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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL


Programa de Pós-Graduação em Política Social e Serviço Social

DISCIPLINA: SISTEMAS DE PROTEÇÃO SOCIAL


PROFESSORAS: Dolores Sanches Wünsch e Jussara Maria Rosa Mendes
DISCENTE: Anaquel Pereira

SUJEITOS DE DIREITOS: BREVE PANORAMA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO


BRASIL VOLTADAS À INFÂNCIA E A ADOLESCÊNCIA

Caracterizado como país periférico pela lógica capitalista, o Brasil,


diferentemente de outros países de capitalismo central, possui algumas
particularidades que marcaram o desenvolvimento da política social brasileira.
Pode-se dizer que a dinâmica da sociedade brasileira e a economia interna
articulada ao mercado mundial, explicam o processo de colonização. Esse
mecanismo contribuiu para a acumulação originária de capital aos países centrais,
sendo que a sociedade e a economia brasileira organizaram-se a partir dos
interesses desses mercados. A complexa articulação entre progresso e conservação
assinalou a transição para o capitalismo no Brasil. Esta transição ocorreu de forma
lenta com a substituição de mão de obra escrava pelo trabalho livre e manteve
muitos aspectos da antiga ordem (BEHRING; BOSCHETTI, 2016).
A burguesia brasileira inicialmente formada pela aristocracia agrária, impõe a
atmosfera de mandonismo, paternalismo e conformismo, prolongando a escravidão,
e consequentemente a consciência de classe e a ação política dos “trabalhadores
livres” são postergadas (FERNANDES, 1987). Somente a partir dos primórdios do
século XX ocorrem manifestações da classe operária brasileira, essas são tratadas
com repressão policial e dissuasão político-militar (BEHRING; BOSCHETTI, 2016).
O poder da burguesia é solidificado com base na confluência com o Estado, para a
manutenção da ordem, conforme seus interesses particulares (FERNANDES, 1987).
Assim, o surgimento das políticas sociais no Brasil, não compreendem o compasso
dos países de capitalismo central. A questão social, posta como questão política
surge no início do século XX “com [...] o pauperismo e iniquidade, em especial após
o fim da escravidão e com imensa dificuldade de incorporação dos escravos no
mundo do trabalho” (BEHRING; BOSCHETTI, 2016, p. 77), se iniciam as lutas da
classe trabalhadora e legislações voltadas ao mundo do trabalho. Behring e
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Boschetti, salientam que o surgimento dos direitos sociais no Brasil são resultados
das manifestações da classe trabalhadora, mas também “a busca por legitimidade
das classes dominantes em ambiente de restrição de direitos políticos e civis- como
demonstra a expansão das políticas sociais nos períodos de ditadura (1937-1945 e
1964-1984, que as instituem como tutela e favor” (2016, p. 78). Conforme a autora,
as classes dominantes nunca tiveram compromisso com a democracia e
redistribuição, o que culminou com “medidas esparsas e frágeis de proteção social
no país até a década 1930” (2016, p. 78). Tais medidas persistem e nos levam ao
entendimento das políticas sociais na atualidade.
Salienta-se que a primeira legislação criada para a assistência à infância no
Brasil, foi criada em 1891 para regulamentar o trabalho infantil, porém esta nunca foi
cumprida. Outras legislações foram criadas nesse período, todas voltadas para o
mundo do trabalho e em sua maioria não foram asseguradas de fato. Em 1923 é
aprovada a lei Eloy Chaves, que obriga a criação de Caixas de Aposentadorias e
Pensão (CAPs) para algumas categorias de trabalhadores, que sustentavam com a
sua força de trabalho a parcela mais expressiva do PIB nacional. A crise de 1929
afetou a economia brasileira, paralisando o comércio de café, como resultado
decorreu uma maior diversificação de produtos. A previdência social brasileira
originou-se no formato das CAPs juntamente com os Institutos de Aposentadorias e
Pensão (IAPs), estendendo-se para outras categorias profissionais, sendo o primeiro
IAP criado para os funcionários públicos em 1926 (BEHRING; BOSCHETTI, 2016).
No ano de 1927 surgiram as primeiras legislações voltadas à infância e à
adolescência: O Decreto no 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, também chamado
de Código Mello Matos, eram destinadas aos menores carentes ou infratores, e
circunscritas à agenda dos setores da assistência social e educação. Destinada às
crianças e adolescentes que estivessem expostos; abandonados; ou fossem
considerados delinquentes, seguindo a lógica do controle e da tutela. Esse código
baseava-se na chamada “doutrina da situação irregular”, a qual considerava os
menores como objeto de medidas judiciais quando encontrados em situação
irregular, ou seja, privados de condições essenciais à sua subsistência, saúde e
instrução obrigatória, vítima de maus tratos, em perigo moral, com desvio de
conduta e autores de ato infracional. Assim, os “menores” eram levados para os
tribunais independentemente de sua situação estar vinculada a uma questão social
ou a uma questão judicial (BEHRING; BOSCHETTI, 2016; SOUZA, 2017).
Após a grande crise de 1929 e com a agenda modernizadora em curso, o
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Brasil abre espaço para outros produtos e o setor industrialista, contudo em 1937
Getúlio Vargas assume o poder e instaura a ditadura do Estado Novo. O Governo
Vargas assume o encargo de regulamentar as questões trabalhistas e o
enfrentamento da questão social, sua real intenção era firmar um pacto colaborativo
entre a classe trabalhadora com a burguesia, e dessa forma enfraquecer a luta dos
trabalhadores. Esse processo de modernização conservadora, seguia o ritmo
internacional, mas com a interferência interna e a garantia da manutenção dos
interesses particulares. Nesse viés conservador, em 1942 é criada a Legião
Brasileira de Assistência (LBA), afixada ao assistencialismo, seletivismo e articulado
à primeira-dama, atravessa a constituição da política social. Neste período é criado o
Serviço de Assistência ao Menor (SAM), este seguiu a mesma lógica punitiva, de
coerção e maus tratos às crianças e adolescentes pobres e delinquentes
(BEHRING; BOSCHETTI, 2016). Após o golpe militar de 1964 foi criada a Fundação
Nacional de Bem-Estar do Menor (FUNABEM), com o objetivo de substituir o SAM
(SOUZA, 2017).
A Lei no 6.697, de 10 de outubro de 1979 que institui o Código de Menores,
aplicado a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social e/ou
infração, alterou alguns aspectos do código anterior, mas manteve a doutrina jurídica
da situação irregular, preservando a prática da institucionalização. (SOUZA, 2017).
Como mencionado, o Brasil não anda no mesmo compasso dos países
centrais, nesse sentido, enquanto esses vivenciaram as políticas de bem estar social
no pós segunda guerra mundial e na década de 70 iniciam com as políticas
neoliberais, o Brasil segue em uma sequência de ditaduras. Numa dinâmica singular
de expansão de direitos sociais e cobertura das políticas sociais em contrapartida à
restrição dos direitos civis e políticos, agudizou a lógica de modernização
conservadora (BEHRING; BOSCHETTI, 2016).
As políticas sociais públicas voltadas para o público infanto juvenil, instituídas
até a década de 80, foram muito criticadas por sua postura punitiva e cerceadora
que “teve como consequência a desassistência e a segregação da população
infantojuvenil, bem como a abertura maciça de estabelecimentos para abrigar, em
condições bastante precárias, “os filhos da pobreza” (SOUZA, 2017, p. 14). Deste
modo, propagou-se projetos de atendimento às crianças e aos adolescentes,
desenvolvidos por organizações não governamentais, Igrejas e universidades que
reconheciam estes como sujeitos de direitos. Nesse ínterim, em 1985 foi criado o
Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR). Estes movimentos
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foram protagonistas de uma ampla mobilização popular que visava à participação no


processo de elaboração da nova Constituição Federal. A partir desta década foram
implantadas políticas que consideram a condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento, inscritas no período de redemocratização do país com a
promulgação da Constituição de 1988 e implementadas em 1990 com a instituição
do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (PERES, PASSIONE, 2010;
SOUZA, 2017).
A Carta de 1988, caracterizada como Constituição Cidadã, trouxe esperança
para o povo, contudo no plano internacional já estava em curso a nova agenda
neoliberal, consubstanciada em políticas de ajuste estrutural. Instaura-se uma fase,
caracterizada pelo ajuste fiscal permanente e pelas reformas do Estado, com o
pretexto da necessidade de modernização. Essas reformas foram acompanhadas
por um sistemático desmonte dos aparatos públicos e esvaziamentos de ofertas de
serviços e garantias sociais, o que manteve os traços conservadores, com isso,
“mantém-se o caráter compensatório, seletivo, fragmentado e setorizado da política
social brasileira” (BEHRING; BOSCHETTI, 2016, p. 143).
Importa destacar que o Brasil proferiu a Convenção dos Direitos da Criança
(1989) promulgada pelo Decreto no 99.710, de 21/11/1990, os direitos previstos
neste decreto, foram reafirmados no ECA (Brasil, 2014). O ECA trouxe as diretrizes
gerais para a política de proteção integral, reconhecendo esse segmento
populacional como sujeito de direitos. Silva (2005), tenta desvendar a ideia de que
o ECA surgiu para romper com o projeto de sociedade presente no Código de
Menores, mas como expressão das relações globais internacionais que
reconfiguraram-se frente ao novo padrão de acumulação flexível do capital,
localizando-o nos marcos do paradigma do projeto neoliberal.
No Brasil, a adoção de medidas do ideário neoliberal se deu tardiamente,
em 1990. [...] instalou-se a nova retórica de cáries neoliberal que
preconizava o fortalecimento das funções do mercado e das crenças
neoliberais que generalizaram uma posição anti-estado, que rompia com a
ideia do nacionalismo, vista como retrógrada, portanto, fruto de uma época
que se esgotara e que estava fora dos padrões de um tempo Novo. Entra
em cena uma nova cartilha em que constavam missões modernas que
evocavam feitos como desestatização, reinserção no sistema internacional,
abertura da economia, desregulamentação e privatização. Romper com o
passado e construir um presente alinhado com as determinações da ordem
econômica globalizada, passaram a ser a meta maior do estado no sentido
de colocar o Brasil na corrida para o desenvolvimento nos moldes
neoliberais. Para além da culpabilização do sujeito, o ideário neoliberal
estimula o individualismo, onde cada qual tem de buscar os meios de prover
as necessidades básicas e condições indispensáveis à reprodução da vida
(MOURÃO et. al. 2009).
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Para Faleiros, (2005) “a implementação do ECA se consolidou por meio da


criação de um sistema de garantia de direitos que compreende conselhos,
promotorias, varas da infância, defensorias, delegacias, SOS, e núcleos de
assistência e atendimento. O autor ainda explica que
[...] Mercado e cidadania são vistos separadamente na perspectiva
neoliberal, que propõe a redução de direitos para se aumentar a
competitividade. A garantia da cidadania é também um processo de
desenvolvimento da competitividade e de redução da desigualdade social e
econômica. [...] Na verdade, o reconhecimento da criança e do adolescente
como cidadãos mudou o marco de referência legal, mas foi a ampla
mobilização da sociedade pelos direitos infanto-juvenis que propiciou a
elaboração de novas políticas e a articulação de uma frente parlamentar
vinculada à criança (p. 176).

De modo geral, entende-se que a Constituição de 1988 trouxe importantes


conquistas para a sociedade brasileira como um todo, no entanto a década de 1990
dá início às contra reformas neoliberais. Essas reformas, ou melhor, mudanças
como enfatizam Behring e Boschetti (2016) são voltadas para o fortalecimento do
mercado, destituindo o caráter de ideias reformistas da classe trabalhadora com viés
redistributivo. As políticas sociais no contexto das contrarreformas foram capturadas
pela lógica neoliberal caracterizada pela privatização, focalização e a
descentralização. Assim a conquista de direitos impressos no texto constitucional
foi desmantelada, trazendo a cena mais uma vez, a lógica do favor e da benesse.
Scherer (2017) aponta que o ideário neoliberal, até o momento presente,
atravessa a formulação de políticas sociais, contudo vem demonstrando algumas
particularidades bastantes distintas com características importantes do
desenvolvimentismo, mas com novas configurações. Conforme a exposição do
autor, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, retoma algumas ideologias políticas,
caracterizadas como neodesenvolvimentismo. Nesse contexto, o intuito é a
manutenção e reprodução das “relações sociais capitalistas, ou seja, relações de
exploração e dominação de classe” (p.154). O objetivo central do
neodesenvolvimentismo é a promoção do crescimento econômico aliada a políticas
para a redução da desigualdade social. Contudo, sem enfatizar a necessidade de
reformas tributárias e de redistribuição das riquezas, já que a finalidade é
desenvolver o capital. O autor sinaliza que o neodesenvolvimentismo “[...]não
significa um rompimento com a perspectiva neoliberal, pelo contrário, mantém as
suas raízes, assentadas ainda no contexto de precarização e desmantelamento de
políticas sociais universais, mantendo a lógica da focalização da pobreza (p. 155).
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Esse contexto de refração das políticas sociais afeta substancialmente os


jovens, esses demandam proteção social, uma vez que a “[...] (in)segurança aparece
de diversas formas, em muitos contextos, expressando-se por meio dos múltiplos
fragmentos que escondem a sua origem: a relação estrutural de produção e
reprodução de valor na sociabilidade capitalista” (Scherer, 2017, p.203). O objetivo
camuflado serve a manutenção da burguesia, além intensificar a idealização dos
jovens como instrumento de desenvolvimento. Sobre a questão da insegurança da
existência, Behring e Boschetti, (2016) refere que essa,
se impõe à ideia de seguridade social, num ambiente marcado por
momentos de inquietação pública nas grandes metrópoles, onde se
concentra a pobreza, [...]. Essa inquietação pública articula duas lógicas: a
insurreição contra a discriminação e a injustiça social e contra a privação
econômica e as desigualdades sociais. Tais rebeliões são desencadeadas
pela juventude da classe trabalhadora, [...] de forma violenta, em resposta
[...] à violência que vem de cima que é estrutural sobre os pobres. Essa
violência “de cima” é composta de três elementos explosivamente
combinados: o desemprego, o exílio em bairros decadentes e a
estigmatização na vida cotidiana, em geral associada às dimensões
étnico-raciais e de gênero[...] (p. 186, grifos das autoras).

As novas configurações da política social brasileira, realizadas, especialmente


a partir da contrarreforma do Estado nos anos de 1990, colocou em pauta as
conquistas efetuadas com a Constituição Federal de 1988 e reforçou processos já
naturalizados no contexto da sociedade brasileira referentes à proteção social.
Destaca-se para a descartabilidade das vidas jovens, fenômeno comum nos países
de capitalismo tardio e periférico, fator constituído pela pobreza, vulnerabilidade
social, desigualdade, estigmatização e precarização da vida (SCHERER, 2017).
Nesta lógica incongruente de avanços e retrocessos, outras políticas públicas
foram criadas com vistas à proteção do público infantojuvenil. Nesta esteira,
sinalizamos para a lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013 e a Lei nº 13.010/2014.
A Lei nº 12.852 institui o Estatuto da Juventude que determina sobre os
direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o
Sistema Nacional de Juventude. Este instrumento legal se tornou um marco da
defesa de direitos dos jovens e contempla pessoas com idade entre 15 e 29 anos.
A Lei nº 13.010, de 26 de junho de 2014, conhecida como a Lei Menino
Bernardo ou Lei da Palmada a qual estabelece “[...] o direito da criança e do
adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de
tratamento cruel ou degradante” (BRASIL, 2014). Com a aprovação da lei,
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reacendeu o debate sobre o direito das crianças e adolescentes serem educados


sem violência. A Lei recebeu este nome, após o cruel assassinato no ano de 2024
na cidade de de Três Passos (RS) do menino de 11 anos, Bernado Boldrini.
O reconhecimento da criança e do adolescente enquanto sujeitos de direitos,
a partir da redemocratização do país, que necessitam de cuidados específicos, levou
ao entendimento que a saúde mental para este público é também uma questão
relevante.
Na atenção em saúde mental de crianças e de adolescentes -SMCA, apesar
do movimento conhecido como Reforma Psiquiátrica1 apenas em 2001, após a
promulgação da Lei 10.216 de 06 de abril de 2001, foram discutidos os rumos para
uma política de SMCA em um Seminário Nacional. Neste, reuniram-se
representantes de todos os estados brasileiros de diversos setores públicos como
saúde pública, educação, assistência social, justiça, promoção e saúde mental para
imprimir a intersetorialidade como um dos pilares da SMCA. Este seminário culminou
na inserção tardia da Política Pública de SMCA, considerando a criança e o
adolescente como pessoa em situação peculiar de desenvolvimento, um ser que tem
sentimentos, sofrimentos e não só um vir a ser (COUTO; DELGADO, 2015). Este
movimento também vem a reconhecer as crianças e os adolescentes como sujeitos
de direitos e com necessidade de cuidado e atenção que perpassa estes diversos
setores Neste mesmo ano, foi realizada a III Conferência Nacional de Saúde Mental-
CNSM2 e em consonância com o que foi discutido no seminário, alguns autores
reforçaram nesta conferência a importância da intersetorialidade.
Esta Conferência, também, definiu o Centro de Atenção Psicossocial
InfantoJuvenil- CAPSi como gestor em seu território de abrangência. Logo em
seguida a III CNSM, foram publicadas a Portaria 336/GM/MS de 19 de fevereiro de
2002 que define e estabelece diretrizes para o funcionamento dos Centros de
Atenção Psicossocial e a Portaria nº 1.608 de 03 de agosto de 2004, que institui o

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A Reforma Psiquiátrica no Brasil surgiu no final da década de 1970 em consonância com a Reforma
Sanitária, movimento de origem internacional como consequência ao esgotamento de um modelo
centrado no hospital e na figura do médico objetivando o fim da violência asilar. Esse movimento
consistia na luta pelo fim dos manicômios e a implantação de modelos substitutivos, os Centros de
Atenção Psicossocial-CAPS, pretendia-se assim, romper com modelo assistencial baseado na
institucionalização da loucura, na estigmatização do portador de doença mental, nas práticas de maus
tratos e na cronificação da doença (BRASÍLIA, 2005).
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A III Conferência Nacional de Saúde Mental teve como tema: "Cuidar, sim. Excluir, não - "Efetivando
a Reforma Psiquiátrica, com Acesso, Qualidade, Humanização e Controle Social", esta conferência
marcou um novo momento para a saúde mental no Brasil, pois afinou-se com os novos preceitos de
justiça social e equidade inscritos no Sistema Único de Saúde- SUS (BRASíLIA, 2001).
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Fórum Nacional sobre Saúde Mental Infanto-Juvenil, as publicações destas


portarias, foram as primeiras respostas oficiais do SUS à necessidade de cuidado
para casos de maior gravidade e complexidade para este público (COUTO;
DELGADO, 2015).
Na Portaria 336/GM/MS foi destinado um capítulo exclusivamente para a
criação dos CAPSi constituindo-o como um serviço de atenção psicossocial para
crianças e adolescentes com transtornos mentais, em serviço de caráter
ambulatorial de atenção diária, estruturado segundo a lógica do território, ofertando
atendimento individual, em grupo, oficinas terapêuticas, visitas domiciliares,
atendimento à família, atividades comunitárias, enfocando a integração da criança e
do adolescente na comunidade e sua inserção familiar e social também
encarregados de desenvolver ações para conhecimento e ordenação das diferentes
demandas que concernem à saúde mental da infância e adolescência no território
sob sua responsabilidade (BRASIL, 2002).
Em 2011 foi promulgada a Portaria 3.088 de 23 de dezembro de 2011,
instituindo a Rede de Atenção Psicossocial -RAPS, que se destina à ampliação de
serviços e dispositivos de atenção em saúde mental com articulação entre os
diferentes pontos de atenção3 e cuidado de pessoas em sofrimento ou transtorno
mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas.
Com essa portaria, o CAPSi deixa de ser o gestor do território e passa a
configurar-se um ponto de atenção estratégico, com isso, o cuidado às crianças e
adolescentes com sofrimento psíquico pode ser operado nos diferentes dispositivos
da RAPS, mas que ainda devem prover a atenção e o cuidado mediante ações
intersetoriais (BRASIL, 2011). Em outros termos, a organização da cobertura em
SMCA deve ser potencializada pela articulação de diferentes setores públicos
dirigidos ao cuidado do segmento infantojuvenil, não ficando restrita à oferta de
serviços de saúde mental (COUTO; DELGADO 2015). Para tanto, a ação estratégica
proposta por essa política pública não diferencia o CAPSi da articulação intersetorial,
mas propõe que opere com sequência e correlação.

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Os pontos de atenção da RAPS se constituem em sete componentes, a saber: 1. Atenção Básica
em Saúde; 2. Atenção Psicossocial Estratégica; 3. Atenção de Urgência e Emergência; 4. Atenção
residencial de caráter transitório, 5. Atenção Hospitalar; 6. Estratégias de Desinstitucionalização; e 7.
Estratégias de Reabilitação Psicossocial.
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Com esse breve panorama, foi possível perceber que a criação de políticas
sociais avançaram no que tange a defesa dos direitos humanos e a proteção social
para crianças e adolescentes. Entretanto, a dinâmica da sociedade brasileira
pautada na nas perspectivas neoliberais, despotencializa esses direitos duramente
conquistados. Scherer, (2020) pontua sobre as políticas voltadas para qualificação
dos jovens, principalmente pobres, com o objetivo de inseri-los no mercado de
trabalho. Para o autor essas ações servem exclusivamente para fortalecer o capital,
uma vez que são ações fragmentadas, pontuais e precarizadas, caracterizando,
assim como (des)proteção. Enquanto prepara-se e educa-se os jovens para o
precário mercado de trabalho, oferta parcos investimentos nas políticas públicas
intersetoriais (assistência social, saúde, educação e segurança).
Nesse contexto, os jovens ficam em desvantagem, sendo vítima das mais
diversas formas de violências, opressões e vulnerabilidades, agravando o cenário
de (des)proteção. Assim, busca-se formas cada vez mais sofisticadas de controle,
para mantê-los dóceis4 e obedientes. De acordo com Decotelli, (2013) embora a
sociedade tenha avançado nos sentimentos em relação a este público, a ideia de
incompletude e de devir ainda marca esta fase, o investimento na criança e no
adolescente é geralmente para o futuro. E apesar da evolução em relação à
concepção de conceitos e às políticas públicas voltadas ao público infantojuvenil no
plano real da vida concreta, ainda se inventam/reinventam práticas violadoras para
silenciá-las.

REFERÊNCIAS

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história. São Paulo: Cortez, 2008 – 5. Ed. – (Biblioteca Básica do Serviço Social)

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Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

BRASIL, Ministério da Saúde. III Conferência Nacional de Saúde Mental.


Caderno Informativo / Secretaria de Assistência à Saúde, Conselho Nacional
de Saúde, 2001.

BRASIL. Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os

4
O termo “corpos dóceis” foi definido por Foucault, (2009), como sendo corpos submissos e
exercitados, fabricado pelo poder disciplinador. Essa “mecânica de poder, [...] define como se pode ter
domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que se
operem como se quer” [...] (p.133).
10

direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo


assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União, n. s, Abril 2001.

BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria 336 de de 2002. Diário Oficial da União.


fevereiro de 2002. Disponível em:
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julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer o direito da
criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos
físicos ou de tratamento cruel ou degradante, e altera a Lei nº 9.394, de 20 de
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