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Boschetti, salientam que o surgimento dos direitos sociais no Brasil são resultados
das manifestações da classe trabalhadora, mas também “a busca por legitimidade
das classes dominantes em ambiente de restrição de direitos políticos e civis- como
demonstra a expansão das políticas sociais nos períodos de ditadura (1937-1945 e
1964-1984, que as instituem como tutela e favor” (2016, p. 78). Conforme a autora,
as classes dominantes nunca tiveram compromisso com a democracia e
redistribuição, o que culminou com “medidas esparsas e frágeis de proteção social
no país até a década 1930” (2016, p. 78). Tais medidas persistem e nos levam ao
entendimento das políticas sociais na atualidade.
Salienta-se que a primeira legislação criada para a assistência à infância no
Brasil, foi criada em 1891 para regulamentar o trabalho infantil, porém esta nunca foi
cumprida. Outras legislações foram criadas nesse período, todas voltadas para o
mundo do trabalho e em sua maioria não foram asseguradas de fato. Em 1923 é
aprovada a lei Eloy Chaves, que obriga a criação de Caixas de Aposentadorias e
Pensão (CAPs) para algumas categorias de trabalhadores, que sustentavam com a
sua força de trabalho a parcela mais expressiva do PIB nacional. A crise de 1929
afetou a economia brasileira, paralisando o comércio de café, como resultado
decorreu uma maior diversificação de produtos. A previdência social brasileira
originou-se no formato das CAPs juntamente com os Institutos de Aposentadorias e
Pensão (IAPs), estendendo-se para outras categorias profissionais, sendo o primeiro
IAP criado para os funcionários públicos em 1926 (BEHRING; BOSCHETTI, 2016).
No ano de 1927 surgiram as primeiras legislações voltadas à infância e à
adolescência: O Decreto no 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, também chamado
de Código Mello Matos, eram destinadas aos menores carentes ou infratores, e
circunscritas à agenda dos setores da assistência social e educação. Destinada às
crianças e adolescentes que estivessem expostos; abandonados; ou fossem
considerados delinquentes, seguindo a lógica do controle e da tutela. Esse código
baseava-se na chamada “doutrina da situação irregular”, a qual considerava os
menores como objeto de medidas judiciais quando encontrados em situação
irregular, ou seja, privados de condições essenciais à sua subsistência, saúde e
instrução obrigatória, vítima de maus tratos, em perigo moral, com desvio de
conduta e autores de ato infracional. Assim, os “menores” eram levados para os
tribunais independentemente de sua situação estar vinculada a uma questão social
ou a uma questão judicial (BEHRING; BOSCHETTI, 2016; SOUZA, 2017).
Após a grande crise de 1929 e com a agenda modernizadora em curso, o
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Brasil abre espaço para outros produtos e o setor industrialista, contudo em 1937
Getúlio Vargas assume o poder e instaura a ditadura do Estado Novo. O Governo
Vargas assume o encargo de regulamentar as questões trabalhistas e o
enfrentamento da questão social, sua real intenção era firmar um pacto colaborativo
entre a classe trabalhadora com a burguesia, e dessa forma enfraquecer a luta dos
trabalhadores. Esse processo de modernização conservadora, seguia o ritmo
internacional, mas com a interferência interna e a garantia da manutenção dos
interesses particulares. Nesse viés conservador, em 1942 é criada a Legião
Brasileira de Assistência (LBA), afixada ao assistencialismo, seletivismo e articulado
à primeira-dama, atravessa a constituição da política social. Neste período é criado o
Serviço de Assistência ao Menor (SAM), este seguiu a mesma lógica punitiva, de
coerção e maus tratos às crianças e adolescentes pobres e delinquentes
(BEHRING; BOSCHETTI, 2016). Após o golpe militar de 1964 foi criada a Fundação
Nacional de Bem-Estar do Menor (FUNABEM), com o objetivo de substituir o SAM
(SOUZA, 2017).
A Lei no 6.697, de 10 de outubro de 1979 que institui o Código de Menores,
aplicado a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social e/ou
infração, alterou alguns aspectos do código anterior, mas manteve a doutrina jurídica
da situação irregular, preservando a prática da institucionalização. (SOUZA, 2017).
Como mencionado, o Brasil não anda no mesmo compasso dos países
centrais, nesse sentido, enquanto esses vivenciaram as políticas de bem estar social
no pós segunda guerra mundial e na década de 70 iniciam com as políticas
neoliberais, o Brasil segue em uma sequência de ditaduras. Numa dinâmica singular
de expansão de direitos sociais e cobertura das políticas sociais em contrapartida à
restrição dos direitos civis e políticos, agudizou a lógica de modernização
conservadora (BEHRING; BOSCHETTI, 2016).
As políticas sociais públicas voltadas para o público infanto juvenil, instituídas
até a década de 80, foram muito criticadas por sua postura punitiva e cerceadora
que “teve como consequência a desassistência e a segregação da população
infantojuvenil, bem como a abertura maciça de estabelecimentos para abrigar, em
condições bastante precárias, “os filhos da pobreza” (SOUZA, 2017, p. 14). Deste
modo, propagou-se projetos de atendimento às crianças e aos adolescentes,
desenvolvidos por organizações não governamentais, Igrejas e universidades que
reconheciam estes como sujeitos de direitos. Nesse ínterim, em 1985 foi criado o
Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR). Estes movimentos
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A Reforma Psiquiátrica no Brasil surgiu no final da década de 1970 em consonância com a Reforma
Sanitária, movimento de origem internacional como consequência ao esgotamento de um modelo
centrado no hospital e na figura do médico objetivando o fim da violência asilar. Esse movimento
consistia na luta pelo fim dos manicômios e a implantação de modelos substitutivos, os Centros de
Atenção Psicossocial-CAPS, pretendia-se assim, romper com modelo assistencial baseado na
institucionalização da loucura, na estigmatização do portador de doença mental, nas práticas de maus
tratos e na cronificação da doença (BRASÍLIA, 2005).
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A III Conferência Nacional de Saúde Mental teve como tema: "Cuidar, sim. Excluir, não - "Efetivando
a Reforma Psiquiátrica, com Acesso, Qualidade, Humanização e Controle Social", esta conferência
marcou um novo momento para a saúde mental no Brasil, pois afinou-se com os novos preceitos de
justiça social e equidade inscritos no Sistema Único de Saúde- SUS (BRASíLIA, 2001).
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Os pontos de atenção da RAPS se constituem em sete componentes, a saber: 1. Atenção Básica
em Saúde; 2. Atenção Psicossocial Estratégica; 3. Atenção de Urgência e Emergência; 4. Atenção
residencial de caráter transitório, 5. Atenção Hospitalar; 6. Estratégias de Desinstitucionalização; e 7.
Estratégias de Reabilitação Psicossocial.
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Com esse breve panorama, foi possível perceber que a criação de políticas
sociais avançaram no que tange a defesa dos direitos humanos e a proteção social
para crianças e adolescentes. Entretanto, a dinâmica da sociedade brasileira
pautada na nas perspectivas neoliberais, despotencializa esses direitos duramente
conquistados. Scherer, (2020) pontua sobre as políticas voltadas para qualificação
dos jovens, principalmente pobres, com o objetivo de inseri-los no mercado de
trabalho. Para o autor essas ações servem exclusivamente para fortalecer o capital,
uma vez que são ações fragmentadas, pontuais e precarizadas, caracterizando,
assim como (des)proteção. Enquanto prepara-se e educa-se os jovens para o
precário mercado de trabalho, oferta parcos investimentos nas políticas públicas
intersetoriais (assistência social, saúde, educação e segurança).
Nesse contexto, os jovens ficam em desvantagem, sendo vítima das mais
diversas formas de violências, opressões e vulnerabilidades, agravando o cenário
de (des)proteção. Assim, busca-se formas cada vez mais sofisticadas de controle,
para mantê-los dóceis4 e obedientes. De acordo com Decotelli, (2013) embora a
sociedade tenha avançado nos sentimentos em relação a este público, a ideia de
incompletude e de devir ainda marca esta fase, o investimento na criança e no
adolescente é geralmente para o futuro. E apesar da evolução em relação à
concepção de conceitos e às políticas públicas voltadas ao público infantojuvenil no
plano real da vida concreta, ainda se inventam/reinventam práticas violadoras para
silenciá-las.
REFERÊNCIAS
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O termo “corpos dóceis” foi definido por Foucault, (2009), como sendo corpos submissos e
exercitados, fabricado pelo poder disciplinador. Essa “mecânica de poder, [...] define como se pode ter
domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que se
operem como se quer” [...] (p.133).
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