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RESUMO
O objetivo deste artigo é apontar que a psicanálise tem a função social de questionar
doutrinas que condenam a infanto-juventude ao tratamento penal. Para isso, faz-se uma
revisão bibliográfica através da psicanálise para analisar o adolescente que se envolve
com o tráfico de drogas. Verifica-se que o conceito de infância passou por profundas
modificações, de modo que o ser infantil diferenciou-se do ser adulto apenas nos últimos
séculos da humanidade; que as identificações feitas pela criança com as figuras de
autoridade são vitais e possuem aproveitamento variados para o sujeito; que o processo
de separação do Outro é, por inerência, uma transgressão, e que essa transgressão pode
ou não ocorrer dentro da lei jurídica.
ABSTRACT
The purpose of this article is to point that psychoanalysis has the social function to
question the doctrines that condemn children and youth to the penal treatment. For this, a
literature review is made through psychoanalysis to analyze the relationship of the
adolescent that engages himself in drug trafficking. It appears that the concept of
childhood has undergone profound changes in social levels, so that the child be differed
from being grown only in the last centuries of humanity; the identifications made by the
child with authority figures are vital and possess qualities and varied roles for the subject;
Other than the separation process is inherently a violation, and that transgression may or
may not occur at the level of legal law.
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Formado em psicologia pela UVA, campus Cabo Frio. Psicólogo clínico no Projeto Simplesmente e
Psicólogo no Centro de Referência Especializado em Assistência Social, na cidade de Cabo Frio.
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Tendo em vista o aliciamento de adolescentes pelo tráfico e, não menos
alarmante, um sistema de direitos desatento à ressocialização, a comunidade acadêmica
urge em procura de soluções para diminuir os danos causados à infância brasileira. Em
relação a esta temática, a psicanálise tem construtos indispensáveis para nutrir este debate
e contribuir na retificação dos inúmeros engodos sociais que envolvem a criança e o
adolescente em conflito com a lei. A lei simbólica, trabalhada pela psicanálise como modo
de interdição do sujeito diante de suas pulsões revela a adolescência como uma etapa, por
inerência, transgressora, tanto para o sujeito que já infringiu a lei penal, quanto para o que
jamais o fez. É certo que a infância apresenta, ao longo da história, diversos significados,
características e conceitos atribuídos aos que nela se enquadraram. Sendo assim, não há
como investigar a odisseia da atual adolescência sem antes contextualizá-la com o que a
precedeu num período mais longínquo. Tal contextualização respeita, sobretudo, os
aspectos sociais, isto é, aquilo que se viu sobre a criança acerca de seu modo gregário.
Na Grécia antiga, por volta de V a.C., a visão acerca da criança indicava uma
forte demanda funcional para as diversas tarefas requeridas na vida adulta. Segundo os
estudos de Emerson (1878) sobre Plutarco, filósofo grego que registrava os hábitos
sociais da época, a criança recém-nascida passava por um grupo de anciãos que decidia,
com base na robustez e saúde, sobre sua vida, pois ao se pautarem neste crivo garantia-se
à comunidade grega a qualidade de seus exércitos. Somente após o século XVI a cultura
reconheceu nesse período biológico o ser infantil, abandonando a concepção
emocionalmente frígida que outrora o emancipou precocemente. Nesse momento
histórico, tanto os processos educativos quanto a saúde da criança passaram a ter grande
relevância social. Segundo Ariès (1975/1981, p. 5), uma mudança considerável alterou o
estado das coisas no século XVI, já que as relações de aprendizagem entre crianças e
adultos, que antes eram estritamente íntimas através da figura de um tutor, foram
substituídas pela escola, lugar habitado prioritariamente por outras crianças. Com isso,
assume-se a ideia de irracionalidade infantil, no qual seria preciso construir adultos
socialmente completos, desejantes e racionais (LEVIN, 1997).
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a sexualidade infantil permanecia, até então, velada. Lançar uma teoria que colocava a
criança no centro de uma trama sexual foi provocante para o conservadorismo da época,
afinal, tal conservadorismo surrupiava o saber infantil e lhes tomava como indivíduos
desprovidos de saber e desejo. A psicanálise, portanto, produziu um saber acerca da
criança que lhes imputou responsabilidade desde o início, ao mesmo tempo em que
declarou à sociedade uma criança cheia de desejos sexuais. Freud apresentou a criança e
sua sexualidade ligada às relações de desejo, estabelecidas através de seu primeiro grupo
social: a família.
Foi através da evolução da teoria do trauma para a teoria da fantasia que Freud
(1887/1986) identifica os primeiros passos teóricos do complexo de Édipo, pois nada de
real havia no discurso dos pacientes ao comunicarem o vitimismo da sedução, mas sim
uma construção imaginária acerca da relação com seus próximos parentais. Na carta de
21 de setembro de 1897 destinada à Fliess, Freud confessa que os atos pervertidos
generalizados contra as crianças não seriam muito prováveis, fazendo sua primeira
correlação entre “a verdade e a ficção catexizadas pelo afeto” (p. 310), ou seja, o
inconsciente carece de indicações à realidade. Abrir mão da teoria do trauma modificou
as análises do austríaco, porém manteve o ponto nodal de que tais fantasias sexuais tinham
os pais como tema, reverberando a posterior carta de 15 de outubro de 1897 no qual Freud
menciona Oedipus Rex2 e afirma como habitual a paixão pela mãe e o ciúme do pai,
engendramento este que fora recalcado ainda na infância. A fantasia originária é, portanto,
inconsciente e edípica.
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Édipo Rei na língua inglesa e latina.
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outro, em que o primeiro Eu se comporta como o outro em determinados aspectos, imita-
o, de certo modo o assimila” (FREUD, 1930/2010, p. 200). O destino deste complexo,
segundo Freud, é que a referência da primeira identificação será abandonada, mas que
esses investimentos objetais abandonados “repetir-se-ão depois frequentemente na vida
da criança” (1930/2010, p. 202).
De qualquer forma, aos pais é razoável que não abram mão de seus
parâmetros, mesmo que diante das reações adversas dos filhos, a fim de deixá-los com
alguma referência, pois é isso que lhes possibilitará alternativas para serem escolhidas.
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Isso não significa que qualquer parâmetro lhes convém; se trata, antes de tudo, de uma
herança que possibilita o crivo da escolha, repassada para o filho. Se os pais conseguem
triar boas escolhas dentro de parâmetros claudicantes, os filhos também terão essa chance,
então “escolherão segui-los ou não, ou segui-los não todos ou até mesmo assumir como
próprias as escolhas dos pais”, o que na prática significa que “nem todas as referências
dos pais servirão para os filhos” (ALBERTI, 2010, p. 12). Se o que os pais comportam
para os filhos jamais poderá ser dito completamente, o manual do bom pai ou do bom
filho sempre será incompleto, não acomodando todas as possibilidades nem admitindo
que todas darão certo. É desse remanescente que surge a possibilidade de os filhos
filiarem-se ao crime mesmo com pais honestos, tendo em vista a complexidade dessa
relação primordial.
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drogas, tomado como uma tentativa fracassada de separar-se do Outro, é uma transgressão
que aliena o adolescente à medida que esta ação disfarça o desamparo fundamental.
Atentando a uma diferenciação entre o Outro parental e o outro social falado pela a autora,
o tráfico pode ser considerado um Outro social que aparece para o adolescente através de
uma cilada pela tentativa de separação do Outro parental, isto é, se o processo de
separação é, por inerência, uma transgressão, esta transgressão pode ocorrer em um nível
distante da lei moral.
O consumo aparece, então, como uma – talvez a principal – das vias que o
sujeito utiliza para se furtar de reconhecer a falta no Outro, uma via que “substitui o
questionamento sobre as demandas que veiculam um caminho para o desejo” (NAZAR
et. al., p. 32). Eis o que Lacan (1969-1970/1992, p. 153) disse sobre os objetos que são
consumidos atualmente, numa sociedade em que a ciência administra a produção: são
“pequenos objetos a que vão encontrar ao sair, no pavimento de todas as esquinas, atrás
de todas as vitrines, na proliferação desses objetos feitos para causar o desejo de vocês,
na medida em que agora é a ciência que o governa”. Sendo assim, quais são os atuais
objetos que figuram a tentativa de tamponar a falta do sujeito? O dinheiro, como
significante da falta, possibilita o consumo e dá acesso aos gadgets, definidos por Lacan
(1974/1980) como objetos fabricados pela ciência e evidentes sintomas.
Que quer dizer um adolescente que diz ser respeitado apenas quando está com
uma arma? Seguindo este pensamento, é possível observar o uso de objetos fora da lei
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com o mesmo suporte dos gadgets. Trata-se da importância que o objeto, o gadget,
assume para o sujeito; um sintoma que tem como base o usufruto de um universo de
objetos. Em outras palavras, Soler (1998, p. 167) afirma que “o objeto é função dos
discursos em ação, é função dos discursos que definem a civilização” e o que está por trás
da impossibilidade dos mesmos objetos simbólicos serem usufruídos por todos os sujeitos
é a articulação do consumo ao discurso capitalista, à pulsão e à ética (LACAN,
1972/1978). Os atuais objetos são definidos pelos discursos que o regem, por isso a
relação do homem com a falta é ordenada pelo desejo, estando este intrinsecamente ligado
a Lei que instaura o simbólico (INEM, 2001). De qualquer forma, o sujeito não encontra
satisfação plena nesses objetos, o que os faz percorrer de um a outro, e que venha o
próximo, o seguinte e depois mais um. Fica claro que esses adolescentes reproduzem mais
que uma necessidade física sexual; esses adolescentes demandam um lugar no discurso
vigente, o discurso capitalista, seja pela moral ou não. Por isso, pergunta-se: os atos fora-
da-lei podem ser suplantados pelo discurso capitalista? O discurso capitalista pode
respaldar os objetos da criminalidade? O tráfico e o traficante podem ocupar o lugar do
Outro enquanto um baú de significantes?
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novos ideais, e este uso é, na verdade, uma cilada que, ao tentar separar-se do Outro,
implica a alienação. Pode-se considerar que não é diferente quando se fala de um Outro
do tráfico, visto que este pode despontar como uma tentativa de separação ao Outro
parental mas que representa uma cilada de alienação ao Outro social.
Referências bibliográficas
ALBERTI, S. O adolescente e o Outro. 3.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
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NAZAR, M. T. P. et. al. Psicanálise e pesquisa: a função paterna. Rio de Janeiro:
Cia. De Freud: Escola Lacaniana de Psicanálise, 2008.
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