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A Interlocução

com o Direito à
luz das Práticas
Psicológicas em
Varas de Família
Disciplina: Psicologia
Jurídica
Professor: Rodolfo Brandão
CÓDIGO CIVIL DE 1916
Com o código de 1916, consolida-se a definição de
família como sendo a união legalmente constituída
pela via do casamento civil.

O código civil, então, legitima as uniões e trata dos


bens familiares.

Sendo assim, o legislador repudia o concubinato, não


se tratando de uma proibição, mas negando direitos
à concubina como forma de preservar a família.

Nem mesmo a prole era reconhecida juridicamente.


CÓDIGO CIVIL DE 1916
Noção de Família fundamentada no patriarcado.

Família: pai, mãe e filhos; e família extensa.

Homem casado: chefe da sociedade conjugal;


administra bens próprios, do casal e da mulher; detém
autoridade sobre filhos e é o representante legal da
família.

Mulher casada: considerada quase incapaz; nada


decide sobre filhos e patrimônio; precisa de
autorização do marido para trabalhar e para residir
em determinado local; só exerciam o pátrio pode na
ausência ou impedimento do pai.
CÓDIGO CIVIL DE 1916
Separação/desquite só de corpos, e por justa causa (falta
conjugal), mas o matrimônio não se desfaz.

Ao marido, cabia suprir a manutenção da família; à


mulher, zelar pela direção moral.

Com cerca de 30 anos do código civil, por volta de 1946,


até 1964, se vive um período dito democrático;

Nesse período, destacam-se a lei de reconhecimento de


filhos ilegítimos (1949) e o Estatuto da Mulher Casada (1962
– capacidade jurídica da mulher).

Mas permanece inalterado o modelo jurídico de família


nuclear, com laços extensos, centrado no pátrio poder.
NOVOS ARRANJOS E DIFUSÃO
DAS PRÁTICAS PSICOLÓGICAS
Apesar das pequenas mudanças do período
autoritário para o democrático, a partir de 1946, só
por volta da década de 70 que começa a falir o
modelo jurídico de família.

A proposta de reformulação do código civil vem,


então, como consequência do movimento feminista,
da mulher no mercado de trabalho, do
anticoncepcional e da liberação sexual.

Os membros da família, então, passam a se perceber


como iguais em suas diferenças pessoais – mulher
passa a ter mais liberdade de ser sujeito.

Não por coincidência, é nos anos 70, que se inicia um


alto consumo da psicanálise.
NOVOS ARRANJOS E DIFUSÃO
DAS PRÁTICAS PSICOLÓGICAS
Nesse momento de questionamento dos papéis
tradicionais do homem, da mulher e das
gerações, os saberes “psi” surgem como
coordenadas para as relações interpessoais.

Daí vem a necessidade crescente de se pedir a


“palavra” de psicólogos e psicanalistas sobre
questões do casamento e família.

Foucault nos fala que o consumo da psicologia e


da psicanálise não são meramente uma
subversão às tradições, mas implica também uma
multiplicação de micropoderes mais persuasivos e
menos impositivos.
NOVOS ARRANJOS E DIFUSÃO
DAS PRÁTICAS PSICOLÓGICAS
Vale lembrar que nessa época o país estava em
regime militar, é preciso entender o contexto;

A presidência (General Ernesto Gaisel) era


protestante luterana, ou seja, admitia o divórcio;

Só podia ser General e até Presidente da


República, os casados – desquitados não;

Esse contexto influenciou o Poder Executivo para


legitimar e regular o fim do casamento.
DA LEI DO DIVÓRCIO À
CONSTITUIÇÃO
Surge a lei do divórcio em 1977, abolindo-se o termo desquite e
permitindo apenas um divórcio por cidadão – pra amenizar a
oposição da Igreja Católica;

O artigo 15 regula a guarda dos filhos, e diz que só um genitor


pode ter a guarda, e o outro pode visitar e ter a companhia;

Vale frisar que segue igual a questão da guarda e da falta


conjugal.

No tocante “alimentos”, pai e mãe são responsáveis, não


discrimina o sexo responsável pela pensão.

Mas o artigo 10 diz que os filhos menores devem permanecer com


a mãe, a não ser que lhe causem “prejuízo moral” – cuidado e
educação segue sendo papel de mãe.
DA LEI DO DIVÓRCIO À
CONSTITUIÇÃO
A desqualificação sócio-histórica do pai em relação aos
cuidados infantis e a visão de que lhe cabe o suporte
financeiro, faz com que pais separados busquem a
compensação material quando estão com seus filhos, o que
é visto como abusivo pela mãe, gerando mais discórdia.

Mas, atualmente, se vê aumentar os casos em que pais


pedem a custódia, e, nesses casos, os operadores do direito
acabam por perceber com estranheza a mulher que não
prioriza, acima de tudo, o cuidado com os filhos, ela é vista,
muitas vezes, como negligente.

Cabe ao psicólogo das Varas de Família questionar o sentido


da maternidade, a sua naturalização e a concepção de
família, que deve ser lugar de proteção e acolhimento.
DA LEI DO DIVÓRCIO À
CONSTITUIÇÃO
Após a lei do divórcio, temos a constituição de 1988, que
institui significativas mudanças em relação aos direitos e
deveres das famílias;

Concubinato > união estável.

Amplia-se o conceito de família.

Se antes, a legislação buscava consolidar interesses do


Estado com as questões matrimoniais, com a Carta Magna,
se prioriza a pessoa humana e sua dignidade, sua liberdade.

Cabe ressaltar a Lei da Paternidade (1992): igualdade de


direitos entre todos os filhos.
DA LEI DO DIVÓRCIO À
CONSTITUIÇÃO
Mas ao mesmo tempo que a carta Magna veda a
discriminação de cunho sexual, discrimina indiretamente
a homoparentalidade.

Concubinato é união estável agora, mas entre homem


e mulher.

Nesta carta Magna surge também, pela primeira vez no


Brasil, o direito da criança, partindo do conceito de
proteção integral e de sujeito de direito.
A LÓGICA ADVERSARIAL NA
DISPUTA DE GUARDA E OS
PREJUÍZOS DA PERÍCIA
Logo, em 1990, surge o ECA.

A disputa de guarda em um divórcio litigioso está


baseada numa lógica adversarial.

Em face a esse panorama, é comum o psicólogo ser


requisitado para apontar o genitor mais qualificado ou
analisar o impedimento de um deles.

Assim, o laudo ou parecer psicológico acaba sendo


combustível na disputa dos genitores, pois ao mesmo
tempo que auxilia o magistrado, fornece argumentos
técnicos sobre defeitos e virtudes dos genitores.
A LÓGICA ADVERSARIAL NA
DISPUTA DE GUARDA E OS
PREJUÍZOS DA PERÍCIA
É certamente impróprio perguntar a criança com quem ela
deseja ficar. Ela tem liberdade para se expressar em todo esse
contexto, o que é diferente de depor contra os pais e ser
responsável por uma decisão judicial.

Exigir essa resposta da criança pode resultar em sentimento de


culpa por rejeitar um dos genitores. A criança deve entender que
ambos seguem com responsabilidades (deveres) parentais.

Não é difícil a criança se sentir culpada pelo divórcio. O psicólogo


deve acolhe-la e entender o silêncio que muitas vezes se
apresenta, pois pode ser um meio de não participar do conflito
dos pais.

Por tudo isso, a sugestão apresentada ao juiz pelo psicólogo, deve


contar, o máximo possível, com a participação da família, que
não deve ocupar um lugar de passividade e deixar tudo com a
perícia.
PSICANÁLISE E DIREITO: LEIS,
SUJEITO, DISCURSO E DESEJO
A inscrição da psicanálise nas Varas de Família supõe algumas
aproximações com o campo do direito, mas, principalmente, algumas
diferenças;

diferenças principalmente em relação à experiência ética do sujeito em


detrimento à moralidade das leis e dos procedimentos jurídicos.

Escutar o sujeito é privilegiar sua fala e lhe abrir possibilidade de


reconhecer a falta da qual se esquivou desde o início do
relacionamento com o parceiro.

Promover essa escuta, mesmo tão distante da experiência analítica,


afasta o perito da tarefa de fornecer subsídios à decisão judicial de
quem tem condição de ter a guarda.

O psicólogo oferece os ouvidos para que o sujeito não só abra mão da


parcela de gozo que o discurso jurídico promete, mas também faze-lo
agir de outra maneira frente ao processo jurídico e à sua
responsabilidade de elevar o filho à condição de sujeito.
MEDIAÇÃO FAMILIAR
A prática da mediação, implantada em diversos países,
é informada por diversas teorias e técnicas, tendo em
comum o objetivo de devolver ao casal a competência
para gerar a própria solução do conflito.

A mediação pode envolver todos os pontos do divórcio


ou só questões de guarda e visita;

A mediação pode também ser privada ou pública;

Alguns programas de mediação excluem os


advogados, outros incentivam a participação destes.
MEDIAÇÃO FAMILIAR
Ao contrário de outras práticas, a mediação deve incidir
menos sobre o acordo do que sobre o resgate do canal
de comunicação entre oponentes.

Negociação
Conciliação
Arbitragem
Mediação

Litígio com resolução judicial


GUARDA COMPARTILHADA
Guarda compartilhada Guarda alternada.

Na guarda compartilhada, os dois genitores exercem


conjuntamente as decisões importantes em relação aos
filhos, embora apenas um deles possua a guarda física.

De acordo com Dolto (1989), a guarda alternada é


prejudicial à criança até os 13 anos, rompendo uma
continuidade espacial-social-afetiva, gerando dissociação,
passividade e estados de devaneio.

Sempre que não houver acordo, a guarda compartilhada é


indicada, e a equipe interdisciplinar orienta o juiz quanto as
atribuições parentais e períodos de convivência sob a
guarda conjunta.
SÍNDROME DA ALIENAÇÃO
PARENTAL (SAP)
A SAP corresponde às ações de um dos genitores, normalmente o
guardião, que “programa” a criança para odiar o outro sem qualquer
justificativa.

A criança se identifica com o genitor e, por isso, acabar por criar falsas
memórias a respeito do genitor alvo de acusações.

Geralmente o genitor autor das acusações se coloca como vítima frágil


de ações supostamente maldosas da parte do genitor alvo de
acusações.

O alienador causa um desconforto na criança nos momentos em que


está com o outro genitor, se aproveitando para alegar inadequação às
visitas e, assim, interrompe-las.

Inclusive existe alto número de falsas denúncias de abuso sexual.

Vale ressaltar que nem sempre a alienação parental acontece de forma


voluntária e consciente. O desejo do alienador é facilmente
decodificado pela criança ou adolescente, ainda que ele não seja
verbalizado.
CONCLUSÃO
Não se deve perder de vista que o saber psicológico nas
Varas de Família não é isento das relações de poder;

É preciso que nos questionemos se nossas práticas que


buscam resolver os impasses dos cotidianos familiares só
estão perpetuando os mecanismos de tutela de modo
mais sofisticado e menos visível.

Pensar a psicologia jurídica é incidir estrategicamente nos


jogos de poder que operam nos detalhes da relação
Psicologia/Direito.
REFERÊNCIAS
• Psicologia Jurídica no Brasil, Capítulo 2, páginas 43-72.

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