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Najla Gergi Krouchane

Psicóloga e Psicanalista

Neste breve texto são abordadas questões relativas a história da psicanálise


infantil, bem como os primeiros e principais psicanalistas que começaram a dar
formato ao atendimento com crianças.

As influências da psicanálise infantil surgiram com as ideias de Sigmund Freud,


a partir da construção de sua teoria, para construir uma clínica para pacientes
neuróticos, ele teve que investigar a vida infantil, já que são os traços
mnêmicos infantis são repetidos na vida adulta, ou seja, a repetição dos
conteúdos infantis substituídos em uma situação atual (Freud, 1900).

Freud (1920) utilizou-se de suas observações com crianças, como da


brincadeira de seu neto Ernest, em que ele empurrava o carretel, quando ele
empurrava ele dizia “O”, e quando o carretel voltava ele dizia “A”, sua genitora
traduziu essas letras nas palavras “FORT” e “DA”, que significam longe e perto.
Com essa observação percebeu que essa brincadeira era uma forma ativa de
Ernest elaborar a ausência de sua mãe de uma forma ativa, o carretel
substituía a mãe.

Outra grande influência de observação infantil de Freud (1909), no caso do


Pequeno Hans, em que ele orientava o pai de Hans que fazia a análise de seu
próprio filho, com esse caso ele percebeu que era possível a análise de
crianças. O caso Hans auxiliou na conceituação do complexo de Édipo e da
estrutura fóbica, bem como na existência do recalque, dentre outros conceitos
importantes.

Freud não atendeu crianças, mas deixou em sua construção teórica toda a
importância do infantil, principalmente no que tange a questão da sexualidade
na formação das neuroses, o que influenciou no surgimento da psicanálise com
crianças.

Segundo Costa (2010), a primeira analista a atender crianças foi Hermine Von
Hug Hellmuth, de Viena, na época de 1918, ela era professora primária, e
realizava análise com influência “pedagógicas”, em um sentido da criança
poder ou não fazer. Hermine utilizava jogos e desenhos para auxiliar as
crianças em suas elaborações, acreditava que crianças antes do Édipo não
eram analisáveis.

Hermine influenciou Anna Freud, foi sua mestra. Anna Freud, foi professora
primária no período de 1924, tinha uma postura analítica semelhante de sua
mestra, principalmente e no uso do desenho, e com uma atuação pedagógica,
em um lugar de alteridade, de saber e de contenção. Anna Freud trabalhava
com a transferência positiva, utilizava formas de tirar de cena a transferência
negativa. Para ela o complexo de Édipo se dava aos cinco anos e o Supereu
estava em fase de construção afirmava que em uma análise com crianças não
havia neurose de transferência como em análise de adultos (Costa, 2010).
Melanie Klein teve grande influência na psicanálise infantil pela escola inglesa,
segundo Costa (2010), Klein é autora dos conceitos de posição
esquizoparanóide e posição depressiva, bem como uma releitura do Édipo
clássico de Freud, em que para Klein o Édipo ocorria em uma fase mais
primitiva do bebê, com um Supereu primitivo e cruel formado nessa época,
aproximadamente até um ano e seis meses de idade e por isso era possível
analisar crianças pequenas, interpretava as transferência positivas e negativas.
A anamnese era com os pais e posteriormente os atendimentos com a criança,
não dava ênfase ao atendimento aos pais, pois para ela a transferência não era
com os pais reais e sim com os pais fantasiados, afirmava também que a
criança fantasia a sua doença. Klein acreditava na participação ativa das
crianças e usava brinquedos estruturados dos mais diversos tipos, e não
utilizava de uma postura pedagógica e sim para livre expressão das pulsões.

Um autor de grande relevância é Donald Winnicott, o qual foi supervisionando


de Klein. Winnicott era pediatra e observava bebês, fez a observação da
experiência da espátula, em um primeiro momento se oferece a espátula e o
bebê estende a mão, posteriormente ele quer a espátula e por fim pega a
espátula e joga no chão, está ultima fase tem referência a observação de Freud
relativo ao FORT-DA. Neste aspecto a espátula como um objeto transicional,
em que faz a mediação entre a mãe e o mundo. A conceptualização de mãe
suficientemente boa, ou seja, a maternagem deve ser suficiente e não
completa, este conceito é um primado de sua obra, assim como outros
conceitos importantes, tais como a fase de dependência absoluta, dependência
relativa e rumo a independência (Costa, 2010).

Segundo Costa (2010), uma grande autora dos primórdios da psicanálise


infantil, é Françoise Dolto, psicanalista da escola Francesa, que obteve
influência de Jacques Lacan. Para Dolto o sintoma da criança é sintoma da
estrutura familiar, fazia entrevistas iniciais com os pais e eles tinham
importância no tratamento. Suas interpretações eram sempre em forma de
perguntas, sem afirmações, não utilizava métodos pedagógicos ou educativos.
Utilizava jogos, brinquedos, modelagem, ou seja, materiais não estruturados e
principalmente o trabalho com a fala da criança, realçando a importância de
colocar atos em palavras, e no sentido de eliminar os “não ditos”, que são
possíveis causadores de sintomas. Para Dolto o Édipo se dava com cinco anos
e tinha que se produzir com os pais e não com o analista, o analista como
auxilio na travessia edípica.

A clínica com crianças é marcada pelo uso lúdico como forma de tratamento,
Freud é o primeiro a falar sobre a importância do brincar, e que é estruturante
no decorrer do desenvolvimento psíquico do infante, é a sua linguagem como
se expressa e lida com suas emoções. São momentos em que ela pode criar e
imaginar, e isso é possível havendo espaços em que possa brincar de forma
que sua verdade seja respeitada. Freud afirma em relação ao brincar:

Não deveríamos buscar já na infância os primeiros traços de atividade criativa? A ocupação


mais querida e mais intensa da criança é a brincadeira. Talvez, possamos dizer que toda
criança, ao brincar, constrói para si um mundo próprio, ou, mais exatamente, arranja as coisas
de seu mundo numa ordem nova, do seu agrado. Seria errado, portanto, pensar que ela não
toma a sério esse mundo; pelo contrário, ela toma sua brincadeira, muito a sério, nela gasta
montantes de afetos (FREUD, 1908, p. 326-327).

Freud (1908) afirma que brincadeiras infantis são guiadas pelos seus desejos,
mais precisamente por um desejo específico, que é de grande ajuda na sua
educação: o de ser grande e adulto.

Os analistas têm em comum o uso de brincadeiras, do lúdico, dentre outros,


mas pela influência de Lacan (1964) que afirma que o Inconsciente é
estruturado por uma linguagem, ou seja, a palavra dá sentido a “coisa”, a coisa
é o que promove o sintoma, Dolto, traz uma questão diferencial, que é incluir a
fala no processo, ou seja, dando importância ao que a criança fala, e falar a
criança (Costa, 2010).

Para Costa (2010) no atendimento infantil, por uma perspectiva Lacaniana, o


analista é lugar de suposto saber, lugar de objeto a, nesse aspecto só há lugar
para um sujeito, nesse caso a criança. O sintoma da criança tem relação com a
subjetividade da mãe, pai, casal parental, ou quem faz essas funções, porém o
sintoma na criança é de uma perceptiva de como a criança percebe, que lugar
ela acredita estar sendo convocada. Faz-se necessário entender qual o lugar
da criança na dinâmica familiar, qual o lugar de desejo que captura a criança.
Costa (2010) ressalta a necessidade de haver transferência não só com a
criança, mas é imprescindível a transferência com os pais, o analista precisa
estar no lugar de suposto saber para os pais também, portanto o analista não
deve estar no lugar de alteridade ou compreensão e sim de suposto saber.

Portanto, a psicanálise com crianças, como a de adulto sofreram


transformações, bem como diferentes vertentes de atuação analítica como se
pode ver pela diferença de manejo pelas escolas. É indispensável constatar da
importância de se estudar a infância para a psicanálise, no que tange ao
constructo teórico, bem como essencial na análise de adultos. Há possibilidade
de evitar questões patológicas na vida adulta se analisar o sujeito quando
criança, mas é um fato que só fica visível a posteriori. A clínica de crianças é
delicada no aspecto de ser um público que está em formação da estrutura
psíquica e que no percurso de sua análise sofre influências de terceiros como
pais, escola, médicos, entre outros.

REFERÊNCIAS

1) COSTA, T. Psicanálise com crianças/ Terezinha Costa, – 3.ed. Rio de


Janeiro: Zahar, 2010.

2) FREUD., S. (1900). A interpretação dos sonhos. Obras completas / tradução


e notas Paulo Cesar de Souza – São Paulo: Companhia das Letras, Vol. 4,
2019.
3) FREUD., S. (1920). Além do princípio do prazer. Obras completas / tradução
e notas Paulo Cesar de Souza – São Paulo: Companhia das Letras, Vol. 14,
2010.

4) FREUD., S. (1909). Análise da fobia de um garoto de cinco anos [O pequeno


Hans]. Obras completas / tradução e notas Paulo Cesar de Souza – São Paulo:
Companhia das Letras, Vol. 8, 2015.

5) FREUD., S. (1908). O escritor e a fantasia. Obras completas / tradução e


notas Paulo Cesar de Souza – São Paulo: Companhia das Letras, Vol. 8, 2015.

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