbu no sítio, ou em
seu entorno, é possível relacioná-lo com as ocupações já conhecidas de coletores-caçadores da
região da Serra do Mar, como o Sítio Céu Azul.
Os críticos dessa teoria argumentam que coleções de artefatos por si só não fornecem
uma compreensão adequada do passado, pois não trazem informações sobre as relações sociais
daquela população. Também tendem a ver as culturas como imutáveis, não acompanhando as
interações entre os grupos humanos. Não explicando o porquê houve mudanças em determinado
estilo de cerâmica ou porque uma cultura se espalhou ou mudou (JOHNSON, 2010). Boas
(1986) argumenta que essa suposta evolução única é um fato de valor duvidoso, o mais aceitável
é que o desenvolvimento tenha ocorrido por múltiplo caminhos, para esse autor o método
comparativo pretende explicar similaridades entre populações, mas antes de tecer essas
comparações é necessário entender se esses materiais são realmente passíveis de comparação.
O fato de duas populações partilharem um desenho muito próximo não é prova contundente de
que esse material possa ser compartilhado entre eles.
Essa critica pode ser explicitada com o exemplo do Kula, estudado por Malinowski. O
Kula é a relação de troca de braceletes e colares entre os grupos das Ilhas Trobriand, em um
circuito com outras ilhas próximas e levantam questões muito mais complexas do que a simples
troca material. Existe significados políticos e sociais importantes relacionados com a troca de
objetos. Analisado apenas pelo foco dispersão dos objetos e a comparação com outros sítios, o
arqueólogo poderia aferir que todo o círculo do Kula pertence ao mesmo grupo ou tem a mesma
origem, o que pode não traduzir a verdade, nesse caso, são trocas comerciais e políticas a
principal questão a ser levantada. Uma análise mais ampla do que a simples catalogação de
objetos por similaridade, será útil para reconstruir a história dessas comunidades, que podem
possuir costumes semelhantes, mas não necessariamente com a mesma origem.
Ruth Benedict chama atenção que a expansão dos grupos humanos ao longo da história
é constante e que isso se traduz em trocas mútuas entre povos, que partilham materiais, artes e
práticas complicadas de comportamento entre eles (2000, p.20).
O abrigo está próximo de sambaquis, podemos tentar aferir quais são as influências
dos sambaquis na população do abrigo, analisando os artefatos dos sítios dentro das premissas
acima colocadas, bem como os sítios da Baía da Babitonga e do Céu Azul.
Dentro das premissas da Nova Arqueologia devemos testar uma hipótese. A hipótese
que pode ser testada no abrigo parte dos estudos de Okumura (2013), Chymz (1976, 2002,
2012) e Bigarella (2011) que mostram que a região de Guaratuba parece ser um divisor
territorial entre os ocupantes de Santa Catarina e de São Paulo, assim podemos testar a hipótese
de que havia uma população diferente daquelas dos territórios onde hoje são os estados citados
ou se era o mesmo grupo, mas tinham diferenças de acordo com o entendimento da Nova
Arqueologia (ecologia, economia, complexidade social...)
Porém como esclarece Ruth Benedict (2000), o ser humano tende a se adaptar e
assimilar a cultura de outro grupo com o qual teve contato e em duas ou três gerações adotam
como seus, as variantes dos costumes do outro. Assim sendo, deve-se olhar com cautela as
generalizações supostas através de dinâmicas sociais.
No caso do Abrigo do Cubatão, a partir dos achados podemos tentar entender como o
abrigo era utilizado, o tamanho da população, estrutura social e ligação entre essas variáveis.
Se o clima ou migração influenciava na utilização do abrigo, disponibilidade de comida ou
mesmo se ele era uma estrutura marginal de um grupo maior ou de uma estrutura social.
No entanto isso não acontece, podemos então através da teoria de Binford tentar
entender qual era a dinâmica dessa região e se o abrigo está de alguma forma relacionado aos
sítios do interior de São Paulo, supondo a utilização do caminho dos Ambrósios como rota de
deslocamento. Esses dados reforçam a tese de que existe uma divisão entre populações nessa
região. Sendo necessário tentar aferir quem eram essas populações. Apesar das críticas, Binford
sustenta que devemos testar onde está o registro arqueológico ambíguo, concentrando esforços
na falta de ajustes entre os dados e oque se esperava encontrar e no que os registros
arqueológicos não podem esclarecer tão facilmente.
Assim como Binford, Benedict (2000) afirma que a melhor maneira de entender
formas e processos culturais é estudando populações historicamente pouco relacionadas, assim
podemos distinguir a diversidade das sociedades. A analogia pode ser reforçada se houver
alguma forma de continuidade cultural entre os grupos estudados (JOHNSON, 2010, p.71).
Benedict, no entanto, levanta a questão que mesmo que seja possível isolar um traço em
particular, esse pode ter surgido nessa sociedade e não quer dizer que esteja relacionado à outras
formas de outras sociedades (2000, p.32).
A arqueologia utilizou-se de teorias ao longo da sua história muito próximas da
Antropologia, como não poderia ser diferente, não foi ao acaso de Boas relacionou as duas
disciplinas no estudo do ser humano. E com o tempo a distância entre as duas disciplinas quase
desaparece.
Na análise do abrigo, por essa corrente, não é dada tanta importância ao meio ambiente,
pois “povos antigos teriam diferentes vistas do que era "real" naquela paisagem” (JOHSON,
2010,p.136). Bem como devemos analisar a agência dos ocupantes do abrigo e como eles
deliberadamente agiam e transformavam o ambiente e deixavam seus rastros. Devemos olhar o
contexto todo.
O abrigo deve ser entendido como uma parte de um quebra-cabeças que compreende
a ecologia do lugar, as relações com ocupações próximas (como os sambaquis e os ocupantes
da Baía da Babitonga) e não tão próximas (como os ocupantes do interior e do litoral de São
Paulo), usando as possíveis rotas de deslocamento para isso. Olhar a disponibilidade de
alimentação e de materiais para a confecção de artefatos e prováveis influências de outras
populações nos estilos e na fabricação desses artefatos. Em uma visão mais ampla de redes de
relações e redes políticas.
Dependendo dos achados do abrigo, caso seja encontrado algum vestígio histórico,
podemos olhar para as migrações da região de influência do abrigo, Johnson chama atenção
para a tendência atual da arqueologia histórica de olhar as migrações e as mudanças sociais em
pequena escala e não somente analisar o registro histórico em grande escala (2010, p. 227).
Existe um antigo ramal do caminho dos Ambrósios que deveria ser aberto na época do império
brasileiro para ligar Guaratuba ao planalto de Curitiba. Tal ramal nunca foi efetivado, mas se
houve a intenção de abri-lo, pode ser que já houvesse trânsito colonial na região. Levando em
consideração o suposto trânsito de população sabaquianas e paleoíndia na região, podemos
supor também o trânsito colonial.
Johnson esclarece que o debate entre as correntes até aqui citadas já está obsoleto e
existe outras abordagens na arqueologia que trazem debates interessantes como a arqueologia
de gênero, das margens, feministas, identidade. Defende que o “estado atual da 'teoria
arqueológica' pode ser melhor caracterizado como um mosaico complexo ou um caleidoscópio
de temas em mutação e interesses, em vez de um confronto titânico de escolas diferentes”
(2010, p. 154).
Machado comenta que o desafio é praticar uma arqueologia que olhe para as
comunidades não como objetos de pesquisa e sim como “sujeitos ativos na construção de um
conhecimento público ou cientificamente aceito” (2013, pág. 76)
Nesse sentido a arqueologia colaborativa tende a flexibilizar a pesquisa arqueológica
para incluir diferentes visões do passado. Fatores que podem ser subjetivos para o arqueólogo,
mas importante para as comunidades. É necessário que sejam incluídos esses pontos de vista,
trazendo diversidade de entendimento sobre o que é o passado, a cultura material e o
patrimônio. Levando em consideração questões sobre a forma de utilização do território, o
significado dos locais, o manejo ambiental e concepções de mundo relacionados ao uso e
apropriação do espaço e a criação de sentimento de territorialidade. (MACHADO, 2013. Pág.
77)
São questões que aproximam a pesquisa arqueológica da antropologia, segundo
Marcus (1991) a compreensão do modo como essas identidades tomam forma, exige a busca
de um quadro de referência diferente. E esse quadro envolve a mudança de parâmetro em
relação a maneira com a qual o pesquisador constrói a análise do sujeito, bem como modifica a
natureza da intervenção teórica. No trabalho de campo pós-malinowskiano, as sociedades
estudadas participam das questões que envolvem seus direitos, sociais, políticos, educacionais,
em um discurso de empoderamento, em situações de diálogos e polifonias. (CLIFFORT, 2002).
Conclusão
No novo modo de relação entre o arqueólogo e a comunidade foco, é preciso entender
o mundo intercultural, levando a dispersão da autoridade arqueológica e a uma nova concepção
de pesquisa de campo, resultando no deslocamento da relação de poder. A arqueologia também
passa a ser feita por aquele que antes era o objeto de pesquisa, o arqueólogo branco, europeu
deixa de ser a autoridade que fala por outras sociedades e essas passam a falar de si mesmas e
para elas mesmas. Não são mais atores generalizados, representados no texto interpretativos da
“outra” realidade e sim em uma escrita dialógica e polifônica. O desafio está em captar a
identidade específica através de suas migrações e dispersões, bem como desconstruir o conceito
de poder “nos-eles”, pois é provável que a realidade do arqueólogo de alguma maneira esteja
relacionada ao da cultura a ser estudada.
As sociedades não estão mais isoladas, agora são atuantes e participantes das questões
que envolvem seus direitos políticos, sociais, educacionais, assim mudaram seu lugar em
relação ao estado e utilizam a bandeira da étnica em seu discurso de empoderamento.
Dentro desse novo contexto muda também a posição do arqueólogo, trata-se da
dissolução ou do apagamento da noção de comunidade tradicional como locus da arqueologia
Cabe aos arqueólogos a interação com esses novos modos e territorialidades, com as
culturas que vão se mesclando, construindo novas coletividades e orientações, novas construções e
novos arranjos étnicos e culturais, analistas dessas culturas que emergem e tratam de reconciliar a
verdade do dado objetivo com a análise das subjetividades.
Bibliografia
CHYMZ Igor. A ocupação do litoral dos estados do Paraná e Santa Catarina por povos
ceramistas. Estudos Brasileiros. (1), p. 7-43. Curitiba: jun.1976
MACHADO. Juliana S. História (s) indígena (s) e a prática arqueológica colaborativa. Revista
de Arqueologia. Vol.28. N.1 Págs. 72-85.2013.