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DIREITO DE FAMÍLIA

I. FAMÍLIA e DIREITO DA FAMILIA

HISTÓRIA DA FAMÍLIA

Nos tempos primitivos, os pais como geradores dos respectivos filhos, exerciam sobre
os seus filhos, uma espécie de direito real, porque tudo podiam, incluindo a
possibilidade de vendê-los e até matá-los.

Nas relações conjugais predominava o poder marital. Isto é, prevalecia a vontade do


marido na relação conjugal, na administração dos bens do casal e na educação dos
filhos. Esta concepção dominou as primeiras legislações na área da família.

A família é uma instituição natural que é anterior ao Estado, ou seja, a existência do


próprio Estado, pois, ela surge da convivência e do desenvolvimento da humanidade.
Surge naturalmente.

Na República de Moçambique a família ocupa um lugar fundamental conforme se pode


concluir do que está consagrado na Constituição da República (CRM), no nr. 1 do art.
119 e nos nrs. 2 e 3 do art. 120, onde a família é reconhecida como o elemento
fundamental e a base de toda a sociedade. Ainda na CRM estabelece-se a
responsabilidade da família pelo crescimento harmonioso da criança e pela educação
das novas gerações nos valores morais, éticos e sociais. A família tem responsabilidade
primaria na educação e orientação da criança.

Ainda na Constituição, estabelece-se que a família e o estado tem a responsabilidade de


assegurar que a formação da personalidade da criança seja feita tendo em conta os
valores da unidade nacional, no patriotismo, no respeito pela igualdade de género e no
respeito e solidariedade social.

Nestes termos a Lei da família aparece como a materialização destes princípios


constitucionais. É através da Lei da Família que o Estado garante que a família cumpra
o seu dever de formar socialmente cidadãos úteis e íntegros que participem em todos os
processos e níveis de desenvolvimento da sociedade.

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Noção jurídica de família artigos 1 e 2

Funções da família

A família tem vindo a perder algumas funções tradicionais. As funções educativas, de


assistência e de segurança, que tradicionalmente pertenciam à família, tendem hoje a ser
assumidas pela própria sociedade.

 Criação, socialização e educação dos filhos


A transmissão da cultura, como conjunto de normas, valores “papéis” e modelos de
comportamento dos indivíduos, constituem funções essenciais da família.

O processo de socialização do indivíduo, constitui um segundo nascimento deste,


como personalidade sócio-cultural, depois do nascimento como indivíduo físico.

Esta função é, em parte, absorvida pelo Estado. A família modela e aperfeiçoa o


carácter do indivíduo e a Escola instrui e educa.

 Intimidade familiar
Resulta do processo de convivência quotidiana, donde surge também a
cumplicidade familiar e o espírito de solidariedade familiar, elementos importantes
na formação da personalidade do indivíduo.

 Escolha de profissão
No relacionamento quotidiano, a família – os mais velhos vão descobrindo a
inclinação nata da criança para uma certa actividade. Deste modo, cabe a família a
criação de condições morais e materiais para que a criança possa se entregar
afincadamente a uma determinada profissão.

 Regulação da natalidade – Nesta função estabelece-se um equilíbrio entre o


volume da população social e o sistema geral da sociedade.

 Transmissão de valores culturais, morais (personalidade)

Natureza jurídica

Existem três teorias que explicam a natureza jurídica da família:


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1. A família como pessoa moral


2. A família como um organismo jurídico
3. A família como Instituição

A família como pessoa moral

Pelo facto de a personalidade moral da família derivar da atribuição de dois tipos de


fenómenos – direitos morais e direitos patrimoniais.

Onde os direitos morais surgem da consciência das pessoas e as normas da pertinência


dos princípios morais

Os direitos patrimoniais referem-se, neste contexto, à necessidade de defesa da herança


na perspectiva do interesse e respeito aos ancestrais da família. Por isso, para esta
teoria, a família consubstancia uma pessoa colectiva de tipo moral.

Crítica: Esta teoria, tem como base, direitos de cada um dos membros em particular e
não direitos da família. Toma a família como uma pessoa colectiva. As pessoas
colectivas no nosso ordenamento jurídico estão previstas no art. 157 CC.

A família como organismo jurídico

Considera-se a família como um organismo semelhante ao Estado (onde há uma


interdependência entre os indivíduos-governantes e governados, e uma sujeição dos
governados ao estado).

Assim, na família também, cada membro ocupa uma posição distinta e sujeita-se ao
interesse familiar.

Crítica: É verdade que existem interesses familiares que ultrapassam os individuais,


Porém, isto não é suficiente para equiparar a organização familiar à organização do
Estado.

A família como instituição

Porque ela tem uma certa organização, que permite a transmissão de geração em
geração e perdura no tempo.

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A família é um meio usado pela sociedade para a procriação, educação, dentre outros.

A família é uma instituição natural, sociológica e jurídica. Pois é tomada como uma
forma organizativa para a transmissão de aspectos culturais de geração em geração. É
também tida como, o conjunto de normas jurídicas organizadas sistematicamente, com
princípios próprios, visando a transmissão da educação e o estabelecimento de direitos
e deveres num certo domínio da vida social.

E ainda, por ser anterior ao Estado e por surgir naturalmente da convivência e do


desenvolvimento da humanidade.

Características da família moçambicana (o estudante deve ser capaz de caracterizar a


família moçambicana – família alargada, inspira-se em princípios tradicionais e
culturais)

Características do Direito da Família

1. Predomínio de normas imperativas


Caracteriza-se por possuir normas inderrogáveis pela vontade dos particulares. É um
dos aspectos que o diferencia do direito das obrigações, cujas normas caracterizam-se
pelo seu carácter supletivo ou dispositivo.

Por exemplo, as normas que regulam os impedimentos matrimoniais, os direitos e


deveres pessoais dos cônjuges.

2. Institucionalismo

A família é a instituição mais antiga de que se tem conhecimento, mais antiga que o
Estado. A família é um organismo natural que preexiste ao direito escrito, no qual vive
uma ordenação íntima, complexa e difícil de racionalizar.

Dai que se considere o direito da família como um direito institucional, pois o legislador
quando regula as relações de família se limita em alguma medida, a reconhecer esse
direito que vive e constantemente se realiza na instituição família.

3. Permeabilidade do dto da família às transformações sociais

O direito da família tal como o direito das sucessões ‘e um ramo do direito civil muito
permeável as modificações das estruturas políticas, sociais, económicas, etc.,

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característica que ressalta quando se confronta o direito da família com o direito das
obrigações insensível a essas modificações.

No dto da família por exemplo, a solução a dar a questões como casamento,


admissibilidade do divórcio, posição da mulher casada em face do marid, situação dos
filhos nascidos fora do casamento e outras, dependem de condicionalismos sócio-
economicos, das opções do Estado em matéria política e religiosa. Por exemplo, durante
a dominação colonial o Estado não era laico, tinha um domínio católico dai que na lei da
família reconhecia-se o casamento católico.

4. Ligação a outras ciências humanas

Uma outra característica do direito da família é ainda a sua estreita ligação a outras
ciências humanas. Por exemplo o direito da filiação é largamente tributário da biologia.
A compreensão e a própria aplicação prática de numerosas soluções legais respeitantes
ao poder parental e a adopção, requerem conhecimentos adequados de psicologia e
pedagogia e, de medicina para soluções no âmbito do poder parental.

Caracterização dos direitos familiares

1. Direitos familiares pessoais como poderes funcionais


É mais importante caracterização, os direitos familiares pessoais não são direitos
subjectivos propriamente ditos, mas poderes funcionais, poderes-deveres e coo tal,
irrenunciáveis e indisponíveis.

Sendo o direito subjectivo, o poder de exigir de outrem um certo comportamento, ou de


produzir certas consequências jurídicas (direito potestativo), nos direitos subjectivos o
titular pode escolher livremente o modo do seu exercício, assim como pode não exercê-
lo.

No entanto, os direitos familiares pessoais são direitos a que não se ajusta a noção
tradicional de direito subjectivo, pois o seu titular, não pode exercê-los como queira. São
Poderes-Deveres, e como tal irrenunciáveis, indisponíveis. O seu titular é obrigado a
exercê-los de certo modo.

2. Fragilidade da garantia/ fraca coercibilidade


Não existe uma sanção organizada para os casos de incumprimento dos deveres
respectivos. Por exemplo o divórcio não constitui sanção para o incumprimento dos
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deveres conjugais, mais sim, um remédio para uma situação de vida matrimonial
intolerável.

3. Tipicidade dos direitos familiares


Existe um numerus clausus de direitos e negócios familiares. P Ex. Não seria válido um
contrato assumido por 2 pessoas de sexo diferente assumindo as obrigações conjugais,
sem que seja pelo casamento.

4. Carácter duradouro
As relações ou direitos familiares são permanentes, duradouros, em flagrante contraste
com as relações obrigacionais, que por regra são transitórias.

As relações familiares são sempre duradouras a tal ponto que geram verdadeiros
estados da pessoa ou afim, por exemplo o estado de adoptado, de filho, de parente…
daí que se diga que, geram verdadeiros estados da pessoa, não se admitindo que se
possa apor a estes factos jurídicos, condição ou termo.

Daí a necessidade de certeza e segurança que faz com que se exija o registo civil que
constitui em princípio, a única prova legalmente admitida desses actos.

Deveres da Familia – art. 5 L.F

II. FONTES DAS RELAÇÕES JURÍDICAS FAMILIARES


De uma forma geral as relações jurídicas familiares são relações típicas, isto é, a sua
enumeração mostra-se fixada de forma taxativa pela lei. O Direito da Família contempla
normas que regulam as relações intrinsecamente familiares, segundo o artigo 7 da Lei
da Família, constituem fontes dessas relações: a procriação, o parentesco, o casamento,
a união de facto, a afinidade e a adopção.

1. O Parentesco – art. 9 da L.F

O Parentesco, é o vínculo que liga duas pessoas, em virtude de uma delas descender
da outra ou de ambos procederem de um progenitor comum. É a noção que se pode

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extrair da lei, por esta estabelecer a determinação do parentesco pelas gerações que
vinculam os graus constituindo a linha do parentesco.

Os parentes estão entre si ligados por um vínculo de sangue. O pai e a mãe são
parentes do filho quer estejam ou não ligados pelo casamento ao tempo da
concepção

Assim sendo, ao abrigo do estabelecido no artigo 9 da Lei da Família são elementos


do parentesco, as gerações, as linhas de parentesco e a série dos graus.

Trata-se, assim, de vínculo no qual radica o fenómeno biológico da procriação,


independentemente da sua ligação ou não ligação ao casamento. Por isso, o filho é
parente do seu pai e da sua mãe, independentemente de estarem ligados por laços
de casamento assim como o mesmo mantém relações de parentesco com parentes de
cada um dos seus progenitores e respectivos filhos.

De acordo com a lei, há duas espécies de parentesco, o parentesco na linha recta e o


parentesco na linha colateral ou transversal.

1.1 O Parentesco na Linha Recta – 1ª parte do nr. 1 do art. 11 da L.F

É o vínculo que une as pessoas que descendem umas das outras, tais como pai e
filho, mãe e filha, avó e neto, etc. (nº1 do artigo 10 da Lei da Família).
A linha recta descendente quando se considera como partindo do ascendente para o
que ele procede. Será ascendente quando se considera como partindo deste para o
progenitor, de acordo com o estabelecido no nº1 do artigo 10 da Lei da Família.

Assim, o pai é parente do filho na linha recta descendente, o neto é parente da avó
na linha recta ascendente.

 Linha Recta descendente a linha recta é descendente, quando se considera


como partindo do ascendente para o que dele procede. Parte-se do
progenitor para o seu descendente, por exemplo:
Bisavô

Avô

Pai
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Filho

Neto

Bisneto

 Linha Recta Ascendente quando se parte do descendente para o seu


progenitor
Bisavô

Avô

Pai

Filho

Neto

Bisneto

 Parentes na linha paterna e parentes na linha materna, se para ponto de


partida de uma linha ascendente se tomar o pai ou mãe de certa pessoa,
teremos duas linhas ascendentes que entram em duas famílias diversas: a
linha paterna e a linha materna.

Avô pat. ↔ Avó pat. Avô mat. ↔ Avó mat.


↓ ↓
X_____X____X X_____X____X
Tios pat. Pai Mãe Tios mat.

Filho

1.2 O Parentesco na Linha Colateral ou Transversal – 1ª parte do nr. 1 do art. 11 da L.F

É o vínculo que liga as duas pessoas que, não sendo descendentes umas das outras,
procedem de um tronco comum, não importando se este é único ou vários (nº1 do
artigo 10 da Lei da Família).

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Assim serão parentes colaterais os primos entre si, tendo por tronco comum os
respectivos pais, os tios e sobrinhos, tendo por tronco comum os progenitores dos
três, igualmente avós dos sobrinhos.

Relativamente aos irmãos há que distinguir os que provêm simultaneamente, do


mesmo pai e da mesma mãe (irmãos germanos), e os que têm de comum somente o
mesmo pai (irmãos consanguíneos), e os que têm somente a mesma mãe (irmãos
uterinos).

O tio e sobrinho também não descendem um do outro mas procedem de um tronco


comum, que é o pai do tio e avô do sobrinho. Os primos, co- irmãos, têm o
progenitor comum que é o avô, que é ascendente de ambos.

1.3 Cômputo dos Graus – art. 12 da L.F

O parentesco tanto na linha recta como na linha transversal pode ser mais ou menos
próximo. A proximidade do parentesco mede-se por graus e o grau de parentesco
conta-se pelo número de nascimentos que ligam uma pessoa a outra na cadeia do
parentesco.

1.3.1 Contagem dos graus na linha recta – nr. 1 do art. 12

Tratando-se de parentes na linha recta, há tantos graus quantas as pessoas que


formam a linha de parentesco, excluindo o progenitor comum, por exemplo Pai e
Filho são parentes do 1° grau.

Pai

Filho

Se contarmos o número de pessoas que forma a linha de parentesco entre pai e


filho temos duas pessoas, se excluirmos o pai que é o progenitor fica apenas o
filho, assim sendo temos um grau, uma geração.

Avô

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Pai

Filho

Se contarmos as pessoas que formam a linha de parentesco entre avô, pai e filho,
teremos três pessoas, se excluirmos o progenitor comum, neste caso o avô,
ficamos com pai e filho, assim temos dois graus, duas gerações. O avô e o neto
são parentes do 2°grau na linha recta.

1.3.2 Contagem dos graus na linha colateral - nr. 2 do art. 12

Tratando-se de colaterais, o cômputo do grau de parentesco faz-se mediante a


contagem das pessoas que integram a respectiva linha subindo por um dos
ramos da árvore genealógica e descendo pelo outro, mas incluindo o progenitor
comum. Por exemplo:

Os irmãos são parentes do segundo grau

Pai

Filho Filha

Contam-se as pessoas que integram a respectiva linha, subindo por um dos lados
(do filho ao pai) e descendo por outro, (do pai a filha) mas sem contar o
progenitor comum, integram a linha três pessoas, se não contamos o pai
(progenitor comum), temos duas pessoas, assim temos dois graus, duas gerações.

Tio e sobrinho são parentes do 3°grau

Pai

Filho Irmãos Filha

Sobrinho (filho da irmã)

Contam-se as pessoas que integram a respectiva linha, subindo por um dos lados
(do lado do sobrinho a mãe e deste ao avô e deste ao filho) sem contar como avô
(progenitor comum), teremos três pessoas, assim temos três graus, três gerações.

1.4 Limites do Parentesco – art. 13 da L.F

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Os efeitos do parentesco produzem –se em qualquer grau na linha recta e até ao


oitavo grau da linha colateral, conforme estabelece o artigo 12 da Lei da Família.

2. Afinidade – 14 da L.F

A afinidade é distinta do parentesco. Fala-se por vezes de “parentes por afinidade”


mas esta terminologia deve ser evitada. A afinidade não é um vínculo de sangue e o
parentesco tem como base a consanguinidade.

Nos termos do art. 14, a afinidade é o vínculo que liga cada um dos cônjuges aos
parentes do outro. Nestes termos conclui-se que para que se afira a existência de
uma relação jurídica familiar de afinidade é necessário que exista uma relação de
casamento entre uma das pessoas que se pretenda aferir a relação jurídica familiar,
com o(a) parente de outra pessoa. Por exemplo, se se disser que existe uma relação
de afinidade entre a Rosa e a Júlia, significará que a Rosa tem uma relação de
casamento com um parente da Júlia. Ou, que a Júlia tem uma relação de casamento
com um parente da Rosa.

A afinidade é a relação existente entre sogros(as) e genros ou noras;


padrastos/madrastas e enteados(as); cada um dos cônjuges e os irmãos do outro
cônjuge, entre outras situações.

E mesmo que se dissolva a relação conjugal que fez surgir a relação de afinidade,
esta afinidade não cessará, pois, nos termos do art. 15 da L.F, ela não cessa pela
dissolução do casamento.

A afinidade determina-se pelos mesmos graus e linhas que definem o parentesco –


art. 15 da L.F.

Vejamos o exemplo a seguir:

Anita

Paulo

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João ---------- Maria

Para aferir a relação jurídica familiar entre a Maria e a Anita, teremos que aferir a
relação jurídica familiar entre o João e a Anita. Sendo a afinidade uma relação que se
estabelece entre cada um dos cônjuges e os parentes do outro, existirá uma relação
de afinidade entre a Maria, por ser cônjuge do João, e a Anita por ser parente do
João. Quanto a linha e graus serão os mesmos que ligam a Anita e o João.

3. Casamento

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