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CENTRO UNIVERSITÁRIO CELSO LISBOA


DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
PSICOLOGIA JURÍDICA

BIANCA DA SILVA DO NASCIMENTO


INGRID LYRA DE JESUS
LEILA LUSIA GONÇALVES BRAZ
SIMONE MENDONÇA PEREIRA

PRIMÓRDIOS DA PSICOLOGIA JURÍDICA

Rio de Janeiro

2024
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BIANCA DA SILVA DO NASCIMENTO


INGRID LYRA DE JESUS
LEILA LUSIA GONÇALVES BRAZ
SIMONE MENDONÇA PEREIRA

Primórdios da Psicologia Jurídica

Trabalho apresentado ao curso de Psicologia da


disciplina Psicologia Jurídica do Centro
Universitário Celso Lisboa como requisito para
obtenção de nota.

Professora: Raquel Veloso

Rio de janeiro

2024
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Os saberes sobre a infância e adolescência têm evoluído ao longo dos


séculos, refletindo mudanças nas percepções sociais e em diversas áreas de
estudo. Conforme destacado por Rizzi (2007), a virada para o século XX marcou um
período em que a infância no Brasil passou a receber um foco privilegiado de
estudo. A emergência desse interesse multidisciplinar contribuiu para uma
compreensão mais abrangente das necessidades e desafios enfrentados pelas
crianças e adolescentes, influenciando diretamente a formulação de políticas
públicas voltadas para esse grupo populacional.
De acordo com Philippe Ariès (1960) a noção de infância na Idade Média
não existia, as crianças eram levadas muito cedo a realizarem tarefas e a terem
responsabilidades iguais aos adultos, até mesmo suas vestes eram como as de
adultos, impossibilitantando-as até mesmo de brincar. A partir do século XII na
Europa, surgiram novas percepções a cerca da infância e com a criação de escolas
e literaturas voltadas a mesma, essa realidade começou a mudar .
A idéia de que as crianças são diferentes dos adultos vai se solidificando ao
longo dos séculos , mas de acordo com Renato Nogueira, sociólogo brasileiro, a
experiência da infância varia de acordo com o seu contexto social, ou seja, crianças
de famílias pobres tendem a não ter acesso a serviços básicos como crianças de
famílias mais favorecidas. O que é um alerta ao abordar as questões da infância,
pois suas realidades e necessidades são diferentes.
Nesse contexto, a atenção dedicada à infância e a adolescência como objeto
de estudo e intervenção político-social sinaliza movimento de reconhecimento da
importância de investir no desenvolvimento desses segmentos da população.
Contudo, o foco se fundamentava em preparar algo que não podia ser perdido, para
um futuro trabalho útil. Esse novo movimento com ideais republicanos, após um
longo período escravocrata e imperialista, modifica políticas e ideias, e
especialmente no que tange a políticas públicas voltadas para o controle e
contenção social do “menor” tornando-se um investimento duplo, (Rizzo, 2007- 138)
uma modelagem de controle: econômico e político, principalmente das classes mais
baixas.
A lacuna da infância perdida e o descontrole populacional de menores,
principalmente de menores chamados de vagabundos, que circulavam, como figuras
de desordem, pelas ruas negligenciados por diferentes ordens, passam a ser alvo de
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uma política paternalista e de modelagem para o trabalho através da reeducação, ou


seja, ora existia uma preocupação de proteção, ora de reeducação e ora existia uma
preocupação em afastar para proteger a sociedade.
A partir do final do século XIX, o país em questão direcionou seus esforços
para a salvação de uma infância que parecia estar se desviando em direção á
ociosidade e ao comportamento desviante. Esse empenho se manifestou por meio
de um trabalho minuscioso exercido pelo aparato assistencial em diversos níveis:
inicialmente, através do estudo das condições de vida das crianças pobres, visando
proporcionar-lhe a proteção adequada, o que demandava uma compreensão
profunda da dinâmica familiar, do cotidiano e dos cuidados dispensados ás crianças,
em seguida, pela intervenção direta nessas famílias, por meio de assistência
médica, e educativa, e por fim, pelo desenvolvimento de um projeto de organização
de assistência asilar embasado nos princípios de prevenção e recuperação. Essa
abordagem multifacetada reflete a preocupação e o compromisso da sociedade e
lida com os desafios enfrentados pela infância naquela época.
A história nos mostra que a primeira aproximação da Psicologia com o
Direito ocorreu no final do século XIX e originou o que ficou conhecido como a
“psicologia do testemunho”. Esta, segundo Altoé (2004), procurava verificar, por
meio do estudo experimental dos processos psicológicos, a fidedignidade do relato
do sujeito envolvido em um processo jurídico. De acordo com Brito (1993), o que se
pretendia era verificar se os processos psíquicos propiciam ou dificultam a
veracidade do relato. Essa constatação era realizada através da aplicação de testes,
buscando-se a compreensão dos comportamentos dos sujeitos envolvidos na ação
jurídica.
Tal inserção deu-se de forma gradual e lenta, muitas vezes de maneira
informal, por meio de trabalhos voluntários. Os primeiros trabalhos ocorreram na
área criminal, enfocando estudos acerca de adultos criminosos e adolescentes
infratores da lei (Rovinski, 2002). O trabalho do psicólogo junto ao sistema
penitenciário existe, ainda que não oficialmente, em alguns estados brasileiros há
pelo menos 40 anos. Contudo, foi a partir da promulgação da Lei de Execução Penal
(Lei Federal nº 7.210/84) Brasil (1984), que o psicólogo passou a ser reconhecido
legalmente pela instituição penitenciária (Fernandes, 1998).
Assim, de acordo com Brito (1993), os psicólogos, procurando atender a
demanda do Poder Judiciário, buscaram especializar-se nas técnicas de exame
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psicológico. Foi a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que, em 1980,


atendeu a essa demanda, criando uma área de concentração, dentro do curso de
especialização em psicologia clínica, denominada “Psicodiagnóstico para Fins
Jurídicos”. Anos depois, essa área passou por uma reformulação, transformando-se
em um curso de especialização.
Na metade do século XX, políticas que se baseavam em diferentes áreas,
tais como a medicina, a psiquiatria e a filosofia, a pedagogia, o direito e a psicologia,
fomentaram um constructo conceitual para a assistência a criança e ao adolescente
no Brasil (Rizzo, 2007, pg.139). Saberes que se entrecruzavam, mas que não
frearam formas de rotulação e de estigmatização da infância pobre, do controle do
menor.
Algumas mudanças importantes surgiram nessa época, como a legitimação
do estado como interventor, a criação do Juízo de menores (1924) e o Serviço de
Assistência a Menores – SAM (1942). Nesse processo, um conjunto de saberes
legitimou e foi justificativa de ações necessárias no atendimento ao menor (Rizzzo,
2007) e esses órgãos responsáveis tinham a função de resguardar e intervir junto
aos menores, centralizando a execução de uma política nacional de atendimento.
A implantação do SAM tem mais a ver com a questão da ordem social que
da assistência propriamente dita. […] Vinculada ao Ministério da Justiça e do juizado
de menores, tem como competência orientar e fiscalizar educandários particulares,
investigar os menores para fins de internação e ajustamento social, proceder ao
exame médico-psicopedagógico, abrigar e distribuir os menores pelos
estabelecimentos, promover a colocação dos menores, incentivar a iniciativa
particular de assistência a menores e estudar as causas do abandono (Faleiros,
2009, p. 55, in CIFALI, 2020).
Na prática, esses órgãos iriam representar dispositivos de vigilância e
controle sobre as crianças, os adolescentes e suas famílias e regulamentavam
questões como trabalho infantil, tutela, delinquência e liberdade vigiada. Dando
impulso aos atendimentos através de internações e na maioria longe das famílias de
origem, considerado depois como ato repressivo e desumanizado.
Como respostas as críticas, em 64 é estabelecido a política do bem-estar do
menor e funda-se a FUNABEM (Fundação nacional do Bem Estar do Menor) que
centraliza essa política. E a nível estadual criam-se a FEBEM, instituição com a
função de triagem, recolhimento e internação de menores. (LAGO, 2009)
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No documentário FEBEM: o começo do fim (1990), percebemos a


culpabilização de crianças e adolescentes, no sentido de tratar, corrigir e prevenir as
causas do desajustamento. Ressaltamos nesse ponto a avaliação desses menores
para verificação da periculosidade, sendo implantado a Fundação da Associação
Brasileira dos Juízes de menores.
Junto a esse movimento verifica-se as relações teóricas na busca de uma
visão cientificista, principalmente pela psicologia da época que justificava a reforma
do menor. (RIZZO, 2007, pg. 143).
Durante esse período, a psicologia emergiu como uma disciplina autônoma,
distanciando -se gradualmente de suas raízes na Medicina, na Psiquiatria e na
Filosofia. Simultaneamente, observou-se um aumento significativo na aplicação e
adaptação dos conceitos psicológicos dentro dos campos pedagógicos e do direito.
Esse fenômeno ilustra não apenas o amadurecimento da psicologia como ciência,
mas também sua relevância e influência crescentes em diversos aspectos da
sociedade.
O ECA foi um marco na consolidação desta visão sobre este segmento na
legislação e na sociedade brasileira. O Estatuto da Criança e do Adolescente passa
por uma mudança significativa ao superar a visão assistencialista e passa a afirmar
os direitos desses grupos expostos. Além disso, ele substitui a perspectiva de
enxergar os jovens como delinquentes por uma aproximação favorece sua proteção
integral.
O ECA também induz a idéia de diferenciação entre crianças e adolescentes
que vivem em situação de vulnerabilidade e aqueles que não enfrentam tais
problemas, corroborando a importância de garantir direitos e proteção a todos os
jovens, independentemente de sua condição socioeconômica, esse marco legal
retrata um avanço significativo na ação do bem estar e dos direitos das crianças e
adolescentes, cooperando para a sociedade mais justa e inclusiva.
O Estatuto acontece durante a discussão sobre a discriminação implícita no
uso do termo “ menor”, ao substituir a noção de “menor em situação irregular” pela
de “sujeito de direitos”. A destemida tentativa da nova legislação em superar a
dicotomia histórica entre as concepções de “menor” e de “criança” só se fará sentir
nas iniciativas voltadas para a infância com a fiscalização e a luta as práticas que
impõem a essa criança um tratamento inferior. Dessa forma constituiu - se um
marco na caminhada da Psicologia Jurídica, pois, de acordo com Altoé (2004), as
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inovações do ECA impulsionaram mudanças na prática profissional do psicólogo no


âmbito da Justiça, especialmente nas Varas de Família e nas Varas da Infância e
Juventude. Tais mudanças suscitaram ricos debates e posicionamentos dos
psicólogos que, questionando uma prática voltada prioritariamente para a
elaboração de psicodiagnóstico, buscaram então novas formas de atuação junto ao
Poder Judiciário.

Atualmente a Psicologia Jurídica abrange diversos setores , mas ao pensar


em seu início, a partir de medidas que pudessem permitir que crianças e
adolescentes pudessem ter acesso a condições mínimas de sobrevivência e
pensando nos dias atuais, muitas coisas mudaram, mas muitas outras ainda
precisam de atenção. As questões socio-econômicas que ainda envolvem as
possibilidades de uma criança ter acesso a alimentação, moradia, educação,
qualidade de vida, ou seja, o mínimo para ter uma vida digna, ainda assombram
nossas crianças.
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REFERÊNCIAS

CIFALI, A.C,;CHIES-SANTOS, M.; ALVAREZ, M.C.; Justiça Juvenial do


Brasil: continuidades e rupturas. Rempos Social, v.32, n. 3, p.197 – 228, set, 2020.
Disponível em:
< https://www.scielo.br/j/ts/a/8VCgZtkgsLBZz44gHXhHXKF/#>. Acesso em
29 de março de 2024.

LAGO, v de m. et al. Um breve histórico da psicologia jurídica no Brasil e


suas áreas de atuação. Estudos de Psicologia (Campinas)m, v. 4, pág. 483-491,
nov, 2009. Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/estpsi/a/NrH5sNNptd4mdxy6sS9yCMM/#>. Acesso
em 29 de março de 2024.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 21.ed. Rio de Janeiro: Graal,


2005.

Psicologia Jurídica – Juizado de Menores e Estatuto da Criança e do


Adolescente: Contexto Histórico-social da infância no Brasil. Disponível em:
<https: //www.epublicacoes.uerj.br/mnemosine/article/view41308/pdf_93>.
Acesso em 24 de março de 2024.

SciELO - Brasil - Estatuto da Criança e Adolescente e Estatuto da Juventude:


interfaces, complementariedade, desafios e diferenças Estatuto da Criança e
Adolescente e Estatuto da Juventude: interfaces, complementariedade, desafios e
diferenças. Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/rdp/a/KJQwwTJWTWgskWqmSRPDpwy/>. Acesso
em 24 de março de 2024.

ALTOÉ, S. Atualidade da Psicologia Jurídica (2004). Disponível em:


<http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/psicologia_juridica.pdf>. Acesso 24 de março
de 2024.

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