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Marcos Cesar inicia a dissertação fazendo uma revisão bibliográfica sobre a produção acerca
da “questão do menor”, que ele mesmo traça de maneira genérica como algo
“que abrange temas diversos, como o das condições de vida e trabalho a que estão sujeitos
das classes mais pobres, o do fracasso das instituições que deveriam lhes dar assistência e
Alvarez analisa trabalhos publicados entre a década de setenta e oitenta, entre eles o trabalho
do CEBRAP A criança, o adolescente e a cidade, a dissertação de mestrado de Edson Passeti,
pesquisa do CEDEC, entre outros. O autor identifica nesses trabalhos o problema de que a
categoria “menor” é tratada de maneira inespecífica, muitas vezes subsumida nos conflitos de
classe. Além disso, alguns trabalhos também não problematizam a adesão entre pobreza e
marginalização.
Desse modo, o objetivo do trabalho é dar conta da emergência da categoria “menor” nos
discursos e práticas, no fim do XIX e começo do XX, que deram origem ao Código de Menores
de 1927.
Segundo Alvarez, o conceito de ideologia em Althusser não diz respeito apenas a ideias, mas a
práticas matérias realizadas em instituições, os aparelhos ideológicos do estado”. A partir
dessa existência material da ideologia o autor francês extrai a ideia de sujeito, que seria o
produto, o efeito da ideologia. Os sujeitos são, dessa maneira, as categorias pelas quais os
indivíduos são vistos e veem a si mesmos, que, por sua vez, são resultantes da produção
ideológica. Como exemplo, é possível pensar a categoria “menor”, que é produzida
socialmente e não um dado natural, pois ninguém é naturalmente menor, mas passa a se
identificar um segmento social por meio dessa categoria.
Dessa maneira, cabe esclarecer o que Foucault entende por poder. Esse conceito em Foucault,
ressalta Alvarez, não diz respeito à posse de um atributo e sim ao conjunto de relações sociais.
Poder aparece em Foucault como imanente às relações sociais e pode ser visto como o
resultado de múltiplas relações em que ele é exercido. Assim, o poder não provém apenas de
uma instituição ou de um só grupo, mas encontra-se espalhado pelo tecido social e assume
formas singulares, móveis e complexas em dados contextos sociais e históricos. O poder está
nas práticas sociais em são constituídos os sujeitos, o que opera uma inversão diante da
perspectiva na qual o poder seria exercido por sujeitos. Para Foucault, inversamente, o poder é
que constitui os sujeitos. O sujeito, assim como aponta Althusser, é fruto das relações de
poder
“O poder, para Foucault é, concluindo, o jogo das correlações de força que
Outro conceito de Foucault trabalhado por Alvarez é o de discurso, que no sentido empregado
pelo filósofo francês pode ser entendido como uma prática de enunciação que está conectada
às relações de poder.
Alvarez inicia o capítulo descartando a ideia evolução que poderia ser vista na legislação por
meio da promulgação do código. Pois nesse, desfez-se a categoria de discernimento, ou seja, a
partir da emergência do código de 1927 ficou estabelecido que menores de 14 não seriam
punidos, independentemente de suposta capacidade de discernir entre certo e errado. O
código objetivou a faixa etária passível de punição, deixando de lado o subjetivismo envolvido
no código penal de 1830.
*A citação abaixo mostra como mesmo durante a política dos enjeitados havia um discurso de
filantropia
102)
Com o crescimento e urbanização das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, começa a se
configurar a questão social que envolve tanto o crescimento da criminalidade nesses centros
urbanos, o surgimento de movimentos operários e a constituição de setores marginais ao
processo de modernização. Dessa maneira, o controle aparece como um ponto chave nesse
processo: era preciso controlar os movimentos operários, a prostitutas, a crianças e
adolescentes abandonados e sujeitos à criminalidade. Outra questão emergente na época era
o trabalho infantil, que se proliferava e funcionava como um dos mecanismos de
superexploração da força de trabalho, já que rebaixava os salários e fazia aumentar o exército
industrial de reserva.
Assim, a criação de instituições disciplinares como Instituto Disciplinar em São Paulo em 1902,
cujo objetivo era:
Essa instituição tem por fim ministrar assistencia e educação physica, profissional e
moral aos menores abandonados e recolhidos aos estabelecimentos por ordem das
auctoridades competentes, nos termos do art.7º da lei n.947 de 29 de dezembro de
1902. Dahi a sua denominação de “Premunitoria” (Escola Premunitoria 15 de
Novembro), para bem caracterizar que é “aos menores moralmente abandonados,
orphãos, vadios, etc., que ella se destina, e não aos que já incidiram na sancção penal”.
(Paiva, 1916, p.146)
preferencia agricola:
Codigo Penal;
Como ressalta Alvarez, a criação do Instituto Disciplinar não é um acontecimento isolado, mas
se insere no processo de um de constituição de um novo projeto institucionalização da infância
e adolescência.
deste século, o Código definirá de modo claro o menor como categoria jurídica e
Capítulo IV – Os discursos
Alvarez faz uma importante observação na nota de rodapé 23: “Interessante notar no discurso
sobre a menoridade que começa a se constituir é que a ênfase no dever do Estado para com a
infância tem um viés claramente tutelar. Não é um dever que, em contrapartida, estabelece
direitos dos cidadão, mas sim um dever de prevenção por parte do Estado, que deve assistir a
infância para evitar sua queda na criminalidade. Não se tratará de uma visão contratualista na
qual cidadão e Estado tenham direitos e deveres claramente definidos, mas sim de uma visão
essencialmente paternalista, na qual o Estado que não cuida bem de seus cidadãos quase tem
vergonha de puni-los.”
A crítica de Barreto ao conceito de discernimento não se atinha a demonstrar que esse era
ultrapassado, mas apontava para uma nova regulação da infância e da adolescência. Enquanto
o que se colocava no Código de 1830 era a tentativa de se estender a imputabilidade para o
maior número possível de menores, a nova visão exposta por Tobias Barreto procurava ao
contrário, não punir, mas instaurar práticas pedagógicas, tutelares e recuperadoras.
Dessa forma, a constituição de uma justiça especial para crianças e adolescentes se fez a partir
da crítica dos discursos e práticas anteriores desse campo. Nesse sentido, a crítica ao conceito
de discernimento é um dos aspectos centrais dessa mudança.
Justiça e assistência
Ataulpho Paiva, um dos eminentes reformadores fez uma reflexão sobre a necessidade de a
nova justiça juvenil deveria ser acompanhada de um grande aparato assistencial do Estado. As
iniciativas filantrópicas privadas deveriam, então, ser reunidas numa filantropia científica e
sistematizada pelo Estado, que seria o articulador entre iniciativas públicas e privadas, para
que se pudesse atender, além dos pobres e desvalidos, outros beneficiários. O projeto de uma
nova assistência que acompanharia a justiça juvenil estava profundamente afinado com o
caráter profilático que o projeto de uma nova institucionalização da infância e adolescência
carregava. Sob a tutela do Estado, as intervenções precoces deveriam evitar que sujeitos
problemáticos se formassem.
Alvarez mostra como discursos médicos, jurídico e pedagógicos se entrelaçaram para a criação
da categoria menor e para a emergência da nova institucionalização da questão do menor:
morais e jurídicas. É nesse sentido que Moncorvo Filho afirma que uma boa moral é a
tutor e um médico, que não vai ao tribunal para punir um culpado, mas para fazer um
menores, o cuidado das crianças e dos adolescentes, ou seja, apropria-se da clientela (os
família, ou outro responsável, mesmo a escola e o trabalho, não dão conta do objeto
institucional em jogo: a proteção da vida, da moralidade e da saúde dos menores” (p. 135)
jurídico e institucional voltado para a menoridade. Nesse projeto, uma justiça especial
chave de ligação entre a nova justiça e as novas formas de assistência45. Um novo estilo penal
definirá a atuação desses tribunais, onde a disciplina e a tutela irão substituir a
“justiça penal para menores (e nunca se tratará de algo diferente, na verdade, de uma
legislação penal) encontra seus instrumentos e, ao mesmo tempo, se esconde por trás de
disciplinas científicas. A vergonha de punir será encoberta pela verdade.” (p. 156)
(...) É preciso ver as duas faces dessa origem penal das medidas
Alvarez, então, insere o código de menores no contrxto mais amplo de modernização do Brasil.
A analisar em paralelo a questão social e a questão do menor, o autor entende que a
instituicionalização da infância e adolescência fizeram parte de um contexto mais amplo de
disciplinarização da nova classe trabalhadora e urbana que surge durante a Primeira República.