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Daphne Clair
Julia 345
O dia estava perfeito e o céu azul, sem nuvens. Uma brisa suave vinha do mar,
que beijava a areia branca em ondas incessantes.
Rachel conhecia aquela praia como a palma da mão. A baía era quase
inacessível, a não ser pelo caminho estreito que levava ao pequeno chalé, equilibrado
no alto de um rochedo que se projetava sobre o mar.
Ela olhou para cima, mas não viu o carro esporte estacionado ao lado da casa.
No entanto, lembrava-se de que ele estava lá de manhã.
Damon Curtis devia ter ido à cidade, pensou. Provavelmente levaria muito
tempo para vencer os sessenta quilômetros da estrada estreita e poeirenta, que
cruzava os vales e os montes onde carneiros pastavam. No inverno, a estrada se
tornava muito perigosa, cheia de deslizamentos, às vezes se interrompendo
bruscamente numa cratera profunda criada pelas chuvas. Nessas ocasiões, as
fazendas de carneiros ficavam isoladas do resto do mundo, esperando que as
autoridades providenciassem um atalho na encosta escarpada.
Rachel tornou a olhar o céu claro. Não, nada indicava que o tempo fosse piorar.
Apesar da estrada, ele chegaria à cidade sem problemas. Tane, a deusa dos maoris,
iria protegê-lo.
Será que ele ia ficar o dia inteiro fora? Devia estar cansado do isolamento
daquele lugar e resolvera se distrair um pouco. Afinal, Damon Curtis era um escritor
famoso, acostumado ao barulho e à agitação das grandes cidades...
Rachel estendeu a vista para o mar, tão convidativo. Que pena não ter posto o
maiô! Se tivesse certeza de que ele não ia voltar logo, até que se arriscaria a nadar
sem roupa...
Andou pela orla do mar, sentindo a água lamber-lhe os pés descalços. Ah, que
vontade de mergulhar, deixando-se envolver por aquelas ondas deliciosas! Poderia
tomar um banho bem rápido antes de voltar para casa. Ninguém ficaria sabendo...
Sem pensar duas vezes, ela foi para a areia seca e num ímpeto tirou a blusa, o
jeans desbotado e a calcinha de algodão. Depois, correu para o mar e mergulhou em
suas águas revoltas.
Maravilhoso! Vencido o primeiro choque, Rachel se deliciou com o contato das
ondas. Nadou, deslizou na crista de uma onda até a praia, para depois voltar, esperar
outra e deslizar de novo. Seu corpo nu, esbelto e firme, entrava e saía da água,
mergulhando, pulando, desaparecendo para surgir outra vez.
Ficaria ali durante horas se pudesse, mas agora precisava ir embora. Com
relutância, aproveitou a última onda, até chegar à praia. Ao sentir a areia, ergueu-se
deixando a água escorrer de seu corpo. Puxou os cabelos para o lado e apertou-os
para que secassem mais depressa.
Quando levantou a cabeça... viu Damon Curtis, parado a poucos metros,
olhando-a fixamente. Num impulso, Rachel pôs as mãos diante do corpo, tentando
esconder sua nudez.
Por um longo momento, nenhum deles se mexeu. Então ele se virou e deu-lhe
as costas, sem, no entanto, sair de seu caminho.
Rachel não deixou de observá-lo, mesmo quando saiu da água e foi apanhar as
roupas. Vestiu a calcinha e a blusa, que se grudou na pele molhada, deixando seus
seios bem marcados. Colocou o jeans e fechou o zíper.
— Avise quando estiver pronta, Afrodite — disse Damon, ainda de costas.
Rachel só pensava em escapar dali. Olhou para o rochedo, mas a maré tinha
subido, tornando esse caminho inviável. Não havia outra solução. Precisaria seguir a
trilha normal, passando por ele, que continuava ali parado.
No entanto, se fosse bem rápida, ele não poderia alcançá-la... Decidida, correu
o mais depressa que pôde e seguiu caminho acima. Inutilmente, porque pouco
depois Damon a segurou pelo braço, impedindo-a de prosseguir. Rachel ainda tentou
se livrar, até reconhecer que ele era muito mais forte. Não tinha chance nenhuma.
Damon a prendia com força, parecendo disposto a não deixá-la escapar. Seus
cabelos escuros caíam em mechas teimosas sobre a testa, acentuando os traços bem
definidos. Olhos cinzentos, frios como uma manhã de inverno, a fitaram com
insistência. Ele reparou nos cabelos de Rachel, molhados e despenteados, nos olhos
verdes como esmeraldas, nos lábios entreabertos.
Embaraçada, com a respiração ainda descompassada, ela baixou o olhar.
— Puxa, depois de vestida você parece uma garotinha! — Um ar divertido
brilhou nos olhos de Damon.
— Sinto muito se ficou desapontado, sr. Curtis.
Surpreso, ele estourou numa gargalhada, inclinando a cabeça para trás. Ao
fazer isso, afrouxou a pressão das mãos, de modo que Rachel conseguiu soltar-se. Ela
não perdeu tempo. Correu para cima, mesmo sentindo que ele a seguia de perto.
— Não fuja — pediu Damon, quando conseguiu segurá-la já perto da casa. —
Vamos conversar.
— Não estou fugindo. Apenas não quero falar com você.
— Por quê? O que foi que eu lhe fiz?
— Não gosto de ser espionada.
— Espionada? Olhe aqui, mocinha, eu moro nessa casa, sabia? Posso até acusá-
la de invadir minha propriedade!
— O quê?! Ora, essa é muito boa! Você é o invasor! Tenho mais direito à casa do
que qualquer outra pessoa. Cansei de prevenir meus tios que não deviam alugá-la,
mas não me ouviram.
Damon notou que ela mal continha a raiva.
— Quem é você?
— Rachel Standen. Eu... morava aqui, com meu pai.
— Bem, então vamos entrar. Assim poderá me contar tudo. Eu nem sabia da
sua existência...
— Não quero! — Ela puxou o braço, mas Damon a deteve, entrelaçando os
dedos nos dela.
— Ei, não precisa ser tão ríspida. Qual é o problema?
— Desculpe. Na verdade, tenho que ir embora, já é tarde. Além disso, sei que
não devo ir a lugar nenhum com desconhecidos...
— Não sou nenhum monstro que come criancinhas! — Ele riu.
— Nem eu sou criança! Já tenho quase dezoito anos... Sou capaz de me cuidar.
— Ótimo. Como já passei dos trinta, acho que podemos ter uma conversa
agradável. Venha. — Damon abriu a porta e afastou-se para que ela entrasse.
Rachel ainda hesitou, mas acabou aceitando o convite. Na sala, reconheceu o
tapete que ocupava o centro do aposento, mas agora havia vários outros, de pele de
carneiro. O sofá e poltronas eram os mesmos, acrescidos de vários almofadões de
cores claras. Uma cadeira de balanço ocupava um dos cantos, perto de um abajur.
Junto da janela havia uma mesa com a máquina de escrever e várias pilhas de papel.
— Pensei que estivesse de férias — comentou Rachel.
— Escritores nunca têm férias. Se me afastarem da máquina de escrever, fico
louco. — Ele se encaminhou para a cozinha — Quer um refresco ou um refrigerante?
— Tomo um suco de laranja, se tiver. — Rachel ficou um pouco aborrecida por
ele não ter oferecido um drinque. Devia estar pensando que ela ainda era muito
criança...
Damon serviu dois copos e entregou-lhe um.
— Você também vai tomar suco? — perguntou ela, surpresa
— Não tenho nada alcoólico aqui.
— Não?
Damon riu da expressão incrédula de Rachel.
— Nem todo escritor é um alcoólatra inveterado. — Ele apontou o sofá. — Mas
sente-se, por favor.
Rachel preferiu a poltrona, evitando ficar muito perto dele.
— Então você morava aqui? — perguntou ele.
— Foi meu pai quem tornou esta casa habitável. Quando mudamos para cá,
estava quase em ruínas.
— É mesmo? Ele é arquiteto?
— Não, mas sabia fazer mil coisas... Ele já faleceu.
— Ah, sinto muito... Mas então seu pai comprou esta casa?
— Não, ele... Bem, é melhor contar desde o começo. Eu tinha quatro anos
quando papai veio trabalhar para tio Bert, o sr. Langholm. Era um serviço
temporário, mas fomos ficando. Na época, morávamos numa barraca, mas tia Anne
achava que não era adequada para uma menina e vivia insistindo para que eu fosse
morar com ela, mas papai não quis. Como esta casa estava vazia e caindo aos
pedaços, papai pediu para usá-la. Queria manter a família unida, já que éramos só
ele e eu.
— E sua mãe?
— Morreu quando eu era muito pequena. Não me lembro dela.
— Faz muito tempo que também está sem seu pai?
— Três anos. Papai sofreu um acidente horrível. O trator virou e rolou por cima
dele.
— Deve ter sido muito duro para você. Não é uma situação fácil de enfrentar,
principalmente quando se é tão jovem.
— É difícil em qualquer idade, não concorda?
— Tem razão. Perdi meus pais num acidente de carro quando tinha vinte e
cinco anos e também sofri muito. Tenho uma irmã, mas assim mesmo... O sr. e sra.
Langholm são seus tios por parte de mãe?
— Na verdade não são meus parentes, mas têm sido muito bons comigo e
sempre os chamei de tios. Os filhos deles moram fora, só Jerry é que ficou
trabalhando na fazenda. Tia Anne tomou conta de mim porque eu estava
completamente sozinha no mundo. Foi muito carinhosa mas, no princípio, eu
sempre voltava para cá, afirmando que aqui era meu lugar. Admito que agi de modo
muito infantil...
— Não é para menos. Você só tinha catorze anos! — Ele fez uma pausa. — Ainda
se ressente por ver outra pessoa invadindo sua velha casa, não é?
— Bem... sempre pensei nela como se fosse minha, embora não tenha direito
nenhum. Papai não a comprou, nem assinou contrato. Apenas pediu a tio Bert para
morar aqui e, mesmo tendo feito a reforma, não obteve direito legal sobre a
propriedade. Os donos continuam sendo os Langholm.
— Talvez exista uma maneira de acertar a situação. Já procurou um advogado?
— Não, nem quero. Fiquei aborrecida por meus tios terem alugado a casa, mas
compreendo que podem fazer dela o que quiserem. Além disso, têm cuidado de mim
durante todos esses anos e sei o que isso significa.
Apesar de ser grata pela bondade do casal, Rachel às vezes sentia-se magoada e
mal compreendida. Talvez fosse sensível demais, mas se revoltava quando sua tia
Anne lastimava o modo como seu pai a criara.
Diante das inúmeras proibições da tia, Rachel sempre afirmava: "Papai
deixaria, tenho certeza", ao que a sra. Langholm retrucava: "Agora não ia deixar,
porque você não é mais uma garotinha". De que adiantava se revoltar? O pai estava
morto e não podia mais defendê-la...
Damon Curtis colocou o copo vazio sobre a mesa de centro.
— Então você sabia que eu tinha alugado a casa. Não teve medo de ir nadar
daquele jeito?
Rachel imediatamente se pôs na defensiva.
— Você tinha saído! Seu carro não estava estacionado na porta.
— Mas eu ia voltar, certo? Você se arriscou muito.
— Não esperava que aparecesse tão depressa. Imaginei que passaria o dia todo
na cidade.
— Para quê? Fiz o que precisava, fui ao correio, comprei mantimentos e voltei.
— Foi até lá só para isso? Quando vamos, ficamos até à noite.
— Vim morar neste lugar afastado justamente para ficar longe do movimento
da cidade.
Rachel encarou-o curiosa.
— Por quê? Não gosta de viver na cidade?
— Preciso de paz para trabalhar. Tenho grandes idéias, mas preciso de
tranqüilidade para pô-las no papel. Não dava mais para ser interrompido a todo
instante por amigos, telefonemas, convites...
— Está escrevendo outro romance?
— Isso mesmo. Posso deduzir que já leu algum de meus livros?
— Sei que é um dos melhores escritores da Nova Zelândia. Houve muita
publicidade a seu respeito quando vendeu os direitos autorais de seu último livro
para a realização de um filme. No entanto, só li "Decepção Amarga".
— Gostou?
— Para ser bem sincera... não.
— Obrigado por me dizer a verdade. Quase ninguém mais tem coragem de ser
franco desse jeito.
Rachel levantou.
— Preciso ir agora, senão tia Anne pode ficar preocupada comigo.
— Espero que goste de meu novo romance. Assim que for publicado, mando-lhe
um exemplar.
— Obrigada.
Damon acompanhou-a até a porta.
— Sempre que tiver vontade de nadar, venha. Talvez eu até lhe faça companhia.
Não se incomoda, não é?
— Claro que não.
A caminho de casa, Rachel sorriu, lembrando desse último convite. Será que
Damon Curtis esperava vê-la outra vez sem maiô?
CAPÍTULO II
Rachel conseguiu entrar em sua casa sem ser vista. Foi depressa tomar banho,
depois pôs um vestido de verão e secou os cabelos antes de ir à cozinha preparar o
jantar.
Gostaria muito mais de trabalhar fora, ajudando Jerry nas tarefas da fazenda,
mas tia Anne era muito categórica a esse respeito: "Mulher é feita para os serviços
domésticos e não para enfrentar o trabalho duro e pesado que os homens fazem.
Nossa obrigação é esperá-los com uma refeição quente e gostosa". Não adiantava
lutar contra a determinação da tia. Por mais que detestasse as tarefas domésticas,
Rachel acabava se submetendo.
Com um suspiro, ela separou a carne, preparou-a, descascou as batatas e depois
foi à horta colher verduras frescas.
Pegou bastante espinafre e, enquanto o lavava, lembrou-se das ondas fortes da
praia, antes do encontro com Damon Curtis.
Afrodite, ele a tinha chamado. Uma brincadeira, naturalmente, por vê-la
emergir das águas, como contava a lenda. No entanto, assim que a viu vestida,
Damon mudou de idéia. Aborrecida, Rachel lembrou-se que ele a chamou de
"garotinha". Será que ele a julgava alguma menina boba só porque morava longe da
cidade? Com raiva, Rachel começou a cortar o espinafre, batendo a faca com força
contra a tábua.
— Tenha cuidado, Rachel. Vai acabar se cortando — Anne Langholm a
preveniu, entrando na cozinha nesse momento.
Imediatamente ela refreou o ímpeto e passou a agir com calma, para evitar que
a tia a observasse. Durante toda a noite foi amável e delicada. Serviu a sobremesa e
tirou a mesa antes que lhe pedissem. Em seu íntimo, tinha um ligeira sensação de
culpa pelo que fizera à tarde. Tia Anne certamente a reprovaria, se soubesse.
Após o jantar, a família se reuniu para ver televisão. Rachel e a tia costuravam,
enquanto os homens divertiam-se com um programa sobre esportes.
Durante um dos intervalos para comerciais, Rachel notou que Jerry a olhava de
modo estranho. Ao ser surpreendido, ele desviou o olhar e ela voltou a atenção para
o trabalho, mas momentos depois os olhares tornaram a se encontrar. Dessa vez
Jerry não se esquivou.
Uma sensação esquisita, misto de medo e excitação, cresceu dentro de Rachel,
que sentiu as faces em fogo. Era a primeira vez que reconhecia o desejo estampado
no rosto de um homem.
Concentrou-se na costura, mas suas emoções estavam confusas. Não podia
negar que gostava de ser admirada. Damon Curtis a tinha chamado de "garotinha" e,
no entanto, o que via nos olhos de Jerry desmentia essa afirmação.
Rachel olhou para cada membro daquela família que a acolhera com tanto
carinho. Gostava deles, apesar de às vezes desejar que existisse maior afinidade. Até
mesmo Jerry, seu companheiro e amigo, não a compreendia muito bem.
A princípio Jerry a tinha ignorado, talvez pela diferença de idade: ele era seis
anos mais velho. Só mais tarde os dois começaram a se aproximar. Agora ele era
como um irmão.
O que achava de Jerry? Bem... era bonito, tinha olhos azuis expressivos, o
cabelo muito claro por estar sempre exposto ao sol, o corpo bem proporcionado e
forte, e pele queimada. Fazia muito sucesso com as mulheres; as garotas viviam atrás
dele.
— Foi um jogo sensacional, hein? — comentou Jerry no fim do programa. —
Esse tenista ainda vai ser campeão.
— Tem razão, meu filho. — Bert Langholm virou-se para a esposa. — Anne, hoje
conversei com o novo inquilino.
Rachel prendeu a respiração. Damon Curtis teria dito alguma coisa sobre o
encontro na praia?
— Como ele está se arranjando? — Tia Anne não se conformava com a idéia de
um homem viver sozinho, cuidando da casa e da própria comida.
— Muito bem, pelo jeito. Ele estava de saída para a cidade. Disse que ia
comprar mantimentos.
— Que bobagem ir tão longe só para isso. Poderia ter me pedido o que lhe
faltava.
— Foi o que lhe disse, Anne, mas o rapaz é tão independente que nem me
escutou. Insistiu que não queria nos dar trabalho e que não custava nada dar um
pulo até o supermercado.
— Não é trabalho nenhum! — Anne guardou a costura. — Esse pessoal da
cidade pensa diferente da gente, não é? Amanhã dou um pulo lá e falo com ele.
— Acha que é uma boa idéia?
— Por Que não?
— Não sei se será bem-vinda, Anne. Damon Curtis é do tipo solitário e cansou
de dizer que veio para cá justamente para se livrar da vida agitada que levava. Se
quer saber minha opinião, acho que devia deixá-lo em paz.
— Pois eu penso de outro modo. — Anne continuou firme. — Damon Curtis
deve estar sem jeito de nos pedir alguma coisa, só isso. Vou até lá para lhe dizer que
não faça cerimônia, que estamos muito acostumados a ajudar vizinhos.
Rachel estava cada vez mais preocupada. Tio Bert tinha encontrado Damon
quando ele ia para a cidade, portanto antes de sua aventura na praia. Mas, e se... e se
Damon resolvesse contar tudo a tia Anne? Que horror! Precisava falar com ele, antes
que a tia fosse lá. Tinha que lhe pedir que guardasse segredo.
Agitada demais para continuar costurando, Rachel guardou seu trabalho e se
ofereceu para fazer café. Todos aceitaram.
Foi para a cozinha, mantendo-se ocupada para não pensar no problema que
tinha pela frente. Preparou o café, arrumou a bandeja e levou-a para a sala. Entregou
as xícaras aos tios e depois para Jerry, que lhe tocou os dedos por mais tempo que o
necessário.
Esse gesto, em vez de agradá-la, só aumentou sua irritação. Não agüentava
mais ficar na sala, estava muito nervosa. Queria ir para a solidão de seu quarto e
pensar.
— Vou deitar, estou cansada. Boa noite. — Rachel saiu o mais depressa que
pôde.
Ainda não eram seis horas quando acordou. Ficou deitada mais um pouco,
esperando que os ponteiros formassem uma linha vertical. Quando levantou, vestiu
uma calça jeans, uma blusa azul-clara e saiu de casa, respirando o ar fresco da
manhã.
Andou ligeiro, procurando o abrigo das árvores, que impediam que a vissem da
casa. Depois seguiu a trilha dos carneiros que a levaria até a baía.
Esperava que Damon Curtis fosse madrugador, pois pretendia estar de volta
antes das sete, para que não percebessem sua ausência.
Logo chegou à casa dele. Bateu, mas ninguém atendeu. Insistiu com mais força,
mas nem assim ele apareceu. Experimentou a porta, e, como estava destrancada,
entrou, chamando por Damon. Só faltava ir até o quarto dele para acordá-lo, mas
isso seria demais!
Suspirou, aborrecida. Virou-se para ir embora, quando algo colorido, na praia,
despertou sua atenção. O que seria? Talvez uma toalha estendida na areia?
Olhou para o mar e viu Damon mergulhando sob uma onda alta. Rachel desceu
correndo o caminho íngreme e, quando chegou à areia, ele já saía do mar, com os
cabelos loiros colados à cabeça e a água pingando do corpo. Usava um calção
reduzido que enfatizava suas formas masculinas.
— Tal como você, Rachel, não resisti à tentação do mar — gritou ele ao avistá-
la. — O que faz por aqui tão cedo?
— Precisava falar com você sobre... aquilo. Tia Anne vem aqui hoje e...
— Por quê? — Ele apanhou a toalha e começou a enxugar-se. — O que andou
dizendo a ela?
— Nada! Por isso vim até aqui. Espero que você também não diga nada. Por
favor, poderia manter em segredo que me viu nadando sem roupa?
— Por que eu haveria de tocar no assunto?
— Pensei que você... talvez... achasse que era sua obrigação contar tudo a ela.
— É mesmo?
Damon parecia perplexo e divertido. Rachel sentiu que estava fazendo papel de
boba. Sem dúvida, ele a julgava uma garotinha ingênua que armava tempestades em
copo d'água.
— Tia Anne é muito severa e tenho certeza de que faria um escândalo se
soubesse o que aconteceu aqui.
— Ela bateria em você?
— Não, isso não...
— Então, o quê?
— Bem, ela me faria um longo sermão sobre modéstia e decência, sobre o tipo
de moça que posso vir a ser se continuar agindo dessa forma, sobre... coisas assim,
compreende? Tia Anne é muito boa, mas insiste em manter-me trancada em casa.
— Entendo. — Damon segurou a mão dela e começaram a caminhar pela praia.
— Disse a ela que me encontrou ontem?
— Não. Se dissesse, ia ter que dar muitas explicações...
— Está bem. Já sei como faremos. Quando ela vier, vou fingir que nunca vi você
antes. — Uma pausa. — Mas, afinal, se não é para tomar satisfações, por que ela vem
aqui?
— Tia Anne quer se oferecer para ajudar você no que precisar. Acha uma
bobagem você ir até a cidade sempre que faltar uma coisa ou outra.
Damon passou a mão pelos cabelos molhados, num gesto aborrecido.
— Sei que sua tia tem a melhor das intenções, mas pensei que tivesse explicado
bem que aluguei esta casa para ficar sozinho.
— Todos sabemos que prefere manter-se isolado e que recusa os convites que
lhe fazem. Porém tia Anne acha que poderia ter mudado de idéia e...
— Não sou tão volúvel assim! Sei o que quero.
— Mas... então por que me convidou para vir aqui nadar outras vezes?
Damon riu.
— Nadar com a vizinha, em frente a minha casa, não é um sacrifício assim tão
grande, não acha?
Rachel se retraiu. Ele já estaria arrependido por ter combinado nadar com ela?
Era melhor mudar de assunto.
— Agora preciso ir embora. Sei que tia Anne vai convidá-lo para jantar, mas
não vai aceitar, tenho certeza.
— Gostaria que eu fosse?
Surpresa, Rachel o encarou, sem entender o ar malicioso dos olhos dele.
— Faça como quiser, mas tia Anne ficará decepcionada se recusar. — Ela deu
uns passos para a frente. — Até qualquer dia.
— Até... — Pensativo, Damon a observou subir o caminho íngreme, até Rachel
desaparecer de sua vista.
A sra. Langholm voltou entusiasmada. Anunciou que o sr. Curtis não só a tinha
recebido muito bem, como aceitara seu convite para jantar no dia seguinte.
— Vou fazer assado de carneiro com molho de hortelã e uma terrina de legumes
— decidiu.
Não era um menu muito especial, mas Rachel sabia que ela era excelente
cozinheira e que ninguém resistia à tentação de experimentar carnes e legumes
frescos da própria fazenda.
No dia seguinte, depois de ajudar na cozinha, Rachel foi se arrumar. Ficou
parada diante do armário, sem decidir o que vestir. Queria pôr algo diferente,
sofisticado, que a fizesse parecer uma mulher adulta. Mas, por mais que olhasse, não
encontrava nada adequado.
Pegou um vestido de algodão branco, colocou-o na frente do corpo e olhou-se
no espelho. O decote fechado, rente ao pescoço, terminava com um babadinho do
mesmo bordado inglês que enfeitava a barra da saia. Não! Nada disso! Com essa
roupa ia parecer uma menininha no dia da primeira comunhão.
Voltou ao guarda-roupa para experimentar outra coisa. Não tinha muita
variedade de vestidos, mas havia de encontrar um mais parecido com o que queria.
Acabou se resolvendo por um vestido tipo camisão, de seda azul, que tia Anne
havia lhe comprado numa liquidação. Para ficar mais ousado, deixou os dois
primeiros botões abertos. Colocou um cinto largo e completou com sandálias de
salto.
Os cabelos foram outro desafio. Escovou-os até que ficassem brilhantes e
depois puxou-os para trás, prendendo-os num coque baixo. Não deixou um só fio
fora do lugar.
Mesmo que tia Anne se aborrecesse, ela decidiu pintar os olhos para deixá-los
maiores. Finalmente passou um pouco de batom rosa-claro.
Rachel foi para a sala no mesmo instante em que tocavam a campainha. Tia
Anne veio abrir a porta e, ao ver a enteada, logo recomendou:
— Feche esses botões.
Envergonhada, Rachel obedeceu sem pensar e ficou parada, enquanto Damon
entrava.
— Esta é Rachel, nossa filha adotiva — apresentou Anne.
— Muito prazer. — Damon estendeu-lhe a mão com um sorriso.
— O prazer é meu. — Rachel sentiu o calor dos dedos fortes ao mesmo tempo
em que se encantava com o tom de voz profundo, sem o menor traço de aspereza.
Anne apresentou o convidado a Jerry e logo Bert Langholm aproximou-se,
oferecendo uísque para os homens e um cálice de xerez para a esposa.
Sem pesar as conseqüências, Rachel pediu:
— Tio Bert, posso tomar um pouco também?
Ele a olhou surpreso e na mesma hora Rachel arrependeu-se. Não suportaria
ser repreendida na presença do hóspede. Preferia morrer.
— Dê um cálice para ela, Bert — interveio Anne. — Rachel já tem quase dezoito
anos e pode tomar aperitivos com a família.
Ela deu um gole rápido na bebida, sentindo o rosto arder de vergonha. Nem
ousou olhar para Damon, que conversava animadamente com a tia.
O xerez deixou-a ligeiramente zonza, mas assim mesmo ajudou a servir o
jantar. Quando chegou a sua sobremesa favorita, um pudim de kiwi verde, já estava
bem mais segura.
Damon fez várias perguntas a Bert, que contou sobre o trabalho e os problemas
de uma fazenda de carneiros. Rachel não se lembrava de o tio ter conversado tanto,
nem com tanto entusiasmo.
Quando voltaram à sala, para tomar o café, Damon começou uma prosa com
Jerry, levando-o a falar sobre seu passatempo predileto, o rugby.
As mulheres tiraram a mesa e foram para a cozinha lavar os pratos. Quando
retornaram, os três continuavam numa conversa animada.
Rachel sentou num banquinho perto do sofá, de onde podia observar Damon.
Era incrível como ele dirigia a conversa para onde queria, fazendo pai e filho
descreverem lances de jogos importantes, criticarem táticas de ataque, valorizando
alguns jogadores. Damon ouvia com atenção, mas estava claro que o controle era
seu.
Ele virou a cabeça e a viu, percebendo-lhe uma leve crítica no olhar. Sorriu,
mas ela não correspondeu. A antiga hostilidade havia voltado. Não gostava de ficar
passiva, vendo Damon manipular sua família adotiva. Ele já havia conquistado a tia
com suas maneiras amáveis e elogios sobre o jantar. Agora repetia a proeza com tio
Bert e Jerry.
Depois de algum tempo, Damon levantou e foi para junto de Rachel.
— Ainda está freqüentando a escola? — quis saber ele.
— Nunca estive na escola.
— Rachel fez seus estudos por correspondência — explicou Anne. — Acaba de
receber o diploma do colegial e já pode se matricular numa faculdade, se quiser.
— O que pretende estudar na universidade? — Damon voltou a falar com ela,
mas foi Anne quem tomou a iniciativa de responder.
— Ela ainda não se decidiu, mas achamos que seria ótimo se ficasse mais um ou
dois anos conosco, para descansar dos estudos e provas. Aí, então, se resolver ir para
a faculdade ou arranjar um emprego... tudo bem. Não sou favorável a qualquer
dessas possibilidades, porque é perda de tempo para uma mulher. No entanto,
parece que o pai dela queria...
— Papai afirmava que eu deveria ter um diploma universitário — logo
acrescentou Rachel.
— Ele tinha curso superior? — indagou Damon.
— Creio que sim.
Rachel estava pouco à vontade. Aquele escritor a observava demais, reparando
em sua maneira de ser, em suas reações... talvez para mais tarde poder usá-las num
personagem de seus livros? Damon escrevia muito bem, com clareza e objetividade,
mas era sarcástico e até cruel com os heróis e heroínas que criava.
— Mas o que você tem vontade de estudar? — insistiu ele.
— Não sei. Talvez História, ou Literatura Inglesa, quem sabe até Antropologia.
— Devia pensar melhor, Rachel — interrompeu-a tia Anne. — Não acha que o
magistério seria muito mais adequado?
— Pode ser. — Rachel tinha consciência de como a tia era contrária às idéias de
seu pai sobre educação. Compreendia também que lecionar para crianças era uma
boa profissão, mas não seu ideal.
No fundo, sabia o que tia Anne desejava. Que ela logo encontrasse o filho de
algum fazendeiro da região, com quem se casasse. Para a sra. Langholm, os únicos
objetivos de uma mulher deveriam ser casar, cuidar da casa, do marido e dos filhos.
Para isso, dizia, ninguém precisava de diploma universitário. O melhor era mudar de
assunto, já que não ia discutir diante de uma visita. A decisão sobre o que faria de
sua vida lhe pertencia e não adiantava indispor-se com outras pessoas.
— Que tal ouvirmos um pouco de música, tia Anne?
— Ótimo, mas não ponha muito alto.
Quando Rachel se ocupou com os discos, Jerry foi para junto dela. Escolheram
os melhores e, quando a música se espalhou pelo ar, o rapaz sentou-se na poltrona e
ela se ajeitou no chão, com os ombros apoiados nas pernas dele.
Mais à frente, Damon conversava com a sra. Langholm, sem tirar os olhos de
Rachel.
— Seus cabelos estão se soltando — comentou Jerry , tentando prender os fios
dourados.
Rachel levou a mão aos cabelos e seus dedos encontraram os de Jerry. Ela virou
a cabeça e sorriu. Havia ternura nos olhos dele. Bem ao contrário dos olhos
cinzentos de Damon, que de repente pareceram frios, do outro lado da sala... Mas
devia ser impressão, porque logo em seguida ele se levantou.
— Sua tia me contou que gosta de nadar na baía em frente a minha casa —
disse, quando veio despedir-se dela. — Não quero que se sinta constrangida porque
estou lá. Venha sempre que quiser.
— Obrigada. — Rachel desviou o rosto, para disfarçar. O ar travesso nos olhos
dele dizia tudo.
— Que tal amanhã? O dia será de sol, segundo as previsões.
— Quem sabe...
O sorriso de Damon se tornou mais amplo e, com um "boa noite" geral, foi
embora.
CAPÍTULO III
Durante alguns dias Rachel evitou chegar à praia. Não tinha vontade de
encontrar Damon Curtis de novo.
No domingo seguinte, porém, um belo dia de verão, ela sentou-se à sombra
frondosa de uma karaka e tentou passar para o papel a cena magnífica que se
descortinava a sua frente.
— Oi. — A voz profunda de Damon fez-se ouvir algum tempo depois. —
Desenhando?
— Um pouco. — Ela fechou o caderno depressa.
— Posso lhe fazer companhia?
— Se quiser...
Damon sentou-se ao lado dela, os ombros quase se tocando. Por um momento
ficaram em silêncio, apreciando a tarde bonita, cheia de sol e calor.
— Esta parte do país é maravilhosa — comentou Damon. — Você é muito feliz
por ter crescido aqui. É um pedaço da Nova Zelândia que permanece quase intocado
pelo homem.
— Também gosto muito da região. E você, de onde é?
— De Wellington.
— Hum... não gosto de lugares frios, onde o vento sopra constantemente.
— Aqui na baía Hawkes nunca faz frio?
— Claro que sim, mas não sempre, como em Wellington.
— Já esteve lá?
— Não. Nunca fui além de Napier.
— Napier é a maior cidade que conhece? — perguntou Damon espantado.
Rachel levantou a cabeça, pronta para desafiá-lo.
— É, e não faço questão nenhuma de conhecer outras mais desenvolvidas. A
televisão mostra tanta loucura e violência nos grandes centros que não tenho
interesse em vê-los.
— Não é tão ruim assim. — Ele sorriu. — Se você for para a universidade ou
resolver lecionar, terá de ir para uma cidade maior, não é?
— É verdade, mas... se pudesse escolher, gostaria de morar em Auckland, que
está junto do mar e é bastante quente.
— Ficaria bem lá? Feliz?
— Acho que sim, isto é, se um dia eu realmente for para algum lugar.
— Por que não? É o que quer, certo?
Rachel olhou para o horizonte, onde céu e mar se confundiam, sem fronteiras
entre seus tons de azul.
— Tem medo de ir? — insistiu Damon.
— Não.
— Então vou lhe deixar meu endereço e telefone. Faço questão que me procure,
se um dia resolver ir.
— Você mora em Auckland?
— Moro. Terei prazer em levá-la para conhecer a cidade.
— Obrigada.
Ficaram calados, ocupados com seus próprios pensamentos. Depois Damon
virou-se e segurou-lhe o queixo delicado, forçando-a a encará-lo.
— Ainda está aborrecida porque aluguei sua velha casa?
— Claro que não. — Rachel afastou a mão dele.
— Então, por que não tem vindo nadar?
— Não tive tempo.
— Seus tios a mantêm tão ocupada assim, Cinderela?
— Não sou Cinderela coisa nenhuma. Tia Anne é muito boa para mim. Não é
nem madrasta nem má, como na lenda.
— Também se pode sufocar com carinho, não sabia?
— Que estupidez! — Rachel levantou, zangada. — Que coisa horrível de se dizer!
Ela quis ir embora mas Damon já estava de pé, bloqueando seu caminho. Ele
estendeu os braços e a segurou suavemente pelos ombros.
— Não sou estúpido nem indelicado mas, se a ofendi, peço desculpas. Talvez
não acredite, mas tentei apenas ser seu amigo.
Rachel o fitou sem compreender, procurando livrar-se do contato que a
perturbava. No mesmo instante Damon mudou de atitude.
— Que tal nadarmos? Com esse sol quente, a água deve estar uma delícia.
— Não trouxe o maiô. Teria que ir até minha casa para vesti-lo. — Ela sorriu ao
notar o brilho malicioso nos olhos de Damon.
— Está bem, fico aqui esperando. Ou acha que é melhor ir com você e pedir
permissão à sra. Langholm?
Rachel afastou-se, divertida.
— Não precisa chegar a esse exagero! Volto logo. — Caminhou na direção de
sua casa, mas, depois de alguns passos, virou-se de novo. — Talvez Jerry queira vir.
Tudo bem?
Damon hesitou, mas respondeu com firmeza:
— Claro. Traga-o com você.
No entanto, Rachel nem falou com Jerry, que estava diante da televisão,
absorvido numa partida de rugby, com um copo de cerveja na mão. Parecia tão
distraído que não adiantava propor-lhe outro programa.
No quarto, ela colocou um maiô bem decotado nas costas. Embrulhou o pente
numa toalha e vestiu a saída-de-banho, curta, que deixava à mostra suas pernas
compridas e esguias. Prendeu os cabelos num rabo-de-cavalo e amarrou uma fita
para mantê-lo no lugar.
Quando chegou junto da karaka, viu Damon sentado, apoiado contra o tronco
grosso. Pensou que estivesse dormindo mas, ao se aproximar mais, reparou que ele a
observava com atenção. Damon estendeu a mão, provocando-a.
— Não vai me ajudar a levantar?
— Que preguiçoso! Por que não levanta sozinho?
Já ia dar meia-volta, quando Damon a agarrou pelo tornozelo, fazendo-a rolar
sobre o capim macio. Rachel ergueu-se nos cotovelos, mas Damon estava próximo
demais, sem deixá-la levantar.
— Agora quero ouvir de novo. Do que foi que me chamou?
— Não chamei de nada, sr. Curtis. — Ela sabia que estavam brincando, mas
sentiu algo mais por trás daquilo, alguma coisa diferente, intangível, inexplicável...
— Sr. Curtis?! Sou tão velho assim? Quantos anos imagina que tenho?
— Não sei, mas não foi você mesmo que disse que eu era só uma criança?
O ar brincalhão sumiu do rosto dele.
— É verdade, mas devia ter acrescentado que por isso mesmo é tão
encantadora. Nem sei como consigo resistir a tanta beleza. — Ele fez uma pausa. —
Isso a deixa assustada?
Rachel passou a língua nos lábios que, de repente, tinham ficado secos. Estava
consciente da proximidade dele, de sua pele morena, dos músculos fortes, dos traços
másculos de seu rosto.
— Não... Acho que não.
Damon olhou-a bem dentro dos olhos, tentando desvendar-lhe os
pensamentos. Depois sorriu e o ar jovial e despreocupado retornou à sua face.
— Você é uma feiticeira, Rachel, mas é muito jovem e não conhece seus
poderes. — Damon levantou e deu-lhe a mão para ajudá-la a se erguer. — É muito
bonita e só um morto não apreciaria suas qualidades. Mas não tenha medo de mim,
jamais tiraria proveito de sua inexperiência. Era só brincadeira. Como é, vamos
nadar agora?
Seguiram pelo caminho que levava à praia, rindo e apreciando a brisa suave, o
sol forte, o mar tão azul. Entraram na água correndo, de mãos dadas. Rachel
mergulhou numa onda forte e nadou com vigor.
Mais tarde, sentados na toalha estendida na areia, Damon observou Rachel
passar o pente nos cabelos molhados.
— Você devia estar sentada numa rocha, no meio do mar.
— Não sei cantar, por isso não me chame de sereia. — Rachel riu com gosto.
— Não sei, não... Tenho a sensação de que você foi feita para enfeitiçar os
homens, conforme diz a lenda. Além disso, nada muito bem, como se estivesse em
seu elemento natural. Não é uma característica das sereias?
— Gosto muito de estar na água. Meu pai me ensinou a nadar quando eu era
bem pequena. Ele também me ensinou a ler e foi meu único professor, até que surgiu
tia Anne e a escola por correspondência. — Deitou-se de bruços, pegou um punhado
de areia e deixou-a escapar por entre os dedos. Lágrimas de saudade saltaram de
seus olhos e ela escondeu o rosto nos braços.
Com muita suavidade, Damon a fez virar-se, para depois enxugar as lágrimas
com a ponta dos dedos.
— O que foi, Rachel?
— Não sei... Saudades de papai, eu acho. Sinto-me muito sozinha desde que ele
morreu.
— Teve uma infância feliz? Não sentia falta de companhia?
— Muito feliz. Havia algumas famílias maoris que moravam aqui perto e eu
brincava com as outras crianças. Mesmo quando tia Anne começou com as aulas por
correspondência, as crianças indígenas e eu estudávamos juntas. Mas depois elas
foram embora, em busca de trabalho. Acho que foi nessa época que comecei a ler
muito. Papai deixou muitos livros e ainda os devoro com prazer.
— O que gosta de ler?
— Praticamente tudo, mas meus prediletos são os clássicos da literatura
inglesa.
— Esse não é mais um motivo para você ir para a faculdade? Poderia se formar
em Literatura e dar aulas.
— É... Quem sabe?
— E romances? Também os lê?
— Alguns. Entre eles, o seu.
— "Decepção Amarga", lembro bem. Não gostou, não é?
Ela apenas concordou com a cabeça.
— Pode me dizer por quê?
Rachel pensou nos personagens do romance, egoístas, fingidos, que não
ligavam para os sentimentos dos outros.
— Não gostei do modo de agir de alguns deles. As pessoas que conhece também
são assim?
— Não confunda, Rachel. Os personagens que criei é que se comportam dessa
forma.
— Eles são todos produtos de sua imaginação? Não se baseia em pessoas reais?
— Ela ficou mais aliviada, mas ainda descrente que alguém pudesse inventar gente
tão ruim como aquela. — Eles não eram muito... simpáticos, não concorda?
Damon soltou uma gargalhada.
— Já sei o que se passa em sua cabecinha. Acha que, se criei personagens maus,
também devo ser como eles. Certo? — Ele deitou, colocando a cabeça entre as mãos
cruzadas. — Quando elaboro os personagens de um romance, na verdade, não sei de
onde vieram, ou se são baseados em alguém que já vi antes. Eles simplesmente
nascem. Mas, como você, há muita gente que não entende isso. Perdi uma boa amiga
porque ela sentiu-se retratada em Karina, a heroína de "Decepção Amarga".
— Karina? Ela era a expressão da maldade!
— Exatamente. Karina é o tipo da mulher fatal, que só visa a seus próprios
interesses, ao passo que essa minha amiga não era nada disso.
— Então... como é possível?
— Não sei. Talvez ela tenha se identificado com Karina porque no inconsciente
desejava ver-se como outra pessoa... As mulheres são tão complicadas! A verdade é
que ela agiu exatamente como Karina, quando me abandonou.
Levou alguns instantes para Rachel entender o que Damon estava lhe
contando. Olhou para ele e depois, rapidamente, para a areia.
— Fomos amantes — Damon respondeu à pergunta que ela não teve coragem
de fazer. — Ficou chocada? — Rachel não respondeu nem olhou para ele. — Claro
que não, porque o que lhe contei está de acordo com a idéia que faz dos escritores e
artistas em geral, não é? São todos dissolutos, bêbados...
— Você é quem está tirando as conclusões, não eu — interrompeu ela, zangada.
— Talvez tenha razão.
Ficaram em silêncio. Rachel sentia-se um pouco embaraçada, sem saber o que
dizer. Era tão jovem e inexperiente que não tinha certeza se sabia lidar com um
homem vivido e maduro como Damon. Às vezes ele falava coisas que a deixavam
desconcertada, outras vezes brincava, outras ainda parecia muito sério. Que homem
imprevisível!
— Está na hora de voltar para casa. — Ela levantou e colocou a saída.
— Voltará aqui outras vezes, não é? — Damon segurou-a até que ela acenasse
que sim.
— Amanhã?
— Talvez... — Rachel enrolou a toalha e, quando ergueu a cabeça, notou-lhe o
sorriso irônico. — Não sei se posso! Depende de tia Anne, não vou prometer nada.
— Está bem, Afrodite. Acredito em você.
Rachel começou a procurar a fita para amarrá-la nos cabelos. Será que a
perdera na água? Porém, ao se virar, encontrou Damon com ela na mão. Com um
sorriso, ela ficou de costas para que ele a ajudasse.
Os dedos longos roçaram a pele de Rachel, fazendo uma ligeira carícia em sua
nuca. Um frêmito estranho se espalhou pelo corpo dela.
— Pronto — avisou ele.
— Obrigada. — Rachel se afastou, ainda sem entender a nova emoção que a
dominava.
Foi andando a passos largos, para depois acenar em despedida. Quando chegou
ao alto do rochedo, olhou de novo para a praia. Damon havia se deitado no mesmo
lugar, os cabelos loiros contrastando com o branco da areia.
Rachel demorou um pouco, na esperança de que ele erguesse o olhar e a visse,
mas acabou desistindo. Por que a presença de Damon a perturbava tanto?, pensou, a
caminho de casa.
Sem dúvida, ele era um homem muito atraente e por isso sentia-se tão excitada.
Porém, não devia se esquecer de que ele a via apenas como uma menina.
Como tinha vontade de mostrar-lhe que estava enganado! Gostaria de obrigá-lo
a pensar nela o tempo inteiro, de fazê-lo apaixonar-se tão perdidamente que...
Ora, de que adiantava pensar desse modo? A educação que recebera do pai e de
tia Anne jamais permitiria que se atirasse nos braços de um homem somente para
provar que era possível conquistá-lo. Além disso, não ia brincar com fogo. Se Damon
sucumbisse, ainda assim não teria provado nada, pois não havia outra mulher por ali
que representasse concorrência.
No fim do verão, Damon ia sumir de vez de sua vida, retornando ao convívio de
mulheres belas e sofisticadas. Nem pensaria mais nela, mesmo que tivessem se
envolvido além daqueles encontros na praia.
E a namorada dele? Por que o tinha abandonado? Talvez ele não se desse conta,
mas a tal moça devia ser mesmo igualzinha a Karina, fria e calculista. Era a única
explicação para o fato de uma mulher ter coragem de romper um romance com um
homem tão fascinante quanto Damon Curtis...
CAPÍTULO IV
Rachel não precisou decidir quando voltar à casa de Damon, pois Anne
resolveu por ela. Dois dias depois do último encontro na praia, pediu à enteada que
levasse uns ovos frescos para o inquilino.
— Diga que nossas galinhas estão produzindo bastante e que temos muitos
sobrando. Assim ele não ficará constrangido em aceitar.
— Posso aproveitar para nadar?
— Pode, desde que não perturbe o sossego do sr. Curtis.
Rachel o avistou antes mesmo de chegar à casa. Ele estava sentado junto à
janela, datilografando o livro, parecendo completamente absorvido pelo trabalho.
Mas, quando aproximou-se mais, viu que Damon já havia reparado em sua presença,
pois ergueu a mão e pediu-lhe que esperasse.
Ela aguardou por algum tempo, até que ele levantou e abriu a porta.
— Estou incomodando?
— De jeito nenhum.
Rapidamente, Rachel entregou os ovos e deu o recado, louca para ir embora e
deixá-lo à vontade.
— Obrigado. Espere um minuto que vou pô-los na geladeira. Não quer se
sentar?
Ela preferiu ficar esperando junto à porta. Não pretendia atrapalhar o processo
de criação do novo romance.
— Pronta para nadar? — Ele apontou o rolinho de toalha que ela levava debaixo
do braço. — Vou com você, está bem?
— Mas... e o livro? Vai interrompê-lo?
— Terminei um capítulo agora mesmo. Por isso estava tão concentrado, queria
escrever as últimas linhas. Mereço um descanso, não acha?
— Você é quem sabe. Então vou para a praia e o espero lá.
Rachel desceu para a areia, tirou o short e a camiseta e prendeu os cabelos.
Quando Damon surgiu, ela admirou mais uma vez o corpo perfeito, os quadris
estreitos, os ombros largos. Sem dúvida, era um homem muito bonito.
— Vamos ver quem chega primeiro na água? — propôs ele, e correu para o mar.
Rachel teve de admitir que, apesar de viver na cidade, ele se mantinha em
forma.
Quando mergulhou, Rachel divisou, no fundo, uma forma indefinida, pálida,
com longos fios flutuando ao sabor da corrente. Levou algum tempo para perceber
que era apenas uma rocha coberta de algas. Subiu à superfície e boiou, recuperando
o fôlego.
— O que há com você, Rachel? Parece assustada. — Damon estendeu-se ao lado
dela.
— Estou mesmo. Imagine que pensei ter visto Pania lá embaixo.
Imediatamente Damon mergulhou, para voltar com um sorriso.
— Tem razão, dá mesmo para confundir, mas aqui ela estaria muito longe de
casa, não é? Napier fica a muitos quilômetros de distância.
Nadaram mais um pouco e foram se secar na areia.
— Não conheço os detalhes da lenda de Pania, Rachel. Você sabe?
— Pania era uma criatura do mar e costumava chegar até a praia, ao cair da
noite, para ver as pessoas que iam à fonte, no sopé do rochedo Hukarere.
— Ah, é verdade. Ela se apaixonou por um príncipe...
— Cacique — corrigiu ela.
— Está bem, cacique. Como se chamava?
— Karitoki. Um dia ele a viu, escondida na vegetação junto à fonte. Apaixonou-
se, levou-a para casa e a fez sua esposa. Foram muito felizes, mas todos os dias o
povo do mar a chamava, pedindo-lhe que voltasse para casa. Ela sabia que, se
concordasse, nunca mais poderia voltar a viver com o marido, a quem amava
demais.
— Mas Pania acabou indo para o fundo do mar, para ficar com a família, não é?
— Tem razão, mas somente porque Karitoki a enganou.
— É mesmo? O que aconteceu?
— Pania e Karitoki tiveram um filho, chamado Moremore. Depois disso ela
podia visitar a família diariamente, porque deixava o menino com o pai e seu povo
era obrigado a permitir sua volta. Karitoki, no entanto, estava sempre preocupado,
com medo que o garoto seguisse a mãe e assim os perderia para sempre. Foi a um
tohunga, um pajé, para lhe pedir conselhos. O tohunga disse que pusesse comida
cozida sobre o corpo da mulher e do filho, quando dormissem, porque isso os
deteria.
— Esse pedaço não é nada romântico. Não me surpreendo que não tenha dado
certo. — Damon sorriu. — E aí, o que aconteceu?
— Quando Pania acordou e descobriu o que o marido havia feito, não o
censurou, mas pegou o filho no colo e entrou no mar. Seu povo a esperava para levá-
la às profundezas do oceano. Nunca mais lhe foi permitido tornar à superfície e ver a
terra onde havia sido feliz com o marido.
— É por isso que nas manhãs claras e calmas pode-se ver Pania sob as águas, no
porto de Napier — completou Damon.
— Isso mesmo. Ela tem os braços abertos, esperando seu amado, com os
cabelos espalhados pela água.
— Sabe, Rachel, como escritor, invejo a imaginação de quem inventou essa
história, inspirado apenas por uma rocha coberta de algas e limo.
— Mas é muito bonita, não acha?
— Acho, sim, e tem um tema muito interessante sobre a mulher, dividida entre
o amor do marido e o sentimento que a mantém unida a seu povo. Não é uma ironia
que Pania tenha voltado para o mar justamente porque o marido tentou tudo, até
mesmo a traição, para mantê-la junto dele? — Damon ficou pensativo. — Posso até
usar esse assunto, um dia.
— Num de seus livros?
— Exatamente, mas primeiro preciso terminar o que estou fazendo.
— Qual é o tema deste?
— Solidão... ou auto-suficiência, depende do enfoque que se dá. A história é
sobre um homem que perde tudo e todos em quem confia. Ele precisa enfrentar a
vida completamente sozinho.
— Foi por isso que veio para cá? Para saber o que é o isolamento?
— Em parte, sim, mas não sou um eremita, como meu personagem, que compra
terra virgem, constrói uma cabana e age como se fosse um pioneiro.
— Parece muito interessante e bem diferente de "Decepção Amarga".
— Sem dúvida. Este novo romance é sobre um homem à procura de si mesmo.
— Enquanto aquele era sobre pessoas que perderam o contato consigo próprias
— completou ela.
— É um comentário muito profundo, para uma garota de sua idade.
— E o seu é condescendente demais para um homem de sua idade! — Damon
riu e ela o achou ainda mais simpático. — Você não pode ser tão velho como quer me
fazer crer.
— Tenho trinta e três anos... e você, só dezessete.
— Faço dezoito na semana que vem.
— É uma idade maravilhosa. Vai comemorar?
— Tia Anne vai preparar um jantar especial, mas só para a família. Gostaria de
vir?
— Claro, com muito prazer.
Rachel não o achou entusiasmado e teve medo de estar forçando uma situação.
— Se acha melhor não ir...
— Já aceitei o convite e agora não adianta mais querer tirar o corpo, ouviu
bem? — Damon apontou para o mar. — Sabe o nome daquela ave?
Rachel viu um enorme pássaro bater as asas, chegando bem perto da superfície
do mar e depois tornar a subir, numa curva perfeita.
— É um mergulhão. Eles fazem seus ninhos naquela ilhota.
— Impressionante, não é? Deve ter uns dois metros de envergadura —
comentou Damon.
A ave ainda voava em círculos e cada vez se aproximava mais da praia. Por um
instante pareceu imobilizar-se, antes de recolher as asas e mergulhar nas ondas.
Emergiu segundos depois, com alguma coisa brilhante pendurada no bico. Balançou
a cabeça algumas vezes e o brilho desapareceu. Depois voou para o alto, as penas
brancas contra o azul do céu.
— Ele mergulhou para pescar o jantar — comentou Damon.
— Coitado do peixinho!
— A natureza é assim mesmo.
— Eu sei. Passei a vida toda em contato com ela.
— Você é como Pania, não é? Prefere o mar, perto dele está sempre feliz...
Rachel sorriu, sem responder. Era verdade. Sempre vivera perto do mar e, se a
levassem para longe, certamente sofreria tanto quanto a lendária Pania.
Naquela mesma tarde Rachel decidiu ir à praia. O sol estava baixo, tingindo o
céu de tons rosados. Ela passou depressa pela casa de Damon, esperando que ele
estivesse tão ocupado que nem a visse. Chegou à areia ainda morna e correu para o
mar.
Nadou bastante, deixando que a água a acalmasse, até começar a escurecer.
Quando saiu, secou-se com a toalha, vestiu o jeans, uma camisa branca e tomou o
caminho de volta.
Encontrou Damon sentado nos degraus da casa, como se a estivesse esperando.
Não sabia o que dizer, por isso apenas reduziu os passos, encarando-o.
— Boa noite, Rachel.
— Oi... Não chamei você para nadar porque pensei que estivesse ocupado. Não
quis atrapalhar.
— Não precisa arranjar desculpas. Se prefere nadar sozinha... tudo bem. Quer
um refresco? — Ele levantou e abriu a porta.
— Tenho que ir embora.
— É só um minuto. Venha.
Ela ainda hesitou.
— O que é isso? Está com medo? Aquele beijo foi apenas para comemorar seu
aniversário, sua entrada no mundo adulto. Não pretendo seduzi-la.
Rachel ficou furiosa. Damon continuava a tratá-la como criança! Deu meia-
volta, pronta para sumir, mas ele a segurou, com um sorriso.
— Venha. Prometo não brincar mais. Estou muito solitário, gostaria de
conversar um pouco.
Mesmo sem acreditar, ela entrou e se sentou no sofá enquanto ele foi buscar a
bebida. Havia um livro aberto a seu lado e, ao apanhá-lo, viu que eram as poesias de
Hone Towhare, um maori. Começou a ler.
— Gosta de poesia? — Damon lhe entregou o copo.
— Muito. Também escre... — interrompeu-se ela, muito corada.
— Escreve? O quê? Poesias?
— Rabisco alguma coisa, quando sinto vontade, mas não é nada importante.
Havia começado depois da morte do pai. Ninguém sabia, mas guardava vários
cadernos cheios de versos, escritos a lápis.
Desde pequena sentia fascinação pelas palavras e achava maravilhoso colocar
seus pensamentos em frases e versos. Só assim conseguia expressar os sentimentos
mais profundos, as emoções, o desespero, a esperança...
Damon a olhava em silêncio, mas com evidente interesse. Rachel respirou
aliviada quando ele começou a perguntar sobre a tosquia.
Conversaram bastante e já era noite quando ela foi embora. Damon fez questão
de acompanhá-la.
— Não precisa, posso ir sozinha. Conheço esse caminho como a palma de
minha mão.
— Mesmo assim, vou com você.
Ele só a deixou quando as luzes da fazenda estavam bem próximas. Ainda
acenou em despedida e se afastou.
Ao passar por entre as barracas dos tosquiadores para chegar ao terraço, uma
figura alta surgiu, assustando-a. Mas logo reconheceu os cabelos claros do rapaz que
tinha visto naquela manhã.
— Como vai? Você é a garota que observava a tosquia, não é? Como se chama?
— Rachel Standen.
— Standen? — repetiu ele pensativo. — Não é Langholm? Então não é a filha do
patrão. Trabalha aqui?
— Moro aqui. Com licença, preciso entrar.
— Se não é a filha do sr. Langholm, por que mora na casa?
— Não é de sua conta!
— Desculpe — disse ele com gentileza exagerada. — Queria apenas conhecê-la.
Meu nome é Des. Desmond William Alexander.
— Muito prazer. — Rachel apertou a mão estendida. — Boa noite. Tenho que ir.
— Vejo você amanhã. Vai ao galpão, não vai?
— Não sei. Ando muito ocupada, agora. Boa noite.
Decidida, Rachel adiantou-se, mas o rapaz não saiu da frente. Ela teve que se
desviar para seguir seu caminho.
No último dia da tosquia, Rachel foi ao galpão. Des logo a viu e demonstrou sua
habilidade, cortando o pêlo do animal com cuidado e precisão. Retirou a lã numa só
peça, sem nem tocar a pele rosada do carneiro.
O rapaz era muito rápido, sem dúvida, e sabia cortar bem, mas não o suficiente
para obter o tão almejado prêmio. No entanto, se continuasse nesse pique, em
poucos anos seria o melhor tosquiador.
Quando ele terminou, ergueu os olhos para ela. Rachel levantou o polegar, num
sinal de aprovação. Ainda ficou por ali mais algum tempo e depois foi embora.
— Ei... que tal? O que achou? — Des a alcançou.
— Nem preciso dizer! Sabe que foi ótimo, não é?
— Obrigado. — Des não escondia seu orgulho. — Terminamos a tosquia hoje à
tarde e vamos embora amanhã cedo.
— Para onde vai agora?
— Para a fazenda dos Carter, a cinqüenta quilômetros daqui.
— Boa sorte.
— Rachel... não quer falar comigo hoje à noite?
— Vamos nos ver na hora do jantar, Des.
— Não é bem isso que quis dizer. Gostaria de me despedir de você. Está bem?
— Posso lhe dizer adeus agora mesmo.
— Não seja desconfiada, Rachel! Só quero conversar um pouco com você, sem
ser em ambiente de trabalho. Você é uma garota formidável, e com esse serviço
itinerante nunca tenho tempo de fazer amizades. Você é a primeira garota com quem
falo por mais tempo e gostaria muito que fosse minha amiga. Foi tão bom dançarmos
juntos, trocarmos idéias! Só lhe peço dez minutos para conversar. Concorda?
Rachel sentiu pena dele; parecia tão solitário...
— Está bem, mas só por dez minutos. Quando eu terminar a louça do jantar,
encontro você perto do galpão. Mais ou menos às oito horas.
Ele sorriu, satisfeito.
— Estarei lá.
Ela acenou com a cabeça e foi embora. Mais tarde arrependeu-se de ter
concordado. Mal conhecia Des e não tinha motivos para conversar a sós com ele.
Mas agora precisava manter a promessa. Na hora combinada, foi procurá-lo.
Assim que Des a viu foi ao seu encontro.
— Que bom que veio! — Ele quis segurar-lhe a mão, mas Rachel se esquivou. —
Vamos andar um pouco.
Conversaram sobre a tosquia, as ambições do rapaz, seu próximo trabalho, o
grande concurso "Tesoura de Ouro", mas a prosa não parecia natural e Rachel
acabou ficando quieta.
Ele caminhava muito perto dela, comprimindo-a contra a cerca, até que
colocou as mãos num dos postes, aprisionando-a entre os braços.
— Des... por favor — reclamou ela, empurrando-o com delicadeza, mas seu
protesto foi abafado pela boca faminta que procurava a dela com sofreguidão.
Rachel bateu os punhos fechados contra o peito dele, deu um pontapé,
tentando livrar-se, mas Des não permitia que ela se mexesse.
— Não! Não quero! — gritou ela.
— Claro que quer, boneca. Não foi para isso que veio?
— Você disse que queria falar comigo!
— Falar?! — Riu ele, pressionando o corpo contra o dela, que sentiu a madeira
áspera ferir suas costas.
— Está me machucando!
Des nem ligou. Puxou-lhe a cabeça para trás, para se apoderar de sua boca,
num beijo ainda mais violento. Desesperada, Rachel mordeu o lábio dele. Com um
gemido de dor, Des a empurrou para o lado.
Aproveitando a chance, ela escapou por baixo da cerca e uma das pontas do
arame farpado se prendeu em sua manga, arranhando-lhe o braço.
— Vagabunda! — gritou Des ainda, mas ela não se deteve. Correu o mais
depressa que pôde, louca para chegar em casa.
Embora o rapaz a seguisse, o medo dava-lhe forças e velocidade. Podia ouvir os
nomes horríveis que ele dizia, mas não se voltou. Ainda corria desesperadamente
quando alguém a segurou pelo braço. Gritou, assustada, até que reconheceu Jerry.
— O que está acontecendo? — Jerry viu que Des se aproximava. — Por que ele
está dizendo esses palavrões?
— Está tudo bem — respondeu Rachel quase sem fôlego.
— Nada disso. Esse sem-vergonha não pode xingá-la desse modo!
— Jerry... por favor! — Rachel estava cada vez mais assustada. — Não é nada,
não ligue.
— Seu braço está sangrando! Foi ele quem fez isso?
— Não! Machuquei-me no arame farpado. Vamos para casa, por favor.
— Vá você — ordenou ele muito sério, com os olhos brilhando de raiva.
— A culpa foi minha, Jerry. Ele só me beijou e eu fiz um escândalo.
— Queria ser beijada?
— Claro que não, mas...
— Para mim é o suficiente. Vá para dentro.
Des tinha se aproximado e estava parado, com as pernas abertas, os dedos no
cinto, pronto para brigar. Rachel ficou desesperada, sem saber o que fazer para
evitar um confronto.
— Ela é sua namorada? — perguntou o tosquiador.
— É, sim — respondeu Jerry sem hesitar.
— Não sabia, ela não me disse. Essa garota não presta.
As palavras mal tinham saído da boca de Des e Jerry já estava em cima dele,
com o punho estendido para lhe atingir o rosto. O tosquiador balançou com a dureza
do golpe, mas logo reagiu e atingiu as costelas de Jerry.
Rachel estava assustada demais para se mexer. Viu os dois homens lutarem,
caírem no chão num abraço estranho, para continuarem a se socar com força, o som
dos murros misturado aos grunhidos de dor.
Ela queria tapar os olhos, fugir, mas sabia que era responsável pelo que estava
acontecendo. Ficou rezando para que eles parassem com aquela loucura.
Finalmente Jerry levantou-se, com a respiração ofegante, o sangue escorrendo
de um talho na sobrancelha, os punhos ainda levantados e prontos para entrar em
ação.
Des continuou no chão. Sentou-se, segurou os joelhos com as mãos, respirou
fundo, procurando se refazer. Disse alguma coisa que ela não conseguiu entender,
mas que fez Jerry relaxar e baixar as mãos.
Rachel saiu das sombras e foi para junto de Jerry.
— Não lhe disse para ir embora?
Ela não respondeu, preocupada em ver o outro rapaz ainda no chão.
— Ele está bem?
— Vai sobreviver. Venha. — Jerry a abraçou e a levou para casa.
De longe, Rachel viu Des levantar e dirigir-se para a barraca. Ficou mais
aliviada.
— Que coisa horrível, Jerry! Não precisava ter brigado por mim.
— O que mais podia fazer? Deixar que ele continuasse a ofendê-la?
Em casa, foram direto para o banheiro, onde Jerry lavou o rosto inchado. Ela
colocou mercurocromo no corte e nos outros arranhões.
— Sinto tanto o que aconteceu! Preferia que não tivesse entrado nesse briga,
mas obrigada por... me defender.
— Por que estava lá fora, com ele?
— Fui uma tonta! Ele me pediu dez minutos para conversar e se despedir antes
de ir embora. Acreditei que se sentisse solitário e concordei.
— Que bobinha! Ele machucou você?
— Apenas me deu um beijo — ela hesitou e achou melhor explicar: — Não o
provoquei.
Jerry sorriu, sabendo que era sincera.
— Ouviu quando disse a Des que era minha namorada?
— Ouvi...
Rachel se calou. Não tinha certeza se queria ser a namorada dele. Estava
impressionada com sua atitude máscula e decidida, que lhe inspirava segurança. Mas
era o suficiente para começar um namoro?
Jerry aproximou-se, abraçou-a e beijou levemente a face corada. Num impulso,
Rachel rodeou o pescoço dele, deixando-se beijar nos lábios. No entanto, ao perceber
o desejo crescer nos olhos azuis, escapou depressa e foi refugiar-se no quarto.
Na manhã seguinte, Anne olhou longamente para Jerry, mas não fez
comentários nem perguntou onde tinha se machucado. Também não perdia a chance
de observar o comportamento do filho e de Rachel, sempre que os dois estavam
juntos.
Rachel ouviu a movimentação dos tosquiadores que partiam, mas não saiu de
casa. Não queria tornar a ver Des Alexander nem que fosse o último homem do
planeta!
CAPÍTULO VII
No dia seguinte, assim que se levantou, Rachel reuniu seus cadernos e levou-os
para Damon. Não ficou com ele pois tinha muito o que fazer em casa. Tia Anne
estava em plena limpeza geral de verão e precisava ajudá-la.
Enquanto arrumava os armários, não conseguia pensar em outra coisa que não
fosse em Damon lendo seus poemas. Morria de vontade de voar para a casa dele para
saber o que achava de seus escritos, mas só à tarde encontrou um tempinho para dar
uma chegada lá.
Sentaram-se na sala, tomaram suco de laranja e, ansiosamente, ela esperou que
Damon fizesse algum comentário.
— Datilografei alguns de seus poemas e os mandei para aquele editor que
conheço.
Rachel perdeu a voz, sentindo as mãos gelarem. Damon sorriu, percebendo seu
nervosismo.
— Não tenha medo! Talvez ele ache que não vale a pena publicá-los, só isso. O
máximo que pode acontecer é você receber uma recusa.
— Mas... se ele não gostar, podemos tentar outro editor , não é?
Dessa vez Damon deu uma gargalhada.
— Pelo jeito, mudou depressa de opinião. Também sonha com a fama, hein?
— Não ligo para isso. Só queria saber se é possível ganhar a vida fazendo
versos...
— Poucos escritores conseguem, meu bem. Mas quem é bom precisa lutar para
ser reconhecido. Escrever é uma profissão árdua, que só traz êxito depois de muita
batalha.
— Nunca pensei seriamente em me dedicar à literatura. Mas agora... sinto que
gostaria muito de publicar um livro. Você acha mesmo que pode dar certo, Damon?
— O principal você tem, Rachel: talento. Alguns de seus poemas são belíssimos,
incrivelmente originais. É a partir daí que precisa começar. Escrever muito, ler
muito, burilar o estilo, melhorar... É um longo e inesgotável processo de
aprendizagem. Se estiver disposta, acabará se tornando uma escritora de verdade.
Rachel sorriu. Sim, estava disposta. Agora sabia qual o sentido que ia dar a sua
vida. Nem que levasse mil anos, ia dedicar-se inteiramente à literatura.
CAPÍTULO VIII
— Olhe para mim. — Ela não se mexeu e Damon segurou-lhe o queixo. — Não
fique tão brava, Rachel. Devia até me agradecer.
— Por quê?
— Pela lição de amor.
— Amor?! Por que não fala a palavra certa? — Damon soltou-a, um pouco
surpreso, mas Rachel continuou: — Foi uma lição, concordo, mas sobre luxúria!
Sobre o instinto sexual que existe sem o amor. Muito obrigada, por fazer-me sentir
como... um objeto, uma boneca...
— Ei, o que é isso?! — Damon levantou-se, começando a andar pela sala.
— Mas é como me sinto!
— Meu Deus, como fui idiota em beijar uma criança!
— Não sou mais criança e sabe muito bem disso! — explodiu Rachel.
— Está começando acrescer, concordo. — Com um olhar malicioso, ele fitou-lhe
a blusa ainda aberta.
— Cresci e não preciso de sua ajuda para me tornar adulta! — Com raiva, ela
abotoou a roupa e se levantou, disposta a ir embora.
— Tudo bem. Mas não se esqueça de avisar quando o processo de
amadurecimento estiver completo. Ainda tem um longo caminho para percorrer.
Aquilo já era demais! Numa fúria cega ela ergueu a mão, pronta para atingi-lo
no rosto. Damon foi mais rápido e segurou o punho fechado.
— Não tente me agredir, Rachel. Posso muito bem revidar. — Os olhos frios e
duros não deixavam dúvidas de que ele cumpriria a ameaça.
— Vou para casa. — Ela esforçou-se por esconder o tremor da voz.
— É bom mesmo.
Rachel sentiu as pernas bambas, sem forças, mas retesou os músculos e passou
por ele de cabeça erguida.
— Esqueceu o casaco — avisou Damon, colocando-o sobre os ombros dela.
Aquele pequeno gesto bastou para desarmá-la. De repente, sua única vontade
era esconder o rosto no peito de Damon e chorar até não poder mais...
— Obrigada — murmurou ela, engolindo as lágrimas. Queria agir como adulta,
sem dar outra oportunidade para que ele caçoasse dela.
Saiu para a chuva miúda sem olhar para trás. Somente depois de se afastar
bastante permitiu que as lágrimas escapassem. Seu coração transbordava de tristeza.
Damon estava certo quando dissera que depois que a beijasse nada seria igual.
Se... se pelo menos aquele fosse um beijo de amor! Era isso o que mais
machucava... saber que Damon tinha tocado seus lábios sem a menor emoção,
apenas para provar seu ponto de vista!
A chuva tornou-se mais pesada e continuou a cair durante dois dias. Tanto
Anne como Rachel permaneceram confinadas em casa, saindo apenas para alimentar
as galinhas. Os homens foram em busca dos animais perdidos e a casa parecia escura
e triste, bem de acordo com o humor de Rachel.
Quando o sol reapareceu, Bert tentou usar o trator, mas havia algo errado com
ele. Quis consertar e viu que precisava de uma peça nova. Pediu ao filho que fosse à
cidade comprá-la.
— Quer ir comigo, Rachel? — convidou Jerry.
— Boa idéia — interferiu Anne. — Quem sabe o passeio a deixa mais contente?
Pode aproveitar para comprar uns mantimentos que me faltam.
Rachel pegou a bolsa, feliz por sair de casa.
A estrada estava escorregadia com a lama que descera dos morros, e por isso
pouco falaram no caminho. Jerry se concentrava em dirigir, evitando os buracos
cobertos de água.
Logo se desincumbiram das compras e trataram de voltar. Alegre, Jerry
começou a assobiar uma canção de sucesso e Rachel sorriu. Ele nem havia percebido
como estava deprimida.
Jerry... Ele seria um bom marido. Nunca se interessaria pelos sentimentos ou
emoções secretas da esposa, é verdade, mas em compensação lhe daria uma vida
segura e confortável.
Mas... era isso que desejava? Poderia amá-lo, ou apenas aceitava o
encorajamento dos Langholm? Que confusão! Por isso tinha ido falar com Damon.
Precisava de auxílio para tomar uma decisão.
No entanto, Damon tinha usado um método drástico para provar que em seu
coração não existia amor por Jerry. Em vez de ajudá-la, havia provocado um
turbilhão de emoções e desejos que jamais sonhou existirem. E agora?
Pouco depois chegaram em casa. Enquanto Jerry guardava o carro, ela desceu
com os braços cheios de pacotes. Empurrou a porta com o pé e o barulho familiar
das chaves penduradas no chaveiro chegou claramente a seus ouvidos. Era um som
usual, mas que há meses não ouvia. Desde quando? Desde que Damon alugara a casa
do rochedo. No mesmo instante soube o que tinha acontecido.
Com movimentos automáticos ela guardou as compras. Anne Langholm entrou
na cozinha e a ajudou, indagando sobre o passeio. No meio da prosa, a tia comentou
casualmente:
— O sr. Curtis foi embora. Veio entregar as chaves enquanto você e Jerry foram
à cidade. Deixou um abraço.
Só isso? Nem um recado especial? Era assim que a considerava, apenas uma
distração de férias?
— Não cruzamos com ele na estrada.
— Esteve aqui logo depois que vocês dois saíram. Provavelmente estava alguns
quilômetros atrás.
— Sabia que Damon ia deixar a casa tão depressa?
— Ele me disse que acabou o romance e que poderia fazer a revisão final em
Auckland. Na minha opinião, ele se cansou dessa vida pacata e estava louco para
voltar à agitação da cidade.
Era isso mesmo. Não culpava Damon por sentir falta da vida urbana, onde
naturalmente devia ter amigos, diversão...
Quando terminou sua tarefa, Rachel foi para o quarto. Pegou o caramujo e o
colocou no ouvido, como seu pai tinha ensinado. Ouviu o barulho do mar, das ondas
rolando na areia. Relembrou as vezes em que esteve com Damon na praia, o calor do
sol, a suave carícia da brisa, o grito das gaivotas, as flores vermelhas das
pohutukawas. Fora ali, naquele cenário paradisíaco, que Damon se interessara por
seus poemas.
Os poemas! Onde Damon os teria deixado? Saiu correndo do quarto, apanhou
as chaves e avisou a sra. Langholm que ia à casa do rochedo.
Chegou lá num instante. Entrou, abriu gavetas e armários e não encontrou
nada. Seus poemas tinham sumido! Damon os levara! Ou... Ela tremeu ao pensar na
possibilidade. Correu para o incinerador, procurando restos de papel queimado. Não
encontrou nada. Voltou para a sala e sentou-se no sofá.
Estava mais sossegada. Damon os tinha levado, provavelmente para mostrá-los
ao editor que conhecia. Mas... e se ele os esquecesse numa gaveta e com isso a
esquecesse também?
Não! Pensava como uma boba. Devia confiar em Damon. Não foi isso que ele
disse, naquele mesmo sofá? "Confie em mim", não esquecia as palavras. Então por
que não tinha deixado um recado para ela? As idéias desencontradas a perturbavam.
Com raiva, Rachel golpeou as almofadas.
— Odeio você, Damon Curtis! Ouviu bem?
Lágrimas amargas escorreram por seu rosto, e só depois de chorar muito
sentiu-se mais calma. Agora conseguia raciocinar. Damon devia ter deixado o
endereço com Anne. Ia escrever para ele e perguntar sobre os poemas. Pronto, estava
resolvido.
Resolvido nada! Onde encontrar coragem para escrever uma carta fria e
impessoal, perguntando o que ele pretendia fazer com seu tesouro? O melhor era
concentrar-se em Jerry, procurar amá-lo, esquecer-se de que havia conhecido
Damon... A perspectiva não lhe parecia nada animadora.
Nos dias que se seguiram ela deu atenção a Jerry, e viu a felicidade brilhar nos
olhos de Anne. Seria muito bem recebida se resolvesse casar com Jerry, tinha
certeza.
Algumas semanas mais tarde, Rachel recebeu uma carta de Auckland. Era de
um editor dizendo que tinha gostado de dois de seus poemas e que pretendia
publicá-los. Que maravilha! Parecia bom demais para ser verdade. Resolveu não
contar nada à família, embora percebesse seus olhares curiosos.
Poucos dias depois o correio trouxe nova correspondência, dessa vez uma
revista, onde os poemas estavam impressos. Junto com ela, um bilhete: "Parabéns.
Damon".
— O que foi? — perguntou Anne, vendo o rosto afogueado de Rachel.
Ela entregou a revista, mal contendo a euforia.
— Meus poemas foram publicados.
— Verdade? — Anne viu o nome dela em letras de fôrma. — Parabéns. Mais
tarde, quando tiver tempo, vou lê-los.
Foi um balde de água fria. Sentiu-se ainda pior quando tio Bert e Jerry leram o
que tinha escrito e só disseram "muito bom".
— Vai receber alguma coisa por isso? — indagou, muito prático, Jerry.
— Não deve ser muito, mas creio que sim.
— Ainda bem.
Mais tarde, no quarto, Rachel leu e releu os versos. Era tão bom vê-los na
revista! Pegou o bilhete de Damon e reparou na letra firme e inclinada. Ele não a
tinha esquecido! Havia pensado nela o suficiente para se interessar por seus
trabalhos, mandara-lhe a revista e as congratulações.
Leu novamente a mensagem breve e logo amassou o papel, com o coração
amargurado e as lágrimas quentes queimando os olhos. Era só isso que Damon tinha
para lhe dizer?
Num impulso, Rachel mandou novos poemas para outro editor, mas desta vez
eles foram friamente recusados. Quando os recebeu de volta, releu-os com atenção
redobrada e percebeu como eram infantis e pouco originais. Precisava trabalhar
mais nos textos, decidiu.
Pegou o lápis, mas sua mão não se movia. As idéias não vinham e, quando
surgiam, eram tão nebulosas que não conseguia pôr em palavras aquilo que sentia.
Parou. Recomeçou de novo. Desistiu.
Durante vários dias tentou escrever, sem nada conseguir. O que teria
acontecido? Os primeiros poemas tinham sido um momento único de inspiração,
para agora cair no lugar-comum? Se fosse assim, era melhor não pensar mais em
poesia. O tempo mudou, tornando-se frio. O vento era constante e já não havia flores
nas pohutukawas. Rachel se achava intimamente vazia, deprimida, exausta.
CAPÍTULO IX
Na manhã seguinte, quando os homens saíram para trabalhar, Damon quis
acompanhá-los,
— Não sou fazendeiro, mas, se aceitarem mais dois braços para ajudar, estou
pronto,.
Jerry reparou no terno bem-feito, de excelente tecido, a camisa de cambraia, os
sapatos bem engraxados e acabou soltando um risinho sarcástico. Bert, porém,
depois de sugerir que Damon usasse roupas velhas para ficar mais à vontade, aceitou
o oferecimento.
— Tenho jeans, camisa e botas que devem lhe servir. — Bert foi pegá-las.
Os três só retornaram horas mais tarde. Damon tinha os cabelos despenteados,
um arranhão no braço, estava sujo de lama, mas assim mesmo parecia contente.
Depois da refeição sentaram-se na sala para conversar, Rachel ficou perto de
Jerry, tentando ignorar os olhos cinzentos fixos nela. Damon dava a impressão de
estar zangado, mas ela decidiu fingir que não havia notado. Falaram sobre os
carneiros, o tempo, a comida gostosa. Jerry levantou-se e foi ligar a televisão.
— Você se incomoda se eu levar Rachel para dar uma volta, Bert? — Damon
aproximou-se, estendendo a mão para erguê-la.
— Claro que não — respondeu Bert, surpreso.
Jerry, no entanto, não gostou. Encarou Damon com os olhos fuzilando de raiva:
— Vou com vocês — anunciou.
— Sinto muito, amigo, mas quero falar a sós com ela.
— Por quê? — Jerry parecia um galo de briga, pronto para saltar sobre seu
oponente.
— Temos assuntos particulares para discutir. Se depois ela quiser lhe contar do
que se trata, tudo bem.
— Rachel é minha namorada!
— Verdade? — Damon apertou mais a mão pequenina, falando diretamente
com ela: — Estão noivos?
— Ainda não — adiantou-se Jerry. — Mas vamos ficar. Pretendemos nos casar
— implorou com o olhar para que ela concordasse.
Rachel compreendeu que o orgulho do rapaz estava em jogo, mas assim mesmo
disse a verdade.
— Sinto muito, Jerry, mas não vou me casar com você.
Ele empalideceu e engoliu em seco, chocado demais para tomar uma atitude.
Damon aproveitou a confusão para escapar dali.
— Venha, Rachel, vamos dar nossa volta.
Ela o seguiu, preocupada com o que tinha acontecido. Sentia pena de Jerry! Ele
não merecia aquela humilhação, embora tivesse se precipitado. Na verdade, havia
dado motivos para que ele pensasse que aceitaria um pedido de casamento. No
entanto, quando a possibilidade surgiu, real e concreta, não conseguiu dizer "sim",
apesar de ser a atitude mais razoável que poderia tomar.
Andaram em silêncio e foram para a praia. Rachel procurava engolir as
lágrimas, mas acena desagradável não lhe saía da cabeça. Chegaram ao alto do
rochedo e viram as ondas batendo e espumando contra as pedras, num movimento
contínuo.
— Está chorando por causa de Jerry?
— Agi muito mal com ele. — Rachel não se conteve mais e as lágrimas
extravasaram, rolando por seu rosto.
— Prometeu que se casaria com ele?
— Não.
— Então por que Jerry achou que iria?
— Porque lhe dei razões para pensar assim.
— Dormiu com ele, mas sem pensar em casamento. Foi isso?
— Não! Nunca fomos além de uns beijos, mas eu estava decidindo que... que se
ele me quisesse para esposa, ia aceitar. Só que agora, quando ele falou, assim de
repente, não pude... não consegui...
— Se Jerry tivesse falado com você em particular, de uma maneira mais
romântica, teria aceito?
— Não sei! Era o que eu pretendia, mas agora não quero mais!
Damon afastou-se e olhou para o mar imenso, como se refletisse. Depois de um
tempo, virou-se de novo para Rachel.
— Por que recusou a oferta de Watkins?
Ela ficou aturdida com a súbita mudança de assunto.
— Que oferta, de quem?
— De Carl Watkins, o editor. Ele lhe escreveu que publicaria seus poemas. Já
esqueceu?
— Ah... sim. Não recusei; permiti que publicasse um deles.
— Por que fez isso? Se ele queria todos, deveria ter concordado.
— Há poemas de que não gosto mais, Damon.
— Mesmo? Não a entendo! Depois de todo o trabalho que tive para escolher os
melhores e levá-los para a apreciação do editor, o mínimo que esperava é que desse
sua aprovação.
— Desculpe-me por ter causado tanto transtorno. Poderia ter me contado o que
estava fazendo, não é? Cheguei a pensar que tivesse me esquecido.
Damon olhou-a bem, na semi-obscuridade da noite que se aproximava. Rachel
ficou sem jeito, mas insistiu:
— Não custava nada ter me mandado umas palavrinhas.
— Mas custou para você, não é, Rachel? Nunca me escreveu.
— Não sabia seu endereço.
— Deixei-o com a sra. Langholm. Era só pedir.
Ela não respondeu, e durante uns minutos os dois deixaram a vista vagar pelo
mar. A lua apareceu por trás das montanhas e seu brilho pálido se refletiu na água.
Eles começaram a andar, tomando o caminho de casa.
— Às vezes não consigo entendê-la, Rachel. Parecia tão entusiasmada em ver
seus trabalhos impressos, e no entanto mudou de idéia sem mais nem menos. O
maior sonho de um escritor é ver seu primeiro livro à venda! Não pensa do mesmo
modo?
— Meus poemas não são bons, Damon. Enviei alguns, novos, para outro editor,
mas ele os recusou. Não tenho talento, não posso mais escrever! — Para seu espanto,
ela o viu soltar uma gargalhada.
Que horror! Damon divertia-se às suas custas! Andou mais depressa, querendo
escapar, mas ele logo a alcançou.
— Rachel, sua doidinha, não sabe que a maioria dos escritores e poetas tem
quilos de cartas recusando seus trabalhos? É por isso que se fala com diferentes
editores.
— Mas o que fiz estava realmente péssimo! Depois que me foram devolvidos,
tornei a lê-los e eram tão ruins que os joguei fora. Tentei escrever mais, sem
resultado. De repente me senti seca, vazia! As idéias vinham, mas não podia colocá-
las no papel.
— É assim mesmo. A inspiração é instável, volúvel, difícil. Mas é só esperar que
volte.
— Tem certeza? — perguntou ela esperançosa.
— Sem dúvida. — Damon a segurou pelos ombros. — Posso dizer a Carl
Watkins que vai concordar?
— Meus poemas são realmente bons? Ou ele está apenas fazendo um favor para
você?
— Nesse ramo não se faz favor a ninguém. Ou o autor é bom ou ele precisa
procurar outra profissão. Se Carl Watkins resolveu publicar o que você escreveu, é
porque viu alguma qualidade.
— Bem... se você acha...
— Ótimo. Vou bater uma carta, você a assina e amanhã cedo a pomos no
correio. Devia se envergonhar de perder o ânimo por causa de uma recusa.
— Não foi só isso, Damon. Enquanto você estava aqui e comentava o que eu
escrevia, achei que meus versos eram significativos, mas quando os mostrei aos
Langholm... — A voz dela sumiu, num soluço disfarçado.
— Eles não gostaram?
— Disseram que sim, mas acharam meus pensamentos muito esquisitos.
— Os Langholm são ótimas pessoas, mas têm os pés plantados na terra, ao
passo que você flutua num mundo todo seu. — Damon pensou um pouco antes de
continuar. — Sua situação nesta casa vai ficar insuportável, depois do que aconteceu.
— Eu sei. Agi mal com Jerry. Se tivesse dinheiro, ou um emprego, iria embora
agora mesmo. Mas a realidade é outra e preciso aprender a conviver com ela. Não
tenho outra alternativa.
— Admiro sua coragem. Não vai ser fácil para ninguém.
— É verdade. Se tivesse pensado mais, teria deixado para explicar-lhe como me
sentia.
— Talvez fosse pior ainda. Fez bem ao falar a verdade de uma vez. O impacto foi
grande, mas o assunto está resolvido. — Damon passou-lhe o braço pelos ombros e
beijou o rosto ainda úmido de lágrimas. Por um longo momento não se mexeram.
— Senti falta de você — confessou Rachel.
Damon roçou os lábios nas faces afogueadas, para depois pousá-los na boca
trêmula, tocando-a com ternura. Continuaram andando, abraçados. Quando as luzes
da casa estavam visíveis, ele perguntou:
— Quer continuar vivendo aqui?
— Não tenho outra alternativa, Damon.
— Tem, sim. Se quiser ir embora, posso levá-la. Tenho lugar no carro, no meu
apartamento, em minha vida...
Rachel ergueu os olhos, atônita, mas tão contente que custava a acreditar no
que ouvia. Lugar na vida dele?
— Você quer dizer... que... que podemos nos casar? — Ela estourava de
felicidade.
Houve uma pausa, uma ligeira hesitação, antes que ele respondesse:
— É... Por que não?
Rachel percebeu que só agora Damon pensara nessa possibilidade. Por que era
tão ingênua? Claro que ele não havia se referido a casamento! Tinha pensado num
relacionamento temporário, sem vínculos e ela... Que idiota!
— Desculpe, Damon. Sei que não foi isso que quis dizer. — Apressou o passo,
mas ele a segurou.
— Pare de fugir, Rachel. Vou lhe mostrar como me sinto.
Damon a beijou com paixão e sensualidade, sem se preocupar com sua
inexperiência. Seguiu com a língua o contorno delicado dos lábios, até penetrar na
delícia úmida de sua boca. Apertou-a contra o corpo, descobriu a suave elevação dos
seios, acariciando-os com volúpia.
— Case-se comigo, Rachel. Diga que sim.
— Sim! Sim... sim!
Ele a beijou de novo, mas de repente se afastou.
— Não estou sendo justo com você. Tenho que lhe dar tempo para pensar. Se
amanhã cedo mudar de idéia, saberei entender.
— Tenho certeza do que sinto. Eu te amo, Damon.
— Mesmo assim, vamos esperar até amanhã para darmos a notícia na sua casa.
Se anunciarmos o casamento agora, poderemos causar outra tempestade entre os
Langholm.
Quando entraram na sala, encontraram Anne com ar preocupado. Jerry não
estava lá, mas o ambiente continuava carregado. Só tio Bert permanecia impassível.
Rachel sentou-se perto da tia e falou baixinho:
— Desculpe, não tive a intenção de ferir ninguém.
— Eu sei. Reconheço que Jerry agiu sem muito tato, mas ele não é o único
culpado.
— Também tenho culpa, admito.
— Falamos sobre isso amanhã — decidiu Anne, mostrando que certos assuntos
não podiam ser discutidos na presença de estranhos.
Rachel dormiu mal naquela noite. Ao levantar, encontrou a tia na cozinha,
preparando o café. Rapidamente começou a ajudá-la, pondo a mesa.
— Posso estar errada, mas acho que incentivou Jerry, fazendo-o crer que
gostava dele — Anne foi diretamente ao que interessava.
— Tem razão. Foi o que fiz. Sinto muito.
— Então, mesmo que tivesse ficado aborrecida por ele falar em casamento
antes de discutir o assunto com você, isso não era motivo para tratá-lo tão mal. No
entanto, já que se amam, vão fazer as pazes.
— Não gosto de Jerry dessa forma. — Rachel pesou cada palavra, para evitar
equívocos. — Achei que sim, mas somente ontem à noite compreendi que não o amo
e por isso não posso casar com ele.
Anne a olhou muito séria.
— Todos os casais enfrentam crises, minha querida. Isso é muito normal. Vocês
pareciam tão felizes juntos que não é uma briguinha à-toa que vai estragar tudo.
Jerry está apressado mas, se você tomar a iniciativa, ele vai ficar feliz em voltar às
boas.
Rachel mordeu o lábio. A situação continuava difícil. Não tinha se explicado
bem?
— Procure compreender, tia Anne, por favor. Sei que não me comportei bem
com Jerry, mas foi sem querer. Gostaria de aceitar o pedido de casamento, mas não o
amo. Vou embora daqui, hoje mesmo.
— Que bobagem, querida! Não precisa chegar a esse extremo.
— Já está tudo combinado. Vou embora com Damon.
— Você pediu que ele a levasse?
— Não... Vou me casar com ele.
Anne ficou boquiaberta.
— O quê?! Casar?! Foi por isso que ele veio?
— Não exatamente. Damon queria conversar sobre meus poemas, que vão ser
publicados. Acabamos descobrindo que nos amamos e resolvemos nos casar. —
Rachel não gostou do que disse. Dava a impressão de que a decisão tinha sido
impulsiva, sem nenhuma base sólida.
— Estou decepcionada com você, Rachel. Não tinha o direito de encorajar
Jerry, se amava outro homem. Mas foi esperta, não é? Um escritor famoso é melhor
partido do que um pequeno fazendeiro.
— Não aprova nosso casamento, sra. Langholm? — Damon estava de pé, na
porta.
— Confesso que estou chocada. Não sabia que existia algo entre vocês. Você é
tão mais velho que Rachel e...
— Sou mesmo, mas isso não é problema...
— Minha sobrinha ainda é muito jovem, sr. Curtis, e Bert e eu somos
responsáveis por ela. Não vamos permitir que Rachel vá embora assim de repente,
da noite para o dia. Ela não precisa se casar para sair daqui e fazer o que quer. Se
deseja ir para a universidade ou trabalhar, tem nossa aprovação. Deve dar mais
tempo para ela pensar. Numa decisão tão importante, a moça precisa raciocinar com
calma.
— Rachel já decidiu, sra. Langholm. De minha parte, asseguro-lhe que não sou
um sedutor e que, assim que tirar a licença, vamos nos casar.
— Então por que não se casam primeiro, para depois partirem?
— Damon... — Rachel queria dizer que não precisavam esperar nada, mas Anne
continuou:
— Tenho certeza de que depois de tudo que fizemos por ela, Rachel não vai nos
largar desse jeito. Embora tenha agido mal com meu filho, sei que é uma boa
menina.
— Tia Anne, não seria mais fácil para todos se eu fosse embora agora? Jerry iria
sentir-se melhor e...
— Claro que Jerry vai sofrer muito, mas prefiro que saia desta casa como a
esposa do sr. Curtis. Não há necessidade de fugir. Faço questão de lhe dar um
casamento bonito, embora simples.
— Não faço idéia... — Rachel ainda tentou convencer a tia, mas Damon a
interrompeu.
— Tem razão, sra. Langholm. Rachel estava ansiosa para não embaraçar Jerry e
eu, de maneira egoísta, pensei em levá-la daqui imediatamente. Preciso voltar a
Auckland ainda hoje, mas vou tratar dos papéis do casamento o mais depressa
possível. Para quando podemos marcá-lo?
Rachel ficou desorientada. Damon não podia estar falando sério. Era
impossível imaginá-lo numa igreja cheia de flores, diante do padre, dizendo o "sim"
de uma maneira super tradicional.
— Não faço nenhuma questão de ter um casamento tão pomposo, tia Anne.
Nem tenho parentes para convidar.
— Mesmo assim, minha querida, quero vê-la de branco, com vestido de noiva.
Damon virou-se para a sra. Langholm.
— Vamos marcar a data para daqui a duas semanas, está bem?
Rachel teve vontade de gritar. Não queria ficar nem mais um dia naquela casa,
quanto mais duas semanas!
— Acha mesmo que tudo isso é necessário, tia Anne? Não faço questão de
vestido, nem de festa.
— Duas semanas passam num instante — insistiu Anne. — O pessoal da cidade
vai comentar e talvez até fosse melhor marcar para daqui a um mês.
— Não! — Rachel não se conteve mais.
— Prefere que seja antes? Damon a olhou com expressão divertida, a tia com
censura.
— Prefiro, a não ser que você queira diferente, Damon.
— Claro que não. Apenas procuro não ser egoísta.
Rachel correu para ele, com os olhos brilhando de alegria, ansiando por ver-se
entre seus braços. Anne se adiantou e decidiu, com voz firme:
— Está marcado, então. O casamento será daqui a duas semanas.
CAPÍTULO X
Rachel não tornou a ver Damon até o dia do casamento. Ele telefonou todas as
noites, mas ela atendia constrangida por saber que os Langholm estavam ali perto,
ouvindo tudo.
Os telefonemas eram rápidos e Damon falava com objetividade, nunca se
comportando como um noivo apaixonado. Contou que os editores estavam contentes
por poderem publicar os poemas. Disse também que seu romance estava pronto,
necessitando apenas da revisão final, o que faria antes do casamento.
Rachel sentia-se feliz. Depois de uma conversa difícil com Jerry, haviam
chegado a um entendimento, embora ainda se evitassem. Talvez, com o tempo, ele a
perdoasse. Dois dias antes da cerimônia, o rapaz foi caçar com amigos em Urewera.
Anne levou a enteada a Napier para escolher o vestido de noiva. Depois de
muito procurar, Rachel decidiu-se por um de crepe branco, muito simples, a saia
rodada chegando aos tornozelos, as mangas compridas e justas.
Na véspera do grande dia, Damon ligou, dizendo que já estava na cidade.
— Não vem me ver? — pediu ela.
— Bem que gostaria, mas sua tia foi muito explícita. Disse que dá azar o noivo
ver a noiva antes do casamento.
— Não sou supersticiosa, Damon.
— Nem eu, mas prefiro não contrariar a sra. Langholm. É só hoje, Rachel.
Amanhã estaremos casados e faremos só o que quisermos.
— Está bem. Até amanhã, então.
— Boa noite, querida.
Rachel nem quis colocar a camisola que tinha comprado especialmente para
essa noite. Quando a escolhera, havia pensado somente em Damon e na experiência
que iam compartilhar. Colocou outra, sem maior significado.
Deitou-se e ficou virando de um lado para o outro. Não conseguia dormir. Se,
pelo menos, tivesse trazido um livro na mala! Lendo, cansaria os olhos e poderia
cochilar. Mas quem ia se lembrar de levar um livro na lua-de-mel?
Cansada de ficar rolando na cama, acabou levantando. Abriu as gavetas da
mesinha-de-cabeceira, da cômoda, em busca de alguma coisa para ler. Não
encontrou nada.
E se escrevesse um poema? Mas... onde encontrar a inspiração? Se conseguisse
pôr suas idéias em palavras, teria apenas um libelo de revolta, de dor, de angústia.
Foi até o armário e continuou sua procura. No fundo de uma gaveta encontrou
alguns folhetos que falavam sobre vários lugares turísticos da Nova Zelândia. Ótimo,
já tinha com que ocupar a mente perturbada.
A propaganda mostrava lugares maravilhosos e românticos, praias ao luar,
hotéis de luxo. Também aquilo lhe doía na alma, porque estava sozinha.
Por que aquela mulher tinha que aparecer e estragar sua vida? Tudo teria sido
diferente se a casa estivesse vazia! Ela e Damon teriam trocado carícias, entrado no
quarto, ido para a cama...
Não! Não ia pensar nisso agora. Precisava relaxar e dormir. Na manhã seguinte
pesaria os prós e os contras e então decidiria que atitude tomar. Agora não podia.
Estava vulnerável demais para mexer na ferida recente. Tinha que dar tempo ao
tempo.
Voltou a atenção para os catálogos. Um deles mostrava a região que tinham
atravessado. Falava de Pania, mostrava os três vulcões perigosos, os pinheiros altos,
as pohutukawas em flor.
Pouco a pouco sentiu as pálpebras pesadas. As letras se embaralhavam até que,
finalmente, adormeceu.
Viu-se numa praia muito branca, mas o mar era revolto e bravio. Mãos sem
corpo, muitas mãos, a empurravam para as ondas. Ela se debatia, tentando segurar-
se na areia que escapava por entre seus dedos.
Acabou entrando na água fria e pegajosa, que a envolveu como se fossem
braços gigantescos. Procurou nadar para longe, mas as ondas fortes a
impulsionavam na direção da areia, onde novamente as mãos a faziam voltar ao mar.
Desesperada, olhou para cima. Tinha que haver uma maneira de escapar dali.
Como?
Foi então que do mar emergiu o enorme vulcão Ngauruhoe, expelindo fumaça
branca e espessa que se espalhava por todos os lados, cobrindo o mar com seu manto
alvo.
A fumaça a envolveu e ela se viu presa num redemoinho violento, que a fazia
girar, girar sem parar. Sentiu que seu corpo se elevava, saindo do mar. O que estava
acontecendo? Era sua salvação, a resposta a suas preces?
Tudo ficou nebuloso, sem contornos distintos. Não divisava mais nada, sem
saber para que lado ficava a terra. Ouvia apenas o som longínquo e melancólico do
vento. Sentiu frio e, para seu desespero, notou que estava nua. Cruzou os braços para
esconder o corpo.
Foi subindo no ar, subindo e girando, até que se viu à beira da cratera. Pôs os
pés no chão. Tinha medo! E se caísse dentro do vulcão? Não ia se mexer!
De repente, foi como se tivesse descoberto o Paraíso Perdido. A fumaça
dissipou-se e ela se viu num vale verdejante, cheio de árvores. No centro, um lago
muito azul brilhava ao sol. Flores de jasmim flutuavam no ar perfumado. Pegou
algumas flores e as colocou nos cabelos.
Respirou fundo, encantada com tanta beleza. Seu coração exultava ao se ver em
segurança, naquele lugar adorável. O drama que enfrentara no mar fazia parte do
passado. Aquelas mãos horrendas já não podiam alcançá-la.
Desceu a encosta suave até a água cristalina. Pôs os pés nela e uma sensação
agradável percorreu seu corpo. Estava morna! Acabou mergulhando, nadou bastante
e depois sentou-se numa rocha para secar-se.
Foi então que o viu, alto e atlético, embora suas feições não fossem bem
definidas. Era estranho, porque conseguia enxergar tudo a sua volta com extrema
clareza e nitidez, a não ser o rosto do rapaz, que continuava envolto pela névoa. Mas
seu coração falou mais alto. Sabia que era Damon.
Correu para ele, vibrando de alegria. Já o estava quase alcançando, quando
surgiram dezenas de moças de cabelos pretos tão longos que lhes chegavam até o pé,
e que se agarravam ao rapaz, beijando-lhe a boca, o corpo esguio, os cabelos revoltos.
Ela gritou desesperada. Damon era seu, não podiam roubá-lo! Ainda tentou
lutar pelo homem que amava, mas a fumaça que rodeava o vale tornou-se mais
densa e desceu sobre ela, até engoli-la em seu turbilhão.
Estava novamente sozinha, com frio, consciente de sua nudez e fraqueza.
CAPÍTULO XI
O jantar foi perfeito, à luz de velas. A comida era excelente e o ambiente fino e
aconchegante. Entre um prato e outro, foram dançar na pista circular. Damon a
segurou muito perto, mas sem intimidade. Conversaram bastante e ela voltou a ver o
homem interessante que tinha conhecido no verão e que a conquistara.
Tomaram vinho, mas Rachel não abusou. Lembrava-se de que na viagem a
Auckland tinha ficado sonolenta e fazia questão de permanecer alerta.
Estavam na sobremesa quando o show começou. Uma moça bonita, usando um
vestido colorido e bem rodado, com os pés descalços, apresentou-se cantando
músicas folclóricas, enquanto outras dançavam ao som da melodia simples e
contagiante. Entusiasmada, a audiência batia palmas, acompanhando o ritmo.
Rachel também logo se juntou à alegria geral
O espetáculo terminou sob aplausos merecidos. Rachel se voltou para o marido,
com os olhos brilhantes.
— Maravilhoso!
— Fico contente que tenha gostado. Há muito mais para ver e aprender, mas
vou lhe dar tempo para se acostumar a... novas experiências.
Ela ficou embaraçada. Damon podia estar se referindo ao show, mas também a
muitas outras coisas, mais pessoais e secretas.
Dançaram outras vezes, tomaram café, conversaram, aproveitando o ambiente
agradável. Não sentiram o tempo passar e já era mais de meia-noite quando
resolveram ir embora.
Ao voltarem para casa, quase não falaram. Rachel ficou novamente tensa.
Desceu rapidamente do carro, mas teve que esperar que o marido abrisse a porta
com a chave dele. Seguiu na frente e foi direto para o quarto que ocupava mas, antes
de entrar, ainda se virou.
— Obrigada pelo dia perfeito, Damon.
Sem responder, ele a enlaçou pela cintura, puxando-a para junto de si. Rachel
ainda procurou se soltar, mas o marido a manteve firme entre os braços.
— Não vai escapar, minha querida. Vou cobrar seu agradecimento pelo
presente que lhe dei.
Damon segurou os cabelos sedosos e forçou-a a erguer a cabeça e olhar direto
em seus olhos. Depois, beijou-a com sofreguidão e urgência, esperando que ela
correspondesse.
Rachel sentiu um calor estranho surgir em seu estômago e se espalhar pelo
corpo, deixando-a mole, sem forças, ávida de paixão... Teve que se controlar para
não demonstrar o que sentia, mas não podia deixar que o marido percebesse o
quanto a excitava.
Damon a soltou de repente e ela quase perdeu o equilíbrio. Respirou aliviada e
entrou depressa no quarto, fechando a porta com a chave. Encostou-se no batente,
procurando se refazer.
Ficou muito tempo deitada, sem sono. Via a luz acesa da sala pela fresta sob a
porta. Atenta a qualquer movimento, esperou, pronta para reagir se ele ousasse
perturbá-la.
Depois de um longo tempo, concluiu que nada ia acontecer. Estava calma,
mas... por que sentia-se frustrada? Por que ansiava que ele a procurasse de novo?
Cansada, acabou dormindo.
CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XIII
A primavera chegou, enchendo a paisagem de cores alegres. As árvores
ostentavam folhas novas, a grama adquiriu uma tonalidade verde forte e o ar perdeu
a temperatura gélida. Incrível como o tempo passava depressa, pensou Rachel, antes
de descer para o jardim e colher as primeiras margaridas.
Sentia falta da fazenda. A essa altura, os carneiros recém-nascidos ficavam no
pasto junto das mães, suas caudas minúsculas balançando alegremente. Embora
estivesse vivendo perto do mar, que tanto gostava, Rachel tinha vontade de voltar à
baía Hawkes e rever a família que a criara.
Depois de colher as flores, ela entrou na cozinha para preparar o almoço. Ia
fazer carne assada com molho de cogumelos, prato favorito de Damon. Enquanto
cuidava dos ingredientes, voltou a pensar em sua vida.
O marido era sempre muito amável e gentil, mas nunca mais a tocara, desde
aquela última noite. Partilhavam a casa, as refeições, conversavam, davam risada,
saíam juntos, mas era como se existisse uma barreira entre eles, intransponível. E
nenhum dos dois tomava a iniciativa de quebrá-la.
Por seu lado, Rachel se esforçava por não despertar críticas. Cuidava da casa
com carinho, preparava todos os pratos de que Damon mais gostava, mantinha-se
bonita e bem-arrumada. Era o mínimo que podia fazer, já que não era uma esposa de
verdade.
Damon aceitava esse tipo de convivência sem comentários. Por três ou quatro
vezes receberam amigos para jantar e ele não escondeu seu orgulho ao ouvir os
elogios dos convidados sobre a mesa bem-arrumada, a comida deliciosa, a esposa
encantadora. Mais tarde, sozinhos, ele agradeceu a cooperação de Rachel, elogiando-
a também. Um domingo, foram visitar a irmã dele, Frances.
Ela os recebeu muito bem e não pareceu notar nenhum problema entre os dois.
— Você agiu na surdina, Damon — comentou Frances. — Manteve seu namoro
em segredo e só me contou sobre Rachel depois que estavam casados!
— Não fiz segredo nem resolvi casar de repente — defendeu-se Damon. —
Conhecia Rachel há alguns meses e, quando decidimos nos casar, não havia motivos
para esperar mais nada. Não é verdade, querida? — ele se voltou para Rachel.
— É, sim. Até fiquei triste por Damon concordar em adiar o casamento por
duas semanas, quando, por mim, não teria demorado nem mais um dia. — Com o
canto dos olhos, ela notou que Damon apertava o braço da cadeira com força. Queria
dizer que as lembranças também o perturbavam...
Passaram um dia muito agradável. Rachel gostou demais da cunhada e do
marido dela. Poderiam tornar-se bons amigos, tinha certeza. Pena que precisasse
manter-se atenta, sem dar nenhuma escorregadela, para que Frances não notasse
que seu relacionamento com Damon era tão estranho.
Quando voltaram para casa, no carro, Rachel ficou espantada ao ouvir o marido
dizer:
— Obrigado.
— Pelo quê?
— Por ter fingido diante de minha irmã.
— Nossos problemas devem ficar dentro de casa, não acha?
— Tem razão. Gostou de minha família?
— Muito. Sua irmã é bem diferente de você.
— Ora, muito obrigado! — respondeu ele com ironia.
— Damon, não veja uma segunda intenção em tudo que digo! Você sempre
torce minhas palavras!
— Acha mesmo? Então entendi mal seu olhar acusador, quando contou que eu
tinha insistido em esperar semanas até o casamento? Pelo menos, foi isso que
deduzi.
— Falei a verdade, não foi?
Damon resmungou baixinho e cortou a conversa, concentrando-se na estrada.
Rachel estava fazendo compras quando viu a foto de Pauta Winfield na porta de
um teatro. Ficou chocada. Há muito tempo não pensava nela! Parou, observou o
rosto bonito e leu os cartazes.
Então Paula era atriz! Estava ali numa curta temporada, vi vendo o papel
principal numa peça de sucesso. A lotação do teatro já estava vendida para as
primeiras semanas.
Daí para a frente, várias vezes, Rachel esbarrou com notícias sobre a rival.
Folheando uma revista, encontrou uma reportagem onde um famoso diretor de
televisão afirmava que em breve levaria ao ar uma novela com a conhecida Paula
Winfield.
No jornal de domingo encontrou mais notícias. Paula era considerada a artista
de maior talento dos últimos anos. Curiosa, Rachel leu a entrevista toda. Paula
respondia às perguntas com inteligência e desenvoltura. Dava a impressão de ter
uma personalidade interessante, aliada a muito esforço e dedicação ao trabalho.
Em determinado momento a atriz ressaltava que havia voltado ao palco com
muita garra, depois de "um longo relacionamento, já terminado", e que pretendia
devotar todo seu tempo à carreira em ascensão.
Rachel parou de ler, pensativa. Ela estaria se referindo a Damon? Com certeza.
O caso havia mesmo terminado? Procurou saber a data em que a novela iria ao ar.
Não queria perdê-la por nada do mundo.
CAPÍTULO XIV
Damon partiu numa manhã cinzenta, o vento assobiando nos telhados, uma
garoa insistente desafiando capas e guarda-chuvas. Rachel não o acompanhou ao
aeroporto. Mal tinham se falado naquelas semanas; ela, muito magoada, e Damon
ocupado demais com os preparativos da viagem.
Nem mesmo a publicação de seu livro de poemas conseguiu lhe dar ânimo. A
reação dos críticos foi favorável, embora não muito entusiasmada. Damon a
cumprimentou efusivo, mas ela o recebeu tão friamente que ele também se retraiu.
Passaram o Natal com a família de Frances, mas o esforço de fingir que eram
felizes os consumiu tanto que, quando chegaram em casa e foram dormir, nem se
deram "boa noite".
Depois que Damon partiu, ela pensou o que fazer da vida. Ir para a faculdade
era uma boa idéia, pois não conseguia mais escrever, e os cuidados com a casa não a
mantinham ocupada o dia todo.
Começou a se informar sobre os diferentes cursos, sem tomar nenhuma
decisão. Um dia, leu no jornal que Paula Winfield tinha ido para os Estados Unidos,
na esperança de ingressar no cinema. Foi então que se desiludiu por completo.
Fechou a casa e tomou o ônibus para a baía Hawkes. Sua vida com Damon acabara.
Jerry havia se mudado e agora trabalhava com um dos irmãos, noutra cidade.
Felizmente, não haveria oportunidade de encontrá-lo. No entanto, outra surpresa
desagradável a esperava na casa dos Langholm. Des Alexander ocupava o lugar de
Jerry!
Quando se encontraram, o rapaz mostrou-se surpreso e Rachel se limitou a
cumprimentá-lo. Daí para a frente ela tratou de evitá-lo a todo custo.
Preferiu instalar-se na casa do rochedo. Anne não se opôs, compreendendo que
a sobrinha desejava conservar sua independência.
Os tios só não se conformavam por ela não ter acompanhado o marido a
Hollywood. Rachel precisou de muito tato e imaginação para arranjar razões
plausíveis. Ficou aliviada quando chegaram as primeiras cartas da América, pois tia
Anne não ia mais desconfiar que seu casamento não andava bem.
A princípio as cartas vinham muito freqüentes, mas depois escassearam.
Rachel as juntava e guardava, sem ler, numa gaveta da camiseira.
Matriculou-se num curso de literatura na faculdade mais próxima, aonde ia
três vezes por semana. Assim mesmo ainda tinha bastante tempo para caminhar,
nadar, aproveitar o sol e... pensar.
Com certeza Damon já havia combinado com Paula de se encontrarem em
Hollywood e por isso não quisera levá-la. Acreditava até que ele já não amava a atriz
com a mesma intensidade, mas seis meses era tempo suficiente para reavivar o
antigo romance. Era mais do que certo que os dois acabariam juntos, principalmente
convivendo naquele ambiente excitante do meio cinematográfico, onde tudo era
permitido.
Rachel analisou seu próprio comportamento com Damon e reconheceu que
havia errado. O marido tinha se esforçado em fazer o casamento dar certo, mas ela
adotara uma atitude radical. Queria dele um amor total, ou nada. E era isso que
tinha agora: nada!
Não adiantava se recriminar. O casamento estava terminado e Damon não a
queria. Já não a tinha posto de lado, para começar um novo romance com Paula?
Com o coração partido, Rachel começou a escrever um poema, depois outro,
mais um... Era o grito de tristeza e dor de uma alma apaixonada, a declaração de um
amor infinito.
Quando terminou de escrever, Rachel pôs no alto da página "Para D...", sem
coragem de assumir sua enorme paixão pelo marido. Tinha colocado todo seu amor
naqueles versos, seu coração ficara exposto.
Sentiu-se melhor. Levantou-se da mesa da cozinha para tomar um copo de
água quando ouviu baterem à porta da frente. Foi atender e, para seu espanto, viu-se
diante de Des Alexander.
— Que veio fazer aqui!
— Só uma visitinha, Rachel. Há muito tempo não a vejo.
— Estou muito ocupada. Não tem o que fazer?
— Já terminei as obrigações do dia. Os Langholm foram à cidade e me senti
muito solitário.
Rachel lembrou-se do que tinha acontecido na última vez em que conversaram
sobre solidão e ficou apreensiva.
— É uma pena, mas eu não estou solitária.
— Como não? Com seu marido tão distante, tem que estar. — Ele chegou mais
perto. — Seja boazinha, Rachel. Como eu, está sem carinhos, não é?
Des avançou, querendo abraçá-la, mas Rachel defendeu-se com unhas e dentes
até perceber que, quanto mais se debatia, mais excitado ele ficava. Precisava agir de
outro modo. Ficaria imóvel e gelada. Isso o deixaria aborrecido a ponto de ir embora.
O rapaz a arrastou para o sofá e a beijou. Rachel sentiu o estômago
embrulhado. Gostaria de mordê-lo, de lhe dar ponta-pés, mas sabia que ele se
tornaria violento. Tentou levantar-se, mas ele a segurava com força, dominando-a
completamente.
Nesse momento a porta da frente se abriu de novo. Rachel quase morreu de
susto ao ver quem surgia.
— Damon!
Des levantou, logo se recuperando do choque.
— Deve ser o sr. Curtis. Sua esposa e eu conversávamos sobre os velhos tempos.
Ela deve ter-lhe contado que fomos bons amigos no ano passado, quando saíamos
juntos.
— É mentira! — gritou Rachel.
— Mentira, boneca? Já se esqueceu daquela noite em que Jerry nos
surpreendeu perto do galpão? Foi muito estranho, sr. Curtis. Ele afirmou que
namorava Rachel e, no entanto, ela estava comigo! Sabe, se ela fosse minha esposa,
não a deixaria solta. Ela fica solitária muito depressa e...
— Cale a boca! — Damon aproximou-se com os punhos fechados. — Saia daqui
e, se chegar outra vez perto de minha mulher, não respondo por meus atos. Posso ser
muito violento, sr. Alexander.
Des olhou para Rachel, sacudiu os ombros e foi embora.
— Damon, que bom que chegou! Eu estava apavorada.
— Pois não parece. Não a vi lutando com ele.
— Eu tentei, mas só tornei as coisas piores. — Rachel ia continuar, mas viu
tantas suspeitas nos olhos cinzentos que mudou de assunto. — Como soube que eu
estava aqui?
— Quando descobri que não estava em casa, deduzi que tinha vindo para cá. O
correio me confirmou, quando me deu o endereço para onde suas cartas eram
remetidas, depois de entregues em nossa casa. Isso também me provou que recebeu
todas que lhe escrevi. — Damon estava zangado, a expressão severa.
— Recebi, sim.
— Não me respondeu nenhuma.
— Não tinha o que dizer — mentiu ela, sem contar que não as tinha lido. Para
quê? Apenas para conhecer os detalhes da viagem, as festas, o encontro com Paula ?
— Vou pegar minha mala — avisou Damon.
— Pretende ficar aqui?
— Onde mais? Devo ficar com minha esposa ou com os Langholm? Afinal.
temos dois quartos, não é?
Rachel ficou quieta. Damon saiu e voltou com a bagagem, que colocou no
quarto vago.
— Gostaria de uma xícara de café — comentou ele. — Quer também?
— Ótima idéia. Vou fazer.
— Deixe que eu mesmo preparo. Ainda me lembro de onde encontrar o bule.
— Como quiser.
Damon foi para a cozinha e ela continuou sentada no sofá. Encostou a cabeça.
Quanta coisa tinha acontecido! A invasão de Des, a chegada inesperada de Damon.
Como era bom vê-lo de novo, senti-lo perto, ouvi-lo falar!
Sua mente divagou, pensando nos bons momentos que vivera com o marido.
Ele era extraordinário, inteligente, carinhoso... e, no entanto, fora tão burra que
estragara tudo.
— Minha nossa! Os poemas! — exclamou ela assustada. Tinha deixado o
caderno aberto na mesa, quando Des chegara. Damon os teria visto?
Levantou-se num salto e foi para a cozinha. Encontrou-o inclinado sobre a
mesa, lendo. Num gesto brusco, ela tentou pegar as folhas, mas Damon a deteve.
— Para quem escreveu isso, Rachel? — Ele parecia querer matá-la com o olhar.
— Para mim mesma. Não tinha o direito de ler sem minha permissão.
— São poemas de amor, falam de uma grande paixão. Você os dedicou a D...
Quem é ele? Des?
Rachel empalideceu e Damon aproximou-se, segurando-a pelos ombros, para
depois sacudi-la com raiva.
— Responda! São para Des? Por isso não lutou? Queria ir para a cama com ele?
— Não!
— Como não? A evidência é muito clara. Encontrei-a nos braços dele sem um
protesto, os poemas mostram intensa paixão, são para D... Além disso, Des afirmou
que estava muito solitária. — Damon mudou rapidamente, passando da fúria para
um tom gelado. — Bem... agora não precisa mais se queixar. Seu marido está aqui e,
se precisa de um homem, posso satisfazê-la.
Damon a abraçou com força e segurou-lhe a cabeça para que não escapasse ao
beijo. Foi bruto e sem piedade, forçando-a a aceitar a invasão de sua boca, para
penetrar ainda mais em sua intimidade. Não parou aí. Pôs a mão sob a blusa e tocou
a pele macia com movimentos sensuais, para depois abrir os botões e se apossar dos
seios.
Trêmula, Rachel tentou se livrar dele. Esse ataque selvagem não podia vir do
marido que ela amava. Ele estava fora de si, agia como um animal. Ela se contorceu
e, num gesto desesperado, conseguiu se livrar dos braços que a mantinham cativa.
Correu para a porta, bateu-a com força, esperando atingi-lo. Seguiu pelo
caminho que levava à praia e já estava quase na areia quando olhou para trás para
ver se ele a perseguia. Não viu a raiz de uma árvore, tropeçou e caiu, batendo com a
cabeça numa pedra.
CAPÍTULO XV
Rachel estava abalada demais para dormir. Virou de um lado para o outro,
tentou pensar em lugares bonitos, depois começou a repetir mentalmente seus
poemas mas, dessa vez, nada adiantou.
O melhor era se levantar e tomar um pouco de leite quente. Mas, se fosse até a
cozinha, corria o risco de Damon ouvi-la. Não ia facilitar. Bem, o jeito era ler.
Pegou o livro na mesinha-de-cabeceira e procurou interessar-se pela história,
mas os personagens lhe pareciam estranhos, sem personalidade definida.
Foi então que se lembrou das cartas de Damon. Ele fora tão enfático ao dizer
que devia lê-las...
Pé ante pé foi até a cômoda e pegou o maço de envelopes ainda fechados. Abriu
um a um, pela ordem de chegada. Leu a primeira carta, a seguinte, deixando as
folhas abertas sobre a cama, ansiosa demais para conhecer o conteúdo das outras.
Os primeiros raios da manhã já tingiam o céu quando ela terminou a leitura.
Tirou a camisola, colocou um robe atoalhado que lhe chegava aos joelhos e foi para a
praia. Lá, tirou o roupão e correu para o mar.
Ainda estava frio, mas ela entrou no mar assim mesmo. O choque da água foi
uma delícia, enchendo-a de vitalidade e disposição. Nadou com energia, mergulhou,
voltou à tona. Finalmente deslizou numa onda até a praia, levantou-se e andou pela
areia molhada, a caminho de casa.
O sol, já aparecendo firme no horizonte, mostrou-lhe que Damon estava ali, à
sua espera. Ela não quis se esconder, nem fugir. Ergueu a cabeça e caminhou
decidida na direção dele.
Damon pegou o robe jogado na areia e a envolveu em seu tecido macio. De
mãos dadas, sem uma palavra, foram sentar-se num monte de areia mais seca.
— Você não tem juízo, bobinha! O que o dr. James diria se soubesse que foi
nadar?
— Ele me mandou ficar em repouso por um dia. Obedeci e agora me sinto
muito bem, pronta para levar minha vida normal.
— Tem certeza?
— Absoluta.
Damon colocou os braços em volta dos ombros dela.
— Antes de vir até a praia, estive em seu quarto, para ver se ainda estava
dormindo. Encontrei as cartas espalhadas na cama.
— Estou arrependida por não ter lido antes! Não sabia que me amava!
— Como é possível? Demonstrei meu amor de todas as maneiras que conhecia.
— A não ser declarar com palavras...
— Em geral, elas significam tão pouco! Além disso, me expresso melhor por
escrito.
Rachel sorriu.
— Acontece a mesma coisa comigo. Sabia que os versos eram para você, não é?
— Tinha certeza, mas fiquei furioso porque você não quis admitir a verdade.
— Sinto tanto pelos nossos mal-entendidos, Damon. Mas tudo contribuiu para
que eu pensasse que não me amava. Paula fez questão de provar que seu caso com
ela tinha durado até nosso casamento. Fiquei sem ação quando a vi na sala em nossa
noite de núpcias.
— Agora conhece a verdade?
— Desconfio... Me corrija se estiver errada. Ela é Karina, não é? A noiva que o
abandonou porque se viu retratada em seu livro?
— Exatamente, e ela escolheu a pior hora para reaparecer, uma semana antes
de nosso casamento. Tinha brigado com o homem com quem vivia, estava sem
trabalho, sem dinheiro e resolveu me procurar. Quando lhe recusei abrigo, devia ter
sido franco e contado que ia me casar. Porém, achei-a tão deprimida que não quis
aumentar sua decepção. Não podia imaginar que ela ainda guardasse a chave de
casa, desde o tempo em que éramos noivos.
— Você a amava muito?
— Não sei. Na ocasião, eu era muito jovem e fiquei entusiasmado por estar com
uma bela mulher, que já prometia tornar-se uma atriz excelente. Mas, na verdade,
nenhum de nós dois pensava em manter um relacionamento permanente. — Damon
aninhou-a entre os braços. — Vamos deixar o passado para trás, querida. A única
coisa que importa é que nos amamos.
— Damon, ainda não ouvi você dizer o que sente por mim.
— Amo você, de todo meu coração.
Rachel sorriu feliz e passou os braços ao redor do pescoço dele.
— Também amo você. — Ela arqueou o corpo para se colar ao dele.
Beijaram-se com ternura, agora sem barreiras nem reservas. Ela se deu toda,
entregando-se ao calor do beijo apaixonado.
Sentiu que Damon lhe tirava o robe, admirando seu corpo escultural. Os seios
palpitaram sob o toque sensual e envolvente, os mamilos enrijeceram de desejo.
Damon a acariciava com meiguice, tocando seus pontos sensíveis, fazendo-a vibrar
até atingir o auge da paixão. Ela suspirou, numa doce submissão ao homem amado.
Damon cobriu-a com o corpo e ela estremeceu, na antecipação do prazer. Num
ritmo cadenciado, que lembrava o rolar das ondas, eles se conheceram, pele contra
pele, os corpos roçando, as respirações se misturando, os gemidos de satisfação
ecoando na manhã radiosa. Amaram-se com volúpia, dando e recebendo carícias, até
que chegaram juntos ao êxtase.
Ficaram imóveis, os corpos úmidos de transpiração, gozando aquele instante de
indizível felicidade. Depois, Damon rolou para o lado e acariciou o rosto jovem que
demonstrava a paz conquistada através da realização plena.
— Amo-a demais, Rachel. Todos esses anos sonhei em encontrar uma mulher
como você.
Ele ergueu-se no cotovelo e a beijou, pondo nesse contato a imensidão do
sentimento que abrigava no coração. Damon a carregou e a levou para casa. Rachel
sentiu-se leve naqueles braços poderosos, segura, amada, cheia de alegria.
— Agora vamos começar nossa verdadeira vida de casados, ocupando o mesmo
quarto, a mesma cama, vivendo realmente juntos, Rachel. Quanto tempo esperei por
isso!
— Eu sei, mas estava tão confusa, sem acreditar que você pudesse retribuir meu
amor, que não ousava me abrir. — Ela chegou bem junto do marido e perguntou
baixinho em seu ouvido: — Quando me convidou para ir para Auckland, estava
mesmo pensando em casamento?
— Quis fazê-la minha esposa desde o momento em que a vi, mas me julguei
egoísta demais, pretendendo me unir a uma garota tão jovem. Foi só quando voltei à
fazenda e a encontrei disposta a se prender a Jerry pelo resto da vida, que tomei a
decisão de levá-la comigo, fosse lá como fosse.
— Mas a idéia de casamento partiu de mim!
— Você não teria falado em se casar se não sentisse que eu queria, não é? Era
tímida demais para se arriscar em terreno desconhecido.
Damon a beijou com amor e Rachel, livre das tensões, correspondeu com a
mesma intensidade.
— Estou com fome, querida. Vamos tomar nosso café da manhã?
Juntos, eles foram para a cozinha, onde prepararam um chá com torradas,
manteiga e geléia. Depois sentaram-se para tomá-lo.
— Por que voltou de Hollywood tão de repente? — quis saber ela.
— Precisava vê-la e saber por que não respondia minhas cartas. Fiquei
desesperado, imaginando coisas horríveis que podiam ter-lhe acontecido. Não
achava possível você manter-se silenciosa depois de ler a confissão de meu amor, as
explicações sobre Paula. Abri meu coração, desnudei minha alma e não recebi uma
linha sequer!
— Foi bobagem minha, Damon, reconheço. Devia tê-las aberto, mesmo que não
tivesse intenção de responder. Porém, o medo de encontrar referências a Paula foi
mais forte que eu. Ela era um fantasma, sempre presente em minha vida. Talvez
tenha pensado como criança, não sei.
— Agora você é mulher, minha mulher! Por mim, passaria a vida inteira
mostrando o quanto a amo.
— Você tem alguma coisa mais importante para fazer? — Ela levantou-se e o
puxou na direção do quarto. — Então...
— Então vamos estrear nossa cama de casal. — Damon a abraçou, sorrindo.
FIM