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Resumo:
O presente artigo tem por objetivo demonstrar a possibilidade das transformações dos
conflitos originados pela alienação parental através da prática da justiça restaurativa. Não há
que se falar em desconsideração do conflito presente no campo da alienação parental, mas
sim de considerá-lo de tal forma que seja passível de transformação, vindo a minimizar os
efeitos negativos resultantes de tal conduta praticada com os filhos que vivenciam a ruptura
da família conjugal. O fato é que a justiça restaurativa é um meio indicado a possibilitar a
interrupção do sofrimento daquele menor sujeito a perder suas verdadeiras referências
parentais.
Palavras chaves: alienação, justiça restaurativa, conflitos.
1. INTRODUÇÃO
Dependendo do tipo de guarda a ser definida, haverá um maior ou menor contato por
um dos genitores ou responsável legal pelos menores, podendo haver, por inúmeros fatores,
uma influência negativa junto aos mais fragilizados, com relação ao conceito, afeição,
respeito e consideração para com a outra parte, se fazendo presente a alienação parental.
O Estado, através de suas políticas públicas, pode e deve intervir nessas situações
buscando alcançar a transformação dos conflitos resultantes da conduta da alienação
parental. Uma dessas intervenções se dá através da prática da empatia e autenticidade de
sentimentos por parte dos envolvidos trabalhada no âmbito da justiça restaurativa. Não é
uma questão de desconhecer os sentimentos envolvidos, ou mesmo minimizá-los diante da
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Advogada (OAB/PR). Professora do curso de Direito das Faculdades Secal. Presidente da Comissão da Criança
e Adolescente da OAB/PG. Graduada em Direito pela Faculdade 7 de Setembro. Especialista em Gestão de
Pessoas pela Faculdade 7 de Setembro.
dor vivida pelo desfazimento da família constituída, mas sim o reconhecimento da
possibilidade do Estado intervir de forma pacífica, com suporte de uma equipe
multidisciplinar formada por psicólogos, assistentes sociais, advogados, entre outros, para
transformar esses conflitos familiares em questões resolvidas e assimiladas pelos sujeitos
da alienação parental de acordo com a sua verdadeira realidade.
Neste sentido, o presente artigo tem por objetivo demonstrar que a justiça
restaurativa, através dos círculos realizados, é uma alternativa viável para a resolução dos
conflitos gerados pela alienação parental uma vez que prioriza a criatividade e sensibilidade
na escuta das pessoas que protagonizam os papeis de vítimas e agressores no processo,
permitindo que tais sujeitos reparem entre si os danos emocionais sofridos evitando assim a
ocorrência de outros danos aos filhos frutos da relação ora rompida.
Antes de passar a vigorar a Lei 12.318/2010, era comum, por parte dos magistrados,
encararem os fatos que configuram a alienação parental como meras picuinhas
advindas do processo de separação e, assim, não era feita uma análise crucial do
contexto no qual os atos tinham sido cometidos. (LEITE, 2015, p.245).
Dentro dessa configuração atual de família está presente também a facilidade com
que tem ocorrido a ruptura das relações. Nessas quebras diversos assuntos precisam ser
discutidos, dentre eles a guarda dos filhos menores. É nesse momento que se faz presente
a desestrutura emocional por parte dos pais para o entendimento de que é o fim da relação
conjugal, em si, não lhes sendo permitido transferir ao terceiro sujeito da relação, o filho, um
sentimento de fim da relação filial, inclusive.
Para Mold já era previsível a edição de novos documentos legais que visassem a
maior proteção das crianças e adolescentes. Após a edição do ECA (Lei 8.069/1990), a
proteção aos direitos fundamentais de todos os menores de dezoito anos foi estabelecida
como um dever a ser cumprido por toda a sociedade brasileira. Assim, a edição de novos
documentos legais, tais como a Lei da Guarda Compartilhada (Lei 11.698/2008) e a Lei da
Alienação Parental, além da discussão legislativa do bullyning, das palmadas da educação
sexual e religiosa nas escolas ou mesmo do homeschooling, não deixam de produzir
acalorados debates, o que é sempre positivo para o desenvolvimento destes temas e para o
amadurecimento de nossa multifacetada sociedade. (DINIZ, 2013)
A disputa pela guarda dos filhos e a consequente visitação pelo genitor não guardião
podem gerar movimentos revanchistas mais dolorosos que aqueles visualizáveis na
vingança de Medeia, oriunda de um adultério não elaborado no terreno racional e
que, por isso mesmo, desagua na mais absoluta e cega irracionalidade. (LEITE,
2005, p.257).
Nos litígios, presentes são os interesses egoísticos dos adultos que se sobrepõem
sobre as legítimas e fundamentais prioridades das crianças. É como se tudo se passasse
num cenário de adultocentrismo sem explicação e justificativa. Na verdade, quando os
conflitos de ordem pessoal não são resolvidos, as disputas tendem a se tornarem
intermináveis e causadoras de muitas frustrações e sofrimentos.
A alienação parental não surgiu a partir da lei, já se convive com ela desde muito,
sendo percebida mesmo em relações não desfeitas, praticadas por avós e tios e
outros parentes afins, inclusive padrinhos, por vezes até de forma involuntária.
Necessário se faz o uso de muita cautela e sensibilidade diante dos casos
apresentados, visto que nem sempre caracterizam alienação parental, sinalizando,
sim, uma crise de comunicação entre os adultos, refletindo no trato dos filhos.
(FILHO, 2015, p.155)
Tão importante se faz tratar da alienação parental, que a própria Lei 12.318/2010
ressalta que é irrelevante a produção dos efeitos para a caracterização do ato, ou seja, a
prática do ato, por si só, é um ilícito civil, independente da ocorrência ou não dos seus
efeitos, uma vez que o alienador estará aliciando a criança ou o adolescente do convívio
familiar.
É importante, contudo, que se saiba que, diante de conflitos tão humanos e tão
complexos, nem sempre uma ordem judicial consegue restabelecer vínculos desfeitos. A
justiça que deve ser esperada, nos processos de guarda, são soluções que atendam,
principalmente, aos interesses das crianças e adolescentes que têm o direito de contar com
a proteção do Estado. Não existe, infelizmente, sentença para amenizar a dor pelas perdas
e por amores desfeitos. (PACHÁ, 2014).
Conforme cita Caio Lara, no contexto do judiciário brasileiro que cada vez mais se
aproxima de um sistema multiportas, principalmente após o advento da Resolução nº 125 do
Conselho Nacional de Justiça – CNJ, a Justiça Restaurativa se apresenta no cenário
nacional como opção de metodologia para o tratamento de uma gama variada de conflitos.
O Estado, através do seu braço no Poder Judiciário, não pode se limitar à prestação
jurisdicional tradicional nos casos de alienação parental. Deve, sim, através de valores
agregados às políticas públicas específicas, aplicá-las com responsabilidade e respeito aos
jurisdicionados.
Sendo detectado no processo de separação a não aceitação por parte dos pais da
atual situação e a tendência em tornar os filhos menores o canal para a troca de agressões
e revoltas, cabe ao Estado iniciar uma tentativa de evitar que tais comportamentos sejam
levados adiante com a prática da alienação parental visando aniquilar todo e qualquer
sentimento de respeito, carinho e consideração que possa existir pelo filho para com o
genitor alienado.
Uma vez que a justiça restaurativa tem como seus valores aqueles tidos como
essenciais aos relacionamentos saudáveis, equitativos e justos, nada mais indicado que o
uso desta justiça no trato dos processos de alienação parental onde se está presente
exatamente a ausência de relacionamentos saudáveis, equitativos e justos.
Como diz Marshall (2005), o processo é chamado restaurativo porque busca,
primariamente, restaurar, na medida do possível, a dignidade e o bem-estar dos
prejudicados pelo incidente. Desta forma, só podem ser considerados restaurativos os
processos que expressem os principais valores restaurativos, tais como: respeito,
honestidade, cuidados mútuos, responsabilidade e verdade.
No caso da alienação parental, a própria lei criada para regulamentar tal prática foi
construída com base na realidade já existente onde estava presente o desrespeito aos
valores citados anteriormente. Conforme assevera Eduardo Leite:
É fato que para visualizar a prática da justiça restaurativa devem estar presentes
alguns quesitos, tal como a voluntariedade das partes, imparcialidade por parte dos
facilitadores, confidencialidade do processo, respeito por todas as partes se fazendo
presente a defesa da dignidade intrínseca de todos, valorização e respeito à experiência da
vítima entre outros, como visar resultados transformadores. E é exatamente nessa visão de
obter resultados transformadores que se é possível enxergar a prática da justiça restaurativa
na minimização dos resultados desastrosos da alienação parental.
4. CONCLUSÃO
Não se quer falar aqui em não haver punição àqueles que são considerados
alienadores, deixando-os sem nenhuma sanção pelo mal causado, mas sim em buscar uma
forma de punição que deixe esse mesmo alienador ciente e consciente da dimensão da dor
causada à parte tida como vítima a fim de que não volte a praticar o mesmo ato, no caso,
alienação parental. Entende-se que a maior punição é aquela que faz com que haja um
reconhecimento verdadeiro do mal causado, da dor permitida ao outro, a ponto de
reconhecer a si mesmo uma necessária condenação jurídica, mas principalmente moral.
Contudo, antes mesmo de se decidir por uma consequência jurídica que venha
apenas punir o alienador, pode e deve o Estado, esgotar todas as possibilidades de
restaurar os valores e sentimentos que levaram à prática da alienação parental, através de
um processo de reflexão e conscientização, criando assim a possibilidade de não
reincidência da prática de tal ato, tendo em vista que há, nesse caso, uma restauração de
algo que fará sentido para aquele que, até então, não conseguia reconhecer e conviver: a
verdade.
REFERÊNCIAS:
AZAMBUJA, Maria Regina Fay de. A criança no novo direito de família. In WELTER,
Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf Hanssen (Coords.). Direitos Fundamentais do Direito de
Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 280.
DIAS, Maria Berenice. Incesto e alienação parental: de acordo com a Lei 12.318/2010 (Lei
de Alienação Parental). 3ª ed. Revista, atualizada e ampliada. – São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2013.
FILHO, Gildo Alves de Carvalho. Alienação Parental. In: A morte inventada: alienação
parental em ensaios e vozes. Org. Alan Minas Ribeiro daSilva e Daniela Vitorino Borba. São
Paulo: Saraiva, 2014.
LARA, Caio Augusto Souza. Dez anos de práticas restaurativas no Brasil: a afirmação
da justiça restaurativa como política pública de resolução de conflitos e acesso à
justiça. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=1dfcb07c683107f0,
acesso em 17.07.2016.
LEITE, Eduardo de Oliveira. Alienação Parental: do mito à realidade. São Paulo: Editora
Revista dos tribunais, 2015.
PACHÁ, Andréa. A vida inventada. In: A morte inventada: alienação parental em ensaios e
vozes. Org. Alan Minas Ribeiro daSilva e Daniela Vitorino Borba. São Paulo: Saraiva, 2014.
SILVA, Alan Minas Ribeiro da. A morte inventada: alienação parental em ensaios e vozes.
Org. Alan Minas Ribeiro da Silva e Daniela Vitorino Borba. São Paulo: Saraiva, 2014.