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44.

o Encontro Anual da ANPOCS 2020

GT47 - Violência, punição e controle social: perspectivas de pesquisa


e de análise

Controle social e punição de “menores” nos anos 1950: percepções,


práticas e instituições

Alessandra Teixeira
Professora Adjunta da Universidade Federal do ABC (UFABC)

Fernando Salla
Pesquisador do NEV-USP

Vítor Furlan Jorge


Mestrando em História Social (USP)

Novembro de 2020
Controle social e punição de “menores” nos anos 1950:
percepções, práticas e instituições1

Alessandra Teixeira (Professora Adjunta da Universidade Federal do


ABC /UFABC)

Fernando Salla (Pesquisador do NEV-USP)

Vítor Furlan Jorge (Mestrando em História Social/USP)

Introdução
Este paper pretende discutir aspectos relativos à gestão da “menoridade” na
cidade de São Paulo, entre os anos 1930-1950, com especial destaque às transformações
econômicas e sociais ocorridas na década de 50 e seu impacto nos modos de controlar,
gerir e punir a infância e adolescência pobre e infratora. O período assinala a
emergência de processos sociais como o avanço da industrialização, a aceleração da
urbanização, a intensificação dos fluxos migratórios e transformações no mundo urbano
com efeitos sobre as economias ilegais e sobre as formas de inserção de crianças e
adolescentes nessas economias. O trabalho investiga o significado e o impacto da
criação de novos aparatos de controle e repressão da menoridade como o RPM
(Recolhimento Provisório de Menores) e o COF (Centro de Observação Feminina) para
a gestão da infância e adolescência pobre, buscando identificar como se operou a
aparente sobreposição da lógica tutelar pela repressiva nos discursos que orientam essas
novas instituições e em suas práticas de contenção, isolamento e violência institucional.
Buscamos sustentar a hipótese de que esse deslocamento de uma lógica tutelar
para uma repressiva derivou do mencionado avanço da industrialização e urbanização,
sobretudo nos anos 1950, mas também do colapso dos arranjos institucionais até então
existentes para o governo dos menores órfãos, abandonados e infratores sob a égide do
Serviço Social dos Menores em São Paulo (SSM).

144º Encontro Anual da ANPOCS, GT47 - Violência, punição e controle social: perspectivas de
pesquisa e de análise.

1
O trabalho2 foi desenvolvido a partir da investigação de documentos
produzidos pelas instituições que tutelavam crianças e adolescentes entre as décadas de
1930 e 1950. A principal fonte utilizada são os prontuários de entrada de menores
(crianças e adolescentes de ambos os sexos) no Serviço Social dos Menores (SSM) do
Estado de São Paulo3, instituição responsável pela gestão das crianças e jovens pobres,
na condição de abandonadas ou infratoras, desde meados da década de 1930. A
pesquisa junto aos prontuários permitiu acessar elementos da trajetória dos menores,
além de reconhecer a atuação das instituições voltadas a custodiá-los e geri-los à época,
bem como entender as diferenças das ações institucionais voltadas aos internos, sob a
perspectiva da diferenciação de gênero. Como fontes subsidiárias, foram pesquisadas
notícias e matérias na imprensa da época e relatórios de atas de seminários realizados
pelo SSM.
Apresentaremos, inicialmente, como estava organizada, em São Paulo, a
gestão da menoridade desde os anos 1930 buscando explicitar os arranjos institucionais
que nela vigoravam bem como apresentar no interior mesmo das dinâmicas
institucionais os diversos sinais de sua falência que redundaram na imposição de
condições severas de vida para os e as menores que eram “atendidos” (as) pelo Serviço
Social dos Menores nos seus estabelecimentos. Tendo como pano de fundo, as
transformações econômicas e sociais que se desenrolaram no pós-guerra, com destaque
para a década de 1950, buscaremos discutir os novos rumos que foram tomados no trato
dos abandonados (trabalho social mais próximo da família em substituição às
internações) e em relação aos infratores como se ampliaram os mecanismos repressivos
e de controle expressos na organização do Recolhimento Provisório de Menores
(RPM). Trata-se, portanto, de compreender como as transformações mais gerais
ocorridas no período, juntamente com as disputas veladas entre o judiciário e executivo
em torno da gestão da menoridade, acabaram por provocar um importante
deslocamento nas práticas tutelares e assistenciais, até então predominantes, e
principalmente nas estratégias mais repressivas e de controle sobre os menores,
sobretudo aqueles (as) os infratores (as), categoria heterogênea para a qual concorriam

2
O paper apresenta alguns resultados do projeto De menores abandonadAs a adolescentes
infratorAs: gênero, controle e punição, sob a coordenação da professora Alessandra Teixeira e conta
com recursos do CNPq (Edital Universal Chamada 2018).
3 Os prontuários do SSM estão sob responsabilidade da Fundação CASA do Estado de São Paulo e a
consulta é feita por intermédio do CPDoc dessa instituição. A pedido da Fundação CASA, e por razões
éticas, os nomes das crianças e adolescentes estudados nesses prontuários serão omitidos no trabalho.

2
desde “punguistas”, “ladrões” e eventualmente homicidas, até a ampla gama de sujeitos
classificados como “vadios” e desordeiros”, em correspondência às dinâmicas de
gestão dos ilegalismos efetuado em relação aos adultos.

O Serviço Social dos Menores


Depois da constituição do Juízo de Menores em São Paulo em 1924 4 e da
entrada em vigor do Código de Menores de 1927, a intervenção estatal mais expressiva
na gestão da menoridade, no estado, se deu através da criação do Serviço Social de
Assistência e Proteção aos Menores, ou simplesmente Serviço Social dos Menores
(SSM), criado em 1935, no âmbito do Departamento de Assistência Social do Estado
(DAS). Até a década de 1920, menores, órfãos e abandonados ficavam no circuito das
instituições religiosas como creches, orfanatos e asilos. Desde 1902, com a criação do
Instituto Disciplinar, o estado passou a ter uma intervenção direta no recolhimento de
menores infratores, mas também daqueles considerados abandonados, órfãos e
mendigos. No entanto, o Instituto estava localizado na cidade de São Paulo e sua
capacidade era limitada em relação às demandas de juízes para internação. Além disso
não havia instituições públicas para o recolhimento de adolescentes infratoras. Sem
outras instituições semelhantes pelo interior, os menores infratores do sexo masculino
eram mantidos nas cadeias públicas. Ainda na década de 1920, dois estabelecimentos
públicos destinados a menores entraram em funcionamento: Instituto Disciplinar de
Mogi-Mirim (em 1924) e o Instituto Correcional de Taubaté.
O Instituto Correcional de Taubaté, embora tenha sido construído originalmente
para menores, foi destinado para adultos, em 19155, principalmente condenados pelos
artigos 399 e 400 do Código Penal de 1890, e havia sido transferido da Ilha dos Porcos
(Ilha Anchieta)6. Passou a receber também menores infratores, maiores de 18 e menores
de 21 anos, no início dos anos 1920. Por certo essa medida foi para responder às
pressões para abrigar os menores infratores, que se encontravam nas delegacias e

4
Lei n. 2.059, de 31 de dezembro de 1924 e a sua regulamentação pelo Decreto n. 3828, de 28 de março
de 1925.
5
Embora já estivesse pronto em 1914, foi inaugurado efetivamente em 19 de dezembro de 1915 (ver
jornal A Gazeta, de 20 de dezembro de 1915, p. 3).
6
O governo por meio da lei n. 2347, de 31 de dezembro de 1928 estava autorizado a transferir de volta
para a Ilha dos Porcos o Instituto Correcional de Taubaté, mas novamente com o nome de Colônia
Correcional.

3
cadeias e que não tinham vaga no Instituto Disciplinar de São Paulo. Nas Mensagens
dos presidentes do estado ao Congresso legislativo desde o início dos anos 1920, se
menciona a presença de menores ao lado de adultos no Instituto Correcional de Taubaté.
No Relatório do Presidente do Estado de São Paulo de 1921 (com dados relativos ao
ano de 1920) se menciona que no Instituto Correcional de Taubaté havia, em 31 de
dezembro do ano 1920, 97 internos dos quais 30 menores. No ano de 1923, a
informação era de 64 detentos dos quais 14 menores (RPESP, 1923, p. 130). Na
Mensagem do Presidente do Estado à Assembleia Legislativa do ano 1926 se menciona
que havia três institutos disciplinares abrigando menores no estado: o Instituto
Disciplinar da Capital, com 200; o de Mogi Mirim, com 87; e o Instituto Correcional
de Taubaté com 147 (MPSP, 1926, p. 23).
Em 1934 com o Decreto n. 6.439, de 15 de maio de 1934 o Instituto Correcional
de Taubaté foi transformado em Instituto Disciplinar e Escola Profissional Primária
Agrícola e Industrial (por vezes aparece simplesmente como Reformatório
Profissional).
Assim, quando ocorreram as primeiras grandes reformas na gestão da
menoridade em São Paulo, em 1934 e 19357, os institutos públicos para a internação de
menores eram praticamente os mesmos que estavam sendo utilizados na década anterior
(ou seja, o Instituto Disciplinar da Capital, o de Mogi e o de Taubaté). A mesma lei que
havia criado, em 1902, o Instituto Disciplinar da Capital para os menores também havia
criado a Colônia Correcional para adultos (que começou a funcionar em 1907 na Ilha
dos Porcos). O alvo principal no caso dos adultos eram os vadios, vagabundos. No caso
dos menores, além de confinar vadios, infratores, o ID previa o recolhimento de
menores abandonados, órfãos, mendigos. A lei de 1902 que criou ambos
estabelecimentos os subordinava diretamente ao Chefe de Polícia que respondia ao
secretário de Justiça e Segurança Pública. Portanto, o elemento de controle e repressão
à vadiagem e à infração se sobrepunha às preocupações com a assistência aos
abandonados e órfãos.
Em 1935, claramente se fazia um deslocamento burocrático-administrativo com
lei n. 2.497, que organizou o Departamento de Assistência Social do Estado que tinha
como um de seus principais setores o Serviço Social de Assistência e Proteção aos
Menores. O Departamento estava vinculado ainda à Secretaria de Justiça, mas a gestão

7
Ver Decreto n. 6476 de 2 de junho de 1934 e a Lei n. 2497, de 24 de dezembro de 1935.

4
da menoridade ganhava complexidade com nova estrutura e uma ingerência menor dos
aparatos policial e repressivo.
Em 1938, com a nova reforma do Serviço Social dos Menores, o artigo 23 do
decreto n. 9.744 mencionava a existência dos seguintes institutos para internação dos
menores (sem qualquer referência às crianças e adolescentes do sexo feminino): “a) -
Instituto Modêlo de Menores, na Capital; b) - Instituto de Menores de Mogi-Mirim;
c) - Instituto de Menores de Taubaté; d) - Instituto de Menores de Campinas; e) -
Instituto de Menores de Monção”. Ambos, Campinas e Monção, não estavam ainda em
operação e só planejados por este decreto (Freitas, 1951, p. 14). Não havia até então
um estabelecimento exclusivo para o acolhimento das meninas, ocupando elas
dependências de alguns dos institutos mencionados.

O colapso das instituições


Desde o início do século XX, houve um descompasso entre a capacidade de
internação de menores, abandonados ou infratores, nos institutos públicos e as
demandas de juízes, sobretudo do interior do Estado. Não obstante a proposta de
ampliação do número de institutos ao longo dos anos 1930, o colapso na gestão da
menoridade era cada vez mais evidente. Um dos diretores do Serviço Social dos
Menores, Edgar Shalders, em 1941 apontava que um dos maiores problemas que
enfrentava o SSM era a “superlotação do Abrigo e Triagem e dos Institutos
[Disciplinares]” (Shalders, 1941, p. 37). Para sustentar seu argumento apontou o fluxo
crescente de internações que certamente não teriam como solução apenas a construção
de novas vagas: em 1936 tinham sido 1054 os internados; em 1937, foram 1108; em
1938, 1208; em 1939, 1682; e em 1940 teve o expressivo aumento para 2417
internações. Segundo ele, “Dentre os menores internados, 80 a 90% o são por
abandono e dentre os abandonados a grande maioria por incapacidade econômica ou
indigência dos pais” (Shalders, 1941, p. 38). Havia uma estimativa de que seriam cerca
de 40 mil os menores abandonados no estado e, portanto, não existiria a menor condição
de se colocar essa população nos institutos. Sugere que a solução seria assistir os
menores no próprio lar. “Talvez a quantia gasta com um menor internado, bem
distribuída em auxílio indireto à família, fosse suficiente para manter vários menores
em sua própria casa, sem privá-los do carinho dos pais” (p. 3). A essa medida sugere
a criação de creches onde as crianças poderiam permanecer também no convívio direto

5
com os pais. Seriam formas de interditar o volumoso fluxo de menores que acabavam
tendo como destino os institutos disciplinares por conta da incapacidade econômica dos
pais em manter seus filhos.
A essas medidas que poderiam prevenir a internação, o diretor trata de possíveis
soluções para lidar com a superpopulação nos institutos disciplinares e no Serviço de
Abrigo e Triagem através do serviço de colocação de menores internados nas famílias,
por meio de três caminhos: a) sob tutela (caso em que os menores seriam entregues
definitivamente para casais que desejassem criá-los “como se fossem filhos”); b) sob
soldada (sugere menores com mais de 15 anos com conhecimentos de alguma
profissão); c) mediante uma ajuda mensal para a família que recebesse o menor. Ficava
evidente que uma das principais estratégias de gestão da menoridade desde o início do
século - a internação - dava sinais de colapso e impulsionava a adoção de novas
estratégias.
Segundo o noticiário publicado no Boletim do Serviço Social dos Menores
(1942, vol. 2, n.2, p. 89) o Serviço Social dos Menores apresentava a seguinte situação,
em 1941, nos seus institutos:
Instituto de Menores de Mogi-Mirim - 106 menores
Instituto Modelo da Capital - 583 internos
Instituto Modelo (seção feminina) - 166 internas
Serviço de Abrigo e Triagem - 1081 internos
Total de 1936 internos8
Menciona-se ainda que eram 1266 menores internados por intermédio da Liga
das Senhoras Católicas9. Estavam internados em hospitais 155 menores. E ainda
constavam internados em “outras instituições” 29 menores. O total, segundo esse
informe, de menores que estavam sob a responsabilidade do SSM era de 3.386.
Alguns anos depois, em 1945, Candido Motta Filho, no cargo de diretor do SSM
defendia também que a maior parte dos internos nos estabelecimentos disciplinares do
estado era constituída por abandonados, órfãos, enfim afetados pelas condições de vida
dos pais e que, portanto, a internação não era a melhor solução. Sustentava então que a

8
É de se notar que esses números se mantêm parecidos num informe do Boletim de 1945, volume V, p.
64, (dados relativos a 1944), destacando-se não haver menção ao ID de Campinas que estava previsto
em 1938.
9
A Liga das Senhoras Católicas tinha um convênio com o governo pelo qual encaminhava para creches
e orfanatos das ordens religiosas católicas os menores, em geral até 10 ou 12 anos, não infratores. Recebia
do governo uma quantia por menor que era mantido nessas instituições.

6
assistência deveria se concentrar no amparo às famílias. “Se o serviço social fosse,
desde logo, ao encontro desses pais socorrendo-os, se o serviço de vigilância estivesse
armado de elementos para impedir várias formas de desregramento infantil e conter
os males visíveis das ruas e das cidades - essas internações contraproducentes, não
teriam sido feitas” (Motta Filho, 1945, p 6)
Ao longo dos anos 1940 parece se acirrar uma cisão entre uma perspectiva mais
assistencial de contenção do abandono por meio de uma ação estatal de amparo às
famílias e outra que continuava a encarar a internação como o recurso mais viável para
evitar o desdobramento do abandono em delinquência. No âmbito do SSM são diversas
as manifestações do corpo dirigente, expressas no Boletim do Serviço Social dos
Menores quanto à necessidade de aperfeiçoar os serviços sociais junto às famílias, para
dar-lhes amparo frente à pobreza, à miséria e as consequências que daí derivavam em
termos de entrega de menores para a internação. Shalders (1946) sugeria que os
menores infratores ficassem a cargo exclusivamente do Juízo de Menores enquanto o
SSM dos abandonados. Havia a preocupação constante com a superlotação dos
institutos que já era considerada crônica. “Internações só se fariam dos menores
delinquentes e anormais de qualquer espécie” (Shalders, 1946, p. 15). Se os pais não
tivessem condições morais para a educação dos filhos estes poderiam ser encaminhados
para “lares adotivos” que receberiam ajuda para tanto.
Em outubro de 1947, Candido Motta Filho, diretor do SSM, foi substituído pelo
médico James Ferraz Alvim. O novo diretor traçou um panorama do SSM que de certo
modo comprovava que pouca coisa havia mudado na organização do SSM e de seus
estabelecimentos. A assistência do SSM se voltava para 4.054 menores distribuídos
entre os estabelecimentos públicos e particulares conveniados. Na capital havia o
Abrigo e Triagem, o Instituto Modelo, o Instituto do Aprendizado Doméstico. No
interior havia os institutos de Batatais e Iaras (antigo de Monção); no instituto de Mogi-
Mirim10 estavam as menores. Do total de menores assistidos pelo SSM (4054), 1266
estavam sob a responsabilidade da Liga das Senhoras em diversos estabelecimentos
particulares (Boletim do SSM, 1947, vol. VII, p. 54).

10
O Decreto-lei n. 17.394 (7 de julho de 1947) transformou o Instituto de Mogi que era destinado a
menores do sexo masculino em Instituto Feminino. Desde então estava sendo usado como local de
internação de meninas mas a inauguração oficial só viria a ocorrer em 3 de abril de 1948. Em 1950,
proposta do próprio diretor do SSM sugeria ao governo que a unidade que tinha cerca de 40 internas
voltasse a ser masculina, sendo as meninas transferidas para o “Lar Escola Feminino de Campinas”
(entidade que foi conveniada com o governo).

7
Um fenômeno que várias autoridades foram demonstrando ao longo do tempo,
já desde o final dos anos 1930 é com o trato dos abandonados por outras vias que não
a internação como já se apontou acima. Uma página desta estratégia foi a criação no
âmbito das comarcas dos serviços de colocação familiar. Em 1951, já estariam em
operação no estado em 97 das 134 comarcas. Os juízes dispunham de recursos
financeiros para fazer funcionar o serviço. E outro recurso também que previa a Lei n.
560, de 27 de dezembro de 1949, era de auxílio financeiro direto para as famílias em
dificuldade11. Os recursos ficavam na alçada dos juízes e não do SSM. Parece que se
distanciavam cada vez mais (ou se especializavam) as formas de tratamento dos
menores abandonados, ficando os infratores cada vez mais afeitos às intervenções
policiais e distanciando-se das práticas de reeducação e assistência, não obstante a
retórica.
Iniciativa na mesma direção foi dada pelo decreto n. 17.489 que previa a criação
em cada bairro de um posto de orientação social sediado no grupo escolar, organizado
pelo SSM e com a participação do corpo escolar (professores e direção além de pessoas
do bairro). Tinha por tarefa “prestar assistência moral e material às crianças do bairro
necessitadas e em perigo de abandono moral e material (art. 2o.). Claramente se tem
uma crescente participação de assistentes sociais na formulação de tais iniciativas que
de uma forma ou de outra reduziriam as internações em favor de ações diretas junto à
comunidade. Apesar de ambiciosa a proposta de constituição de postos em cada bairro,
praticamente nada havia sido feito até 1951, havia apenas um posto numa escola em
São Paulo inaugurado em novembro de 1948 (Cunha, 1951).
Mas não era apenas o colapso dos serviços voltados para os órfãos e
abandonados que foi se agravando desde meados dos anos 1930, uma vez que a
estrutura de serviços não ganhava impulsos importantes. A questão mais grave se
manifestava em relação aos infratores. Segundo várias autoridades, os infratores
ficavam no Abrigo Provisório.
O juiz de Menores da Capital de São Paulo, Ulisses Dória, traçou na primeira
Semana de Estudos do Problema do Menor12, realizada em 1948, um quadro da situação
que toca mais diretamente os infratores e o quanto ela estava difícil. No caso dos
abandonados, havia superlotação nos abrigos provisórios e o juiz tomou como medidas:

11
Ver Sampaio, 1951, p. 24.
12
Sobre as Semanas de Estudos sobre o Problema de Menores, realizadas em São Paulo, entre 1948 e
1951, ver também Morelli (2018)

8
internar cada vez menos; desinternar cada vez mais; autorizar o trabalho dos menores;
franquear as “diversões sadias”. A convicção era de que a prolongada internação só
dificultava a reeducação. Os abandonados de 7 a 14 anos estavam internados no
Instituto Modelo da Capital, no Instituto de Batatais, no Educandário Dom Duarte. Mas
os infratores estavam sendo internados no Abrigo Provisório, onde estavam também
muitos menores abandonados aguardando destino. Na Capital não havia nenhum outro
estabelecimento para os infratores. Segundo o juiz Dória, muitos menores infratores
estavam na Casa de Detenção e cadeias do interior em contato com adultos e eram
mandados para o Abrigo onde ocorria um grande número de fugas. “O Juízo de
Menores da Capital se vê, portanto, na contingência de recolher muitos desses menores
ao Abrigo ou à Chácara Cruzeiro do Sul, remetendo-os, por fim, à Ilha Anchieta onde
se situa o Educandário Anchieta. Tanto na Chácara Cruzeiro do Sul como na Ilha
Anchieta ficam os menores em completa promiscuidade com delinquentes adultos”
(Doria, 1952, p.82). Sugeria deixar a Chácara Cruzeiro do Sul apenas para os menores
mandando os adultos para a Ilha Anchieta e retirar os menores da Ilha para serem
transferidos para a Chácara. Ou ainda transformar em reformatório para menores
alguma escola prática de agricultura. Em julho de 1948, havia na Ilha Anchieta 35
menores que, segundo o major que a dirigia, causavam grande transtorno à disciplina
do estabelecimento por não haver dependências próprias para esses menores (Dória,
1952, p. 83).
Mas a gravidade da ausência de um lugar próprio para os infratores em São
Paulo e já a sua manutenção em presídios de adultos foi explicitada pelo diretor da Casa
de Detenção de São Paulo, Capitão Osvaldo Piedade Trindade, durante a III Semana de
Estudos do Problema do Menor, em 1950, organizada pelo Tribunal de Justiça de São
Paulo. Na Casa de Detenção, que tinha uma população encarcerada três vezes acima de
sua capacidade, estavam presos menores do sexo masculino e feminino, todos entre 18
e 21 anos. Algumas moças estavam inclusive com seus filhos. Segundo o diretor, “são
centenas os menores que passam pelo Presídio durante o ano. Dessas centenas, alguns
são absolvidos, recuperando a liberdade; alguns partem para o Presídio da Ilha
Anchieta a fim de cumprir as medidas de segurança que lhes pesam (no momento, lá
se encontram 25 desses menores); alguns são removidos para a Penitenciária, a fim de
cumprir as penas a que foram condenados e a maioria, talvez, permanece na Casa de
Detenção aguardando julgamento ou já condenados. O grupo de delinquentes menores
que permanece agora na Casa de Detenção de São Paulo é de 79 indivíduos, sendo 68

9
do sexo masculino e 11 do sexo feminino” (Trindade, 1952, p. 461). O grupo feminino
estava “misturado com as delinquentes maiores”. Estavam com as mães menores 7
crianças menores de 2 anos. Embora os menores do sexo masculino estivessem
segregados em cinco xadrezes o diretor reconhecia que era inevitável o contato e
inconveniente essa convivência. Reconhecia que não haveria alternativa senão a
remoção desses menores para um “local apropriado”. E recomendava que se criasse um
berçário para as crianças junto ao presídio.

O RPM no meio das disputas institucionais


Esse quadro bastante grave de manutenção de menores em prisões de adultos
entrava também em disputas que foram se estabelecendo ao longo dos anos entre o
juizado de Menores e o Executivo, representado pelo SSM e a Secretaria de Justiça. Na
avaliação de um diretor do SSM, em 1951, o Decreto 9.744, de 1938 que havia feito
importantes progressos em termos de oferecer um serviço social abrangente e mais
próximo das comunidades, acabou por não ter muitas de suas disposições cumpridas
(Freitas, 1951).
Na verdade, pode-se dizer que havia um conflito que foi se tornando cada vez
mais explícito entre o Executivo e o Judiciário na disputa pelos recursos, pelas esferas
de competência e pelo controle da gestão dos problemas. O desembargador e presidente
do TJSP, Mário Guimarães, em relatório de 1947 sustentava que o problema dos
menores era grave e que todas as soluções até então buscadas “se processam à revelia
da Magistratura. E por isso têm falhado”. Segundo ele o juizado estava desprovido dos
recursos necessários para dar cumprimento às suas tarefas. E ainda, “O erro dos
governos tem sido supor que o juizado de Menores é um departamento do Executivo,
esquecida a sua função judiciária. Daí a deficiência do nosso sistema de correição
para menores delinquentes. No interior, tudo está por fazer” (Anais da Semana de
Estudos do Problema do Menor 1952, p. 192).
A lei de 1935 que criou o DAS e o SSM trazia o juiz com as competências
judiciais, os comissários com funções policiais e o SSM com as tarefas correcionais. O
que parece ter ocorrido posteriormente foi o deslocamento das funções dos comissários
cada vez mais para a polícia. Lembrando que os comissários, pela lei eram diretamente
subordinados ao juiz. Com a lei n. 9.744, de 1938, teria havido um “retrocesso” em
relação ao trabalho dos comissários, pois com ela passaram a se subordinar à diretoria

10
de Vigilância que pertencia à Diretoria do SSM, o que teria burocratizado as tarefas e
dificultado o desempenho de suas funções que antes eram exercidas diretamente junto
aos juízes. Passou a haver toda uma limitação de recursos mínimos para o desempenho
das funções (carros, bilhetes de ônibus etc.). O Comissariado que estava antes ligado à
diretoria de Vigilância do SSM passou para alçada do juiz de menores, com a Lei n.
106, de 1948.
Uma Delegacia Especializada de Menores havia sido criada pelo Decreto n.
14.854, de 10 de julho de 1945, e depois foi extinta pelo decreto-lei n. 17.391, de 4 de
julho de 1947. Isso já pode ter indicado a crescente percepção de um tratamento
repressivo para os menores.
Porém o golpe que mais esvaziou o trabalho dos comissários e definitivamente
colocou a polícia à frente dos procedimentos foi o decreto-lei federal n. 6.026, de 1943,
pois se antes os comissários tinham as atribuições de assistente social, de produção de
provas, de verificação da situação dos menores e família (tarefas que também poderiam
para algumas circunstâncias ser exercidas por funcionários como assistentes sociais,
comissários voluntários), à polícia caberia apresentar ao juiz o menor de 14 a 18 anos
que cometesse infração, a ela ainda caberia iniciar as investigações, arrolamento de
testemunhas. “O decreto-lei de 1943 (...) desconhece o oficial de prova, o assistente
social, o delegado de assistência ou o comissário gratuito. Conhece a polícia. À polícia
confia o menor. É a polícia que apreende o menor. É a polícia que apresenta o menor
ao juiz. É a polícia que pesquisa os antecedentes do menor e a situação moral, social
e econômica de seus pais, tutores ou responsáveis” (Melo, 1948, p. 27)
O Decreto 6.026 de 1943 representou, na verdade, uma inflexão importante no
modo de tratar a menoridade, ao se reapropriar do instituto da “periculosidade
presumida” previsto no Código Penal de 1940, estreitando as fronteiras que antes
separavam mais nitidamente a menoridade abandonada da delinquência (Teixeira e
Matsuda, 2017, p. 11) Por tal decreto, previa-se que os jovens infratores (sobretudo
vadios e reincidentes), diante de sua condição de pobreza e abandono, recebessem igual
tratamento conferido a adultos de “periculosidade social”, ou seja, fosse aplicada a
medida de segurança a ser cumprida nos mesmos estabelecimentos correcionais e
prisionais. Tal decreto explicita assim o deslocamento no tratamento da infância pobre
(menoridade), de um caráter tutelar para um acento policial e repressivo.
É muito provável que o RPM, quando de sua criação, em 1954 (lei n. 2.705),
resultasse assim não só do colapso dos serviços de assistência aos menores, de uma

11
forma geral, mas expressasse também a percepção dos juízes de que o SSM não
conduzia mais a contento as suas instituições, daí o RPM ter sido criado na alçada do
Juizado: “Artigo 1.º - Fica criado, nesta Capital, o Recolhimento Provisório de
Menores, diretamente subordinado o Juizado de Menores da Capital”. A criação do
RPM, ou ao menos sua concepção, também podem ser expressão da resistência do
Juizado em assentir o tratamento da menoridade, dita infratora, nos mesmos termos
policiais da criminalidade adulta.

Crianças e adolescentes do sexo feminino


Em 1950, era seguinte a situação do SSM13. No Serviço de Abrigo e Triagem,
o número de menores que era de 800 passou para 460. O “Aprendizado Doméstico”
estava localizado numa casa no largo da Penha e recebia meninas até 12 anos que
“recebiam ensinamentos domésticos”. O Instituto Modelo Feminino na Capital estava
funcionando numa casa alugada na avenida Ibirapuera (bairro de Moema), tinha 70
menores que recebiam ensino primário, ensinamentos de trabalhos manuais, prendas
domésticas, de arte culinária. A seção de soldadas havia colocado 433 meninas em
casas de família para trabalhos domésticos e disposto de 3 meninos em destino não
identificado, posto que não havia a prática de enviá-los para esse tipo de atividade.
Todas as meninas do Instituto Feminino de Mogi-Mirim haviam sido transferidas para
o Lar Escola Feminino de Campinas. E o Instituto de Mogi-Mirim voltava a ter uso
para menores do sexo masculino. Para lá já teriam sido transferidos alguns dos 54
menores que estavam na Ilha Anchieta, o que explica principalmente o
redirecionamento do Instituto de Mogi-Mirim para cuidar da questão dos infratores. O
Instituto Modelo da Capital estava sendo transformado em “lares” para abrigar
pequenos grupos. Girava em torno de 500 os menores.
Em 1951 a situação do SSM era a seguinte, segundo Freitas (1951). Todas as
unidades do Serviço de Abrigo e Triagem estavam superlotadas. Eram as seguintes:
Casa da Criança para menores de 0 a 5 anos (100 vagas); Pavilhão 2 para menores de
6 a 10 anos (120 vagas); Pavilhão 3 para menores de 11 a 14 anos (140 vagas) e
Pavilhão Central para menores de 15 a 18 anos (130 vagas). “Não havia uma Seção
Feminina de Triagem. As menores ao serem internadas eram logo distribuídas pelo
Instituto de Aprendizado Doméstico e o I. M. Feminino [Instituto Modelo]” (Freitas,

13
Boletim do Serviço Social de Menores vol IX, 1950.

12
1951, p. 15). No SAT (Serviço de Abrigo e Triagem) permaneciam por muito mais
tempo que o desejável os menores e nas palavras do diretor do SSM não estava
equipado para o trabalho de reeducação, e não passava de “verdadeiro depósito onde a
inatividade de normais e retardados, infelizes e infratores, vadios e pervertidos, em
promiscuidade gera(va) ambiente propício para a disseminação dos vícios” (Freitas,
1951, p. 16), o que reforça o sentido da gestão da menoridade pobre, nesse momento,
como uma massa cujo o único identificador comum era mesmo a pobreza e o abandono.
Em 1951, os Institutos que abrigavam meninas eram os seguintes: Instituto
Modelo Feminino (na Capital), Instituto de Aprendizado Doméstico, Seção Feminina
de Batatais e Lar Feminino de Campinas. O Instituto Modelo Feminino, “apesar do
nome pomposo” nas palavras do diretor do SSM (Freitas, 1951, p. 16) estava instalado
num prédio improvisado (antigo almoxarifado e antiga instalação do SAT) onde se
amontoavam cerca de 90 menores sem atividades. O Lar de Campinas apresentava
situação muito semelhante ao Instituto da Capital, com instalações improvisadas onde
em geral se encontravam 85 menores. O Instituto de Aprendizado Doméstico estava
também instalado numa residência improvisada onde estavam abrigadas cerca de 40
menores, de 6 a 12 anos. E a Seção de Batatais que era voltada para o aprendizado rural,
com 120 menores que apresentava as melhores condições (Freitas, 1951, p. 16).
A se tomar como amparada em dados confiáveis, no encerramento da IV
Semana de Estudos do Problema do Menor, em julho de 1951, a professora Ester de
Figueiredo Ferraz apresentou um indicador potente de como os serviços sociais
existentes não alcançavam muitas meninas, permitindo que elas circulassem nos
circuitos diversos das infrações e da prostituição. Segundo ela, “entre as prostitutas
fichadas nas chamadas Delegacias de Costumes, cinquenta por cento são menores
entre 18 e 21 anos” (Correio Paulistano, de 28 de julho de 1951, p. 5).
Entre as transformações que ocorreram no SSM entre as décadas de 1940 e
1950, chama atenção o aumento dos casos de meninas que eram internadas em clínicas
psiquiátricas14. Os prontuários apontam que as menores maiores de treze anos, que não
se adaptavam aos regimes disciplinares impostos pelo SSM e que apresentavam

14
Durante o período estudado, a partir da análise dos prontuários do SSM, percebe-se que tanto as
sentenças judiciais quanto as ações institucionais voltadas aos menores sofriam uma distinção de gênero.
Muitos dos meninos eram julgados sob a égide da periculosidade com base decreto-lei de 1943, enquanto
esse decreto aparecia em casos excepcionais em relação às meninas. Em contrapartida, muitas meninas
eram submetidas a tratamentos psiquiátricos e apenas em raras exceções meninos eram enviados para
tais instituições.

13
“grande desvio moral” ou “alto nível de perversão”, estavam mais sujeitas a esse tipo
de tratamento. As justificativas para tais internações recorriam textualmente as
categorias de ordem moral e disciplinar, como “menina completamente rebelde aos
princípios morais e sociais”, “comportamento anormal”15, ou mesmo “levar vida
fácil”, recorrendo explicitamente à norma psiquiátrica, de maneira generificada, para
impor às meninas intervenções sobre o corpo e a mente mais drásticas e permanentes
do que o aprisionamento.
O SSM não contava com nenhum instituto psiquiátrico voltado para os
menores, portanto nos casos em que eram necessárias internações em clínicas
psiquiátricas, a diretoria do SSM recorria ao Departamento de Assistência a Psicopatas
(DAP). A internação de menores nos institutos do DAP só ocorria após aprovação do
juiz de menores e cabia ao diretor do SSM a apresentação dos seguintes documentos:
“a) Um ofício do M. Juiz ao snr. Diretor do Departamento de Assistência a Psicopatas,
autorizando a internação em pavilhão de adultos; b) Dois atestados-médicos,
devidamente estampilhados e com firmas reconhecidas; c) Uma guia de qualificação
passada pelo Delegado de Polícia”16.
A principal instituição administrada pelo DAP era o Hospital Central de Franco
da Rocha (ou Hospital do Juquerí) mas também contava com o Hospital Psiquiátrico
das Perdizes e o Hospital Psiquiátrico Pinel17. No início da década de 1950, o Lar Escola
Feminino de Campinas passa a receber alguns dos casos em que o tratamento
psiquiátrico é indicado, realizando tratamento em conjunto com a Casa de Saúde
Bierrenbach.
Os tratamentos realizados pelos hospitais psiquiátricos variavam e era pouco
comum que fossem registrados nos prontuários. Entre os documentos analisados,
consta, por exemplo, a prescrição de ácido glutâmico, tratamento por eletrochoques e
leucotomia cerebral.
Ao mesmo tempo, às meninas tidas como infratoras – ainda que essa categoria
fosse porosa a ponto de incluir abandonadas pobres, “vadias”, prostitutas e
eventualmente também aquelas que cometessem crimes como furto ou homicídio –
também permaneciam no SSM, e, depois de 1954, na seção feminina do RPM. Em
1959, o juiz de Menores, por meio de portaria (n. 1087) transformava a Seção Feminina

15
O prontuário não esclarece qual teria sido o comportamento.
16
PT. 18992, pp. 49.
17
Essas foram as instituições citadas nos prontuários do SSM.

14
do Recolhimento Provisório de Menores (oriunda da lei n. 2705, de 1954) em Centro
de Observação Feminino (COF).

Observações finais
A população do estado de São Paulo, que era de cerca de 2,2 milhões de
habitantes em 1900, em 1930 atingia 7,1 milhões de habitantes e, em 1960, 12,9
milhões. Nos anos 1950 o processo de industrialização se acelera e fica concentrado na
região da Capital. A capital do estado, em 1900, tinha cerca de 240 mil habitantes e vai
alcançar números impressionantes em 1940 (1,3 milhões) e em 1960 (3,8 milhões de
habitantes). O processo de urbanização impactava diretamente as formas de vida. No
que diz respeito aos menores os recursos mobilizados para lidar com a questão do
abandono, da vulnerabilidade familiar, da pobreza, da infração (do SSM, do Juizado
etc.) estavam em completo descompasso com esse novo contexto urbano que vivia o
Brasil depois da Segunda Guerra Mundial.
É nesse contexto de transformações urbanas e demográficas, nos anos 1950, que
se perfaz um novo momento na gestão da menoridade traduzido, de um lado pela
criação de instituições como RPM e do COF, e de outro pelas transformações no mundo
urbano e nas economias criminais, levando a menoridade a ingressar nos desígnios
repressivos das políticas de segurança pública, esvaindo-se a dimensão tutelar que ainda
a acompanhava. Ao lado desses novos lócus institucionais, a gestão diferencial da lei
pelos aparatos policiais sobre a menoridade contribuiu para a emergência de tipos
sociais como o pivete, o trombadinha, o menor de rua, sobre os quais recaíram violentas
formas de repressão e violência difusa (linchamentos, execuções etc). Em relação às
meninas, novas formas de intervenção biopolítica renovaram iniquidades e
discriminações de gênero, como as neuropsicocirurgias e as internações em
manicômios, aliadas às formas precárias de inserção dessas meninas na economia da
prostituição, sujeitando-as à violência desses circuitos urbanos.

Referências
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do discurso jurídico e institucional da assistência e proteção aos menores. São
Paulo. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras, Universidade de São Paulo, 1989.

15
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adolescentes internados em instituições do Serviço Social de Menores de São Paulo,
1938-1960. São Paulo: Cortez, 2004.
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