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COPYRIGHT © 2021 EDITORA CABANA VERMELHA;

COPYRIGHT © 2021 GUI RIBEIRO

DIRETORA EDITORIAL: ELAINE CARDOSO


EDITORA ASSISTENTE: MARI VIEIRA
REVISÃO: MARI VIEIRA
CAPA: DENIS LENZI
DIAGRAMAÇÃO E PROJETO GRÁFICO: ELAINE CARDOSO

1 ª EDIÇÃO

Esta obra foi revisada segundo o


Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer
forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos, incluindo o uso da internet, sem permissão
expressa da autora (Lei 9.610 de 19/02/1998).
Sumário
Capítulo I
Capítulo II
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VI
Capítulo VII
Capítulo VIII
Capítulo IX
Capítulo X
Capítulo XI
Capítulo XII
Capítulo XIII
Capítulo XIV
Capítulo XV
Capítulo XVI
Capítulo XVII
Capítulo XVIII
Capítulo XIX
Capítulo XX
Capítulo XXI
Capítulo XXII
Capítulo XXIII
Capítulo XXIV
Capítulo XXV
Epílogo
Sobre o Autor
Sinopse:

Após perder o marido e ter de cuidar de seu filho pequeno sozinha, Margareth Mae Howells não
sabe mais por onde seguir, até que sua amiga a indica para trabalhar no antro de libertinagem
mais conhecido de Brighton, o Clube Oasis. No entanto, o que deveria ser apenas um último
plano para manter seu filho a salvo acaba por se tornar uma oportunidade de voltar a conhecer o
amor, quando os olhos do misterioso Sr. Fox cruzam com os seus.

Mitchell Wolfheart sentia-se confortavelmente seguro sob seu codinome. Não havia como ligá-lo
a ele ou seus irmãos, e isso garantiria que não houvesse risco de um escândalo por comandarem
o Oasis. Porém, quando se depara diante da mulher mais estonteante que já vira, com sua
inocência e coragem ela surpreende seu coração – todavia, isso desperta não apenas segredos e
erotismo, mas também escolhas que poderão levá-los à eterna paixão ou à completa ruína.
Dedico este livro à minha mãe, minha eterna companheira de histórias. Obrigado por não
medir esforços para me ver feliz.
“Duvide do brilho das estrelas
Duvide do perfume de uma flor
Duvide de todas as verdades
Mas nunca duvide do meu amor.”

- William Shakespeare
Capítulo I

Brighton
Julho de 1842

O escritório, ela teve de admitir, era mais limpo do que imaginara.


Se bem que, a mulher pegou-se pensando, talvez nunca tivesse imaginado como um antro
de libertinagem deveria ser, como as cortesãs levavam a vida e em que tipo de cavalheiros
frequentariam tais estabelecimentos.
Margareth Mae Howells nunca precisou pensar sobre isso. Até agora.
Estar ali era uma afronta ao seu próprio orgulho, e ela sentia-se diminuta, ainda que o rapaz
à sua frente tentasse ser gentil a todo instante, mostrando que Margareth não deveria se
preocupar. Mas é claro que ela deveria! As indecências de um local como aquele não são
ensinadas nas aulas de etiqueta e o preço da mão de uma dama para a noite de núpcias costumava
ser alto, elevado a níveis exorbitantes de um dote que atraía os olhos da aristocracia.
Ela, é claro, não fazia parte de grupo tão seleto, no entanto, ainda era uma mulher, e tinha
seu respeito, de tal modo que desde que pisara ali seu coração gritou para que fosse embora.
Porém, sua mente lembrava-a de seu motivo para ficar.
E esse motivo sobrepunha qualquer outro.
— Srta. Margareth Mae Howells, como gostaria de ser chamada daqui em diante?
O homem à sua frente devia perceber o quanto ela estava ansiosa e aflita, mas ele não tirou
sua máscara. Não. Isso foi uma das primeiras coisas que notou ao entrar, em como os grandes
olhos escapavam por entre o preto de sua máscara de camurça, que se moldava perfeitamente em
seu semblante, o rosto ovalado, mas robusto, com lábios finos que proferiram aquela pergunta.
— P-Perdão? — Sua voz escapou sem força alguma.
— Creio que Buttercup tenha lhe dito que, para ingressar no clube, seja como servente ou
convidado, utilizamos um nome falso para prevenir as pessoas de terem sua imagem degradada.
Buttercup. Ouvir o nome de Maud Duleep, sua melhor amiga, daquela forma, fez
Margareth engolir em seco. Sim, era inegável a reputação que ela deixou no pequeno prédio em
que moravam, que mais assemelhava-se a um cortiço, cheio de madeira podre e mofo, porém,
ainda assim, a mulher não conseguiu deixar de sentir o sangue esfriar em seu corpo.
Certamente, estava mais pálida do que nunca.
— N-Não, senhor, ela não chegou a comentar.
— Bem, é uma política do Oasis, e recomendamos fortemente que nossos funcionários as
sigam. Ainda que as máscaras disfarcem, é muito mais fácil lembrar-se de uma voz se, junto a
ela, tivermos um nome.
— Sim, eu... eu entendo...
O homem foi paciente, e aguardou por ela.
— Poderia ser Maggie?
Por detrás da máscara, ele estreitou o olhar, a caneta em repouso em suas mãos largas,
próximas ao tinteiro.
— Tem certeza de que este é o nome que deseja, senhorita?
Ela notou o tom dele, pois, de fato, Maggie era um apelido comumente usado para abreviar
Margareth, embora a mãe da Srta. Howells, quando ainda viva, detestasse que qualquer um
abreviasse um nome tão bonito quanto o da filha.
— Sim... creio que não irá interferir muito.
— É aí que se engana — replicou depois de escrever o nome dela em um livro amarelado,
onde páginas e mais páginas amontoavam-se, separadas por pequenas colunas tracejadas. — Ao
nomearmos algo ou alguém, podemos muito bem nos afeiçoarmos — os olhos dele ergueram-se
na altura dos dela — ou dominá-los.
O teor sexual em sua voz fez com que Margareth baixasse o rosto, de tal forma que o rapaz
respirou fundo, deixando a caneta de lado por um breve momento.
— Noto de maneira quase incômoda o quanto a senhorita desejava estar em outro lugar,
Maggie. — Ele testou como ela reagiria ao nome. — E quero ressaltar que as mulheres que aqui
trabalham estão todas por livre e espontânea vontade, por isso lhe pergunto: o que a trouxe aqui?
Timidamente, a mulher ergueu o rosto, o ar escapando-lhe por entre os lábios delicados.
— O meu filho, senhor.
O homem franziu o cenho e sentiu os ombros endurecerem.
— O seu filho?
— Ele... ele tem seis anos, o pai veio a falecer ano passado... e eu preciso pagar o nosso
aluguel...
O silêncio abateu-se sobre eles e o próprio ar pareceu condensar em suas cabeças.
— Entendo. Então, Buttercup a indicou ao trabalho.
Margareth fez que sim com a cabeça.
— Não pensou em trabalhar nas lavanderias? Sei que estamos na costa da Inglaterra, mas,
ainda assim, há algumas no centro que..., bem... — Ele a olhou de cima a baixo, até onde
pudesse, já que a mesa que os separava limitava tal ato. — ... A melhor acolheriam.
Um curto sorriso surgiu no rosto de Margareth, mas ele se desfez antes de responder:
— Minha mãe trabalhou em uma lavanderia desde os quinze anos, senhor, eu sei quanto as
mulheres de lá ganham... — Os olhos dela arderam, de repente, lágrimas que já deveriam ter se
tornado amenas depois de tanto tempo surgindo. — ... e o quanto elas acabam tendo de pagar.
— Margareth fungou o nariz e agitou os cílios, contendo a emoção que subitamente acometeu
seu peito. — Às vezes, com a vida.
Ela sentiu a boca seca e tentou engolir em seco na tentativa de umedecê-la diante o olhar
intrigante que o homem lhe dirigiu. Na verdade, durante toda a vida, Margareth conseguiu
interpretar bem cada olhar que lhe era dirigido, mas não aquele, e isso a enervou ainda mais.
Ainda assim, sua mãe, a falecida Agatha Merrith, lhe ensinou bem que boas moças não devem
importunar cavalheiros com perguntas mais do que o necessário.
— Entendo, Maggie. — A voz dele também secou, de tal forma que o homem pigarreou
antes de prosseguir: — Mas não vejo como conseguiria conciliar o trabalho no Oasis sem que
seu filho fique sozinho...
— Ele não ficará... — antecipou-se e, só então, percebeu que o havia interrompido, até
mesmo inclinando-se levemente para frente. — Perdão, senhor, eu não queria interrompê-lo.
— Está tudo bem — assegurou. — Continue.
— Há uma senhora mais idosa, que mora na frente do prédio em que vivo... a Sra.
Perkins... ela pode cuidar de meu garoto.
O homem anuiu e retomou a caneta.
— Pois bem, Maggie, então... como a senhorita descreveria o tom de seus cabelos?
No fim, ela sentiu, estranhamente, um alívio e um pesar em seu peito, porque, ao tocar em
sua máscara, seu coração pesou ao mesmo tempo que se satisfez. Seu garotinho iria ter tudo o
que precisava, ela iria lutar por ele.
— Tom de chocolate, eu acho.
— A senhorita acha?
— Bem, ele fica mais claro se fico muito tempo debaixo do sol.
— Creio que não ficará mais assim, pois todas as damas que trabalham conosco recebem
sua própria sombrinha para poderem ir e vir.
Maggie estranhou, o cenho franzido tal que ele respondeu à dúvida em sua mente:
— Não se preocupe, não é nada vulgar ou chamativo, é apenas uma... precaução.
— Precaução? — A palavra lhe desceu como um tijolo.
— Sim. — O homem mordeu o lábio. — Veja bem, Maggie, nossos clientes vão desde a
burguesia até os mais altos nobres da Inglaterra, todos fogem de Londres quando a Temporada se
aquieta e as tramitações entre mães e pretendentes já estão pré-definidas. — Ele a encarou com
firmeza. — Consegue imaginar que não seria de bom proveito uma dessas mães descobrir que o
pretendente de sua filha frequenta nosso antro.
— Compreendo, sim, mas... o que tem a ver com as sombrinhas?
— Os cavalheiros que se sentem ameaçados podem... se tornar enérgicos — explicou
tentando suavizar ocorridos passados. — Ninguém quer sua reputação destruída, então, usamos
as sombrinhas para termos controle de nossas garotas, assim não só poderemos ajudá-las, mas
vocês também, entre si.
— Porque iremos reconhecer a sombrinha...
— Exatamente.
Ela anuiu com um meio sorriso, os ossos quase pressionados na cadeira com a
possibilidade, como o homem disse, de algum cavalheiro tornar-se enérgico.
— Pois bem, cabelos tom de chocolate, então. — A anotação foi feita rapidamente. — Cor
dos olhos... — Ele a fitou de soslaio. — Azuis acinzentados, muito lindos, por sinal.
Margareth agradeceu ao sorriso singelamente, sem palavras.
— Qual seria a sua estatura, Maggie?
— Tenho cento e sessenta e sete, senhor.
— Sem saltos, correto?
— Sim, senhor.
— Precisaremos providenciar um par de sapatos, pois então. Deve aparentar ter cento e
setenta. — Eventualmente, o lábio dele estalava contra sua boca, mesmo quando perguntou sobre
o tamanho de seus pés e, logo em seguida: — Quanto de busto a senhorita tem?
A garota corou com a segunda pergunta e todo o ar esvaiu de seus pulmões. Nenhum
cavalheiro jamais havia sido tão direto em algo tão indecoroso. Mas ela não estava mais em um
local de decoro, é claro.
— Oitenta centímetros, eu acho...
— Nenhuma costureira a mediu?
— Após o falecer de meu marido, senhor, não tenho mais encomendado vestidos.
Agora ele engoliu em seco.
— É claro, mil perdões, senhorita. — Ele voltou sua atenção para suas anotações e
preencheu alguns espaços em branco em completo silêncio, até perguntar: — Encaminharei
todos os trajes que deverá usar ainda hoje, nosso entregador será discreto e deixará a encomenda
na porta de seu prédio por volta da madrugada. Entendido?
Ela disse que sim.
— Preciso apenas de sua assinatura, logo aqui embaixo, Maggie — pediu conforme
escorregava o enorme caderno na direção da mulher, o indicador apontando o exato local onde a
ponta da caneta deveria transcorrer e o aroma de papel antigo inundando as narinas dela. —
Porém, deve assinar com seu verdadeiro nome e, depois, com sua personagem.
Ela hesitou por um instante.
— Não se preocupe, não há julgamentos aqui dentro — encorajou-a ele. — Não
deveríamos sentir vergonha pelo prazer da carne... nem pelo que fazemos por aqueles que
amamos.
Margareth encarou-o uma última vez e o ar de seu peito escapou em um único expirar
conforme o homem se levantava, empurrando a cadeira para trás e abotoando seu casaco,
andando até um armário luxuoso encostado na parede direita, abrindo-o conforme ela encarava o
papel diante de si.
Era isso. Essa era sua decisão, e precisava ser! Margareth não via novas opções e o inverno
chegaria logo. Não podia deixar seu garotinho com fome ou frio, ainda se lembrava da última
vez que o inverno os atingira e os lábios dele tremeram tanto quanto o coração dela, apreensivo
pela pequena vida em seus braços.
— Não há vergonha no que fazemos por aqueles que amamos — sussurrou para si mesma
conforme sua mão lentamente banhava a ponta metálica no nanquim escuro, assinando seu nome
em seguida, a cursiva impecável que deixaria a mãe orgulhosa se não estivesse em um livro tão
depravado.
Margareth enxergou, no topo da folha, o nome de Maud e, ao lado, Buttercup.
Agora, era ela quem encarava:
Margareth Mae Howells
Maggie
Seria assim que passaria a se conhecer? Maggie? Até que ponto sabemos quem realmente
somos? Mas Margareth não chegou a responder isso naquela noite, pois seu contratante retornou
com uma pequena caixa preta de feixe prateado em suas mãos.
— Seja bem-vinda ao Oasis, Maggie.
Ele entregou a caixa para a mulher, que a apanhou com dedos incertos, como se a textura
granulada da caixa fosse incendiar suas mãos. Uma dama não deve aceitar presentes de
desconhecidos, especialmente do sexo oposto, assim como também não deveria assinar algo que
colocava seu corpo à venda em um antro indevido, por mais que ele fosse excelentíssimo.
Mas ela já havia feito ambos e, por isso, abriu a pequena caixa, notando, primeiro o cetim
azul que preenchia o fundo, mas seus olhos rapidamente foram conquistados por outra coisa.
— É com isso que devo vir?
— Sim — afirmou. — A nossa identidade, nossa privacidade e sonhos... é por isso que
devemos prezar.
Margareth apanhou o conteúdo da caixa.
— É por isso que usamos as máscaras — terminou ele.
A máscara que ela segurava era a mais linda que já vira, feita em tule prateado, bordado
em um branco brilhante, duas pequeninas pedras cintilantes nas laterais, onde as tiras de cetim,
feitas para serem presas atrás da cabeça, escapavam como ondas.
Ele depois lhe disse em qual horário deveria aparecer no dia seguinte e quanto ganharia,
recebendo agradecimentos sinceros da mulher, que apenas sentiu as palavras escapando por seus
lábios.
Conforme os olhos observavam as mãos retornando a máscara à caixa, sua mente tinha a
mais absoluta certeza de que, um dia, tudo valeria a pena, afinal, nessa vida, algumas escolhas
precisam ser feitas com toda a nossa coragem, todavia isso não diminuiu a sensação dentro dela
de que, conforme lacrava o pequeno feixe prateado, uma tempestade estava a caminho.
Capítulo II

A encomenda chegou assim como lhe fora dito, de madrugada, de tal forma que ela não
conseguiu voltar a dormir depois de levar o pacote para dentro, às pressas, agradecendo pelas
luzes da rua estarem desligadas.
Desde então, as horas do dia seguinte de Maggie passaram voando. Levou Olive para a
escola, depois voltou para o prédio e lavou suas roupas, limpou a casa e banhou-se antes do
relógio marcar meio-dia, alertando-a de que já estava na hora de buscar o garotinho e almoçar.
Ou, ao menos, assisti-lo fazê-lo, já que havia apenas um pedaço do pão no armário e Margareth
certamente não comeria sem que ele o fizesse primeiro.
Olive era seu melhor feito no mundo, e só isso importava.
E era exatamente por esse motivo que as mãos dela coçavam em apreensão conforme dava
duas pequenas batidas na casa da Sra. Perkins, uma solteirona simpática, apesar dos traços
grosseiros em seu rosto, que certamente lhe fizeram ser evitada nos bailes da Temporada em sua
época, mas que era a única salvação de Margareth naquele início de noite.
— Oh, querida, não a esperava! — cantou com sua voz rouca, os braços cobertos por um
pequeno chale azul e o óculos de leitura ainda em seu rosto, criando uma barreira translúcida
para seus olhos castanho-escuros. — Se tivesse chegado mais cedo, poderíamos ter tomado um
chá!
O estômago da mulher reagiu à fala e suas mãos pesaram sobre os ombros de Olive.
— Podemos marcar um amanhã, quem sabe — sugeriu com um sorriso forçado que não
escondeu seu nervosismo. — Eu... eu preciso...
Os olhos da Sra. Perkins iluminaram-se para ela, porém suas palavras desfizeram-se no ar.
— Sim? — encorajou a idosa. — Querida, está tudo bem?
Não, Sra. Perkins, não está, foi o que Margareth pensou.
— Está sim..., é claro, está tudo bem... — Foi o que respondeu. — Eu só precisava pedir
para a senhora cuidar do Olive para mim, esta noite.
Os olhos da Sra. Perkins voltaram-se para baixo.
— Será um prazer enorme cuidar desse mocinho tão educado — afirmou.
Olive tinha os cabelos loiros do pai, mas os olhos claros e profundos de sua mãe,
bochechas magrelas, que tornavam seu semblante esguio, mas um sorriso tão lindo que chegava
a formar covinhas em seu rosto, especialmente quando ria.
— O que acha, Olive, quer ficar aqui em casa nesta noite? — convidou a idosa como se o
garotinho tivesse escolha.
Mas ele não respondeu, o que era estranho, já que a personalidade do garoto chegava a ser
radiante e simpática.
— Olly? — Margareth ajoelhou-se na altura dele, as mãos alinhando as pequenas
ombreiras de seu casaco, um remendo escondido debaixo do bolso direito. — O que foi, querido?
Ele hesitou alguns segundos, movendo o rosto de um lado para o outro, observando os
homens que, agora, passavam acendendo os postes da rua. Um deles chegou a cumprimentar as
duas mulheres antes de o garoto responder:
— Eu... eu não quero.
O rosto de Margareth enrubesceu diante a confissão. Aquilo poderia causar vergonha na
senhora, que apenas queria ajudar com tanta paciência.
— Não quer ficar com a Sra. Perkins? — A pergunta soou com um tom de reforço.
— Eu... eu não quero que a senhora vá, mamãe...
Aquilo apertou o coração dela e os lábios tremeram ante as lágrimas que ameaçavam subir
aos seus olhos.
— É só por um momento, querido, está bem? Eu prometo! — Aquela foi a primeira
mentira que teve de contar ao filho. Sabia que, se desse certo no Oasis, todas as noites viriam a
ser assim.
— Mas...
— Eu voltarei, Olly — garantiu ao sorrir por chamá-lo pelo apelido. — A mamãe sempre
vai voltar.
— O papai não voltou... — falou cabisbaixo, em um tom triste, que atropelou o peito de
Margareth como uma carruagem sem rumo.
O silêncio se abateu sobre eles e Olive não conseguiu mais olhar nos olhos de sua mãe, que
permaneceu ajoelhada, tocando as pequenas mãos do filho e percebendo como a perda do pai
havia sido inquestionavelmente dolorosa a ambos.
— Ora, mas nós vamos nos divertir muito, Olive. — A voz da Sra. Perkins se fez presente
mais uma vez. — Lembra-se de quando jogamos damas? Ganhou de mim mais de quatro vezes e
arrematou todos os meus chocolates! — Os olhos dele subiram até os dela. — Uma atitude nada
cavalheiresca, devo admitir, mas dessa vez sei que vou ganhar!
O garoto não pareceu reagir. A Sra. Perkins não se deu por vencida.
— Dessa vez, eu aposto dois chocolates a cada partida! — sussurrou ela como se contasse
um segredo e um sorriso despontou de orelha a orelha no rosto do menino, o qual,
freneticamente, começou a pular, concordando aos gritos. — Certo, mocinho, agora pode baixar
o tom, não queremos que toda a rua venha jogar conosco. — Até mesmo a reprimenda da Sra.
Perkins era doce.
— Tchau, mamãe! — despediu-se ele rapidamente, girando nos calcanhares, abraçando a
mulher em um supetão e entrando para a casa da Sra. Perkins, sem nem mesmo notar como, de
maneira tão fugaz quanto seu sorriso, Margareth enxugava uma lágrima, erguendo-se.
— Não se preocupe, querida, não precisa me dizer o que fará essa noite — alertou a Sra.
Perkins com o erguer de uma sobrancelha. — Não estou em nenhuma posição para tal, já que
induzo seu filho aos antros de jogatina de chocolate.
Aquilo fez com que Margareth deixasse uma curta risada escapar, inspirando
profundamente o ar ameno da noite, inflando seus pulmões em trajes tão pobres, diferente
daquele que teria de colocar em alguns instantes.
— Sabe, Margareth... ele é um bom menino — afirmou a idosa com os lábios colados, as
rugas ao redor dos olhos. — E a senhorita é uma boa mãe.
— Uma boa mãe sem atrativos por já ter sido casada e não possuir um dote — ponderou
em resposta, as mãos segurando-se na saia etérea.
— Tolos são os que acreditam que o coração ama a apenas uma pessoa — explicou
conforme a mão segurava a maçaneta da porta. — E pior ainda aqueles que acham que a virtude
de uma mulher está em seu dote.
— Então todos os homens são tolos, do pior tipo — concluiu Margareth.
— Ora, querida, e esperava diferente!? — A risada da Sra. Perkins foi natural, leve,
conquistou todo o ar ao redor delas apesar da situação que ela já imaginava pela qual Margareth
passava. — Acho que por isso nunca me casei.
A mulher esticou sua mão e, com gentileza, tocou os dedos da Sra. Perkins.
— O azar, sem dúvidas, é dos cavalheiros que deixaram-na ir — afirmou sem jamais
esperar a resposta:
— Agradeço pelo o que diz, Srta. Howells, seu filho me é tão querido quanto a senhorita,
mas... — Os olhos dela fitaram-na bem. — Nenhum homem, jamais, obrigar-me-ia a ficar onde
não quero.
Margareth anuiu com um breve aceno, mas a Sra. Perkins continuou:
— Lembre-se disso quando estiver onde precisa estar essa noite — aconselhou conforme
dava um passo para dentro da casa. — Tome cuidado, Margareth.
A mulher respirou fundo.
— Obrigada, Srta. Perkins.
E então a porta fechou-se diante de si.

Com um baque surdo, Margareth adentrou seu prédio no outro lado da rua, a porta de
madeira rangendo como um agouro costumeiro, que não mais lhe causava arrepios. Droga, o
relógio já ia bater dezoito e trinta! Maud lhe disse para estar pronta a esse horário!
A mente da mulher não pensou duas vezes e as pernas aceleraram-se escadaria acima,
tomando cuidado com o corrimão sempre no ímpeto de ceder ao mais leve dos toques, e ela teria
alcançado aos seus aposentos rapidamente se, de repente, seu corpo não se chocasse com algo.
Ou pior, alguém.
— Mas que diabos pensa que está fazendo, mulher!?
A mente dela aturdiu-se por alguns segundos e os olhos desfocaram-se antes de delinear
precisamente o rosto grosseiro e pungente de seu senhorio, Bartolomeu Banks, que a encarava
com as mãos na cintura, bufando como um touro, marcas de suor em sua camisa e os pelos
saltando do colarinho.
— Ficou surda, de repente!? Eu lhe fiz uma pergunta! — prosseguiu de forma grosseira,
sua saliva respingando sobre a pele dela.
— N-Não, Sr. Banks... eu só estava...
— Com a cabeça nas nuvens! — completou como se fosse inadmissível. — É claro que
estava, só pode ser, é tudo o que as mulheres de hoje em dia sabem fazer.
Margareth engoliu em seco. Naquele patamar da escada, havia uma janela que tomava
metade da parede, seu vidro trincado por pedras que foram arremessadas um mês atrás por
meninos traiçoeiros, e a luz pálida do anoitecer tornava a barriga do Sr. Banks ainda maior, de tal
forma que ela quase encostava nas costelas de Margareth.
— Espero que não esteja correndo por não querer me encontrar...
Os olhos dela arregalaram-se de repente.
— Não, Sr. Banks, jamais o faria!
— É bom que não o faça, pois evitar-me não desconsidera seu aluguel atrasado.
Ela engoliu em seco.
— Sei bem, Sr. Banks, e irei pagá-lo!
— Ah é, e com que dinheiro a senhorita pretende fazê-lo?
Mas Margareth não conseguiu responder, dessa vez, por não ter tal vontade. Bartolomeu
Banks era um porco em todos os sentidos, sempre sujo, fedido, cobrando os aluguéis como se,
com o dinheiro arrecadado, fosse comprar roupas novas, mas estava sempre com as mesmas;
uma camisa manchada e calças justas, que ameaçavam estourar no traseiro gordo.
— Não conseguirá pagar, não é? — perguntou ele em um tom diferente, ainda que
ameaçador. Não estava zangado ou nervoso, mas havia uma malicia em suas palavras que
arrefeçaram o sangue dela.
— Eu irei...
— Ah, será mesmo? — Ele deu um passo para frente. Margareth deu dois para trás. —
Desconfio que, talvez, tenhamos que resolver isso de outro modo, entende?
E ela entendia bem, de tal forma que seu corpo, ainda que previsse o toque dos dedos
grosseiros contra sua bochecha, não conseguiu conter o asco que fez seu estômago grudar às
costas.
— Quando chegou em minha propriedade, pedindo por um quarto, eu a deixei entrar, seu
marido era um bom pagante..., mas agora ele não está mais entre nós e a senhorita é desvirtuada.
— Os olhos dele, castanhos e ardilosos, encararam-na, porém Margareth forçou os seus a
permanecerem fechados. — Poderíamos nos divertir tanto... e toda a dívida seria esquecida.
Seus dedos alcançaram o maxilar dela e as pálpebras de Margareth tremiam em medo.
Porém, em um relapso de pensamento que voltaria a surgir mais tarde, a mulher pegou-se
pensando que, talvez, não devesse sentir o nojo dele ali. Qual a diferença dele para os clientes
que ela atenderia no clube? Qual a diferença entre sacrificar-se pelo aluguel? Antes mesmo de
começar, sua mente já não conseguia mais diferenciar homens daquele tipo e, por isso, ela não
chorou quando o indicador dele ameaçou descer por seu pescoço.
— Se a senhorita me disser qual o trabalho que conseguiu, eu a deixo ir, agora.
Mas antes que Margareth dissesse algo, outra pessoa o fez por ela:
— Que tal: não é da sua conta, Sr. Banks?
O homem retraiu-se conforme revirava os olhos.
— Srta. Duleep, como é sempre um desprazer em revê-la.
Maud estava ali, uma sobrancelha erguida no rosto frio, pálido e duro, impassível diante
aquele homem, os cabelos ondulados e escuros caindo como uma juba que lhe alcançava a
metade das costas, onde o corpete laceado cumpria com sua missão e lhe dava a menor cintura
que Margareth já havia visto.
— Enquanto eu lhe pagar, não precisa gostar de mim ou não — retrucou os lábios tingidos
em vermelho, dando um passo à frente, enganchando seu braço no de Margareth. — Agora, se
nos dá licença, Margareth ficou de me ajudar a terminar minha maquiagem.
Maud fez menção de caminhar para frente, as pernas por debaixo do tecido amarelado
sendo interrompidas pelo Sr. Banks.
— Não pense que não sei com o que trabalha, senhorita.
A mulher respirou fundo e mordiscou o lábio.
— Há alguma pergunta nesta frase ou só nos interrompe por desejar por mínimos
momentos ter uma presença feminina diante de si?
Ele cruzou os braços e riu grosseiramente, quase um latido rouco.
— Eu poderia comprá-la por dois pennies e você não abriria a boca durante toda a noite.
Margareth olhou para a amiga, ansiando por uma resposta à altura, que não chegou a vir,
porque Maud Duleep sabia que mulheres na posição dela, às vezes, precisam permanecer em
silêncio, controlar os tremer da ponta de seus dedos e engolir em seco. Engolir todas as palavras
e maldições que gostaria de proferir contra aquele homem, e ela reconhece exatamente a
sensação do tremor saindo dos dedos e passando por sua espinha até alcançar a nuca conforme o
Sr. Banks, com um sorriso medonho, passava diante de si e seguia seu rumo escada abaixo.
Ficar em silêncio.
Proteger Margareth.
Foi tudo que ela conseguiu pensar, o corpo em modo instintivo, afinal, aquela era apenas
uma variação de algo que já fizera mil vezes. Margareth não era a primeira garota que Maud
precisou proteger, e isso apenas fez uma luz acender na mente da mulher, que girou na direção
da garota e disse:
— Você está bem?
Margareth disse que sim conforme mordia o interior de sua bochecha.
— Ótimo! — Maud colocou-se a subir, seu braço ainda preso ao da amiga. — Precisa se
trocar.

— Tudo bem se você não quiser ir.


A frase de Maud em seu quarto poderia soar gentil, mas a força com que ela escovava seus
cabelos certamente mostrava uma pontada de raiva.
— Eu assinei o meu nome... — tentou justificar por entre um breve esgar, os olhos fixos
em seu reflexo no espelho embaçado da penteadeira, onde elas acenderam duas velas para
enxergarem melhor enquanto o penteado de Margareth era feito.
— E? Podemos explicar o que houve — replicou com um beicinho de obviedade. — Os
anfitriões são compreensíveis.
Algo naquela frase saltou aos ouvidos da garota.
— Os?
A escova desceu pelos cabelos e depois os colocou para cima.
— Sim, são três. Eles comandam o Oasis.
— E todas as meninas lá dentro...
Margareth percebe que seu ânimo fez com que Maud chegasse ao seu limite, bufando,
cruzando os braços e largando a escova de cabelo sobre a penteadeira apenas para, em seguida,
apoiar os quadris sobre ela.
— Eu já pedi desculpas, Maud — reforçou a garota antes que a amiga pudesse dizer
qualquer coisa.
— Não quero que peça desculpas. Quero que seja honesta!
— Sobre? — A mente de Margareth estava tão perdida que ela não conseguia realmente
saber o que sentia, mas definitivamente não queria que a amiga se zangasse com ela. — Como
faço para que não fique tão irritada?
— Margareth, não é esse o caso! É só que... não deve deixar homem algum falar daquele
jeito com você. Jamais! Seja rico ou pobre, cliente ou senhorio.
— Nós vamos nos vender hoje, Maud...
A mulher revirou os olhos tão violentamente quando o Sr. Banks e, depois, correu para
atrás da cadeira em que Margareth havia se sentado.
— Olhe bem para o espelho, Margareth, por favor.
— Eu...
— Olhe para o espelho! — gritou rapidamente e a garota deu um pulo que arrancou risadas
da amiga. — Agora, me diga, o que vê?
A pergunta teve de ser contemplada. Margareth nunca vira o colo de seus seios tão
expostos, tal qual seu pescoço, esguio com o pequeno colar prateado, as mangas iam até os
pulsos, onde desatavam em babados, e toda a renda daquele vestido monocromático tornava-o
luxuoso ao mesmo tempo que excitante. Porém, ela não conseguia sentir essa excitação.
— Vejo alguém que não sabe como seguir.
Maud mordiscou o lábio e franziu o cenho.
— Margareth...
— Eu realmente não sei o que estou fazendo, Maud... eu... eu nem ao menos soube reagir
quando me falaram que seu nome era Buttercup.
A amiga sorriu, empática, as sobrancelhas curvadas e os olhos brilhando diante o conflito
de sentimentos que Margareth sentia.
— Você está lutando, Margareth! — afirmou Maud sem hesitar. — Sua família depende de
você, e está fazendo de tudo por ela!
— Mas vender meu corpo...
— Acha que, com isso, perderá seu valor?
— Não... bem, sim... — O cenho da garota franziu-se. — Eu não sei o que pensar, Maud.
Não dormi direito desde que recebi este vestido e... não sei se consigo colocar aquela máscara.
— Noto que não teve uma noite de beleza, certamente — resmungou apontando para as
olheiras da garota. — Mas isso só mostra que sabe que o que está fazendo é importante.
— Eu sei..., mas... o modo como o Sr. Banks me tocou...
— Ele chegou a te tocar? — As sobrancelhas de Maud pularam.
— Bem, o meu rosto, apenas...
— Homem indecente!
Uma risada escapou da garganta de Margareth, mas Maud não pareceu compartilhar do
humor, tal que perguntou:
— O que foi?
— Não acha que seria... hipocrisia falarmos de decência?
Margareth tentou amenizar a frase com um sorriso, porém Maud foi até o outro extremo do
quarto e apanhou uma cadeira ao lado da cama, aproximando-se da amiga apenas para sentar-se e
lhe dizer:
— Margareth Mae, nunca repita isso.
Ela engoliu em seco, um nó em sua garganta.
— Homens como o Sr. Banks não tem honra. Nós trabalhamos como podemos para não
morrermos, Margareth, não é porque sonhamos em ser damas da noite. — A amiga uniu os
lábios em silêncio e respirou fundo. — Não importa se a sociedade diga o contrário, não é
porque nos deitamos com um homem que temos menor valor. E as moedas com que nos pagam
não determinam quando iremos valer no dia seguinte.
Margareth sentiu o semblante pesar e seus olhos entristeceram. Sem perceber, havia
julgado Maud, mas que culpa ela teria? Não ensinam às boas moças sobre sombrinhas vigilantes
e máscaras em bailes de antros libertinos.
Na verdade, tudo o que ensinam é como restringir-se ao que é certo. Ao que é pré-
estabelecido pelos homens, a fim de conquistá-los, mas eles pareciam esquecer de tudo o que
Maud falou a seguir:
— Nós temos sonhos, coração e ambições. Somos mulheres, ainda, damas.
Agora, a amiga voltou a penteá-la, lentamente caminhando até a cama e apanhando a tira
de babados, que prender-se-iam por debaixo do coque, deixando livre as ondulações das pontas
de seu cabelo na altura de seus ombros, o que ditaria seu caminhar,
— Não importa o que a sociedade diz, temos nossos valores... — Sua voz terminou
reticente, pois Maud também batalhou para destruir cada barreira social que lhe dizia que ela não
era digna de nada. — Ainda assim, não nego, é um trabalho difícil, mas você verá que há muito
mais vida entre as damas da noite do que você poderia imaginar.
— É isso que os anfitriões vendem, então? Vida?
Maud pensou por um instante.
— Pode-se dizer que sim. Bem, ao menos em seu antro não há julgamentos.
A amiga voltou-se para a cama e apanhou a caixa com o lacre prateado, onde a máscara de
Margareth ficou.
— Se achar que não consegue fazer isso como Margareth, faça como Maggie.
A pequena caixa se abriu e ali estava ela. Linda. Sedutora. As rendas combinando com o
vestido tal qual a fita de cetim. Havia algo sedutoramente perigoso nela, e Margareth não sabia
ao certo como seu corpo reagiria ao agir como outra pessoa.
Mas, ela teve de admitir, que aquilo fez seu coração acelerar, especialmente quando Maud
enlaçou a máscara por debaixo do penteado, como se os tons de prata e preto ao redor de seus
olhos estivessem flutuando.
— Mas, me prometa algo, está bem?
A voz de Maud despertou a mulher de seu transe.
— Como assim?
— Prometa que, por mais que aja como Maggie esta noite, não irá se esquecer quem é
Margareth Mae.
A preocupação no tom da amiga fez com que a respiração dela pesasse ainda mais e o
coração alcançou sua garganta.
— Por que eu esqueceria?
Maud engoliu em seco. Seus traços não eram perfeitos. A ponta de seu nariz era baixa,
quase como um gancho, e as sobrancelhas eram demasiadamente grossas, mas ainda assim ela
conseguia ser linda, pois sua preocupação para com Margareth desde a morte de seu esposo foi
genuína.
E se há beleza maior do que a de uma alma gentil, este escritor não saberia lhe escrever.
— É muito tentador viver nessa fantasia depois que a conhecemos, Margareth, porque é
muito fácil se amar ao ser outra pessoa, você verá, toda a liberdade e desejo que veem com uma
identidade encoberta..., mas é preciso ser honesta consigo para, realmente, viver.
Então, quando estavam prontas e a luz bruxuleante das velas iluminou os olhos de
Margareth por detrás daquela máscara, um ímpeto de sedução correu por seu corpo. Durante a
noite, seria Maggie. Durante o dia, Margareth.
Aquele plano pareceu plausível em sua mente conforme ela deixava o quarto, fechando a
porta atrás de si, mas não sem antes dar um último vislumbre na penteadeira, onde o espelho
refletiu sua imagem de uma maneira que ela jamais esperara. Algo naquilo atraiu sua atenção, ela
apenas não compreendia o motivo, ainda.
Capítulo III

Às vezes, os irmãos Wolfheart tinham dificuldades em ter um café da manhã


movimentado, já que cada um deles parecia confortavelmente estabelecidos em seus bloqueios
externos, fossem focando em jornais lidos na mesa ou então as comidas deliciosas que os criados
os serviam.
Ah, sim, se havia algo que o filho mais velho da família, Mitchell Wolfheart, se orgulhava
de ter conquistado era seu cargo de patrão. Não fora fácil. Os irmãos tiveram uma longa
caminhada de investimentos e acordos de riscos entre bancos e novos riscos que, talvez por sorte
— algo que ele nunca admitiria — trouxeram bons frutos.
Inclusive o Oasis.
O antro era responsável por uma boa parte dos lucros arrecadados pelo sobrenome
Wolfheart, ainda que a parte majoritária pertencesse ao banco que Adrian, o segundo filho,
conseguiu montar ao longo dos seus trinta anos, e era exatamente por causa dessa empreitada
libertina que a mesa daquele dia se agitava com as vozes grossas.
— Quanto mais pessoas contratamos, maior o risco, Damian — ressaltou o mais velho,
quando o criado saiu, dobrando seu jornal e deixando-o de lado. — Para quê mais uma garota?
— Vocês vão me agradecer — replicou.
Damian era o gêmeo de Adrian, e toda a sua atenção voltava-se ao clube. Mitch
desconfiava que aquele antro o confortava mais do que aquela casa gigantesca, mas que, aos
olhos dos três, ainda não merecia ser chamada de mansão. Se havia algo em que eles
concordavam, era que riqueza nunca era o bastante.
— Claro, quando o nome dele aparecer no The Morning Chronicle, todos agradeceremos
— resmungou Adrian do outro lado.
— Na verdade, irmão, eu a contratei pensando em você.
— Então por que raios Mitch lhe agradeceria?
— Porque, assim, talvez você pare de escrever cartas à Srta. Você-sabe-muito-bem-quem e
evite um escândalo digno do The Morning.
Adrian bufou e revirou os olhos cruzando os braços, lançando um olhar gélido ao irmão.
— Não acho que vá ser o caso. — Ele passou as mãos em seus cabelos, longos o bastante
que alcançavam seu maxilar, e tão lisos que era difícil de se formar qualquer penteado rebuscado.
— Nesse exato momento, as mães devem estar todas frustradas, em Londres, pensando por qual
motivo um solteirão como eu não aceitou o dote de suas filhas em mais um final de Temporada.
Mitch meneou a cabeça. Quando se tratava do gêmeo mais velho, havia pouco que poderia
surpreendê-lo, especialmente quando se dizia respeito à sua ironia.
Qualquer nova garota contratada para o Oasis passaria por suas mãos, ou melhor, suas
ceroulas, e eles previsivelmente se excitaria com a ideia. Porém, desde que começara a se
envolver com lady Valerie, sua mente parecia desviada — com um foco maior que poderia ser
cansativamente desastroso para todos eles, de tal forma que o irmão mais velho se sentiu no
dever de dizer:
— Só diz isso, pois prefere acreditar que sua presença é eximiamente requisitada nos
salões britânicos, e que sua ascensão social não está apenas em trocar bilhetes com uma lady e
firmar um acordo com o Conde de Albermale
Adrian virou-se para ele, pronto para retrucar, como previsto, porém, Mitch continuou:
— Sabe que a filha de um visconde não se casaria com um de nós, e ter roubado de nosso
estoque de Láudano só prova o quanto está fora de si! Não foi isso que acordamos, Adrian...
— E por que ela não ficaria comigo? Mesmo que, hipoteticamente, Thomas Reed não
estivesse em perspectiva.
— Somos burgueses.
— E?
— Sangues não se misturam — completou Damian à frente de seu irmão conforme
apanhava sua xícara de chá. — Sabe disso, irmão.
— A burguesia e a nobreza se misturam em nosso antro.
— Com máscaras e desejos sórdidos demais para a sociedade — relembrou Mitch
apertando as têmporas. — Não há como anunciar uma união dessas. Já imaginou o escândalo que
causaria?
— Não acho que seria tanto assim... — protestou reticente, porém Damian já tinha o que
responder:
— Desconsidera propositalmente, então, que ela é casada, Adrian. Isso pode nos trazer
problemas ainda maiores...
— Assim como contratar uma nova garota sem nos perguntar, em primeiro lugar —
replicou interrompendo-o, de tal forma que o mais novo ali tentou buscar um porto seguro nos
olhos do mais velho, o qual apenas recostou em seu assento e respirou fundo.
— Devo concordar com Adrian nesta questão, irmão. Não foi muito prudente de sua parte.
Vencido, o mais novo apenas deu de ombros.
— Podem demiti-la, se quiserem, ela estará lá no clube, esta noite.
— Ótimo! — Adrian uniu as mãos em uma palma de tal forma que um criado surgiu pela
porta da cozinha, pensando ter sido chamado, porém voltando aos seus afazeres quando percebeu
que não era nada demais. — Então, eu mesmo a demito.
— De maneira alguma — interveio Mitch. — Deixe que eu faço.
Adrian quis retrucar. Mitch o impediu:
— Sabe que eu tenho uma lábia melhor com as pessoas. Você certamente a magoaria com
um palavreado baixo, apenas para se vingar e, por mais que seja um antro sem pudor, ainda há
certas maneiras com que uma dama deve ser tratada.
Os gêmeos trocaram um olhar rápido. Se não fosse pelos cortes diferentes em seus cabelos,
não seriam facilmente distinguidos. Adrian e seus cabelos longos lhe davam um charme a mais,
que faziam as mulheres suspirarem, enquanto Damian preferia a praticidade de ter os fios
raspados em um corte militar.
— Puxa, do jeito que falam a meu respeito, sinto-me deveras amado por minha família —
zombou em escárnio, empurrando sua cadeira para trás. — Podem agir como se eu estivesse
louco, mas fiz o que fiz pois precisava ser feito. Não quero que se metam mais nisso.
— Começará a guardar segredos?
Adrian moveu os ombros em desdém.
— Vou me arrumar, preciso sair.
— Aonde vai? Ou melhor... com quem irá? — questionou o mais velho.
— Pode estar sentado na ponta da mesa, Mitchell, mas não lhe devo satisfações da minha
vida pessoal.
E, depois, Adrian saiu, pernas firmes em calças culote e passos quentes, que ecoaram
escada acima conforme o homem chamava por seu criado.
— Como é ótimo ter a família reunida e falante no desjejum — brincou Damian
arrancando um sorriso de Mitch, que lhe lançou um erguer da sobrancelha. — O que foi?
— Acho que não deveríamos comentar mais sobre o casamento de Valerie Reed, só isso.
— O láudano foi apenas o começo, até onde ele irá? Ele precisa tomar cuidado, Mitch.
— E você também.
O mais novo anuiu e se justificou:
— Não queria irritá-los. Realmente a contratei, pois achei que uma garota nova fosse
distraí-lo de lady Valerie, entretanto... pode demiti-la essa noite, eu entenderei.
Mas talvez ainda fosse muito cedo para assuntos noturnos. O sol entrava nebuloso pelas
janelas abertas atrás da cadeira vazia de Damian, as cortinas de brocado, pesadas e antigas,
esvoaçavam com a pequena brisa. Os arabescos dourados na mesa refletiram a luz fraca e a
tornaram ainda mais brilhante.
— Enfim, fico feliz, ao menos, em ver como está guiando a administração das contas do
antro, o lorde Stone já pagou o que devia, certo?
— Sim, um de seus criados trouxe a quantia em três envelopes. Já os guardei no cofre.
— Ótimo.
— Mas...
A mente de Mitch pesou.
— Mas?
— Queria que você repensasse o seu veto...
Ah, sim, o veto. Mitch tivera duras tardes discutindo com Damian sobre o porquê não
deveriam começar a contratar rapazes para o antro.
— Damian...
— Teríamos um público ainda maior! — antecipou-se já sabendo que ouviria a mesma
negativa. — Os cavalheiros temem expor seus desejos e serem acusados de pederastia, mas em
nosso clube, onde todas as identidades são secretas...
— Sodomia não será permitida, Damian! — falou firmemente com o olhar severo. — Sabe
o que isso pode fazer com o Oasis.
— Ninguém iria nos denunciar. Sem contar que há, sim, um público feminino que poderia
contratá-los... as solteironas! Existem aos montes! Frustradas em suas camas, certamente.
Houve um breve momento de silêncio.
— Não temos como ter certeza disso. Uma única denúncia, e todos estarão arrasados. Será
o maior escândalo da Inglaterra, especialmente se os nomes de membros do Parlamento vierem à
tona.
Adrian pareceu frustrado em sua cadeira, até que os olhos azul-cinzentos, como diamantes,
iluminaram-se na direção de Mitch.
— E se... não estou dizendo que conseguirei, mas... caso consiga... garantir que ninguém
jamais falaria sobre o Oasis... então poderíamos?
Mas Mitch preferiu se abster de uma resposta, o que se tornou uma réplica por si só, e
Damian levantou-se da mesa com o espalmar das mãos sobre a madeira, o rosto vermelho em
irritação e os olhos fulminantes.
Quando Mitchell Wolfheart apanhou sua xícara de chá, sua mente só conseguia
ironicamente pensar: realmente, como é maravilhoso quando conversamos...

Margareth Mae Howells Maggie


Agora, era o próprio Mitch quem encarava aquele nome escrito no papel pardo, e talvez
fosse a brutalidade e rapidez de suas mãos, incapazes de escrever de maneira tão singela e
elegante, que tivessem feito seus olhos encantarem-se com a caligrafia da mulher.
Puxa vida, é uma escrita impecável! Leve e discreta, que marca uma presença sutil no
papel por sua maestria em cada volta. Essa não é uma letra de alguém que sempre viveu nas
ruas. Seus pensamentos foram rápidos.
Não.
Mitch sabia como era precária qualquer ensino que as ruelas inglesas poderiam lhe dar, de
tal forma que apenas com uma tutoria a garota teria tido meios de escrever de tal forma.
Mas havia um arrebite no final de seu sobrenome. Howells. Era lindo e cantava
melodicamente no ouvido dele, porém parecia ter sido terminado às pressas, como se o coração
dela lhe dissesse para terminar aquilo do jeito mais rápido possível.
Por Deus, Mitch! O que está havendo com você!? O pensamento acometeu-o conforme
procurava por qualquer menção ao sobrenome da garota nas colunas sociais do jornal. Desde
quando se importa com isso? Desde quando as derrocadas de uma mulher lhe interessam
tanto?
No entanto o grande Wolfheart não tinha respostas para essa pergunta, porque ler aquele
nome encantou seus olhos de tal forma que pareceu gravá-lo em sua pele e mente. Margareth
Mae.
Ou, talvez, ele estivesse apenas ficando molenga. Seria assim que Adrian diria se soubesse
com que afinco Mitch batalhava para alinhar seus pensamentos e parar de dividir-se entre demitir
a garota em sua primeira noite ou deixá-la ficar.
É, você está molenga, Mitchell! Nem a conhece e já parece se derreter por ela! De que
importa se ela tem o mesmo nome que...!? Então a própria pergunta trouxe sua resposta nas
entrelinhas. Era isso. A familiaridade, o sentimento de dejà vu e o enérgico formigar na altura da
virilha.
Mitch já conhecia o sobrenome Howells, pois ele pertencera a Jonathan Howells, um
amigo que, infelizmente, veio a falecer.
Abandonando mãe e filho? Ele não teve certeza dessa informação, de tal forma que gritou
por seu criado:
— Friederick!
Ele apareceu de imediato, trajes finos em tons soturnos e as mãos colocadas atrás da
cintura.
— Sim, meu senhor?
— Prepare minha carruagem, irei ao centro em alguns minutos.
— Como desejar, senhor
E então ele saiu.
Mitch não precisava que ninguém lhe dissesse que demitir uma jovem dama com um filho
pequeno seria errado, mas se Margareth representasse um risco iminente a ele e sua família,
então teria de ser feito!
Porém os riscos que ela impunha a ele e seu coração eram maiores do que qualquer homem
poderia chegar a imaginar.
Nathan Fields era o procurador dos Wolfheart, trabalhando lado a lado com Adrian em
suas empreitadas bancárias e cuidando da burocracia de toda a papelada do Oasis que era pedida
aos seus utilizadores para que assinassem. Ele era rechonchudo, simpático e de bigode branco,
sempre arrebitado para cima, tal qual a ponta de seu nariz, que fazia-o parecer sempre estar à
procura de algo em uma prateleira inalcançável.
Mas não havia uma pessoa em Londres sobre a qual ele não conseguisse informações.
— Oh, Sr. Wolfheart! Não esperava recebê-lo! — disse assim que viu a enorme figura do
homem sentado em sua sala de espera.
— E lhe devo desculpas por isso. — Mitch se levantou segurando sua cartola. —Não é do
meu feitio chegar a compromissos sem tê-los previamente agendado.
— Bem... isso é verdade, mas fazia tanto tempo que não conversava com vosso irmão que
achei que estivessem demasiadamente ocupados para qualquer visita! — afirmou, tal que certo
desgosto surgiu no rosto de Mitch. — Creio que seria melhor se conversássemos em particular,
não?
Bastou Mitch anuir com um manear da cabeça que, em alguns instantes, já estavam dentro
do escritório abafado, onde tudo era categorizado em pequenas pastas amarelas ou em livros de
couro vermelho.
— Bem, Sr. Wolfheart, foi uma história muito triste... tal qual a de vossa mãe, e não
entendo como o nome da Srta. Margareth venha a representar qualquer risco para vosso antro —
respondeu assim que o irmão mais velho lhe fez a pergunta que lhe atormentou durante todo o
trajeto da carruagem.
— Apenas o senhor sabe que a propriedade do Oasis nos pertence, Sr. Fields. Gostaríamos
de manter assim tal situação.
O velho digeriu a resposta com um olhar curioso, de tal maneira que sua cabeça se inclinou
ligeiramente para a direita ao questionar:
— Mas há algum risco de que ela descubra a identidade dos senhores?
— Bem, apenas Damian aparenta ter falado com ela e, infelizmente, não consigo também
confiar na maestria de juízo de meu irmão nesses últimos dias...
— O Sr. Damian não está bem? — O Sr. Fields teve um tom emergencial em sua voz. —
Ele tinha uma reunião junto ao Sr. Adrian com a harpista do evento desta noite. Acha que seria
melhor eu cancelar? Sei como essas musicistas ficam ofendidas em não serem atendidas.
— Qualquer um que preze por seu tempo sentiria o mesmo — bufou em resposta. Só Deus
sabe quantas horas ele já perdera com homens inúteis. — Mas resolverei as pendências de meus
irmãos mais tarde, foquemos na Srta. Howells, por favor.
— Sim, sim, é claro — afirmou Nathan, com um balbuciar conforme inclinava-se para
frente e entrelaçava os dedos sobre a mesa de mogno que os separava. — Contudo me pergunto:
o que gostaria de saber, senhor?
— O que quer dizer?
— Margareth Howells não é um sobrenome de nobreza. Não vejo como isso iria ascendê-
los ainda mais na escala social...
— Este não é o caso, aqui.
— Não?
— Não. — A pressão sobre os ombros de Mitch aumentou. Desde quando ia até Nathan
Fields perguntar sobre mulheres? Isso era um costume de Adrian ou então Damian, que o
aporrinhava com sua excelência de perfeição para com o Oasis. — Eu apenas gostaria de
entender mais o perfil dela, já que a receberemos esta noite.
Fields esperou por algo a mais, então Mitch dispôs-se a completar:
— Não gosto de nada saber sobre com quem trabalho.
— Perfeitamente, entendo perfeitamente! — anuiu com um respirar profundo. —Porém,
receio que não haja muito a ser falado. Lembra-se de Jonathan Howells?
Mitch disse que sim, impassível, não deixando transparecer as memórias que lhe
acometiam ali.
— Pois bem. Ele veio até o banco da família pedir por empréstimo. Nós o negamos.
As sobrancelhas do homem, grossas e bagunçadas, ergueram-se.
— Como é? Foi negado?
— Sim. Nesse caso, Adrian ainda vinha corriqueiramente ao escritório e assinou a negativa
à proposta do Sr. Howells.
— Por que foi negada?
— Bem... — O velho pensou por alguns segundos conforme umedecia a boca. — Ele não
conseguiu fornecer ao banco algum colateral que garantisse que nosso dinheiro retornaria. Foi
uma decisão sensata.
— Mas era uma empreitada de alto risco?
— O homem queria iniciar sua franquia de sapateiros. Queria tornar-se o novo Rico que
ascendeu de engraxate a modo de um novo império. — Mitch sentiu certa acidez naquele
comentário. — Porém o retorno seria baixo e incerto, por isso foi negado.
Diante o breve silêncio que seguiu seu comentário, Fields complementou:
— Creio que vosso irmão possa lhe explicar melhor.
Sim, espero que sim... pensou. Afinal, por que negaríamos o empréstimo a alguém que
consideramos um amigo, no passado?
Por um momento, Mitch sentiu vergonha. Uma vergonha tão grande que lhe afundou na
cadeira de brocado. Não deveria ser assim. Desde quando esquecia seus amigos? As esposas
deles? Desde quando se tornou o rei egocêntrico e todos os seus objetivos voltaram-se para o
dinheiro? Seu maxilar rangeu-se diante as duras respostas.
— O Sr. Howells veio a falecer meses depois, vítima de escarlatina em uma viagem a
Londres — anunciou conforme Mitch engolia em seco. — É tudo o que sei sobre isso, senhor.
— Mas e sobre Margareth Howells? O que sabe especificamente sobre ela?
— Sei que virou uma mãe solteira e caiu em tristeza, somente. Os tabloides não tiveram
mais interesse em quem não ascenderia na sociedade. Ela não é nobre ou sequer nova rica... —
uma breve pausa no peso de seu comentário — ...então não é digna de atenção.
Ali os homens certamente discordaram, pois a atenção de Mitchell Wolfheart não
conseguiu desgrudar do nome dela sem lembrar-se de, ao menos, tê-la visto alguma vez ao lado
de Jonathan.
— Obrigado, Sr. Fields. Falarei com Adrian, colocarei a mente dele no lugar.
— Isso seria de grande ajuda! O banco tem pendências e credores que gostariam de ser
ouvidos, mas quanto à harpista...
— Mantenha a reunião, porém apenas com Damian. Eu o relembrarei e sei que não irá se
importar.
— Certamente! — concordou de prontidão, erguendo-se assim que Mitch o fizera,
encaminhando-o à porta onde uma janela de vidro jateado dava o vislumbre da silhueta do
Wolfheart, tapando qualquer sinal de Nathan Fields.
— É... senhor Wolfheart?
Mitch olhou-o por sobre o ombro antes de sair.
— Sim?
— Eu poderia ousar perguntar por qual motivo o Sr. Adrian não tem vindo ao banco?
O homem teve de pensar bem antes de responder:
— A mente dele foca-se em outra coisa no momento, Sr. Fields. E temo que talvez seu
coração esteja fazendo o mesmo.
O velho sorriu, já elaborando suas próprias teorias, tal que chegou a dizer:
— Quem diria, não? Os tempos podem passar, mas as coisas não mudam tanto assim!
Mitch franziu o cenho.
— O que o senhor quer dizer?
— Bem, aparentemente, a maior armadilha a um cavalheiro continua sendo o coração de
uma mulher.
E, por um breve momento, o peito de Mitch apertou-se, uma sensação estranha que não
sentia a tempos.
— Obrigado pelos serviços, Sr. Fields — agradeceu e se despediu dele, depois deu um
breve aceno para a secretária tímida à direita e desceu as escadas no sentido da rua principal,
sendo recebido pela tarde relativamente quente, onde os transeuntes já caminhavam para seu
almoço.
Mitch desejou comer algo, pois em sua boca um gosto amargo surgira. Ele temeu, de
maneira quase irracional – e talvez pela primeira vez – que seu sobrenome tivesse partido a
família Howells de alguma forma.

Por mais que ele não admitisse, se tornou um costume corriqueiro, desde a morte de sua
mãe, Harriet Wolfheart, culpar-se pela desgraça na vida alheia.
Mitch queria, sim, ascender socialmente para chegar ao nível em que estava, mas nunca o
fizera com fraudes ou esquemas desonestos. Se havia algo que a mulher que lhe deu à luz
ensinou, foi que o verdadeiro sucesso de um homem vinha diretamente interligado à honestidade
de sua alma.
Porém, ele não conseguia entender a culpa que estava sentindo em relação ao que
aconteceu com Jonathan Howells.
Os homens se conheceram já quando maduros, tomando bebidas em um pub próximo ao
centro, em uma noite em que Mitch e Adrian tiveram de visitar o Sr. Fields para organizar certa
papelada, e se aproximaram por alguns anos antes de, subitamente, se separarem.
Por quê? Por que nos separamos? O que houve entre nossa família e ele que não estava
explícito? Mitch remoía as memórias em seus pensamentos, mas parecia que a figura de
Jonathan Howells estava cada vez mais distante, diferentemente de Margareth, a qual ele sabia
que estava logo atrás daquelas cortinas de veludo vermelho, pesadas tais qual seu coração.
Uma mãe e um filho, sozinhos... sozinhos porque negamos um empréstimo e o marido
contraiu escarlatina em sua viagem a Londres...
Seus passos foram lentos, e ele conseguia sentir, agora que a noite já havia caído e os
murmúrios no salão denunciavam a presença dos convidados, a impaciência dos gêmeos atrás de
si, o peso de seus olhares.
— Está tudo bem, irmão? — indagou Damian lhe tocando o ombro, estudando seus olhos.
Mitch poderia ter dito o que estava lhe incomodando, porém seus olhos correram até
Adrian, fugazes. O atrito por conta de Valerie ainda estava presente, então em nada lhes ajudaria
discutir o que houve com Jonathan Howells naquele instante.
— Sim, sim, estou bem — mentiu. — Coloquem as máscaras.
E eles o obedeceram.
Porém, por mais que eles escondessem quem eram com aquele leve tecido no entorno de
seus olhos e com todos os adornos suntuosos, os pensamentos na mente de Mitch ainda eram os
mesmos, e ele não parava de se perguntar:
Seria meu coração desonroso se eu demitisse Margareth Mae? Esse peso passaria? Um
homem de negócios não pode conviver com essa incerteza e, até então, sem a presença dela,
tudo parecia bem...
Porém nenhuma outra pergunta pareceu surgir, pois assim que entrou no salão, ele já sabia
qual daquelas mulheres era Margareth e seus olhos não conseguiram desgrudar dos dela.
Mitch poderia jurar que sentiu o chão debaixo de seus pés desaparecer.
Capítulo IV

A mulher não precisou perguntar duas vezes sobre quem eram aqueles três homens que
adentraram o salão. Estava mais do que óbvio que eram os anfitriões, não por estarem em um
trio, os ombros quase perfeitamente alinhados na mesma estatura, mas sim por sua impecável e
desnorteante beleza, a qual provinha de uma presença tão firme que exalava confiança.
As pernas de Margareth chegaram a tremer.
O salão era consideravelmente grande, com as paredes forradas por um papel de arabescos
vermelho e dourado, espreguiçadeiras, mesas de jogatina e estantes de livros estavam dispostas
ao bel prazer dos convidados, sua maior parcela masculina, segurando um charuto ou bebendo
Bourbon, e o restante das mulheres, todas de pé, impecavelmente vestida em corseletes que
levantavam seus seios e diminuíam suas cinturas.
Margareth não chegou a conhecer todas elas, mas fora brevemente apresentada, por
Buttercup, a Lavínia e Honey, morena e ruiva, respectivamente, que lhe lançaram um sorriso
simpático conforme terminavam de organizar os últimos detalhes dos cômodos privados, que
iam além daquela sala ovalada. Porém, agora, nem mesmo elas, que já haviam visto a presença
dos anfitriões, pareciam respirar diante deles, como se um frio na barriga as impedisse.
A garota se perguntou, então, se aquela sensação imponente que eles apresentavam alguma
hora tornar-se-ia corriqueira, mas a verdade era que nenhum daqueles convidados sequer se
equiparava aos três homens.
Dois deles eram muito parecidos, e Margareth chegou a pensar que poderiam, talvez,
serem irmãos, ainda que os cabelos compridos de um deles acabasse por tornar seu rosto mais
esguio, mesmo com sua máscara elegantemente grande, desenhada de tal forma que dois
pequenos chifres escapavam por seu penteado. Fosse ele quem fosse, era realmente belo como
um demônio.
O outro rapaz era menos presente, mas apenas por escolher assim fazê-lo, com uma
máscara discreta em penas escuras que, infelizmente, não conseguiam disfarçar o modo como
seus olhos percorreriam o lugar e pareciam categorizar todas as coisas que faltavam. Margareth
engoliu em seco, já pensando ter feito algo de errado.
Porém, por mais que os dois homens fossem belos, o ar parecia faltar nos pulmões dela por
conta do maior deles, o terceiro, que estava parado à frente, as mãos enfurnadas nos bolsos das
calças escuras, tal qual seu fraque, perfeitamente alinhado em seus ombros largos, uma
combinação perfeita ao formato quadrangular e maduro de seu rosto, onde as bochechas
saltavam duras e os olhos — unicamente castanhos — intensificavam por entre o prateado e o
preto de sua máscara.
— Lembre-se de respirar, Maggie — aconselhou Buttercup ao seu lado, sorrindo, fazendo
com que as bochechas da amiga corassem. — Não quero que desmaie agora.
Margareth baixou o rosto na direção da saia de seu vestido, tantas pregas que lhe cobriam
os pés, buscando pelo ar fugaz.
— Eles são... lindos — comentou um tanto envergonhada, a boca um tanto seca.
— Do jeito que fala, parece que esperava por algo diferente.
A garota sorriu com o canto dos lábios.
— Bem, não vejo muita beleza em chegar atrasado em seu próprio evento...
Buttercup franziu o cenho e entrelaçou seu braço no da amiga, sussurrando para que a
conversa permanecesse apenas entre elas, aproveitando que os anfitriões começavam seu
tradicional discurso sobre a noite.
— Este é um evento especial, Maggie. — Margareth ainda não havia se acostumado a ser
chamada pela amiga por tal nome. — Fazem um a cada semana, chamam todas as garotas para cá
e convidam desde os mais nobres até...
Nesse instante, o mais imponente dos três olhou para a garota ao lado de Margareth por
uma fração de segundo, que lhe tirou as palavras e tornou a frase reticente, tal que a amiga
completou:
— A burguesia, sim, comentara-me isso — E então seus olhos escuros se dirigiram aos
dela, como se estudando o que conversavam, analisando os lábios que mal pareciam se mover,
ainda que devesse estar prestando atenção nos seus companheiros que falavam com tanto júbilo.
— Mas... ainda acho muita falta de respeito com todos eles.
Impactada com a firmeza de seu olhar, Margareth baixou o rosto, interrompendo o contato
visual no mesmo instante que Buttercup riu e disse:
— Isso é porque você ainda não entendeu como as coisas funcionam. — Sua voz continha
toda a diversão em estar vendo como a amiga reagia a um mundo completamente novo, ainda
que, naquela sala, nada realmente fosse tão diferente. Buttercup ainda não a havia levado ao
Pleasure Hall, o corredor dos prazeres.
— Então me explique — insistiu decepcionada com a fraqueza de sua voz.
A amiga respirou fundo, como se preparando-se para uma apresentação:
— Essas pessoas é que vieram vê-los, Maggie, não o contrário. — Margareth olhou pelo
canto dos olhos para aquele homem impecavelmente vestido. — Aqui, eles são a realeza.

Talvez, por serem considerados de tão alto escalão, nenhum daqueles homens chegasse até
ela, fossem os anfitriões ou não. Bom, ao menos era isso que Margareth desejava em seu interior,
ficando nos cantos da sala, atenta ao modo como cada cavalheiro ali presente já parecia ter sua
dama escolhida, e todos eles desapareceram para além das cortinas de veludo, as quais deram à
garota um breve vislumbre de um corredor, iluminado por velas e com que pequenos arranjos
pendurados nas paredes.
As cortinas se fecharam uma última vez antes quando Buttercup as atravessou
acompanhada de um homem com metade de sua altura.
— Se quiser conhecer, basta pedir.
A voz a pegou desprevenida, de tal forma que ela deu um pequeno salto, a distração
causando-lhe o enrubescer de suas bochechas. Margareth não precisou olhar para o cavalheiro
que a chamava, pois pela intensidade de sua voz só poderia ser um único homem.
— P-Perdão, senhor...
Senhor? Será que devo chamá-lo assim?
A reticência em suas desculpas o fez pensar que ela estava pedindo por seu nome secreto,
então, mudando o peso de seu corpo de uma perna para o outro, ele lhe disse:
— Pode me chamar de Sr. Fox.
— Fox?
Ele anuiu com um movimento da cabeça, atraindo os olhos dela, que não lutaram diante a
visão perfeita de seu rosto, o modo como o maxilar se movia com as palavras e a barba escura,
bem cuidada e curta, tinha o aroma de sua colônia amadeirada.
— Fox, pois minha máscara assemelha-se ao rosto de uma raposa — justificou delineando
o tecido em seu rosto, contornando seus arabescos negros.
— Não creio que eu já tenha visto uma raposa branca e preta.
— São raras, devo admitir — falou recostando-se na parede, revelando um copo com
conhaque quando o levou aos lábios. Uma única golada dele fez a boca dela secar. De alguma
forma, seu corpo todo desejou que os lábios estivessem nela e, envergonhada, Margareth baixou
seu rosto.
A presença dele era provocativa por si só, seu aroma a inebriava e os olhos pareciam
estudar cada centímetro de seu rosto. Mas nada se comparava ao poder de sua voz, que
perguntou:
— Não me dirá seu nome?
Com todas as suas forças, ela voltou a olhá-lo nos olhos.
— Maggie. — Sua garganta deu um nó quando ela pensou em justificar a escolha de seu
nome. — Apenas Maggie.
— Apenas Maggie... — repetiu ele e em seu tom ela pôde notar que o Sr. Fox em nada a
achava modesta. — Pois diga-me, senhorita, o que achou de meu antro, até o presente momento?
Com o nervosismo correndo cada centímetro de seu corpo, ela tentou respirar fundo,
pensando: hoje, você é Maggie... apenas Maggie.
— Tem um papel de parede muito bonito — respondeu hesitante, estudando qual seria a
reação dele diante tal comentário.
Surpreendentemente, o homem sorriu. Uma fileira de dentes perfeitos que tinham o mesmo
brilho que seu olhar.
— De fato, o Sr. Farewell teve um excelente gosto para o papel de parede. — Sua voz
escapou mais melodiosa pela curta risada que escapou de sua garganta. — Creio que já tenham
lhe informado a nosso respeito.
Margareth respondeu positivamente com um aceno da cabeça.
— O que lhe disseram?
— Bem... — A garganta voltou a secar. — Foram bem suscintas.
— Suscintas?
Ela estranhou o retorno da pergunta e franziu o cenho.
— Parece que não esperava por isso, Sr. Fox.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Bem... não há nada suscinto em um cavalheiro como eu.
Ouvir aquilo fez ondas de excitação correrem pela pele dela. De fato, uma máscara lhe
dava uma liberdade muito maior para dizer o que se pensava, sem medo de que a julgassem. Ela
não conseguia imaginá-los no exterior, em algum parque, tendo uma conversa como aquela, onde
as trocas de sorrisos maliciosos e o teor sensual de sua voz prevaleciam sobre qualquer regra de
etiqueta.
— Acho que seja uma consequência de garantir o segredo das identidades daqueles que
aqui frequentam — ponderou ela com um leve dar de ombros.
— A identidade é o que um homem tem de mais importante — respondeu.
Margareth ergueu o rosto um pouco mais, tomando cada ínfima centelha de coragem de
seus músculos, conseguindo alcançar perfeitamente a linha de seus olhos; podiam ser intensos,
tal que tentavam desbravar sua alma através dos nuances claros, mas ainda assim pareciam ter
certa cautela.
— O que fez com que os senhores quisessem abrir um antro como esse?
Os músculos do cenho dele se retraíram.
— Esse antro?
Ela engoliu em seco. O Sr. Fox continuou:
— Por que se dirige ao meu investimento com tanto desprezo?
Aquele comentário pareceu não dar às bochechas dela outra opção senão enrubescer ainda
mais, o sangue quente correndo pelo rosto.
— Não estou repreendendo-a, Srta. Maggie, somente quero entendê-la.
O comentário deveria tê-la aliviado, mas seus músculos continuaram hesitantes.
— Isso é um antro de libertinagem, Sr. Fox. Por que esperava que eu o tratasse de outra
maneira?
O homem mordeu o lábio inferior com firmeza e, depois, bebeu seu último gole de
conhaque, inclinando-se para o lado a fim de deixar seu copo sobre uma das quatro mesinhas de
centro ali dispostas.
— Desse jeito, a senhorita me magoa. — O sarcasmo foi claro em sua sentença. — Não
deveria tratar qualquer lugar com desprezo simplesmente porque não o conhece.
Margareth sentiu o nó de sua garganta descer para seu estômago.
— Boatos sobre esses antros correm aos montes, Sr. Fox...
— Ah, sim, entendo... e desde quando boatos são uma verdade universal? — retrucou
afiado, desafiando-a. — Acredito que as pessoas julgam o que não conhecem, pois tem medo de
que, se o fizerem, irão gostar.
Ela meneou a cabeça de um lado para o outro e tentou respirar fundo.
— Não acho que seja assim que as coisas funcionam, Sr. Fox.
— Não?
— Não...
— Então como seria?
Ela pensou por alguns instantes, o suor frio escorrendo pelas palmas de sua mão.
— Há o decente e o indecente. Há um motivo para que tais antros sejam frequentados às
escondidas.
De repente, o homem ergueu o indicador em riste.
— Agora, chegamos em um ponto interessante, Srta. Maggie. — Ele deu um passo para
frente e a garota sentiu como todo o seu corpo reagiu. — As pessoas tentam esconder seus
verdadeiros desejos, pois são difíceis demais de se compreender.
Margareth umedeceu os lábios, os olhos estudando-o em cada linha de sua perfeição.
— É isso o que vende aqui, então? Desejos?
— Liberdade — corrigiu-a. — Eu permito que as pessoas sejam quem são.
— As pessoas já são quem são, Sr. Fox.
— Não, elas são o que querem que vejamos — corrigiu-a mais uma vez com um ar
arrogante. — O homem precisa de maniqueísmos, Srta. Maggie, para enfrentar um dia de cada
vez, mas... — Ele inclinou seu rosto para perto do dela. — ... as pessoas são muito mais
profundas do que aparentam.
Ela sabia que ele falava diretamente sobre ela. Naquela simples frase, foi como se ele a
despisse por completo e estudasse toda a sua vida, como se soubesse sobre Olive, Jonathan e
cada dia de seu passado.
Aquilo a desnorteou, de certa forma, pois olhar dentro dos olhos dele em nada lhe deu
respostas. O Sr. Fox ainda era um homem impassível de se ler.
— Sinto que há uma pequena barreira entre nós, Srta. Maggie, criada por um preconceito
social — anunciou ele segundos depois. — Permita-me lhe mostrar que não é tudo tão simples
como pensa.
Então, ele estendeu sua mão a ela. Não estava de luvas, esse foi o primeiro fato que ela
constatou. O segundo foram as veias que se desenhavam sob a pele. Uma nova onda de
sensações pareceu envolver seu corpo.
— O que o senhor está fazendo? — questionou apreensiva.
— Convidando-lhe a um tour particular pela minha propriedade.
O semblante dela empalideceu.
— C-Como é?
— Creio que as outras damas já a tenham ambientado, porém noto como seus olhos ainda
buscam uma rota de fuga. — O Sr. Fox sorriu para ela com os lábios unidos. — Não precisa ter
medo, nenhum cliente a tocará se lhe disser não, disso eu garanto. — As sobrancelhas dele se
alinharam e os olhos brilharam sob a máscara. — Assim como eu não tocarei sua mão se não me
permitir.
De fato, a imagem que Margareth criara a respeito de um anfitrião libertino era um tanto
diferente da que o Sr. Fox apresentava diante de si. Ele tinha a lábia, a presença confiante e a
beleza que conquistaria qualquer mulher, mas também estava sendo perfeitamente educado.
Todos os instintos dela compeliram-na a falar; ele estava esperando. Mas sua mente, apesar
de ter todas as respostas convencionais gravadas, não conseguiu verbalizar coisa alguma.
Margareth tocou-lhe a mão e o Sr. Fox sorriu.

Algo dentro dele queria dizer seu nome verdadeiro, mas Mitchell Wolfheart não cometeria
tal deslize. Não. Deveria tê-la demitido, e agora caminhava com Margareth — ou melhor,
Maggie, — para além das cortinas de veludo.
A mesma parte que gritava para o fim daqueles segredos também parecia atiçar suas partes
mais masculinas. Havia uma inocência e gentileza no olhar da mulher que faziam-no divagar a
respeito de tudo que poderia lhe mostrar. Mas, naqueles mesmos olhos cintilantes e azuis, havia
o medo, o sofrimento e a dor.
Então, se ele pudesse tornar tudo aquilo mais agradável a ela, Mitch o faria. O homem
desejava que alguém lhe tivesse sido tão bom em seus primeiros dias nas ruas, buscando por
qualquer trabalho que lhe trouxesse sustento.
No caso de Margareth, sustento para ela e seu filho.
Talvez o que lhe estivesse incomodando, agora, não fosse mais o fato de ainda não ter
descoberto por qual razão negaram a Jonathan Howells um empréstimo, mas sim porque ele
sabia muito mais dela do que o contrário.
Isso não era justo.
Ainda assim, ela lhe dava pequenos sorriso com seus lábios indefectíveis, e aquilo
quebrava qualquer desconfiança ou barreira que ele criasse.
Margareth se tornou, naquele instante, a maior arma contra Mitch e ele nem havia notado o
poder que isso tinha.
— Se pensa que o Oasis oferece apenas fornicação, Srta. Maggie, então já cometeu um
novo erro.
Os olhos dele fitaram-na de soslaio. Ela enrubesceu. De certo nunca havia falado sobre
assunto de tão baixo pudor com qualquer homem que não tivesse sido seu marido.
— Temos uma sala de jogatina, o bar, na sala principal, onde estávamos, mas o que
pretendo com esse breve tour é dissolver qualquer preconceito que haja em sua mente, e não
apenas ambientá-la.
Margareth lhe franziu o cenho, mas não conseguiu sustentar seu olhar diante o dele.
— Por que isso lhe é tão importante, Sr. Fox?
A pergunta o pegou de surpresa.
— Porque preconceitos são para o homem o que o veneno é para um rato.
Talvez a comparação tenha sido grosseira e inapropriada, mas ele não se arrependeu de tê-
la dito.
— Para as mulheres, principalmente.
— Acha que estou condenada a morrer por seguir regras sociais, Sr. Fox?
— Acho.
Os olhos dela estreitaram-se. A boca dele secou, ansioso.
— Bem, eu não vejo problema algum em viver da maneira que nos é esperado. Ser
educada, apresentar-me em comemorações, casar-se...
O fim súbito de sua frase fez o coração dele se apertar em uma fração de segundos.
— ... não é tão ruim assim — concluiu ela.
— Acredite, senhorita, apenas diz isso pois nunca teve um desejo negado. Um sonho
interrompido. — Ele parou-a no meio do corredor. — Um prazer que lhe foi tirado por um
homem.
Os olhos dela arregalaram-se diante as paredes altas, diferentes portas separadas cada uma
por um vaso florido, todas fechadas, de maçanetas douradas e o piso forrado pelo tapete
importado.
— Em nosso antro, Maggie, o homem também dá à mulher o prazer que ela tanto deseja.
O rosto dele estava demasiadamente perto. Mitch tinha noção disso, seu olfato encantado
pelo perfume doce que vinha do pescoço dela. Por Deus! Sem saber como, seus lábios desejavam
por tocar sua pele.
Mas ele não o fez. Ainda não. Margareth retraiu seu corpo um passo para longe.
— Homens da sua profissão sabem como articular cada palavra, Sr. Fox, mas... não sei o
que espera de mim...
Respeitando seu espaço, ele deu um passo para trás.
— Eu quero que seja livre sem ser julgada, Maggie — afirmou, sincero e suscinto. —
Estamos no que nós, anfitriões, chamamos de Pleasure Hall. Em cada uma dessas portas, há um
cliente sendo atendido e, dobrando o final do corredor, haverá mais.
Os olhos dela arregalaram-se e correram as luzes das velas. Seriam as chamas que estavam
fazendo seu sangue ferver, ou a presença dela? Mitch não teve sua resposta de imediato, mas já
desconfiava do que seria.
— Vendemos a liberdade, pois, com consentimento, tudo aqui é permitido.
Ele notou como ela pareceu relaxar. Isso o satisfez de certa forma.
— Então... eu... eu realmente posso dizer não a um cliente?
Mitch pareceu surpreso com a pergunta.
— Indubitavelmente, senhorita. Assim como lhe disse a pouco, ninguém a tocará se não
quiser.
Ela pareceu menos desconfiada, agora, mesmo quando os olhos dele, indiscretamente,
recaíram sobre seu decote, onde o alto de seus seios surgia como dois pequenos montes alvos.
— Mas... eu preciso do dinheiro — recomeçou ela. — Caso não aceite, não irei receber...
então... nossa liberdade é condicionada.
Mitch já tinha a resposta:
— Todas ganham uma renda fixa. Entendemos a situação de cada uma, mas, sim, caso
queira que seus lucros sejam maiores, poderá, sim, deitar-se com um cavalheiro.
Um silêncio, então, abateu-se sobre ambos e o nervosismo dominou o corpo dele, tal que
seus dedos, escondidos atrás da cintura, pinçavam a pele da palma de sua mão.
— E o que seria feito?
A pergunta da garota quebrou a quietude.
— Perdão?
— O que... o que seria feito com cada cliente?
Novamente, ela o surpreendeu. Ele não esperava que uma mulher como ela já tivesse
coragem de perguntar abertamente sobre relações privadas.
— Isso é discutido com cada cliente, senhorita.
— Entendo... — Havia uma nova pergunta vindo. — Caso eu não cumpra com o serviço...
— Não há por que ser cobrado. Basta devolver a quantia ao cliente.
Margareth anuiu inspirando o ar pela boca e, com um estranho e inquietante olhar crítica,
esquadrinhou cada parte daquele corredor, certamente imaginando o que cada cavalheiro fazia
atrás daquelas portas pesadas, até que seu olhar, irrevogavelmente, retornou a Mitch.
— E... se eu sentir que devo ir embora?
Ele estalou os dedos e depois os lábios, umedecendo-os antes de passar a mão sobre sua
barba.
— Sinta-se livre para ir e vir, senhorita, porém saiba que o Sr. Wicked não tolera tantas
evasões assim.
A mulher digeriu a informação. O modo como o corpo dela tentava relaxar, mas ao mesmo
tempo sentia a tensão da incerteza de estar em um lugar novo, saltava aos olhos dele. Margareth
não queria estar ali e, assim, ele previu qual seria sua próxima fala:
— Se eu quiser ir embora, imediatamente, então... poderia?
Aquilo o frustrou em certa parte.
— Já lhe disse que está livre para ir. — Entretanto, quando ela fez menção de caminhar de
volta para o salão principal, ele continuou: — Porém, gostaria muito que ficasse.

E uma parte dela também desejava ficar.


Durante boa parte da conversa, Margareth sentiu-se confortável, o bastante para perguntar-
lhe sobre o que seria feito com os clientes, mas havia uma parte dentro da mulher que gritava que
era incoerente estar conversando com um homem que recusava-se a se render ao comedimento
da sociedade.
Ela não deveria! Não foi o que lhe ensinaram! Então, quando soube que poderia ir embora,
ela realmente pensou em fazê-lo. Iria pedir desculpas a Maud, e não a sua personagem, e depois
riscaria seu nome do livro do Oasis. Nunca deveria ter estado ali! Por Olive, deveria ter ido para
as lavanderias, sacrificando-se tal qual Jonathan fizera ao tentar atrair dinheiro para eles indo a
uma viagem a Londres.
Uma viagem da qual ele nunca voltou.
Porém, ela prometeu a Olive que voltaria, e agora o Sr. Fox, com sua voz sedutoramente
firme e o olhar mais intenso que ela já presenciara dizia que queria que ela ficasse.
Verbalizar um desejo como aquele, em um local como aquele, diante uma mulher como ela
parecia deveras inapropriado.
Ainda assim, Margareth ficou, perguntando-o:
— Por que, senhor?
— Porque não quero que vá embora de mãos vazias, Maggie. — Ela notou como ele,
novamente, poupou-se de utilizar um termo mais impessoal. — E quero que realmente considere
ficar conosco, no Oasis.
Margareth era detalhista, e percebeu como o cenho dele franziu-se ao dizer aquela última
frase, tornando-o ainda mais sério. Ele parecia estar em um conflito que ela também sentia, como
se estivesse ali para fazer algo, mas, agora, tomava um rumo completamente diferente.
— Lamentavelmente, não me vejo tendo muitas opções, Sr. Fox.
— Aqui, terá todas as opções, Maggie — garantiu-a dando um passo para frente. — Por
isso quero que fique, apenas por mais um breve momento.
— Um segundo as vezes pode levar uma eternidade...
— Quando tratamos de prazer, isso é uma coisa boa.
À essa altura, ele já estava com seu corpo colado ao dela, colocando-a delicadamente
contra a parede, sem tocá-la, apenas com sua presença, o aroma de sua colônia mais forte do que
nunca, agora misturada aos pequenos pingos de suor em sua nuca.
— Você é linda, Maggie — afirmou conforme ela notava o movimento vagaroso de seus
lábios. — Linda de verdade... — As mãos dele escorregaram para dentro de seu bolso direito e,
dele, uma nota de cinco libras surgiu. — Quero que deixe-me tocá-la por esta noite.
O coração dela acelerou as batidas e o ar não mais adentrava seus pulmões se não fosse por
entre seus lábios.
— Considere este um primeiro trabalho, está bem?
Ela engoliu em seco. Aquela nota pagaria a refeição do outro dia e os olhos dele eram tão
cavalheiros que Margareth concordou com tudo. Apenas uma noite. Apenas Maggie... deixe-se
libertar...
— Deixe-se libertar.
Ouvi-lo verbalizar seu pensamento fez com que seu rosto corasse ainda mais, porém
Margareth não teve todos os segundos necessários para arrefecer seu sangue, pois, antes que
percebesse, ele tocou seu pulso com firmeza e puxou-a para ainda mais perto, seu rosto
indecorosamente próximo à pele de seu pescoço.
— Eu a tocarei apenas por este momento e, caso não queira que eu volte a fazê-lo, basta
dizer — sussurrou ao pé de seu ouvido. — Mas, por agora, quero sentir o gosto de sua pele,
Maggie.
O homem suspirou profundamente e sua respiração quente bambeou cada estrutura do
corpo dela, como um aviso de que os lábios sedutoramente finos estavam prestes a tocá-la. Mas
nada poderia prepará-la para o que sentiu.
Seus lábios tocaram-na bem embaixo do contorno de sua mandíbula, deliciando em seus
segundos eternos antes de descer um centímetro, trilhando seus beijos vagarosos pela pele alva,
tão quente ao toque, os olhos fechados imaginando como seria se ela realmente aceitasse se
libertar de tudo o que já foi e aprendera para poder ser realmente quem era. Para poder descobrir
todas as infinitas possibilidades a seu dispor.
Mitch Wolfheart podia tê-la beijada sob o pretexto de Sr. Fox, mas ele entendia que o
desejo pelo corpo dela havia se tornado verdadeiramente seu. Teria de procurar mais sobre ela,
agora mais do que nunca, porque ele percebeu que jamais conseguiria demiti-la.
Não.
Seus traços delicados, a inocência e cordialidade o conquistaram num único arremate.
Mitch soube, assim que terminou cada beijo, que Adrian o mataria e que Damian iria rir do
acontecido.
Molenga! Ele diria. Mas, se as partes mais masculinas de Wolfheart reagiram de alguma
forma, certamente não havia sido de uma maneira branda.
— Aproveite o fim da noite, Srta. Maggie — sussurrou novamente depois de afastar seus
lábios da pele dela, um sorriso triunfante ao vê-la ofegar.
Mitch soube que, pelo restante da madrugada, a garota certamente pensaria sobre aquele
momento.
Porém aquela verdade também aplicar-se-ia a ele.
Capítulo V

Apesar de o dia seguinte ter amanhecido pálido, caminhar por entre as sebes do Preston
Park ainda parecia como adentrar um livro de conto de fadas, ao menos aos olhos de Margareth,
que aproveitava dos ventos amenos para refrescar as sensações irrequietas dentro de seu corpo
desde a noite passada.
— Se formos abordadas por malandros, a culpa é totalmente sua, sabe disso, não é? —
resmungou Maud conforme caminhava ao lado da amiga, o braço confortavelmente apoiado
sobre o dela enquanto sua outra mão sustentava a sombrinha fechada, totalmente desnecessária
diante as nuvens sobre suas cabeças.
— Não rogue uma praga, Maud — respondeu calmamente com um breve sorriso.
— Não é praga, Margareth, é a realidade! Sei bem os tipos de pessoas que andam por aqui.
— Nossos clientes?
A pergunta fez com que Maud olhasse para os lados rapidamente.
— Não falamos disso em público, Margareth — reprimiu com o erguer de uma
sobrancelha. — A única forma de manter o local é se ninguém comentar sobre ele.
— Então como conseguem novos clientes?
— Por deus! — A amiga riu em nervosismo, detendo a caminhada. — Margareth, lhe
disse, não podemos falar disso!
A garota apenas baixou o rosto, ondas de seu cabelo castanho caindo sobre os ombros
conforme os olhos, tímidos, fitavam a vastidão verde ao seu arredor, sem árvores à vista, com o
túnel de pérgola logo à frente, florido na base e com folhagens em seu topo.
— Estamos sozinhas, Maud.
— Porque a senhorita conseguiu nos arrastar para a área mais afastada do parque! —
retrucou claramente descontente. — Conte-me o que houve na noite passada, Margareth... sei
que está incomodada.
— É tão óbvio assim?
— Bem, não me parece que está a fazer um esforço para encobrir tal fato. — Voltando a
conchegar seu braço sobre o da amiga, Maud as fez retomar a caminhada, adentrando as sombras
da pérgola, desenhando ramificações de sombra em seus rostos. — Aconteceu alguma coisa, não
foi?
Um breve momento de silêncio.
— Você sempre nos trouxe aqui quando estava triste...
E o comentário não poderia ser mais verdadeiro.
Margareth Mae teve mais momento de tristeza nos últimos anos do que gostaria de admitir,
e suas visitas ao Preston Park se tornaram recorrentes — às vezes sozinha, outras com Maud ou
até mesmo Olive, aos fins de semana, quando tudo era mais movimentado — de tal forma que
cada centímetro daquele lugar já havia sido esquadrinhado por sua mente e se tornou quase um
velho amigo.
Ali, tudo lhe era familiar, porém a vista nunca lhe deixou de tirar o fôlego, especialmente
pela sonoridade tranquila que a acompanhava, das ondas que arrebentavam na costa, tão longe e
tão perto. Assim como próximo à praia, ali havia segmentos de pedra, sebes baixas e altas, com
ápices nivelados e coroados por pequenas vinhas, que os escalavam.
Naquele lugar, a familiaridade lhe trazia conforto. Fora ali que Margareth conheceu
Jonathan Howells e apaixonou-se perdidamente, mas também fora onde desatou a chorar de
joelhos, na fonte central, quando recebeu a carta informando sua morte, tentando acalmar Olive,
que a acompanhou nas lágrimas frias.
Sim, a tristeza também pode se tornar familiar, mas naquela manhã, onde os olhos de
Maud fitavam-na curiosos e aflitos, a mulher não estava triste, mas confusa.
— Não é tristeza, Maud... é só... — As bochechas dela queimaram ao lembrar do toque dos
lábios finos do Sr. Fox. Seu maxilar enrijeceu. Ela imaginou, indecorosamente, que ele também
havia ficado assim. — Eu... acho que atendi um cliente, ontem.
O vento fresco que vinha da costa tomou os cabelos escuros de ambas e os jogou para
frente, o arco de pérgulas terminando e dando espaço a uma área privada de piscinas naturais,
onde uma fonte jogava, discretamente, esguichos de água.
— E ele lhe fez algo de que não gostou?
— Não... quer dizer... sim? — Sua voz emanou pateticamente confusa. — Eu não sei dizer,
Maud, há anos que um homem não me tocava daquela forma...
— E você gostou.
Ouvir Maud verbalizar o que sua mente tentava negar fez o rosto de Margareth ferver
ainda mais. O toque da boca dele, a umidade de seu beijo, seu perfume firme...
Por Deus! Tudo parecia tão vívido nas lembranças dela que era como se ele próprio
estivesse ali, na sua frente, fazendo todo seu corpo vacilar.
— Nem tente negar, Margareth, vejo em seus olhos a confusão que apenas um cavalheiro
provocaria. — Animada e um tanto aliviada, Maud acelerou a voz. — Diga-me: burguês ou
nobre? O que fizeram?
Com uma pontada de sagacidade, a amiga retrucou:
— Achei que não pudéssemos falar disso em público.
Maud escancarou os lábios de forma indiscreta e um guincho de incredulidade ecoou de
sua garganta.
— Margareth Mae, não jogue meus argumentos de volta para mim! — Ela ergueu a
sombrinha e floreou um movimento no ar. — Isto é uma situação completamente diferente.
— Ah, sim? Como?
— Não falamos do clube, falamos de um cavalheiro — relembrou-a rapidamente. — Que
há de incomum nisso? Aos olhos dos outros, se é que há uma alma viva neste lugar, hoje, somos
apenas duas senhoritas discutindo seus frívolos interesses.
Margareth deixou uma curta risada escapar. O Sr. Fox estava certo: as pessoas só viam o
que queriam que elas vissem.
— Não pense que deixarei minha pergunta morrer — finalizou Maud, decidida.
— De forma alguma, eu lhe conheço — retrucou risonha. — Porém minha hesitação em
responder é que... não sei ao certo o que ele era.
Maud estranhou a frase e franziu o cenho.
— Não saberia dizer pelas roupas?
Margareth mordeu o lábio inferior.
— Tudo bem, talvez... talvez eu saiba quem ele era... — Os olhos da garota cruzaram com
os de Maud e, no mesmo instante, ela já soube de quem a amiga falava. — Um dos anfitriões me
abordou na noite passada.
A expressão que dominou o rosto de Maud alertou Margareth que aquilo nunca havia lhe
acontecido.
— Não brinque comigo... — A voz dela estava surpresa na mesma medida que aliviada. —
Qual deles!?
Um tanto sem jeito, Margareth respondeu:
— O Sr. Fox.
Os olhos de Maud arregalaram-se ainda mais.
— Deve ter sido uma ótima noite, então, já que está sorrindo.
— O-O quê? — gaguejou no momento em que percebeu que seus lábios realmente
sorriram ao falar o nome dele. — Não... bem... ao menos consegui comprar algumas coisas com
o que ele me pagou.
— O Sr. Fox sempre foi o mais compreensível, isso é um fato, ainda que sua postura seja...
— O ar lhe escapou dos pulmões e a frase terminou em um suspiro: — ...intimidadora.
Margareth anuiu brevemente.
— Ele disse que somos livres para ir e vir quando quisermos... — falou conforme
lembrava-se do tom de sua voz. — Isso realmente é verdade?
— Sim, é claro, não somos escravas, Margareth — respondeu como se fosse uma
obviedade. — Mas o Sr. Wicked nos dá um limite de evasões, é claro, ninguém é tolo de pagar
por alguém que não fica no trabalho... — Os olhos dela fitaram-na de soslaio. — Porém algo me
diz que a senhorita não está realmente pensando em escapar do antro todos os dias, agora que o
Sr. Fox lhe tem atenção.
Margareth digeriu aquela ideia como um absurdo e negou com um singelo gesto da mão
direita, o ar fresco resfriando o pescoço que ainda parecia queimar.
— Não diga bobagens, Maud. — Sua voz parecia incerta. — Se ele é um dos anfitriões,
então deve ter olhos a todas as garotas.
Então, a amiga antecipou-se um passo e tomou as mãos de Margareth para si, sentindo seu
toque suave conforme os olhos encaravam-na ansiosos e excitados, bem diferentes de minutos
atrás, quando temiam que o pior tivesse acontecido.
— O Sr. Wicked e o Sr. Farewell interagem, sim, com as garotas, Margareth, mas o Sr.
Fox... — A frase reticente fez o coração de ambas palpitarem.
— Ainda acho que seja tolice.
— A senhorita é linda.
— Você também — respondeu com o dar de ombros, as clavículas saltadas na pele branca.
— Todas as garotas de lá são lindas e os cavalheiros caem de charme por elas.
— Não o Sr. Fox, Margareth — negou. — De todos os anos em que estive lá, nunca soube
de qualquer interação dele com as garotas.
E a ideia de ela ter algum atrativo lhe pareceu absurda. Por que um homem como ele se
atrairia por ela? Tantas garotas, tantas experiências, por que reservar um momento para alguém
como ela? Essas perguntas bombardearam sua mente conforme voltavam a caminhar na direção
da entrada do parque, sorrisos formados em lábios apertados que tentavam entender o que havia
acontecido.

Mitch Wolfheart não fazia a menor ideia do que havia acontecido.


Na verdade, ele entendia: seus lábios tocaram a pele quente e macia do pescoço de
Margareth. A questão é que ele não compreendia como podia ter se deixado levar até tal ato.
Sim. Ele poderia fazer como outros cavalheiros e culpá-la por suas atitudes. Ela estava em
seu antro, contratada para servir a seus convidados por alguns xelins ou libras, com um vestido
tentador e cada gesto de seu corpo parecia instruí-lo a tocá-la. Sim, ela estava seduzindo a sua
pior parte.
Mas aquela ideia soou tão ridícula quanto seu membro endurecido pela manhã. Que
inferno! Era óbvio que o desejo de Mitch não tinha nada a ver com o modo como ela se portara,
mas sim com o que seus olhos viram dentro dela: carinho, preocupação, sacrifício. Poucas foram
as mulheres que realmente se mostraram intrigantes.
Geralmente, elas só queriam ver o que havia dentro de suas ceroulas. Ele não se importava
com isso. Porém, com Margareth... foi algo a mais. E ele tinha ciência de que esse fator
inesperado seria primordial para iniciar uma discussão com seus irmãos naquele desjejum.
Por isso ele se demorou em seus aposentos, mesmo depois que o mordomo veio abrir as
janelas de seu quarto. Primeiro, ele tinha de terminar de remoer tudo o que fizera na noite
passada, talvez assim seu sexo parasse de latejar por aquela mulher.
Mitch se ergueu, suas mãos na cintura quando parou, sem camisa, de frente para a janela
de sua casa. Os olhos conseguiam ver a rua, as pessoas, os prédios, o domínio de uma parcela da
costa Inglesa estava sob suas mãos, pois ele sabia de seus segredos.
Sexo também é poder. Isso foi algo que ele aprendeu rapidamente.
Com o ar ameno, ele parou a corrente de ar em seus pulmões; o alívio foi rápido, mas
incompleto, ao menos lhe possibilitou trocar de roupas, fitando-se no espelho na parede.
Foi quando passou sua colônia que a memória dele atingiu-o com mais força. Ele lembrava
perfeitamente do gosto do perfume dela no fundo de sua língua, o modo como o arfar dela
regozijou seu corpo e como ele, quase como um garoto de doze anos, ficou bobo ansiando por
mais conforme ela ia embora.
Conforme descia para a mesa do café da manhã, ele torceu para que Margareth não fosse
realmente embora e lhe desse uma chance.
— Bom dia, Sr. Fox — zombou Adrian quando o irmão adentrou o cômodo, passando por
seu pórtico olhando para os lados, certificando-se que nenhum dos criados havia ouvido o
comentário.
— Não comece, Adrian.
— Ah, não se preocupe, ele já está assim desde a noite passada — falou Damian
organizando scones em seu prato de porcelana, apanhando a geleia de damasco com uma
pequena espátula de prata.
— Assim como, irmão? — Adrian quis saber com desgosto.
— Rabugento.
Mitch riu ao sentar-se.
— Deixe-me adivinhar, ainda irritado conosco a respeito de Valerie?
O olhar do mais velho pedia trégua, e Adrian aceitou-a ao responder:
— De forma alguma. Já cheguei à conclusão de que dos assuntos dela trato apenas eu.
— Então, o que o deixou...
— Rabugento — repetiu Damian com um risinho provocante conforme mordia seu scone.
— O que me incomodou foi o fato de não ter visto o nome da Srta. Howells riscado de
nosso livro-chefe.
Mitch apertou o canto dos olhos e encarou o irmão.
— Isso porque ela não representa ameaça alguma para nós, Adrian. — Nesse instante, uma
das serviçais apareceu, uma jarra de suco fresco sendo servido para cada um deles. Às vezes, era
bom sair do típico gosto de chá. Quando ela se retirou, Mitch completou: — E eu agradeceria se
pudéssemos falar disso com o comedimento devido.
Adrian revirou os olhos.
— Não sabemos nada sobre ela, Mitch.
— Eu irei descobrir — propôs, e a reação surpresa veio de ambos os irmãos.
— Como assim? — Dessa vez foi Damian a perguntar. — O que há para descobrir?
A situação pesou sobre os ombros do mais velho. Era desagradável, porém teria de ser
administrada como qualquer outro problema. Mas, quando se trata de família, nada é assim tão
simples.
— O que mais almejo descobrir diz respeito ao senhor, meu irmão — falou encarando
Adrian. — Margareth Howells era esposa de Jonathan Howells. Éramos amigos, creio que se
lembre...
— Sim, e, infelizmente, ele veio a falecer. O que tem nisso?
— Por que negamos a ele um empréstimo?
O rosto de Adrian endureceu.
— Por que diríamos não a um amigo?
Damian permaneceu quieto, focado em sua refeição.
— Porque negócios e intimidades devem ser distintos, irmão — explicou Adrian
calmamente. — Não iria colocar nosso dinheiro em algo que não tinha garantia de lucro. Ele
poderia ser um amigo, mas péssimo pagador.
O silêncio se abateu brevemente sobre a mesa antes de Adrian retomar a voz:
— Temos um banco, irmão, não uma instituição de caridade.
Mitch sabia que aquilo não tinha como ser contestado e seus olhos baixaram na direção da
mesa. Adrian era muito mais racional do que qualquer um dos outros dois chegaria a ser, e por
isso o envolvimento dele com Valerie poderia ser perigosamente volátil.
— De qualquer forma, infelizmente ele veio a falecer. O banco teria perdido dinheiro.
— Poderíamos focar em outra coisa que não fosse dinheiro, por um momento? — pediu
Mitch e os gêmeos se entreolharam.
— Farei uma única pergunta, Mitch, e espero que a responda com a maior honestidade
possível. — Adrian ajeitou sua postura. — Toda essa conversa tem algum fundamento na Srta.
Howells?
Não houve resposta, o que já bastou para Adrian.
— Acho que a hipocrisia está no sangue desta família — zombou em um comentário
desdenhoso, tomando um gole do suco e passando as mãos nos cabelos longos, os dedos como
arados, dividindo-os em mechas. — Preocupa-se com que eu cause um escândalo, porém parece
fomentar um por si próprio.
— Não há escândalo algum, Adrian.
— Mas tenho que concordar que poderia haver — acrescentou Damian.
Ótimo! Ambos realmente não me entendem! Pensou frustrado, ainda que pateticamente já
tivesse previsto que aquilo aconteceria.
— Mitch, nós vamos ao antro, nos deitamos com mulheres e fim — sussurrou o irmão
mais novo com os olhos fixos nos do mais velho. — Não trazemos este tipo de assunto para a
mesa.
— Eu só queria que... — A voz dele travou. — Não sei bem o que queria, mas há algo na
Srta. Howells que eu... eu não consigo esquecer.
— Sim, um belo par de seios e as ancas mais férteis que já vi — comentou Adrian com
uma risada grosseira. Então, Mitch explodiu:
— VOCÊ PODERIA TRATÁ-LA COM UM MÍNIMO DE RESPEITO!?
O punho direito do mais velho bateu contra sua louça, que saltou e estilhaçou contra o piso,
os olhos fulminando Adrian quando a serviçal, Sra. Laurel, apareceu exasperadamente dizendo:
— Oh, céus, não se mexam, senhores! Já irei limpar tudo.
— Isso seria ótimo, Sra. Laurel — agradeceu Damian erguendo-se lentamente. — Deixe
que eu a ajudo. — Os olhos dele brilharam em inconformidade para seus irmãos. — E vocês
dois? Vão conversar no escritório, agora!

O escritório ficava no segundo piso, e geralmente era ocupado apenas por Damian, sempre
enfurnado em seus livros e anotações, ou então por Mitch, quando precisava checar algum
documento novo. Porém, agora, os dois homens estavam ali, com orgulhos grandes o bastante
para tornar o local pequeno e sufocante, por mais que a janela alta exibisse o exterior em toda a
sua palidez.
— Vamos apenas respirar e entender tudo, está bem? — sugeriu Adrian já que Mitch
parecia estar com tanta raiva que lhe faltavam palavras. — Vocês falam sempre sobre Valerie e
eu devo aturar os comentários, porém quando o faço sobre uma garota qualquer a sua reação é
explosiva como aquela.
Mitch engoliu em seco, seu pomo de adão subindo e descendo. Nunca havia reagido de tal
forma, sendo assim, só havia uma explicação para tudo: seja lá o que estivesse sentindo por
Margareth, isso o fazia agir sem qualquer racionalidade, e era tão incendiável quanto gasolina.
— Peço desculpas, irmão.
— E eu também. — Mitch lhe ergueu o rosto e notou quando o irmão cruzou os braços
sobre o peito largo. Adrian não chegou a dizer pelo que se desculpava, mas parecia honesto.
O mais velho dos Wolfheart voltou a suspirar, se acalmando.
— Eu só... não consigo explicar como me senti quando ela olhou para mim, entende?
— Não.
— Sabe quando... você já está cansado de todas as outras mulheres que já viu? Por que são
todas iguais?
— Não.
Mitch franziu o cenho e ergueu uma sobrancelha.
— Sabe ao menos quando tudo ao seu arredor parece parar porque você pensa apenas nela?
— Não.
— Vá ao inferno, Adrian! — praguejou conforme o irmão ria em gargalhadas firmes.
— Olhe, estou apenas lhe escarnecendo, Mitch. Sei como se sente, pois eu também me
sinto assim com Valerie. Céus, admiti que a amo para você! Só tenho olhos e pensamentos para
ela, porque meu coração lhe pertence.
Diante tal confissão, Mitch sentiu os músculos relaxarem. Jamais ouvira — ou sequer
imaginara — que o irmão fosse tão romântico. Talvez, por entre sua racionalidade, ele tivesse
seus momentos de bardo apaixonado.
— Porém eu lhe afirmo veemente que, seja lá o que estiver sentindo, não é amor. É desejo.
Mitch retorceu os lábios.
— Como pode ter certeza?
— Porque não há amor à primeira vista, Mitch.
O irmão sorriu eloquente, estalando os dedos, brincando com as juntas, imaginando qual
seria a reação do seu corpo caso pudesse tocá-la por completo.
— Creio que mamãe discordaria de você — comentou o mais velho com melancolia na
voz.
— E veja onde isso a levou, não é? — Adrian caminhou até o irmão, sentando-se sobre a
mesa de mogno, um pouco menor do que a que havia na sala de jantar. — Três filhos e um
marido que a largou.
O peito de Mitch pesou com a verdade. Sim, ele tinha todo o sentimentalismo de sua mãe,
que esperou por seu pai até o último suspiro em sua cama. O sujeito nunca reapareceu e nenhum
dos irmãos realmente tinha uma memória clara sobre quem ele era.
— E Valerie? Conheceu-a em uma noite...
— Mas era desejo. Tornou-se amor, depois.
O silêncio recaiu entre eles.
— Olhe, as pessoas julgam tanto aqueles que se deitam antes de um casamento, porque
acham que o sexo é um pecado se não feito com comprometimento. — Ele tocou o ombro de
Mitch, os dedos esguios sobre a malha pesada de seus trajes. — Mas a verdade é que o sexo é
muito mais fácil de entender do que o amor.
Em um salto, ele parou no centro do escritório, as fivelas de seu sapato refletindo o brilho
claro que entrava enviesado pela janela, por sobre as costas de Mitch.
— É do amor que as pessoas deveriam ter tanto medo.
— Tem razão — concordou o outro. — Um homem que se preze não pode levar suas
decisões por sensações tão banais.
Porém, parte dele anuiu somente para dar o assunto por encerrado. Adrian não o
entenderia, porque sobre o amor pouco conviveu, e as condições com que se envolvia com
Valerie eram muito tênues e perigosas, mas Mitch sempre ouviu as histórias que sua mãe lhe
contava. Bravos e fortes cavalheiros que se apaixonavam por uma donzela que dava sentido às
suas vidas.
Depois de tanto tempo, viu-se sem um novo propósito, porém Margareth surgiu e já virou
seu mundo de cabeça para baixo.
— Mas, se realmente acha que está sentindo algo por ela — seguiu o irmão — eu sugiro
que termine com tudo enquanto ainda pode.
Os cílios de Mitch se agitaram, perplexos.
— Perdão?
— Uma mulher pode ser a ruína de um homem. Vai por mim, às vezes sinto-me tão
exposto que... é como se todo o mundo pudesse me atacar.
— Não acho que seja tudo tão inconsequente, Adrian. Se fosse, não haveria tantos livros
dizendo o contrário.
— Livros servem para iludir.
— Livros, às vezes, nos mostram realidades que podemos fazer acontecer, se quisermos —
retrucou Mitch no mesmo instante. — Sinto muito por quebrar suas expectativas, irmão, mas
noto, agora, que nossa conversa se resumirá sempre a isso. Não chegaremos a um acordo.
— É, vejo que não — concluiu, suscinto, encarando-o com certa decepção. — Talvez... eu
mesmo tenha de rever o que penso sobre Valerie.
Mitch sentiu as sobrancelhas caminhando na direção de um único ponto central de seu
rosto.
— Por que diria isso? — Sua voz mostrava a clara surpresa.
— Porque talvez eu seja quem está confundindo o amor e o irrevogável desejo carnal.
Mitch endireitou-se e fez menção de caminhar até a porta, porém Adrian colocou sua mão
sobre o peito do irmão e o fez parar ao dizer:
— Mas peço que também reconsidere seja lá o que esteja sentindo, Mitch.
Ele ficou quieto por alguns instantes.
— Tome cuidado — prosseguiu o outro.
— Cuidado? — Um sorriso surgiu no rosto de Mitch. Margareth não lhe representava
qualquer tipo de perigo físico, mas era óbvio que o irmão não falava sobre tal tipo.
— Sim. — Adrian estava sério e a voz escapava firme, tal que repercutiu pela mente do
outro pelo restante do dia. — Ao menos, pense o seguinte: se essa garota se apaixonar por mim,
será pelo Sr. Fox ou Mitch Wolfheart?
Capítulo VI

O grande alvoroço da noite seguinte não foi para com o modo que Honey exibia seus seios
a um cavalheiro sentado ao lado da estante de livros, deixando-o tocar a maciez de sua pele e
seus mamilos por entre as tragadas em seu cachimbo, mas sim porque o Sr. Fox havia aparecido
mais uma vez no Oasis, no dia seguinte ao seu evento.
Isso, usando as palavras de Buttercup, era incomum e excitante. Incomum, pois geralmente
apenas o Sr. Farewell frequentava o local todos os dias, certificando-se que seus convidados
estavam bem servidos e seguindo as regras; e excitante, pois, se ele estava ali, havia um motivo,
e a julgar pelo modo como seus olhos incessantemente encaravam os de Margareth, as garotas já
sabiam qual era.
— Olha só, o Sr. Fox está lhe encarando — comentou Buttercup com uma pequena risada.
— Acho que deveria encará-lo de volta.
O rosto de Margareth queimou.
— Não posso...
— É claro que pode!
— Não seria educado.
— E de que outra forma você flertaria com ele?
Margareth engoliu em seco e sua respiração pesou.
— Maggie, acredite, se ele está olhando para você, é por algum motivo — assegurou.
Naquele dia, os olhos de Buttercup estavam carregados por um lápis preto debaixo dos olhos, e o
rosto quase pintava-se de tanto blush, ainda que a sua máscara, bege e branca, disfarçasse isso.
— Talvez... ele esteja zangado?
A amiga franziu o cenho e olhou-o rapidamente por sobre o ombro.
— Não me parece zangado.
— E se...
Mas Margareth não pôde terminar sua frase, pois um cavalheiro esguio, ainda que
musculoso, interveio, o cheiro de charuto emanando de seus trajes impecavelmente passados e a
mão estendendo-se para Buttercup.
— Boa noite, senhorita.
— Senhor — respondeu com uma mesura conforme jogava os cabelos para trás,
permitindo-o ver bem o seu decote e o rio de seus seios voluptuosos, que lhe encantaram os
olhos e as calças.
— Dar-me-ia a honra de acompanhar-me até o corredor dos prazeres?
Sem dúvidas, Buttercup concordou, mas não sem antes dizer:
— Aproveite a noite, Maggie. — E, assim que estava prestes a desaparecer pela cortina de
veludo, ela lhe lançou uma piscadela maliciosa.
Nervosa, borboletas pareceram surgir no estômago da mulher. Desde quando sentia
sensações tão juvenis? Depois de Jonathan, achou que não conseguiria, jamais, sentir qualquer
atração por outro homem, pois ele fora seu grande amor, mas, agora, seu coração dividia-se entre
a possibilidade de se entregar aos braços do Sr. Fox.
Seria isso tão ruim assim?
Mas a mente lhe respondeu de imediato: sim, seria, pois ele sabe tudo de você e você nada
sabe sobre ele. Aquele homem a contratou, e a relação que tem com ele está restrita a este antro.
Ele nunca iria ostentar uma mulher como você nas ruas inglesas.
O pensamento fez com que o rosto dela pesasse para baixo e ela respirou fundo, o corselete
apertando suas costelas conforme ela se permitia enxergar por debaixo dos cílios, estudando
como ele parecia descontraído ao lado do bar, falando com o outro anfitrião, o Sr. Wicked.
Talvez Buttercup estivesse errada. Talvez — e esta foi a razão mais plausível em sua
mente — ele estivesse ali apenas para acompanhar seu parceiro de negócios. Mas uma parte dela,
a mais feminina e tentadora, gritava para que tivesse coragem e fosse falar com ele.
Se era para descobrir o que ele queria com ela, com o beijo em seu pescoço na noite
anterior, então que o fizesse de cabeça erguida. Estava ali por Olive, e não deixaria nenhum
homem, fosse o anfitrião ou não, brincar com suas sensações daquele jeito.
Jonathan reprovaria seu caminhar firme. Na verdade, toda as comodidades sociais lhe
puniriam por estar andando até ele com a mente erguida, porém, quando se aproximou da
bancada, ela pôde jurar que o viu sorrir com o canto dos lábios, os olhos analisando cada prega,
laço e botão de seu vestido.
Naquele mesmo instante, ela desejou que o Sr. Fox desfizesse cada um deles.

Vê-la se aproximar com tamanho fervor o fez sorrir involuntariamente conforme uma onda
formigava em sua virilha.
— Boa noite, Srta. Apenas Maggie — brincou ele. Será que ela acharia que ele estava
divertindo-se as custas dela? Mitch se arrependeu do comentário no mesmo instante.
— Sr. Fox. — Ela lhe fez uma pequena mesura.
— Permita-me lhe apresentar o segundo anfitrião do Oasis, o Sr. Wicked. — A mão direita
dele guiou o olhar dela até aquela outra figura intimidadora, especialmente com aquela máscara
densa, pesada, que lhe dava pequenos chifres por entre a mechas do cabelo liso.
— É um prazer — Ela também o cumprimentou com educação. Sua mesura era tão
perfeitamente instruída que ela podia imaginá-la fazendo-a em salões de baile em Londres.
Porém, seu irmão foi deveras grosseiro e apenas agradeceu por educação, apanhando sua
bebida e entornando-a de uma vez em sua garganta, chamando pela Srta. Meltedlove e levando-a
para o corredor, onde desapareceram.
— Eu... fiz alguma coisa errada?
A voz dela o atraiu para suas feições delicadas e apaixonantes, que, agora, mesclavam a
certeza com que caminhara até ali com uma pontada de preocupação.
— Não, mas lhe devo desculpas pelo comportamento dele — respondeu com um pequeno
esgar. — Inclusive, devo desculpas pelo meu comportamento, também.
Aquilo a pegou desprevenida. Ele esperava por isso.
— Perdão?
— Sinto que... forcei nossos limites na noite passada.
Ela ficou vermelha. Será que percebia que estava ruborizando? Mitch lutou para não sorrir
imaginando o que se passava na mente dela, todas as imagens do dia anterior.
— Então, é para isso que veio esta noite? Pedir-me desculpas?
Porém, quando ele achou que já tinha seu coração sob seu controle, novamente aqueles
lábios deliciosos desmancharam qualquer barreira que ele pudesse criar. Talvez ele devesse, sim,
tomar cuidado com Margareth Howells.
— Na verdade, vim porque o antro me pertence — retrucou um tanto mais ríspido. Ele quis
desafiá-la a continuar. Margareth o fez.
— Bem, não irei importuná-lo mais, creio que seria rude privar seus convidados de sua
agradável presença.
Então, com um girar nos calcanhares, ela segurou as pregas de seu vestido e caminhou para
longe dele.

Por Deus! O que eu estou pensando!? O que eu fiz!?


Os pensamentos dela gritavam conforme ela sentia o olhar dele pesado sobre suas costas
desnudas.
Como ousou falar com um homem desta maneira!?
Porém, ainda que estivesse em choque, havia uma sensação deliciosa correndo seu corpo.
A excitação da adrenalina em ver o modo como o rosto dele retorceu-se em surpresa à replica
dela.
Talvez, esse fosse o flerte que eles tinham. Talvez, Maggie fosse uma forma de
divertimento que a própria Margareth criou para si mesma. Uma maneira de ajudar seu filho e
enfrentar cada dia. Se pudesse atrair o Sr. Fox o suficiente para que lhe desse a quantia do
aluguel...
Então, sem que o corpo pudesse, de fato, acalmar-se, ela sentiu a presença dele atrás de sua
nuca, a respiração tão perto que empurrava pequenos fios soltos para frente, os olhos dela
fechados, os cílios agitados conforme arrepios subiam pela linha de seu pescoço, como se
recriando a trilha de beijos dele.
— Não lhe ensinaram que não se deve falar com cavalheiros de tal forma, senhorita? —
vociferou ele ao pé de seu ouvido.
— Da mesma forma que o senhor parece nunca ter aprendido qual a distância adequada
para se conversar com uma mulher que não se tem intimidade.
As palavras escapavam por seus lábios e, lentamente, ela sentia como a mera presença dele
a inebriava.
— Diz que não temos intimidade, senhorita, mas lembro-me muito bem de nosso pequeno
acordo anterior. — Os dedos dele, de repente, desbravaram os cabelos dela, dedilhando a pele de
seu pescoço lentamente, a aspereza de seu toque umedecendo-a conforme Margareth forçava-se a
permanecer firme. — Deve estar sendo muito difícil estar aqui, então, trabalhando em meu antro
libertino.
— O senhor não faz ideia — disse em voz baixa, voltando a abrir os olhos, sentindo o calor
das luzes, do toque, de seu coração que batia incessantemente e fazia o sangue pulsar em suas
têmporas.
Então, como sempre, surpreendendo-o, Margareth virou-se na direção dele, seus rostos tão
próximos que o mero respirar era tentadoramente sedutor, o olhar dele intenso e cheio de desejo,
fazendo-a sonhar com o toque de suas mãos pelas suas costas. Pelos lugares mais indevidos...
— Apreciarei se o senhor respeitar o meu tempo — falou, estudando a reação tensa dos
músculos do rosto dele. Talvez ele estivesse lutando com a vontade de agarrá-la ali mesmo. —
Faço isso por meu filho e o aluguel que tenho a pagar, não estou acostumada com tais hábitos...
As respostas dela, surpreendentemente, pareciam gatilhos que o impulsionavam a
perguntar cada vez mais.
— Não acha arriscado contar a um estranho sobre sua vida? — questionou,
inteligentíssimo como ela desconfiava que ele deveria ser, fazendo a mente dela dar um salto
quando percebeu que, realmente, havia falado por demais.
— Não é como se o senhor não soubesse quem sou.
— Ainda assim...
— Ainda assim nada sei sobre ti — completou ela rapidamente, ganhando um olhar
estreito como resultado por tê-lo interrompido. — Parece-me, Sr. Fox, que sua política de
privacidade é estritamente seletiva.
O comentário o fez se retrair. Além de sua máscara, o homem estudou os olhos dela,
grandes e curiosos, inocentes, mas ardidos pela presença dele, um ardor puramente erótico, que o
incendiava por dentro e tornava o desejo de tocá-la quase insuportável.
Naquele instante, ele considerou que, talvez, Adrian estivesse errado. Ali estava
Margareth, dizendo que desejava saber mais sobre ele, que gostaria de conhecê-lo. Então, talvez,
apaixonar-se por ela não fosse ser sua perdição.
Mas, para saber se realmente sentia algo por ela que ia além do desejo carnal, era
irrevogavelmente necessário que provasse de todas as partes de seu corpo.
— E o que gostaria de saber sobre mim, Maggie? — A pergunta pareceu surpreendê-la.
Ela não esperava por isso.
— O seu nome.
Ele baixou o rosto e sorriu.
— Infelizmente, isso não é possível.
Ela frustrou-se. Droga! Isso o fez ranger os dentes e morder o interior da bochecha. Mas
Adrian e Damian o matariam se lhe dissesse sua identidade, ainda que houvesse apenas uma
máscara separando-os.
— Então, o que eu posso saber se o senhor já se recusou a responder minha primeira
pergunta? — Seu tom soou muito acusador, mas carregada com sua frustração.
Ele não a queria assim. Na verdade, ele sabia exatamente o que precisava fazer. Já bastava
de joguinhos e de distrações! Estava na hora de descobrir se seu desejo por ela conseguia ir além
de suas ceroulas.
— Pode saber que, desde a noite passada, não consegui tirar-lhe de minha mente —
confessou, incerto de qual seria a reação dela, apesar que tentasse prevê-la.
Naquele instante, não havia preconceitos, ali. Não parecia haver classes ou regras, apenas
os dois e as batidas dolorosas de seus corações. O sangue de Margareth nunca fervera tanto, pois,
apesar de ter sido casada com Jonathan e ter se deitado com ele na noite de núpcias, ela não
conseguia se recordar de quantas vezes falaram sobre sua vontade de beijá-lo. De tocá-lo. De
senti-lo dentro dela e entregar-se a ele. Em compensação, ali estava o misterioso Sr. Fox,
instigando-a a falar tudo que passava em sua mente, declarando seus pensamentos, por mais
indecente que isso fosse.
Um antro se torna libertador a partir do momento em que não há sussurros e fofocas sobre
o que ali é feito.
E dois corações se apaixonam quando, finalmente, conseguem ser honestos um com o
outro.
Assim, Margareth respondeu:
— E eu seria pecaminosa se dissesse que também pensei sobre o senhor?
Aquilo o fez se inclinar sobre ela.
— Isto a tornaria o mais delicioso dos pecados — afirmou, os olhos acima dos dela, os
lábios próximos um do outro. — No entanto, caso anseie por descobrir o que tenho
maliciosamente cogitado, faço-lhe uma nova proposta no corredor dos prazeres.
Então, por entre uma lufada de ar, ele se afastou dela, andando de costas, sem nunca
desviar o olhar, as mãos enfurnadas nos bolsos e os dentes mordiscando o lábio inferior, como se
desejassem fincar-se nela.

Mitch estava excitado. Na verdade, achava que nunca havia sentido tanta excitação e
ansiedade quanto naquele momento, fitando descaradamente as cortinas de veludo, fechadas. Ela
não viria. Sua mente estava tentando lhe convencer disso quando, finalmente, os dedos da garota
abriram passagem por entre o tecido.
Ela ainda o olhava delicadamente, como uma menina, mas seus pensamentos eram os de
uma mulher, e o modo como não parava de franzir os lábios mostrava-o o quanto ela ansiava por
aquilo.
— Estou aqui, Sr. Fox.
Quando sua voz cantou sua chegada, ele desejou que ela soubesse seu verdadeiro
sobrenome. Queria ouvi-la falar Wolfheart com aqueles lábios languidos e carnudos.
— Irei direto ao ponto — alertou sem tirar as mãos do bolso, o olhar fixo nos dela. —
Disse-me há pouco que um dos motivos de estar em meu antro é para pagar seu aluguel, estou
correto?
Ela concordou com a cabeça.
— Pois bem, Maggie. — Ele sorriu ardiloso. — Quanto seria a quantia?
— Quinze... quinze libras — admitiu com um travar da garganta, o ar escapando mais
rápido do que nunca.
— Considere sua dívida paga.
Os olhos dele brilharam e arderam. Ele pôde jurar que os viu encher de lágrimas, que não
chegaram a cair, e seu coração acalentou seu peito. Aquele já deveria ter sido um sinal de que, o
que ele sentia, ia além da carne, porém o teor sexual daquilo tudo cegou-o.
— E... como deverei saldar meu débito com o senhor?
Mitch passou a mão direita sobre a barba perfeita, escura, até que o indicador e o polegar
repousaram sobre seu lábio inferior, convidativos.
— Quero que permita-me beijá-la.
Ela engoliu em seco.
— Em minha boca?
A pergunta fez uma sobrancelha dele se erguer e seu membro agitou-se nas calças,
crescendo conforme o sangue lhe corria mais rápido e a mente de Mitch divertia-se ao pensar
que, talvez, Margareth também desejasse que ele tocasse em outras partes de seu corpo, mais
úmidas e íntimas.
— Começaremos assim, por hoje — concordou ele como se, de fato, estivessem a assinar
um contrato. — Quero que entenda que respeito seus limites e não lhe forçarei a nada.
Ele deu um passo para frente.
— Quero que entenda, senhorita, as consequências de fazer-me pensar demasiadamente em
você.
A mão de Mitch enlaçou a cintura dela e puxou-a para perto, os seios tocando seu peito
largo e firme, os olhos carregados de lascívia encarando os lábios dela.
— E quero que entenda o tamanho de meu desejo apenas neste beijo.
Então, vagarosamente, Mitch inclinou-se até os lábios dela, tocando-os como se tivesse
todo o tempo do mundo, sabendo que ninguém atrever-se-ia questioná-lo, a mão esquerda
tocando a lateral do rosto dela conforme sua língua pedia permissão para adentrar sua boca,
deliciando-se com o sabor de baunilha.
Depois, ousou subir e descer sua mão pelas costas dela, sentindo desde as pregas do
abotoado de suas costas até a pele desnuda, sua maciez contra a aspereza de seu corpo, os lábios
em danças quentes que fizeram-no franzir o cenho, assimilando prazerosamente a sensação que
Margareth, de alguma forma, parecia gravar sobre ele.
Capítulo VII

Mesmo na manhã seguinte, ela, Margareth, tinha dificuldades em esconder o quanto seu
coração batia descompassadamente, e suas feições, sempre tão honestas, não conseguiam
impedir que os olhos analíticos e perspicazes de Maud o notassem de primeira.
— Achei que estivesse com dificuldades em se adaptar ao trabalho — caçoou a amiga
conforme organizava uma pequena bandeja prateada com frutas, mel e chá para que elas
tomassem café da manhã juntas, no seu apartamento no nível superior. — Mas, talvez, ser a
acompanhante de um dos anfitriões tenha seus privilégios.
O rosto de Margareth corou e a amiga lhe lançou uma piscadela.
— Tem certeza de que já está tudo bem?
— Nada está realmente bem desde que John se foi — admitiu por entre uma lufada de ar.
— Mas... digamos que minhas percepções da situação podem estar ligeiramente mais positivas.
As mãos de Maud largaram a bandeja sobre a mesa e os talheres sobre ela saltaram, assim
como pequenos blueberries, que rolaram em direção ao chão.
— Perdoe-me, não sabia que estaria tomando o desjejum com a rainha.
O comentário fez Margareth franzir o cenho, a amiga sentando-se rapidamente, dobrando a
saia de seu vestido por debaixo das pernas e puxando seu assento para frente.
— O que quer dizer?
— Falou como uma das moças da elite, Margareth.
— Educadamente? — A mulher ergueu uma sobrancelha, sugestiva, porém Maud
retorquiu com um olhar severo:
— Evitando o verdadeiro assunto.
— Que seria?
— O modo como o Sr. Fox está afetando você.
Ouvir aquela frase não só esquentou seu rosto ainda mais, como também fez com que
Margareth olhasse por sobre o ombro, na direção do pequeno Olive, que fitava os próprios pés,
sentado no chão com as costas encostadas no batente do sofá, um scone pela metade na mão
direta e geleia de amora fresca nos lábios.
— Não fale assim perto dele — reprimiu, ainda que seu tom fosse suave. — Olive não
entende essas coisas.
— Acho que não há tanto assim a entender da parte dele — retrucou com um dar de
ombros conforme servia-se de chá. — Mas e você?
— Maud...
— Não comece, Margareth, sabe onde quero chegar.
— E sei que está errada — completou de imediato. — Não estou me apaixonando por ele.
Os olhos da amiga estreitaram-se, duvidosos e cintilantes, a luz da manhã entrando pelas
janelas abertas e desenhando as partículas de poeira daquele apartamento apertado, abarrotado de
roupas e quinquilharias.
— Margareth... já se perguntou o motivo de ainda usar seu sobrenome de casada?
A mulher se encolheu na cadeira.
— O que quer dizer?
— Você é a mulher mais romântica que já conheci, Margareth! Seu coração é enorme, de
tal forma que temo por ti as vezes, até mesmo mais do que deveria.
— Jonathan é o amor de minha vida, Maud, e meu envolvimento com o Sr. Fox... — Ela
fez uma pequena pausa, inspirando fundo. — É apenas por Olive.
A amiga levou a xícara até os lábios e sentiu o aroma das ervas encantando seu olfato,
pequenas espirais de vapor subindo por seu rosto e esquentando a pele, dando-lhe ainda mais
vigor ao dizer:
— É assim que se engana ainda mais.
A constatação a fez franzir o cenho. Margareth, de alguma forma, não se sentia
incomodada com a franqueza de Maud; na verdade, muito pelo contrário.
— E no que eu estaria enganada, posso saber?
Com uma falsa ingenuidade no olhar, a amiga baixou a xícara e mordiscou os lábios.
— Diz que Jonathan é o amor de sua vida. Isso está errado.
— Ele é, Maud.
— Não, Margareth, ele foi! — corrigiu debruçando-se levemente sobre a mesa. — Pode
negar isso agora, mas será irrefutável daqui um tempo...
— O que seria irrefutável?
— Que seu coração vai amar novamente.
Uma curta risada faz com que Margareth jogue seus cabelos castanhos para frente,
tentando cobrir o rosto conforme sentia o ar cada vez mais materializado sobre seu corpo.
— Não pode dizer que ele é o amor de sua vida, Margareth.
A mulher sentiu o nó em sua garganta e fitou verdadeiramente os olhos de Maud, tão
preocupados e carinhosos que lhe acolhiam como um abraço quente em uma manhã de inverno.
— Não posso?
— Não — negou veemente, retomando sua xícara, mexendo o líquido tom de damasco
com uma pequena colher prateada. — Porque como ele seria o amor de toda a sua vida, se seu
coração ainda está a bater?
E ele realmente batia a galopadas incessantes, em especial com as palavras do Sr. Fox ao
pé de seu ouvido, o modo como ele parecia deliciar-se com um mero beijo, diferente de qualquer
outro que ela já tivera sentido.
Porém Margareth não teve como permanecer em seu devaneio por muito tempo, pois a voz
de Olive, fina, ainda que doce, irrompeu pelo ar:
— Srta. Maud!
A amiga responde ao chamado, inclinando-se para a lateral da mesa, como um esquilo
curioso, os cabelos caindo em ondas escuras em pleno ar e arrancando um riso de Olive.
— Diga-me, Sr. Olive, a que sou requisitada? — O tom pomposo com que pronunciou
cada palavra pausadamente fez Margareth revirar os olhos. Era explícito o escárnio que a amiga
tinha para com a nobreza.
— A senhorita gosta de sapatos?
A pergunta pegou ambas as mulheres de surpresa, tal que Maud ergueu-se, dando pequenas
batidas de mão contra a saia de seu vestido, e Margareth virou-se sobre a cadeira.
— Se eu gosto de sapatos?
— Aham! — Olive respondeu, animado.
— Bem... — A reticência na frase dela deu-lhe tempo de alcançar uma fileira de caixas de
tampas escuras. — Toda esta coluna é feita apenas de pares de sapatos, dos mais altos aos mais
baixos — respondeu com um sorriso, franzindo o cenho. — Isso rimou, não?
Margareth riu diante os pensamentos altos de Maud, erguendo-se também, as pernas bem
mais firmes agora, sem a presença daquele homem, tão intenso e robusto, que permeava seus
pensamentos incessantemente.
— Não vamos importunar a Maud, querido — falou a mãe conforme alcançava-o,
sentando-se ao seu lado, vendo como ele a encarava com olhos tão grandes e redondos quanto os
de uma coruja.
— Não é importuno algum — contrariou a amiga, copiando os movimentos de Margareth e
sentando-se ao lado do garoto. — Na verdade, gosto de conversar com o Sr. Olive aqui... — As
mãos dela alcançaram-lhe a barriga e lhe fizeram cócegas. O apartamento encheu-se com suas
risadas.
— Está ensinando-o a falar sobre sapatos, Maud.
— Ao menos ele será um homem que sabe falar sobre outras coisas além do tempo e de
bailes — ponderou com uma nova piscadela. — Mas então, Sr. Olive, por que me pergunta sobre
sapatos?
Ele não respondeu. Na verdade, o garotinho baixou o rosto e entrelaçou os dedos, como se
estivesse nervoso. Margareth reconheceria aquele mesmo gesto em Jonathan.
— Gostaria de ser um sapateiro? — sugeriu Maud com um beicinho. — Ou quer saber
quanto uma dama calça? Saiba que é mais importante fazer essa pergunta a um cavalheiro!
— MAUD! — Margareth sentiu as sobrancelhas subirem em seu rosto e o sorriso abriu-se
involuntariamente. — Não fale dessas coisas...
— Perdão, perdão... — desculpou-se a outra com as mãos erguidas na altura dos ombros.
— Percebi que cruzei uma linha que não deveria, mas... veja, ele nem entendeu.
— Graças aos Céus! — prosseguiu Margareth com um súbito ar melancólico. — Espero
que ele ainda demore a entender, na verdade... — Com a mão direita, ela lhe acariciou os
cabelos, tão lisos quanto os seus. — Estou levando-o ao Doutor Hopps antes do almoço.
De um segundo para o outro, como se os próprios ventos mudassem, o ar leve e
despreocupado de Maud se desfez, e o rosto tornou-se sério e aflito.
— Ao doutor? O que ele tem?
— Quando o busquei na casa da Sra. Perkins, ela me disse que ele passou boa parte da
noite tossindo. — Naquele instante, Olive poderia não perceber, mas cada singelo toque que ela
dava sobre os fios de seus cabelos era uma grande declaração de amor. — Ela lhe deu um
xarope, mas quero me certificar de que não será nada mais grave.
— Não será — garantiu Maud, como se ela tivesse qualquer poder sobre isso.
— Sei que não, mas ainda assim... acha que eu deveria levar um casaco para ele?
— Não está tão frio lá fora...
— Mas talvez tenha sido a friagem da noite que o fez tossir... preciso lhe comprar roupas
novas, meu amor... — admitiu abraçando-o com acalento. — É por isso que estou naquele
trabalho, Maud. Não é paixão, é só...
Mas a amiga não a deixou continuar, tocando-lhe o rosto.
— Eu entendi, tudo bem, mas vou ficar de olho por precaução — brincou com um sorriso
amarelado. — E o senhor trate de ficar bem logo, está bem?
Olive, percebendo que lhe dirigiram a palavra, assentiu rapidamente, quase batendo a
cabeça no sofá.
— Srta. Maud? — chamou timidamente. Margareth decidiu não interferir.
— Sim?
— A senhorita sabe amarrar sapatos?
Então os olhos das duas correram até os pequenos pezinhos, onde os cadarços esgarçados
caíam desleixadamente pelas laterais dos sapatos de couro.
— Bom, talvez ele só venha a ser mais um homem folgado, mesmo — brincou Maud
obedecendo ao pedido, arrancando um sorriso de Margareth que, ainda que soubesse que estava
fazendo tudo o que era necessário, não conseguiu deixar de sentir-se uma péssima mãe.
E esse sentimento intensificou-se ainda mais no consultório do Doutor Hopps.
O homem era baixinho, com seu jaleco branco na altura dos calcanhares sempre inchados,
a barriga protuberante quase arrebentando os botões de sua camisa enquanto os olhos escondiam-
se atrás de lentes de fundo de garra, tão grossas que chegavam a distorcer o formato de seu rosto.
— Mas isso só pode ter sido resultado de muito descaso... — comentou baixinho, mas alto
o suficiente para que ela ouvisse, os armários com porta de vidro refletindo-a cabisbaixa. — O
seu filho tem brincado com água nos últimos dias, Srta. Howells?
A pergunta ficou os pés dela no chão e a garganta arranhou-se para responder.
— Hm... não... não sei, doutor.
O homem deteve seu exame, afastando seu velho estetoscópio das costas magrelas e
brancas do menino, onde os ossos de sua coluna chegavam a ser visíveis.
— A senhorita não sabe?
Margareth sentiu a saliva travar em sua garganta.
— Não, doutor.
— Mas a senhorita é a mãe, não é?
A pergunta a atingiu como um tapa.
— Sim, doutor.
— E, ainda assim, não sabe com o que ele anda brincando?
Ela meneou em negativa e respirou fundo, tentando conter as labaredas de vergonha que
subiram por seu corpo e envermelharam suas orelhas, até mesmo fazendo arder seus pequenos
brincos de pérola, um charme a mais que permitiu-se usar naquele dia, mas que, agora, já parecia
tão tolo quanto sua capacidade de demonstrar-se responsável ali.
— Qual a rotina do nosso pequeno cavalheiro? — perguntou conforme auxiliava Olive em
recolocar sua camisa, vendo-o sorrir apesar de estar em um escritório tão surpreendentemente
opressivo, escuro e empoeirado, com tantos frascos semelhantes que a própria Margareth temia
confundir-se com eles, caso lhe fosse pedido algum.
— Tomamos o desjejum pela manhã...
— O que ele come? — interrompeu-a abruptamente.
— Pão, geralmente.
— Apenas pão?
— É o que posso pagar, doutor — explicou e os olhos do Sr. Hopps, o qual já deveria estar
acostumado com sua clientela de baixa renda naquela região, olhou-a de cima a baixo, pairando
o olhar sobre os pequenos furos na saia de seu vestido azul acinzentado. — Tem sido difícil após
a morte de meu marido...
— Entendo...
Margareth sorriu, achando-o que naquela frase havia um cintilar de empatia, todavia o
fizera antecipadamente, pois o homem não havia terminado:
— Contudo, isso em nada a absolve de, como mãe, ter o dever de prezar pelo bem-estar de
seu filho.
O sorriso dela se desfez como poeira.
— Eu prezo por ele, doutor, prezo-o mais do que minha própria vida.
— Claro, e, por isso, é a senhorita que está doente, não o seu filho — ironizou com o
erguer de uma sobrancelha, retirando seus óculos e limpando-os com o tecido de seu jaleco. —
Pois bem, prossiga. O que fazem pós-desjejum?
— Levo-o para a escola de bons meninos da Viúva Doorway, e ele fica lá até o almoço.
— Bom, agora entendo de onde vem essa excelente educação! — parabenizou o homem ao
menino, ajudando-o ao descer e, inclusive, dando-lhe uma pequena bala embrulhada em papel de
seda, que encantou Olive, tal que agradeceu:
— Obrigado, Doutor Hopps!
— Bons meninos merecem uma boa recompensa — afirmou em um tom sério. Margareth
sentiu que um homem como Hopps jamais lhe cumprimentaria por nada, e que ele conseguia
tornar o assunto mais frívolo como o caminhar em um parque em uma catástrofe
escandalosamente mórbida. — Mas, não poderei dizer o mesmo de sua mãe... — Seus olhos
voltaram-se aos dela. — Acha que ele pode ter sido exposto a alguma criança doente na
propriedade da Viúva Doorway?
Margareth mordeu a língua.
— Não sei...
— Não sabe...
— Quero dizer, pode ser possível, não conheço as outras mães.
O Doutor Hopps enfurnou as mãos em seus bolsos e franziu o cenho oleoso.
— Não as conhece? Ora, achei que fosse da natureza feminina comunicar-se futilmente
entre si.
Mais um tapa. Margareth forçou um sorriso, já que em nada adiantaria refutá-lo, e ela nem
ao menos sentiu vontade de fazê-lo. Estava ali por Olive, não por seu orgulho — se é que ela
ainda sentia algum.
— Bem, vamos ficar de olho nesse pequeno cavalheiro, pois a tuberculose tem atacado a
todos feito cães!
Os olhos de Margareth se arregalaram.
— Tuberculose?
— Bem, sim... — Ele notou como suas palavras surtiram um efeito amedrontador sobre a
mulher. Hopps prosseguiu: — Tem sido muito comum, até mesmo entre os nobres.
— Mas... ele estava apenas tossindo... — Tentou justificar com as palmas da mão coçando
em nervosismo. — Deve ter dormido perto de uma fresta de ar, somente isso...
— A mãe dele deveria saber.
Aquilo soou como uma ofensa e as veias no pescoço dela saltaram conforme franzia o
cenho.
— Eu sou a mãe dele! — afirmou, convicta. Quem aquele homem pensava que era para
dirigir-lhe a palavra daquela forma!?
— Bem, deixe-me corrigir a frase, então... — Ele moveu os lábios como se saboreasse um
vinho novo. — Uma boa mãe saberia dizer.
E tal frase foi o tapa final no rosto dela, que se sentiu vergonhosa, estúpida e
inconsequente. Um homem como o Doutor Hopps sabia muito bem como deixá-la assim, como
se fosse uma parva indigna de qualquer empatia ou amor.
O problema era que, em situações como essa, Margareth acabava por acreditar nisso, de tal
forma que, mais uma vez, ela não viu sentido no modo como o Sr. Fox lhe tratou.
O Doutor Hopps era a realidade.
— Sinto-me inclinado a questionar por qual motivo a senhorita não estaria em casa, à
noite, para perceber o frio.
O Sr. Fox uma fantasia.
Mas seus beijos foram reais — por demais até mesmo — e o seu desejo tocando os lábios
de Margareth fora tão vívido e caloroso que a mulher sentia que, mesmo que não fosse digna de
empatia, que fosse ao menos de respeito, de tal forma que respondeu:
— E eu me sinto inclinada a lhe dizer, doutor, que isso não lhe diz respeito algum.
Diante à resposta, o homem apenas pigarreou, uma risada curta e egocêntrica enquanto ele
caminhava até sua pequenina mesa, no lado direito do consultório, apanhando uma pequena
folha de papel, anotando a receita para um pequeno elixir.
— Leve este pedido a um boticário, ele irá lhe preparar o elixir para o garoto.
— Quanto isso irá custar? — perguntou conforme olhava cada ingrediente na lista do
preparado, que tinha, em sua base, glicerina.
— Por volta de quinze a vinte libras.
O coração de Margareth deu um salto.
— Vinte!?
— De quinze a vinte — repetiu conforme guiava-a a caminho da porta. — Mas, se
conseguir pagar, será excelente para fortalecer o pequenino aqui.
Olive sorriu para o Doutor Hopps e saiu com a bala na boca, os ventos gelados envolvendo
seus corpos com pequenos respingos de uma garoa que ameaçava cair.
— Mas... isso é muito, doutor.
Eles se detiveram no pórtico em arco, olhando-se, uma mãe preocupada e um médico
arrogante, que suspirou em falso lamento ao responder:
— Bom, parece que a senhorita não tem muita escolha.
E Margareth realmente não sabia se, alguma vez na vida, tivera uma escolha feita por si
mesma, por sua vontade ou desejo inquietante. Até mesmo seu casamento com Jonathan havia
sido algo que simplesmente aconteceu, pois aquilo já parecia prescrito desde o primeiro beijo
que ele dera nas costas de sua mão. Margareth nunca parou para analisar suas opções, porque,
para uma mulher, não havia o plural dessa palavra.
Era apenas uma opção, sempre prescrita por um homem.
Nessas vezes, quando se encontrava pensativa, ela acabava por invejar as garotas da alta
sociedade, sendo apresentadas à rainha e indo a gigantescos bailes, que eram responsáveis por
lotar as colunas sociais de cada jornal inglês.
Mas ela não precisou disso. Todas as sensações que aquelas jovens garotas sentiam, ela
também sentira, especialmente na noite anterior, diante os olhos dominantes do Sr. Fox.
E pensar que um homem que lhe causara tanto apreço agora lhe era motivo de vergonha.
Sentada à mesa de sua cozinha, refletindo sobre todo aquele dia e encarando furtivamente
o relógio na parede, tudo o que depreendia de sua mente era que o Sr. Fox, fosse quem fosse, era
seu resgate e perdição. Ele lhe permitira pagar o aluguel, mas fez com que seus pensamentos
negligenciassem Olive na casa da Sra. Perkins, a qual ela não tinha certeza se conseguiria encarar
novamente.
A culpa era clara; ela não conseguia parar de pensar naquele homem, e isso a tornava ainda
mais conflituosa com si mesma. Tudo o que ela aprendeu em sua vida desmoronava diante de si,
como se nunca houvesse fim.
Ela nunca deveria ter aceitado aquele trabalho. Justificou a ida até o clube, pois o trabalho
nas lavanderias realmente anteciparia sua morte, e ela queria prezar ao máximo por seu tempo
com o filho, mas quanto tempo realmente estava se dedicando a ele? Margareth punia-se tão
severamente que a culpa se enraizava em seu peito, sufocando-a.
Como foi que ela havia perdido tanto em tão pouco tempo? Como foi que permitiu-se
chegar até ali? Tudo isso a perturbava, mas Margareth não tinha tempo para chorar.
Duas batidas na porta anunciaram a chegada de Maud, já trajada com um vestido vermelho
de Buttercup, mas ainda sem sua máscara.
— Filho, a mamãe volta mais tarde, tá bem? — A voz de Margareth escapou como um
sussurro contra as pequenas orelhinhas do menino, que ressonava com leveza contra seu
travesseiro, as mãozinhas agarradas ao lençol amarelado que enroscava em seu corpo como um
casulo. — Eu te amo tanto.
Então, inclinando-se para frente, ela lhe beijou a testa e atendeu a porta.
— Tem certeza de que é seguro deixá-lo sozinho? — questionou Maud olhando por cima
do ombro da amiga. — Sei que a Sra. Perkins...
— Não quero mais importunar aquela senhora, Maud — atropelou-a com palavras, fazendo
com que a amiga arqueasse as sobrancelhas. — E... talvez ele tenha dormido debaixo de uma
janela aberta, não sei...
Margareth olhou para trás, por entre as sombras, procurando pela sua silhueta tão frágil e
pequenina.
— Ao menos, aqui, sei que ele estará bem.
— Mas e você? — A pergunta escapou dos lábios de Maud no instante que Margareth
fechou a porta, um rangido sonoro repercutindo pelas paredes descascadas. — Tem certeza de
que está bem?
— Eu tenho que estar, Maud. — A lufada de ar que escapou de seus lábios pesou sobre
seus ombros. — Tenho de estar...
Sem saber ao certo em que momento aquilo havia acontecido, Maud apanhou,
delicadamente, a mão direita de Margareth, a renda da pequena luva que usava lhe fazendo
cócegas na pele enquanto os olhos, brilhantes e doces, continuavam a olhar nos dela ao dizer:
— Tem muita coragem, Margareth. — A afirmação forçou-a a sorrir. — É uma ótima mãe.
E foi aquela frase final, ainda que lhe tenha soado um tanto duvidosa, que deu à mulher as
forças de que precisava para continuar aquela noite.
Capítulo VIII

Aquela manhã chegou trazendo nuvens carregadas de uma garoa fina que perpetuou até o
anoitecer, mas tudo o que permeava a mente de Mitch Wolfheart era que ele não poderia permitir
que Margareth Mae notasse os fios grisalhos que surgiram na lateral de seu cabelo.
— Ai, maldição! — praguejou quando a pinça em sua mão direita acabou fisgando a pele.
— Mas que raios está fazendo, Mitchell!?
Perguntar em voz alta comumente lhe trazia maior lucidez, mas naquela manhã o motivo já
estava tão claro que nem era preciso ser dito: ele queria impressioná-la, tal qual ela fizera ao
responder ao seu último beijo com um toque tão ardente que parecia ter sido gravado a brasa no
rosto dele.
Entretanto, Mitch nunca foi o melhor dos homens em aceitar que a idade já lhe abatia nem
que todo o estresse de sua vida implicaria em ter fios grisalhos precocemente. Aos olhos dele,
nenhuma mulher realmente se interessaria por um homem mais velho se não pelo seu monopólio.
As caça-maridos, mães de meninas mimadas e insonsas, corriam a solta em Londres.
Não atrás dele ou de seus irmãos, é claro, toda vez que pensava sobre isso um lembrete
mental atingia-o como uma luva no meio do rosto: a nobreza não mistura seu sangue.
Mas, ainda assim, a regra sobre o dinheiro trazer um maior interesse era uma verdade
universalmente conhecida, tal que seu objetivo enquanto respirar era dominar o máximo que
conseguisse era expandir suas posses de forma tão predominante em Brighton que aquela cidade
à beira-mar se tornasse sua.
Tivera pouco como menino, mas teria tudo como um homem.
E Mitchell Wolfheart queria que Margareth fosse dele, porém a ideia de que, talvez, seu
dinheiro fosse o motivo de tal atração ainda era incômoda o bastante, como um pequeno fisgar
dos lábios.
Poderia tê-la beijado na noite passada, poderia ter adormecido acreditando que os
sentimentos eram reais. Mas homens tolos apaixonam-se em amores vazios, e ele só entregar-se-
ia por completo a Margareth quando a ouvisse suspirando por ele, a ouvisse gemer em sua cama
e declarasse todo o seu desejo de estar ao seu lado por toda a vida.
Mitch sorriu quando tal pensamento surgiu em sua mente. Adrian indubitavelmente lhe
daria um soco no ombro para que despertasse de ilusões tão românticas, mas é do dever de um
homem saber seus fins, para que possa escolher seus meios.
E Margareth seria o meio mais prazeroso para encontrar o amor, pois ela o atraía quase
como a lua para com as marés.
Entretanto, Mitch não conseguiu continuar sua sessão de tortura com aquela pinça
ridiculamente pequena em suas mãos enormes, pois Damian surgiu na porta do quarto,
anunciando sua chegada ao dizer:
— Se importará se eu lhe acompanhar este ano, irmão?
Mitch respirou fundo, largando a pinça sobre a pia conforme encarava o irmão; ele estava
com trajes soturnos, até mesmo luvas de couro preto, o colete tão escuro quanto os sapatos
lustrosos, onde o único brilho de todo o visual vinha das fivelas prateadas. Naquele dia, ele não
se preocupou com a futilidade de colocar suas perucas, e deixou que sua cabeça raspada visse um
pouco do sol apático.
— Por favor — insistiu, mas não cabia ao mais velho negar-lhe ou não aquele direito.
Todo filho pode – e deve – visitar o túmulo de sua mãe, mas nada preparou Damian para
quando realmente encarou a relva sob a qual Harriet Wolfheart fora enterrada, lágrimas
escorrendo por seu rosto, os olhos tornando-se vermelhos conforme Mitch abraçava-o por sobre
o ombro.
— Respire fundo, pode ajudar — aconselhou o mais velho, lembrando-se da primeira vez
em que visitara aquele cemitério e como suas pernas simplesmente bambearam e o arremessaram
contra a grama. — Eu estou aqui, com você.
Damian agarrou-o pelas vestes e afundou-se no abraço.
— E-Eu... eu nunca... eu nunca consegui vir... — Suas palavras escapavam trôpegas,
inundadas pela sua emoção. — Depois de todos esses anos...
— Cada um sabe lidar com sua própria dor.
O mais novo distanciou-se por um momento, as mangas sendo usadas para secar as
bochechas.
— O deixamos vir todos esses anos... sozinho, Mitch.
O mais velho sentiu a boca secar e os olhos piscaram lentamente.
— Eu nunca estive sozinho — falou melancolicamente. — Friederick sempre esteve ao
meu lado.
Damian fitou por sobre o ombro, procurando pelo serviçal, que estava encostado ao lado
do cocheiro, na carruagem em que vieram.
— Entendeu o que quis dizer, Mitch... — resmungou por entre um fungar. — E Adrian...
ele...
— Ele ainda não consegue — completou o irmão. — Sabe como ele era para com a
mamãe.
— Ele é do mesmo modo para com toda a família — ponderou com um sorriso amarelado.
— Sabe que ele só quer o nosso bem, não sabe?
O comentário fez o cenho de Mitch franzir-se.
— O que quer dizer?
— Bem... eu ouvi... quando conversaram no escritório.
Os olhos de Mitchell pesaram sobre o irmão.
— Por que eu não estou impressionado com isso? — O mais velho sorriu na direção do
horizonte, a brisa fresca envolvendo-os, arrefecendo a pele. — Tem de parar com essas manias,
Damian, vai lhe meter em problemas.
— Eu só queria entender...
— Entender o quê?
— Como vocês conseguem sentir tanto, quando eu... — As palavras travaram em sua boca
e Mitch achou que ele voltaria a chorar, porém o rapaz respirou fundo, ajeitou suas vestes e
pigarreou. — Eu não sei se alguma vez na vida já amei alguém... ou se me apaixonei...
O irmão encarou a pequena lápide, feita de mármore, o peso em seus pulmões tornando
difícil de respirar, e a quietude até mesmo dos ventos pareceu se aprofundar ainda mais enquanto
os olhos marejavam-se mais uma vez.
— Foi por isso que vim aqui, hoje, Mitch... eu... eu queria saber se sentia alguma coisa...
E Damian percebeu o modo com que o mais velho checava seu rosto a cada minuto,
ansioso, ou melhor, apreensivo de que ele desmoronasse.
— Por que acha que eu sinto algo, Damian? — questionou quebrando o véu de silêncio. —
Até onde sei, posso estar apenas louco.
— Então eu gostaria de ensandecer — zombou naquela declaração, que soou mais séria do
que Mitch poderia esperar. — As pessoas... elas... elas sempre falam do amor, Mitch, sempre
parece tudo tão simples, porque todos sabem o que estão sentindo...
— Eu não sei o que sinto, Damian — assegurou com os olhos profundos, atraindo os do
irmão. — Não faço a menor ideia, porque eu nunca me apaixonei.... desta forma. — A pausa fez
com que ele mordesse o interior de sua bochecha. — E essa é a primeira vez em que eu
realmente admito em voz alta que me apaixonei por aquela mulher.
Um sorriso irônico surgiu nas feições do mais novo.
— Um tanto mórbido admitir algo tão cheio de vida em um cemitério, não?
— Cale-se, Damian — retorquiu em uma curta risada. — Na verdade, falar sobre a vida
me faz lembrar de algo...
Com um floreio do indicador e o anelar, Mitch assentou para Friederick, que, de prontidão,
desgrudou as costas da carruagem, abriu-a e, de dentro, retirou um buquê de crisântemos,
carregando-o com cuidado depois de passar pelas sebes escuras que circundavam o local.
— Diga-me, irmão, um homem que nada sente lembrar-se-ia de comprar flores para a
mãe?
Um filete de lágrima escorreu pelo rosto vermelho e um sorriso quebrantado o fez abraçar
o mais velho novamente.
Friederick cruzou a entrada verde e branca, que permitia a passagem de duas pessoas por
vez, as árvores altas, bem dispersas, com copas a se perder de vista e que formavam sombras no
chão, assistindo-o alcançar os Wolfheart.
— Aqui estão, senhor — falou ao fazer menção de entregá-las a Mitch, que negou com a
palma da mão.
— É a sua vez de lhe dar flores, irmão — sussurrou para Damian, o qual sentiu como uma
corrente elétrica percorreu seus braços no instante em que as flores lhe forem entregues, o peso
triplicado pelo sentimento com o qual ele se agachou.
— Mãe... obrigado por tudo... — As lágrimas deturpavam sua voz e ele não sabia, ao certo,
por que não parava de sorrir. — Obrigado por nos ter dado a vida, e nos desculpe se a magoamos
alguma vez...
Até mesmo para Mitch foi difícil de ouvir. Na verdade, permanecer naquele mero lugar
estava tornando-se insuportável, porque ele sentia como as lágrimas começaram a subir por seu
rosto, e se tem algo que o mais velho Wolfheart não permitira seria que o vissem chorar.
— Eu te amo, mãe — terminou Damian, erguendo-se, incapaz de olhar para seu irmão,
mas aceitando seu último abraço antes de guiá-los para a entrada do cemitério, pequenos haustos
escapando dos lábios de Mitch, que tentava se controlar, que tentava suportar todo aquele
sentimento.
O maior risco de amar alguém estava explícito bem ali, pois amar é renunciar ao controle
da situação.
E Mitchell não se encontrou convicto de que se estava pronto para isso.

— Não consigo me recordar da última vez em que viemos à praia — comentou Damian no
fim da tarde, quando o crepúsculo pincelava suas cores no horizonte da costa, onde o mar abria-
se sem descrédito, o brilho prateado de suas ondas arrebentando contra as pedras e
transformando-se em lençóis de sal encantando o olhar.
— Precisava te tirar de casa... a visita te abalou por demais.
— Já disse que estou bem, Mitch.
— Nem ao menos tocou em seu almoço.
— Sabe que desgosto de frutos do mar.
— Uma pena, porque moramos na costa — brincou com o erguer de uma sobrancelha, mas
Damian não riu. — O senhor tem inteligência o bastante para saber o que eu quis dizer.
Por entre os ventos frescos, o mais novo fitou o irmão displicentemente, o brilho dos olhos
cintilando tais quais as primeiras estrelas que surgiam por entre o laranja escuro, que abria
espaço para o azul-marinho e desatava em seu próprio infinito.
— Se eu realmente... — A voz dele hesitou e ambos pararam, os pés de Damian fundos nas
pequenas pedras redondas que compunham a praia enquanto Mitch permanecia sobre a pequena
sebe de madeira. — Se nós formos ter esse tipo de conversa... promete que não contará a Adrian?
O pedido soou estranho aos ouvidos do mais velho, que enfurnou as mãos nos bolsos.
— Por que ele não poderia saber?
— Ele não entenderia...
— Talvez agora sim. — Mitch coçou a nuca rapidamente. — Os sentimentos por Valerie o
estão...
— Não significa que ele irá aceitar — retrucou rapidamente, como se estivesse ferido.
— É claro, desculpa, mas... eu sempre achei que fossem muito próximos. Que se
entendessem.
— Ele não me entenderia, porque ele ama ser quem é, Mitchell — respondeu como se
arrancasse um ferrão de sua pele; rápido e dolorido. — Você... — Ele apontou para o peito do
irmão. — Você, alguma vez, já desejou não ser algo?
A pergunta pesou sobre a nuca do irmão.
— Às vezes. Eu queria ser melhor do que já fui... apagar certos erros...
— Para mim, a única coisa que eu não gostaria de ser... era eu mesmo.
A maré arrebentou contra a costa naquele mesmo instante e algumas gaivotas cortaram o
ar, grasnando a caminho do farol, tão distante no horizonte.
— Você não entenderia... — resmungou ao voltar a caminhar, saltando um pequeno rio
que guiava-se até o mar.
— Não comece com isso. — Mitch apressou seu passo e saltou para as rochas, parando-o
ao segurar seu braço. — Você quer conversar? Vamos conversar, mas não pode virar as costas
para mim e simplesmente andar por aí, Damian.
O rapaz tinha um coração partido em seu olhar.
— Conte-me o que houve.
— A questão é que não tem o que contar — admitiu com a voz embargada de sentimento.
— É só que... é sempre a mesma coisa... essa sensação de chegar atrasado em tudo...
— O que quer dizer?
— Parece que temos um tempo a cumprir aqui, Mitch, e todos ao meu arredor, alguma vez,
já foram amados. Parece que para vocês é tudo mais simples! Sempre, em um piscar de olhos!
Mitch precisou agitar os cílios, sentindo-se aturdido. Não esperava que seu irmão
realmente se abrisse a ele, mas, já que o faria, o mais velho estava disposto a mostrar que, nele,
sempre haveria um porto seguro.
— Não há nada simples em amar, Damian, na verdade, ouso dizer que é o maior perigo
que um homem pode enfrentar.
— Eu quero enfrentá-lo, pois então!
— Mas não funciona assim...
— ENTÃO COMO FUNCIONA!? — perguntou claramente arrasado, os olhos chorosos e
a voz abafada pelas ondas. — COMO, MITCH!?
O mais velho olhou para os lados. Por sorte, não havia ninguém por perto para ouvir como
o coração de Damian Wolfheart tinha seus próprios tormentos.
— Tudo ocorre no seu tempo, você verá... — Apesar de sua resposta ser honesta, Mitch
não conseguiu deixar de notar a hipocrisia com que soara. Ele mesmo tinha suas desavenças com
o tempo e tentava correr contra ele, porém, naquele instante, toda a sua mente focava em acalmar
Damian.
— Mas a questão, Mitch, é que não sabemos quanto tempo temos aqui...
— A morte é o seu medo?
A pergunta teve peso o suficiente para finalizar o assunto, mas Damian cerrou os punhos,
respirou fundo até que os pulmões doessem e o aroma salgado os invadisse, e respondeu:
— Meu medo é imaginar o quão tragicamente romântico seria encontrar uma pessoa que
me ame, e perdê-la...
Com a resposta, o mais velho já havia notado como ver o túmulo de sua mãe havia trazido
à tona seus piores demônios. Mitch enfrentara os seus, e agora via como Damian esforçava-se
para também fazê-lo.
— Receio que minha resposta venha a desagradá-lo, irmão.
O mais novo nada disse, o som do sal estourando contra as rochas envolvendo-os conforme
o respirar pesava.
— Porque a vida realmente é assim. — O queixo de Damian tremeu e suas narinas
dilataram conforme os olhos voltavam a embaçar-se com a emoção. — Podemos perder um amor
a qualquer instante..., mas não existe isso de um único amor. Nós podemos amar diferentes
pessoas ao mesmo tempo...
— E se apaixonar?
A pergunta fez o coração de Mitchell dar um salto, pois as feições delicadas e puras como
porcelana de Margareth apareceram diante de seus olhos.
— Não creio que nos apaixonamos de verdade por mais de uma pessoa.
Então, depois disso, Damian apenas encarou o horizonte, os traços de laranja finalmente
desaparecidos e as estrelas os observando.
— Sinto-me tão patético...
— Não, isso não permito que se sinta — proibiu Mitchell andando até ele com um meio
sorriso. — Não há nada em patético em admitir que se quer amar e ser amado, irmão. Você
construiu do zero um oasis, por assim dizer — seus olhos brilharam com o trocadilho — e
permite que as pessoas sejam quem querem ser. Isso te torna um homem incrível!
Damian respirou por entre os lábios e passou a mão sobre a cabeça, inspirando para que o
ar litorâneo renovasse seu corpo.
— A família sempre estará com você — terminou Mitch segurando-o pela nuca, tocando
sua testa, sabendo que aquela frase também servia de um lembrete para ele próprio.
— Preciso ir para o Oasis... — relembrou o mais novo alinhando seu fraque. — Não há
ninguém por lá, e os cavalheiros já devem estar chegando.
— Gostaria que repousasse por hoje, irmão — admitiu o outro tensionando o maxilar, já
sabendo qual seria a resposta dele.
— Não.
— Damian...
— Não posso deixar aquele lugar sozinho!
— Eu irei até lá — ofereceu-se Mitch. — Por hoje, eu cuido de tudo.
Mas Damian, mesmo por entre a dor de seu coração, apertou a lateral de seus olhos e
desafiou o irmão com o olhar.
— Se eu puder parafrasear nosso irmão: tem certeza de que suas decisões não estão
pautadas na Srta. Howells?
Mitch empurrou-o para longe com um solavanco que o arremessou quase sobre a sabe,
ganhando como resposta um arregalar dos olhos e uma risada que acalmou seu peito.
— Vocês dois não prestam! Fique em casa hoje! — ordenou, tal que Damian apenas
revirou os olhos.
— Por qual preço?
Mitch franziu o cenho.
— Como é?
— Se quer que eu fique em casa, qual o preço por isso?
— Só pode estar brincando, não é?
Mas o tom de nenhum dos dois beirava qualquer divertimento inocente.
— Sabe onde quero chegar, Mitch...
E o mais velho realmente sabia.
— Está bem, eu votarei a favor que o antro receba cavalheiros da noite e contratantes
mulheres...
— Então considere-me ausente. — Damian curvou-se em uma falsa reverência e Mitch
empurrou-o novamente, dessa vez assistindo-o cair com o traseiro na sebe. — Ficou louco!?
— Tem sorte de que sou um irmão que o ama! — alertou-o com o indicador em riste. —
Descanse, certo?
— Certo, certo — resmungou por entre uma risada, limpando a poeira de suas mãos uma
palma contra a outra, assistindo a como o irmão distanciou-se aos poucos. — Hey, Mitch!
O chamado alcançou o mais velho, ainda que as ondas fizessem um esforço tremendo para
abafá-lo.
— Dir-me-á que mudou de ideia quanto a seus planos? — questionou provocativo.
— Não diga tolices!
— Então o que é?
Assim, os olhos de Damian brilharam em serenidade quando seus lábios disseram:
— Obrigado, irmão.
Capítulo IX

— Aparentemente, sua raposa a abandonou, esta noite.


O comentário incisivamente ácido de Honey fez o coração de Margareth apertar-se. Sim,
era verdade, o Sr. Fox não se encontrava em lugar algum. Na verdade, não havia um anfitrião de
verdade, ali, e Buttercup tentava acalmar os nervos dos poucos convidados que vieram.
Demorou alguns minutos para que os cavalheiros arrefecessem seus ânimos, mas nada
como boas doses de conhaque para acalmá-los, todas por conta dos anfitriões, como a garota fez
questão de anunciar.
Mas Margareth sentia que, pelo homem que dominava sua mente não estar ali, havia algo
estranhamente errado, que impelia em sua pele sensações apreensivas, as quais eriçavam os pelos
de seu braço.
Era inquietantemente constrangedor estar sentindo falta dele, e deveras vergonhoso, em
especial por seu corpo todo desejar por sua presença, e, por isso, Margareth tentou manter-se fora
de vista, porém o hall ovalado era limitante e constrangia suas opções a ficar perto da lareira
acesa, onde a madeira crepitava, o bar, onde os cavalheiros mascarados se amontoavam soberbos
em ego e álcool, ou as estantes de livros.
Nas três opções, Margareth sabia que poderia chamar atenção, em especial com aquele
vestido em cetim dourado, branco e preto, a saia espantosamente bela aberta como ondas de
tecido, com um espartilho que lhe comprimia tanto as costelas que o mero respirar tornava-se
impossível.
Ou, talvez, o respirar não acontecesse, pois seu corpo pressentia a aproximação de um
cavalheiro.
— Parece-me entretida com o fogo — comentou ele como um mero modo de anunciar sua
presença.
— É belo e nos aquece, achei que seria a melhor das opções — explicou com um sorriso
singelo.
— Ora, pois pensamos o mesmo!
O cavalheiro caminhou para o lado dela, de modo a adentrar, desejasse a mulher ou não,
seu campo visual.
— Sou o Sr. Deroy.
Diante dela, um homem por volta dos cinquenta anos e apenas alguns centímetros mais
alto se apresentava impecavelmente vestido, com abotoaduras prateadas, que refratavam o brilho
da lareira, um rosto quadrado, de olhos gentis, escondidos por detrás de uma máscara que lhe
dominava mais da metade do rosto, em tons de azul e carvão, como se o minério tivesse sido
pego e usado diretamente no tecido. Além disso, uma bengala em sua mão esquerda ressaltava
sua riqueza, em ornamentos de prata tão belos que eram difíceis de não olhar.
— Sou a Srta. Maggie — respondeu erguendo sua mão na direção dele, sentindo-o apanhar
seus dedos com leveza até levá-los aos lábios.
— É um prazer enorme estar em presença de uma dama tão notável — elogiou de forma
não completamente genuína, mas o suficiente para que ela lhe respondesse:
— E eu achei que estava me escondendo bem.
Aquilo arrancou-lhe uma risada firme, que escapou de seu peito, abarrotado pela gola alta
que lhe saltava como um pombo. O Sr. Deroy foi incapaz de perceber a verdade no comentário
de Margareth.
— Ora, mas isso é um absurdo!
Ela lhe lançou um olhar pelo canto dos olhos.
— O que seria um absurdo, senhor?
— Uma dama tão bela tentar se esconder.
Margareth achou que, ao ouvir aquilo, suas bochechas enrubesceriam, porém ela continuou
tão fria quanto os ventos no exterior.
— Ouso dizer que vosso rosto deveria estar estampado nos mais belos quadros de um
salão!
— Não sou alguém importante o bastante para ser retratada em pinturas, senhor —
comentou cabisbaixa. — Não sou importante.
— Creio que discordamos novamente! — O homem não iria desistir de cortejá-la, trocando
a bengala entre as mãos e variando o peso de seu corpo da direita para a esquerda. — A mim, a
senhorita tem muita importância.
A mulher respirou fundo, a voz do Doutor Hopps em sua mente:
“Quanto isso irá custar?”
“Por volta de quinze a vinte libras.”
“Isso... Isso é muito caro...”
“Creio que a senhorita não tenha escolha.”
O coração de Margareth voltou a pesar como aço maciço. Olive precisava do remédio,
precisava se prevenir, não podia arriscar que ele fosse a próxima vítima de tuberculose! Mas o
Sr. Fox ainda não havia sido avistado e ela temeu que ele não viesse naquela noite.
Se ele não viesse, não haveria quantia o bastante para pagar o boticário.
Se ele não viesse, Olive poderia realmente adoecer... e os maiores medos de Margareth, de
ser uma péssima mãe, comprovar-se-iam.
Foi assim que a garota decidiu que daria uma chance ao Sr. Deroy, mesmo sabendo que
aquela conversa era apenas um mero cortejo para levá-la aos aposentos no Pleasure Hall.
Será que haveria mesmo algum prazer por detrás daquelas portas? O que ele faria a ela? O
que seria acordado entre eles? A fim de conter a ansiedade e controlar a própria respiração,
Margareth obstruiu tais pensamentos e os condenou ao lado mais longínquo de sua mente.
— Bem, muito obrigada, senhor — agradeceu com uma mesura de sua cabeça, o topete
alto pesando o movimento um pouco mais. — Devo dizer que muito me lisonjeia.
— Ora, podemos, pois então, simplificar as coisas? — sugeriu com as palavras adornadas
de ansiedade. — Podemos abandonar toda a formalidade e aproveitarmos o melhor da noite sem
nos preocuparmos.
— Devo chamá-lo de Deroy? — Ela olha por sob seus cílios quando abaixa o queixo,
tímida.
— Assim como a chamarei de Maggie.
Maggie. Respire fundo, entre em seu papel, ele, ao menos, é muito educado...
A mente tentava apaziguar seu nervosismo, porém o sorriso no rosto dele, por mais gentil
que pretenda ser, está demasiadamente carregado de lascívia, de tal forma que ela sente o calor
subindo desconfortavelmente por seu corpo.
— Acho que poderíamos andar um pouco pelo salão.
Ele estranha o pedido, franzindo o cenho.
— Perdão?
— A lareira está muito quente...
— Ah, sim, sim! Agora compreendi! — afirmou apressadamente. — Pois bem, dar-me-ia a
honra de acompanhá-la nessa... — o silêncio pairou entre os dois e Margareth compeliu-se a
completar:
— Caminhada?
Deroy concordou com um dar de ombros.
— Acho que esse termo servirá! Como estamos restritos ao espaço desta sala... — Ele
pareceu, pela primeira vez, incomodamente nervoso com a situação, e Margareth sabia que não
poderia perdê-lo, então, sutilmente, apoiou seu braço sobre o dele, vendo-o arregalar os olhos,
desperto de suas desconfortáveis nuances.
— Será um prazer tê-lo como companhia, Deroy.
Aquilo lhe deu ainda mais segurança. Alguns segundos depois, quando as labaredas do
fogo não mais os esquentam, ele pergunta:
— Bem, não quero soar rude, mas... como nunca notei a senhorita antes?
Margareth engole em seco.
— Eu sou nova no clube — explicou sem saber ao certo o motivo de preferir omitir o Sr.
Fox de sua resposta.
— Nova? Então... quer dizer que nunca lhe levaram além deste salão?
O maxilar dela enrijeceu, mas ele não notou isso.
— Ainda não.
Os olhos dele brilharam como nunca e o estômago da garota embrulhou-se.
— Bem, pouparei nosso tempo de frivolidades e serei franco com a senhorita, Maggie. —
Ele os parou exatamente diante as cortinas de veludo. Margareth percebeu que ele havia
premeditado o caminho no mesmo instante em que ela pedira para se afastarem do fogo. —
Desejo e muito levar-lhe ao que aqui chamamos de corredor dos prazeres.
O coração dela se acelerou e os lábios crisparam-se. Um sinal de medo.
— Pagarei dez libras para que se deite comigo esta noite, Maggie.
Dez? O valor soou estranho aos seus ouvidos. O Sr. Fox havia lhe pago quinze apenas para
beijá-la, como Deroy poderia dar-lhe um valor tão menor?
— O que me diz?
O rosto dela abaixa mais uma vez, porém ela não lhe lança um olhar. Na verdade, inspira
profundamente algumas vezes na escuridão de seus olhos fechados antes de dizer:
— Infelizmente, senhor, acho que terei de negar.
Ela não precisa olhá-lo para perceber sua frustração. Ela pode quase senti-la.
— Negar? Por que rejeita minha proposta?
— O valor é muito baixo, senhor.
— Baixo? Acha que dez libras não estão à altura de seu valor?
Suas entranhas contorcem-se e ela quer apenas chorar e sair dali. Mas sua força e coragem
a fazem ficar.
— Não está — negou com um sorriso cabisbaixo. — Mas esta festa têm inúmeras garotas,
Sr. Deroy, detestaria privá-lo de seu tempo com elas.
Então, quando ela fez menção de afastar-se, ele lhe tomou o pulso.
— Espere! Não faça assim, não negue prontamente. Ao menos... me faça uma
contraproposta.
Margareth engoliu em seco. Não podia pedir o valor exato para o remédio de Olive, pois
sabia que o cavalheiro, por mais rico que aparentasse ser, tentaria pechinchar seu preço, de tal
forma que lhe respondeu:
— Vinte e cinco libras.
Ele riu e seu sorriso permaneceu no rosto quadrado, olhando-a com uma admiração
estranha que parecia surpresa e incrédula.
— Este é um valor absurdamente alto, Maggie.
Ela sabia disso e não conseguiu evitar de morder o lábio inferior.
— O que acha de doze libras? — contrapôs ele.
— Vinte e três?
Mais uma risada. Margareth sentia que, se insistisse naquele valor, poderia perdê-lo.
— A senhorita não está colaborando comigo, Maggie. — Os olhos dele a estudaram de
cima a baixo, pairando desconforta e indecorosamente sobre seus seios, tão altos naquele decote.
— Pois bem, façamos por quinze, então.
Quinze é o valor mínimo do elixir...
— Vinte.
— Ora, Maggie, por esse valor eu estaria vendendo a você meu filho bastardo! —
comentou como se aquele fosse um elemento dissuasivo para aquela inescrupulosa situação. —
Por que eu deveria lhe dar essa quantia?
E, por um momento, ela sentiu cada lágrima de seu corpo alcançar seus olhos, mas a força
em seu sangue não as deixou cair e, de cabeça erguida, ela respondeu:
— Porque, como o senhor mesmo sabe, não sou como as outras damas aqui.
— Não?
— Não. Nunca fui ao corredor dos prazeres, então não me deitei com qualquer homem que
aqui possa estar. — Apesar de ter uma mentira entre as verdades, Deroy não a notaria. — O
senhor seria o primeiro a me tocar.
A frase a fez gritar e rasgar-se por dentro, mas, em seu rosto, havia um sorriso. É apenas
uma noite. É apenas um cavalheiro. Você é apenas Maggie.
— Argumentos deveras válidos — comentou repousando ambas as mãos sobre seu cajado.
— Pois bem, Maggie, vinte libras é o acordado por esta noite.
Assim, o Sr. Deroy lhe oferece o braço mais uma vez, abrindo a passagem das cortinas,
caminhando com ela tão deliciado pela ideia de deitar-se ao seu lado que não chegou a notar
como Margareth, antes de entregar-se ao destino de uma mulher sem esperanças, olhou por cima
de seu ombro, os cabelos achocolatados caindo em cascatas enquanto os olhos procuravam
inutilmente por um homem que ela não chegou a ver.

Mas Mitch estava no antro.


Na verdade, no exato instante que Margareth atravessou o veludo, o anfitrião se fez
presente, a máscara protegendo seu rosto enquanto alguns dos homens ali vinham-no
cumprimentar; assuntos tão fúteis sendo ditos de tal forma que ele não sabia como Damian podia
aguentar tudo aquilo com prazer.
— É um prazer recebê-los, senhores, e peço perdão pelo meu atraso — falou
resumidamente, em um tom que não permitia brechas e muito menos desejava adentrar qualquer
outro assunto.
Não. O único assunto que lhe importava tinha curvas atraentemente perfeitas e olhos tão
doces e humildes que eram difíceis de não procurar. E exatamente por isso seu coração
decepcionou-se, pois Margareth não estava à vista.
— Boa noite, Sr. Fox — cantarolou Honey com um sorriso atrás dele, os cabelos cor de
fogo brilhando tanto quanto as labaredas e suas sardas parecendo sinais de varíola em sua pele
tão exageradamente branca.
— Honey, saberia me dizer se a Srta. Maggie está presente?
O sorriso dela se desfez e os dentes rangeram.
— Infelizmente não, senhor.
— Ela não veio ou não sabe me informar?
— Ela não veio.
Mitch mordeu o interior da bochecha.
— Tudo bem, obrigado, Honey...
— Mas poderíamos passar um tempo juntos, conversar... — Seu tom era sugestivo tal qual
seu indicador e anelar, que escalaram a lateral firme e definida de seus braços, mesmo por sobre
a malha do fraque.
— Talvez mais tarde — dispensou de imediato, os olhos correndo cada milímetro do lugar
para certificar-se de que ela não estava ali, abandonando Honey em seu constrangimento.
O coração de Mitch apertava-se em seu peito e os passos que dava apressavam-se a um
destino próximo.
Será quê?
Mas, para sua decepção – ou certo alívio – quando as enormes mãos de Mitch abriram as
cortinas de veludo, ele se deparou somente com um corredor vazio, todas as portas fechadas e as
velas com a cera escorrendo em filetes na direção do piso.

Assim como no dia em que fora entrevistada por um dos anfitriões sem nem ao menos
saber sob qual codinome ele se escondia, Margareth estava surpresa com o modo com que os
quartos do Pleasure Hall foram feitos.
O local em si parecia uma antecâmara confortavelmente escura, com dois candelabros
dispostos ao lado da enorme cama de dossel, as chamas das velas calorosamente iluminando as
sombras, projetando um brilho alaranjado nas paredes forradas por um papel de parede carmesim
e na mobília de mogno escuro.
Havia, também, uma lareira apagada, logo abaixo de um enorme espelho cinzento, com
adornos em suas laterais tão lindos quanto aqueles na bengala do Sr. Deroy, o tapete oriental os
recebeu como um quarto anfitrião daquele lugar, suavizando suas passadas, ainda que não
houvesse nada de suave nas sensações apreensivas que corriam as veias da garota, especialmente
quando ouviu o click sonoro da porta se trancando.
Com eles ali, as vozes do hall ovalado soam distantes e abafadas, como sussurros de um
amante perdido, de tal forma que concomitantemente Margareth perguntou-se se, caso ela
gritasse, alguém a ouviria.
Mas isso era o pior de seus pensamentos surgindo para a apavorá-la. Por que ela gritaria,
afinal?
— Parece-me preocupada, senhorita — comentou, mas aquilo em nada auxiliaria em sua
apreensão.
— Nunca estive aqui, senhor — explica sem sorrir, hesitante demais para isso. — Sinto
como se fosse exacerbadamente impróprio estarmos aqui.
O homem sorri e deixa a bengala sobre a cama. Ela nota, pelo espelho, que ele retira seu
fraque e permite-se ficar apenas de colete.
— Impróprio aos olhos externos, minha querida, mas neste lugar... — O Sr. Deroy apontou
para sua máscara. — ... não há julgamentos.
Sim. Isso era verdade. Mas, ainda assim, depreender-se de tudo o que já conheceu na vida
era uma tarefa quase impossível de se completar, tal que, mesmo com aquela afirmação,
Margareth ainda sabia que causaria um escândalo, em situações normais, trazer um cavalheiro
desacompanhando para aposentos privados.
— O senhor vem muito ao clube? — perguntou ela tentando encontrar alguma calma por
entre suas palavras.
— Quando posso, sim.
— Então nada disso lhe intimida?
— Sou um homem, senhorita, poucas são as coisas que me intimidariam. — Mas, em sua
frase, ela notou uma pontada de impaciência.
— E quais seriam elas?
Ambos ali sabiam que aquele diálogo a servia apenas para ganhar tempo, porém com o
demasiado desconforto, Margareth pôs-se a perambular pelo quarto, a saia arrastando-se pelo
tapete como um rastro que o Sr. Deroy seguia com os olhos, subindo por suas camadas de tecido
até alcançar a altura dos laços que prendiam o corselete.
Diante o olhar inevitável, a mulher tentou manter a cabeça erguida, passando as mãos nos
cabelos, tentando apaziguar seu coração e o modo como seu respirar condensava-se.
No quarto, agora, ela notou uma pequena escrivaninha, ao lado da lareira, onde um
pequeno tinteiro de marfim repousava ao lado de uma pequena quantia de papeis pardos e de
uma caixinha aromática de face de vidro, a qual, supôs Margareth, era a responsável pelo aroma
adocicado no quarto.
Ela duvidava muito de que um cavalheiro usasse colônias tão doces, então o Sr. Deroy
estava fora da questão.
Ainda assim, seus olhos não se impediram de flertar com as folhas em branco, tão curiosas
de estarem ali, sobre a escrivaninha.
— O senhor sabe para que servem tais papéis? — perguntou ela com um singelo apontar.
— São para cartas de título, senhorita.
Margareth franziu o cenho.
— O que quer dizer?
— Caso um cavalheiro atraia uma dama para um dos cômodos do prazer, porém encontre-
se sem a quantia exata, pode redigir uma declaração explicitando-a aos anfitriões. — Apesar de
ter explicado calmamente, ela notou sua impaciência no modo como permaneceu parado, a todo
tempo, ao lado da cama, as mãos atrás das costas e a ponta dos pés batendo contra o piso.
Ela sabia que o tempo estava se esvaindo e que um acordo firmado era um acordo que
deveria ser cumprido.
Você pode dizer não, lembre-se disso.
Está livre para ir e vir.
As vozes de Maud e o Sr. Fox ressoaram em sua mente como lembretes gentis, mas a
situação se fazia necessária.
— Acredito que a dama já tenha visto todo o quarto — diz o Sr. Deroy tirando todo o ar
dos pulmões dela em uma única tacada conforme ela interrompe seu caminhar diante o espelho,
o farfalhar de sua saia e sua respiração sendo os sons mais altos daquele lugar. — Por que não
dedica um pouco de sua atenção a mim, agora?
Ele sugere e Margareth sente o nó em sua garganta. Não há realmente uma sugestão ali.
Por sob os cílios, ela ergue o olhar além da máscara para ver se ele a observa, apesar de ser
uma verdade constante de que o homem nunca parara de fazê-lo.
Se ao menos fosse o Sr. Fox...
Porém tal pensamento é incoerente com toda a situação real, tal que ela apenas digere o
desejo no instante em que sente o Sr. Deroy caminhando para perto de si.
— Eu, certamente, dedicarei muito de minha atenção à senhorita — sua voz soou
carregada. — Se meus cinquenta anos ensinaram algo, foi que o corpo de uma mulher tem as
mais belas partes.
Um pânico oriundo de sua voz repousa sobre o corpo dela como uma mortalha. Se ao ouvir
o Sr. Fox dizer indecorosas declarações lhe causava um prazer descomunal, então ouvi-las do Sr.
Deroy tornou-se insustentável.
Ela não conseguiria. Não podia fazer aquilo. Mas Olive precisava...
— Permita-me ajudá-la com os brincos...
Mas, quando ele faz menção de tocar as pérolas em seus lóbulos, Margareth o interrompeu:
— Deixe-me fazer. — A resposta foi abrupta, mas ele não pareceu se importar,
sustentando a palma esquerda aberta do lado de seu pescoço esguio conforme as mãos retiravam
os brincos. Ela os colocou sobre sua palma e fitou seus olhos no espelho; apavorados.
— Ouso dizer que Deus lhe foi muito grato em dar tamanha beleza — comentou, mas
antes que guardasse os brincos para longe, a parte de trás de seu indicador roçou contra a
extensão do pescoço de Margareth, um arrepio gélido estremecendo-a, como se aquele fosse o
fantasma de um toque pavoroso.
No entanto, ao invés de seu corpo gritar para que ela desaparecesse dali, ele a puniu com
memórias, pois seu primeiro pensamento diante o toque do velho não é como aquilo a apavora, e
sim como fora tão diferente do modo como o Sr. Fox fizera.
A mulher sentiu a necessidade de golpear o ar para afastá-lo de sua mente, mas apenas
cerrou os punhos ainda mais, as unhas cravando nas palmas de sua mão. Como poderia estar
sentindo saudades de um cavalheiro que nem ao menos sabe o nome?
Porém não há tempo de pensar em uma resposta, pois o Sr. Deroy já retornou, e suas mãos
estão tocando com todo o seu bel-prazer as curvas do corpo de Margareth, deliciando-se com seu
aroma sutil, com o modo que o corselete lhe restringe a cintura e como seus seios saltam aos
olhos.
As mãos dele são certamente habilidosas e sabem como desprender os laços de renda do
corselete, que estala e cai sobre o tapete em um baque surdo conforme os seios dela se libertam e
pendem para frente, uma única camada de tecido tampando-os da nudez completa.
Da nudez que ela temia ver naquele espelho.
Mesmo com sua máscara, ela reconhecia seus olhos, pois eram os mesmos que sonharam
com o amor, conquistaram-no e o perderam para a morte, eram os mesmos que imaginaram
como seria sua vida quando finalmente casasse e como os filhos iriam crescer. Ela teria três ou
sete? Números tão distantes que ela sorria toda vez que pensava sobre, inocente.
Todavia, a morte lhe arrebatou tudo, e agora ela sentia as lágrimas pinçando seus olhos
como pequenas agulhas, pois a mulher diante aquele espelho parecia morta.
Era por isso que ela amava tanto estar ao lado do Sr. Fox.
Sim, agora estava mais claro do que nunca. Aquele homem, em todos os seus segredos,
trazia a vida de volta ao seu corpo em níveis que ela nunca sentira. Ele a fazia se sentir completa,
a fazia sentir que, talvez, pudesse resistir a tudo.
E deitar-se com o Sr. Deroy pareceu-lhe renunciar àquela ínfima última esperança.
O velho subiu os dedos desde seu ventre até lhe apanhar um seio, e foi nesse instante que
Margareth deu um passo para frente e afastou suas mãos.
— E-Eu sinto muito, Sr. Deroy...
O homem pareceu perplexo, paralisado.
— Como é?
— E-Eu... — A voz tremia na boca de seu estômago e refletia em seus lábios. — Eu não
posso me deitar com o senhor.
Por entre as luzes das velas, as sombras nos olhos dele, intensificadas pela máscara,
pareceram apagar qualquer brilho em seu rosto. Mas ele gargalhou. Uma risada áspera e cruel
que fez os músculos dela tensionarem-se.
— A senhorita não está falando sério, não é? Só pode ter perdido a razão...
Margareth não soube como responder àquilo, então apenas agachou-se e apanhou seu
corselete, erguendo-se de imediato, apreensiva de encará-lo debaixo.
— Sinto muitíssimo, senhor...
O Sr. Deroy deu um passo para frente.
— Não, minha querida, você ainda não sente.
Ela sentiu a boca secar-se tal qual uma lixa. Nenhum grito escaparia de sua garganta
naquelas condições.
— Senhor...
— Combinamos um preço por esta noite, e eu o pagarei de bom grado.
Ele parou seu caminhar. O ar pareceu materializar-se diante eles, passível de ser cortado.
— Deite-se na cama, Maggie.
Não houve modéstia ou um pedido. Aquela foi uma ordem.
— Senhor.... eu...
— DEITE-SE NA CAMA! — Ele não gritou, mas a força em sua voz fez parecer que sim,
tal que o aperto que deu em seu braço a fez grunhir conforme ele a arremessava sobre as
cobertas.
— Não, Sr. Deroy.... — Ela negava veemente conforme via-o escalando seu corpo, as
mãos adentrando por debaixo de sua saia conforme tentava arrancá-la às pressas.
— Você é minha esta noite, está ouvindo? Minha! Se acha que vale vinte libras, pois agora
não vale nem um xelim com essa medíocre malcriação!
— Não...
— Vamos nos despir e, se for uma boa menina, ainda te dou alguns trocados, está bem? —
A mão dele subiu pelo interior de suas coxas. — Mas só se prometer ficar quietinha...
Então, quando seu indicador encontrou a linha de suas intimidades, Margareth não
conseguiu se controlar.
— NÃO! — E, com toda sua força, ela lhe deu um tapa, arremessando-o para o lado,
assistindo ao modo como seu corpo tombou, abrindo uma brecha para que ela conseguisse
escorregar para fora dos lençóis.
— DIABA! — profanou o homem erguendo-se em um salto. — Vai pagar por isso, vai
pagar por...
Mas sua frase não chegou a ser concluída. Em um relapso de segundo, o homem olhou-se
no espelho, suas feições endurecendo horrorizadas como se o próprio belzebu estivesse atrás
dele.
— Veja o que você me fez...
Margareth já sentiu as lágrimas rolando livremente por seu corpo, as mãos protegendo os
seios e tocando seu pescoço.
— VOCÊ TIROU A MINHA MÁSCARA!
Diante todo o pavor, somente agora ela notava como o adereço estava caído no chão,
inerte, tão diferente do Sr. Deroy, que começava a espumar, o sangue afluindo por debaixo da
pele enquanto a raiva o consumia.
Seus olhos, ela pôde notar, eram mais separados do que o normal, as maçãs do rosto
elevadas e, em uma das sobrancelhas, uma pequena cicatriz, de onde não mais nascia pelo
algum. Nesse instante, Margareth notou cada detalhe que o homem tentava esconder.
— E-Eu... — O balbuciar das palavras foi uma consequência do amedrontar de sua voz. —
Eu sinto muito, senhor...
— Vai sentir mesmo! — Então, o velho debruçou-se para a cama e apanhou sua bengala, o
encrave prateado apontado para o rosto dela. — A senhorita não sabe com quem está lidando.
Dito isso, ele lhe avançou novamente, agarrando-lhe um seio com fervor, uma corrente
dolorosa irradiando pelo lado direito do corpo dela conforme o Sr. Deroy, já sem toda sua
fantasia, erguia sua bengala.
Aquela era sua verdadeira face.
E ele não se importou em desferir o primeiro golpe.

— Se já não o tivesse visto há muitos anos, Sr. Fox, diria que até mesmo há algo que o
aflige.
A voz de Buttercup surgiu ao lado de Mitch, sentado sobre um dos bancos do bar, sua
enorme saia impossibilitando de sentar-se como ele, que, de tão distraído, não percebera sua
aproximação.
— Foi um dia difícil, Butter — respondeu com meio sorriso. — Mas parece-me, então, que
preciso urgentemente melhorar o modo como minhas feições transmitem o que estou pensando.
A mulher riu de forma singela conforme alinhava sua saia.
— Isso poderia ser deveras desastroso — completou ela, olhando-se no espelho por detrás
do balcão, arrumando seu penteado, certificando-se de que as pequeninas contas prateadas não
despencassem. — Tal qual permitir que os clientes saiam pela sala de carteado.
Os nervos estressados de Mitch fizeram com que os músculos de seu rosto repuxassem os
lábios a contragosto.
— Pela sala de carteado? O que quer dizer?
— Lavínia comentou agora há pouco. Ela estava atendendo o Sr. Carroll no cômodo
quando disse que um cavalheiro saiu por lá.
Mitch baixou seu rosto na direção do balcão e o deu um tapa, debruçando-se por cima do
ébano lustroso e apanhando uma garrafa de Brandy, servindo-se de uma dose e sentindo-a
descer, doce e adida, por sua boca.
— O Sr. Farewell ficará deveras decepcionado com nossa administração. — Ele se serviu
de mais uma dose e depois penteou os cabelos para trás, alinhando sua máscara. — Achei que
essa porta já tivesse sido até mesmo cimentada.
— Aparentemente não, senhor.
— E quanto à Srta. Maggie?
Ele notou como os olhos de Buttercup se acenderam.
— Quer que vá chamá-la?
O cenho dele voltou-se a se franzir.
— O que quer dizer por chamá-la?
Buttercup repousou as mãos sobre a cintura.
— Perdão, senhor, acho que não o entendi.
— A Srta. Honey disse-me mais cedo que Maggie não veio ao clube, hoje.
— Isso é impossível. — Um sorriso nervoso dominou a face da mulher. — Ela veio
comigo, senhor.
Então, naquela fração de segundos, o coração de Mitch apertou-se. Num primeiro
momento, o homem julgou aquela sensação como tola, porém assim que as cortinas de veludo se
abriram, ele percebeu que sua preocupação não era descabida.
— Margareth! — gritou pela garota, saltando de seu banco, ouvindo-o cair enquanto as
pernas dela fraquejavam, todo o seu corpo tombando sobre os braços dele antes que tocasse o
chão. — Margareth! Não... não...
O desespero na voz dele era genuíno, pois era difícil de não se apavorar com a quantidade
de sangue que escorria do supercílio da mulher, onde um talho fundo na carne tensionava os
músculos. Os olhos de Margareth estavam fechados, chorando em desespero, e a garota
encolheu-se de imediato ao corpo dele, os braços trêmulos, com hematomas tão escuros que
saltavam descaradamente na pele clara.
— Não... não... — As mãos dele pentearam seus cabelos para trás, e um segundo corte
surgiu em seu rosto, dessa vez em sua bochecha. — Margareth...
Se Mitchell obedecesse ao seu primeiro instinto, ele a teria largado ali e perseguido o
homem que lhe fizera isso até o inferno. Pediria aos homens de Adrian para que quebrassem
cada um de seus dedos, a fim de que nunca mais voltasse a tocar em uma mulher daquela forma.
Mas não havia possibilidade alguma de que ele abandonasse a garota da forma em que
estava. Jamais!
— Vai ficar tudo bem... — falou para a garota, que não conseguia lhe redigir a palavra,
apenas chorar. — Buttercup! — Mitch olhou na direção da mulher, que permaneceu em estado
de choque, as pontas de seus dedos tremendo diante sua boca, incrédula do que estava
acontecendo. — Preciso que cuide de tudo por aqui, está bem?
Um instante depois, Mitch Wolfheart aninhou Margareth em seus braços, envolvendo-a
com seu corpo conforme a erguia. Ela não estava em condições de caminhar e ele jamais
permitiria que ela caísse outra vez.
— Buttercup, é sério — insistiu ele quanto a garota não respondeu. — Preciso que cuide
das coisas por aqui, está bem? Ganhará mais, eu prometo.
A mulher sentiu o coração tremer por entre as batidas e olhou primeiro para Mitch, depois
Margareth encolhida e machucada em seus braços e, por fim, para o corredor de onde ela viera.
— Irei trancar aquele cômodo, também. Talvez... o cavalheiro que tenha saído pelos
fundos tenha a ver com tudo isso.
Mitch sentia em seus ossos que ele certamente tinha.
— Obrigado — murmurou ele, sério, sem sorrisos ou floreios, caminhando apressadamente
na direção da entrada do Oasis, seguindo para a direita, onde sua carruagem estava estacionada.
Lá fora, a chuva caía timidamente, mas foi o bastante para que seu serviçal surgisse com
um guarda-chuva em punho, luvas brancas que abriram a porta para eles.
— Senhor.... — disse abismado com a criatura em seus braços.
— Vamos para casa, James.
— Mas...
— Para casa, James! — vociferou em um comando firme que teria estremecido os céus se
fosse um trovão.
— Sim, senhor.
Então, impulsionando-se para dentro, Mitch tomou cuidado para mantê-la cuidadosamente
em seus braços, o rosto encostado em seu peito, que arfava tão pesadamente que ele temia que a
machucasse mais.
Quando a carruagem começou a se mover, Mitch passou o braço esquerdo dele por
debaixo da cintura dela e puxou-a para cima, uma preocupação exorbitante enlouquecendo sua
mente.
— Margareth... — chamou em um sussurro apreensivo.
Suas lágrimas começaram a secar, mas, em seu semblante, havia apenas dor.
— Margareth, fale comigo... — A garganta arranhava-se a cada palavra. — Sou eu, o Sr.
Fox...
Não. Ele sabia que não poderia continuar com aquilo. Então, com toda a sua coragem e
devoção, Mitchell retirou sua máscara e jogou-a para o outro lado da carruagem, alguns
respingos da chuva brilhando em seu cabelo, que sacudia conforme as rodas passavam pelas
pequenas poças na rua, os pequenos pingos apostando corridas imaginárias nas janelas.
— Meu nome é Mitchell. Mitchell Wolfheart.
Aquilo soou apenas real quando realmente escapou de seus lábios. Não havia mais volta.
— Eu estou aqui, com você. — Instintivamente, ele baixou seus lábios na direção da testa
dela e lhe deu um beijo fugaz.
— Obrigada...
Ouvir a voz dela fez o coração dele pular uma batida. Se não estivesse tão atento à mulher,
jamais teria notado suas palavras, tão baixas que não poderiam nem ao menos ser chamadas de
sussurro.
— Não, não.... não tem o que agradecer...
— Mitch... — Seus lábios chamaram por ele em um choramingar que quebrou seu coração.
— Eu... eu não consigo...
Ele franziu o cenho.
— O que não consegue?
— Não... não posso continuar...
As mãos dela apertaram-se contra as vestes dele, os dedos acumulando dois botões de uma
só vez.
— O que houve? — perguntou. — Quem fez isso com você?
E a frase fez com que um relapso de memória a assustasse. A bengala descendo contra suas
costelas. A prata desprendendo-se da madeira quando lhe atingiu o rosto. Os chutes. Os socos.
Tudo se acumulou dentro dela e Margareth puxou as pernas na altura dos seios, tornando-se
ainda menor, encolhida nos próprios ombros.
— Eu... eu quero ir para casa... — disse ela sem lhe responder as perguntas, a voz abafada
contra seu peito. — Meu filho...
— Não posso deixá-la ir, Margareth. — A negativa pesou-lhe a mente. — Não assim.
Precisa de um médico.
Doutor Hopps. O homem inundou sua mente novamente e ela chorou por Olive. Sentia que
havia falhado com ele. Que havia falhado com sua versão mais nova e sonhadora. Que estava
falhando, naquele instante, com Mitchell Wolfheart, o bastante para que não tivesse nem sequer
ressaltado o quanto seu nome era lindo e o quanto sentia-se agradecida por ver que ele confiava
nela a tal ponto de revelar quem era.
Mas as forças em seu corpo haviam se exaurido.
— Meu filho...
— Ordenarei que o busquem — decidiu ele sem abertura para objeções. — Há camas
quentes e comida para ambos em minha casa. Nada irá lhes faltar.
E aquilo fez novas lágrimas saltarem por seus olhos.
— Não... não tenho como agradecer, Sr. Mitchell...
— Não há o que agradecer — reforçou. — Vou cuidar de vocês, Margareth... isso é uma
promessa.
— Uma promessa prometida?
A frase o fez estreitar seus olhos. A dor fazia-a não pensar direito.
— Uma promessa prometida — garantiu-lhe com carinho.
Olhando-a ali, tão machucada e frágil conforme a carruagem já se aproximava do destino,
ele notou – antes de qualquer coisa – como seus traços eram devastadoramente lindos, e o quanto
aquela beleza encobrira, aos olhos de tolos, toda a sua força.
— Está confortável assim? — perguntou hesitante, temendo que ela se sentisse
desconfortável por estar debruçada sobre seu colo. — Não está te machucando?
— Eu... sinto dor — admitiu com um pequeno grunhido.
— Eu estou lhe machucando, agora? Já estamos chegando....
A carruagem virou à direita, as patas do cavalo estalando nos cascalhos e os postes de luz
rasgando a escuridão da rua.
— Sr. Mitch...? — chamou por ele quando a carruagem finalmente parou, seus dedos
segurando-o de tal forma que parecia improvável que o largassem. Não poderiam. O Sr.
Wolfheart, naquele instante, provou-se, mais uma vez, sua ínfima esperança.
— Sim?
— Eu... estou sentindo sono...
Uma sensação estranhamente protetora – embora já devesse ter se tornado familiar em
relação a ela – acometeu o peito dele.
— Fique acordada apenas mais alguns minutos, a levarei aos seus aposentos e poderá
descansar...
Ela ressonou por um instante, os olhos fechados e uma última lágrima escorrendo por sua
bochecha.
— Não... sei se consigo...
Era verdade, Mitch não poderia negar, seu corpo parecia sonolento e as feridas esgotaram
toda a sua energia.
— Confia-me teus sonhos, senhorita? Confia que a protegerei? — perguntou por fim.
Queria ouvi-la permitir que a carregasse mesmo que dormisse.
— Confio.
Então, o cocheiro abriu a porta para eles, o guarda-chuva criando uma coluna seca em
meio aos pingos gelados que tamborilavam com mais intensidade, e os guiou até o pórtico.
Naquele instante, a vida dos irmãos Wolfheart estava prestes a mudar, e o coração de Mitchell já
não mais lhe pertencia.
Tudo o que importava, agora e para sempre, era protegê-la.
Então, ele a levou para dentro em seus braços.
Capítulo X

Dor deveria ser um termo irrevogavelmente simplório. Quando se faz um corte na palma
da mão com a tesoura, quando ao correr pela rua se cai no cascalho e esfola a pele, e até quando
se está a costurar algo e a agulha perfura a carne; são em momentos assim que as pessoas
chamam de dolorosos.
Todavia, então, como poderiam utilizar-se do mesmo termo para o momento em que seu
coração é partido em minúsculos fragmentos? Como ousam descrever a sensação de perder toda
a esperança em um termo advindo de três letras? Situações tão diferentes não deveriam ser
meramente definidas por uma única palavra.
Por um único sentimento.
Porém, talvez isso se deva a um fato ainda mais simples: palavras, em sua nada humilde
essência, são a forma mais pura de transmitir um sentimento.
E um sentimento pode conter-se em três letras na superfície, mas sua profundidade
alcançaria léguas infinitas.
Justamente por isso Margareth sentia-se incapaz de continuar lutando sozinha. A pressão
de toda essa profundidade esmagava seus ossos e o coração apertava-se de forma sufocante.
— Querida?
Os olhos dela tinham dificuldade em enxergar em meio a vastidão branca daquele curioso
lugar, mas os ouvidos não tiveram dúvidas a quem aquela voz pertencia.
— John...
Ela olhou por sobre o ombro e girou nos calcanhares apenas para fitá-lo ali, em um terno
branco, os olhos cerúleos como o céu e um sorriso tão doce que a fez correr até ele. As pernas
não doeram, o rosto não se machucou, e a mulher permitiu-se mergulhar em seu abraço,
sentindo-o ali, quente, como sempre fora, a mão direita lhe tomando os cabelos enquanto ria.
— Você não mudou nada, hein, minha pérola.[1]
Ouvi-lo e sentir seu respirar era incrível. Ela sabia que estava sonhando, mas, por um
momento, permitiu-se desfrutar de sensações tão reais.
— Ei, não chore. — John lhe tocou o queixo e ergueu seu rosto, vendo-a dar um passo para
trás. — Já chorou por demais, e me parte o coração vê-la assim.
Ela sorriu, os lábios trêmulos e os olhos tentando interromper as lágrimas.
— E meu coração se partiu quando lhe perdi — admitiu por entre um fungar, a mão dele
contornando seu rosto.
— Sei disso, pérola, e peço desculpas por isso.
Margareth deixou uma risada escapar de sua garganta, respirando fundo.
— Não há por que pedir desculpas, John... você em nada tinha poder sobre isso.
— Mas se eu tivesse ficado em casa, contigo, naquele dia...
Margareth levou o indicador aos lábios dele. Não era educado e nada sutil, mas não queria
ouvi-lo culpando-se pelo seu adoecer.
— Tínhamos um sonho.
— Eu tinha um sonho — falou conforme os dedos dela repousavam sobre seu maxilar.
— Que se tornou nosso no instante que me casei com o senhor.
— Mas era tanta... ganância, perolazinha...
— Você queria nos dar o melhor...
— E lhes terminei com nada — resmungou baixando o olhar, tristonho.
Margareth lembrava-se de todas as vezes em que lhe negaram um empréstimo para sua
empreitada de franquia de sapateiros.; o rosto ficava abatido, os olhos sem brilho, o cabelo suado
por debaixo da cartola surrada e os pés arrastando-se pelo corredor do apartamento no subúrbio.
Só havia duas coisas que lhe faziam sorrir, nesses momentos: um abraço de Olive em suas
pernas, que quase o desequilibrava, e os lábios de Margareth contra o seus.
Foi exatamente isso que ela fez, então, impulsionando seu corpo para cima, vagarosamente
tocando seus lábios, sentindo seu gosto salgado que há tantos dias lhe fora negado pela vida.
— Você nos deu tudo, John — afirmou assim que se afastou. — Você me deu tudo.
O homem forçou um sorriso e uma pequena covinha surgiu no lado direito de seu rosto.
Margareth já havia esquecido daquele detalhe, mas voltou-se a se encantar quando o notou.
— Eu nunca cumpri com minha promessa.
Ela franziu o cenho.
— Que promessa, querido?
O homem umedeceu os lábios e baixou a mão dela de seu rosto.
— Eu lhe prometi, no dia que a deixei junto a Olive e parti para Londres, que, quando
voltasse, iríamos dar uma de nossas voltas românticas pelo Preston Park.
O rosto dele esquentou por um instante quando notou-o indo para o lado de seu corpo, o
braço esquerdo lhe estendido como um grã-fino que ele amava imitar.
— Milady — chamou-a com uma risada.
— Milorde — respondeu com uma mesura da cabeça, os cabelos lhe caindo por sobre os
ombros conforme repousava a mão delicadamente sobre o braço dele.
Maldição, aquilo realmente estava surtindo efeito em seu corpo. O coração pesou menos e
os olhos pareceram, finalmente, enxergar um pouco mais por entre a vastidão branca.
— É aqui que estamos, então? Preston Park?
— De fato — anuiu olhando para um horizonte ainda incerto a ela. — Não reconhece as
sebes e pérgolas?
Sim. Agora elas as via, porém sem seus tons verdejantes, ou a vida que o vento parecia
trazer às flores e as folhas em seu movimento. A vista ainda era linda, só não era real, e aquilo
fez o cenho dela condensar-se por um instante.
— Não quero que fique triste por perceber que tudo é um sonho, Margareth.
— Não é... tristeza. — A pequena pausa permitiu-lhe correr os olhos por cada canto,
procurando pelo que lhe incomodava. — É só que... não há cor, aqui. Não há vida.
John sorriu e meneou a cabeça.
— Sempre foi esperta em notar além dos detalhes, não? — O comentário escapou
melancólico por seus lábios.
— O que quer dizer?
— Está certa, querida, não há vida aqui, porque foi onde nossa história começou, e onde
ela está por terminar.
Aquilo a fez diminuir o ritmo de seus passos, os cílios agitados e a mente confusa, o cenho
franzindo tentando negar a resposta mais lógica que ela já tinha em sua mente. Mas ela queria ter
certeza do que pensava, tal que perguntou:
— John... eu vou morrer?
O homem engoliu em seco e seu pomo de adão subiu e desceu por seu pescoço.
— E-eu... — A voz gaguejou por entre os lábios dela, o braço desenganchando do dele. —
Eu não posso morrer agora, John!
— Ei, ei... — Sutilmente, os braços dele voltaram a abraçá-la, protegendo-a de seus
próprios medos; os mais difíceis de se combater. — Não será agora que irá morrer, querida.
Os olhos dela fecharam-se com força e ela já conseguia sentir o gosto das novas lágrimas
que ameaçaram subir aos olhos. Porém Margareth as segurou.
— Então o que quer dizer com está por terminar?
Dessa vez, foi ele quem precisou respirar fundo, passando a mão contra seus cabelos
castanhos e agitando os cílios, os olhos marejados.
— Porque a nossa história termina aqui.
Ela já sabia disso. É claro. Se aquele era um sonho, então tudo era fruto de sua mente, e
aquele era o ponto decisivo em que, se quisesse continuar a lutar por ela e Olive, teria de deixar
as memórias do passado para que pudesse viver os momentos seguintes.
Não se vive do passado.
Assim como não se cura a dor sem colocá-la em palavras.
— Nunca esquecerá o quanto eu te amo, não é?
— Jamais.
Então eles ficaram ali por segundos infinitos, um momento feliz e triste, em uma antítese
perfeitamente confortável, pois Margareth precisava de uma despedida.
— John?
Quando a ouviu chamar por ele, sua voz contra seu peito, ele inclinou sua cabeça contra a
curva do pescoço da mulher, enlaçando sua cintura.
— Sim, Margareth?
— Eu não irei mais vê-lo?
— É claro que irá.
Ela sente um leve alívio, mas há uma ponta de incerteza no fundo de sua mente, que
implicou na pergunta seguinte de John:
— Mas compreendo sua dúvida, diante um coração dividido.
Margareth sentiu as sobrancelhas se alinharem e um sorriso tímido surgiu em seu rosto
conforme movia o rosto em concordância.
— Você o ama, Margareth.
Ela não precisou que ele dissesse o nome de Mitch para saber de quem se tratava.
— Se eu lhe disser que não...
John sorriu.
— Saberei o quanto ainda é uma péssima mentirosa.
Margareth deixou uma risada escapar e as bochechas coraram conforme baixava os olhos,
porém ele a fez erguê-los novamente, tocando em sua nuca, puxando-a para um beijo no alto de
sua testa, lábios delicados que apreciaram a pele quente.
— Não há nada de errado em amar outro homem, querida — sibilou apenas para ela, como
se houvesse outras pessoas naquele parque, caminhantes que não tinham o direito de ouvi-los em
confissões tão íntimas.
— Contudo eu ainda o amo, John...
— E eu jamais contestaria isso — assegurou com o olhar firme. — Jamais! — O homem
abaixou seu rosto até a altura do dela, as mãos repousando em seus ombros com carinho e um
meio sorriso exibido em seus lábios. — Porém já passou da hora de você se permitir viver
novamente.
Ela respirou fundo, permitindo que ele continuasse:
— Por que acha que, até esse instante, não se alarmou a respeito de Olive?
Os olhos dela se arregalaram. O garoto não havia passado por sua mente de forma clara até
que seu nome fosse dito. John explicou a razão disso:
— É porque sabe que Mitch cumpriu com a promessa que lhe fez.
E ouvi-lo dizer o nome verdadeiro do Sr. Fox fez um arrepio percorrer a coluna dela, seus
dentes mordiscaram o lábio inferior e os dedos fechando-se em nervosismo.
— Então... a promessa na carruagem... o carregar-me no colo... tudo foi real?
— Tudo era genuíno, Margareth. — John voltou a oferecer-lhe o braço e ambos se
colocaram a caminhar uma última vez. — Assim como seu amor por ele, que já se misturou aos
domínios de uma paixão.
Ela sentiu quando o braço dele abaixou, pois sua mão seguiu o movimento, os dedos se
entrelaçando um ao outro.
— Tem de acordar agora, perolazinha.
Margareth fechou os olhos e respirou fundo, reabrindo os olhos e relanceando o seu
arredor.
— Não... não podemos ficar mais um pouco? — Sua voz saiu trôpega. — Não quero lhe
perder, já...
Com todo o carinho, John ergueu seus dedos e penteou uma mexa do cabelo dela para
detrás de sua orelha.
— Não seja tola. Pertenço-me inteiramente a ti.
Os olhos dele, apesar de serenos, pareceram estudar cada detalhe das feições dela com uma
atenção milimétrica, assim como ela o fazia. Pareceu, naquele instante eterno, que nem
Margareth ou John tiveram a oportunidade, em vida, de olharem-se por tempo o suficiente.
— Cuide bem do nosso garoto, está bem? — Seu toque era macio, mas, de alguma forma,
pareceu distante, como se seus dedos não mais fossem firmes o bastante para serem reais.
— Sempre.
— Eu tenho tanto orgulho de você, querida. — Um sorriso apareceu em seu rosto. — Foi a
melhor mulher que eu poderia ter pedido aos Céus.
Ela não conseguiu evitar a risada, que escapou baixa pela melancolia que se misturava em
seus nuances.
— Foi isso que pediu a Deus?
— Foi — admitiu um tanto embaraçado. — Mas... ultimamente? Meu pedido tem sido
outro.
— Deixe-me adivinhar, não me contará qual é?
Um sorriso travesso e charmoso, que apenas John parecera ter, surgiu diante dela e
aqueceu seu coração.
— Não é necessário.
John tocou-lhe o queixo e terminou:
— A senhorita já sabe muito bem qual é.
E, com um beijo singelo, ele selou aquele instante.
Capítulo XI

Ela queria que pudesse guardar os resquícios daquele sonho, daquele beijo, daquele abraço,
mas quanto mais seus cílios se agitavam e desembaçavam a visão, mais o sonho de Margareth se
distanciava.
E o fato de sua mente latejar não ajudava em nada. Na verdade, parecia que alguém havia
lhe acertado a cabeça com algo duro o bastante para pulsar em dor no dia seguinte. Mas isso foi o
que realmente aconteceu, é claro, e por isso ela levou alguns segundos para realmente tentar se
mover.
Cegando-se por um breve momento, uma faixa de luz do dia claro banhou seu rosto antes
de desaparecer. Depois retornou. Margareth franziu o cenho até notar que aquilo adivinha de
uma cortina aberta no seu lado direito, sacudindo ao vento.
Mesmo sem realmente estar desperta, sua audição parecia funcionar normalmente, sinal de
que, apesar das inúmeras investidas furiosamente violentas do cavalheiro da noite passada, a pior
de suas consequências seria aquela dor constante durante o dia.
Tudo bem. Margareth conseguia conviver com isso.
Se a dor de um parto já havia sido sentida, aquela seria meramente tolerável.
Por um instante, as vozes pareceram abafadas, como se ditas através de um travesseiro,
como aquele onde sua cabeça repousava, até que assumiram seu tom correto, firme.
— O suco lhe está de bom grado?
Era o Sr. Fox. Ou melhor, Mitch. Mesmo sem vê-lo, sabia que era ele, pois apenas sua voz
era capaz de amaciar seu corpo em uma única frase que nem ao menos lhe fora dirigida.
Mas, então com quem ele falava?
— Aham! — respondeu uma voz mais fina. — Obrigado, Sr. Wolfheart.
Olive. A mulher sorriu e os olhos umedeceram. John tinha razão: ela sabia que ele
cumpriria a promessa, e ali estava ele, sentado em frente a seu filho, conversando como um
cavalheiro, a postura impecável e os cabelos penteados à escovinha, a barba por fazer, refletida
parcialmente no espelho quase fechado da penteadeira ao seu lado.
— É muito educado, Sr. Howells, devo ressaltar — comentou carinhosamente. — Acredito
que deva isso aos cuidados de sua mãe.
Margareth poderia ter levantado. Seria o mais decente a se fazer, porém uma pontada de
curiosidade a fez permanecer quieta. Há algo honestamente libertador em ouvir alguém falar
sobre ti sem saber de sua presença, seja isso bom ou ruim.
Ela não tinha dúvidas de que seria o primeiro caso, no entanto ainda mordeu o lábio
inferior quando os ouviu o menino responder:
— Ela é legal.
— Legal?
— Aham.
Margareth sorriu com os lábios colados.
— Eu diria que vossa mãe é muito mais do que legal, sabia?
Ela ouviu o filho sorver o suco.
— Por quê?
Uma nova mordida em seu lábio. O coração dela bateu mais forte e as costelas reclamaram
em dor por isso.
— Porque... — A hesitação em completar a frase fez a mente dela percorrer as mil
possibilidades. — ... o adjetivo correto seria incrível. Ela é uma mulher incrível.
— Aaaaa... — Ele voltou a sorver a bebida. Ela teria de ensiná-lo que não deveria fazer
barulhos quando bebe algo, porém antes que sua mente focasse nisso, o garotinho prosseguiu,
surpreendendo-a: — Sr. Wolfheart...
— Sim?
O menino hesitou alguns segundos e, então, disparou de uma vez:
— O senhor é rico?
Os olhos de Margareth se arregalaram com a falta de sutileza. Ela soube que não poderia
mais manter sua presença em segredo.

Levar Margareth Mae para sua casa foi talvez a única decisão precipitada que Mitchell
Wolfheart tomou em toda a sua vida.
Ele não era desse tipo de homem. Não era impulsivo, gostava de analisar o que poderia ser
feito e tomar a decisão mais prudente, afinal, bancos não nascem baseados em sorte, mas em
contas e estratégias.
Porém, quando se tratava daquela mulher, parecia que qualquer racionalidade lhe perdia o
sentido e seu coração o guiava. Por isso gritou com o Sr. Jones na noite anterior. Por isso levou-a
nos braços até o quarto menos utilizado da casa, onde seus irmãos não a veriam. E, pelo mesmo
motivo, agora ele fitava os olhos inquietamente curiosos de Olive Howells, que lhe fizera a
pergunta mais direta de toda a sua vida.
— Se eu sou rico? — questionou com um ar risonho. — Por que gostaria de saber sobre
isso?
— Porque o Knight Circus está na cidade, no píer, e a minha escola fará um passeio até lá,
porém a mamãe me disse que era muito caro para eu ir.
O semblante dele pesou. Lembrava-se ainda de como era duro ter de ouvir “não” de quem
mais amamos a respeito de algo que queremos com todas as nossas forças. Seu coração
simpatizou com o menino, tal que, estreitando os olhos, ele continuou:
— Ela disse isso mesmo?
— Foi... — admitiu cabisbaixo antes dos olhos se iluminarem. — Mas o senhor só pode ser
rico! E, se for, poderia pagar para mim! — Sua fala não se dava conta da imprudência daquela
resposta.
— Olive, onde é que estão seus modos?
A voz de Margareth por entre um grunhido fez Mitch dar um salto de sua cadeira,
alinhando suas vestes e fitando nos calcanhares de imediato para vê-la. Seu rosto estava
machucado, mas o corte no supercílio parecia melhor agora sem todo aquele sangue seco, e havia
cor em suas bochechas, bem diferente da palidez com que chegara. Talvez, o principal remédio
para ela fosse uma boa noite de descanso.
— Margareth! — Ele deixou escapar por entre os lábios, pigarreando logo em seguida. —
Quer dizer, Srta. Howells — corrigiu-se. — Não tem ideia de como é bom vê-la desperta.
Com movimentos excruciantemente cuidadosos, Margareth ergueu-se nos travesseiros, o
garotinho abandonando seu suco sobre a banqueta em que estava sentado e correndo até ela,
pulando em seus braços, abraçando-a e aninhando sua cabeça entre seus seios.
— Ei, mas o que é toda essa saudade? — perguntou tão curiosa quanto ele diante à reação.
— Ele disse que você ia morrer!
O rosto de Mitch esquentou e as orelhas pegaram fogo quando os olhos de Margareth
cruzaram com os dele.
— Como é?
Um nó difícil de desatar surgiu na garganta dele, e Mitch precisou de muita vontade para
fazê-lo descer.
— Eu chamei um médico para ver como você estava, senhorita — explicou seletivo,
analisando quais palavras deveriam usar. — E ele disse que seu corpo estava muito frágil, que
precisava de descanso se quisesse melhorar, mas que... se você não acordasse em quarenta e oito
horas...
— Você iria morrer! — interrompeu o menino com lágrimas brotando em seus olhos. Se
há pouco ele estava satisfeito com seu suco, agora parecia desolado. — Você iria junto com o
papai e eu ia ficar sozinho...
Mitch sentiu o coração pesar e baixou o olhar em respeito a ambos.
— Ei, não diga coisas assim, certo? — Ela limpou as lágrimas com os polegares. — Eu lhe
fiz uma promessa de que sempre voltaria. E o que foi que eu fiz?
O menino não respondeu, apertando os olhos com as costas das mãos.
— O que foi que eu fiz, Olive? — insistiu ela com o erguer das sobrancelhas.
— Você voltou...
— Eu voltei. — Ela sorriu. Mitch não conseguia entender como alguém podia ter um
sorriso tão lindo. — Eu vou sempre voltar, querido. — Então Margareth lhe deu um beijo na
bochecha. — Mas isso não significa que não ouvi sua falta de modos para com o Sr. Wolfheart.
Os olhos dele voltaram a se erguer, um sorriso nos lábios colados. Ela não esqueceu seu
sobrenome.
— Imagine, senhorita, não foi nada.
— Ele perguntou se o senhor era rico, Sr. Wolfheart.
— Algo que, no caso, eu sou.
Ela lhe ergueu uma sobrancelha. Estava desaprovando o comentário? Um ímpeto de
nervosismo atingiu seu corpo.
— De qualquer maneira, não saímos por aí pedindo por dinheiro, Olive, isso é errado —
ressaltou segurando as pequenas mãos do menino. — A mamãe está... cansada... — Ele notou
como aquele adjetivo substituiu o temor machucada, pois os hematomas em seus braços eram
doloridos de se ver, mas ela não queria alarmá-lo. — O Sr. Wolfheart é um amigo...
O termo deve ter soado estranho aos ouvidos dela, também, pois seus olhos cruzaram-se
rapidamente antes de Margareth terminar:
— E ele está nos ajudando. Devemos ser educados, está bem?
Olive anuiu rapidamente, frenético.
— Então, peça desculpas.
— Senhorita...
Mas Margareth não deu espaço a Mitch, silenciando-se com a mão erguida sutilmente.
— Peça desculpas, Olive.
— Desculpe-me, Sr. Wolfheart.
— Obrigado, Olive — agradeceu um tanto surpreso com o modo como Margareth o deteve
por um instante. — Pode terminar de tomar seu suco, se quiser.
O menino aceitou a sugestão, passando por Mitch enquanto ele caminhava na direção da
cama em que ela estava.
— Precisamos conversar — falou, lendo nos olhos dela que ela pensara o mesmo.
— Não quero que ele ouça nada.
Mitch fitou por sobre o ombro o modo como ele bebia o suco e sacudia as pernas na
banqueta mais uma vez.
— Posso pedir que minha criada o leve para comer algo. Pensei em levá-lo propriamente à
sala de jantar e tomar o desjejum, mas... ele não queria sair do seu lado.
Ela inspirou profundamente e ele mordeu o interior da bochecha quando notou-a
analisando o quarto, olhos rápidos que olharam além dele. Por mais que Mitch, desejasse que ela
não chegasse a uma certa conclusão, os lábios de Margareth disseram que ela já a havia
formulado:
— Pelo visto, o senhor também não saiu do meu lado.
O homem nem precisou olhar para trás para saber que o fato de ele estar apenas de colete e
camisa, e seu terno estar pendurado sobre a cadeira, levaram-na àquela observação.
— Eu não conseguiria. Não até vê-la acordar — admitiu diante a imensidão de azul e cinza
que eram os olhos de Margareth.
— Então não chegou a descansar?
Ele não precisou responder.
— Vou chamar pela Sra. Laurel.
Em alguns minutos, uma mulher de rosto simpático e poucas rugas apareceu, babetes tão
altos que alcançavam seu maxilar conforme ela, sorridente, apanhava a mão de Olive, o qual não
esqueceu de olhar para trás e dar um pequeno tchau à sua mãe.
Como Mitch já havia previamente constatado: ele era deveras um bom menino.
— Sei que o senhor... irá certamente dizer que se faz desnecessário, mas eu não posso
deixar de me desculpar por tudo isso.
Mitch sentou-se na beirada da cama, seus dedos tão próximos dos dela, quase na iminência
de um toque, porém ele não chegou a fazê-lo.
— Eu é que deveria fazê-lo, Margareth. — Seus olhos lhe eram sinceros. — A senhorita
foi atacada em meu clube...
— Eu me neguei a fazer um serviço.
— Isso não justifica.
— Mas o cavalheiro estava lá para isso, eu é que...
— Está tentando justificar o injustificável, Margareth! — protestou ele cerrando os punhos
na cama. — Não quero que pense sobre isso como se fosse culpa sua. Foi minha má
administração e a de meus irmãos que permitiu que um homem tão inescrupuloso entrasse no
clube.
— Então... vocês todos são irmãos?
Os lábios de Mitch tremeram por um segundo.
— Por que é tão fácil contar as coisas à senhorita?
Margareth baixou os olhos e um sorriso acanhado surgiu em suas feições.
— Desculpe, foi um comentário inconveniente... eu nem deveria saber quem os senhores
são. Não deveria estar aqui...
— Está se preocupando com as coisas erradas — resmungou com um olhar sério. — Quero
que pense apenas em você, agora, está bem? O que está sentindo?
A voz dele soou intensa, mas não tanto quanto Mitch desejava. No fundo, podia-se notar
— e ele teve certeza de que ela o fizera — que havia uma preocupação curiosa.
— Sinto dor.
— Onde?
— Se eu disser em tudo, seria exagero? — brincou com um franzir do cenho. — Mas...
principalmente em minha cabeça, onde a bengala se partiu...
O comentário fez o maxilar dele endurecer e a vontade de surrar o cretino contra cascalho
quente apenas aumentou dentro de si.
— O médico nos passou receitas a serem levadas a um boticário. Já mandei prepararem, irá
auxiliar na dor.
Então, naquele instante, um brilho diferente surgiu no olhar dela e as sobrancelhas se
ergueram num salto.
— O que foi? — questionou ele tão preocupado.
— A pergunta talvez lhe soe estranha, Sr. Wolfheart, mas... ouviu Olive tossir durante a
noite? Ele acordou alguma vez?
De fato, aquilo não soou tão comum a ele.
— Na verdade, não, senhorita — negou e um alívio acometeu o peito de Margareth. — Por
que a pergunta?
— Para sentir um pouco de conforto — admitiu levando os dedos até o peito, que subia
lentamente com a respiração calma. — Temia que Olive... pudesse estar doente, mas deve ter
sido apenas um caso isolado de tosse.
Porém, mesmo com a explicação, ainda havia tensão no rosto dele, tal qual as palavras que
escaparam dos lábios de Mitch:
— Foi por isso que foi ao Pleasure Hall, não foi?
Margareth encolheu seus ombros.
— Precisava pagar por um elixir...
Com um respirar profundo, ela admitiu em um sopro de ar:
— É muito perspicaz, Sr. Wolfheart.
— Mitch.
Os olhos dela se abriram inda mais.
— Pode chamar-me de Mitch.
— Mitch — repetiu ela como se testasse o nome em sua boca.
Em um pensamento inoportuno, ele desejou que, assim que ela estivesse mais disposta, ele
pudesse voltar a testar seus lábios, seu corpo, cada parte dele...
— Quem trocou minhas roupas?
Seus pensamentos foram interrompidos pela pergunta repentina. O coração dele quase
saltou em sua garganta ao vê-la encarando-o, duvidosa, um brilho curioso no olhar que o fez
sentir um arrepio dentro de suas calças e um calor em sua nuca.
— Pedi a uma de minhas criadas que fizesse isso — explicou como um meio de aliviar o
ar, o qual subitamente materializou-se entre eles. — Eu... eu não a toquei depois que a deixei na
cama, isso lhe garanto.
A necessidade dele de afirmar isso a fez sorrir. Margareth não tinha dúvidas de que ele
jamais a desonraria de tal maneira ou tiraria proveito de qualquer situação. Mitch era um
cavalheiro, e a mulher esperava que, mesmo que fosse um, não amenizasse a verdade quando ela
perguntou:
— Diga-me, quão mal estou?
— O bastante para me preocupar.
Aquilo a fez rir contra o travesseiro, uma pontada de dor detendo-a, os cabelos castanhos
caindo por detrás das costas.
— Isso não me diz muito, já que desconfio que o senhor preocupar-se-ia se eu meramente
me espetasse com uma agulha.
Ele inclinou o rosto para o lado, o mínimo para se mostrar intrigado diante a resposta.
— Está zombando de mim, senhorita?
As bochechas dela, ainda que doloridas, subiram com o sorriso.
— Não.
— Mentira.
— Não estou mentindo.
— Por Deus, como é uma péssima mentirosa! — A voz dele e a risada dela foram o
bastante para o mais velho dos Wolfheart descansasse seu coração.
A noite passada foi um momento de trevas, mas a luz que irradiava de Margareth já parecia
as estar destruindo.
E foi essa mesma luz que irradiou o rosto dele, as cortinas dançantes conforme os ventos
frios intensificavam-se. O outono em breve findar-se-ia e o inverno teria seu início, mas a única
coisa que ele conseguia focar era nela, e no quanto desejava que estivesse ao seu lado em alguma
noite gélida, aquecendo-se ao lado da lareira, tomando uma longa xícara de chá.
— Parece divagar, Sr. Wolfheart — ressaltou ela com o apertar dos olhos.
— Já disse que pode chamar-me por Mitch — relembrou com o erguer de uma
sobrancelha, quase uma sutil reprimenda. — E... não estou a divagar...
— Tem certeza de que eu sou a péssima mentirosa?
Os olhos dele arderam, provocativos, na direção da mulher.
— Eu só... — Primeiro, ele fitou a frente do quarto, a penteadeira e a banqueta de Olive,
depois voltou-se para ela. — Não entendo por que não veio até mim para pedir por ajuda.
Margareth franziu o cenho.
— Como assim?
— Precisava de uma determinada quantia para um remédio para seu filho, bastava me
pedir.
— Eu fui contratada para atender aos cavalheiros, Mitch, não para pedir esmolas a eles. Eu
detestaria fazê-lo.
— Não seria pedir esmolas.
— Então o que seria? — O tom dela escapou amargo. — Não estava lá para ser qualquer
fardo ao senhor, mas... — Margareth baixou os olhos e mordeu o lábio. — Admito que aguardei
por sua presença.
O semblante dele iluminou-se.
— Aguardava por mim?
— Sim. Todas as noites. Porém... não havia anfitrião algum, ontem, o que estranhei...
acabei por achar que o senhor não viria.
Ele ficou instantaneamente quieto.
— Estive com um de meus irmãos, na verdade... e é sobre eles que eu gostaria de
conversar.
Mas eles não tiveram a oportunidade. No andar debaixo, a voz de Adrian Wolfheart surgiu:
— OS DOIS DIABOS WOLFHEART DESÇAM AQUI, AGORA!
Mitch sabia que aquilo era um mau começo.
Capítulo XII

— Por que raios há uma criança na nossa casa!?


A pergunta não poderia ter tensionado mais o coração de Margareth, ainda que não visse o
dono daquela voz, podia notar o descontentamento e a tensão no rosto de Mitch, que a ajudava a
descer os degraus lentamente.
Por mais que a mente dela devesse pensar apenas em Olive, em uma fração de segundo ela
não pôde deixar de notar o quão impressionante era o fato de ele a ter carregado escada acima na
noite passada...
— Eu... — A voz dele trouxe-a de volta para a realidade, afastando de seu divagar. — Eu
não quero que mantenha essa primeira impressão de meu irmão, está bem?
Uma pequena ruga surgiu no rosto dela quando franziu o cenho.
— Não acho que ele vá apreciar minha companhia, de qualquer maneira — admitiu um
tanto nervosa. — Só... estou preocupada com Olive.
Ele ergueu uma sobrancelha e ela prosseguiu:
— A não ser que o senhor tenha o hábito de trazer crianças para casa, o que suponho que
não pela reação de vosso irmão, creio que Olive seja a causa desse escarcéu. E eu também...
Os olhos de Mitch cintilaram por um instante.
— Sempre teve comentários tão pontuais, senhorita, ou os resguardava de mim?
Margareth sorriu com os lábios colados. Queria ser agradável, obviamente, mas sua boca
secava diante toda a situação em que estava se metendo. Onde, em sua vida, imaginou-se sozinha
na casa de um homem, totalmente desacompanhada? Como poderia estar ali, com seu filho, indo
ser apresentada com os ânimos a flor da pele?
— Por favor, diga-me que este garoto não é seu — pediu na outra sala, o que fez
Margareth supor que o segundo irmão de Mitch havia chegado, de alguma forma antes deles.
— Obviamente que não — retrucou. — É seu?
— Só cale a boca! — O tom desgostoso da primeira voz acelerava o coração de Margareth.
Mitch estava tão tenso quanto ela, eles não conseguiam alcançar o pórtico, assistindo aos
outros dois homens apenas por suas sombras, esguias sobre o piso frio.
— Pronta para uma discussão em família, Srta. Howells?
Apesar de ele ter terminado com seu sobrenome, Margareth sabia que a pergunta servia
também a Mitch.
— Quando o senhor estiver — respondeu aconchegando seu braço contra o dele.
E o primeiro passo foi o mais difícil de dar.

Havia uma regra clara entre os Wolfheart: não há segredos em família.


Mas Margareth estar ali era um segredo, se não, por que a teria colocado no quarto mais
distante? Por que não teria dito a Damian, quando retornou para casa na noite passada, a respeito
dela?
Então, a reação de Adrian era compreensível, ainda mais por ter cruzado com Olive por um
acaso do destino, o garotinho tímido agarrado à saia da Sra. Laurel até o instante em que
entraram, quando correu para perto de Margareth e guiou os olhos de todos ali até eles.
Foi como se uma faca entrasse por entre as costelas dele e lhe tirassem o ar.
— Pelo amor de Deus, Mitch... — Os olhos de Adrian estavam tensos, pragmáticos,
condensados na figura de Margareth ao seu lado, acanhada e segurando o braço de seu irmão. —
Como pôde fazer isso?
Se Mitch não queria que Margareth se constrangesse, então teria de se colocar na linha de
frente.
— Permitam-nos explicar.
— Não — negou de prontidão, como um disparo de uma carabina.
— Adrian...
— ADRIAN!? — O irmão arregalou os olhos e avançou para frente. Margareth deu um
passo para trás protegendo Olive e Mitch colocou-se entre eles. — O QUE ACHA QUE ESTÁ
FAZENDO!?
— Disse para se sentarem — reforçou impassível, forçando Adrian a fitar por sobre seu
ombro. — Não é como estão pensando.
Os olhos do mais velho correram pelos gêmeos, Adrian sem simpatia alguma e Damian
com uma expressão confusa e aflita, que certamente lhe atingia os ossos.
— Você não pode estar falando...
— Adrian — admoestou seu gêmeo com o erguer de uma sobrancelha, os olhos
semicerrados a todos. — Se Mitch quer explicar, então deixe-o fazer.
Com um resmungo, Adrian apenas entrelaçou os dedos pelos cabelos longos, jogando-os
para trás, como se precisasse de ar, encarando a parede como se ali houvesse a única resposta
racional para aquilo tudo.
— Isso é ridículo.
E, apesar de protestos grosseiros, o irmão sentou-se de frente para Mitch, na outra ponta da
mesa.
— Margareth — chamou por ela, vendo-a pálida em tamanho nervosismo. — Sente-se
também.

Por Deus! Sim, ela precisava se sentar, pois temia que suas pernas, de tanto que tremiam,
não conseguissem sustentar seu corpo.
Enquanto Mitch puxava sua cadeira para trás, ela não conseguia evitar de pensar que talvez
a tamanha intensidade e virilidade daqueles homens fosse uma marca registrada da linhagem dos
Wolfheart.
Adrian, sem sua máscara, era estupidamente belo e seus olhos, muito mais intensos,
pesados, carregados de uma raiva incrédula que lhe era compreensível. Ele não parou de encará-
la por um único segundo, tal que Margareth buscou um pouco de ar olhando na direção das
enormes paredes, o teto alto e as sombras da janela, até o instante que seu olhar recaiu sobre o
último irmão, que ela ainda desconhecia o nome.
— Margareth, Adrian e Damian — apresentou-os com um floreio da mão, muito educado
se comparado ao modo como Adrian pareceu quebrar todos os dentes ao ranger na outra ponta da
mesa.
Ela ficou incerta de como reagir, o ar preso em sua garganta e os lábios secos. Olive, ao
seu lado, observava tudo muito atentamente, quieto, as mãos entrelaçadas em um pequeno pão
que, de tempos em tempos, ele levava aos lábios.
— Não me olhe assim — vociferou Mitch diante o silêncio.
— O quê? Não espera que digamos que é um prazer conhecê-la, não é? — provocou
Adrian com as sobrancelhas alinhadas em uma carranca fria. — Só pode ter perdido o completo
juízo, irmão. E pensar que me julgaram como sendo o louco da família!
— Na verdade, creio que nunca estive mais bem ajuizado. — A voz de Mitch era firme.
Todas as deles eram, tal que pareciam trovões ricocheteando um contra o outro.
— E desde quando é demonstração de juízo trazer meretrizes para nossa casa?
Os punhos de Mitch cerraram-se sobre a mesa.
— Não ouse falar dela dessa forma.
— Por quê? Quer que eu negue a verdade? — O tom de Adrian era ácido. — Sei muito
bem quem ela é, a contratamos para o clube!
Os olhos de Damian correram para a presença da Sra. Laurel, que, diante tudo, não soube
como reagir.
— Pode ir checar o Sr. Lovey no jardim, Sra. Laurel — dispensou o mais novo. — Se
voltarmos a precisar de ti, a chamaremos.
— Sim, senhor — despediu-se com uma mesura e desapareceu pela porta em arco.
— Tínhamos uma regra, Mitch. Apenas uma. — Margareth surpreendeu-se de ser Damian
a continuar. — Não revelamos quem somos.
— Um pouco tarde relembrá-lo disso. — Adrian debruçou-se sobre a mesa. — Ela já sabe
sobre nós. Você fez questão de nos apresentar. — Seu olhar correu até Margareth, que se
encolheu nos próprios ombros.
— Eu precisei trazê-la para casa, Adrian.
— Você precisa é controlar seus colhões!
E, com aquela resposta, o punho de Mitch bateu contra a mesa, silenciando o irmão.
— Entendo sua raiva, irmão, de verdade, mas não aceito que fale com tamanho desrespeito
diante uma dama.
Adrian revirou os olhos, desafiador, e cruzou os braços.
— Margareth está aqui porque atacaram-na no clube — explicou rapidamente, atento a
Olive, que se distraía com o miolo de seu pão. — E é só isso que direi, em respeito ao filho dela.
— Que eu ainda não entendo o motivo de estar aqui — ressaltou Adrian novamente com
um dar de ombros. — Eu disse que se você se apaixonasse, encontraria um jeito de arruinar tudo!
Tinha de tomar cuidado, assim como me aconselhou!
Mas, antes que Mitch pudesse responder, uma súbita coragem acometeu o corpo dela.
Margareth odiava quando falavam a seu respeito sem, de fato, dirigir-lhe a palavra.
— Por que acham que eu arruinaria tudo?
A pergunta pegou a todos de surpresa, os três homens encarando-a de prontidão.
— Por que eu faria isso? — insistiu.
— Resguardar nossas identidades era a única regra que não podíamos quebrar, senhorita —
explicou Damian com sua voz de soprano, os olhos mais dóceis que o de seu gêmeo, os cabelos
raspados auxiliando-os em sua diferenciação. — Nenhum cliente pode revelar seu verdadeiro
nome dentro do clube ou fora dele. Muito menos os anfitriões.
Então, um relapso de memória a fez lembrar de quando percebera, na noite passada, que a
máscara do Sr. Deroy havia caído, e o modo fulminante com que ele reagiu.
— Isso causaria um escândalo — completou. — Porém, é incoerente você protestar tanto
assim, Adrian, quando suas escolhas nos arriscaram muito mais.
O irmão bufou.
— Até hoje, ninguém descobriu a respeito de meu envolvimento com a dama em questão,
mas, neste caso, ela — ele apontou diretamente a seu rosto — sabe sobre nós. — O
descontentamento de Adrian era tamanho que Margareth juro que ele nunca viria a gostar dela.
— E tudo vai à desgraça.
Mitch fez menção de respondê-lo, Margareth notou como as veias em seu pescoço
saltaram, porém ela foi mais rápida.
— Bateram-me no clube, Sr. Adrian, e eu poderia ter saído por aquela porta sem dispor-me
a estar aqui, mas não o fiz. — A voz dela soou tranquila conforme a mão esquerda acariciava a
cabeça de Olive, dando-lhe confiança para prosseguir. — Eu tenho um filho, e ele é a razão de
tudo o que faço. E o seu irmão... — Os olhos dela correram até os de Mitch com um encanto que
fez seu coração amolecer. — Ele nos protegeu.
Havia uma expressão inocente em seu olhar, e Mitch a via também em Olive, porém
Margareth não conseguia imaginar alguma situação em que aquela conversa pudesse ser amena.
Segredos são difíceis de discutir, porque, em tese, não deveriam ser comentados, e a delicadeza
de tudo aquilo era compreensível, tal que a mulher tinha certeza de que, se não saísse dali, nunca
chegariam à resolução alguma.
— Então, Sr. Adrian, pergunto-lhe: o que eu ganharia revelando a todos a identidade dos
senhores? — terminou com os lábios unidos, escorregando sua mão até a de Olive.
— Somente a senhorita pode me dizer isso — retrucou. — As pessoas se interessam umas
nas outras por diferentes motivos.
— Garanto-lhes que não me aproximei de vosso irmão por dinheiro. — Mas aquilo era
uma mentira, tal que ela se corrigiu: — Ao menos... não agora.
Margareth virou o rosto timidamente na direção de Mitch, que a olhava com as
sobrancelhas arqueadas, a linha do maxilar desenhada pela barba por fazer.
— Sinto muito desapontá-lo, Mitch, mas é a verdade. — Com um pequeno empurrar da
cadeira para trás, seu corpo levantou-se, os músculos reclamando da dor conforme os olhos dela
entristeciam. — No início, achei que seria apenas pelo dinheiro, mas... agora, é irrevogável a
paixão que nutro pelo senhor.
Ele permaneceu perplexo e toda a sala aquietou-se, o vento sutilmente tomando os cabelos
dela por trás e lançando-os na direção de Mitch, que se sentia incapaz de mover um músculo.
— É por isso que sinto que devo ir embora.
Mas ela, apesar da educação e finesse em sua frase, já estava decidida, tal que apenas
segurou a mão de seu filho e saiu em direção à porta.

— Ainda a defende, irmão, mesmo quando descobre quais eram suas reais intenções? — A
pergunta de Adrian assim que ela deixou o recinto foi pontual, e Damian em nada aprovou o
comportamento.
— Ela ao menos disse a verdade.
— E merece ser aplaudida por isso? É uma meretriz honesta, ao menos.
— Tem sorte de meu apreço por você ser grande, irmão — vociferou Mitch com o coração
apertado. — Caso contrário, já teria lhe socado a boca.
— Avisei para tomar cuidado com ela, Mitch, e agora já está completamente envolvido em
tudo.
— Ela parece uma boa moça, Adrian — ponderou o gêmeo. — Viu os machucados... ela
não mentiu sobre ser atacada. Temos culpa nisso. Seria Thomas em um novo ataque?
— Não tente me comprar com isso! Ele não frequenta mais o Oasis, sabe bem.
— Pois ela não estava mentindo a respeito de fazer tudo pelo filho! Podemos lhe dar um
voto de fé.
— É exatamente isso o que me preocupa, irmão. — Os olhos dele carregavam sua
apreensão, ainda que ela, muitas vezes, viesse sobrecarregada por violência e grosseria. — E se
alguém descobrir que ela sabe sobre nós, e oferecer-lhe uma quantia generosa para contar? Não
acha que ela diria em nome do bem-estar da criança?
Aquele comentário foi o mais válido, por isso os ossos de Mitch chegaram a doer. Sua
mente pesava e o coração parecia incerto de como prosseguir. Não podia deixá-la, isso era certo,
pois sua mente já havia se comprovado incapaz de abandoná-la, mas ela admitiu que se
interessou nele, primeiramente, por dinheiro.
Como garantir que, agora, Margareth realmente nutria os supostos sentimentos?
— Isso irá depender de um único fator, então — concluiu Damian com um dar de ombros.
— Que seria?
Então, um tanto hesitante, o mais novo correu seu olhar para o de Mitch, longo e
exasperado, a cabeça inclinada e as narinas inspirando profundamente ao responder:
— O quanto ela realmente o ama.

A saída súbita de Margareth a guiou até o pórtico da casa, o ar fresco tomando seu rosto
conforme a claridade pinçava seus olhos. Mesmo fechados por certo tempo, ela ainda conseguia
sentir a luz cinzenta do dia claro, sem nuvens.
— Mamãe.
O chamado de Olive a fez reabrir os olhos e agachar-se diante dele, que encarava a escada
na direção da calçada.
— Sim?
— A senhora quer um abraço?
E aquilo fez o coração dela quebrantar-se, um sorriso surgindo em seu rosto dolorido, onde
hematomas exibiam-se em roxo e verde na pele clara, tão delicada.
— Acho que isso é o que eu mais preciso, querido.
Então, sem dúvidas quanto ao que fazer, ele aconchegou-se no espaço entre o pescoço de
sua mãe e seu ombro, as madeixas castanhas como um travesseiro conforme as mãos enlaçavam
as laterais de seu corpo por debaixo de seus braços.
Margareth não chegou a chorar, mas encantou-se com a empatia do garoto. Com a empatia
que John sempre tivera e que, de alguma forma, passara a ele. Por um instante, fitando a
movimentação ainda tranquila da rua que amanhecia, a cidade despertando cm os homens que
carregavam seus carrinhos, ela considerou voltar para a casa.
Pareceu-lhe errado sair tão abruptamente, mas também era o mais certo a se fazer. Naquele
lugar, por mais que Mitchell tivesse lhe assegurado seu pertencimento, era claro que em nada era
bem-vinda pelos outros irmãos.
Em vista do que acontecera, Margareth só queria ir para casa.
— Obrigada, Olive — falou de todo o coração, afastando-se dele, acariciando sua
bochecha, forçando seus joelhos ardidos a se erguerem no instante em que a porta da enorme
casa dos Wolfheart abriu-se atrás de si.
Em toda a sua vida, Margareth acabou por não levar em conta algumas coisas que
simplesmente lhe aconteciam em automático. Agradecer uma mão estendida para que
atravessasse a rua, dizer “saúde” a quem espirrava, sorrir quando lhe davam bom-dia. Mas se
havia algo com que sua mente jamais se acomodaria, seria o modo como Mitchell parecia
arrebatar seus pensamentos de forma irrevogável.
Tal que foi difícil de mascarar a decepção por entre a surpresa de não ser ele a vir atrás
dela, mas sim Damian.
— Srta. Margareth — cumprimentou-a como se não houvessem se falado a pouco. — Peço
que espere um momento.
Naquela luz, seu rosto conseguia ser ainda mais lindo e surpreendentemente jovem, talvez
os cabelos raspados fossem os causadores disso, já que Adrian, com feições tão similares,
parecia anos à frente.
— Eu... gostaria de pedir desculpas pelas coisas que meu irmão disse. A sutileza verbal
não é um de nossos atributos.
Margareth forçou um sorriso.
— Acho que já o fiz não gostar de mim.
Damian deixou uma risada escapar por entre os lábios e seu sorriso era encantador.
— Gostar não é bem a palavra, já que ele parece não deter apreço por ninguém além da
família — explicou, sincero, o semblante sem julgamentos. — Mas... é que a sua presença tornou
tudo muito mais delicado.
— É por isso que já estou indo — garantiu ela, uma mão na saia do vestido desconhecido e
a outra em seu filho.
— Não, não, perdão, creio que me expressei mal... é só que... sei como Adrian pode
parecer rude, mas... é que nossa mãe sofreu muito por um homem que só lhe tinha interesses de
má índole. Não era um homem bom.
Ouvir aquilo fez com que contornos de sobressalto cruzassem as feições dela. Nunca
imaginaria que alguém tão cavalheiro quanto Mitch pudesse ter tido um pai que não fosse cortês.
— Eu garanto que não lhes farei mal.
E algo em toda aquela conversa inesperada fez com que Margareth pensasse que o motivo
de Damian ter ido até ela uma última vez foi para que pudesse olhar bem em seus olhos. Apenas
isso.
— Permita-me que chame nosso coche para levá-la para casa.
— Oh, não, isso... isso só pioraria tudo com vosso irmão...
Damian ergueu as sobrancelhas em consideração para com a frase.
— Bem, talvez com Adrian, mas se eu permitir que volte a pé, terei de enfrentar a fúria de
Mitchell. — Ele estreitou os olhos e caminhou até ela. — Prefiro a fúria que já conheço.
Então, enquanto esperava pelo coche e o via descer pelas escadas, Margareth permitiu-se
fitar o horizonte longínquo, além dos prédios e casas com telhados de ardósia, em um lugar
distante do qual ela não conseguia imaginar, tal qual a fúria do Sr. Wolfheart.
Capítulo XIII

A sensação que Margareth tinha ao entrar em seu prédio não era exatamente tristeza ou
culpa, na verdade era mais um alívio, por voltar a um ambiente do qual conhecia, Olive saltando
de dois em dois degraus conforme ela fechava a porta da frente.
— Filho, não é educado correr, tome cuidado! — alertou acompanhando-o.
— Deveria escutar a sua mãe.
Maud estava ali, esperando por ela desde que passara pela porta de vidro, como se
soubesse que ela estava voltando, mas em seus olhos não havia um brilho de contentamento, pelo
contrário, a preocupação era tanta que Margareth perguntou-se se aquilo tornar-se-ia recorrente
até que os arroxeados em sua pele desaparecessem.
— Por Deus, como você está? — perguntou assim que a amiga atingiu o patamar em que
estava, seus cabelos negros presos em um coque improvisado conforme ela encaminhava-se
junto a Margareth. — O que houve? O Sr. Fox a trouxe aqui?
Os olhos de Margareth agitaram-se. Maud não sabia sobre o verdadeiro nome do Sr. Fox,
então não teria ela o dever de lhe contar isso.
— Ele... ele me levou a um médico.
— A um médico? — Seu tom pareceu assustado na mesma medida que parecia já prever
aquilo. — E o que ele disse?
— Que eu enfrentaria essa terrível enxaqueca, que deveria tomar chás e repousar. — Bom,
ao menos aquilo não era de tudo mentira. Margareth sentia-se mal por ter de omitir o fato de que
passara a noite na casa de Mitchell Wolfheart, mas havia garantido aos irmãos que não espalharia
seu segredo, e uma promessa dela sempre seria cumprida.
— E o Sr. Fox?
A pergunta surgiu assim que entraram no apartamento, onde as janelas permaneceram
fechadas e as partículas de poeira adormeciam no chão. Margareth precisava limpar tudo, sabia
disso, mas também tinha certeza de que precisava encerrar aquela conversa o mais rápido
possível.
— O que tem o Sr. Fox?
— Ele está bem?
O cenho de Margareth franziu-se e, conforme caminhava até a janela principal, de frente
para a porta, a fim de abri-la, ela questionou novamente:
— O que quer dizer, Maud? — Um grunhido escapou de sua boca quando os braços
forçaram as dobradiças emperradas, os músculos doendo.
— Literalmente se ele está bem.
— Mas... por que ele não estaria? — Margareth bateu as mãos contra a saia, afastando a
poeira de sua pele.
— Porque nunca o vi tão assustado quanto na noite passada — explicou encaminhando-se
até a pequena cozinha, abrindo a janela dali, também, antes de sentar-se à mesa de café da
manhã, tão diferente da que havia na casa dos Wolfheart, Margareth teve de ressaltar. — Ele a
tomou nos braços e abandonou o clube. Nunca vi um anfitrião fazer isso...
Seus olhos cruzaram com os da amiga e não permitiram que ela desviasse deles, tamanha
intensidade que atraiu Margareth para a cadeira à sua frente enquanto Olive corria atrás de seu
peão, caído perto do sofá.
— Eu nunca vi nenhum homem fazer isso, Margareth — concluiu com as mãos cruzadas
sobre o colo. — E é por isso que não estou lhe perguntando sobre esse vestido ou o motivo de
suas bochechas corarem toda vez que comento sobre o Sr. Fox. Isso... — Sua mão apontou para
o que ela usava. — Isso pode esperar, mas não o bem-estar de vocês.
O coração de Margareth acalentou-se diante a preocupação de Maud. Durante todos
aqueles anos, ela sempre lhe fora verdadeira, querida, uma amiga que, de tão altruísta, poderia se
meter em problemas em seu nome. E ali estava ela, fazendo o mesmo por Mitch, sem nem saber
seu verdadeiro nome.
— Realmente se preocupa com ele, não é? — Margareth perguntou apenas como uma
ressalta do enorme coração que ela tinha.
— Eu devo minha vida aos anfitriões, Margareth. Eles me acolheram quando ninguém
mais o fez. — A expressão dela tornou-se ambivalente, os olhos melancólicos com memórias
que Margareth jurava que Maud via claras por entre o ar. — Mas... eu sinto que menti a você,
Margareth.
O admitir de tal frase pegou Margareth desprevenida, os lábios entreabrindo-se diante a
surpresa.
— Maud...
— Eu achava que o Clube Oasis era seguro, Margareth, mas... olhe o que ocorreu a você.
— Havia culpa em sua voz. — Eu jamais deveria ter lhe incentivado a ir...
Então, antes que o coração de Maud se quebrantasse, a amiga esticou a mão até a dela,
pequenos arroxeados sobre as juntas de seus dedos conforme os entrelaçavam.
— Você apenas me encorajou porque achou que seria seguro. Não havia como prever
isso... — Maud sentiu a honestidade na frase da amiga.
— Mas eu sinto como se... como se eu devesse ter sido honesta com você desde o início.
Talvez... isso a tivesse preparado mais... — Os olhos dela doeram e Maud suspirou. — Eu já fui
atacada, Margareth. Atacaram-me tantas vezes que não sei como ainda estou aqui.
— No Oasis?
— Não, não... — negou veemente. — O Oasis foi minha salvação, mas... minha vida nunca
foi fácil.
Por um instante, ela encarou Margareth, escolhendo por onde seguir, avaliando se ela
suportaria dizer tudo o que lhe ocorrera, sendo que lutou bravamente para enterrar o passado em
sua mente;
— Minha mãe morreu de tifo quando eu completei quinze anos — começou, finalmente, o
peso de cada palavra surgindo nas veias de seu pescoço. — Meu pai nunca apareceu. Ela me
contou que ele nos abandonou quando ela lhe admitiu que seu ciclo mensal havia sido
interrompido. Ele não pensou duas vezes antes de nos deixar e eu não fiz diferente em esquecê-
lo.
Margareth engoliu em seco e esperou. Maud precisava continuar reunindo todas as suas
forças para falar.
— Então, quando mamãe morreu, eu... eu tive de ir para as lavanderias. Era o lugar mais
rápido para se conseguir um emprego, as mãos de uma menina são mais delicadas que as de uma
mulher, e conseguem fazer o trabalho ainda melhor..., porém... não foi por isso que me
contrataram. — A mulher precisou respirar fundo, olhando na direção da janela, onde nenhuma
brisa fresca parecia entrar. — O senhor que me contratou tinha um gosto peculiar por meninas,
entende?
Seus olhos imploraram para que Margareth anuísse. A amiga apertou os dedos da outra em
uma forma de carinho e compreensão, permitindo que ela continuasse:
— Com o tempo, eu... eu achei que, se ele estava tão interessado assim em meu corpo, por
que outros não estariam? Já havia ouvido histórias das damas fáceis da madrugada, de que em
nada tem respeito, mas muitos cavalheiros a lhe pagarem por serviços de cama. — Os lábios dela
retraíram-se. — Se um homem já me tocava de graça, por que não cobrar por isso?
Uma risada emanou de sua garganta e as narinas umedeceram-se conforme a voz tornava-
se trôpega de emoção.
— Por favor, Margareth, não me olhe assim...
A mulher agitou os cílios, desperta do transe de suas palavras.
— Perdão?
— Não quero que sinta pena de mim pelo que digo, é só que... preciso que você me
entenda... e entenda o motivo de eu ter apreço pelos anfitriões, e o motivo de eu não me perdoar
por isso ter acontecido a você. — Ela levou a mão ao rosto e respirou por entre elas. — Eu não
queria que você sofresse o que sofri. Queria que fosse mais simples, menos dolorido, que
pudesse ajudá-la com Olive por um tempo... até encontrar outra saída. — Maud fitou o garotinho
tão entretido com seu peão. — Mas acho que homens cruéis são apenas cruéis, não importa a
classe.
Um tremor correu o corpo de Margareth.
— Meu primeiro cliente tomou-me a virgindade atrás de um beco, onde comecei a ir todas
as noites. Ele não foi gentil. Não foi cavalheiro. Mas pagou-me o que deveria, então pensei
apenas que eu não estava sendo paga para gostar, apenas para servir.
Sua voz tornou-se severa e ambas ficaram absortas em seus pensamentos conforme o
silêncio as envolvia.
— Porém... houve uma noite, no inverno... estava tão frio... eu tremia com aquele maldito
vestido e tentava não chorar, porque cavalheiros só gostam das lágrimas quando eles entram em
você.
Margareth precisou lutar para que uma lágrima não caísse de seus olhos, fechando-os com
força sem coragem de imaginar aquilo.
— Pensei que ninguém viria, e que morreria de fome e frio, mas... ele foi até mim.
Dispensou todas as outras mulheres, e estendeu-me a mão. Usava luvas, de couro, e eu vi o anel
que arregrava, lindo e de prata. Só podia ser um nobre. — Ela sorriu em tristeza. — Mas seus
atos em nada lhe cabiam o título.
Maud deteve-se por um instante para, depois, pedir:
— Poderia pegar um pouco de água, por favor?
— É claro. — Margareth caminhou até um dos armários presos na parede, abriu-o e
apanhou um copo de vidro, enchendo-o com água fresca e entregando-o à amiga antes de voltar a
se sentar.
— Naquela noite, ele me bateu tanto que eu achei que ia morrer. — A água amenizou a
secura de suas palavras, mas jamais seu peso. — Porém... é claro que não morri, e tentei
convencer-me de foi um caso isolado. Então, meses depois, me bateram novamente. E depois de
novo, e de novo, e de novo. — O ar entrava por entre seus lábios e os dedos pareceram agarrar-se
ao copo como se ele fosse uma corda arremessada a ela enquanto se afogava no mar. — Pensei
por um tempo que era realmente assim que eu deveria ser tratada. Até que, um ano depois,
quando eu.... quando eu simplesmente já não ligava mais, espancaram-me uma última vez.
Os olhos de Margareth não conseguiam disfarçar o estarrecer que sentia, o medo de saber
tudo que Maud enfrentara e o quanto ainda conseguia ser forte, a ponto de sustentar um sorriso
em meio à real tristeza.
— Arremessaram minha cabeça contra uma parede de tijolos. Eu desmaiei, então... não
lembro ao certo como ele me alcançou, mas... por entre os olhos turvos de dor, vi dois pés
apressados correndo até mim. Achei que eles fossem me chutar, então encolhi-me. — Seu rosto
repuxou os músculos quando as lágrimas alcançaram seus cílios. — Céus, estava tão frágil que
não parecia mais do que um filhote de cachorro assustado.
Ela terminou de beber a água, as mãos substituindo o vidro pelo próprio cabelo,
afundando-se entre a juba negra que escorria além de seus ombros.
— Foi o Sr. Farewell que me encontrou naquela noite. Estavam voltando do clube, disso eu
sei... porque lembro perfeitamente da máscara que ele usava. Achei que fosse um anjo, primeiro,
sabe como eles são lindos... — comentou cabisbaixa com um riso tímido. — E ele me ajudou a
levantar e me levou para casa.
Os olhos de Margareth se arregalaram. Então ela também sabia quem eles eram? Não...
isso não faria sentido diante a discussão na casa dos Wolfheart...
— A minha casa — ressaltou ela vendo a dúvida estampada nas feições de Margareth. —
Auxiliou-me com o que podia, foi atencioso e perguntou como eu fui parar ali. Contei a verdade.
Toda a verdade. Desde o tifo até como eu... até como eu não via mais saída...
— E ele lhe mostrou uma.
— Sim. O Sr. Farewell me acolheu no clube, e eu me tornei grata a eles, irei defendê-los
até que meus pulmões parem de respirar.
Margareth sorriu com os lábios unidos; sabia bem como era essa sensação de gratidão,
porque, junto à paixão que inundava seu sangue, ela aparecia.
— Inclusive, dei uma surra em Honey por ter mentido ao Sr. Fox a respeito de sua
presença.
A mulher surpreendeu-se.
— Como assim?
— Ele perguntou por você assim que chegou. Honey, estúpida e orgulhosa como é, lhe
disse que não estava.
Os olhos de Margareth fecharam-se por entre um respirar calmo. Em nada adiantaria
remoer o que já passou, porém, Maud ainda não havia terminado.
— Mas entendo o ciúme dela para com você.
— Entende?
— Sim. Chegou há tão pouco e já conquista os clientes mais ricos... — A mão da amiga
escorregou por sua cintura até alcançar o bolso em sua saia. — Justamente, eu... eu queria que
também me dissesse a verdade, Margareth.
A mulher estreitou o olhar.
— Sobre o quê?
Quando finalmente retirou a mão de dentro de seu bolso, os dedos de Maud seguravam a
empunhadura da bengala, que se partira ao chocar-se com seu corpo, a prata manchada com o
sangue seco refletindo à luz apática.
— Você viu quem lhe bateu, Margareth? — A pergunta era comum, mas estava carregada
de urgência. — O viu por debaixo da máscara?
Um grito.
A pancada.
A máscara caída.
O rosto furioso do Sr. Deroy.
Tudo acometeu a mente de Margareth de uma só vez, atropelando-se de tal maneira que ela
apertou os olhos até que doessem. Admitir aquilo traria consequências que a mulher não
conseguia antever.
— O nome dele era Sr. Deroy. — Os olhos voltaram a encarar Maud.
— De certo que os anfitriões desejarão procurar pelo homem que se esconde sobre esse
nome. — Sua voz carregava uma certeza irrevogável. — Eles não tolerarão algo assim.
— Eu só... queria esquecer.
— Eu também — admitiu Maud com um beicinho. — Mas às vezes é mais fácil lidarmos
com um medo quando temos um rosto a esperar. O desconhecido amedronta muito mais.
Margareth teve de concordar, a respiração pesada já antecipando a pergunta que a amiga
estava por repetir:
— Você o viu, Margareth? O viu de verdade?
— Ah ela já o deve ter visto várias vezes!
Ambas as mulheres viram na direção da porta ao mesmo tempo, até que, sem aviso, apenas
por um impulso, Margareth saltou de sua cadeira. A mente dela também deu um pulo e Maud lhe
lançou um olhar alarmado.
O senhorio, Bartolomeu Banks, estava ali, um caneco de latão indo em direção à sua boca
conforme os olhos fitavam Margareth com ódio.
Ódio e desejo. Uma lascívia tão clara que o fez babar sonoramente, limpando-se com as
costas da outra mão enquanto seu olhar descia pelo pescoço dela até alcançar o colo dos seus
seios.
Margareth sentiu a pressão recair em seus ombros e cada machucado pareceu doer ainda
mais.
Homens cruéis fazem o que fazem porque acham que as mulheres lhes devem algo.
E Bartolomeu Banks era, irrevogavelmente, um homem cruel.
— Ora, não me olhem assim, até parecem ver uma assombração! — zombou com um
sorriso sem graça. A atmosfera era tão tensa com sua mera chegada que qualquer ar de
divertimento se extinguia imediatamente. — O que está acontecendo aqui?
Elas se entreolharam.
— Estão tomando chá? Porque, se for, ficarei deveras decepcionado por não ter recebido
um convite.
Quando ele fez menção de dar um passo à frente, Maud interveio, erguendo-se tão rápido
que sua cadeira bamboleou enquanto ela erguia uma mão na frente do corpo, detendo o avanço
do homem.
— Pode ter certeza de que o chamaremos na próxima, Sr. Banks, mas, no momento, não
lhe temos um convite.
Bartolomeu encarou-a de cima a baixo, estudando seu decote, as pregas de seu vestido, o
cair de seu cabelo e a mão estendida em seu peito, dedos tão finos que ele sabia que poderia
quebrar se precisasse.
— Então, para entrar na casa da Srta. Howells, realmente precisamos de um convite?
Margareth franziu o cenho. Seus músculos tensionaram-se.
— Quer dizer, ainda lhe devo tratar por senhorita?
— E por que não deveria? — É Maud quem continua um diálogo, dando um passo para
trás, infelizmente, quando ele se forçou para frente.
— Porque acho que, agora, vejo duas cortesãs na minha propriedade.
Maud cerrou os dentes e Margareth deu um passo à frente.
— Por favor, Sr. Banks, saia.
Ele sorveu o resto de sua cerveja e não se importou que o lúpulo escorresse do canto de sua
boca para cima de suas vestes. O homem simplesmente deixou que o caneco caísse contra o piso,
o latão causando um estrondo que fez Olive dar um salto.
— Mamãe?
Tanto Margareth quanto Bartolomeu encararam o menino, que se agarrou na saia dela.
— Já contou para ele? — O dedo gordurento em riste apontou para Olive. — Ele já sabe
que a mãe dele é uma puta?
Então, a mão de Maud voou na direção do rosto dele, porém o Sr. Banks a deteve em pleno
ar, um aperto súbito que a fez arregalar os olhos.
— As duas terão respeito por mim, porque agora eu sei que a santinha Margareth é tão
pecaminosa quando você. — Com toda sua pungência, ele lambeu a palma de Maud com uma
risada e lhe mordiscou um dedo antes de soltá-la, assistindo-a caminhar ao lado de Margareth. —
Um homem veio aqui na noite passada. Entrou, demorou um pouco e foi embora. Eu o vi entrar,
o ouvi do meu apartamento.
A cada passo, elas encolhiam-se mais contra a parede da cozinha, Olive protegido atrás de
sua saia enquanto o Sr. Banks as encurralava.
— Acha que pode receber esses homens aqui? Acha que pode deitar-se com eles, sob meu
teto, quando nem ao menos aceita meu cortejo?
Tanto ele quanto Margareth sabiam da ironia de sua frase, pois seu modo asqueroso e
grotesco em nada seria um cortejo, tal que o Sr. Banks não poupou o sorriso em seu rosto assim
que terminou.
— Aposto que quem te deu esses tapas aproveitou muito bem cada penny gasto, não? —
Mais um passo. Ele lambe os lábios. — Ou vocês são meretrizes de luxo? Cobram uma libra
inteira?
— Mamãe... — chamou Olive, assustado, ameaçando chorar.
— Fique atrás de mim... — reforçou ela colocando-o para trás de sua saia, mas mantendo
os dedos em volta dele. Dentro de Margareth, um espírito desafiador surgiu, os olhos estreitos
preparando-se para a tempestade que viria. Ninguém toca em Olive. — Não se afaste.
— Ah, é melhor ele se afastar. — As palavras flutuam pelo ar, como fumaça, antes de
despencarem sobre Margareth. Seu corpo tão frágil lançava a adrenalina em suas veias, mas ela
ainda tinha medo de isso não ser o suficiente. De não conseguir sair dali. — Não acho que será
bom um menino tão novo ver o que vai acontecer.
Mas ela não chegou a precisar se proteger.
— Tem razão, não será!
A voz surgiu quase como um rosnado, uma ameaça através do ar seco daquele lugar,
enquanto o punho de Mitchell Wolfheart rompia o véu de pavor e o tornava em violência.

As juntas de seus dedos doeram. O soco foi dado errado e ele podia ter quebrado algum
dos ossos, mas nada disso o preocupou. A raiva em seu corpo não seria pulverizada por uma dor
tão ridícula quanto aquela, não enquanto Margareth estivesse ameaçada.
Ele queria protegê-la, e, se isso envolvia fazer aquele porco nojento desmaiar contra o piso,
então que fosse! Mesmo que isso quebrasse-lhe os dedos, não o deixaria com dente algum se a
tivesse tocado.
Mitchell encheu os pulmões. Desferiu outro soco e o Sr. Banks caiu, o cenho franzido em
dor conforme um rio de sangue escoava de suas narinas e inundava os dentes amarelados.
— MAS QUE MALDIÇÃO ACONTECEU!? — berrou o senhorio, aturdido, os dedos
tremendo diante o sangue brilhante em seus dedos.
— Eu aconteci, cretino — respondeu Mitch antes de chutar-lhe o peito, garantindo que
ficasse no chão ao forçar todo seu peso sobre ele, palavras tão ameaçadoras que ele só percebera
depois que as disse: — Volte a falar com ela, volte a ameaçá-la assim, a assustá-la, e eu prometo
que, na próxima vez que o vir, não quebrarei apenas os seus dentes, mas garantirei que nunca
mais possa voltar a levantar a mão a uma mulher!
Sua voz repercute pelo ar como correntes de energia, que esquentam o corpo conforme ele
bufa como um animal, os olhos ensandecidos com a ousadia de Bartolomeu Banks, que, em
algum lugar de sua mente doentia, achou que poderia tocar em Margareth daquela forma.
E é apenas por ela e por Olive, que o encarava pelo canto dos olhos atrás da saia da mãe,
que ele interrompeu sua violência. Não pode se comportar como um vagabundo, um patife!
Podia protegê-la, mas havia um limite que Mitch entendia que não poderia ultrapassar ali. Não
diante dela.
Tudo aconteceu tão rápido que em um minuto seus dedos estão doendo e as juntas
embranquecem e no outro, Mitch está envolvendo Margareth em seus braços, segurando-a
firmemente e acolhendo Olive.
— Você está bem? — ele sussurrou.
— Agora estou — respondeu no mesmo tom, por entre uma lufada de ar enquanto seus
olhos percorrem a linha do maxilar dele, tão rija que Mitch sente que poderia cortar papel com
ela.
Os ossos doeram ainda mais ao tardar do dia. Mas aquela era apenas uma manhã, incomum
e desastrosa, e ele sentia que precisava consertar tudo.
— Eu... eu não consegui me afastar, Margareth — admitiu com o ar travado em sua
garganta. — Meu irmão disse... que havia voltado para casa. Eu tive de vir atrás de você.
Mas a resposta dela é mais singela do que qualquer outra, envolvendo-o com o braço,
aconchegando-se em seu peito largo enquanto o indicador dele desbravava lentamente a pele de
suas bochechas.
— Ainda que não ache que ele voltará a incomodá-las.... — Os olhos de Mitch foram do
senhorio até Maud. — Sei que não estarão seguras aqui.
— Não tenho para onde ir, senhor... — admitiu Maud quando a voz voltou à sua garganta.
— Agora tem — afirmou com a voz de um homem que não aceitaria ser contestado
naquele instante. — As duas ficarão seguras em minha casa.
— Mitch... — A voz de Margareth chamou timidamente por ele, mas seus olhos estavam
sérios. — Seus irmãos...
— Conversei com eles. Eles entenderam o meu lado.
Então eles saíram dali, Mitchell garantindo que pediria ao seu criado que buscasse os
pertences de ambas conforme desciam as escadas, passando pela enorme janela antes de
alcançarem a porta e saírem para a rua. O coche dos Wolfheart estava ali, em toda a sua
suntuosidade, e um lacaio abrira a porta para Maud, que entrou junto a Olive.
— Senhorita. — Foi Mitch quem lhe ofereceu a mão.
Margareth olhou fixamente em seus olhos, uma declaração de gratidão diante o que ele
estava fazendo e por tudo que já havia feito, um olhar que o queimou por dentro de repente, em
uma fração de segundo.
Ou talvez por um minuto.
Por uma hora.
Para sempre.
Não havia como esquecer aquele olhar nem as sensações que Margareth impelia dentro
dele. Mitch soube que a apreciaria por horas se ela permitisse, porém, fortuitamente, sua atenção
é atraída para o modo como a assiste a entrar no coche.
E quando se senta no exterior, ao lado de seu lacaio, a fim de dar privacidade a ambas, é
que ele percebe como as juntas de sua mão estão quase totalmente esfoladas e gritam em dor.
Doem por demais.
Todavia, naquele instante, ele percebeu que nenhuma dor jamais se igualaria à sensação de
perder aquela mulher.
Mitch só desejou que nunca chegasse a senti-la.
Capítulo XIV

A carruagem chacoalhava conforme o trajeto, e Margareth não conseguia deixar de pensar


no que Mitchell Wolfheart haveria dito aos irmãos para que permitissem-na ficar em sua casa.
Eles explodiram em preocupação, enérgicos, totalmente avessos à sua presença.
Em retrospecto, Margareth lembrou-se, também, do modo como Damian foi até ela na
entrada da casa para conversar e lhe olhar nos olhos uma última vez. Teria sido isso? Aquela
breve conversa o teria dissuadido quanto a deixá-la ficar?
Porém, ela não era a única que detinha suas dúvidas, e Maud a encarava indiscretamente, a
mão contra o peito, o coração acelerado.
— Eu nunca vi o Sr. Fox sem sua máscara — admitiu como se o ar lhe faltasse. Será que
Mitch surtia o mesmo efeito em todas as mulheres? Margareth desconfiou que sim. — Mitchell
Wolfheart... quem imaginaria?
Silêncio. Margareth preferiu distrair-se com a vista, que cada vez mais detinha menos
casas, o que lhe pareceu estranho, já que o caminho que lembrava de ter feito para voltar à sua
casa era decorado com os telhados mais inclinados e as janelas mais escancaradas.
Onde estamos indo?
Todavia, ela preferiu fazer uma outra pergunta a Maud:
— O que sabe sobre ele?
Os olhos da amiga se estreitaram.
— Como assim?
— Do modo que disse, parece que... já ouviu falar sobre ele.
— E você não?
Ela negou.
— Os Wolfheart detém os maiores investimentos em Brighton. Eles têm um banco, e com
eles concedem e conseguem empréstimos para as mais diferentes empreitadas, desde que tragam
lucro, é óbvio.
O coração de Margareth apertou-se por um momento.
— Então é um nome recorrente?
— Às vezes saem nas colunas do The Morning, sim, mas... não nas colunas sociais. Essas
estão dedicadas à nobreza, é claro, mas que de nobre não tem nada em seus escândalos —
comentou com uma risada, que mais refletia sua incredulidade com toda a situação do que com a
nobiliarquia em si. — Por Deus... Mitchell Wolfheart!
E a conversa encerrou-se ali, porque Olive fez-se presente, pulando sobre o colo de
Margareth, já sem sinal algum do pavor anterior, as mãos grudadas no vidro enquanto os olhos
arregalavam-se ao dizer:
— MAMÃE, É A PRAIA!
As mulheres se entreolharam, confusas, agitando os cílios.
— Sente-se, querido...
— MAS É A PRAIA! — contestou avidamente.
— Margareth... — Os olhos de Maud aproximaram-se da janela oposta. — Eu acho que ele
tem razão.
Então, finalmente, o coche parou, o rosto de Margareth cuidadosamente olhando para além
da janela, onde a linha do horizonte se estendia infinita por entre as ondas do mar, o sol fraco,
um tanto pálido, refletindo na espuma de sal conforme o lacaio abria a porta para elas.
— Senhorita — cumprimentou ele ao ajudar Maud a descer, sua saia escorregando atrás de
si até que o sol banhou sua pele.
Nesse exato instante, duas gaivotas grasnaram para ela. Pareciam furiosas.
— Puxa vida, Margareth, temos até uma comitiva!
Revirando os olhos, ela ainda tinha dificuldades em descer da carruagem. Tudo parecia
irreal, e seu medo era que nunca tivesse despertado de seu sonho, tal que a qualquer momento
poderia fazê-lo, acordando em uma poça de seu próprio sangue.
— Prometo que elas não a irão bicar — garantiu Mitch com as mãos atrás das costas, de
fato como um anfitrião a recebê-las, assistindo conforme Margareth apoiava-se no lacaio e saía
do coche.
A beleza dele era tão estonteante que ela não poderia estar sonhando. Não seria capaz de
imaginar tamanha perfeição.
— Onde estamos? — questionou conforme o lacaio comandava o cavalo a voltar a
caminhar.
— Essa foi uma de minhas primeiras propriedades — explicou apontando para a casa
diante deles; era simples, com janelas de telas e toda de madeira, os vidros embaçados pela
maresia e uma pequena varanda que os separava da rua, tal qual os três degraus da entrada. —
Comprei para minha mãe. O sonho dela era ter uma casa de frente para o mar, porém... ela não
chegou a tê-la.
Os olhos de Margareth pesaram e ela mordiscou o lábio inferior.
— Sinto muito, Mitch.
— Tudo bem... — garantiu por entre uma lufada de ar. — Agora, ao menos, ela terá uma
utilidade.
Assim, em um piscar de olhos, ele tirou do bolso de seu terno uma pequena chave
prateada, um pouco de ferrugem em sua ponta e seu cabo retorcido assemelhando-a a um cavalo-
marinho.
— Mitch...? — A voz dela travou conforme ela entendia o que estava acontecendo.
— É sua, Margareth.
Maud e Olive, que divertiam-se espantando as gaivotas, pararam por um momento,
observando-os.
— Não...
— Sim.
— Mitch, não posso!
— É claro que pode.
— Não é um simples presente. Não é um camafeu ou um colar... — Os olhos dela fitaram
o pequeno sobrado por sobre o ombro. — É uma casa!
Rindo, ele puxou-a para perto, os olhos doces, tão diferentes de quando sua violência
sobressaltava seus modos.
— Margareth... eu sei que é uma casa — zombou com o erguer de uma sobrancelha. — E
eu a estou dando.
— Mas...
Então, em um súbito, o polegar dele repousa sobre os lábios dela, desenhando-os com
apreço, sentindo sua maciez e umidade, o quão quente seria beijá-la naquele momento. E ela
desejou que ele o fizesse, por mais que a incredulidade tivesse tomado seu corpo.
— Essa casa não me tem uso. Não há futuros planos para ela. A única razão de a ter
mantido foi por um sentimento pelo sonho de minha mãe.
Ela lhe encarou, duvidosa.
— Juro que o que digo é verdade.
— Não quero que jure. Quero que reconsidere.
— Não irei.
— Ao menos... entenda o quão absurdo é tudo isso!
— Não acho absurdo.
— Seus irmãos irão me odiar.
— Dar-lhe esta casa foi o único modo de permitir que ficasse comigo — admitiu, por fim,
silenciando-a, vendo como seus grandes olhos azuis arregalaram-se diante ele, satisfazendo-o por
dentro, batidas em seu coração espalhando o prazer em ver a admiração no semblante dela.
— Eu...
— Já ficou sem desculpas? — provocou com um sorriso encantadoramente travesso.
— Eu realmente não posso aceitar, Mitch.
Ele bufou, seu polegar deixando o rosto de Margareth sem deixar de perceber a pontada de
frustração da mulher pelo toque ter sido interrompido.
— Dessa forma, não me resta alternativa, Margareth...
Mitch deliciou-se com ansiedade dela diante sua constatação e a reticência de suas
palavras, especialmente no instante em que seus olhos foram além dos ombros de Margareth.
— Maud?
Ele chamou pela amiga, que piscou apressadamente, surpresa por ter sido chamada.
— Senhor Wolfheart... muito obrigada, eu...
Mitch sorriu, ardiloso, lançando um olhar de esguelha para Margareth,
— Não me agradeça assim — disparou interrompendo-a. — Quero que me prometa uma
coisa, está bem?
— Qualquer coisa!
— Se prometer que jamais revelará quem são os anfitriões do Oasis e que cuidará de
Margareth e Olive quando eu não estiver aqui, eu lhe dou esta casa.
— MITCH! — protestou Margareth dando um salto para frente dele.
— Eu prometo! — O sorriso no rosto de Maud era encantadoramente doce, um alívio em
seu peito tornando-o ainda mais afável. — Por Deus, Sr. Wolfheart... eu... eu estou sem palavras!
— Eu também estou — protestou Margareth com as mãos na cintura. — Mitch...
— Olive, agora moramos em uma casa na praia! — cantarolou Maud ao garoto, que
respondeu aos gritos a sua ansiedade.
— CASA NA PRAIA! CASA NA PRAIA!
Mas, apesar de todos estarem sorrindo, Margareth permaneceu séria. O choque do Sr.
Banks havia se diluído, pois não teria sido a primeira vez que ele a ameaçara, mas aquela
situação... tudo parecia absurdamente impróprio.
— Sinto como se eu estivesse tirando proveito do senhor, Mitch — explicou com o
semblante ambivalente.
— É por admitir algo assim que sei que não está.
— Mesmo com o fato de eu ter admitido que aproximei-me do senhor por dinheiro, ainda
confia em mim?
Mitch respirou fundo, os olhos fechados conforme ele dava um passo para frente e a
enlaçava pela cintura, os olhos checando os arredores rapidamente.
— Confio, Margareth.
Os olhos dela o estudavam com fervor.
— Mas o que espera de mim?
O semblante dele se franziu.
— Perdão não queria chateá-lo — explicou ao ver a ruga em sua testa.
— E não o fez, de forma alguma — negou com o erguer das sobrancelhas. — Eu entendo
todas as suas dúvidas, é só que... quanto mais a senhorita fala, mais tempo levo para poder te
beijar.
Margareth enrubesceu na hora, um súbito calor correndo para suas bochechas. Declarar
suas vontades era algo novo a ambos, porém ele se deliciou com o gosto que isso deixou em sua
boca.
Mitch se perguntou quais seriam os desejos dela.
— Permita-me beijá-la, Srta. Howells, e começaremos as coisas da maneira que devem ser.
E, quando ela anuiu a seu pedido, ele inclinou-se na direção de seus lábios, perdendo-se no
calor de sua boca.

Era óbvio que ela negaria, e era óbvio que ele precisaria convencê-la. Mitch estava
preparado para tudo isso, já que, se havia conseguido convencer Adrian — claro que com a ajuda
de Damian — a permitir que ela tivesse a propriedade costaneira, então Margareth seria um
desafio muito menor, porém extremamente mais delicioso de se enfrentar.
O modo como colocou as mãos nos quadris e o confrontou quando ofereceu a casa a
Maud... céus, aquilo o encantou por demais! Por isso, ele caminhou até o lado dela, ao
entardecer, quando a praia estava bem menos movimentada e as ondas arrebentavam singelas
contra as pequenas rochas, sentando-se sobre a toalha que ela e a amiga encontraram em uma das
gavetas depois de Olive insistentemente dizer que gostaria de ir para a praia.
Mitchell gostava do garoto. Criara certa afeição por ele, por sua educação e
espontaneidade. Ele se perguntou se Margareth, alguma hora, seria realmente quem ela era ao
lado dele, como o filho conseguia ser.
O homem podia ver o modo com que ela prendia a respiração em certas horas, contendo-
se.
Ele certamente não queria isso, mas, assim como a confiança, cada momento precisa ser
trabalhado, e diálogos não lhe faltariam para isso. Ouvi-la era como apreciar a voz mais doce de
uma cantora lírica.
Mitch esperava que, pelo modo como a olhava, ela pudesse saber disso.
— Ainda irritada comigo? — perguntou com um sorriso travesso.
— E tem como se irritar com alguém que lhe deu uma casa?
O tom dela soou mais áspero.
— Pelo modo que perguntou, tendo a acreditar que sim.
— Não estou brava, Mitch, só é... — Sua voz perdeu-se no ar fresco. — Só é difícil
entender.
Ele estreitou o olhar.
— Dizem que sou muito bom em explicar.
Ela riu. Droga! Aquele sorriso o desarmava por completo.
— Quando acordei, estava em sua casa. Depois, conheci seus irmãos de uma maneira nada
oportuna, quase fui atacada por meu senhorio, se o senhor não tivesse parecido e, agora,
presenteia-me com uma casa. — Seus olhos são a personificação da dúvida. — Está tudo tão
rápido que temo que iremos nos perder entre os nuances, Mitch.
O homem finalmente entendeu o que ela queria dizer, pigarreando conforme escorregava
seu corpo para mais perto do de Margareth, seus dedos quase tocando-se quando ela, de repente,
resguardou sua mão sobre o colo.
Ele não insistiu. Ela precisava de espaço.
— Não queria que tudo fosse tão abrupto, Margareth, lhe garanto que só lhe quero o bem.
— Cada palavra ali era verdadeira. Mitch sentia que, a ela, nunca precisaria mentir. — Mas para
que pudesse ficar segura... precisava lhe dar a casa. Não a quero de volta no Oasis, quero que
fique com Olive, aproveite o tempo que tem com ele.
— É mesmo? — O rosto dela voltou-se ao dele com maior agressividade, uma firmeza que
o fez tomar ainda mais cuidado com cada palavra. — Por quê?
— Porque eu sei como é difícil olharmos para trás e percebermos quase não temos
memórias com nossa mãe porque ela estava trabalhando.
A resposta a silenciou, e a ele também. A sonoridade das ondas entrepassou seus olhares e
os acolheu, assim como o leve grasnar dos pássaros voando ao alto e a risada de Olive, que se
divertia na margem, dando pequenos saltos conforme a marola chegava, chutando os respingos
na direção de Maud, que corria dele, a saia já encharcada e o coração leve, as silhuetas deles
diante o crepúsculo.
— Fui realmente tola em pensar que não deveria aceitar, não é? — perguntou depois de
certo tempo.
— Você foi o que a sociedade esperava de você, Margareth. — Os olhos dele
compenetraram aos dela, atraindo seu rosto para o de Mitch. — Mas eu já a beijei e, por Deus,
nunca senti nada igual.
Ela sorriu timidamente, as bochechas altas e os olhos brilhantes.
— Apaixonei-me pela mulher que você é, Margareth, não por quem esperam que você
seja.
Então, ainda que estivesse tão claro quanto o sol que se punha, ouvi-lo verbalizar tal
sentimento fez o semblante de ambos se iluminar em surpresa.
— Se apaixonou por mim? — perguntou em uma incrédula inocência.
— Perdidamente.
— Mas ainda há partes minhas que não conhece.
Ambos notaram o teor sugestivo do comentário, porém mantiveram o decoro, por mais que
seus sorrisos fossem maliciosos.
— E eu as adorarei conhecer.
Um beijo poderia ser dado naquele instante, porém Mitch entendia que, se o fizesse, estaria
não somente aumentando seu desejo de tê-la como também ultrapassando o limite que Margareth
sutilmente colocara, ali. Então ele apenas apoiou-se contra os cotovelos, assistindo junto a ela o
retorno de Maud e Olive.
— Mamãe, a senhora devia ter entrado na água!
— Estou cansada, filho, quem sabe na próxima, pode ser? — Margareth dobrou seus
joelhos e penteou os fios suados e salgados do cabelo de Olive. — Agora que a amiga da mamãe
tem uma casa na praia, ficou ainda mais fácil, não?
Havia certa pontada de sarcasmo em sua voz e olhar conforme erguia a sobrancelha
esquerda, uma centelha, que acendeu uma leve harmonia de risadas entre eles.
Mitch voltou a encantar-se com o sorriso dela.
Margareth encantou-se com a benevolência dele.
Realmente, não há maior força do que sustentar um sorriso verdadeiro quando se está
quebrado por dentro; tal que, a partir daquele fim de tarde, Margareth Mae sentiu que estava
começando a se curar.
Capítulo XV

Despertar teria sido infinitamente melhor para Mitch se o tivesse feito ao lado de
Margareth, porém, agora, ele estava sozinho em sua cama, remexendo-se nos lençóis, pensando
como seria tê-la ali, debaixo deles.
Seria incoerente negar que o homem não se pegou pensando na nudez dela. Como seria?
Seu membro parecia o de um adolescente, agitando-se a cada pensamento sobre a mulher, tal que
precisou se aliviar em seus aposentos antes de se trocar, um colete sobre uma camisa branca e os
cabelos penteados preguiçosamente conforme Adrian esperava-o na porta do escritório, os braços
cruzados e os olhos semicerrados.
— São sete da manhã, Adrian... — comentou como se aquilo apaziguasse o que o irmão
viesse a lhe dizer.
— E, mesmo assim, parece ter feito coisa errada — disparou um tanto rouco, entrando no
escritório, guiando o irmão com o olhar.
Adrian tinha um gosto específico por efeitos surpresa, mas sua cabeça dura e prepotência
em nada eram novos aos olhos de Mitch.
— Como posso ter feito algo errado se estava dormindo?
Um sorriso de esfinge surge no rosto do irmão.
— Com o rubor de suas bochechas? Duvido que dormir fosse o que estava fazendo. —
Depois que ele entra, Adrian fecha a porta atrás de si, penteia os cabelos e encara os livros da
estante como se, em alguma hipótese improvável, fosse começar a ler. — Somos culpados até em
sonhos, irmão.
— Honestamente? — Mitch jogou-se desleixadamente contra a poltrona de brocado, os
ombros relaxados conforme as palavras vinham sem, de fato, uma preocupação. — Acho que
não podemos culpar um ao outro. Todos fizemos algo que nos desagradou.
— Ah, sim, Damian admitiu-me que você mudou de ideia quanto a contratarmos
cavalheiros ao clube, mas não é sobre isso que vim falar.
— Não?
— Não. Olhe em sua gaveta, chegou um pacote para você.
Estranhando o comentário, Mitch inclinou-se para o lado, a mão puxando a aldrava e os
olhos encarando uma pequena caixa de couro com um laço de cetim cor-de-rosa. O ar pareceu
pesar sobre ele, em um instante. O relaxar das sementes escapando de seu corpo, o ar fresco da
manhã e até mesmo a tranquilidade em seu semblante se desfez.
Não... não pode ser...
— Ela está tão apaixonada que lhe enviou um presente.
Mitch sentiu o nó em sua garganta.
— Ela?
— Margareth Howells, é claro — falou como se fosse óbvio. — Fazer-se de tolo não lhe
cai bem.
O mais velho teve de forçar um sorriso diante a tensão em seu rosto, as mãos lentamente
desfazendo o laço, o cetim escorregando pelas laterais. Talvez pela incapacidade de Adrian de
olhar para além do que o incomoda, ele não tenha notado que Margareth jamais teria a quantia o
suficiente para um presente como aquele.
Só que não era um presente.
Dentro da caixa, havia o maior medo de Mitch, uma sombra de um passado improvável
que o assombrou como se um espectro estivesse diante de si, tal que sua mandíbula endureceu,
os dentes rangendo e os olhos ardidos, conforme fechava a caixa de imediato.
— O que era?
A verdade. Era isso o que estava dentro daquela caixa. Mas ele não conseguiria admiti-la
ao irmão, por mais que isso rompesse, mais uma vez, com a única regra entre eles: não há
segredos.
— Mitch?
Mas antes que pudesse insistir, a porta do escritório se abriu em um súbito, Damian
aparecendo abraçado a papeladas, surpreso por vê-los ali.
— Ora, mas... isso é muito oportuno!
Adrian já revirou os olhos e Mitch, muito sutilmente, escorregou sua caixa de segredos
para dentro da gaveta. Teria de trancá-la mais tarde.
— Sabiam que eu iria chamá-los? — questionou o mais novo deixando seus papéis sobre a
mesa de mogno, de frente para Mitch.
— Claro, tivemos uma mensagem divina durante o sonho — ironizou o gêmeo com um
sorriso sarcástico.
— Às vezes, pergunto-me como podemos ter chegado ao mundo juntos — suspira
dramaticamente olhando na direção de Adrian.
— Eu fiquei com o charme e inteligência e você... — Ele apontou para Damian com um
esgar. — Tem razão, acho que houve uma divisão injusta quanto às nossas qualidades dentro da
mamãe.
Mitch franziu o cenho inspirando profundamente. O choque da súbita encomenda o abalou.
Precisaria não só trancar a gaveta, mas também conversar com os criados para que, caso haja
novas cartas ou pacotes, tudo fosse entregue a ele.
Se bem que não havia um remetente anexado à caixa... isso poderia ser ainda pior.
Porém, naquele instante, o que importava era silenciar os irmãos, tal que ele ergueu a mão
apertando as têmporas e pediu:
— Podem, por favor, interromper o diálogo sobre o ventre de nossa mãe?
Ambos o encararam.
— Ainda nem tomei o desjejum — completou.
— Basta tocar o sino e a Sra. Laurel o trará — relembrou Adrian com um dar de ombros.
— Porém tenho que concordar que não é dos assuntos mais agradáveis...
Mitch o agradeceu com um olhar e as sobrancelhas se arquearam, mas o irmão não havia
terminado:
— ... se não suporto Damian nessa casa enorme, imagine em um ventre.
O mais velho bufou, vencido. Não queria discutir naquela manhã, não quando estava feliz
com a aproximação que estava tendo com Margareth. Se bem que, àquela caixa poderia arruinar
a visão que ela tinha sobre ele... maldição!
Mitchell sentiu-se encurralado.
— Cale a boca, Adrian! — vociferou com desdém. — Eu trouxe alguns nomes para que
analisemos, Mitch.
Ouvir seu nome o fez endireitar a postura, um pigarrear conforme inclinava-se na direção
dos papéis.
— Todos esses são nomes de cavalheiros que se propuseram a trabalhar no Oasis?
Animadamente, Damian disse que sim. Com tanta ansiedade, seus dentes fincaram no lábio
inferior.
— Por Deus, ambos serão acusados de pederastia se colocarem esses homens no clube...
O comentário do gêmeo era pontual e extremamente válido, considerando as leis que a
capital decretara quanto a práticas entre homens, porém Damian cruzou os braços tal qual o
irmão; já tinha sua réplica:
— Do jeito que fala parece que seria você a deitar-se com eles.
Adrian descruzou os seus.
— Jamais repita isso, admiti que iria pensar na proposta...
— Pois nós já decidimos, Adrian — posicionou-se Mitch em tom ameno. — Vamos
contratar cavalheiros ao clube, mas isso não necessariamente implica que se deitarão com outros
homens, apenas que, agora, atenderemos um público feminino.
— As solteironas. Puxa vida, que público desejado — zombou com o menear da cabeça.
— Devíamos analisar melhor.
— Assim como analisar sua ausência em reuniões marcadas com investidores, Adrian. —
Os olhos do outro irmão arregalaram-se na direção de Mitch. — Se quer ir atrás de uma mulher
casada, então vá, porém não continue negligenciando seus compromissos para com a família.
— Você que contou a ele? — questionou a Damian.
— Não precisei.
— Tive um encontro com o Sr. Fields. Ele me contou. — Mitch inflou seu peito e
umedeceu os lábios. — Damian não teve nada a ver com essa história.
Adrian bufou, irritadiço.
— Tanto faz, resolvam essa maldita situação e não criemos uma nova — decidiu com um
floreio da mão, os cabelos na altura dos ombros contornando seu rosto. Os três sabiam que em
nada adiantaria remoer os erros um dos outros. — Prestarei minhas desculpas ao Sr. Fields.
E então ele saiu do escritório.
— E eu achava que eu seria o mais problemático da família — comentou Damian em
gozação conforme sentava-se diante Mitchell. — Ela está bem?
Mitch agitou seus cílios.
— Perdão?
— Margareth. Ela está bem?
Ouvir o irmão perguntar sobre ela o fez sorrir, por mais que seu coração pesasse por
debaixo das vestes.
— Está sim, ordenei ontem à noite que o Sr. Friederick lhe fizesse compras nas vendas,
mas...
— Mas...?
— Ela tem dúvidas, entende?
— E não deveria?
Não havia sutileza na honestidade de Damian, porém aquela era uma frase que Mitchell
precisava ouvir. Margareth tinha todas as razões em ter seus questionamentos, afinal, o mais
velho dos Wolfheart estava escondendo uma caixa com laço de cetim na gaveta de seu escritório
sem que nenhum de seus irmãos tivesse conhecimento.
E isso poderia acabar com tudo.

— Eu espero, Margareth, com todas as fibras de meu ser, que você não considere o Sr.
Wolfheart um homem de gosto duvidoso.
A voz de Maud estava firme diante sua opinião para com Mitchell, especialmente agora
que organizavam as compras que o serviçal dele, um homem simpático e de idade mais avançada
refletida em seus cabelos grisalhos, chamado Sr. Friederick, as abasteceu com comprar para todo
um mês.
— Na verdade, creio que você não pode pensar isso, não lhe tem esse direito.
— Não?
— De forma alguma! — Seu tom de voz era explicitamente absurdo. — Margareth, olhe
tudo o que ele está fazendo... um comportamento tão cordial não deveria receber um olhar de
dúvida em resposta.
— Não desconfia das razões dele para fazê-lo? — perguntou conforme aninhava as frutas
em uma cesta trançada que encontrou guardada em um dos armários de madeira na cozinha, onde
as paredes eram forradas por prateleiras e objetos em latão, com vigas logo acima que, de vez em
quando, deixavam feixes de luz transpassarem pelas tábuas.
— Acho que é um cavalheiro apaixonado, e acho que a senhorita também está.
— Já é óbvio que estou, Maud, e não me incomodo em admitir que o estimo e lhe tenho
grande apreço, mas... por mais que grande parte de meu coração diga que devo confiar nele, e
sinto-me confortável ao fazê-lo, há outra que me alerta de que pode haver algo por detrás.
Maud apressou seus passos até a amiga, tomando-lhe as mãos e levando-a aos seios,
sentindo seu coração acelerado.
— É amor, Margareth!
E, com medo de ofender a crença e felicidade da amiga, a mulher não disse mais nada
sobre o assunto; mas o tipo de inquestionabilidade que, segundo Maud, deveria existir ali, para
Margareth ainda era difícil.
A vida lhe ensinou a desconfiar, e surpreendia-a que a amiga pudesse confiar nele em um
arrebate só. Indubitavelmente, o prazer arrebatador que ele imprimia sobre Margareth era
inesquecível, mas ela ainda manteria um pé atrás. Um amor pode ser avassalador, e, não
obstante, certamente inclinável a um erro.
Margareth não queria errar para com Olive, novamente, e já conseguia notar como os olhos
do menino brilhavam quando comentava, em certos momentos, sobre — em suas próprias
palavras — “o moço bom que lhe trouxe para perto da praia”. Não podia deixar que seu filho se
decepcionasse caso Mitch se revelasse diferente do que queria que eles vissem.
Mas por que ele esconderia algo dela? Talvez Maud detivesse a razão e não houvesse
racionalidade em duvidar dele, afinal... ele a protegeu até este instante.
— Não vai atender?
A voz da amiga fez Margareth agitar os cílios, voltando para a realidade, afastando-se de
pensamentos que, talvez — e apenas talvez — fossem incoerentes.
— Perdão?
— Estão batendo na porta.
Margareth olhou por sobre o ombro, o cenho franzido.
— Acha que é...
— O Sr. Wolfheart? Não tenho dúvidas.
E Maud estava certa. Bastou que a mulher abrisse a porta para que a figura estonteante de
Mitchell surgisse em sua frente, um sorriso doce nos lábios finos, a barba bem aparada e os olhos
felizes em vê-la, brilhando tal qual o sol daquela manhã, bem menos tímido que nos últimos dias.
— Bom dia, Srta. Howells.
Margareth inspiro fundo.
— Acho que já passamos do momento das cordialidades, lembra-se?
Mitch baixou os olhos para seus pés, cobertos por sapatos tão elegantes quanto seus trajes
escuros.
— Tem razão. — Ele parecia nervoso. Algo na postura de Mitch, sempre tão firme e
robusta, pareceu diferente.
— Está tudo bem, Mitch?
— Estará se me disser que suas dores passaram.
Os lábios dela repuxaram-se em um sorriso antes de ela os umedecer.
— Um pouco. O Sr. Friederick trouxe o elixir junto às compras.
— Recebeu suas roupas, também?
— Sim, sim... — Os olhos dela baixaram para seu vestido verde, um tão antigo que ela
nem lembrara que tinha, mas que havia sido colocado em fácil alcance em uma das malas de
couro em que viera. — Eu... lhe devo agradecimentos eternos, Mitch.
E, pelo sorriso dele, ela soube que em sua mente já surgira uma forma de como agradecer.
O coração dela acelerou e os lábios anteciparam-se para um novo beijo.
— Poderá agradecer-me amanhã à noite.
— Amanhã? — Os olhos dela olharam-no semicerrados. — O que tem em mente?
— A caminho daqui deparei-me com um dos panfletos da nova ópera exibida no Brighton
Dome. Pensei que... talvez pudéssemos ir.
Ele respirou fundo, e isso a fez fazê-lo também, olhando rapidamente por sobre o ombro.
— Gostaria de entrar, Mitch?
— É claro — responde com um sorriso largo. — Não irei atrapalhá-la com Olive?
— Não, não, Olive já está na escola, o levei hoje cedo antes do Sr. Friederick trazer tantos
alimentos.
— Ah, sim — respondeu com um nó na garganta. Talvez esperasse que ela reclamasse e
protestasse com seus atos, porém Margareth decidiu apenas agradecê-lo mais uma vez. — Eu
espero que não falte nada.
— Com o tanto de comida que ele trouxe, estaremos muito bem abastecidas — cantarolou
Maud com metade do corpo enfiado no armário, organizando-o.
À essa altura, o homem já estava no meio da sala, esperando pelas direções de Margareth,
que encostou a porta da frente antes de seguir para o lado dele.
— O que posso lhe servir de café da manhã? — perguntou ela prazerosamente.
— Poderia dizer sim ao meu convite.
Mas aquilo ainda lhe era uma questão em sua mente, tal que Margareth girou nos
calcanhares, a saia rodopiando nos tornozelos conforme caminhava até a pia, apanhando um
pequeno bule e enchendo-o com água da pia.
— Ferverei um chá para nós, então.
Ela sabia que aquela não era uma resposta satisfatória, e o pedido que Mitch fez atrás dela
ocasionou em um arrepio por todo o seu corpo:
— Querida Maud, poderia nos dar um instante a sós, por favor?
A amiga olhou rapidamente para Margareth antes de responder:
— É claro, irei organizar as camas. — Então ela desapareceu pela escada em caracol, que a
guiou até o piso superior.
Sozinhos, então, a pressão recaiu entre eles, especialmente pelo modo como Mitchell a
estudou com os olhos semicerrados. Ambos notavam que havia algo estranho pairando no ar.
— Posso pegar alguma coisa para auxiliá-la no chá? — sugeriu como um cavalheiro,
movendo-se até estar ao lado da mesa de madeira, por onde ele passou os dedos conforme
estudava o modo que ela se movia rapidamente.
Ela mordiscou o lábio.
— Basta sentar-se, Mitch... já irei servi-lo.
Ele a obedeceu, sentando-se perfeitamente ereto na cadeira conforme a água começava a
borbulhar dentro a chaleira.
— Margareth, se eu lhe fizer uma pergunta indiscreta, ficaria chateada?
A mulher deteve-se com um pequeno pacote de folhas de chá em sua mão.
— De forma alguma — negou conforme as despejava na água.
— Meu convite a assustou?
A mulher parou diante da janela, os olhos fitando as poucas nuvens no céu conforme ela
passava as mãos em seu cabelo, nervosa.
— Estou certa de que seria absurdo mentir para o senhor, então, sim, Mitch, estou
assustada.
O cenho dele franziu-se.
— Mas, talvez, assustada não seja o termo mais apropriado — continuou Margareth
conforme pensava. — Apenas... hesitante.
Mitch digeriu a honestidade, que lhe desceu seca pela garganta, antes de perguntar:
— E o que lhe deixa hesitante?
— Ora... — Um sorriso apreensivo cruzou os lábios dela. — Uma coisa é o senhor estar
aqui, comigo, dentro de quatro paredes, Mitch, mas estar ao meu lado em público é
completamente outra.
— Já estivemos em público. Fomos à praia, ontem — relembrou.
— Sim, e eu não deixei que o senhor me tocasse.
O cenho dele se franziu.
— O que quer dizer, então, Margareth?
— Não estou apreensiva por mim, Mitch, mas por você — explicou sabendo que não havia
como esconder aquilo. — Homens não são bem-vistos com viúvas por elas já terem sido tocadas
por outros.
Agora, conforme ela desligava a chaleira, Mitch se ergueu, passos firmes que, assim que
Margareth colocou o bule de lado, a encurralaram, os braços prendendo-a diante de si conforme
as mãos repousavam na pia.
— Quero que olhe bem em meus olhos, Margareth, e veja como não minto quando digo
que meu desejo pela senhorita é verdadeiro. — A intensidade do castanho em seu olhar criava
um perfeito contraste com o azul dos dela. A costa e o mar. Um homem e uma mulher
encontravam-se naquele instante. — Pouco me importa o que os outros dirão. Sempre disseram!
Os novos ricos jamais serão aclamados como a nobreza, e isso é o mais irrelevante no momento.
— O que seria mais importante, então?
— Provar o seu valor, Margareth. Quero que a veja como eu vejo. Não consigo mais
afastar-me de ti.
Os olhos dela brilharam por um instante, percorrendo as feições dele, tão perfeitamente
másculas e honestas, repousando, por fim, novamente em seu olhar.
— Então não me esconderia segredos?
Mitch estranhou o questionamento, as sobrancelhas franzindo-se.
— Por que diz isso?
— Esconderia? — insistiu e as bochechas dele ruborizaram.
— Há assuntos que apenas os homens deveriam se envolver, Margareth...
A resposta a desagradou, tal que ela escorregou para além dos braços dele, voltando-se
para o armário onde havia duas pequenas xícaras, apanhando-as e colocando sobre a mesa.
— Margareth... — chamou, porém ela encontrava-se muito mais absorta no ato de servir o
chá do que em ouvi-lo. — Margareth!
— Não quero uma vida conjunta onde viverei apenas parte dela, Sr. Wolfheart —
respondeu em um disparo conforme o vapor com aroma de camomila subia até suas narinas. —
Não irei arriscar decepcionar a mim e ao meu filho...
— Margareth, eu...
— Não quero que haja segredos. Estou em um ponto de minha vida em que tudo que
importa é enxergar as minhas opções da forma mais clara possível.
— E quais são suas opções?
A pergunta a pegou desprevenida, silenciando-a por um instante conforme engolia em
seco.
— Meu coração diz que há apenas uma, Margareth — admitiu com a intensidade
inundando seu olhar conforme o indicador contornava seus lábios. — Você.
Um sorriso apaziguou as feições dela.
— Meu coração chama por ti a cada instante, Mitch, mas não posso me envolver em
segredos.
— Então eu lhe prometo que não a envolverei.
Margareth deixou uma pequena risada escapar de seus lábios conforme sentava-se.
— Noto a ambiguidade de sua frase, Sr. Wolfheart. — Ela bebericou seu chá, esquentando
seu paladar. — Eu só não quero alguém que vá esconder as coisas de mim.
— Eu não esconderei nada que me perguntar.
Novamente, a ambiguidade repousou em suas palavras, tal que Margareth apenas inspirou
profundamente.
— Assumir a si mesmo na sociedade é algo muito sério, Mitch.
— Creio que esteja certa, minha querida — Ele puxou a cadeira diante dela e sentou-se,
puxando sua xícara para perto. Margareth não conseguiu deixar de notar o tratamento carinhoso
pelo qual lhe chamara. — Anunciar-se ao mundo é muito assustador, mas... se me der o
privilégio, gostaria que enfrentássemos isso juntos.
Ela lhe olhou pelo canto dos olhos, tomando um novo gole.
— Dê-me essa chance, Margareth, deixe-me dissolver quaisquer que sejam as ressalvas
que tem em sua mente. — Mitch escorregou sua mão pela mesa de madeira, chamando por ela.
— Aceite meu convite.
Margareth mordiscou o interior da bochecha, fitando a pele áspera que já lhe acolhera em
seu momento mais frágil. Haveria, de fato, um motivo para não confiar nele, quando seus olhos
parecem tão sinceros? Ela já não saberia dizer.
— Não tenho um vestido apropriado para ir à ópera — ressaltou conforme via-o tomando o
chá.
— Presumo, então, que seria aconselhável se lhe comprássemos alguns.
Ela não conseguiu deixar de sorrir.
— Isso é um sim, Srta. Howells?
— Sim, Mitch — afirmou. — Assim como fizera por mim, estou lhe dando essa chance.
Capítulo XVI

A Autumn Leaf Boutique ficava exatamente no centro de Brighton, e Margareth lembrava-


se de já ter passado diante sua vitrine, tão bela e estonteante que não era incomum ver jovens
garotas suspirando pelas rendas e camadas expostas em manequins.
O local era grande e bonito, tal que os olhos de ambos, Margareth e Mitch, atraíram-se
para sua fachada, onde um homem vestido de azul-marinho teve a gentileza de abrir-lhes a
passagem ao interior, onde o cheiro de lavanda e tecido recém-chegado os alcançou.
— Este estabelecimento... — A voz de Margareth escapou em um suspiro. — Nunca achei
que entraria aqui.
Por dentro, tons de creme e carmesim misturavam-se pelos papeis de parede e os pórticos
das divisões dos corredores, todos com suas cortinas devidamente amarradas para que se pudesse
ir e vir sem problema algum, alguns manequins exibindo as novas tendências, com seus decotes
e cinturas tão finas que Margareth já sentia suas costelas comprimidas com um mero olhar.
— Nem eu — comentou Mitch com uma risada que a fez apertar suas mãos ao redor de seu
braço.
— Está a me dizer que nunca veio comprar um vestido para uma prima distante?
— Não tenho primos.
As sobrancelhas dela se arquearam. Aquela seria uma oportunidade de saber mais sobre
ele.
— Sua mãe foi filha única, então?
— Sim. E meu pai, como nos abandonou, não me interessa qualquer pessoa que adivinha
de alguma segunda linhagem — admitiu secamente com um ranger dos dentes que quase os fez
estalar.
— Então não sabe se ele está vivo?
— Não me faz diferença alguma.
A frieza em sua voz a fez se interromper ali mesmo, porém Mitch notou como fora rude,
perguntando:
— Toda sua família veio de Brighton?
Margareth sorriu com os lábios colados.
— Não precisamos falar sobre a família se isso o deixa desconfortável. — Os olhos dela
foram desde as vendedoras, com suas roupas excêntricas e penteados extravagantes, algumas das
quais arrumavam uma vitrine de chapéus de pena, até os dele.
— Falar sobre a senhorita de forma alguma me desconfortaria.
Ela revirou os olhos timidamente.
— Não há muito a saber sobre mim. Minha mãe chamava-se Agatha Merrith e conheceu
meu pai, um engraxate durante o dia e um cocheiro durante a noite, quando tinha quinze anos.
Eles... bem, ela sempre me disse que foi amor à primeira vista, e de fato o consumaram um ano
depois.
— E então a senhorita nasceu?
— Não... — Um sorriso pesado surgiu nas feições dela. — Minha mãe, infelizmente, não
tinha a fertilidade que se esperam de uma mulher, então perdi muitos irmãos até nascer.
— Sinto por ela.
— Não precisa sentir, mamãe dizia que todas as tristezas dela se foram quando me viu pela
primeira vez.
Como de costume, ainda que ela nunca fosse se acostumar com tamanho charme e o modo
como irradiava calor por seu corpo, Mitchell sorriu.
— Bem, creio que eu tendo a concordar com ela.
Mas antes que Margareth pudesse questionar o que faria um homem tão imponente e firme,
como ele, entristecer-se, uma mulher de rosto esguio e cabelo alto surgiu, as mãos cobertas por
luvas brancas tais quais os adornos nos cachos que pendiam até a altura de seus ombros.
— Sejam bem-vindos ao Autumn Leaf — cumprimentou com um sorriso duro, como se já
tivesse feito aquilo exaustivamente naquela manhã. De fato, a loja estava mais cheia do que eles
poderiam esperar, com senhoras e senhoritas pomposas carregando suas sombrinhas fechadas e
escolhendo os melhores tecidos.
— É um prazer — respondeu Margareth.
— Obrigado por nos receber — seguiu Mitch beirando um uníssono ao fazer uma curta
mesura com seu rosto. — Sou Mitchell Wolfheart, gostaria de um atendimento exclusivo, se for
possível.
— Mas é claro, senhor — cantarolou a mulher com uma súbita animação. — Porém, devo
ressaltar que há uma taxa extra por isso.
— Não será problema.
— Excelente! — A atendente respirou fundo e alinhou sua postura. — Pois bem, sigam-me
Sr. e Sra. Wolfheart.
O rosto de Margareth esquentou de imediato e ela jurou que as bochechas a queimariam
caso as tocasse.
— Na verdade...
Porém, antes que ela pudesse terminar sua frase, a atendente já estava longe, guiando-os
por um corredor largo onde um tapete vermelho levava a uma sala privativa.
— O senhor a deveria ter corrigido — comentou conforme apressavam os passos.
— Discordo.
— Não tem o que discordar!
— Para mim, divirto-me ao pensarmos como senhor e senhora — Os olhos dele estavam
cheios de malícia e a olharam de esguelha. — Não lhe agrada a ideia?
Porém Margareth apenas sorriu, imaginando tudo o que, de fato, fariam caso fossem
senhor e senhora. Não haveria restrições ao toque, ao que seria dito e nem como deveriam se
portar discretamente nos locais públicos. Apesar que, unidos em matrimonio ou não, ela o
deixaria eternamente tocá-la de quaisquer formas que desejasse.
— Chamarei a Srta. Bellart para tirarmos suas medidas, Sra. Wolfheart, mas já gostaria de
saber: há algum modelo de preferência? — a atendente perguntou quando, por fim, a alcançaram.
— Eu... eu não sei dizer...
— Agradou-me muito um vestido Borgonha que vi em um dos manequins — falou Mitch
surpreendo a ambas. — Se pudéssemos começar por ele, ficarei muito satisfeito.
— É claro, senhor, dê-me um momento! — A atendente fez uma pequena mesura e saiu,
deixando-os na sala privativa, onde três espelhos davam-nos a visão perfeita um do outro, sob
luzes fracas ao lado de arranjos florais.
— Borgonha? — questionou ela com um sorriso travesso.
— Perdão?
— Não é nada, apenas que... não aparenta ser do tipo de cavalheiro que saberia distinguir
os tons de vermelho.

E aquilo soou como um delicioso desafio para Mitch.


Saber as diversas tonalidades foi algo imposto a ele, já que Damian sentira-se ofendido,
muitas vezes, quando seus irmãos erravam a paleta de cores escolhida especificamente por ele.
Porém ele jamais achou que viria a ser tão oportuno tal conhecimento quanto agora.
Mitchell quis provocá-la, instigar seu corpo, e estar naquela sala permitia-o isso.
— Ora, Srta. Margareth, eu conheço os mais diversos tons.
Ele se ergueu. Pelo espelho, seus olhos notaram como a respiração dela falhou por um
instante e as mãos fecharam-se, ansiosas.
— Como quais? — perguntou em uma lufada de ar.
— Apenas do vermelho, posso nomear cinco. — Mitch sabia baixar o nível de sua voz a
um sussurro firme, aveludado, que lhe provocava arrepios. — Carmim, cereja, bordô, carmesim,
cardeal...
Sua voz beira ao hipnotismo, a sedução aveludando sua boca, que tanto desejava tocar o
pescoço dela, umedecê-lo com seu toque quente, sentir sua língua subir uma linha perfeita até o
lóbulo de sua orelha.
Mitch estava inteiramente atento a Margareth. Um traço da doce fragrância da mulher
invade seus sentidos conforme ela toca seus cabelos. Ela é irrevogavelmente linda, e o mais
singelo gesto o encanta, e ele sabe o quanto a afeta, talvez de forma tão profunda que beirasse o
inconsciente.
A respiração de Margareth se altera por um instante quando ela sente sua presença atrás de
seu corpo, um pouco presa pelo tamanho de seu corpo, e ela o espreita pelo brilho refratado no
reflexo do espelho.
— Está tão próximo...
— Apenas porque desejo lhe contar sobre algo...
Seus dedos tocaram as madeixas castanhas, empurrando-as para trás conforme seu rosto
inclinava-se na direção de seu maxilar, o aroma de baunilha inebriando seu corpo e atiçando seu
membro conforme a ponta de seu indicador alcançava a pele de seu pescoço.
— O que seria? — A pergunta escapa por seus lábios e se dissolve no ar, sem estabilidade
alguma, desfeita por entre um sopro de respirar.
— Sabe qual é o meu tom favorito de vermelho? — Então Margareth deixa um pequeno
gemido escapar quando os lábios dele mordiscam sua pele. Ele a queria tê-la por completo, mas
adorou atiçá-la naquele instante, o prazer reverberando pelo sangue.
— Mitch... — ela chamou por ele com os olhos fechados.
— Abra os olhos, Margareth, quero que veja o meu tom favorito de vermelho.
Então, obedecendo-o, Mitch notou o modo como seus olhos encararam de forma
aficionada o rubor em suas bochechas.
— Seu ruborizar é um dos maiores deleites que tenho, Srta. Margareth.
Ela umedeceu os lábios e engoliu em seco, o ar travando em sua garganta.
— Imagino que outros tons encontrarei ao despi-la por completo.
E a frase é tão intoxicante que o maxilar de ambos enrijece. Porém não há como
prosseguir, pois a atendente, acompanhada da Srta. Bellart, a qual trás enormes fitas métricas
enroladas no braço direito, surgem por entre as cortinas.
— Podemos começar, Sra. Wolfheart? — perguntam assim que entram. Mitchell,
rapidamente sentado na poltrona de couro, não consegue evitar um suspiro.
— Sim... — concorda ela às pressas. — Sim, é claro.
O corpo de Margareth parece firme, como se nada impróprio tivesse ocorrido.
— Receio que devo pedir que saia por um instante, senhor — alertou a Srta. Bellart
conforme desenrolava a fita métrica.
— Compreendo — respondeu suscinto ao se erguer, abotoando seu terno.
Em retrospecto, os olhos de Mitch ainda carregavam a intensidade com que ela o inebriava,
fitando-a pelo espelho, permitindo que Margareth captasse o modo com que seus lábios sorriam
ardilosamente antes de sair.

— Ele ainda sorria? — A voz de Maud, quando ele a deixou em casa, tamborilava por seus
ouvidos.
— Sim.
— Tem certeza?
— É difícil de não notar o sorriso dele — admitiu envergonhada conforme colocava as
sacolas com os vestidos escolhidos por sobre o sofá. Sim. Os vestidos, no plural, uma vez que
Mitchell dissera que, se tudo ocorresse conforme seus planejamentos para aquele anoitecer, ela
iria querer voltar a vê-lo.
Porém essa já era uma possibilidade irrevogável. Margareth sentia que não haveria algo no
mundo que viesse a afastá-los.
— É neste momento que a senhorita deveria dizer “sinto muito, Maud”.
Margareth franziu o cenho.
— Sinto muito?
— Sim. Porém experimente dizer sem esse tom de questionamento.
— Por qual motivo exatamente eu deveria me desculpar, Maud?
— Por desconfiar do Sr. Wolfheart.
A mulher sorriu com o comentário, baixando o olhar antes de caminhar até a pia,
apanhando um pouco de água. Seu corpo ainda queimava com a lembrança da língua dele contra
seu pescoço e suas intimidades atiçavam-se conforme ela mordia o lábio inferior. Nem mesmo
por John as sensações tinham sido tão à flor da pele.
— As desculpas deveriam ser dirigidas a ele, portanto, não? — replicou depois que a água
arrefeceu sua garganta, um frescor que ela precisava urgentemente.
— Não. Eu aceito as desculpas — brincou ainda que, em seu tom, houvesse um ar
decisivo.
— Espero que aceite o vestido que comprei para você, também — anunciou com um
sorriso apreensivo, lançando um olhar para Maud, as feições iluminadas em surpresa.
— Como é?
Foi apenas quando realmente aproximou-se de Maud que notou como a surpresa nos olhos
dela vinha da mais pura emoção. Seu peito inundou-se com felicidade diante a gratidão que
sentiu por ter uma amiga tão querida.
— Estive sempre atenta quando reclamava por ter apenas vestidos de popelina, e os trajes
do Clube não são bem-vistos à luz do dia, então...
Porém Maud não esperou que ela terminasse, abraçando-lhe com toda a alma, beijando-lhe
a bochecha, o sorriso tão radiante era incapaz de esconder-se por qualquer tristeza.
— Obrigada, Margareth. De coração!
— Isso é o mínimo diante tanto apoio que me deu nos últimos tempos.
— Sempre, Margareth — garantiu apertando-lhe a mão. — E como há de ser este vestido?
— Ora, pode olhá-lo! — falou apontando para uma das sacolas, assistindo a como Maud
tentou conter a ansiedade em seus passos até que suas mãos tocassem o vestido.
— Margareth.... — Sua voz escapou carregada de admiração. — Isto é... isto é pura seda!
O vestido desdobrou-se do embrulho em que viera e exibiu-se com esplendor, os dedos da
amiga apreciando as rendas das mangas azuis, tal qual o corpete, ambas criando o mais belo
contraste com a saia tom de creme.
— Disse a Mitch que apenas aceitaria os presentes se pudesse levar algo para você.
— Puxa, deve ter sido um grandessíssimo sacrifício de sua parte — zombou a outra por
entre uma risada, inabilitada de impedir o desvio de seu olhar de cada desenho naquele rendado.
— Quantos ele lhe comprou?
— Três.
— E qual usará hoje à noite?
Os olhos de Margareth acusaram-na de imediato.
— Não me olhe deste jeito, Margareth!
— Ouviu escondido a nossa conversa no dia de ontem?
— Ora, eu os deixei a sós, como o Sr. Wolfheart pediu... — Ela fez um pequeno beiço com
os lábios. — Porém as vigas deste andar são o piso do segundo. Eu devo ter deixado um brinco
cair e tive de pegá-lo, entende?
Margareth ergueu uma sobrancelha e cruzou os braços diante a história patética e mal
elaborada.
— Sabe que não sou criativa! — resmungou sem que Margareth precisasse dizer mais
nada. — De toda forma, perdoe minha permissividade, Srta. Howells, mas...
— Mas...?
— Tudo bem, não consigo me justificar, eu realmente quis ouvir — admitiu por entre uma
risada. — E isso foi bom, pois já até mesmo separei algumas fitas de cabelo que trouxeram nas
nossas malas, basta combinar com o tom do vestido.
Apesar de ela ter tentado colocar as fitas como elemento de dissuasão, Margareth manteve
sua sobrancelha erguida. Já deveria ter imaginado que a amiga faria algo do tipo.
— Primeiro precisamos pegar Olive na escola, depois resolvemos isso, está bem?
Porém Maud não se moveu, apenas reestruturou sua pergunta:
— Você já sabe qual vestido usará, não é?

Por Deus! Ela estava estonteante!


Era apenas isso que Mitch conseguia pensar quando, às 18h em ponto, seu coche
estacionou de frente para a praia, mas nem mesmo o mar atrás de si conseguia ser mais bonito do
que Margareth, com aquele vestido vermelho, o que ele escolhera, com um decote tão belo que,
ainda que revelasse grande parte da pele do alto de seus seios, ainda lhe trazia elegância, com
drapeados formando a saia e mangas largas que começavam de seu ombro e abriam-se como
sinos.
Mitch até mesmo reavaliou suas vestes; o fraque parecia simples demais ao lado dela,
ainda que as lapelas estreitas e o caimento perfeito o tornassem um regalo aos olhos.
— A senhorita tem um ótimo gosto para vestidos, já lhe disseram isso? — comentou com
um sorriso discreto conforme tomava-lhe a mão direita, beijando-a com carinho, demorando-se
alguns segundos sobre o toque da pele.
Sua mente não conseguia afastar a sensação excitante que ela infligia sobre cada parte de
seu corpo.
— Acho que já devem ter comentado — respondeu para vê-lo com um ar curioso. — Está
lindo, Sr. Wolfheart.
— Estou à altura de ser vossa companhia nesta noite? — Ele lhe ofereceu o braço, o
coração acelerado e os olhos encantados por Margareth.
— Nesta noite e para sempre.

Que Mitchell Wolfheart estaria impecavelmente vestido, isso já era certo, como um anjo
que havia sido beijado pelo sol, de olhos castanho dourados e cabelos perfeitamente penteados,
sua barba aparada desenhando seu maxilar. Porém a meticulosidade da perfeição do Brighton
Dome não poderia ser imaginada por qualquer um.
Ainda de dentro do coche, Margareth pegou-se mantendo o decoro para não se lançar
diretamente contra as janelas e esquadrinhar cada detalhe daquela gigantesca construção, que
emanava opulência com suas luzes fortes, a cúpula alta de vidro refletindo o brilho do interior
conforme valetes surgiam diante as pessoas, indicando-lhes o caminho por entre a noite
conforme guardavam suas carruagens.
— Senhorita — chamou um dos valetes ao abrir a porta, sua mão estendida auxiliando-a a
sair.
— Obrigada.
— Não pare longe — ordenou Mitch assim que saiu, lançando um xelim para o rapaz, que
sorriu em surpresa, ajeitando o quepe em seus cabelos revoltosos.
Diante a escadaria principal, o coração da garota apertou-se em ansiedade. Tudo era tão
lindo, tão rico, tão divino que ela não conseguiu deixar de sentir-se, por um instante, deslocada.
Talvez houvesse um laço frouxo entre seu penteado. Talvez seus brincos estivessem tortos.
Talvez o contorno da maquiagem em seus olhos borrasse se continuasse a se impressionar com
tudo.
Porém ali estava Mitch, oferecendo-lhe o braço, os olhos intensos estudando-a com
curiosidade.
— Senhorita — chamou apenas para que ela se aninhasse a ele. Foi impossível não notar a
diferença com que um mero “senhorita” poderia soar; o Sr. Wolfheart, ela teve impressão,
poderia fazer uma simples palavra soar como uma declamação.
— Chego a pensar que o senhor perdeu o juízo, Mitch.
Ele franziu o cenho, fitando a construção à sua frente.
— Quem disse que um dia eu o tive? — brincou conforme os olhos corriam seu arredor,
desde as sebes que formavam o caminho dos degraus até a entrada em arco para a qual se
dirigiam.
— Não diga tolices.
— Acredite, Margareth, estou em meu pleno estado mental. Não me falta juízo. — Seus
lábios estalaram ao se unir. — Mas muito me intriga a sua pergunta.
Ela baixou o olhar. Não poderia tropeçar.
— Por que acha que me falta juízo?
— Porque tudo é tão lindo, tão nobre.... — Em uma fração de segundos, Margareth chegou
a crer que o final da frase surgiria, pois ela sentira o ar passar por entre seus lábios, mas nada
aconteceu, requerendo que ela tivesse coragem para terminar: — Tudo tão digno.
— E não se acha digna de estar aqui?
— E-Eu... — tartamudeou, porém nada realmente foi dito.
— Margareth, somente nosso coração pode dizer do que somos dignos. Não as pessoas —
afirmou veemente. — Por muito tempo, olharam para meus irmãos e eu com desgosto, hoje em
dia imploram por nossos empréstimos.
— É uma questão de vingança, então?
— Jamais! — respondeu quase ofendido. — Ao menos não para mim.
— Então sobre o que é?
— É sobre acreditarmos em nós mesmos quando ninguém mais o faz. — Sua voz soou
firme e os ventos frescos jamais teriam sido mais oportunos do que naquele instante, renovando
o ar nos pulmões da mulher.
— Às vezes tenho dificuldade em lembrar disso.
— Estou aqui, então — concluiu amavelmente.
— Mesmo?
— Todos são dignos do amor, Margareth. Torço para que veja isso.

Se ela achou que apenas veriam a Ópera, ela estava muito engana. Mitchell, de fato, queria
mostrar o quanto ela poderia confiar nele, na mesma medida que desejava genuinamente mostrar
que Margareth nunca deveria se contentar com menos do que achava merecer, tal que reservou a
eles um jantar na região a leste do Brighton Dome, passando pelos túneis da construção.
— Poderíamos ir, então, a todos os ambientes apenas pelo subsolo? — questionou ela
conforme eles aguardavam na bancada para que o maitre viesse atendê-los.
— Absolutamente! Poderíamos ir desde o Dome até a Riding House.
— Há cavalos aqui?
— Muitos. Dizem que da própria família real, inclusive.
O ar pareceu ainda mais rarefeito para ela.
— Nós também devemos nos tratar como nobreza, Margareth — sussurrou ao pé de sua
orelha. — Eu já a vejo como uma rainha.
E então, deu-lhe um fugaz beijo na bochecha, virando-se no exato instante que um homem
esguio, até mesmo mais alto que Mitchell, apareceu, trajes impecavelmente passados e os
cabelos loiros penteados para trás.
— Qual o vosso nome, senhor?
— A reserva está sob Wolfheart.
Ele checou rapidamente seu enorme caderno, uma caneta de pena na mão direita.
— Perfeito! Sigam-me, Sr. e Sra. Wolfheart.
De forma obsequiosa, o maitre os guiou por entre as mesas, todas cobertas por toalhas
brancas, passando pela lareira acesa, que crepitava prazerosamente no instante em que
alcançaram sua mesa.
— Poderia trazer-lhes a carta de vinhos?
— Seria excelente — respondeu Mitch, antecipando-se ao maitre, puxando a cadeira para
Margareth para que se sentasse.
— Como desejar, senhor! — Então ele os deixou por alguns instantes, aproximando-se a
um segundo balcão, aos fundos.
Mitch teve de recuperar o ar em seus pulmões no instante que Margareth acomodou-se na
cadeira de brocado, seus olhos indiscretos acabando por notar o caminho deliciosamente
misterioso dos seus seios. O homem pigarreou e sentou-se diante dela no momento que o maitre
retornou.
— Aqui está, senhor — disse ao entregar-lhe as opções de vinho conforme acendia o
castiçal no centro da mesa.
Enquanto o fazia, o maitre também pareceu não conseguir desviar os olhos das feições de
Margareth, maduras e deslumbrantes, os cabelos se ondulando na ponta conforme caem por um
único ombro, seus brincos e os detalhes em seu vestido brilhando tanto quanto seus olhos,
expressivos e ansiosos, seu tom de azul cinzento aquecendo-se pelo alaranjado das labaredas,
como se o inverno que carregavam derretesse para ele.
Todo o seu corpo derretia-se por Mitchell e, mesmo que ela própria não notasse, ele sabia o
quanto de personalidade Margareth trazia no mais leve movimento de erguer a sobrancelha.
Porém, ela não pôde evitar de sentir-se singelamente lisonjeada; nunca havia sido uma
referência em beleza ou respeitável o bastante para o olhar dos outros cavalheiros, porém agora o
maitre a olhava encantado, ainda que fosse o ciúme nos olhos de Mitch que a tenha feito sorrir.
— Ousaria dizer que está com ciúmes, Sr. Wolfheart — comentou para atiçá-lo depois que
ele pediu pelo vinho, dispensando o maitre rapidamente.
— E eu ousaria dizer que está ligeiramente certa.
Notoriamente, a decoração e a presença deles daquele lugar não eram as únicas perfeições,
ali, já que os pratos servidos foram verdadeiros banquetes, que Margareth desejou que Olive
pudesse provar algum dia.
— Está delicioso, Mitch. Realmente divino!
— Pedi o que achei que fosse gostar.
— E se estivesse errado?
— Raramente estou.
Ela o lançou um olhar semicerrado conforme cortava um pedaço de sua lagosta.
— Nunca havia comido lagosta.
— A primeira vez que provei algo assim foi em uma viagem à França.
Margareth sentiu as sobrancelhas se arquearem.
— Já esteve no estrangeiro, então!? — exclamou. — Conte-me a respeito!
— Não quero entediá-la.
— E por que o faria?
— Foi uma viagem a negócios.
— Pois conte-me os mínimos detalhes — pediu realmente interessada. — Se não posso
viajar, gosto de ouvir sobre, já que assim posso sonhar que já estive lá, também.
Mitch tomou um gole de seu vinho, sentindo o firme gosto da uva descendo por sua
garganta antes de envolver sua língua como um veludo.
— Certamente gostará de passar mais tempo com Damian, então.
Ela encolheu-se por um momento, voltando sua atenção para sua comida, impelindo-o a
dizer:
— Eles não estão bravos com a senhorita, lhe garanto.
— Não há como ter certeza.
— Bem, Damian certamente não mais se opôs à ideia de envolver-me com a senhorita.
Margareth mordiscou os lábios, pensativa, analisando os olhos dele.
— Por que sinto que, mesmo que ele se opusesse, o senhor faria o que lhe desse vontade?
Mitch sorriu com todos os dentes e cortou sua lagosta.
— Porque, Srta. Margareth, eu sou um homem que faz o que deseja. — Primeiro ele
mastigou, saboreando seu prato, depois bebeu seu vinho e prosseguiu: — E, também, sou o mais
velho entre os irmãos. Com a ausência de mamãe, eles às vezes obedecem a mim.
— Às vezes.
— Às vezes — frisou com uma risada. — Mas, se lhe interessa tanto sobre o estrangeiro,
posso lhe falar sobre.
E, guiado pelas perguntas irrequietas de Margareth, conversaram por toda a noite. A
viagem dele ao estrangeiro, de fato, envolvera apenas negócios, ainda que, com o máximo de
sutileza, ela tivera tentando insinuar que ele poderia ter desfrutado da companhia de alguma
dama.
— A única dama que tive o prazer de conversar foi a Madame Bouvier.
Margareth endireitou sua postura.
— Creio ser incapaz de imaginar uma mulher regendo negócios em uma cidade tão grande
como Paris.
— Não se incomode em pensar tão longe assim, poder-lhe-ia citar exemplos aqui mesmo,
da Inglaterra.
— Quem!? — perguntou ela esforçando-se para manter a seriedade, enquanto seus olhos
azuis brilhavam em tamanha curiosidade.
— A companhia Talbot.
Ela franziu o cenho. Esperava que ele lhe dissesse um nome.
— Perdão, mas esse nome em nada me remete memória.
— Realmente não conhece!? — O rosto dele de fato estava surpreso. — São donos de uma
das maiores companhias de peixes da Inglaterra.
— Sinto em desapontá-lo, senhor, todavia meu conhecimento no ramo de peixes é muito
escasso — zombou Margareth arrancando um sorriso dele.
— Quando me provoca assim, tenho vontade de agarrá-la para sempre.
O rosto dela corou, tão quente quanto as labaredas crepitantes.
— Mas não o farei, aqui — alertou, porém, a especificidade do local em sua frase fez com
que as intimidades dela despertassem. — Tenho ciência das normas que um cavalheiro deve
seguir para com uma dama em público; eram ainda mais rígidos quanto a isso na França.
— E, em uma dessas normas, lhe foi aconselhado pelos franceses falar sobre peixes?
Uma nova risada advém dele e logo a conquista.
— Não, não, comentei sobre eles porque dizem que, apesar de ter sido fundada por um
cavalheiro, quando ele veio a falecer, mãe e filha assumiram. Agora, décadas depois, o nome
delas continua em auge.
Ela observou como os lábios dele delicadamente se moviam a cada palavra, sem pressa,
vagarosos para apreciar os minutos ao seu lado, que ela chegou a desejar — não pela primeira
vez — que fossem eternos.
— Garanto que os homens em nada se alegraram. Desaprovam qualquer iniciativa
feminina.
— Bem, isso é um fato — concordou com o morder dos lábios. — Mas... minha mãe
costumava dizer que o único limite de uma mulher surge quando ela acredita no ceticismo de um
homem.
A frase a pegou desprevenida e seus ouvidos encantaram-se com o que foi dito,
permanecendo na aura do estalar da lareira por alguns instantes até dizer:
— Isso é lindo, Mitch.
— Ela tinha dom com as palavras. — Havia uma beleza melancólica em sua voz, os olhos
baixando na direção da taça de vinho, a qual ele voltou a encher, dando um gole logo em
seguida.
— O senhor a amava muito, não?
Ele a respondeu assim que a serviu com mais um pouco.
— A admiro sem modéstia alguma. Ela lutou por meus irmãos e eu, assim como você luta
por Olive.
Margareth tocou o canto de seu rosto, um lindo sorriso lançado a ele.
— Meu filho é meu mundo. Inteiramente.
— Inteiramente?
Ela lhe estreitou o olhar.
— Não deveria ser?
— Sinto que ao menos uma pequena parcela de seu tempo deveria ser verdadeiramente
sua, assim poderemos ter momentos como esse.
Aquele foi o momento em que ela teve de lembrar-se de respirar, agitando seus cílios e
escolhendo sabiamente suas próximas palavras:
— Eu não tenho mais meus vinte anos, Sr. Wolfheart...
— Sei disso.
— Sei também que deixará que eu termine minha fala — disse de tal maneira que ele
assentiu, seu olhar pedindo desculpas pela interrupção.
— Não tenho mais minha plena juventude, sou mãe solteira, tenho um jovem menino de
seis anos... honestamente, por que ficaria comigo?
Mitch endireitou-se, um último gole de vinho em seus lábios conforme os olhos dela
seguiam o movimento dos músculos de seu pescoço.
— Há um preço a se pagar por tantas conquistas, Margareth, por ser diferente dos outros,
por negligenciar o amor e buscar pelo poder. — Ele notou que ela o permitiria continuar sem
interrompê-lo. — Eu queria conquistar o máximo que pudesse dessa cidade para que nenhuma
negativa voltasse a ser dirigida a mim. Queria que me respeitassem, que vissem além do pobre
catador de lixo da Sra. Wolfheart, que tinha tanto potencial desperdiçado pelo sangue em suas
veias.
O semblante dela relaxou e seus lábios se umedeceram, pensamentos inundando sua mente
tal que, um ou outro, acabavam por ser sibilados. Margareth via-o despir seu passado diante
aquele jantar, e agradecia por isso.
— Mas eu sempre senti um vazio em meu peito, ainda que tivesse conquistado o poder que
queria.
— E o senhor realmente acredita que eu o seria capaz de completá-lo?
— Absolutamente — respondeu sem pestanejar. — Trouxe para assistir à ópera porque não
quero que duvide do que sinto por você.
— Nem ao menos questionei qual peça seria.
— Lucia di Lammermoor, baseado no romance de Walter Scott.
— O senhor é muito versado em literatura, também?
— Damian, na verdade. Apaixona-se por livros e este, em especial, também me cativou.
— Por quê?
— É um romance que se passa nas colinas de Lammermuir, no sudeste da Escócia, e conta
um trágico caso de amor entre Lucy Ashton e o inimigo de sua família, Edgar. — Então, antes
que ela pudesse lhe dizer algo, Mitch antecipou-se: — Essa ópera mostra o quanto um homem
precisa de amor.
— Sou levada a concordar, Sr. Wolfheart, porém faria uma leve mudança na sua escolha
de palavras.
Com um brilho no olhar e o erguer de sua sobrancelha, ele perguntou:
— E qual seria?
Margareth sorriu ao responder:
— Creio que todos precisamos de amor.
Capítulo XVII

Quando passaram pelos túneis, o coração de Mitch pareceu bater mais do que nunca.
A conversa que tiveram foi estimulante de um jeito que ele não esperava. Mostrar a
Margareth como mulheres poderiam, sim, ambicionar poder o excitou tal que o leve toque de sua
mão sobre seu braço estava se tornando impossível de tolerar. Não deveria haver roupas entre
eles. Não mais! Todas as preocupações dele, quanto à pequena caixa escondida em sua gaveta, se
dissiparam, porém mal sabia que elas estavam prestes a retornar de uma forma inimaginável.
— Aguarde um instante, está bem? Vou certificar de que nosso camarote está pronto.
— Não podemos dar uma volta antes? Este lugar... é estonteante.
— O faremos, mas creio que seja melhor se eu já garantir tudo perfeitamente em seu lugar,
assim não perderemos o início da ópera.
— Estarei por aqui, então — garantiu ela com um manear da cabeça, os lábios sorrindo,
unidos, e o desejo de Mitch de abri-los com sua língua fazendo seu rosto esquentar.
— Volto em um instante.

Porém um instante naquele lugar foi o que bastou para que Margareth nem notasse como
seus pés, por debaixo da saia de seu vestido, colocaram-se a andar pela galeria, o tapete
aveludado suavizando cada passo conforme os olhos dela corriam pelos lustres reluzentes,
passando pela galeria dos criados de libré antes de notar como alguns rapazes vagueavam pelo
salão, para cima e para baixo, procurando por uma companhia em ambiente tão romântico.
Ela realmente acreditara no que dissera a Mitch: todos precisam de amor.
Girando nos calcanhares, a mulher seguiu com o olhar dois homens carregando bandejas
de prata a caminho dos camarotes, onde doces recheados com creme e cereja encantavam o
paladar, ainda que Margareth estivesse mais do que satisfeita com o divino banquete que
tiveram.
Depois, uma escadaria surgiu diante dela, porém apenas cavalheiros pareciam frequentá-la,
com uma nuvem de fumaça sobre suas cabeças, vinda dos charutos que carregavam em uma das
mãos conforme, na outra, desfrutavam de um Brandy e discutiam política. Margareth sentiu a
ansiedade subir por seu corpo conforme imaginava Mitch como um deles, jogando em longas
mesas e contornando a barba perfeita com as mãos.
Então, conforme Margareth olhava pelas escadas, um sopro de ar pareceu guiar seus olhos
em outra direção, até um senhor que já havia passado por ela, porém, diante seu encanto, não
notara a presença dele.
Todavia, agora, ela não conseguia desviar sua atenção daquele homem.
E um medo primário correu sua espinha.
Em meio aos rapazes e senhoritas que ali estavam, a maioria encaminhando-se aos assentos
comuns e poucos aos camarotes, ali estava a figura misteriosa, as mãos atrás das costas, coberta
por um casaco pesado, os ombros curvados para frente, a mão direita segurando algo que ela não
conseguia ver, obstruído pelas saias dos vestidos.
Até que, então, pareceu que havia apenas os dois ali, e Margareth não soube ao certo o
motivo de seu corpo estar movendo-se até ele, um ímpeto de chorar ardendo em seus olhos
conforme a mulher obtinha a certeza do que o homem levava na mão direita.
Uma bengala com extremidade de prata, os dedos fechados sobre ela.
Margareth não ousou dizer uma única palavra, embora estivesse longe demais para que o
homem a ouvisse de qualquer forma. Seria ele? Seria o Sr. Deroy? Se fosse, então ela deveria
correr dele, não? Mas seu corpo instigava-a a segui-lo. Como uma mortalha inebriante, seu corpo
hipnotizou-se com sua presença, não pelo medo, mas pela raiva, pela fúria pelo que ele fizera a
ela.
Em um ambiente tão lindo, não poderia estar o homem mais perverso.
Ainda assim, ela não fazia ideia do que faria caso seus olhos garantissem ao seu coração
que era realmente o velho. Iria gritar? Bater-lhe? Não eram comportamentos que uma mulher
deveria ter, especialmente em público. No entanto uma súbita coragem dominou-a e ela seguiu
margeando-o com o olhar, sempre atrás de algum casal apaixonado, o longo vestido vermelho
pesando sobre seu andar firme.
Até que, inesperadamente, Margareth dobrou-se para frente, um impacto súbito
derrubando-a por entre arquejos femininos e atraindo olhares curiosos, que ela não vira, tal que a
mulher não percebeu como, de fato, era o Sr. Deroy, e como ele a encarou horrorizado antes de
desaparecer entre os camarotes.
— Senhorita, minhas sinceras desculpas! Sinto muitíssimo! — choramingou a figura
feminina martirizada à sua frente, erguendo-se por entre as dobras de seu vestido roxo.
— Está... está tudo bem... — falou Margareth conforme agitava seus cílios e permitia-se se
levantar, fitando por sobre o ombro, notando que aquele homem, seja lá quem fosse em sua
mente, havia desaparecido, como se tudo não tivesse passado de sua imaginação.
Mas ele voltaria a aparecer, ela apenas não detinha esse conhecimento, até então.
— Espero que não a tenha machucado — falou conforme mordiscava seu lábio inferior.
— Estou bem, lhe garanto — respondeu finalmente prestando a atenção devida na figura
que trombara em seu corpo.
Era uma garota jovem, certamente bem mais do que ela, com mãos delicadas que tremiam
descontroladamente cobertas por um par de luvas de renda, combinando com as golas altas de
seu traje, as quais alcançavam a altura de seu maxilar, tão perfeitamente redondo que chegava a
ser distinto entre todos os outros. Mas o que fez Margareth franzir o cenho foi o modo como seus
olhos se desenhavam, tão grandes e intensos, castanhos como o tronco de um carvalho.
Amendoados como os de Mitch.
— Creio que... — O ar travou na garganta de Margareth em um súbito e a boca secou,
porém ela retomou o controle sobre seu corpo, ainda que a surpresa e apreensão estivessem
navegando por suas veias. — Creio que ambas estivéssemos absortas pelos arredores tão
distintos que não notamos por onde íamos.
— Sim, sim... tudo aqui é tão... — Mas ela nunca chegou a terminar sua frase.
— Está acompanhada por algum cavalheiro? Creio que me distanciei do meu — comentou
Margareth procurando por Mitch, não reconhecendo o corredor onde fora parar.
— Estou sim, mas... ele me pediu para que eu fosse à plateia enquanto ele terminava a
bebida com seus amigos.
— Entendo — disse com um meio sorriso. — Preciso encontrar minha companhia, agora,
está bem?
— Claro... — anuiu a garota com certa frustração no olhar como se estivesse ali para fazer
algo e, agora, não conseguia completar a tarefa.
— Aproveite a ópera, senhorita... — A reticência no fim de sua frase abriu espaço para que
a garota a completasse, porém, antes que o fizesse, a voz grossa de Mitchell Wolfheart surgiu ao
seu lado.
— Margareth!
Ele a girou com olhos assustados, respirando fundo, sentindo seu nome escapando firme
por seus lábios.
— Mitch...
— Onde estava!? Preocupei-me quando não a vi mais!
Mas ela não sabia como responder. Não queria arruinar a noite comentando sobre o Sr.
Deroy.
— Acabei distraindo-me com tudo... — Suas mãos gesticularam na direção do teto, onde
painéis de madeira se exibiam. — Até que esbarrei com a senhorita...
No entanto, naquele átimo em que Margareth permitiu que a garota tivesse uma segunda
chance de se apresentar, ela já não estava mais ao seu lado.
— Ela... ela estava bem aqui... — Suas palavras dissolveram-se no ar conforme o cenho
franzia-se.
— Acredito ser melhor irmos para nosso camarote, já está tudo pronto.
Então ela aquiesceu à sugestão dele, ainda que seus olhos estivessem focados no modo
como Mitchell encarava o fim do corredor, por onde Margareth pôde ver o correr do fim de uma
saia violácea.

Assistir ao Primeiro Ato naquele balcão singular era uma experiência única, pois a visão
panorâmica de todo o gigantesco salão não poderia ser mais privilegiada, os pavios das velas da
ribalta brilhando sutilmente entre o os tons amenos e escuros, permitindo que todos os olhos se
voltassem ao palco, onde a soprano cantava suas falas com perfeição.
Mas não havia perfeição maior do que Margareth, que parecia tão encantada com tudo que,
graças aos céus, via-se distante de qualquer pensamento inoportuno sobre aquela visita
inesperada.
Maldição! Ele não fazia ideia de como aquela garota conseguira entrar em um lugar como
aquele, muito menos como pôde abordar Margareth de forma tão abrupta, mas, se isso havia
ocorrido, então ele teria de tomar cuidado.
Muito cuidado.
Assim como seus dedos desenlaçaram as fitas de cetim cor de rosa e viram a verdade
dentro daquela caixa que ele condenou ao Diabo, Mitch temia que Margareth também viesse a
fazê-lo.
Mas não agora. Se perdê-la poderia ser uma infeliz possibilidade do destino, então ele
realmente queria que aquela noite ficasse gravada como uma de suas memórias mais felizes.
Tudo o que ele queria era que Margareth fosse feliz, ao seu lado, porém se aquela garota estava
chegando tão perto, tudo acabaria por ter sido apenas uma mera ilusão de um futuro prospero.
Os fantasmas do passado sempre voltam para assombrar.
Ele parecia tenso, por um instante, assim que a dama no centro do palco começou a cantar.
Margareth temia que tivesse feito algo que o desagradou. Não deveria ter saído de onde ele pediu
que esperasse, mas, agora, tudo já havia sido feito, e a mulher apenas desejava que ele
conseguisse aproveitar a formosura e magnetismo daquela ópera.
Até então, a peça resumira-se aos jardins do castelo da família Lammermoor, onde o
capitão da guarda do castelo, acompanhado de outros serviçais, está procurando um intruso, que
já aflige o coração de Margareth.
O guarda conta a Enrico Ashton de Lammermoor que suspeita que tal intruso é Edgard
Ravenswood, de uma família inimiga, que tinha ido ao castelo para encontrar-se com Lucia, sua
irmã mais nova. Ao descobrir que o guarda estava certo, Enrico dispõe-se a acabar de uma vez
com a relação entre ambos.
Foi tão inevitável o pensamento de que algo poderia vir a separá-los que Margareth apenas
preferiu distrair-se com um dos diversos doces seletivamente preparados para eles. É claro que
seus olhos foram ao encontro daquele feito por creme e cereja, mordendo-o preciosamente e
sentindo como seu gosto despertou seu paladar. Havia nozes ali, também.
— Mitch... — sussurrou temerosa de que atrapalhasse a peça, porém os olhos dele
pareciam mais interessados em sua voz. — Precisa provar este doce.
Ele não questionou o pedido, tal que Margareth esticou sua mão na direção dos lábios dele,
sentindo-o morder o pouco que restava do doce, saboreando, até que, antes que ela pudesse
afastar-se dele, Mitchell segurou seu pulso com firmeza.
O coração de Margareth pulou uma batida.

Notoriamente, o doce era impecavelmente saboroso, porém o maior desejo de Mitch era
sentir o gosto que Margareth teria. Não dava mais para suportar o desejo em saborear as
intimidades da mulher, de senti-la arfar conforme sua língua a explorava.
Naquela noite, ele a teria.
Primeiro, seus olhos fecharam-se com o prazer que era tocar a ponta de seus dedos tão
delicados com os lábios, permitindo-se lamber o alto de seu indicador conforme descia uma
pequenina trilha de beijos por entre sua palma, o sabor das nozes ainda refletindo em sua boca
enquanto a maciez da pele o fazia desejar que ela também tocasse suas partes mais
particularmente naturais.
Ele não estava pronto para deixar de sentir seus dedos contra sua barba, contra seu rosto,
no interior de sua boca. Queria cada parte dela para ele. Porém Mitch deteve-se por um instante,
permitindo-se abrir seus olhos. A luz se projetava calidamente nos olhos de Margareth, os quais
espelharam sua malícia com um sorriso desafiador e o ar escapou por entre seus lábios.
De maneira improvável, ela subitamente o fez se tornar ainda mais ciente de seu corpo, o
membro enrijecendo como nunca conforme ele não apenas notava, mas sentia, o tremor na ponta
de seus dedos; o desejo em seu piscar de olhos, o modo como o alto de seus seios insistia em
subir e descer com o acelerar de sua respiração. A garganta dele oscilou por um instante e ele
engoliu em seco.
— Deixe-me adivinhar... — sussurrou como um segredo para ela, inclinando-se para
frente, alcançando seus ouvidos. — ...ruborizou-se?
Margareth sorriu por entre uma risada e a resposta escapou por entre uma lufada de ar:
— Deveria afastar-me do senhor agora mesmo.
— Ah, sim, é o que deveria fazer, indubitavelmente — concordou com um mordiscar de
seu pescoço, os olhos voltando-se para os dele conforme a enorme mão segurava sua nuca. —
Mas noto de forma clara como há desejo em seu olhar. Não é isso o que planeja fazer.
Ela quase não conseguia respirar. Ele regozijou-se com isso e perguntou:
— Aceitaria meu convite de irmos para outro lugar?
— O-Onde? — A voz dela atropelou-se por um instante antes de os lábios dele
comprimirem-se nos seus. Ele queria marcá-la, queria garantir que todos soubessem que
Margareth era dele.
Queria sentir-se dentro dela.
— Onde os únicos sons que ouvirei serão de seus lábios pedindo por mim.

Por um instante, Margareth não achou que ele estava falando sério, mas foi tola de sua
parte de pensar algo tão absurdo. Mitchell Wolfheart sempre falava sério, tão intenso quanto os
primeiros raios de sol em uma manhã de verão, tão intenso quanto a adrenalina de um homem
que declara sua paixão sem vergonha alguma, e tão intenso que seu mero beijo é capaz de
incendiar um teatro inteiro.
Mas eles não tinham todo o teatro para si, apenas aquele pequeno corredor, onde a ciência
do tamanho de seu corpo e da ereção batendo contra a altura de seu ventre era muito mais
perceptível.
Ela achou que iriam para casa, todavia o desejo de Mitch o fez agarrá-la ali mesmo, por
entre as paredes aveludadas em cinza, separando o camarote e o corredor principal, com uma
penumbra confortável ao coração acelerado de Margareth, ao mesmo tempo que estimulante aos
sentidos.
— Mitch...
A voz escapou em uma lufada de ar conforme ele deliciava-se com seu pescoço, beijos
demorados que apreciavam sua pele.
— Já está clamando por meu nome? — divertiu-se, ardiloso, descendo pela curva da
clavícula dela, ouvindo-a exasperadamente tentar recuperar o ar. — Quer saber o motivo de eu
tanto ter amado este vestido, Margareth?
Os olhos dela fecharam-se conforme as mãos dele desciam por suas costas, apertando o
tecido e suas curvas, pesando sobre seu quadril.
— Diga-me... — implorou com um franzir do cenho em deleite conforme ele a tocava.
— Não é por conta da cor, mas porque ele é fechado por botões... — Então, com um único
estalo, todos os pequenos botões se abriram em suas costas, uma sinfonia de estalos que a fez dar
um salto, o coração já batendo na altura de sua garganta. — É muitíssimo mais fácil despi-la
desta maneira.
E ela queria que ele o fizesse mais que tudo, permitindo-o descer as mangas, apreciando
seus ombros com pequenas mordidas, sentindo sua respiração quente contra a pele fervorosa.
— Ainda assim, preciso lidar com este corselete... — resmungou, tal que Margareth
chegou a pensar que talvez tivesse de auxiliá-lo, voltando a abrir os olhos, mas aquele
comentário foi apenas uma brecha para que ela respirasse, pois os dedos dele muito habilmente
permitiram que o corselete caísse na direção do carpete.
Diante a confortável escuridão, ela conseguiu notar, graças às poucas frestas de luz que
entravam por debaixo da porta que os separava do interior do Brighton Dome, como o maxilar
dele estava firme, os olhos brilhantes de lubricidade.
— Posso continuar? — questionou quando havia uma última camada de roupa separando-o
de seus seios.
— Nem é preciso permissão...
— Sempre será preciso, Margareth. — As mãos dele lentamente desceram o linho por seus
braços. Seda, linho, um corselete... tantas camadas que a deixavam bela, mas a real perfeição
estava em sua nudez. — Nunca farei nada que não queira.
E ouvir aquilo a fez tocar seu rosto, apreciando seus olhos, o toque de sua barba conforme
puxava-o para seus lábios à medida que seus seios tocavam o ar, as mãos dele vagarosamente
desenhando o formato de um deles, tomando-lhe um mamilo entumecido, tão delicioso que
Margareth acabou por mordê-lo o lábio.
— Mitch... me desculpe... — Sua voz soou assustada com a reação involuntária.
— Não peça desculpas por suas vontades.
Então ele a agarrou com ainda mais força, as mãos empurrando sua nuca na direção de seu
rosto, lábios colados, que se moviam como em uma valsa, as línguas perdendo a timidez e
finalmente se encontrando, a umidade quente conforme a ereção dele fazia-se cada vez mais
presente, ameaçando estourar o botão em sua calça. Margareth desejou que isso realmente
ocorresse.
Mitchell ajoelhou-se diante dela e sugou gentilmente um mamilo, deslizando uma mão
brandamente ao outro seio e alongando sua pequena ponta, dedos tão ásperos que causavam
arrepios a cada toque. Como se ouvindo os pensamentos indecentes de sua amada, o homem
saboreou toda a pele do primeiro seio, a língua contornando-o até que os dentes o mordiscaram
em surpresa, fazendo-a contrair o abdômen conforme as borboletas em seu estômago suplicavam
por mais.
— Como é delicioso poder prová-la, Margareth — sussurrou em um tom maliciosamente
baixo, quase rouco, e ouvi-lo de tal forma fez com que ela quisesse que ele arrancasse toda a sua
roupa de uma vez e tocasse suas intimidades.
Novamente, ele atendeu a seu desejo.
Começou com um beijo em seus lábios, mais lento, para que ela tivesse tempo de perceber
como as mãos dele demoradamente desciam por seu tronco, abandonando os seios e indo a um
destino novo, mais úmido e pulsante, adentrando o vestido que não se desmontou inteiramente,
como se descobrisse uma passagem nada ortodoxa para o próprio Éden.
— Mitch... — voltou a chamá-lo quando as pontas dos dedos dele roçaram os pelos de seu
sexo. Não havia mais volta, ele já estava ali, e isso a excitou ainda mais, tal que não teve como
conter o arfar que escapou por seus lábios.
— Tão úmida — Sua voz era inebriantemente perigosa. Mitchell Wolfheart era o desejo e
o amor em uma jura de prazer selada a cada beijo. — Poderia devorá-la todos os dias se me
permitisse.
Mas é claro que ele se privou do luxo de ter uma resposta, voltando sua boca à dela,
criando um contorno úmido em seus lábios antes de forçar seu rosto para cima e descer seus
dedos ainda mais.
Margareth tentou gemer, porém ele lhe roubou isso, voltando a beijá-la conforme, por
debaixo de sua saia, Mitch explorava seus lábios, sentindo-os lisos, sedentos, chamando por ele
especialmente no instante em que sua atenção se voltou ao pequeno nódulo no centro de sua
intimidade.
— Pergunto-me se o rubor em vossas bochechas aparecerá quando eu a fizer gozar,
Margareth Mae — Ele passou um dedo sobre o nódulo, explorando-o de forma circular, e a
mulher gemeu em suplício. — Quero desvendar cada tom de vosso corpo.
Assim como as vozes dos sopranos, que reverberam como um sussurro por entre as
paredes de camurça, Mitchell consegue atingir as notas mais profundas de seu prazer.
— Esta noite... foi maravilhosa, Mitch.
— Foi? — Os olhos dele semicerraram-se aos dela. — Por que fala como se a noite já
tivesse terminado?
O rosto dela voltou a esquentar e um gemido escapou quando o indicador dele a adentrou.
— Oh, Margareth Mae, eu ainda estou começando.
Contudo, em um súbito, uma mão espalmou-se contra a porta da entrada e tamborilou um
baque repentino, lembrando-os da impropriedade daquele lugar.
— Mas não terminarei, aqui — finalizou Mitch afastando-se dela, beijando seus lábios de
maneira fugaz conforme ajudava-a a recompor suas roupas. — Parece que a apresentação está
em seu primeiro interlúdio.
Os olhos dela correram de um lado para o outro, como se para certificar-se da veracidade
da afirmação.
— Gostaria de ir para minha casa, senhorita? — Ela podia vê-lo erguer uma sobrancelha.
— Vossos irmãos...
— Não estarão lá, estão no Oasis, esta noite.
Ela mordiscou o lábio e inspirou fundo.
— Mas podemos ficar e terminar de assistir a ópera, se for de vossa vontade — concluiu o
homem.
— Vamos para casa, Mitchell.
— Como desejar! Só... preciso de alguns minutos para que o sangue volte a percorrer os
lugares certos.
E admitir aquilo provocou nela a risada mais pura e alegre que ele já ouvira.

O caminho parecia ser interminável.


O pulsar do membro dele contra sua calça era ensurdecedor, pois ele conseguia ouvir o
sangue em suas têmporas violentamente descendo pelo corpo e acumulando-se no meio de suas
pernas.
Mitchell queria acumular-se dentro delas, sentir o interior de suas coxas contra seu rosto
conforme se retorcia de prazer.
— Parece-me que não sou a única a corar esta noite, Sr. Wolfheart.
O comentário foi pontualmente excitante, mas Margareth não parecia conseguir sustentar
um olhar por muito tempo, ainda mais quando ele contornava sua barba com o indicador e o
polegar, como se a estudasse.
Porém a frase a seguir a incapacitou de não o olhar:
— A única coisa que me detém de agarrá-la neste exato instante, Margareth, é que a
tamanha voracidade de meu desejo por seu corpo talvez virasse esse coche.
A honestidade em suas palavras o fez pulsar ainda mais. Que inferno! Por que tanta
demora!?
— Manteremos o decoro, então, até que alcancemos o quarto.
— Pelo bem do cocheiro — alegou ela com uma piscadela que fez um arrepio percorrer
desde a espinha dele até sua virilha, eriçando cada pelo sobre a pele.
— Pelo bem do cocheiro.

Falar não é uma opção e, para ser inteiramente honesto, Margareth não tinha intenção
alguma de fazê-lo, pois o modo como Mitchell a despia lhe arrancava todas as palavras e
permitiam que ele tivesse o controle sobre tudo naquele quarto.
As paredes eram altas, as janelas largas e fechadas por cortinas pesadas, a cama com
dosséis apenas aguardando por eles, porém Mitch, ainda que ela visse o quanto desejava com o
tamanho volume indiscreto em suas calças, não parecia querer apressar-se, deliciando-se com a
visão magnífica que era Margareth, quase totalmente desnuda, apenas com suas meias altas,
brancas, que lhe alcançavam a metade de suas coxas com pequeninos laçarotes.
Mas a nudez dela estava ali, exposta a ele, que umedeceu o lábio com desejo, o repuxar do
canto de seus lábios quase como um sorriso quando se deleitou ao sentir o aroma de suas partes,
seu nariz roçando em seus pelos castanhos conforme ela entrelaçava seus dedos contra seus
cabelos.
— Se me lembro bem, paramos aqui... — Um gemido baixo escapou da garganta dela
quando ele beijou seu ventre, subindo com a língua por seu umbigo até voltar aos seus seios
antes de tomar-lhe os lábios. — Tire minhas roupas, Margareth.
Os olhos dela brilharam com o pedido, que soou como uma ordem ameaçadoramente
sedutora.
— Tudo o que sou é seu — concluiu tocando-lhe o lábio inferior com o polegar.
Margareth não teve dúvidas, lembrando-se do modo como ele lambera seus dedos naquele
camarote. Ainda que timidamente, ela passou a língua por seu polegar, sentindo a aspereza e
libertinagem de seu toque, colocando-o mais fundo em sua boca conforme a respiração tornava-
se densa.
Assim que se satisfez em vê-lo morder a própria boca em um sinal de autocontrole, ela o
obedeceu.
Os primeiros botões de seu terno pareceram queimar ao toque dela, abrindo espaço para a
camisa logo abaixo, a única camada da escaldante e firme pele de seu peito. Margareth parece
tão atenta quanto quando tinha de passar uma linha pelo buraco de uma agulha,
milimetricamente desfrutando de seus movimentos, sentindo o aroma amadeirado que emanava
de Mitch.
Quando finalmente terminou de despir seu tronco, um leve ofegar escapou por seus lábios
diante o corpo escultural, poucos pelos subindo-lhe até o peito, como se criassem uma linha de
prazer que desatava em suas calças ainda fechadas. Por que estavam assim? Ela não via sentido
nisso...
... então suas mãos desceram até o pequeno botão, o qual, assim que solto, permitiu que as
calças caíssem, os olhos dela arregalando-se com o volume nada modesto em suas ceroulas.
— Creio que só falte uma camada, agora — comentou ele como se em um desafio.
Porém era uma formidável armadilha. Assim que Margareth mordeu seu lábio e fez
menção de desbravar as partes mais íntimas de Mitch, ele a agarrou os pulsos e a puxou para si,
arrancando-lhe um pequeno grito que se sufocou em um beijo à medida que ele a guiou para a
cama, repousando-a sobre os travesseiros de malha fria, os cabelos castanhos abrindo-se como
um mar amendoado conforme ele colocava-se sobre ela, sua ereção batendo contra sua nudez.
— Achei que desejasse que eu tirasse vossas vestes — comentou por entre um breve
respirar, atraindo os olhos dele.
— E quero, de fato, mas por este instante vosso prazer me contentará mais. — Os olhos
dela pareceram levemente frustrados, tal que Mitch continuou: — Ainda farei amor com a
senhorita esta noite, Margareth Mae, porém permita-me desfrutar de suas partes mais... — A
mão dele deslizou por seu ventre e alcançou seu sexo. — ... femininas.
Jogar-se para trás foi um movimento involuntário, o pescoço em direção ao dossel
conforme os cabelos afundavam-se pela fronha, as mãos segurando os ombros de Mitchell à
medida que seu indicador a adentrava.
— Como a senhorita consegue me enlouquecer tanto? — perguntou assistindo-a se
retorcendo com os movimentos de seus dedos.
— Acredite... — A palavra escapou trôpega pelo ar que lhe escapava e isso o fez sorrir. —
É o senhor... que está... a me enlouquecer! — Então, quando ele colocou dois dedos em seu
interior, a última palavra firmou-se no ar conforme Margareth puxava-o para um beijo.
Porém ele não se satisfaz mais com o mero toque de seus lábios. Isso seria restrito aos
ambientes públicos, onde as normas da sociedade negavam os desejos às mulheres. Ali, entre as
paredes de seu quarto, ela seria livre para desfrutar das mais profundas camadas de prazer.
E Mitchell seria seu guia nessa viagem, que fazia suas pernas esfregarem-se umas às
outras, as peles coladas conforme a língua dele voltava a descer para seus mamilos,
mordiscando-os para lhe conquistar gemidos.
Seus dedos nunca pararam de se mover, tal que sensações quentes começaram a subir pelos
quadris de Margareth, flamejantes labaredas que ascendiam por suas costas e a faziam arquejar.
A mão esquerda dele subiu e fincou-se em seus cabelos como uma âncora conforme a
outra continuava a desbravar a umidade de suas partes. Margareth não fazia ideia de como ele
conseguiu manter-se dentro daquelas ceroulas sem rasgá-las, pois, até mesmo um leve toque
úmido surgiu na altura de seu ventre, mostrando o nível da excitação de Mitch, que chegava a
ultrapassar o tecido.
— Seu corpo ama-me com tanta intensidade, Margareth Mae.
Não haveria maior verdade sobre naquele momento.
Cada centímetro da pele da mulher parecia energizado, tal que ela nunca teve tanta ciência
das partes de seu corpo como agora. Margareth podia senti-lo desde a ponta de seus pés, seu
sexo, até seu ventre, passando por suas costelas, subindo aos seios e entumecendo os mamilos.
Mitchell Wolfheart já havia dominado todo o seu corpo.
— Aviso-lhe que não quero que se contenha — alertou como um caçador ao encurralar sua
presa.
— E por que eu o faria?
— Não sei como irá reagir ao meu beijo, Margareth.
Então, ela franziu o cenho, esperando que ele lhe tocasse a boca mais uma vez, esticando-
se em sua direção até que o viu rir.
— O que foi? — apreensiva, questionou.
— Não serão estes os lábios que beijarei, Margareth Mae.
E não houve mais espaço para palavras, pois Mitchell mergulhou em suas intimidades, sua
língua divertindo-se em círculos contra o pequeno nódulo conforme sua umidade misturava-se à
saliva dele, pequenas convulsões irradiadas por cada nervo de seu corpo tal que silenciar seus
gemidos não era uma opção.
— Mitch... — ela voltou a chamá-lo regozijando-o conforme ele sentia o prazer de seu
sabor, a língua incansável e os lábios cheios de maestria tal que as pernas dela fecharam-se
contra o rosto dele, o tecido macio de suas meias roçando em sua pele, em sua barba, atiçando o
membro de Mitch ainda mais.
— Permita-me levá-la ao êxtase, Margareth — sussurrou conforme beijava seus pelos. —
Permita-se sentir.
A cabeça dela jogou-se para trás e sua boca deixou um longo gemido escapar conforme ele
voltava a inebriar-se com seu aroma íntimo, os dedos recomeçando a penetrá-la à medida que a
língua tocava seu ponto exato.
Margareth nunca havia sentido algo como aquilo. Seu corpo dissolveu-se em nuances de
camadas de prazer, a pele toda queimando em uma sincronia alarmante conforme as pernas
enrijeciam e o puxavam ainda mais para dentro. Ela queria que seu membro substituísse seus
dedos.
— Tem ideia do prazer que vê-la assim me causa, Margareth? — O tom aveludado de sua
voz anunciava sua vitória conforme ela lutava para reabrir os olhos, os resquícios de seu êxtase
tornando seu corpo muito mais receptivo ao toque.
Mitchell limpou a umidade em seu rosto e, com ela, desceu por seu peito, a mão
delineando seu caminho por entre os pelos escuros, como sua barba, até finalmente alcançar a
altura de suas ceroulas.
— Espero que, quando estiver dentro de seu corpo, nunca mais ouse questionar vosso
valor. — Margareth nunca ouvira palavras tão libertinas, não obstante tão apropriadas. As mãos
dele abaixaram, por fim, sua última peça de roupa, e seu membro saltou apenas para que ela
arregalasse os olhos. — A senhorita é inestimável.
Mas os olhos dela não estavam brilhando de encanto apenas por suas palavras. Margareth
nunca imaginara — e lhe fora dito que nem deveria imaginar — como as intimidades de um
cavalheiro poderiam ser. No entanto, ali estava Mitchell, exibindo-se sem pudor, o membro
grosso e alongado, úmido em sua ponta rosada, pulsante na direção dela, uma veia larga
descendo até sua base, onde os pelos tornavam-se mais presentes.
Ele notou como ela o deseja.
Erguendo-se, Mitchell retornou a ficar suspenso a ela, apoiando as mãos em ambos os
lados de sua cabeça conforme Margareth fazia com que seus lábios se colassem em um beijo
ardente, seu próprio quadril rebolando por debaixo dele, sentindo seu membro passando
superficialmente por seu sexo, que chorou por ele.
— Quando eu entrar, não quero que feche os olhos, está bem?
— Por quê?
— Porque poderá doer, será um reflexo de seu corpo fechá-los.
— Não sou virgem, Sr. Wolfheart.
Ele sorriu e lhe beijou rapidamente.
— Sei disso, Margareth Mae. — Com cuidado, ele posicionou a enorme cabeça de seu
membro contra a entrada dela, um olhar intenso capturando-a a todo o tempo. — Mas também
sei que nunca se deitou com um homem como eu.
Então ele a penetrou, primeiramente uma pressão surgindo no corpo de Margareth tal que
ela fincou suas unhas nos ombros dele, no exato instante em que Mitch forçou a entrada, até que
o corpo dela o envolveu entre gemidos deliciosamente agoniados, a carne quente e úmida contra
seu membro firme.
Margareth não fechou os olhos em nenhum momento. O maior prazer estava em vê-lo
sobre seu corpo, suas mãos acariciando a barba de Mitch conforme o suor surgia em sua testa à
medida que seus movimentos se tornavam recorrentes, saindo de suas intimidades apenas para
voltar com força e desejo, como se quisesse permanecer em seu interior pela eternidade.
Conforme o cenho dela franzia-se, ele descia o rosto até seus lábios e os beijava, seguindo
para seu pescoço, onde ficou por um tempo, a respiração densa e pesada de um homem
aquecendo-a ainda mais conforme as suas pernas enrolavam-se contra a cintura dele.
Em um momento, Mitch desacelerou os movimentos, retrocedendo seu membro com
cuidado, vagarosamente, sentindo-a apertando-o conforme saía de seu interior apenas para, em
seguida, retornar impiedosamente.
— Levar-nos-ei ao êxtase, querida — avisou-a conforme mordiscava seu ombro. — Mas
não despejarei minha semente em seu ventre.
Porém, inesperadamente, Margareth segurou-se ao pescoço dele e lhe lançou para o lado,
seu quadril seguindo o movimento conforme assistia-o abaixo de si, surpreso, os braços
musculosos abertos como uma cruz conforme ela apoiava suas mãos sobre seu peito. Ela notou
como seu coração estava tão acelerado quanto o dela.
— Eu o levarei, agora, Sr. Wolfheart — respondeu com o rosto avermelhado. — Mostrou-
me o que sabe fazer, permita-me fazer o mesmo.
A dúvida e surpresa nas feições dele a fez sorrir conforme seu quadril movia-se sobre ele,
o membro tão grande dentro de si a fazia ter de concentrar-se mais conforme o ar lhe escapava
em pequenas frações, subindo e descendo, os cabelos castanhos caídos sobre o ombro.
— Margareth... — chamou com a voz trôpega. — Eu... creio estar perto de...
Então, com a mesma voracidade que ela o virara, Mitchell agarrou-lhe a nuca e os cabelos,
puxando-lhe para sua boca violentamente, mordendo seu lábio inferior conforme permitia-se sair
de dentro dela, a mão de Margareth direcionada até a cabeça pulsante.
— Leve-me, então — ordenou ele ao permiti-los respirar, aumentando a força em sua nuca
conforme os seios dela apertavam-se contra seu peito.
Margareth soube que Mitch havia chegado ao seu êxtase quando um grunhido escapou por
entre seus lábios finos e ela sentiu sua semente unindo as peles de seus troncos.
Mas não era apenas isso.
Seus corações, o modo como respiravam, os toques singelos entre as peles claras e a
intensidade de seus olhares. Tudo parecia devidamente em seu lugar, enlaçando-os de formas
irrevogáveis.
— Eu te amo, Margareth Mae — declarou conforme acariciava-a com a parte de trás de
seu indicador, vendo-a exausta, mas com um sorriso doce em seu rosto.
— Não quero que diga isso apenas por dizer.
— Sabe que não o faço.
O sorriso prolongou-se.
— O senhor está certo. — Ela respirou fundo, aninhando-se sobre ele com a frente de seu
corpo. — Eu também o amo.
Ela não chegou a ver o modo como aquilo desenhou no rosto dele a mais pura satisfação.
Satisfação por tê-la salvado, por ela o estar completando, por ambos estarem se permitindo viver
aquilo.
— Durma bem, Margareth.
Então Mitch deu um beijo em sua testa e, em um abraço, adormeceram.
Capítulo XVIII

— Mitchell?
Ele estava de costas para sua mãe. Não conseguiria olhá-la naquele instante.
— Mitchell... fale comigo.
— Tem de descansar, mamãe.
— Como descansarei vendo a preocupação em vossa face, meu filho?
Ele soube que teria de forçar um sorriso. Se ele conhecia bem Harriet Wolfheart, sabia
que ela não o deixaria em paz.
— E como posso descansar vendo-a ferver em febre? — falou conforme aproximava-se da
cama em que ela repousava, o suar frio brilhando em sua testa conforme as janelas daquela
noite de verão permitiam que o ar se renovasse com pequenas brisas.
— Isso já vai passar...
— A senhora tem tomado os remédios, não tem? — perguntou apesar de já saber a
resposta. — É só assim que essa febre passará.
O rosto da mulher tornou-se uma carranca melancólica e dolorida, olhos que se
repuxaram para o exterior, negando a presença dele.
— Não preciso disso...
— Mamãe, tem de obedecer a Adrian quando ele vem lhe dar o elixir que o doutor Marcus
receitou.
— Se... se eu tomar... eu vou morrer...
Mitchell franziu o cenho.
— Não, mamãe, isso irá melhorar sua saúde...
— Eu vou morrer, e nunca vou ver minha casa na praia... — Foi quando o coração dele se
apertou que Mitch percebeu a lágrima que surgira nos olhos da mulher. — Seu pai me prometeu
essa casa...
— Ele não está aqui — cortou-a ele.
— Foi uma promessa de amor.
— Mamãe...
— Ele vai voltar... ele vai nos levar, todos juntos, para a praia...
Porém, antes que pensasse em retrucar, sua mão direita esticou-se até a testa da pobre
mulher, o toque fervente diante sua pele só poderia indicar que ela estava delirando em sua
febre.
Engolindo todo o ódio que sentia em relação ao seu pai, um patife miserável, Mitchell
soube o que fazer.
— Mamãe, o papai já voltou...
Os olhos dela ainda não o fitavam, então ele aproveitou o momento para saltar da beirada
de seu leito, apanhando a mistura medicinal na cabeceira, colocando-a em um pequeno copo
sentindo o cheiro de hortelã e chá preto subindo pela atmosfera adoecida.
— O papai voltou, mamãe... — Ele voltou a reafirmar, ajoelhando-se diante dela, o copo
erguido a direção de seu rosto. — Ele nos levará para praia.
Lentamente ela reagiu ao filho, piscadas vagarosas até que os olhos voltassem a realmente
percebê-lo ali.
— Mitch... ele voltou?
— Sim, mamãe...
Os lábios dela franziram-se em um sorriso quebradiço por entre as rugas.
— Oh, céus, eu... eu preciso vê-lo... — Porém, quando ela fez menção de se erguer,
Mitchell a deteve, apoiando sua mão livre contra seu ombro tão magro.
— Não, mamãe, deite-se...
— Eu preciso vê-lo, Mitch...
— Ele virá vê-la, mamãe, mas só poderá fazer isso quando estiver boa.
O cenho dela não parecia estar entendendo e o suor nadava em suas costas, grudando o
vestido marsala às curvas de seu corpo.
— Ele... ele não pode saber o quanto trabalhei...
— Ele não saberá.
— Ele... oh, Mitch, eu... ele... — As palavras perderam o sentido até que ela conseguiu
reunir o bastante para alinhar sua pergunta: — Ele nos levará à praia?
— Apenas se a senhora tomar o remédio — garantiu conforme erguia o copo.
— Mas...
— Tome o remédio e ele virá ver a senhora, mamãe. — Mitchell levou o copo até os lábios
dela, que se abriram lentamente, trêmulos, arroxeados pela febre que se recusava a abaixar. —
Tome tudo.
— E-Ele vai voltar... — murmurou conforme deitava-se mais uma vez, apertando o
travesseiro com as mãos.
— Ele vai, mamãe. — Mitchell sentiu a garganta praticamente sangrar com tamanha
mentira. O homem que lhe partira o coração nunca voltaria, porque foi escolha dele abandoná-
los. — Ele vai.
Mitchell pegou-se revivendo aquela memória. Aquela infeliz e derradeira memória.
Algumas semanas depois, Harriet veio a falecer, e seu pai nunca retornou. Ele lhe prometeu juras
de amor que nunca cumpriu e a deixou com três filhos.
Então, para Mitch, aquela era sua família, e só isso importava, tal que, em seu coração, ele
mal conseguia conter-se de ansiedade pelo desejo de trazer Margareth para dentro de seus laços.
Porém, aquele não era o momento para fazê-lo, pois Margareth ainda dormia, tão bela
mesmo que os cabelos estivessem desgrenhados, feixes de luz do amanhecer surgindo pela
janela. Ele havia acordado muito cedo, no entanto, se isso resultasse em sempre observar o modo
singelo com que a nudez dela se exiba ao nascer de um novo dia, isso certamente valeria a pena.
Cuidadosamente se colocando para fora da cama, Mitch pôde ouvir os passos apressados
de seus poucos criados, que já começavam sua rotina, limpando, cozinhando, preparando o
desjejum para todos. Ele deveria avisá-los que teriam uma convidada a mais para comer, porém
Margareth poderia desfrutar do que lhe servissem.
As memórias lhe tiraram a fome.
Ele apanhou suas ceroulas e voltou a vesti-las, indo até o armário no canto de seu quarto e
apanhando um par de calças limpas. Não precisava esperar que o Sr. Friederick viesse vesti-lo. A
partir daquele dia, a única pessoa que poderia colocar e tirar suas roupas seria a Srta. Margareth.
Seus olhos voltaram-se a ela mais uma vez conforme os passos guiavam-no até um
pequeno balde, em uma sessão separada do cômodo. Com as mãos em concha, ele refrescou o
rosto e seus pensamentos, deixando que a água escorresse por seu pescoço enquanto respirava
fundo. Ele não queria olhar no espelho diante de si. Precisava de Margareth.
Apenas ela parecia afastar os demônios que ele tinha com seu próprio sangue.
Então, Mitch retornou para a cama, ciente de que não dormiria, porém prazerosamente
contente de poder desfrutar do calor que era ter Margareth ao seu lado.

O sol a despertou horas depois, banhando a lateral de seu rosto conforme seus cílios
agitavam-se antes de abrir.
— Bom dia, Margareth!
A voz dele a cumprimenta com um sussurro doce que faz cada músculo dela relaxar. Não
havia sido um sonho.
— Bom dia, Mitch!
Ele lhe afaga uma mecha do cabelo conforme ela inspira profundamente.
— Quer que eu traga seu café da manhã? — inqueriu.
— Eu... — Seus pensamentos ainda estavam um tanto letárgicos, tal que ela apenas girou
para a esquerda, sentindo a beirada da cama mais próxima do que imaginou, tomando cuidado
para não cair conforme erguia-se, sentindo os seios pesarem e percebendo que ainda estava nua.
— Ah, não, não se cubra... — protestou Mitch conforme via-a puxando os lençóis na
direção de suas clavículas.
— Já me viu nua por demais, Sr. Wolfheart — provocou-o não só com as palavras, mas
também com um olhar que pedia que ele a tocasse novamente.
— Nunca será o bastante. — Mitch arrancou-lhe os lençóis com um único movimento e a
trouxe para perto, beijando-a lentamente, com carinho. — Irei trazer seu café, está bem?
Consegue esperar por mim?
Ela sorriu por tê-lo tão perto, a respiração dele fazendo cócegas em suas bochechas.
— Não irei a lugar algum.

Mitch desceu as escadas sentindo um vento mais frio, que entrou quando a Sra. Laurel
surgiu pela porta da frente.
— Bom dia, Sra. Laurel.
— Bom dia, senhor.
— Poderia preparar-me um desjejum e levar a meus aposentos, por favor?
— Não prefere comer comigo, irmão? — A voz de Adrian surgiu logo atrás, as mãos
abotoando o fraque conforme os cabelos compridos prendiam-se atrás das orelhas. — Ou, deixe-
me adivinhar... a refeição não seria para você?
Mitch revirou os olhos.
— Tive uma noite muito boa, Adrian, não a estrague com seu sarcasmo.
— Temo que não será o sarcasmo a estragá-la, Mitch. — Um esgar surgiu em suas feições.
— Lembra-se do serviço que me pediu para fazer?
Então um flash de memória apareceu diante os olhos dele, fazendo-o engolir em seco.
— Sra. Laurel, prepare o chá e alguns scones e leve para meus aposentos, sim? — repetiu a
ordem com o olhar tenso para o irmão. — Estaremos na sala de Brandy.
— Como desejar, senhor — anuiu com uma pequena mesura antes de desaparecer, não
assistindo-os caminhando para o norte da casa e entrando na sala mais reservada de todo o lugar,
para onde os clientes que fechavam bons negócios com eles eram convidados para fumar e beber.
— Não acenda isso agora, pelo amor... — resmungou Mitchell ao ver o irmão procurando
por fogo para acender seu cigarro.
— Quando souber a notícia que tenho, desejará um, também — garantiu quando
finalmente o acendeu, encaixando o cigarro entre dois dedos e dando uma primeira tragada.
— Eu pedi que procurasse pelo homem no Oasis...
— Sim, sim, o homem que a agrediu. Falei com certas garotas, e algumas delas viram
Margareth indo ao Pleasure Hall com um cavalheiro...
Mitch sentiu o maxilar enrijecer.
— E?
Uma nova tragada.
— E... nada descobrimos.
O mais velho franziu o cenho.
— Chamou-me aqui para isso?
— Mitch, a única informação que consegui foi que o nome dele era Sr. Deroy. Queria
poder confirmar a informação ao menos com Buttercup, porém não a encontrei na noite passada.
É claro, porque ela estava cuidando de Olive na casa a beira mar, não é apenas
Margareth que a habita..., o pensamento arrebatou Mitch por um instante. Segredos realmente
são difíceis de manter.
— Bem, com confirmação ou não, isso já deve bastar para saber a real identidade! —
disparou com esperança de que o irmão não notasse o tremor no fundo de sua voz.
— Foi o que achamos, porém quando chequei o nome daqueles que frequentam o clube...
— A tragada de Adrian, agora, foi mais profunda, aquecendo seus pulmões com a fumaça antes
de liberá-la em um sopro na direção do teto. — Não consta registro algum sob este codinome.
— Como assim?
— Simplesmente não há.
— Mas tem de haver! — O tom dele elevou-se.
— Mitch...
— Como isso é possível, Adrian?!
— Os cavalheiros registram seus nomes e codinomes como um modo de adentrar ao
clube, porém quem garante que estão usando-os para quando se aproximam das nossas damas?
Havia mais lógica em sua frase do que Mitchell gostaria de admitir.
— Lembra-se do Lorde Howard?
— Se me recordo bem, ele nos trouxe uma exímia dor de cabeça por não pagar o que
devia.
— Exatamente. O codinome dele era Sir Mason, porém, em um dos títulos de pagamento
que encontramos na caligrafia dele, o calhorda havia assinado como Mister Duke.
Mitch mordeu o interior de sua bochecha até que o gosto metálico do sangue inundasse seu
paladar, porém nem isso serviu-lhe como apaziguador do nervosismo que crescia em seu peito.
— Não temos como assegurar o comportamento daqueles que frequentam nosso clube.
Aceitamos esperando que eles cumpram com o mínimo da decência e de sua educação, mas... —
A frase encontrou seu fim com um novo tragar, os lábios finos envolvendo o fumo conforme os
olhos ardiam pela fumaça. — Damian faz as entrevistas de admissão, seja das senhoritas ou dos
membros.
— Talvez devêssemos contar a ele — sugeriu Mitch recostando sua cintura sobre uma
estreita mesa de canto, onde um decantador guarda certo nível de xerez em seu interior.
— Não posso negar que o pensamento me ocorreu. — Adrian copiou o movimento do
irmão, porém seu corpo apoiou-se na mesa de centro, uma perna elevada conforme os braços se
cruzavam, pequenas cinzas caindo sobre o carpete.
— Então já contou a ele? Estavam juntos, ontem...
— Não o fiz.
Mitch agitou os cílios.
— Por que não?
— Pelo mesmo motivo de você ter pedido para que fosse eu a procurar nos registros, e não
ele. — A resposta foi crua e direta, tal que o mais velho apenas assentiu, digerindo-a. — Aquele
clube é o sonho dele, Mitchell, se ele perceber que as coisas estão dando errado... isso o
arrasaria.
— Ele viu Margareth um dia depois de ter sido agredida. Na primeira vez que a trouxe para
cá.
— Sim, mas ele nem desconfia que estão utilizando de outros nomes para atividades dentro
do clube, e espero que permaneça de tal maneira.
O irmão lançou um olhar de esguelha para Adrian, que questionou:
— O que foi? Por que me olha assim? Sabe o que aquele lugar representa a ele, ainda mais
agora que vocês permitiram a contratação de cavalheiros, também.
— O que está insinuando?
— Ora, Mitch... — Um pesar surgiu em suas palavras. — Sabemos que ele é... diferente.
O mais velho engoliu em seco.
— E não me importa o que ele esteja fazendo em quatro paredes, só quero que... ele tenha
um lugar que possa se sentir seguro.
Mitchell deu dois passos para frente e apoiou a mão sobre o ombro de Adrian.
— Desde quando é tão compreensível assim? — Um sorriso ardiloso dominou suas faces.
— Deixe-me adivinhar, há um toque da Srta. Valerie nesses pensamentos?
Adrian fuzilou-o com o olhar.
— Não o suficiente para que eu não o queime com este cigarro, irmão — retrucou em uma
ameaça, tal que Mitchell resguardou suas mãos para si. — Mas isso pouco importa. O que
precisamos saber é quem é o Sr. Deroy.
— Talvez ele não retorne ao clube — sugeriu Mitch com certa apreensão na voz. — Por
mais que me desagrade não poder deformar a face dele contra os cascalhos, isso... ao menos
significa que as garotas estão seguras.
Porém houve um brilho diferente em seus olhos que fez todos os pelos de Mitch se
eriçarem.
— Aparentemente, ele retornou, Mitch, e nem percebemos. — A mão de Adrian
escorregou para o bolso detrás de suas calças culote. — Porém, o cavalheiro fez questão de
deixar uma ameaça.

O som das cortinas sendo abertas ecoou pelo quarto assim que Margareth terminou de se
vestir, permitindo que cada canto daquele cômodo fosse iluminado pelo dia, que parecia, apesar
de ventos frios, o mais quente até então, com o sol brilhando firme entre o azul do céu, onde
poucas nuvens se formavam longe no horizonte.
Ela dormira com ele. Essa ideia ainda lhe parecia tão estupidamente impossível que sorrir
era inevitável.
Com apenas a camisola branca, a qual não totalmente cobria a marca de seus seios — estes
que ainda sentiam o poder das mãos de um Wolfheart — ela caminhou até um armário que
encontrou entreaberto, deparando-se com todas as vestes de Mitch.
Os tecidos eram caros, e os sapatos extremamente lustrosos, cintos enrolados como cobras
adormecidas e abotoadoras prateadas onde o sobrenome dele havia sido gravado. Os olhos dela
encantaram-se com o poder que suas vestes emanavam, porém, sua mente ainda não tão desperta
demorou a perceber que não eram as vestes em si que a atraíam, mas sim o aroma inebriante
daquele homem.
Hesitante, ela apanhou um dos ternos e aproximou de seu corpo, abraçando-o como se o
fizesse com o próprio Mitchell, o aroma amadeirado inundando suas narinas e trazendo
memórias da noite passada que ainda lhe eram tão vívidas.
Aquele foi o momento mais libertino de sua vida, não havia dúvida. Havia feito amor com
John, é claro, porém o que ocorrera na noite passada foi muito além disso, tanto que lhe era
difícil pôr em palavras.
Mas o aroma era inegavelmente marcante. A sensação de seu toque, de seu beijo, de seu
membro desbravando-a... tudo acometeu seu corpo em uma onda de energia que a fez contrair as
pernas.
— Bom dia, senhorita!
Uma voz atrás dela a fez dar um salto, como se acabasse de ser pega roubando algo, tal que
Margareth apenas devolveu o terno ao armário e, timidamente, virou-se para a mulher ali parada,
que lhe olhava com delicadeza.
Ela desconfiou de que, caso aquela senhora tivesse visto algo, sua educação e apreço pelo
trabalho incapacitá-la-iam de dizer qualquer coisa.
— Espero que tenha dormido bem, vim lhe trazer um pouco de chá — continuou ela com o
rosto inclinado na direção de Margareth, uma bandeja metálica nas mãos. — Espero que goste de
amoras e amêndoas, senhorita, trouxe também alguns scones e geleia.
Margareth não conseguiu esconder certa frustração em seu rosto por não ter sido Mitch a
estar ali.
— Oh, isso está perfeito — respondeu com um sorriso conforme encaminhava-se para a
cama, sentando-se conforme a criada colocava a bandeja ao seu lado. — Qual o seu nome?
— Sou a Sra. Laurel. — A mulher lhe deu um sorriso caloroso. — Creio tê-la visto quando
esteve aqui da primeira vez.
No mesmo instante Margareth sentiu-se envergonhada por não se lembrar disso.
— Bem, lhe agradeço pelo chá, Sra. Laurel — agradeceu apanhando a pequena xícara, de
onde um vapor fumegante subia em espirais até seu rosto.
— Posso me retirar, senhorita?
A pergunta também a pegou de surpresa. Nunca a trataram daquela forma.
— Fique à vontade — falou, as palavras escapando em um tom diferente do que ela estava
acostumada.
— Com licença — despediu-se com uma pequena mesura, porém assim que suas mãos
tocaram o trinco da porta do quarto, na intenção de fechá-lo, Margareth lançou o corpo para
frente.
— Sra. Laurel?
— Sim, senhorita?
— Saberia me dizer onde o Sr. Mitchell Wolfheart está?
Eu sei quem é a meretriz.
E, agora, também sei quem é o senhor.

— Amável, não? — Adrian terminou o cigarro, apagando-o sobre o cinzeiro antes de ficar
com ambas as mãos em seus bolsos.
— É uma letra rebuscada... — pontou Mitch olhando o verso da carta.
— Acha que foi uma mulher que a escreveu?
— Ou um homem que queria que pensássemos tal — retrucou com o arquear das
sobrancelhas, tenso. — Mais alguém sabe dessa ameaça?
— Honey, que a encontrou no Pleasure Hall.
— Onde?
— Em um dos vasos.
— Ele arriscou que alguém a visse, então.
— Mitch. — O chamar de seu irmão fez o homem girar o corpo, o cenho franzido. — Sei
que está se esforçando para pensar em tudo, mas ele não queria ser visto por qualquer um. Ele
queria que uma das garotas visse.
O endireitar dos ombros do mais velho indicou a Adrian que ele o estava ouvindo.
— Nenhum dos homens presta atenção na decoração quando vai para aquele corredor.
Nisso Mitchell não pôde tirar a razão do irmão.
— Sabendo disso, temos por onde começar, então.
— Temos?
— Não é óbvio? Ele entrou no corredor. Alguma das garotas poderia estar com ele ou
então o viu.
— Seria tão descuidado assim?
— Não chamaria de descuido, mas de afronta — replicou Mitch respirando fundo, coçando
a nuca. — Voltar, fornicar com outra garota e ainda nos ameaçar. — Os olhos se estreitaram. —
Ele quer que nós saibamos que ele é que está no controle.
— Você poderia vir comigo, então, até o Oasis, Mitch. — Adrian deu dois passos para
frente e tocou o ombro do irmão. — Ficará cada vez mais difícil proteger Damian e as garotas se
não resolvermos isso logo.
— Se eu estiver certo, ao menos teremos por quem procurar.
— E aí eu posso dar um fim nele.
— Não, nem pense...
— Não sugeri coisa alguma, Mitchell — corrigiu-o com seriedade. — É o que farei quando
apanharmos esse bastardo.
— Adrian...
— Ninguém vai mexer com nossa família. — Ele parecia mais do que decidido, com os
pés firmes no chão e uma intensidade no olhar que realmente o fez parecer perigosos.
Se havia algo que Adrian Wolfheart detestava era que desafiassem seu poder, e Mitchell
havia acabado de dizer que um desconhecido o estava fazendo.
— Ao menos, ouça-me só por mais um instante, está bem? — pediu o outro. — Quando
encontrarmos este homem, marcarei um jantar com Elijah McGraw.
— Quer envolver a gangue dele nisso?
— Aceitaremos toda a ajuda possível — retrucou. — Não quero meu próprio irmão com
sangue nas mãos.
— Esquece-se que elas já estão inundadas nele, Mitchell. — Adrian tinha dor. Tinha
remorsos. Os fantasmas de escolhas passadas o atormentavam alternadamente durante a
madrugada, com rostos de pessoas que tiveram a infelicidade de cruzar com seu caminho. —
Não somos homens bons.
O mais velho engoliu em seco e expirou pelos lábios.
— Sei que tenta ser o melhor que pode, ao lado de Margareth, porque eu também o faço
com Valerie — continuou, com um deturpar trêmulo de sua voz. — Mas chega uma hora que um
homem tem de fazer o que é necessário.
— E é o que estou fazendo — decidiu-se conforme erguia-se por completo, encarando os
olhos do irmão de tal forma que ele soubesse que não havia mais espaço algum para discussões.
— Iremos ao Oasis, descobriremos quem foi, e eu falarei com McGraw.
O irmão apenas deu de ombros, mas era notável como a imperatividade da voz o
incomodou.
— Por que acha que Elijah vai querer nos ajudar?
— Já o fez antes.
— Sim, porque ele me devia um favor — reiterou. — Confrontei-os no mês passado,
Mitchell, indo atrás de Reed.
— Tudo será esquecido, pois dessa vez ele quer um empréstimo. Lembro-me da carta,
ainda a tenho guardada na gaveta.
— Acha que Margareth vai aprovar isso? Que ela ainda vai te olhar com os mesmos olhos
se descobrir com que tipo de pessoas nós estamos envolvidos?
Mitchell olhou para além do vidro jateado, como se pudesse vê-la ali, parada, a decepção
no olhar, segurando a mão de Olive, pronta para partir, porque ficar ao lado dele se tornou o
maior dos perigos.
Não.
Ele fez a promessa de protegê-la, de cuidar de seus sonhos. Margareth tornou-se dele tanto
quanto ele para ela. Não havia mais volta, e um homem deve proteger sua família, tanto que ali
estava Mitch, agora, dando duas pequenas batidas na porta do quarto e ouvindo a voz doce
permitindo-o entrar.
— Vejo que já comeu seu desjejum.
— Curioso que o recebi sem precisar sequer pedir por ele — replicou com um pequeno
sorriso, levantando-se. — Está tudo bem?
Mitch franziu o cenho.
— Sempre estou bem.
Ela duvidou disso com o semicerrar dos olhos, o azul cinzento que sempre o refrescou
pareceu inundá-lo em hesitação.
— Parece tenso, Mitch. — Margareth olhou por sobre seu ombro, permitindo-o respirar. —
Seus irmãos descobriram que estou aqui?
— Adrian já sabe. Damian ainda está dormindo.
— É por isso que está nervoso?
Então, em um súbito, ele apanhou sua mão direita, tocando-a com apresso, como se fosse
um botânico estudando as pétalas mais delicadas, até repousá-la sobre os lábios e lhe dar um
beijo casto.
— A senhorita confia em mim, não é?
A pergunta a fez arregalar os olhos, surpresa.
— Com toda a minha vida.
Ele assimilou aquilo com um leve manear da cabeça antes de mordiscar os lábios.
— Mitchell, o que está havendo?
— Quero que fale para o Olive que ele poderá ir.
— Ir?
— Ao festival, neste fim de semana. Ao Knight Circus, se não me engano.
Margareth deu um passo para trás.
— Mitch...
— Não estou aberto a discussões, Margareth. — Sua voz emanou firme e intensa, tal qual
seu olhar. — Olive vai ao píer, vai se divertir, estará com as outras crianças...
Então, na melhor maneira de silenciá-lo, ela tocou seus lábios, o beijo fugaz, mas longo o
suficiente para fazer suas bochechas queimarem conforme o coração se acelerava.
— Às vezes, não sei o que fiz de tão bom para merecer um homem como o senhor. Olive
nunca irá esquecer isso.
— Só estou fazendo o que gostaria que alguém tivesse feito por mim — explicou com o
repuxar do canto dos lábios em um sorriso charmoso. — Sem falar que ter a companhia da
senhorita durante toda uma noite, novamente, não será de todo ruim.
Ela riu dando-lhe um pequeno tapa sobre o peito, os braços firmes e fortes puxando-a para
um abraço.
— Quero que viva a sua melhor vida, Margareth. — Os olhos dele recaíram sobre o
exterior, onde o sol subia gentilmente pelo céu, iluminando-os. — Afinal, só temos uma.
Capítulo XIX

— Eu juro que acabo com a vida dos dois se tentarem esconder algo de mim, mais uma
vez.
Damian não estava feliz, os braços cruzados no peito, uma carranca no lugar de sua face
quase sempre sutil e os olhos fuzilando-os como se pudesse, com eles, penetrá-los com mil
agulhas. Talvez conseguisse. Mitchell sentiu o arranhar de sua garganta quando disse:
— Damian, só... não queríamos... — As palavras não vinham com facilidade.
— Nós sabemos resolver os problemas do Oasis, também — interpelou Adrian com o
arquear de uma sobrancelha.
— Sabem tão bem que ainda não o resolveram, não é? — O sarcasmo fez com que seu
gêmeo rangesse os dentes.
— Como sabia que estávamos aqui?
— Perguntei à Sra. Laurel e ela disse que ambos saíram. Resolvi arriscar e vim até aqui.
— Deixe-nos explicar o que está havendo... — propôs Mitchell, sempre tão diplomático.
— Falam como se eu não soubesse do que acontece aqui dentro, sendo que sou quem mais
passa tempo nesse lugar — replicou conforme encaminhava-se até eles, na pequena sala de
admissões, onde os cadernos amontoavam-se sobre prateleiras, cadeiras e alguns escondiam-se
atrás de um gramofone.
— Sobre o Sr. Deroy, o que sabe, então...?
— Estou procurando por ele desde o dia em que conversei com Margareth Howells, Mitch
— explicou com o semblante sério e desagradável.
— Estamos todos envolvidos nisso por causa dela, então? — Adrian pareceu subitamente
perplexo.
— As peripécias do amor, não é? — satirizou o mais novo conforme fechava a porta atrás
deles. O lugar rapidamente tornou-se abafado. — Por que vieram aqui sem falar comigo?
Respondam com honestidade.
Os outros irmãos trocaram olhares hesitantes, os quais desagradaram Damian ainda mais.
— Recebemos uma ameaça — começou Adrian, indo por um caminho que o mais velho
não havia considerado seguir. — Ou melhor, Mitchell recebeu.
Damian voltou-se a ele.
— Ameaça?
— Seja lá quem for o Sr. Deroy, ele sabe quem Margareth e eu somos.
O rosto de Damian endureceu ainda mais, vincos surgindo em sua testa, tenso.
— Ele escreveu seu nome? Ou dirigiu-se ao Sr. Fox?
— Estava escrito: sei quem você é — falou conforme a caligrafia impecavelmente feita
surgia diante seus olhos. — Foi tão bem escrito que achei que fosse uma mulher.
— E pode ser.
Mitch franziu o cenho.
— Como?
— E se a esposa descobriu sobre ele? E se as consequências daquela noite se aplicaram a
ele tanto quanto a nós?
Adrian levou a mão aos lábios, pensativo, conforme sentava-se na beirada da mesa de
madeira, que ocupava o maior dos espaços naquela sala. Suas pernas eram compridas o bastante
para que os pés não tivessem dificuldade em tocar o chão.
— É uma possibilidade, mas... como ela teria entrado aqui? Só recebemos homens e as
nossas garotas.
Então o peso recaiu sobre a cabeça de Mitchell.
— Não mais.
O gêmeo encarou Damian, depois o mais velho, e então empertigou-se com a
inconformidade da fúria que inundou seu sangue.
— MAS QUE INFERNO! — O punho acertou a mesa. — Eu tinha certeza de que abrir
para o público feminino e esses pederastas iria dar errado!
O mais novo engoliu em seco ao ouvir o termo da pederastia, as entranhas se remoendo
conforme a mente e o coração lhe diziam que não era hora de discutir, apenas resolver os
problemas.
— Já tivemos festas assim, Damian? — questionou Mitch em tom mais ameno.
— Três.
— A carta foi entregue ontem.
— Ela foi vista ontem — corrigiu. — Como eu disse... tivemos três festas novas. — Dizer
as palavras fez sua garganta quase descamar, como se cada letra fosse pesada demais e forçasse
seus músculos. — Havia outras mulheres, aqui, não podemos desconsiderá-las.
— Ótimo! — Adrian exclamou com o revirar dos olhos. — Era exatamente disso que
precisávamos, mais nomes de suspeitos.
— Já lidamos com pessoas assim antes, Adrian, podemos fazer de novo — garantiu o mais
novo.
— Mitchell quer chamar o Sr. McGraw. Envolver os capangas do Shared Lust.
O mais velho encarou-o com perplexidade, ainda que apenas de esguelha, porém Damian
reagiu de maneira que nenhum dos dois esperava: ele apenas deu de ombros e disse:
— Já trabalhamos com Elijah antes, não será tão diferente, dessa vez.
Adrian bufou.
— A gente nunca tem um descanso, não é?
— Queríamos conquistar essa cidade, irmão. Achou que isso não teria consequências? —
Damian franziu o cenho. — O fizemos pelo lado mais sórdido, pela sua libertinagem. As pessoas
fazem de tudo para esconder os seus segredos.
Não estavam falando sobre ele, mas Mitchell sentiu a nuca ferver.
— E, agora, teremos de dar um jeito nisso antes que a corda venha para o nosso pescoço.
O mais velho agitou os cílios.
— Como é?
As sobrancelhas de Damian subiam e desciam pela pele lisa, sem ruga alguma, como se o
tempo não ousasse mudar suas feições.
— Não estou fazendo isso apenas por Margareth, Mitch. Saiba disso. — Ele recostou-se
sobre a parede, a ponta do indicador dedilhando o gramofone, desenhando sua silhueta e
afastando a poeira em riscos finos. — Se temos uma falha dentro do clube, precisamos resolvê-
la. Não dá para correr o risco de termos nomes expostos.
Adrian apertou o canto dos olhos e um sorriso ardiloso surgiu em seus lábios.
— Tem medo de um escândalo.
— Você não? — A pergunta escapou rápida e certeira como um tiro de mosquete.
O gêmeo perdeu o sorriso.

Naquela tarde, Margareth caminhou ao lado de Maud pelas ruas de Brighton, logo depois
que Mitchell a deixou na porta de casa.
Para elas, ainda era curioso de se pensar como tudo mudou da noite para o dia, como uma
pessoa poderia tornar tudo uma experiencia nova mesmo que tudo fosse igual. Eram as mesmas
casas, as mesmas boutiques, os mesmos restaurantes casuais com terraços em frente ao mar, as
mesmas pessoas que caminhavam e o mesmo aroma de sal e fuligem.
Mas elas não eram mais as mesmas, então ali, talvez, estivesse o maior dos segredos: o
nosso mundo só irá mudar quando nós também o fizermos.
Era justamente sobre isso que Maud Duleep parecia excepcionalmente atraída a conversar:
— Imagine que sonho podermos sempre ter dias assim.
Seus olhos fitavam a marina, onde homens prendiam as embarcações com grossas cordas,
a maré ricocheteando nos cascos assim como as bordas das saias de seus vestidos.
— Poder caminhar todas as tardes.
— Nos dedicar a uma vida social. — A voz da amiga carregava uma melancolia que fazia
seus olhos brilharem. — Cortejos e bailes.
Margareth sorriu com os lábios colados.
— Alguma hora isso iria cansar, não?
Maud teve de rir disso.
— Eles parecem cansados, para você? — Os olhos de Margareth foram atraídos na direção
do rosto da companheira, observando discretamente um casal que passava rindo, ela com o braço
enganchado no dele conforme os lábios repuxavam-se na vontade de demonstrá-lo afeto, mas
sem poder fazê-lo em público.
Não à toa, eles desapareceram segundos depois.
— Eu quero mais do que essa vida já me deu, Margareth. Quero ter lazer como um direito
— admitiu ela conforme parava, as mãos apoiadas sobre a cerca de metal azulado que dividia a
marina em dois níveis. — De forma alguma me envergonho do que fiz, sabe disso, mas... —
Maud virou o rosto na direção de Margareth, percebendo o sol calmo incidia sobre os olhos
fechados e os cílios agitavam-se conforme seus pensamentos. — Sei que também deseja por
mais.
A outra abriu os olhos e um nó surgiu em sua garganta.
— Só acho que, se não desejamos mais, deveríamos só nos conformar com o que temos.
— E você não consegue fazer isso.
— Nenhuma de nós. — Margareth arqueou as sobrancelhas e fitou o horizonte. — É
curioso, não?
Maud fitou o além-mar, também, encarando suas ondas, as marolas, o sal que explodia em
pequenas bolhas, as gaivotas que cruzaram, distantes, os tons de laranja dourado conforme as
nuvens dispersavam-se como pequenas bolas de algodão.
— O quê?
— Em algum momento na vida pensou que estaria aqui? Não... em Brighton, mas...
vivendo tudo isso?
A garota baixou o rosto e sorriu, acanhada.
— Nunca pensei em ser uma mulher da noite, Margareth. Sabe, não é algo que se passa na
mente de uma garotinha de dez anos. — Maud endireitou-se. Havia lágrimas em seus olhos. —
Naquela época, a menininha ainda sonhava com um príncipe que viria a cortejá-la, que a salvasse
de tudo.
O silêncio das palavras pairou sobre o ar, as gaivotas grasnando, distantes, por entre o
vento.
— Ela teve de perceber que a própria princesa tinha de se salvar. — Maud enxugou as
lágrimas rapidamente e respirou fundo. — Olhe eu, aqui, querendo ser cortejada, algum dia, mas
chorando em público. — Ela própria dispensou suas palavras com um meneio rápido da cabeça.
Margareth tocou sua mão.
— Você é a mulher mais incrível que já conheci, Maud. — Os olhos da amiga brilharam
como grandes pedras preciosas. — Não poderia pedir por uma amiga melhor.
Por entre um abraço fugaz, elas voltaram a caminhar.

Os irmãos Wolfheart definiram cinco suspeitos, baseados nos registros que tinham da
visita dos últimos dias. Damian exercia um excelente controle, e sabia quem era quem sob cada
codinome, porém era fato de que três cavalheiros e uma dama em específico mereciam sua
atenção; os primeiros por já terem falsificado seus álter egos em assinaturas, mas ela não apenas
era nova na casa, como também compartilhava do sobrenome de um dos homens.
Sr. e Sra. Ward.
Mitchell escolheu seguir com eles, deixando que os irmãos decidissem quem quisessem
investigar dos que restaram. Algo dentro de seu peito dizia que estava no caminho certo, e se
fosse ele a descobrir quem havia agredido Margareth daquela maneira, então mandá-lo ao
inferno seria pouco.
O Sr. McGraw cuidaria muito bem do palerma.
Então, ali estava ele, sentado em um banco de madeira na frente da propriedade da família
Ward, no centro. Novos ricos começam por aquela área, comumente, e ascendem para as bordas,
pois uma vida perto da costa ou no interior traz benefícios que as fuligens da cidade não parecem
entender.
Mas não importava o lugar. Mitchell iria atrás do responsável.
Ainda assim, era um tanto enervantemente curioso observar um de seus clientes à luz do
dia. Depois que sabemos de seus desejos mais íntimos, a realidade não parece mais tão
impressionante, pois homens se exibem como respeitosos cavalheiros nas ruas, mas nas camas
gostam de apanhar.
O mais velho riu do pensamento.
Porém, ele não chegou a ver o Sr. Ward na rua, naquela manhã. Nem no dia seguinte, ou
no dia depois daquele, muito menos perto do fim de semana. O homem não parecia querer ser
visto, trancado em suas quatro paredes, porém sua esposa era muito mais comprometida com o
alpinismo social do que o marido, tal que Mitchell a viu naquele primeiro dia.
Na verdade, primeiro viu um rapaz alto escancarar a porta da propriedade, irrompendo na
rua sem discrição alguma, galopando com as mãos enfurnadas nos bolsos, um borrão de cabelos
louros jogados pelo vento conforme olhava para trás, por onde a mãe saía.
— Quantas vezes terei de lhe dizer que não se deve sair desta maneira, Steven!? —
resmungou por entre os dentes conforme fechava a porta atrás de si.
— Muitas vezes — respondeu displicente.
— Céus! Você é incorrigível! — Ela enganchou seu braço nos dele e colocaram-se a andar,
seus trajes cor de rosa não eram os melhores para sua idade, mas a Sra. Ward parecia muito
satisfeita com seu próprio corpo. — Não deixe seu pai saber disso, está bem?
— Como se gastar com mais vestidos fosse a maior preocupação dele, nesse instante.
A mãe franziu o cenho.
— E o que isso deveria significar?
O garoto pensou por alguns instantes, mas apenas meneou o rosto.
— Nada.
— Nada?
— É.
— Então, se não for nada, não se deve comentar — falou em reprimenda. — Ande, sobre
que tipos de assunto se deve conversar com uma mulher?
Mitchell ouviu partes da conversa, andando atrás deles a uma distância que não fosse
suspeita e ainda lhe desse privilégios de captar o que falavam. Estar ali fazia a adrenalina correr
em seu sangue e as memórias de todas as pessoas que já investigou o acometeram de uma vez.
Em geral, eram apenas maridos fugindo de suas esposas. Casamentos arranjados eram
comuns, assim como adultérios, e se descobrir esses furos na perfeição do cotidiano da elite era o
que tinha de ser feito para garantir que suas contas fossem pagas, então os Wolfheart não tinham
problemas quanto fazê-lo.
Aparentemente a felicidade pode, sim, ser comprada, já que as esposas traídas seguiam
suas vidas sem nada saber.
A conversa da Sra. Ward com seu filho seguia este caminho, já que lhe disse que era
somente apropriado falar sobre o tempo, o ambiente em que estavam, elogios tinham de ser
suscintos e os olhos deveriam ficar o tempo todo no rosto das mulheres, e não em seus decotes.
Mitchell acabou sorrindo, novamente. Ele fazia tudo ao contrário e havia conquistado a
mulher mais incrível que poderia encontrar, mas levar uma vida como a dele tinha seus custos e
estar ali só explicitava isso.
Conforme as horas passaram, a mulher comprou dois vestidos e uma pequena sacola de
papel pardo com doces, em uma doceria perto do centro comercial, mas muito mais elegante. Foi
nesse instante que Mitchell decidiu interceptá-la, lembrando-se de tudo que Damian lhe contou
sobre a família Ward:
“Eles são egocêntricos. São novos ricos, mas acham que são nobreza, também tem muito
apreço pela família, não confiam em quem foi criado por uma mãe solteira, como nós. Tome
cuidado com isso. Eles têm apenas um filho, Steven, mas... bem, digamos que o garoto seria um
de meus clientes, então não é um motivo de muito orgulho. Evite escândalos e descubra o que
puder.”
— Sra. Ward?
Ouvir por seu sobrenome fez a mulher parar sua caminhada, porém foi o filho que notou a
aproximação de Mitchell primeiro.
— Sim?
— Eu sou...
— Mitchell Wolfheart — completou ela com o arquear das sobrancelhas. — Já ouvi falar
sobre o senhor.
Aquilo foi interessante de se escutar e, ao invés de se sentir abalado por uma interrupção,
ele apenas decidiu prosseguir.
— Bem, considero isso uma honra.
— Será mesmo?
Mitch semicerrou os olhos. A acidez da Sra. Ward combinava com suas feições felinas,
belíssimas mesmo com as rugas de idade que já lhe surgiam.
— Perdão?
— Não ouvi coisas boas a seu respeito, Sr. Wolfheart.
Ele riu, esperando que ela o visse com tranquilidade.
— Os jornais falam o que as pessoas querem ouvir, não a verdade.
— E o senhor o faz diferente? — O silêncio repousou entre ambos por alguns segundos e
apenas foi cortado porque Steven decidiu se apresentar ao dizer:
— É um prazer conhecê-lo, senhor. — O aperto dele foi mais firme do que Mitch
esperaria, e antes que pudesse responder, a mãe interveio:
— Bem, já temos que ir.
A abrupta interrupção fez o cenho do homem se franzir.
— Peço desculpas se a incomodei, Sra. Ward. Apenas precisava fazer algumas perguntas.
Ela riu em espantosa surpresa.
— Perguntas? E sobre o que gostaria de falar, Sr. Wolfheart? Por que uma mulher como eu
teria assuntos com um homem como você?
— Porque vosso marido já pediu empréstimos em nosso banco e nós o concedemos —
replicou. Não estava indo pelo caminho mais propício, especialmente aos olhos de Damian, mas
Mitch tinha seus planos. — Acho que poderíamos chamar um chá da tarde como uma troca de
favores.
— Isso não poderia ser mais impróprio. — Todo o brilho e pomposidade de sua voz
desapareceu. Não se podia dizer que a Sra. Ward tinha perdido a compostura, pois desde pequena
apresentou tão firme personalidade, mas não estava pronta para ter uma grosseria como aquela
jogada ao vento em plena rua.
Ela precisou de um instante para se recuperar, respirando fundo, como se recuperasse o
fôlego.
— Sra. Ward...
— Não temos o que conversar com tamanha indelicadeza, Sr. Wolfheart — cortou-a ele
com toda sua educação. — Se quer falar sobre finanças, faça-o com meu marido.
Mitchell assentiu, satisfeito.
— Eu adoraria muito — afirmou vendo como a cor do rosto da mulher tornava-se cada vez
mais branca. — Ele poderia ir até nosso escritório?
— Não. Isso não será possível.
Ele franziu o cenho.
— Oh, não?
— Infelizmente...
— O senhor poderia ir até em casa, amanhã — ofereceu o jovem Steven com um floreio da
mão direita apenas para receber um esgar desaprovador de sua mãe. — Quero dizer... papai tem
seus compromissos, mas tenho certeza...
— Certamente falaremos com ele — garantiu ela com um sorriso amargo, falso, reservado
para pessoas com as quais ela detestava conversar. — Tenha um bom-dia, Sr. Wolfheart.
Então, depois que ele lhe fez uma pequena mesura com a cabeça, ela se virou e continuou a
caminhar. Não olhou para trás uma vez sequer.
As pessoas conseguem ser ingratas depois que conseguem o que querem de você.
Mas Mitchell chegaria com o maior dos sorrisos na casa dos Ward.

Margareth e Maud estavam voltando da pequena escola em que Olive ficava a maior parte
das horas de seu dia quando o coche dos Wolfheart parou ao seu lado.
— Senhoritas — cumprimentou Mitchell com uma longa mesura por detrás das janelas
abertas.
— Mitch?
— Mitch! — O exclamar de Olive foi muito mais genuíno do que o de Margareth, que o
encarou confusa.
— Parece que ele está mais satisfeito em me ver do que vocês duas — zombou conforme
abria a porta do coche para que elas pudessem entrar.
— Digamos que estamos cansadas demais para negar uma carona — comentou Maud
ajudando Olive a subir, vendo-o escorregar satisfatoriamente para o lado da janela oposta. —
Obrigada, Sr. Wolfheart.
— Disponha.
Mas Margareth continuou do lado de fora, os baços cruzados e um sorriso lindamente
inconformado fazendo os lábios dele se repuxarem em uma deliciosa provocação.
— Não vai entrar, Srta. Howells? — chamou-o com o estreitar dos grandes olhos
amendoados.
— Nunca lhe disseram que é perigoso aceitar carona de estranhos?
Ele riu. Não teve como não o fazer, e havia um brilho em seu olhar de pura satisfação que
ela ainda não conseguia entender.
— Assim como caminhar sozinha pelas ruas ao entardecer — retrucou com uma careta,
debruando-se sobre a porta. — Não seria nem um pouco cavalheiresco de minha parte deixá-la
seguir sozinha.
— Oh, sim, agora é muito cavalheiro — brincou conforme impulsionava-se para dentro, ao
lado dele, fechando a porta e ouvindo os cascos dos cavalos voltando a se movimentar, os ventos
frios lançando as crinas para trás e trazendo a noite. — Como sabia onde estávamos?
— Bem, se o jovem Olive foi para a escola mais cedo, ele teria de ser buscado, não?
O menino rio conforme sacudia as pernas.
— Olive, não se mexa tanto — reprimiu a mãe. — Não é educado, pode acertar alguém.
— Certamente sobreviveria a um chute dele.
O comentário de Mitch fez Maud erguer as sobrancelhas e arregalar os olhos, ansiando
pela resposta que viria da amiga, porém ver Olive obedecendo-as sem perder o sorriso bastou
para ela.
Só que um Wolfheart nunca se dá por vencido.
— Como ele pode ser tão carismático tendo uma mãe tão severa? — Ele reclinou-se no
acento.
— Isso não é severidade.
— Tem razão — ele se contradisse. — Severidade é a senhorita ainda não ter me dado um
beijo.
Os lábios dela se entreabriram em um sorriso surpreso, mas nenhuma palavra alguma se
formou.
— Essa é a minha deixa? — Mitch inclinou-se para frente e ela riu, os dedos delicados
contra os lábios finos.
— Acalma-se, Sr. Wolfheart. Há crianças aqui.
Mas aquela era apenas uma desculpa qualquer, pois Olive encantava-se tanto com o
movimento do exterior visto de dentro de uma carruagem que nem sequer parecia ver os outros,
ali.
— Não poderia beijá-la diante dele? — A pergunta soou verdadeiramente frustrada.
— Não é algo visto como certo.
— E o que nós fizemos, até hoje, que é visto como certo? — A frase veio de Maud, dessa
vez, e Mitchell a agradeceu por entre uma careta e o sibilar dos lábios.
— Vocês dois...
— Somos as melhores pessoas a sua vida — completou a amiga conforme erguia as
sobrancelhas. — Podem se beijar, eu prometo que fecho os olhos. — Então ela ergueu as mãos
diante o rosto.
Nesse instante, a carruagem chacoalhava e os olhos de Margareth perdiam-se nos dele, a
mão direita escorregando por sobre a dele, sentindo seus dedos ásperos conforme segurava-os
firmes em uma sensação de alento, carinho.
— Vai entrar para o jantar? — perguntou conforme aproximava seu rosto do dele, os lábios
na iminência de se tocarem.
— Se estiver me convidando.
— Sempre.
Ela o beijou segundos antes da carruagem parar.

Maud tinha consciência de que Mitchell não era um homem comum, assim como nenhum
dos outros anfitriões, desde a primeira noite em que lhe chamaram para o Oasis, mas nada nunca
a prepararia para vê-lo ali, na cozinha de uma casa de praia, ajudando-a guardar os pratos depois
da janta.
Isso era algo degradante de se fazer, sendo um homem, especialmente um que detinha
grandes posses, mas parecia que até o trabalho mais humilhante seria feito com honra e poder se
pelas mãos de um Wolfheart.
Saber que Margaret estava com um homem como ele acalmava e aquecia seu coração.
— Terminamos? — inqueriu ele quase surpreso.
— Creio que sim. — Ela limpou as mãos no avental antes de tirá-lo e o pendurou na
cadeira. — O senhor já vai?
Mas ele não estava mais olhando para ela.
Depois do jantar, Margareth foi com Olive até a sala de estar, sentou-se com ele ficaram
conversando. Ela não ouviu o que falaram, mas sabia quando o menino ria, pois era um som que
encantava as paredes. Agora, os dois acabaram adormecendo, o moleque encolhido em seu colo,
apertado contra o peito, as mãos unidas de forma a não o deixar escorregar.
Maud aproximou-se de Mitch, cruzou os braços e disse:
— O senhor é um homem de bom coração.
Ele agitou os olhos e os lábios, unidos, sorriram.
— Às vezes tenho minhas dúvidas quanto a isso.
— Pois não devia. — Ela ergueu as feições na direção dos olhos dele. — Ajuda-os desde o
primeiro momento sem querer nada em troca.
— Isso me faz um homem bom?
Uma risada curta escapou da garganta dela e a garota tapou a boca imediatamente, com
medo de acordar a amiga e o menino.
— Se isso não o fizer, então o que fará?
Mitchell não soube responder aquilo, apenas girou nos calcanhares e se encaminhou para a
porta da frente, onde ordenou que seu cocheiro o esperasse.
Não era um plano de nenhum dos dois se apaixonar. Margareth e Mitch uniram-se em um
acaso de uma vida triste, mas estavam ali, diante os olhos de Maud, alegrando-se cada vez mais.
Quando a porta se abriu, a noite já havia caído, o céu de tons quentes tornou-se frio e
algumas estrelas apareceram, ainda que tímidas, assistindo-o sair pelo pórtico.
— Sr. Wolfheart? — chamou-a ele, fazendo-o parar entre as pequenas sebes.
— Sim?
— Realmente é um bom homem.
E ela sorriu ao fechar a porta.

Mas, não muito distante, o Sr. e a Sra. Ward tinham opiniões bem diferentes.
Wolfheart. Esse era um nome que fazia as entranhas do casal revirarem. Ela, por seu
orgulho ferido, por sempre estar marcada pela necessidade de ter precisado de um empréstimo
daquela família para finalmente ser alguém na vida.
Já o Sr. Ward, por motivos muito piores, negros e obscuros, de uma violência que a esposa
não iria chegar a conhecer por sua parte. Ele sabia muito bem separar as ações do Sr. Deroy das
que tinha de portar em sua própria casa.
Um cavalheiro durante o dia.
Um brutamontes violento e cretino durante a noite.
Não era que sua mulher não soubesse satisfazê-lo em sua cama, ou que ele tivesse asco em
tocá-la depois da idade. Muito pelo contrário, o Sr. Ward tinha ainda uma enorme atração pelas
curvas da esposa, porém — e nisso ele acreditava com muita firmeza — há desejos de um
homem que não se acabam com uma única dama.
E um homem, por seu direito, pode ter uma amante. Ou duas. Ou três. Quantas quisesse,
desde que fosse cuidadoso o bastante para não manchar a honra de sua família. O clube Oasis
pareceu perfeito para isso, com suas máscaras e toda aquela paspalhice de esconder-se por sob
um nome inventado.
Um nome não bastava para tudo o que já fez e planejava fazer.
Entretanto, agora, por conta daquele cretino miserável e a sua meretriz inconsequente, ele
tinha de resguardar seus desejos e acobertar tudo.
Sr. Ward tinha uma amante fixa, é claro, e não queria que ela descobrisse sobre as outras
acompanhantes, com medo que acabasse dando atenção a outros cavalheiros.
Ao pensar na esposa, a preocupação é ainda mais clara, por isso ouvir o nome de Mitchell
Wolfheart, naquele cair da noite, fez sua espinha gelar, e não importava o quanto de conhaque
tomasse, os arrepios continuavam.
— Querido?
Ele olhou para a esposa, sentada na cama acolchoada, apoiada nos travesseiros com uma
xícara de chá enquanto o fogo crepitava, aquecendo-os confortavelmente. Ou, ao menos, em
teoria, já que o desconforto se exibia nos olhos dele.
— Sim, querida?
— Está me ouvindo?
O Sr. Ward franziu o cenho.
— Ora, Madeline, que pergunta é essa? — Ele deu de ombros, empertigado conforme
bebericava a bebida. — É claro que estou!
— Ótimo! Pois ainda não terminei.
Ele inspirou profundamente.
— Tem mais?
— É óbvio que tem mais! — A exclamação tamborilou pelas paredes forradas de desenhos
de folhas verdes e brancas. — Ele me ofendeu em público, Richard!
O homem girou nos calcanhares e ficou de costas para a lareira.
— Ele apenas constatou a verdade.
Ela grunhiu.
— Óbvio que não! Foi uma afronta, sem dúvidas.
— Madeline, nós já o pagamos, estamos livres dele.
— Então por que fui abordada esta tarde?
A pergunta fez com que a mente dele afastasse-se a quilômetros de distância. A dúvida não
poderia ser mais pontual. Se Mitchell cruzou seu caminho com o da esposa, então era porque ele
não fora cauteloso como deveria. Foi estupidamente relaxado. Não deveria ter parado de bater
naquela garota, deveria ter garantido que estivesse morta e desaparecido com o corpo.
Ou, então, pedido à sua amante favorita que escrevesse a ameaça em tom mais abrasivo.
Não parecia que o mais velho dos Wolfheart tinha entendido a gravidade de o Sr. Ward saber
quem ele era por debaixo da máscara.
Mas ele entendia muito bem os riscos que estava correndo, e não iria cair em ruína por um
erro estúpido, uma falha de julgamento, especialmente agora que a esposa se orgulhava tanto da
posição que estavam.
— Quer saber? Acho que ele é só mais um crápula perdido por aí, e Steven parece muito
interessado em seguir esse caminho.
O nome do filho fez Richard Ward olhar por sobre o ombro.
— Como é?
— Tinha de ver como os olhos do menino brilharam ao ver o Sr. Wolfheart. Ele é muito
impressionável, precisa de uma esposa.
— Wolfheart?
— Steven! — A esposa largou a xícara de chá com nervosismo sobre a mesa de cabeira. —
Céus, Richard... venha para a cama, precisamos descansar.
O homem agitou os cílios. Nada iria acalmá-lo o bastante a ponto de conseguir dormir.
— Quero beber mais um pouco — falou voltando a se erguer.
— Querido...
— Boa noite, Madeline.
Então ele deu uma última golada no conhaque e ficou olhando para o fogo como se as
labaredas pudessem lhe dar a resposta.
Um sorriso cruel surgiu em seus lábios.
Aparentemente, o estalar das chamas realmente pôde falar.
Capítulo XX

Adrian colocou os cotovelos sobre a mesa de café da manhã, o rosto apoiado nos dedos
entrelaçados.
— Isso não vai funcionar.
Os irmãos o olharam em conjuntos. Damian, que separava torradas sobre o prato, fitou-o
com o cenho franzido.
— Deixe de ser pessimista.
— Não é questão de ser pessimista, irmão, é apenas um fato.
— Mitchell ainda está tentando falar com o Sr. Ward — relembrou o mais novo, desviando
o olhar para o mais velho. — Algum sucesso na tarde de ontem?
O homem bufou e jogou as costas para trás sobre a cadeira de brocado.
— Não.
— Diabo! — Adrian socou a ponta da mesa.
— Sem xingamentos pela manhã, Adrian, pelo amor... — O gêmeo revirou os olhos.
— Deixe de ser frouxo. Você mesmo disse que temos de resolver isso.
— Sim, mas tenho ciência de que isso pode demorar mais do que gostaríamos! Passaram-
se dois dias.
— Sim. Dois dias sem abrir o clube, dois dias sem pistas, dois dias em que estamos com o
rabo encolhido entre as pernas! — Os ânimos estavam se exaltando e, para evitar que a
criadagem falasse mais do que deveria, o que era de costume em todas as casas, Mitchell
interveio:
— Não estamos acuados, Adrian. Estamos caçando.
O irmão riu do comentário e resmungou:
— Os dois são frouxos. — Depois, bebericou sua bebida. — Temos o Sr. e a Sra. Ward
como suspeitos, o velho Hopper já foi descartado por não usar bengala alguma, e eu chequei o
Lorde Weatherstone. Nada! — Os olhos dele se arregalaram e os cabelos caíram para além de
seus ombros. — Não adianta fazermos perguntas a esmo se não fomos nós que vivemos o ataque,
Mitchell.
O mais velho olhou de um para o outro, sério, tentando decifrar o que pensavam, e voltou a
se endireitar, as mãos sobre a mesa.
— Diga logo o que pensou — ordenou ele.
Adrian inspirou fundo, terminou a bebida conforme os irmãos esperavam-no revelar o que
motivava sua atitude tão enérgica. A ideia deveria ser estupidamente óbvia, já que ele sorria, e
isso preocupou Mitchell em certa maneira.
Um homem que se preze sabe como o amor pode, muitas vezes, cegá-lo de certas coisas.
— Margareth Howells foi a única que viu o rosto do suposto Sr. Deroy. Apenas ela saberia
reconhecê-lo.
— Não — negou Mitch sem aceitar que lhe contradissessem.
— Mitch... — Damian tentou contrapor algo, porém o homem ergueu a mão em pedido de
silêncio.
— Não posso arriscar colocá-la em perigo.
— Ela é nossa única vantagem sobre ele, irmão — insistiu o mais novo.
— Não acredito que esteja de acordo! — Os olhos castanhos escancararam-se em surpresa.
— Damian, ela tem um filho!
— E desde quando eu disse que envolveremos o garoto? — Adrian inclinou-se para frente,
as sobrancelhas quase unindo-se em um ponto central.
— Disse de envolver a mãe dele. Isso a gente não pode fazer.
A quietude abateu-se sobre ele e a Sra. Laurel apareceu, perguntando se já poderia retirar o
café da manhã, mas sua frase perdeu-se no ar ao perceber que eles nem haviam tocado em seu
desjejum. Damian gradeceu e ela apenas se retirou.
Somente quando ela saiu, o irmão do meio disse:
— Creio que essa deva ser uma escolha da Srta. Howells, Mitch.
— Você colocaria Valerie nessa posição? — A pergunta escapou com raiva, um tiro
disparado contra o próprio irmão. — Arriscaria que ela se machucasse?
— Ela já corre esse perigo, irmão, isso que você parece negar perceber! — Damian
interveio conforme mordiscava o lábio, temeroso. — O Sr. Deroy sabe sobre nós e sabe sobre
ela. Acha mesmo que não pedir ajuda iria poupá-la de alguma desgraça?
Mitchell queria dizer que sim, mas seria mentira e as palavras apenas sufocaram-se em sua
garganta.
— Pense nisso por agora. Ela vai ter que se envolver, uma hora ou outra. — Adrian
empurrou sua cadeira para trás e ajeitou seu fraque, depois penteou os cabelos para trás e
respirou fundo. — Agora, temos outro assunto a tratar. O Banco Wolfheart.
Os outros dois agitaram os cílios, o assunto mudando em um súbito.
Mesmo com o Oasis, os lucros que adivinham do banco da família não deveriam ser
menosprezados, tal que ouvir uma frase como a proferida naquela manhã era de causar frio na
espinha.
— O que houve? — Havia certo temor na voz de Damian.
— Não é nada grave — ressaltou Adrian para um alívio coletivo. — Mas não podemos
negligenciá-lo. Estou bolando o plano, para que possa ficar com Valerie. E... para isso, um
cliente muito especial precisará de um empréstimo.
— Especial? — Os olhos de Mitch se semicerraram, já imaginando de quem se tratava,
mas foi um tanto divertido ver o modo como o irmão tentou florear o que realmente queria dizer.
— Deixe-me adivinhar...
— Thomas Reed — completou Adrian de uma vez. — Sim, o marido de Valerie.
— E por que está nos contando isso? — A voz do mais novo estava carregada de uma
preocupação que se mesclava com inconformidade. — Nem conseguimos resolver um problema,
ainda, e já quer nos colocar em meio a um escândalo?
— Não haverá um escândalo por minha parte.
— É o que diz.
Antes que os dois brigassem, Mitchell resolveu perguntar:
— Se é ele, o que está esperando de nós?
— Que me apoiem.
— Quer que neguemos um empréstimo? Pode fazer isso sozinho... — O mais velho
estranhou a ideia.
— Quero que aceitem, independente do que for.
Os irmãos se entreolharam.
— O que tem em mente, Adrian?
— O cretino humilha e desonra Valerie, traindo-a com outra. Está em viagem, agora, e
certamente a está desonrando. Ele merece ser humilhado, também. — O ódio foi genuíno em sua
frase e seus olhos pareceram encobrir-se por sombras de uma fúria perigosa. — Talvez... assim
haja uma saída para que possamos ficar juntos.
— Falou com tanta estima por ele — zombou Damian com o menear da cabeça.
— E o que você saberia sobre isso? — A acidez fez o gêmeo engolir em seco.
— Adrian... — admoestou Mitch, porém o outro respondeu:
— Ao menos, mulher nenhuma me fez de tolo. — Ele também se colocou de pé, as narinas
dilatadas em um arfar pesado. — Sempre fizemos o que queríamos, mas nunca nos esquecemos
da família. E, agora, vocês dois escondem segredos!
O ar pareceu materializar-se sobre os ombros de cada um. Mil toneladas que os fincaram
nos lugares que estavam.
— Do que está falando? — Adrian vociferou a pergunta por entre os dentes.
— Está óbvio que está armando um plano mais do que arriscado a respeito de Valerie
Reed. Não são só as cartas, que já foram preocupantes o bastante. — Os dedos de Damian
apoiaram-se sobre a cadeira, apertando-a com força tal que as juntas se esbranquiçaram. — E
você, Mitch... que decepção.
Os outros dois se entreolharam, nervosos, o pomo de adão subindo e descendo pelo largo
pescoço, o maxilar perfeitamente marcado pela barba endurecendo conforme o contrair dos
músculos.
— Por que não conta ao nosso irmão quem mais está morando na casa da praia?
O sangue do mais velho esfriou conforme a carranca de Adrian transformava-se na mais
perfeita personificação da incredulidade, os lábios retraídos, crispados em hesitação.
— Acham que são os únicos espertos? Que eu não procuro saber a verdade de quem me
cerca?
— Damian...
— Poupe-me! — O homem dispensou o breve comentário com um floreio desleixado. —
Não é o momento de tentar nos enganar, eu já sei a verdade.
— Do que está falando? — O nervosismo repercutiu nas palavras de Adrian. — Chegamos
a um acordo! Demos a propriedade a Margareth.
— Só que ela não está sozinha. — As palavras escaparam como fios cortantes. — Conte ao
nosso irmão, Mitch. Conte a ele quem mais sabe de nossa real identidade naquela casa.

Naquele exato momento, Margareth Mae estava levando Olive para a escola de bons
meninos. A brisa os acolhia de forma reconfortante, ainda que se tornasse cada vez mais fria,
mas um coração quente parece tornar tudo melhor.
No entanto, os olhos de Olive estavam um tanto cabisbaixos.
— Está tudo bem, querido? — perguntou a mãe olhando-o de cima, vendo como os
pezinhos pareciam se arrastar, a pequena boina sobre os cabelos revoltosos.
— Aham.
Ela claramente não acreditou no tom morno e sem vida com que a resposta foi dita.
— Sabe que pode falar comigo sobre qualquer coisa, não é? — Ela fez questão de dar
ênfase em sua frase.
— Eu sei, mamãe. — Olive olhou para cima, os olhos brilhantes pelo reflexo do sol pálido
daquela manhã. — Mas...
— Mas...?
— Eu tenho mesmo que ir para a escola, mamãe?
A preocupação pareceu arrefecer-se dentro dela com o comentário, mas, ainda assim, ela
fez questão de parar na calçada, obrigando um senhor que carregava um pedaço de madeira sobre
os ombros a desviar deles.
— Não gosta da turma da Sra. Doorway?
O rosto dele abaixou em vergonha.
— Eu gosto.
O cenho de Margareth pesou e ela mordiscou a bochecha.
— O que está havendo, querido?
— Oh, não é nada.
— Olive... — Seu tom explicitou uma frase inteira, assim como os olhos dele, que
contradiziam sua fala; o rosto dizia que havia muita coisa errada, e não eram coisas boas.
— Houve algo... com a Viúva Doorway? — A pergunta quase travou em sua garganta, mas
boatos corriam soltos, e, uma vez, ela chegou a ouvir que a mulher havia aplicado um castigo
severo demais a um menino que quebrou uma das janelas de sua casa.
Não gostou de imaginar Olive sendo castigado por quem não era de sua família, ainda que
prezasse pela educação.
— Não — voltou a negar. — Vamos, mamãe, se não vamos nos atrasar. — E foi Olive que
os fez voltar a caminhar, porém Margareth desacelerou seu passo.
— Quer que eu te leve no colo? — sugeriu em um súbito instante, com uma ideia que
poderia funcionar.
— No colo?
— Aham. Igual quando era menor.
— Não sou mais um bebê, mamãe! — protestou em um tom agudo.
— É, você não é... — admitir aquilo fez uma melancolia abater sua voz. Olive viria a ser
um rapaz incrivelmente genuíno e, ao mesmo tempo que ela ansiava para vê-lo crescido, também
tinha medo disso. Em uma ironia cruel, parecia que quanto mais tempo passava com ele, menos
o tinha. — Mas gostava de ficar no meu colo. Dormiu em meus braços, ontem.
— Mamãe! — Ele voltou a parar, um sorriso nervoso no rosto conforme batia os pés sobre
a calçada.
— O que foi!?
— Não... não fale assim.
Estaria ali o problema? pensou.
— Tem vergonha?
— Eu não quero que a sua amiga me veja no seu colo. Não quero que ela... ache que sua
uma criancinha ainda.
Margareth riu do comentário e sustentou o sorriso nos lábios.
— Ora, mas Maud já lhe colocou e viu-o dormir incontáveis vezes.
— Mas eu não estou falando da Maud, mamãe.
O coração de Margareth pulou uma batida e os ventos pareceram mudar.
— De quem está falando, querido?
O menino não respondeu. Olive era de momentos; ou disposto a abrir-se plenamente, ou
então resguardava-se em timidez. Porém, um medo súbito acometeu seu corpo, fazendo arrepios
percorrem sua nuca, a respiração falha, os olhos arregalados na direção dele conforme agachava-
se e o segurava pelos ombros.
— Olive, de quem está falando?
Então, a resposta fez seu coração acelerar em medo.
— Da moça que sempre me vê pela janela.
O sangue pareceu ecoar em seus ouvidos e o ar escapou por entre os lábios, a adrenalina do
pavor acometendo seu corpo conforme seu mundo parecia girar.
Uma moça.... que moça!? Quem!? Que me olha pela janela.... céus!
— Mamãe? — Ele a chamou, porém Margareth não o ouviu, girando, procurando por
qualquer figura que estivesse parada, observando-os, estudando-os, como se fossem presas. —
Mamãe?
A insistência fez seus cílios se agitarem.
A moça era real, e ali estava ela.
Poderia ser apenas uma dama que havia parado na esquina para atravessar, mas todas as
fibras de Margareth impeliram um instinto absurdo de quem era ela quem os observava. Ela
estava certa.
A figura estava distante, mas olhava para eles, os cabelos e a saia ao vento, jogados na
direção da rua, porém no instante em que ela notou os olhos de Margareth fixos nos seus, ela
girou nos calcanhares e apressou-se a desaparecer.
Assim como fizera na noite da ópera.
— Mamãe, vamos nos atrasar, agora!
Mas a mulher apenas engoliu em seco, a saliva arranhando a garganta conforme agarrava o
garoto em seu colo, mesmo em meio a protestos, e colocava-se a voltar para casa.
— Mamãe...
— Não vamos mais para a escola, hoje!
— Como é?
— E-Eu mudei de ideia. Vamos para casa.
Mesmo com estranhamento, Olive não mais questionou, e os olhos de Margareth vidraram-
se onde a garota aparecera.
Eles não estavam seguros.

O sol na costa atravessava as falhas das vigas da casa e caía feito uma cascata de luz sobre
os degraus da escada, formando uma trilha iluminada que Maud seguia para ir até a cozinha,
descendo do segundo andar já devidamente trocada.
A seda é incrivelmente confortável de usar, e estar trajando um tecido tão fino e caro fazia
um sorriso surgir em seu rosto sempre que se deparava com seu reflexo. Podia ser uma tolice, é
claro, mas passando pelos feixes de luz ela se sentia como uma atriz de teatro, caminhando em
direção ao palco sob as luzes quentes.
Fora isso, a casa estava um tanto escura. Todas as cortinas estavam fechadas tal que a
escuridão tem a espessura de uma bruma, palpável, mas os olhos demoram para se acostumar, tal
que ela começou a abrir as janelas para arejar o lugar.
A poeira coçava o nariz, não importava o quanto limpasse, e o sal embaçava os vidros,
frios, dando-lhes uma aparência turva. Ela clareou os fundos, depois toda a cozinha, então
seguiu...
Duas batidas firmes fizeram a porta da entrada tremer.
Maud deu um salto, o coração assustado acelerando-se.
Se fosse Margareth, ela simplesmente teria entrado. Se fosse o Sr. Wolfheart, teria ouvido
o aproximar de seu coche. A dúvida a fez hesitar por um momento, mas depois apressou-se pelo
corredor, segurando a saia do vestido até que abriu a porta.
Primeiro, foi apenas um vulto suntuosamente vestido de preto, o rosto virado para trás, até
que os olhos se voltaram para ela, estupefatos, irritadiços, a raiva entre seus tons conforme
Adrian Wolfheart rangia os dentes, os cabelos compridos demais acortinavam a testa para se
enroscar atrás das orelhas.
Ele levantou o punho cerrado em pleno ar.
A mulher estava surpresa demais para cumprimentá-lo, ou para sequer entender o motivo
de ele estar prestes a lhe socar o rosto. Maud fico parada onde estava, os dedos segurando a
maçaneta com firmeza conforme os olhos se fechavam na iminente presença da dor.
De fato, houve um soco.
Porém ele não foi contra ela.
Quando Maud ouviu o estalo da pele contra pele, seus olhos voltaram-se a se abrir, e o
caos estava diante aquela casa.
— VOCÊ MENTIU PARA NÓS! — berrou Adrian caminhando na direção de Mitchell,
caído de costas, o nariz sangrando.
— NÃO FAÇA ISSO AQUI! — resmungou o gêmeo empurrando-o para trás. — Entre na
casa!
Maud colocou-se entre a porta e eles. O corpo dizia não, já que as palavras não pareciam se
verbalizar sozinhas.
— Eu vou resolver isso, agora! — replicou ao irmão conforme Mitchell se sentava, a dor
refletida nos músculos repuxados.
— Resolva-o lá dentro. O motivo de toda a preocupação é um escândalo, não é? Então não
vamos criar um terceiro problema. — A malicia na voz de Damian era de se impressionar, em
especial pelo modo como ele alternava entre a seriedade manipulativa e o sorriso afável, que
dirigiu a Maud. — Creio que não vá faltar com a educação de nos convidar para entrar, não é?
Mas ela ainda estava paralisada, a mente tentando unir pedaços do que via e ouvia, mas
não conseguindo formular uma imagem que lhe atribuísse algum sentido.
— Maud... — chamou o mais velho por entre um grunhir. — Deixe-nos entrar.
— É melhor que entremos, sim. — A voz de Margareth fez todos se virarem na direção do
horizonte, assistindo-a abismada com o sangue no rosto de Mitch, Olive agarrado em seu colo e
as sobrancelhas franzidas em inconformidade. — Não estamos seguros, aqui fora.
— Margareth... — Mitchell se levantou e ajeitou as vestes, pequenos tapas espantando a
sujeira do tecido.
— Acho que precisamos esclarecer algumas coisas — decidiu ela, por fim, os olhos de
todos estudando-a com curiosidade.
Suas bochechas delicadas estavam vermelhas de frio, os cabelos levemente desgrenhados
pelo vento e os olhos dizendo que haviam visto mais do que esperavam.

Quase tudo estava de volta ao normal em alguns instantes – ou, ao menos, em um nível de
ânimos em que nenhum irmão esfolava o rosto do outro – porém a tensão materializava-se na
frente de todos, grossa o bastante que pudesse ser cortada com uma faca, algo que a própria
Margareth julgou possível conforme descia para o primeiro patamar da casa, deixando Olive
sozinho em seu quarto.
Todos voltaram a encará-la, curiosamente cada um pareceu fazê-lo de um jeito; Mitchell
estava frustrado, limpando o sangue de seu nariz com um pano úmido, Adrian em uma raiva
perigosa, Damian tentava permanecer neutro, mas a insatisfação em seu olhar conseguia
sobressair. Maud, por sua vez, estava tão perdida quanto ela, buscando respostas na amiga, as
quais Margareth não sabia.
De repente, de forma que a Srta. Howells em nada aprovou, ela voltou a ser a prioridade,
porque, já desconfiava, só estavam ali por sua causa.
— Por onde querem começar? — questionou ela sentando-se sobre a poltrona ao lado de
Maud, as dobras do vestido cobrindo-lhe as pernas conforme ela repousava as mãos sobre os
joelhos, os ombros endireitados, austera, como uma perfeita mãe da alta classe que estaria dando
uma reprimenda em seus filhos.
— Por que a senhorita não faz as honras? — O tom de Adrian era amargo, e seus olhos
diziam que, se alguma hora houve realmente um leve agrado pela presença dela, em dias
anteriores, naquele momento sua mente era incapaz de recordar.
— Para isso eu teria de saber o que os fez vir até aqui — explicou calma. Não queria que
achassem que ela os estava atacando.
— Mentiras, Srta. Howells. — Um sorriso frio formou-se nos lábios dele, os cabelos lisos
escorregando das orelhas.
— Eu não menti para vocês — replicou Mitchell quase em um rosnado.
— Tem razão, só... omitiu, não é?
— Do que estão falando? — Margareth franziu o cenho.
— Mitchell não nos contou que Buttercup estava aqui. — Os olhos calmos de Damian
correram até a garota ao lado dela. — Não nos disse que ela também sabia quem nós somos por
debaixo das máscaras.
— Primeiramente, o nome dela é Maud. — A correção que Margareth fez causou a
comoção no olhar de todos, curiosos para ver onde aquela súbita coragem a levaria. — E, com
todo respeito, senhores..., parece que fazem uma tempestade desnecessária, aqui.
— Desnecessária!? — Adrian arqueou as sobrancelhas. Era mais do que óbvio que não
estava feliz com ela, e nem falando com seu próprio irmão.
— Se quiséssemos contar sobre quem são, já teríamos feito — contrapôs a mulher. —
Dizem que não querem causar um escândalo, mas socou seu irmão na porta da frente!
Os punhos dele voltaram a cerrar-se e os olhos de Maud encheram-se de lágrimas, não
apenas por ver como Margareth a defendeu, mas também pela falta de confiança deles, a voz
tomando coragem para perguntar:
— R-Realmente vieram aqui, porque... descobriram que eu também sei quem são?
— É meio lerda para entender as coisas, ou só se faz?
— Adrian — admoestou Mitchell.
— Eu nunca....
— O quê? — O homem a interrompeu. — Nunca falaria quem somos? Pois deixe-me lhe
dizer algo, Srta. Maud Duleep, a sua palavra não me vale mais nada.
A mulher fungou o nariz e baixou o olhar.
— A palavra de nenhum de vocês — continuou ele. — Meu próprio irmão, mentindo para
nós.
— Não vamos ser hipócritas, aqui. — Mitchell fuzilou-o com o olhar. — Entendo a sua
raiva, Adrian, e entendo que errei, mas não me coloco em roupas brancas e me chamo de santo,
como está tentando fazer.
O irmão do meio engoliu em seco, um nó surgindo em sua garganta.
— Nenhum de nós, nesta sala, é um santo — finalizou, os olhos pedindo desculpas a
Margareth por tudo aquilo. — Cometemos erros, mas fizemos tudo pensando no melhor para
nossa família.
— Poupe-me, Mitchell.
— É verdade, irmão.
— Então, se realmente só pensa no que é melhor para a família, por que não aceitou pedir
ajuda a Margareth, quando sugeri hoje cedo!? — Adrian cruzou os braços e recostou-se na
parede.
Os olhos dos dois amantes voltaram a se cruzar, em dúvida, os nuances de azul tentando
entender os amendoados, que pareciam cada vez mais cansados.
— Mitch? — chamou Margareth. — O que ele quer dizer?
Mas antes que o mais velho respondesse, Damian o fez:
— Recebemos uma ameaça, Srta. Howells. — A mão de Maud segurou a da amiga, de
repente. — Do cavalheiro que a agrediu.
A amiga revirou os olhos.
— Parece que não liga para isso, Srta. Duleep — ironizou Adrian com o estreitar do olhar.
— Pois muito se engana. — Ela se ergueu, a respiração firme e as mãos fechadas em
punhos firmes. — Apenas acho ridículo chamarem um patife daqueles de cavalheiro, mas vieram
até aqui porque não conseguiam confiar em mim.
— Confiar nas pessoas... é delicado — contrapôs o mais novo.
— Não quando a pessoa lhe deve a vida! — Uma lágrima rolou pela bochecha dela. —
Machuca-me saber que não confiam em mim, quando eu lhes confiei toda a minha vida.
Então, em meio ao silêncio, ela se encaminhou na direção de Adrian, encarando-o com o
rosto erguido, sem deixar-se intimidar.
— Diferente dos senhores, pelo que percebo, sei manter minha palavra. — Sua voz lançava
as palavras conforme assistia-o digeri-las. — Então quando digo que não irei contar quem são, é
porque isso não acontecerá. — Maud girou nos calcanhares e os encarou. — Tudo que está
acontecendo é muito rude. Insultante...
Damian correu os olhos até Mitchell em um diálogo silencioso.
— Peço perdão, Srta. Duleep. — O mais novo inspirou fundo e se ergueu, passos
vagarosos até se aproximar dela. — Eu contei a meu irmão, de forma imprópria, que estava aqui.
O fiz ter uma preocupação maior do que a necessária.
A mão dele direcionou-se a ela, recebendo seus dedos em um aperto.
— Temos nossos problemas, e não é justo descontá-los em vocês — finalizou.
— Mas eu deveria ter contado de início, também admito o erro. — A voz de Mitchell fez o
coração de Margareth bater mais forte. — E espero que possa me desculpar. A palavra de uma
mulher, para nós, tem o mesmo peso.
Maud uniu os lábios em um sorriso acanhado e o respondeu com uma breve mesura.
Depois, todos olharam para Adrian que, a contragosto, revirou os olhos e deu de ombros,
desculpando-se pelo exagero de suas ações.
— Tudo bem, Sr. Wolfheart, alguns cavalheiros são mais lerdos do que outros. — Uma
sobrancelha da garota se ergueu e o arder em seu olhar completou o tom de sua resposta, mesmo
que isso fizesse Adrian fuzilá-la.
— Não teremos mais inimizades, então? — Damian olhou para seu gêmeo.
— Não foi o que dissemos — corrigiu-o, seco.
— Mas já é um começo.
E, enquanto eles falavam, os olhos de Margareth recaíam sobre Mitchell, o qual sentiu o
calor em seu rosto subir.
— O senhor disse sem mais segredos... — relembrou-o ela em um sussurro.
— Eu disse.
— Então vai me contar por que precisa da minha ajuda?
Ele inspirou profundamente e os ombros subiram conforme Mitch apertava os olhos.
— Que ameaça, Mitchell?
O homem olhou para os irmãos e, vendo que já estava livre de seu sangue, deixou o pano
de lado, entrelaçando os dedos e apoiando os braços nos joelhos ao responder:
— O homem que se esconde atrás do codinome Sr. Deroy voltou ao antro. Ele deixou uma
mensagem bem clara para nós.
Margareth sentiu a saliva arranhar a garganta conforme a mão ia em direção ao peito,
nervosa.
— Ele agrediu alguma outra garota? — A preocupação era clara em sua voz, e o altruísmo
que a mulher detinha a fez desconsiderar o perigo que recaía sobre ela.
— Graças aos Céus, não.
— Mas deixou, literalmente, um bilhete — pontuou Damian. — Nele, o cavalheiro... — A
voz parou de forma breve, reiterando-se do que Maud dissera a tempo de se corrigir: — o homem
alegou saber quem você e Mitchell eram.
— Saber quem sou não é um problema,
— Como ele soube sobre vosso irmão? — A pergunta veio de Maud, na cozinha,
apanhando um pouco de água para acalmar seu corpo.
— Não sabemos — admitiu Adrian com um esgar.
Então a memória de Margareth ligou-se ao que lhe acontecera, não apenas naquela manhã,
mas na noite da Ópera, como se as boas memórias que lhe acometiam fossem, na verdade, um
prelúdio a um pesadelo perturbador.
Até aquele instante, ela não trouxe à tona o questionamento de quem era a garota com que
esbarrara noites atrás, nem como os olhos de Mitch pareceram reconhecê-la. Então, ela resolveu
fazê-lo:
— Há uma garota.
Os olhos se estreitaram em sua direção. Dessa vez, Damian endireitou-se, atento ao
perguntar:
— Uma garota?
— Eu... não achei que fosse nada, até esta manhã. — Os lábios mordiscaram-se, nervosos.
— E nem teria cogitado a possibilidade, se não fosse por Olive. — A mulher tinha noção de que
apenas estava dando floreios em sua frase, círculos que tentavam lhe ganhar algum tempo para
ter forças e dizer as palavras sem que tremessem. — Na noite que fomos à ópera, Mitch.
O mais velho contraiu o maxilar, a barba se movendo sutilmente conforme os músculos
enrijeciam.
— Eu esbarrei naquela garota, porque pensei ter visto o Sr. Deroy, e tentei segui-lo.
— Tentou segui-lo!? — Havia frustração e ansiedade transbordando de sua voz. —
Margareth...
— Não foi proposital. Eu só... — Não havia como explicar e aquele não era o ponto de
importância, então ela apenas deixou as palavras evaporarem no ar, ainda que Mitchell
certamente as viria cobrar, mais tarde, e continuou: — O que me preocupa é que a vi, hoje,
novamente.
A frase fez o cenho dele endurecer ainda mais.
— Onde? — questionou Adrian.
— Perto da escola de Olive, da viúva Doorway.
— Acha que ela pode estar envolvida? — perguntou um gêmeo ao outro, e Damian
respondeu:
— Eu já vi a filha de Lorde Weatherstone. Talvez, se eu cruzar com esta garota...
Mas quando Margareth estava prestes a dizer algo, Mitchell a sobrepôs:
— Não.
Todos o olharam, confusos.
— Como é? — Adrian arqueou as sobrancelhas.
— Ela não está envolvida.
— Como pode ter certeza?
— Mitch, ela estava me seguindo — reiterou Margareth. — Olive disse que ela o via pela
janela. Isso, pelo visto, não aconteceu só hoje.
— O que só comprova que ela não está envolvida. — Ele se ergueu, um aroma metálico de
sangue prevalecendo em suas narinas. — A ameaça é recente.
— Mas veio antes ou depois de irmos à ópera? — insistiu ela. — É o único jeito de ele ter
descoberto quem você é, Mitch. Estávamos lá, ele me reconheceria!
E, por entre a pressão que ele sentiu, esmagando seu peito e sucumbindo-o em seu mais
dilacerante segredo, Damian falou:
— Devo concordar com a Srta. Howells, Mitch. — Ele se encaminhou até o irmão e
apoiou sua mão sobre seu ombro. — Eles podem ter alguma conexão.
Não. Ele tinha certeza de que não, pois sabia a verdade, porém, mesmo diante os olhos de
Margareth, que pediam para que acreditasse nela e considerassem o que estava dizendo, ele
entendia que, pelos erros de seu passado, ainda não estava pronto para assumir aquele segredo.
A verdade, infelizmente, viria de maneira muito mais abrupta.
Então, para proteger Margareth e sua família, ele traiu sua própria confiança e decidiu:
— A única coisa que devemos concordar, agora, é que não estão mais seguras.
Ver a expressão decepcionada nos olhos dela partiu-lhe o coração.
— Não descartaremos essa possibilidade, querida — falou tentando iluminar seus olhos
mais uma vez. — Mas estou certo de que sei quem é o Sr. Deroy.
— Você mesmo disse que não conseguiu descobrir algo, Mitch. — Adrian tinha
comentários pontuais que conseguiam perfurar cada pessoa ali. — É outra razão para termos
vindo, aqui. Somente Margareth pode nos dar uma pista.
— Como? — Ela deu um passo para o lado e Maud reapareceu na sala.
— A senhorita foi a única que viu o Sr. Deroy, sem sua máscara, logo, só você o
reconheceria.
A ideia fez perfeito sentido para ela.
— E o que posso fazer?
— Nada — vociferou Mitch. — Ficará em casa, onde sei que está segura.
— Não estava pedindo permissão, Mitchell — replicou ela olhando-o por sobre o ombro,
os cabelos caindo pelas costas até a altura de sua cintura. — É a minha família que está em risco,
também.
Convicta, ela se voltou a Adrian, sem medo, estudando-o com a profundidade de seus
olhos azuis.
— Como eu ajudo?
Ele primeiro encarou seu irmão mais velho e, depois, sorriu ante a magnitude da coragem
da mulher.
— Temos alguns suspeitos. Poderia vir conosco e observá-los mais de perto, assim, vamos
eliminando cada um deles.
— É arriscado — ressaltou Damian. — Se nós os vemos, eles também podem nos ver.
— Sim, mas se não fizermos isso, esse calhorda continuará à nossa frente!
— Compreendo, irmão, mas a Srta. Howells precisa estar plenamente ciente dos riscos.
Não é momento de sermos relapsos.
— Eu aceito — falou de prontidão, porém Mitchell segurou-a pelo braço e sibilou:
— Tem de haver outra forma, querida. Não quero que se arrisque assim. Pense em Olive.
— É por ele que estou aceitando. — A saia dela girou e se arrastou pelo piso conforme
virava-se para ele, tocando-lhe o peito, o aperto firme relaxando.
— Margareth... — começou a dizer, mas ela levantou a mão até seus lábios, silenciando-o.
— Faço isso por nós dois, também.
Vacilante, ele colocou as duas mãos ao lado do rosto dela.
— As duas irão para nossa propriedade, hoje. — Mitchell não tirou seus olhos dos dela e
os irmãos não tinham como contestar, já envergonhados da balbúrdia que criaram, como se não
tivessem juízo algum. — Estarão seguras, na mansão.
— Sempre estou segura ao seu lado, Mitchell.
Ela o abraçou, por fim, os olhos fechados ouvindo o bater de seu coração, sem imaginar
que, nele, ainda havia o segredo que poderia acabar com tudo.
Capítulo XXI

Estar de volta naquela casa, desta vez, foi um misto de sensações, não porque a Sra. Laurel
a recebeu com uma mesura e um sorriso ainda maior, ou pela incapacidade de Olive ser discreto
diante um baquete tão apetitoso quanto o que fora oferecido, mas sim porque a sensação de que
dias calmos nunca chegariam a estavam enlouquecendo.
— Ande, diga-me o que a incomoda.
A voz de Mitchell soou atrás dela conforme ele despia-se para dormir. Na verdade,
esperaram até que todos adormecessem para realmente estarem juntos, Margareth acariciando os
cabelos de Olive até que os sonhos lhe acometessem e ele certificando-se de que Maud estava
bem acomodada.
— O que me incomoda? Bem... por onde começar, não é? — brincou, mas seu tom era
mais abrasivo do que gostaria, tal que ele se deteve com a camisa ainda nas mãos. — Talvez o
fato de que, a cada dia que me apaixono mais pelo senhor, vosso irmão aumenta seu desgosto por
mim.
— Não é você, Margareth — ele disse baixinho. — Ele... não é a pessoa mais fácil de lidar.
— E eu em nada ajudo.
— Odeio quando você se culpa dessa forma — admitiu ele enrolando a camiseta nas mãos,
distraindo-se.
— Não é justo com eles. Com Olive, Adrian, Maud... com ninguém.
O cenho dele se franziu e, pelo quarto iluminado pela luz do luar, ele caminhou até ela,
passos sutis dos grandes pés descalços, as mãos tocando-a por trás, quentes em meio ao frio que
os cercava.
— Eles ficarão bem. Todos nós — murmurou afastando os cabelos dela, colocando-os para
a direita conforme a pele alva de seu pescoço se revelava. — Detesto-me por escolhas que tomei,
decerto, mas amar-te nunca será uma delas.
— Isso é... completamente irracional — contrapôs conforme sentia-o beijar o espaço entre
seus ombros e seu pescoço.
— Está cansada, querida. Seus pensamentos pesam, por isso.
— Eles pesam porque sei o que tenho a perder.
Mitchell parou por um instante e ela virou-se para ele, deparando-se com o calor de seu
peito desnudo, a trilha de pelos maliciosamente perigosa apontando para a direção de sua pélvis.
— E a senhorita acha que não sei o que eu perderia? — Seus olhos, intensos e firmes,
estreitaram-se. — Está aí algo que seria irracional de considerar.
Margareth engoliu em seco e um arrepio subiu por sua cintura.
— Meu maior tesouro é tê-la, Srta. Howells, e eu a protegerei de todo mal desse mundo.
Ele não desviou o olhar dela, deliciando-se com a visão, ainda que a mulher estivesse
nervosa.
— Eu não quero destruir a sua família.
E, em uma reação que ela não esperava, Mitchell apenas sorriu.
— A senhorita é minha família, Margareth.
Ela sentiu os olhos umedecerem conforme os cílios se agitavam, respirando fundo
conforme observava por além da janela, na noite escura de uma cidade já quieta.
— Sabe que... eu não posso me livrar de meu filho, não é? — As palavras pesaram em
meio ao seu sorriso. — Ele é meu maior orgulho.
— Eu adoro aquele garoto.
— Mas ele será visto com maus olhares. Um filho de meu primeiro casamento.
— Então, agora, antes que eu lhe tire toda a roupa... — Os lábios dela se abriram e as
sobrancelhas se curvaram. — Responda-me: isso é um problema a seus olhos ou aos de quem o
vê dessa forma?
— Eu nunca verei Olive como nada senão amor e risadas doces.
Mitchell riu junto a ela em uma sintonia adorável conforme suas mãos seguravam-na
delicadamente pelos ombros, acariciando a pele por sobre o tecido.
— Então, que as outras pessoas vão ao inferno. Esta é nossa família, agora, e é o que
importa.
Naquela fração de segundos, onde nada se disse nem som algum emanou do exterior, os
olhos dela impressionaram-se com ele. Foi como se Margareth Mae estivesse vendo-o pela
primeira vez, com seu rosto impossivelmente perfeito, esculpido em uma barba escura, com um
olhar tom de avelã fazendo seu coração acelerar mais forte do que ela jamais sentira.
— Eu o amo profundamente, Mitchell Wolfheart.
Dessa vez, o batimento passou do seu próprio ritmo alucinado. Eu reconhecia aquela
expressão no seu rosto de estátua.
— Está aí algo que me agrado em ouvir — admitiu ele em seu sussurro grave, um tom que
fez as pernas dela vacilarem. Sua expressão ficou maliciosa e sedutora, de um modo que apenas
um Wolfheart conseguiria fazer.
— Na verdade... achei que o senhor se agradasse com outras coisas.
O comentário o fez parar por um instante, curioso.
— E o que seria, Margareth Mae?
Dessa vez, foram as feições dela que o enlouqueceram ao responder:
— Deixe-me lhe mostrar.
Então ela impulsionou o corpo para cima, as mãos deliciando-se com a firmeza de seus
músculos, com o toque quente. Ela assumiu o controle até o instante que o desejo de Mitchell o
fez devorar sua boca em beijos longos, inclinando o corpo de forma que Margareth teve que
arquear as costas para trás.
Ele deslizou uma das mãos até a nuca dela, os fios de seu cabelo enrolando-se entre seus
dedos, apoiando sua cabeça enquanto a guiava pelo quarto até deitá-la na cama. Ela perdeu o
fôlego quando viu os intensos olhos castanhos e um gemido escapou de sua garganta ao tê-lo
beijando o colo de seus seios.
— Permita-me dizer que tem razão. — Ele mordiscou seu lábio e debruçou-se sobre ela. —
Ouvi-la gemer é o melhor dos sons.
Margareth sentiu o corpo estremecer de desejo, reflexos pulsantes emanando do meio de
suas pernas e subindo para os quadris.
— Então me faça compor uma sinfonia ao senhor.
Ouvir aquela permissão era tudo que ele precisava.
Com a firmeza de suas mãos, ele tocou o decote delicado do vestido. Tecidos como aquele,
por mais caros que sejam, são fáceis de desmontar. Na verdade, ele desconfiou que bastava um
leve puxão para que a seda suave revelasse o desbunde de prazer que eram os seios dela.
Porém ele conseguiu se controlar.
Ainda que com sua virilidade pulsando ao lado de sua perna, ele a colocou de pé,
novamente, despindo-a a seu bel-prazer, ajoelhando diante seu corpo.
Se Margareth Mae tornou-se seu mundo, então ele a penetraria em cada espaço, a
exploraria em busca dos maiores prazeres e diferentes ângulos que pudesse imaginar.
Com a seda do vestido, macia e delicada ao toque dos dedos dele, Mitchell regozijou-se em
desbravar e sentir cada curva elegante de seu corpo, a luz do exterior tornando-a mais alva e
perfeita do que nunca.
Ela ofegou mais uma vez conforme o observava deslizar suas vestes lentamente, os
mamilos endurecendo conforme o tecido esfregava-os até cair, a respiração dele, quente e
instigante, refletida contra os pelos de sua intimidade.
— Creio que nunca a vi tão receptiva quanto esta noite — sussurrou conforme beijava-a
ajoelhado, deliciando-se com seu gosto salgado, com seus lábios molhados e o prazer de
desfrutar das intimidades da mulher de sua vida.
Da mulher que fazia seu coração pulsar tanto quanto seu membro. Isso é de enlouquecer
qualquer homem.
— Permita-me aliviá-la de vossas preocupações.
Ela riu, então.
Ele franziu o cenho.
— Divirto-a? — questionou sério, os olhos de Margareth cruzando com os deles, alegres e
embebidos em desejo conforme os cabelos castanhos formavam ondulações sobre os
travesseiros.
— Diverte-me vê-lo fingir que apenas eu desfrutarei dessa atividade tão... — A última
palavra escapou de seus lábios na forma de um gemido conforme ele abocanhava o meio de suas
pernas mais uma vez.
— Perdoe-me, senhorita. — Ele segurou suas coxas bem separadas, as mãos e os dedos
firmes e ásperos enlouquecendo os músculos com arrepios de júbilo conforme Mitchell
provocava-a com palavras calmas. — Eu a interrompi?
Margareth apenas deixou uma nova risada escapar antes que ele retirasse suas últimas
peças de roupa e a roubasse por entre um beijo, encaixando-se em seu corpo, passando os braços
a seu redor. Ele podia sentir todo o corpo dela, cada centímetro, mas ainda não a havia
penetrado.
Soaria masoquista dizer que ele se divertia em provocá-la tanto, sendo que seu desejo
umedecia sua virilidade, porém seria deveras errôneo se não fosse feito.
Naquela noite, de repente, ele a virou, deitando-se sobre ela conforme apreciava o calor de
suas nádegas, perfeitamente redondas e delicadas como porcelana, seus dedos escorregando pelo
meio de suas escápulas, descendo pela coluna marcada sob a pele até avançar por entre seus
montes, descendo, estimando-se com a sensação apertada até que avançou entre as pernas de
Margareth.
Um gemido escapou de seus lábios e ela, involuntariamente, apertou os lençóis com as
mãos conforme um dedo dele adentrava seu corpo.
Ele sentiu a umidade, os músculos firmes, as ondas de labaredas que emanavam da pele
dela conforme o quadril movia-se seguindo seu movimento.
Receptiva como estava — e já querendo prepará-la para seu membro — ele arriscou
penetrá-la com um segundo dedo. Ela não pareceu negá-lo, na verdade, a umidade aumentou,
assim como os pequenos círculos que ele se dispôs a fazer com uma das mãos enquanto, com a
outra, massageava suas nádegas.
Quando sentiu-a chegando em seu ápice, ele retirou-se dentro dela, um som frustrado
surgindo em seus lábios no instante que ele a retornou na posição que começaram, os olhos de
Margareth surpresos por voltar a vê-lo em cima de seu corpo.
— Mitch... — Seu nome escapou trôpego por entre uma lufada de ar.
— Nunca mais ouse duvidar de minhas intenções.
Então, quando terminou de dizer, ele forçou seu membro para dentro dela, alargando-a por
entre o mais longo arfar, sentindo o desejo úmido da carne conforme gemia por entre um beijo,
um som primitivo que era um misto de necessidade e paixão.
Agora que seus lábios finalmente cobriram os dela, e sua potência entrava e saía de seu
corpo, ele não teve mais necessidade de ser gentil, permitindo que suas ações, agora, fossem
ditadas pela pulsação descompassada, urgente demais, tal que cada movimento só poderia ser
descrito como o de um ávido amante.
— M-Mitch! — exclamou por ele conforme cada pensamento apagava-se de sua mente, os
olhos fechados em prazer, a cabeça jogando-se para trás entre as fronhas macias e ondas de
prazer repercutindo por seu corpo, as estocadas tornando-se mais vigorosas agora que ele se
satisfazia em vê-la tão delirante.
Seu último gemido o acendeu ainda mais as mãos sustentando seu corpo sobre o dela
conforme ele próprio alcançava seu âmago.
Estava escuro o bastante para que suas sombras se unissem, mas não o suficiente para que
a beleza de seus corpos unidos não fosse apreciada por eles.
Entre os nuances que ainda reverberavam em sua mente, os olhos de Margareth
permitiram-se ver aquele rosto inesquecível, os pingos de suor em sua testa, os cabelos
emaranhados, os músculos firmes sustentando-o em seus movimentos conforme sua larga
virilidade a desbravava.
E ele fazia o mesmo, apreciando — como um artista o faz com sua obra — cada detalhe do
corpo de Margareth Mae, desde seus pequenos mamilos, entumecidos e deliciosos, até as
clavículas marcadas, o rosado de suas bochechas, os lábios suaves e macios, e os olhos azuis,
profundos como o oceano, mas que, de alguma forma, ele soube como navegar neles.
Tomado pelo prazer, Mitchell arriscou um último impulso profundo, sentindo-a recebê-lo
até seu máximo, saboreando o doce calor de seu sexo antes de se retirar-se de dentro, liberando-
se em um dos travesseiros, que apenas jogou para fora da cama.
Margareth o assistiu fazê-lo com amor, sorrindo quando os olhos dele voltaram a encontrar
os seus.
— A senhorita não sabe que não é educado encarar um cavalheiro sem roupas? — brincou
com a excitação ainda em suas mãos.
— Oh, perdoe-me, então... eu posso estar ao lado de um cavalheiro sem suas roupas, desde
que não o encare, é isso?
Ele apertou o canto dos olhos e jogou-se ao seu lado, abraçando-a conforme os cobria com
os lençóis quentes.
— Exatamente isso. Não se pode encarar.
Margareth riu baixinho.
— É melhor avisar isso às escolas de etiqueta, então. Estão deixando esse detalhe passar
despercebido.
Mas não era somente aquilo que passava alheio àquele momento. O sono começou a
encobrir a mente dela, pesada e cansada de todo o estresse daqueles dias, mas encontrando um
porto seguro em Mitchell.
— Espero que tenha bons sonhos, Sra. Wolfheart.
Falar aquilo em voz alta o fez sorrir mais que tudo. Imaginá-la com seu sobrenome foi um
segundo ápice daquele instante, dando prazer ao seu coração.
Um prazer que foi subitamente apagado por um farfalhar no exterior.
Sua respiração continuava densa, mas ele tentou acalmá-la conforme lentamente movia-se
para fora da cama. Não queria que Margareth reabrisse os olhos, e ela ainda deveria estar
adormecendo, então todo cuidado deveria ser tomado.
Mitchell caminhou até a janela, deixando que o ar fresco da madrugada envolvesse sua
nudez conforme os olhos fitavam a penumbra que se alastrava pelo jardim. O frio estava cada
vez mais intenso e um arrepio percorreu seu corpo, mas ele não se importou, deixando que seu
corpo fosse banhado pela luz noturna. Um grilo chiava por perto, seu som fúnebre e esguio
cortando o silêncio da noite conforme o farfalhar que ele ouvira fora feito pelo vento,
ricocheteando na folhagem das árvores.
Afinal, o que ele estava pensando? A garota que poderia arruinar tudo estaria ali,
assistindo-os pela janela? Impossível diante a altura em que estavam, mas estaria ela vendo-o
agora, tão exposto?
Se torna difícil manter segredos daqueles que amamos, mas ele ainda não conseguia saber
como Margareth reagiria se soubesse a verdade, nem como os próprios irmãos iriam reagir.
Afinal, que tipo de monstro ele era para negar a própria...
— Não vem dormir?
A voz de sua amada o distraiu de seus pensamentos, fazendo-o virar metade do corpo em
sua direção.
— Acho que não sou tão silencioso quanto gostaria.
Margareth riu com o ligeiro inclinar da cabeça, os cabelos caindo em uma cascata pelo
lençol, que lhe cobria até a altura do joelho dobrado.
— Uma mãe tem sono leve, não seria justo usar-me como parâmetro.
Pego entre seus pensamentos e levemente constrangido, ele apenas fechou a janela e as
cortinas, deixando-os num breu confortável conforme retornava para a cama, os braços da
mulher envolvendo-o em alento.
— Se quiser, posso cantar para você dormir — zombou ela recebendo um beijo fugaz
como resposta.
— Basta prometer que ficará comigo, Srta. Howells.
— Não é mais Wolfheart?
Eles podiam estar no escuro, mas ela jurou que o viu, em um de seus raros momentos,
enrubescer.
— E-Eu...
— Eu aceito.
Mitchell perdeu as palavras. Isso a fez sorrir ainda mais.
— Eu aceito, Mitch. Não foi o pedido de casamento mais convencional, mas...
Ele a silenciou com um beijo, os lábios unidos em segundos eternos que os uniram ainda
mais.
— Então, ficará aqui, Sra. Wolfheart.
Margareth precisou de um segundo para se recompor entre as camadas de alegria e o
fôlego que ele lhe tomara.
— Ficarei até que me peça para ir embora.
O sorriso dele se abriu entre a as sombras.
— Prepare-se para ficar para sempre, então.
— Se assim nos for permitido.
E ela o beijou, fugaz, uma última vez antes de adormecer em seu peito.
Capítulo XXII

A luz inundou o quarto, pela manhã, quando as mãos de Mitchell puxaram as cortinas para
os lados, sentindo o corpo de Margareth movendo-se nas cobertas, despertando-a de um sono
profundo.
Ela se espreguiça e abre os olhos.
Mesmo que acordá-la de tão serenos sonhos fosse uma tarefa que lhe apertasse o peito,
nada se comparava ao ato de assistir aos seus olhos se abrindo, marejados assim como a grama
do jardim, úmida pelo orvalho da manhã, o aroma agradável entrando pelos cômodos da casa.
— Bom dia, Sra. Wolfheart.
A voz grossa a despertou ainda mais com um arrepio em sua nuca.
Ambos duvidavam do que havia acontecido na noite passada, mas verbalizar aquela frase o
fez ter certeza do que houve. Não fora um sonho, pois, se fosse, ele teria se amaldiçoado pelo
fato irrevogável de que poderia esquecê-lo; mas Margareth sorria, perfeita, os cabelos castanhos
totalmente bagunçados conforme os lábios finos respondiam:
— Bom dia, Sr. Wolfheart.
Ele contornou a cama e lhe deu um beijo para iniciar o dia. Mitchell já estava vestido, e
isso era muito se dito em relação a ela, que cobriu sua nudez por instinto.
— Desculpe acordá-la assim. Se pudesse, a deixaria dormir o dia todo.
— E isso seria um dia perdido. — As pernas dela escorregaram para fora da cama. — Sabe
onde estão minhas roupas?
— Não — mentiu com um sorriso malicioso que a fez rir, tocando seu rosto ao falar:
— É sério, Mitch.
Com um resmungar baixo, ele se levantou, correu até seu armário e, onde um dia ela vira
todos os fraques e trajes sociais que o homem possuía, agora estavam seus vestidos.
— Esteve ocupado — provocou conforme ele apanhava a seda amarela e lhe entregava.
— Queria que se sentisse o mais confortável possível. — As enormes mãos seguraram-na
pela nuca, os olhos dela na altura de seu abdômen conforme Mitch levantava seu rosto. — Ficará
estonteante de amarelo.
Então ele lhe deu um beijo na testa e se retirou.

O dia estava belo, como há muito tempo não o fazia, Brighton iluminada em cores frias, as
quais criavam um contraste com a vida fervorosa das pessoas e iluminavam a enorme mesa de
café-da-manhã dos Wolfheart, onde todos se reuniram na iminência de um plano que tinha de dar
certo.
— Bom dia, Srta. Howells — cumprimentou Damian ao vê-la entrar, sentando-se ao lado
do filho e de frente para Maud.
O sobrenome, de repente, lhe pareceu descabido. Não havia nada mais delicioso do que ser
chamada de Sra. Wolfheart, porém não era o momento mais propício de revelar um acordo que
fizeram entre os lençóis.
Céus... como tudo aquilo poderia ser mais indecente!? Ela sorriu com tal pensamento,
porque a indecência não passava de uma vida melhor, que outros tinham medo de experimentar.
— Teve uma boa noite de sono?
A pergunta veio dos lábios de Adrian, impecavelmente arrumado, os cabelos penteados
para trás e caindo-lhe além da nuca.
— Sim. Na verdade, eu tive — respondeu hesitante. Era difícil de entender o meio irmão
daquela família, pois a volatilidade de suas emoções para com outros fazia-se muito presente.
— Não consigo imaginar a razão — ironizou com uma pausa, ardiloso, conforme devorava
sua torrada com geleia, mordendo-a por entre os lábios sorridentes no instante que Mitchell
apareceu, auxiliando a Sra. Laurel com mais bandejas.
— Está tudo bem, Sr. Wolfheart? — questionou Maud. — Poderia ter pedido minha ajuda.
— Não se preocupe, já trouxemos tudo — dispensou ele ajeitando as golas de seu casaco
antes de puxar uma cadeira e acomodar-se na ponta da mesa. — Um dos ajudantes da cozinha
não está se sentindo muito bem, então permiti que tirasse o dia de folga, para se tratar.
— Oh, espero que ele melhore logo — falou a amiga conforme os olhos arregalavam-se
em tantas opções de chá e pequenos lanches.
— Também esperamos — finalizou Mitchell. — Olive, sinta-se à vontade para comer o
que quiser, está bem? — Os olhos do mais velho notaram como o menino estava intimidado por
estar em uma mesa com tantos adultos. — E, se nada lhe agradar, tenho certeza de que a Sra.
Laurel poderá preparar algo especial para você.
— Sem dúvidas! — afirmou a criada com as mãos atrás das costas, o rosto dócil, a renda
alta da gola de seu traje tornando a pele de seu pescoço avermelhada. — Do que gostaria?
Porém, antes de responder, ele olhou para a mãe, como se pedisse permissão.
— Pode pedir, querido — incentivou ela e, um instante depois, Olive disse:
— Poderia fazer ovo mexido, por favor?
A Sra. Laurel riu e até Adrian meneou a cabeça de um lado para o outro.
— Ora, um pedido de algo tão simples feito com tamanha educação não poderia ser
negado! — cantarolou conforme endireitava os ombros. — Volto em um instante!
E ela realmente o fez, trazendo uma pequena porção amarelada em um prato delicado
segundos depois, arrancando do garoto o maior dos sorrisos. Olive não tinha o melhor dos
humores quando estava com fome, então vê-lo devorar a refeição fez Margareth ter certeza de
que se comportaria pelo restante da manhã.
— Tinha certeza de que ficaria linda nesse vestido — sussurrou Mitchell, os olhos subindo
do colo de seus seios, exibidos, alvos, pelo decote rendado, até seu rosto.
— E eu tenho certeza de que temos assuntos mais importantes a tratar, não?
Ele concordou com um pigarrear e, quando a Sra. Laurel reapareceu para completar o leite
fresco na jarra de porcelana, Mitchell pediu que os deixasse a sós por um tempo.
— Pensaram em algo na última noite? — perguntou o mais velho. — Alguma estratégia
que acham que devemos seguir para determinadas pessoas?
— Foi difícil pensar, havia... — Adrian floreou o ar com os dedos. — Um som diferente na
madrugada.
O rosto de Margareth esquentou e pelo modo como Maud riu, ela teve certeza de que não
haviam sido nada discretos.
— No entanto, Damian sabe onde o Lorde Weatherstone estará amanhã à noite.
— Poderiam observá-lo — completou o gêmeo conforme servia-se de geleia e scones. —
Hoje, tirem o dia para estudar o senhor e a senhora Ward, que são seus principais suspeitos. —
Os olhos estavam fixos em Mitch, mas as mãos agiam livremente. — Vamos pela eliminação.
— Não podemos amanhã à noite — negou ele.
— Por que não? — Era óbvio que seria Adrian a perguntar primeiro.
— É sábado.
— E?
— Vou levar Olive e Margareth ao festival no píer.
Então, mãe e filho arregalaram os olhos.
— O quê!? — O menino quase caiu de sua cadeira, ajeitando-se. — Mamãe, é verdade!?
O cenho dela se franziu e Mitch não entendeu a pressão que pareceu recair sobre ela, tal
que lhe perguntou:
— Está tudo bem?
— Sim... eu só... esqueci de falar para ele — explicou em um sussurro conforme Olive
continuava chamando por ela. — Não precisamos ir.
— É melhor que não fossem — admitiu Damian com um leve esgar.
— Fiz uma promessa de levá-lo.
— Não jurou nada a meu filho — negou ela com um leve trejeito do rosto.
— Mas jurei à mãe dele — reiterou com o olhar firme.
— Sou crescida, Mitchell, posso sobreviver a isso.
Porém, quando o mais velho dos Wolfheart definia algo em sua mente, não havia nada que
o fizesse mudar de ideia.
— Nós iremos ao festival, amanhã. — Damian não pareceu satisfeito. — Se puder fazer
com que Lorde Weatherstone compareça...
— Margareth disse que estava sendo seguida, irmão — lembrou Adrian, a faca levemente
apontando para a mulher. — Acha que é a melhor das opções levá-los em um local tão cheio
assim?
— Dessa vez, sabemos que estamos sendo observados. — Ele não ia renunciar à ideia. —
Na dúvida, poderiam vir conosco.
— Tenho meus compromissos — dispensou Adrian virando o rosto.
— O clube abrirá neste sábado, Mitchell. — A expressão no rosto do mais novo não era de
agrado. — Estou com a esperança de que o Sr. Deroy reapareça por lá.
Mitchell bufou, o ar pesado escapando dos pulmões.
— Quero poder levar este garoto ao festival, porque eu adoraria que alguém tivesse feito
isso por nós, quando crescíamos sem poder ver um circo, sem poder comer doces até passar mal
e sem poder... ser criança.
Roubando-lhe as palavras por um instante, Margareth entrelaçou seus dedos nos dele.
— Eu tomarei cuidado. Ficarei atento.
— Posso ir com vocês — ofereceu-se Maud. — Se algo acontecer... — Um nó na garganta
travou-lhe a fala. — ...posso proteger Olive.
Os dois irmãos não pareceram de acordo, e o deixaram explícito, mas esta era uma vontade
que o coração de Mitchell, embebido pelas lembranças de um passado mais triste do que gostaria
de ter tido, sentia-se na obrigação de realizar.
Assim, entre os pedidos de Olive, Margareth virou-se para o filho e disse:
— Sim, Olive, iremos ao festival.
No início daquela tarde, ele, Mitchell, se encontrou um tanto hesitante.
Caminhar pelas ruas de Brighton, de dia ou noite, era uma tarefa simples para um homem
como ele, forte, intimidador a ladrões maltrapilhos e charmoso a damas de boutiques ou que
passeavam com seus irmãos, porém fazê-lo com Margareth ao seu lado estava causando-lhe
sensações de desconforto.
De forma alguma era por estar com ela, mas por toda a situação.
Se fosse em outro dia, com outro propósito, exibir uma mulher tão estonteante e genuína
como ela seria o maior dos prazeres, mas estar seguindo a Sra. Ward e o filho pelas ruas era
desconcertante.
Mitchell sabia que Adrian o chamaria de hipócrita, então. Arriscá-los-ia ao irem ao Knight
Circus, no dia seguinte, e agora preocupava-se demasiadamente por estar em uma rua
relativamente tranquila.
— Poderia respirar um pouco — aconselhou Margareth, os olhos preocupados. — Está
tudo bem.
— A voz de meu irmão não sai de minha cabeça.
— Por causa de amanhã, não é?
Ele anuiu.
— Também me preocupo. Podemos ir, ficamos apenas alguns minutos e voltamos —
sugeriu conforme mordiscava o lábio. — Não posso dizer que concordo com toda a ideia de
irmos, mas sei o quanto Olive precisa disso.
Mitchell olhou-a de esguelha e ela prosseguiu:
— Um momento de descanso, entende?
— Todos precisamos.
Ela teve de concordar.
— Quando tudo isso acabar... não teremos mais preocupações, não é? — A pergunta
pegou-o de surpresa.
— Sempre haverá preocupações. É o que a sociedade impõe sobre nós.
— O senhor me entendeu — replicou conforme inspirava fundo. — Não teremos que nos
preocupar com alguém nos caçando.
O termo o fez engolir em seco.
— Não posso prometer.
Ela riu da resposta e, como um braço estava enganchado no dele, com a mão livre ela lhe
deu um tapa, achando que Mitchell brincava, porém seu tom sério era verdadeiro.
— Acha mesmo que o Sr. Ward é o Sr. Deroy? — questionou instantes depois, conforme a
mulher e o filho viravam a esquina.
— Tenho um pressentimento sobre, sim.
Aquilo a deixou nervosa, borboletas surgindo em seu estômago não de uma maneira
prazerosa.
— Ela só tem um filho? — questionou a mulher conforme apertava os olhos, distinguindo-
os mais a frente conforme dois homens passavam com uma charrete.
— Sei onde está querendo chegar.
— Não sabe não.
— Perguntou-me isso, pois quer saber a respeito da garota que Olive disse ter visto, da
garota que você cruzou na ópera.
Margareth crispou os lábios.
— Ela não está envolvida — concluiu ele.
— Não tem como saber.
— Meu instinto diz isso.
E seu passado, também.
— Seu instinto pode estar errado.
— Difícil — negou com prepotência. — Soube, desde que a vi, que ficaríamos juntos.
— Com certeza também previu toda essa confusão, não? — provocou-a com firmeza, o
semblante impassível. — Mitch...
— Creio que acabou de me dar uma ideia — interrompeu-a de repente, atraindo seus olhos,
confusos.
— Que seria?
— O Sr. Deroy não tem saído de casa, e muito menos tem deixado que entremos.
— Não invadirei uma casa, Mitch.
— Nem precisará! — Ele pareceu verdadeiramente animado com a súbita ideia. —
Seremos convidados.
Os cílios dela se agitaram e o cenho franziu-se, um leve vinco surgindo entre as
sobrancelhas.
— Como é? — Margareth parou por um instante, porém ele apenas a instigou a continuar
caminhando.
— A Sra. Ward quer que o filho se case. Ouvi sobre, em outro dia que os observei.
A ideia montou-se na mente dela, seu rosto personificando uma mistura de frustração com
surpresa.
— Mal aceitei carregar vosso sobrenome e já quer me entregar na mão de outro, Sr.
Wolfheart?
Ele estreitou seu olhar para ela e mordeu o interior da bochecha.
— Se essa ideia absurda pudesse ser verdadeira, eu estaria fadado à tristeza e ruína —
admitiu solenemente. — Será uma encenação, nada mais.
Dessa vez, Margareth forçou-o a parar, desvencilhando-se de seu braço e fincando os pés
diante seu corpo.
— Então, nossa única opção é adentrar na casa de quem nos ameaçou?
O descredito que ela tinha na ideia era palpável, tal que Mitchell reavaliou por qual
caminho teria de seguir para convencê-la.
— Não sentiria medo se, quem você persegue, lhe perseguisse de volta?
— Teria medo de ser uma presa e entrar no covil do predador.
— Do covil!? — Ele divertiu-se com o termo e umedeceu os lábios. — Margareth, quando
as pessoas acham que estão no poder, nada mais as intimida do que descobrir o contrário.
Os olhos dela mostraram que ele não havia dito o bastante.
— O Sr. Deroy acha que tem vantagem por saber quem somos, e não o oposto. Imagine
quão amedrontado ficará se estivermos na casa dele. Duvido que isso vá fazê-lo continuar com
qualquer ameaça.
A mulher pensou um pouco conforme a brisa lhe tomava os cabelos, o nervosismo
refletido na forma com que mordiscava o lábio e os dedos encontravam-se incapazes de
permanecerem imóveis, beliscando a pele.
— Então... com esse plano... ele não iria se machucar?
Mitchell sentiu a dúvida pesar sobre seu cenho, franzindo-o.
— Margareth...
— Não quero que sejamos tão ruins quanto ele, Mitchell. — Sua voz não tremulou ou
sequer deu espaço a dúvidas. Ela fez sua decisão. — Só concordarei com esse plano, se tiver
certeza de que ele nos deixará em paz sem usarmos da violência.
— Violência é a única linguagem que homens como ele conhecem.
— Mas você não é um homem como ele — reiterou tocando-lhe o peito, vendo como uma
senhora que passava, subitamente, arregalara os olhos, como se fosse o maior dos pecados. —
Quero um fim em toda essa loucura.
A bondade dela era linda, mas para mantê-la seria necessário que ele mentisse. Ele não
queria fazê-lo.
— Não posso garantir que ele nunca mais nos atormentará, ou que não sentirá ódio de mim
ou de meus irmãos, mas que sentirá medo. Talvez precisemos da violência.
— Mitchell...
— Vamos seguir o plano, conseguir um jantar e, se sentir que ele não terá colhões o
bastante para nos seguir perturbando, não irei machucá-lo.
Ela duvidou disso com o estreitar do olhar.
— Eu não irei, Margareth.
— É uma promessa?
— Eu prometo.
Isso a fez inspirar profundamente, repousando seu braço sobre o dele conforme retomavam
o caminho. A Sra. Ward não estava mais à vista.
— Fiz com que os perdêssemos — admitiu decepcionada.
— O que importa é encontrá-los novamente, antes do fim da tarde.
— Quer que jantemos esta noite com eles!? — A pergunta dela soou mais do que surpresa.
— Meu instinto diz que terminamos isso hoje.
O queixo de Margareth tremeu levemente conforme inspirava por entre os lábios.
— Espero que não esteja errado.

Emoldurada pela porta da casa de chás, a Sra. Ward saía distraidamente com seu jovem
filho, discutindo como era um absurdo ter acabado o Earl Grey sendo que ainda não havia
chegado o exato horário do chá da tarde, mas satisfeita o bastante de ter comprado alguns
biscoitos.
Porém qualquer ínfima satisfação que fosse dissipar-se no instante que seus olhos
encararam os de Mitchell Wolfheart. Na verdade, seu olhar foi cortante, mesmo com ele tendo se
aproximado lentamente.
Margareth conseguia sentir cada parte de seu corpo à flor da pele, o sangue fluindo em
adrenalina conforme todos ao arredor pareciam curiosos naquele encontro, mesmo que isso não
fizesse o menor sentido. Afinal, quem eram eles?
Tirando o sobrenome Wolfheart, a mulher não sabia se o sobrenome Ward tinha algum
valor, até que a memória da ponteira de prata quebrando-se contra sua cabeça repassou diante
seus olhos e ela engoliu em seco. Era uma bengala extremamente ostensiva. Um homem
ordinário não a teria.
Enquanto os pensamentos de Margareth tentavam localizar qualquer traço no filho da
mulher que a lembrasse das feições velhas do Sr. Deroy — talvez o olhar, o nariz ou o sorriso —
Mitchell seguia com sua figura austera e imponente, mesmo quando a Sra. Ward anunciou-o com
desgostosa surpresa:
— Sr. Wolfheart.
Não houve sorriso por parte dela.
— Sra. Ward. — Educado, ele lhe fez uma breve mesura. — Que fortuito nosso encontro.
— Sinto que devo discordar.
Ele franziu o cenho.
— Bem, eu preciso falar com vosso marido, e se cruzamos por acaso...
— Se é que foi o acaso, não é? — A Sra. Ward tinha uma lábia e raciocínio perspicazes,
refletidos no modo como estreitou o olhar, incisivo tal qual a voz.
— Perdão?
— Sr. Wolfheart, mil desculpas, mas precisarei chamar a polícia se continuar a me seguir!
Ouvir o termo “oficiais” fez Margareth despertar de seu transe, agitando os cílios
rapidamente e percebendo como encarara o jovem garoto descaradamente. Talvez ele tivesse se
assustado, mas a atenção de ambos se voltou a seus pares.
— Os oficiais, Sra. Ward!? Deus, isto causaria um escândalo desnecessário!
— Pois eu acho que isto seria fortuito. — Ela fez questão de pontuar a palavra.
Ele arqueou uma sobrancelha, mas ela não se intimidou. Na verdade, era como se ela o
rodeasse com as palavras, encurralando-o.
— Bem, certamente não para sua reputação.
Em uma fração de segundos, foi como se ele tivesse sacado uma pistola e apontado para
sua testa, pois a Sra. Ward deu um passo para trás e segurou a mão do filho com força.
— Isto é uma ameaça?
— Sra. Ward, vir a uma casa de chás não é um crime. Desculpe-me se minha presença
tanto lhe desagrada, mas, ainda que eu precise falar muito com vosso marido, minha vinda aqui é
puramente inocente.
Uma risada desdenhosa escapou de sua garganta.
— Não há nada de inocente no senhor, Sr. Wolfheart.
Ele aquiesceu com o ligeiro inclinar de seu rosto e acrescentou por entre um sorriso
charmoso:
— Mas não vim aqui por meus desejos. — Margareth percebeu que aquela seria sua deixa
e preparou-se, inspirando fundo. — Permita-me apresentá-los uma querida amiga de Londres,
Loretta Astor.
Ela sabia que devia ter questionado Mitchell quanto aquele nome. Parecia real? Essa
pergunta fazia seu coração saltitar, porém ele até mesmo pulou uma batida quando os olhos
incisivos da mulher se voltaram para ela, como se somente agora percebesse sua presença.
— Astor?
Margareth engoliu em seco. Discutiram os planos, mas não tantos detalhes, e ela tinha
certeza de que Mitchell completaria qualquer lacuna, porém, para que fosse verossímil, ela
mesma teria de fazê-lo, também.
— Sim.
— Achei que os Astor’s fossem americanos.
Antes que Mitchell intervisse, ela respondeu:
— Nomes ultrapassam os mares, Sra. Ward.
E ninguém ali esperava uma resposta como aquela, nem mesmo Mitchell, que arregalou os
olhos. Sentindo a tensão se formando, Margareth seguiu, justificando-se:
— Veja-me, por exemplo, viajando até aqui para conseguir um marido.
Marido? Era isso que ela queria, não? Casar o filho? Céus.... Mitchell, é bom que isso
funcione! Apesar da turbulência nervosa de seus pensamentos, ela manteve-se impassível.
— Um marido?
E aquela foi a palavra de ouro para que toda a situação se desenhasse de forma diferente.
Se antes os olhos da mulher julgavam e acuavam, agora estavam receptivos e brilhantes,
correndo das feições delicadas de Margareth até o filho, como se sinalizando-o algo.
— Sim. Não encontrei bons pretendentes, então decidi vir até aqui, reencontrar o Sir.
Wolfheart...
O brilho nos olhos da mãe se apagou.
— Então ele é seu pretendente?
— Não — negou Mitchell, rápido. — Estou aqui apenas como um bom amigo.
A Sra. Ward apertou os olhos.
— Isso não é apropriado, Sr. Wolfheart. — Então, a mulher voltou-se a Margareth. — Não
tem uma dama de companhia, querida?
Então um relapso de memória daquela manhã a atingiu na forma de uma ideia.
— Na verdade, sim, porém ela deve ter comido algo, em nossa viagem até aqui, que lhe fez
mal. Ela está indisposta, deixei-a descansar, já que confio inteiramente que o Sr. Wolfheart
jamais teria segundas intenções comigo. — O ar lhe escapou todo do corpo e o sangue ferveu
conforme ela encarava Mitch, aguardando-o com uma confirmação da parte dele, que parecia
extremamente surpreso.
— Tem razão, estou acompanhando-a apenas hoje. — Os olhos da Sra. Ward voltaram-se a
ele. — Então, acho que deveríamos entrar, caso queiramos desfrutar de um bom chá.
— Oh, permita-me poupá-los de desperdiçar seu tempo! — exclamou relaxada, um floreio
alto da mão em desdém ao lugar. — Não tem earl grey, acreditam?
— É um sabor peculiar — contrapôs Mitch.
— É o melhor sabor.
— Bem, algumas pessoas discordariam.
— E o que sabe de chás, Sr. Wolfheart!? — A mulher riu e buscou aprovação de
Margareth. — Olhe que absurdo, um homem querendo opinar sobre chás! — A Sra. Ward
voltou-se para ele uma última vez. — Mulheres sabem mais sobre este assunto.
— Pois eu tenho certeza de que a senhora conhece muito. — A voz de Margareth
reapareceu, calma, sutil, a mente alinhando a estratégia que decidiu seguir. — É uma pena que
não possamos desfrutar de um chá da tarde, então... será um dia perdido.
Mitchell franziu o cenho, entendendo — e surpreendendo-se — com a brilhante adaptação
que a garota fazia. Talvez não conseguissem um jantar, diretamente, mas um chá da tarde
poderia ser um percurso seguro para tal.
A virilha dele até mesmo estremeceu pelo desejo de tê-la novamente ao vê-la tão
perspicaz.
— Ora, se esse for o caso, poderiam vir até nossa casa!
Ele sorriu, discreto. Margareth foi brilhante.
— Não quero incomodar.
— Oh, querida, não será incômodo algum! Meu filho adoraria recebê-la! — Ela repousou a
mão sobre os ombros dele e seu olhar modificou-se, instigando-o ao dizer: — Não vai se
apresentar, meu filho? Onde estão seus modos?
E, sem ter qualquer escolha, ele o fez:
— S-Sou Steven Ward... — A voz gaguejou e, diante o leve tropeço, a mãe expirou firme,
em desdém, mas tentando manter o decoro diante uma possível pretendente ao rapaz.
— É um prazer.
O menino sorriu, tímido, os olhos, de uma forma ou de outra, sempre voltando-se para
Mitch, com uma peculiar admiração que Margareth ainda não compreendia.
— Bem, não podemos nos prender aqui, então! Posso não ter earl grey em casa, ou aqui,
mas teremos uma ótima companhia e muitos doces! — A ideia soou perfeita aos ouvidos da mãe
casamenteira. — Será mais do que bem-vinda.
— Tem certeza?
A voz de Mitchell a brecou na animação.
— Acho que não entendi.
— Certeza de que será bom nos receber? — Sua voz, grave e firme, pesou ainda mais na
palavra.
Empalidecendo, a boca dela tremeu por um momento, frustrada, mas traços de indiferença
atravessaram as feições felinas e ela deu de ombros:
— É claro, não esperaria que uma moça honrada fosse desacompanhada à minha casa. —
Ela ajeitou seu braço sobre o do filho e passou por eles, fitando-os por sobre o ombro ao dizer:
— Podem vir conosco, em nosso coche. Será mais confortável do que caminhar.
— Certamente — afirmou ele, porém a mulher desejava uma resposta de Margareth. Ela
atendeu seu desejo e lhe disse:
— É muito gentil de sua parte, Sra. Ward. Será ótimo.
Então a mulher sorriu e voltou a caminhar, guiando-os.
— Eu não sei como isso é possível, porém apaixono-me pela senhorita cada vez mais —
sussurrou Mitchell, atento ao seu arredor.
— Isso foi... interessante, não? — respondeu em uma pergunta, o cenho franzido,
hesitante. — Céus, nunca estive tão nervosa.
— Respire fundo. É agora que tudo se torna mais complicado.
Ela tinha noção disso, tal que foi como se usasse o corpete mais apertado e todo o ar
escapasse de seus pulmões.
— O que seu instinto está dizendo?
Mitchell sorriu com o canto dos lábios.
— Que eu terei que lhe fazer esquecer o nervosismo mais tarde.
E ela lhe deu um novo tapa, sutil, conforme ria, antes de a Sra. Ward parar ao lado de um
coche elegantemente escuro, lustroso, o cocheiro abrindo-lhe a porta conforme ela os olhava.
— Vocês virão? — perguntou a mulher falsamente inocente, em uma reprimenda sutil por
eles ainda estarem relativamente distantes.
— S-Senhorita. — Steven ofereceu sua mão para Margareth, tomando o lugar de seu
cocheiro, querendo demonstrar sua cortesia conforme a mãe sorria, em aprovação.
Respirando fundo, ela aceitou o gesto, lhe lançou um sorriso e entrou no coche.
Capítulo XXIII

Oh, céus, ela estava em uma tremenda confusão, mas não poderia alegar que estava
surpresa.
Por que iria se surpreender? O plano estava indo melhor do que esperavam, mas há um
nível de volatilidade nas situações sociais em que um sorriso inocente dado de maneira errada
pode desencadear o maior dos escândalos, o maior dos problemas.
Então, como o Sr. Deroy reagiria ao vê-los ali?
Margareth sentira tanta confiança na voz de Mitchell que ela mesma começou a acreditar
que aquela seria a única visita investigativa que faziam. Não era certo investigar a vida dos
outros, e ela tinha certeza de que seu coração não aguentaria fazê-lo por muito tempo,
acelerando-se conforme subiam os degraus da enriquecida — ainda que modesta — casa dos
Ward.
Para uma dama que passou os últimos anos tentando sem ser notada, era como se todos os
holofotes se voltassem a Margareth Mae, e ela começava a desesperar-se.
— Seria prudente que eu lhe dissesse para respirar fundo, agora? — A voz de Mitchell
sempre surgia para acalmá-la, mesmo que em forma de sussurro, conforme um criado abria a
porta para que todos entrassem, a Sra. Ward olhando por sobre os ombros, sorrindo aos vê-los
seguindo-a.
— Acho que não há nada prudente, agora — replicou adentrando o corredor escuro, onde o
papel de parede desenhava-se em flores.
— Vou aproveitar este instante para me vestir à altura da senhorita — anunciou a Sra.
Ward com um leve girar do corpo, parando ao lado de uma estreita escada, que guiava ao
segundo andar. — William, por que não os leva até a sala de jantar? Nossa criada, Judy, irá
aprontar tudo.
— Não se incomode com trajes, Sra. Ward — falou Mitchell com o sorriso que conquistara
a mulher ao seu lado. — Caso permita-me o elogio, está linda hoje.
Provavelmente buscando agradar a Margareth com a ideia de tê-la como nora, respondeu:
— É gentil em suas palavras, Sr. Wolfheart, mas a Srta. Astor está deslumbrante em
amarelo. — O rosto dela repuxou-se em um breve esgar. — Quero estar à altura de tanta beleza
enquanto conversamos.
Depois, ela subiu os degraus, atenta a cada um para não tropeçar entre as camadas de seu
vestido.
— M-Me acompanhem — gaguejou William conforme a criada, Judy, que também lhes
abrira a porta, corria para a cozinha, surpresa pelas visitas e apressando-se para agradar a todos.
Conforme caminhavam, Margareth conseguia listar os maiores problemas que poderiam
enfrentar, ali, em especial por ser um ambiente desconhecido a ambos e cada músculo dela gritar
para saírem dali o mais rápido possível.
Se essa era a sensação de ir a um baile a busca de pretendentes, então a mulher os
dispensaria na hora. Ela conseguia ver o nervosismo de William, pressionado pela mãe, mas
tentando manter toda a educação, movimentando-se milimetricamente, pensando em cada ato ao
convidá-los para se sentarem nos sofás esguios, de brocado, forrados de um tecido azul cobalto.
Para o aliviar o silêncio excruciante que se abateu sobre eles, em menos de quinze minutos
a Sra. Ward já estava de volta, trajando seu vestido mais caro, laranja, com botões que se
refletiam com a luz do crepúsculo, e Judy servindo-os com chás amenos e muitos doces, como
fora prometido.
Porém, por mais que William esforçasse-se em manter o decoro e evitar demonstrar seu
tédio, aquilo era claro por demais para Margareth. Na verdade, ela até mesmo chegou a ver
traços de Olive no jovem rapaz; talvez por isso sentiu uma empatia maior e desejou apenas
terminar logo com tudo.
— Ficou ainda mais bela, Sra. Ward — elogiou Mitchell perfeitamente sentado, elegante e
predatório.
Seu olhar mostrava a satisfação de ter conseguido entrar naquela casa.
— Bem, devo lhe agradecer novamente. — A mulher arrumou as dobras de seu vestido ao
se sentar. — Mas, estou mais curiosa em saber a história da Srta. Astor.
Margareth agitou os cílios e ergueu o rosto.
— De que maneira, Sra. Ward?
— Bem, uma jovem tão bela como a senhorita deveria ter filas e filas de pretendentes, não?
Como resposta, ela apenas conseguiu sorrir, digerindo a frase como um daqueles doces
impecáveis polvilhados de açúcar.
— Qual a sua idade? — prosseguiu a Sra. Ward um tanto indiscreta.
— Tenho vinte anos — mentiu engolindo em seco. Sua idade não estava distante disso,
mas, ainda assim, era arriscado.
Tudo ali era um risco.
— Oh! Céus... precisa arranjar um marido, minha querida! — A Sra. Ward inclinou-se
ligeiramente para frente. — Não deseja ser uma solteirona, não é?
— Não, não, de forma alguma — dispensou ela como se fosse a pior das hipóteses. — Por
isso, estou nessa viagem. — Margareth virou o rosto na direção de Mitchell, pedindo por algum
auxílio em tudo aquilo. — Quem sabe Mitchell me apresentará bons cavalheiros.
Wolfheart umedeceu os lábios, apanhou um dos pequenos biscoitos arredondado recheados
de cereja e acrescentou:
— Bem, parece que o destino fez isso por mim. O jovem William Ward parece ser um
excelente partido. — O rosto do rapaz enrubesceu, o ar travando em seu peito por receber um
elogio de Mitchell. — É muito gentil, Sr. Ward.
— Pois eu o ensinei a ser um exímio cavalheiro! — garantiu a mãe antes que o filho
apenas permanecesse ali, como uma estátua.
Tudo era muito doloroso de presenciar.
— Se bem que sempre digo ao meu marido que ser um cavalheiro é um trabalho que nunca
terá um fim.
Essa foi a deixa que Mitchell precisava.
— Ah, sim, o verdadeiro Sr. Ward. — Ele alinhou as sobrancelhas e o rosto ficou sério. —
Ele não se juntará a nós para este chá?
A Sra. Ward não pareceu feliz com o comentário, mas respondeu com decoro:
— Se estivéssemos em um Brandy, talvez se juntasse, mas é tão impróprio a um homem
estar em um enfadonho chá da tarde quanto uma mulher discutir política e beber.
Mitchell estreitou o olhar, incisivo.
— Não vejo nada de impróprio nisso, na verdade. Considero meramente incomum.
A mãe suspirou, mas não fez nenhum comentário, a princípio. Aquela seria uma discussão
interminável e desnecessária, tal que seu nervosismo por um iminente ataque do Sr. Wolfheart
precisou ser contido. Não arruinaria as chances do filho por seu orgulho.
— Bem, sou levada a acreditar que a Srta. Astor concorda comigo, não é?
Margareth anuiu e, cautelosamente guardando um sorriso, respondeu na direção de Mitch:
— Não é certo uma mulher beber, nem ficar tão perto de um homem falando de política ou
assuntos improdutivos.
— Claro, porque falar sobre o clima e a decoração é muito produtivo — ironizou,
provocando-a.
— Pois não se preocupe, meu William jamais iria ofendê-la com uma proposta indecente
— assegurou a Sra. Ward. — Não é, querido?
— J-Jamais — gaguejou, conquistando um novo suspiro desdenhoso de sua mãe. — E-
Está realmente linda, de amarelo.
A mãe abriu um sorriso, ansiosa por ver a reação de Margareth. O garoto apenas repetia
um padrão que não lhe encaixava, tal que o coração dela se apertou ao responder:
— Obrigada. — Seus dedos correram a renda do longo decote quadrado. — Foi uma cor
escolhida pelo Sr. Wolfheart.
As sobrancelhas da Sra. Ward subiram, escandalosas.
— Ora, pois o senhor tem muito bom gosto.
— A Srta. Astor almeja conquistar um marido. — Os olhos dele caíram sobre os colos de
seu seio, brevemente, e subiram o mais rápido que puderam para seus olhos. — Tem de chamar a
atenção.
— Atenção pelos atributos corretos, presumo — reprimiu ela, certeira. — Não quer que
cavalheiros se aproximem por achá-la... fácil.
Mitchell escorregou o corpo levemente para o lado. Tinha de manter uma distância segura
entre ele e Margareth.
— Não há nada fácil com a Srta. Astor. Nem sua fortuna, muito menos o coração.
A palavra fortuna ascendeu os olhos da mulher ainda mais.
William encolheu-se nos próprios ombros, como se assistisse seu destino correndo diante
seus olhos. Margareth queria abraçá-lo e dizer que nada iria acontecer entre eles e que tudo não
passava de uma encenação.
Porém, obviamente, nada disso foi feito, e a Sra. Ward prosseguiu:
— E de onde vem sua fortuna, Srta. Astor?
Ela não soube responder.
— Ela e o irmão pediram um empréstimo conosco.
Ótimo, agora tenho um irmão!? Ela tentou não demonstrar a divergência de pensamentos.
— Oh, sim... entendo... — A mãe ergueu o rosto, empinando o nariz, como se saber que os
laços de Margareth com Mitchell eram parecidos com os dela a desmerecesse. — E para que fim
foi o empréstimo?
— Uma ferrovia — acrescentou ele rapidamente. — Já ouviu falar das linhas Potterfield?
Foi uma grande empreitada, e eles sentiram o desejo de adentrar. Financiamos o primeiro projeto
e, agora, estamos aqui.
— Por que vosso irmão não a acompanhou na viagem? — A pergunta foi discretamente a
Margareth, porém ela oi rápida de pensamento e disse:
— Precisou resolver certas questões legais com o Sr. Potterfield. — Ela apertou os dedos,
torcendo para que realmente houvesse um homem com esse nome. — Mas confiou-me ao Sr.
Wolfheart.
— Vossas famílias são muito próximas, então.
— Não tanto quanto para com a Casa de Stuart.
Dessa vez, os tons do rosto felino da Sra. Ward tornarem-se tão brancos quanto o açúcar
polvilhado, a boca entreabrindo-se em surpresa conforme os olhos arregalavam-se.
Margareth já ouvira aquele sobrenome, porém não o associava tão bem quanto aquela
mulher, e pela ardilosa malícia da mente de Mitchell, ela tinha mais do que certeza de que ele
sabia perfeitamente bem o que fazia.
— A Casa de Stuart!?
— Oh, sim. O filho mais novo também adentrou no ramo das ferroviais. — O poder do
controle emanava de suas palavras. — Foi um meio que encontraram de manter a influência,
entende? Desde que perderam a Coroa...
O comentário propositalmente vagou pelo ar.
— Mas a nobreza ainda lhes está no sangue!
Então, era isso. Margareth finalmente entendeu o desejo da Sra. Ward para com William, e
isso não poderia tê-la entristecido mais: a mulher sonhava em ascender; um alpinismo social
constante, que nunca parecia o suficiente, e para o qual a mãe estava disposta a sacrificar a
felicidade do filho a fim de estar próxima ao que sonhava com nobreza.
Porém, aos olhos de Margareth, não havia maior sentimento de nobreza na vida do que ver
um filho feliz. É nobre sacrificar sua vida por ele, não o contrário.
— Isso não é estimulante, William!? — Ela tentou atrair o filho para a conversa. Ele
piscou rapidamente, como se despertasse.
— Sim, sim... m-muito.
— Creio que até mesmo vosso pai se interessaria nisso.
Mitchell e Margareth trocaram um breve olhar, e ele provocou:
— Uma pena que ele não se junte a nós.
A essa altura, a única coisa que importava era ter uma conexão com a nobreza. Se novos
ricos não misturavam seu sangue aos nobres, então ter uma figura conhecida, linda como
Margareth, entre eles já seria um patamar novo.
— Na verdade...
O coração dele bateu mais rápido.
— ...creio que posso convencê-lo a descer para o jantar — finalizou.
— Não queremos incomodar mais, Sra. Ward — dispensou Margareth como uma moça
educada faria. — Já nos foi muito receptiva.
— Ora, não será incômodo algum, temos muita comida e a Judy faz um excelente coelho
assado. Uma pena Doris não ter vindo, hoje, mas... ai, pobrezinha — um silvo de ar escapou de
seus lábios — acredita que engravidou sem estar casada!?
A desaprovação forçou-os a erguer as sobrancelhas.
— Mas, acho que faz parte dessa gente engravidar sem compromisso, não? As classes vão
decaindo de valores no mesmo tanto que em suas moedas.
As paredes tamborilaram a risada da Sra. Ward.
O comentário era cruel e um desconforto surgiu na altura do abdômen de Margareth, assim
como Mitchell pigarreou conforme a mulher desaparecia pelo corredor, seus passos ecoando
conforme subiam as escadas.
— P-Peço... — A voz de William rompeu a breve quietude desconfortável. — Peço
desculpas, pela minha mãe.
Até mesmo Mitchell mostrou um sorriso sincero ao dizer:
— É um bom rapaz, mesmo, William.
— Não está fazendo nada de errado — completou Margareth, emendando sua fala na dele.
— Na verdade, faz o que todos esperam.
— Não posso decepcionar mamãe.
Ela pensou em Olive lhe dizendo isso.
— Bem, lhe agradeço a gentileza. — Suas feições arrefeceram o nervosismo do rapaz e
seus ombros relaxaram. — Já é um cavalheiro.
William deve ter lhe respondido algo, e Mitchell continuou a conversa singela, apenas para
manter as aparências, é claro, mas Margareth, em uma fração de segundo, não mais conseguiu se
concentrar neles.
Não.
Havia um novo som no andar de cima, firme o bastante para que ela ouvisse na sala, pois
objeto sustentava quase todo o peso do corpo do homem conforme ele caminhava.
Uma bengala.
Era esse o som que ela ouvia, agora descendo as escadas, ou talvez fosse seu coração, tão
temeroso e acelerado que ensurdecia seus ouvidos.
Mas não a cegava, tal que todos os seus músculos se retraíram ao ver a Sra. Ward voltando
com o marido, toda sorridente e pomposa, animada demais para notar o tremer do queixo da
mulher.
— Srta. Astor, este é meu marido, o senhor Richard Ward — apresentou. — Querido, esta
é a senhorita Loretta Astor.
Ele a fuzilou com o olhar e Margareth sentiu o coração saltando na altura de sua garganta.
— Loretta Astor — falou aproximando-se dela, um passo que a fez se levantar, os olhos
marejados ao perceber que ele apenas disse aquele nome para testá-lo no paladar. — É um prazer
conhecê-la.
O pavor a fez cumprimentá-lo de forma quase imperceptível, a mão mais delicada que a de
um médico e quase tão presente quanto a de um fantasma, se acreditar que eles existem.
Na verdade, Margareth não mais sabia no que acreditar.
Sr. Deroy era o monstro dentro de um armário, o qual acreditamos quando menores, mas
nunca o vemos, porém, agora, ele reaparecia, apresentando-se como Richard Ward e
convidando-a para o jantar.
Nenhum monstro é mais perigoso do que aquele que sorri para você.

A intuição de Mitchell Wolfheart nunca estava errada, disso ele podia se orgulhar, mas
qualquer esperança que tivesse de tudo continuar sob seu controle dissipou-se quando viu o
medo no olhar de Margareth.
Richard Ward era o Sr. Deroy, e confrontá-lo deveria estar lhe trazendo memórias tão
medonhas que apenas os pesadelos dele poderiam criar. Ou talvez nem mesmo eles. Ninguém
conhece os demônios uns dos outros, mas ali estavam eles, e Mitchell nunca sentira tanta
determinação correndo por suas veias quanto naquele instante.
Defenderia Margareth de todo perigo, nem que tivesse de ir ao inferno com aquele homem.
A Sra. Ward sentou-se com o filho ao redor da mesa, o marido acomodando-se na ponta
conforme eles se reuniam no lado direito, Judy correndo com toda a comida, suando, trazendo
fatias de coelho assado com alecrim e batatas no azeite, sobre uma cama de alface fresca.
— Bom, realmente parece que foi o destino que nos reuniu esta noite, não? — cantarolou o
homem. — Deveríamos fazer um brinde.
Um brinde? O que esse calhorda está pensando!? Mas engolir seus pensamentos era a
única coisa que restava a Mitch, que aquiesceu à ideia.
— Judy! — chamou ele pela criada, que apareceu ofegante, não tendo um segundo de
descanso. — Sirva-nos um pouco de conhaque e, para as damas... talvez um suco?
A Sra. Ward decidiu por elas, já que Margareth não conseguia falar. O coração de Mitchell
doeu.
— Céus! Não sirva por cima de mim, garota! — exclamou ele, com um pulo quando Judy
serviu-o conhaque por sobre o ombro. — Deixe que eu levo meu copo até você.
— Perdão, Sr. Ward — desculpou-se antes de servir a todos, reaparecendo com dois sucos
e, por fim, tendo seu breve descanso entre o lavar dos pratos na cozinha.
— Tão difícil arranjar bons criados, hoje em dia, não? — comentou com um sorriso.
— Não tanto quanto encontrar com o senhor — replicou Mitchell. — Tentei com muito
afinco.
— Ah, minha adorável Madeline me contou. Peço desculpas.
A falsidade em sua voz fazia as entranhas de Mitchell se revirarem em desgosto, o maxilar
endurecido, os lábios mordendo a bochecha para que a dor acalmasse seus ânimos. Não deu
certo. Seus punhos ansiavam por encontrar com a pele do rosto de Richard.
— Deve ter estado ocupado — comentou na maior compleição possível.
— Bem, nem tanto. Apenas... indisposto. — Ele bebericou o conhaque, esquecendo-se do
brinde.
A presença de Mitchell ainda lhe causa pensamentos conflituosos, porém ele tinha de
admitir: Richard Ward sabia interpretar seu papel.
— Indisposto?
— Sim. Bem, como devem ter visto... — Ele ergueu a bengala. O rosto de Margareth
baixou e o cenho franziu-se por entre o encolher dos ombros. — Carrego minha companheira
para onde vou.
— Oh, Richard... — admoestou a esposa conforme cortava um pedaço do coelho em seu
prato. — Abaixe isso.
— É uma lembrança, querida! Uma marca da guerra!
— Guerra? — Mitchell arqueou uma sobrancelha.
— Papai lutou em Waterloo — explicou seu filho.
— Oh, sim... — Aquilo pareceu mentira, mas não era hora de contestar.
— O senhor não compareceu? — Os olhos de Richard brilharam conforme entornava o
conhaque sem nem tocar na comida.
— Não, senhor.
— Pois tem um porte de um soldado.
— Eu era necessário, em Brighton — respondeu calmo. Sabia que o velho tentava lhe
provocar, nunca perdendo o sorriso, mas naquela noite, Mitchell mostraria quem estava no
controle. — Eu e meus irmãos comandamos um dos maiores bancos, sem contar que o exército
não precisava de todos os homens nesta guerra. Napoleão foi presunçoso, isso lhe causou a
derrota.
Richard hesitou, baixando seu copo.
— E o senhor não se considera um homem presunçoso?
— Se o fosse, não estaria aqui — replicou sem que a Sra. Ward ou o filho percebessem a
rispidez e o perigo daquela frase.
A princípio, ninguém mais falou, focando-se em sua refeição, até que Richard Ward disse
em voz baixa:
— Bem, é um homem de visão, por tudo que conquistou.
Isso dissipou a tensão, porém Margareth não conseguia relaxar, o garfo tremendo
levemente até que ela apenas desistiu, segurando a mão de Mitchell sem pensar se alguém os
veria.
Ela apenas queria sair dali.

Como sua vida havia alcançado um novo patamar de banalidade?


A mente dela rodopiava, as costelas apertavam-se contra os pulmões e o ar parecia lhe
faltar, mesmo com os dedos entrelaçados com os de Mitchell.
Céus, o movimento fora tão involuntário que seus pensamentos não conjecturaram as
desgraças que poderia ter desencadeado. Todo o disfarce se arruinaria, e então... a verdade viria à
tona?
Não sabia.
Esse era o grande problema, mas Margareth não era tola, e soube que tinha de sair dali,
erguendo-se de repente.
— E-Eu peço desculpas, mas... — A voz estava trêmula e os olhos não conseguiam voltar-
se para Richard. — Não estou me sentindo muito bem.
— Oh, querida, gostaria de ir aos meus aposentos, por um instante? — ofereceu-se a Sra.
Ward.
— Loretta... — chamou Mitchell, porém ouvir aquilo lhe trouxe um enjoo ainda maior.
— Voltamos em um instante — decidiu a mulher, contornando a mesa para auxiliá-la pela
casa. — Filho, veja se o Dr. Holland está acordado. Ele costuma estar no pub, aqui perto. Se o
estiver, avise-nos, está bem?
— N-Não será necessário — dispensou Margareth quando o rapaz acabou de se levantar.
— Vá! — ordenou a mãe e, com um olhar preocupado, ele saiu pela porta da frente
conforme elas subiam os degraus. — Judy!
A criada correu até a voz.
— Sim, senhora?
— Traga-nos água em uma bacia e alguns panos limpos, está bem?
Ela anuiu e desapareceu na cozinha, a Sra. Ward sem ter nem ideia do perigo que era
deixar o marido a sós com Mitchell Wolfheart, pois sua atenção voltou-se inteiramente para a
pobre Margareth, que ela ajudava por puro interesse.
— Vai ficar tudo bem, não se preocupe — disse assim que a colocou sentada sobre sua
cama, apanhando os panos que Judy trouxe, molhando-os na água fresca e passando-os com
cuidado sobre a testa dela. — São muitas emoções em um jantar, não é? Conhecer pessoas
novas, ser cortejada...
Parecia que discutiam um baile. Ou melhor, parecia que a Sra. Ward desfrutava de seu
monólogo conforme Margareth apenas anuía de vez em quando.
— Eu quase desmaiei ao conhecer o Sr. Ward, sabe? Ele era lindo, cavalheiro... com
grandes sonhos. — Ela inspirou fundo. — Era tudo que eu pedia em meus sonhos.
Para Margareth, eram pesadelos.
Chegou uma hora, quando a mulher começou a contar sobre como o filho puxou traços tão
bons de seu pai e que seria um par excelente a ela e que deveriam se encontrar, na próxima
semana, que os ouvidos da garota simplesmente desligaram.
Ou melhor, pareceram fazê-lo.
Margareth achou que iria conseguir. Achou de verdade, mesmo quando sentiu o ar lhe
faltar brevemente ao aceitar encobrir-se com o nome de Loretta Astor, lembrando-se de quando
se tornou Maggie.
Ainda assim, forçou-se a seguir em frente. Eles poderiam nem ao menos encontrar o Sr.
Deroy, mas, agora, ela estava na casa dele e sentia-se presa.
Acontece que as pessoas não querem ouvir esse tipo de coisa, esse tipo de história, e
durante todo aquele tempo, desde a morte de seu marido, Margareth tentou ser forte, escondendo
seu medo, sua dor, o pavor que ela afogava em lágrimas silenciosas nos travesseiros para que
Olive não a ouvisse.
Os olhos da Sra. Ward recaíam sobre ela, mas a mulher queria que ela não a olhasse. Suas
mãos não paravam de tremer e seu estômago amarrava-se em incontáveis nós. Apenas uma
lágrima escorreu de sua bochecha, e ela foi limpa por uma mulher que nem a notou.
Ela não suportaria ficar ali por mais tempo.
Somente Mitchell verdadeiramente a salvara, pois a enxergou quando todo o mundo
parecia cego à sua dor; ele não virou as costas para ela, e tudo que Margareth poderia desejar era
que saíssem dali.
Ela precisava que ele a salvasse mais uma vez.

Mas, naquele exato instante, sem que ele assistisse ao modo como sua amada se
quebrantava, Mitchell encarava o homem que lhe causara a maior das repulsas.
E o cretino ainda sorria.
— Olhe, espero que ela esteja bem, de verdade — falou, servindo-se mais uma vez de
conhaque. — É uma moça muito bonita para já adoecer.
— Ela ficará bem.
— Vamos torcer.
— É uma mulher forte — prosseguiu Mitchell. — Suportou o inferno como todos nós, eu
garanto.
— Bem, só espero que não esteja grávida. — Então, como se a ideia fosse a hipótese mais
óbvia, os olhos dele arregalaram-se como grandes esferas de vidro. — Oh, céus! Ela está!? Uma
vadia como a Maggie...
Mitchell não mais se controlou.
A primeira coisa a cair foi sua cadeira, inesperadamente empurrada para trás conforme os
punhos dele seguraram as vestes do patife à sua frente.
A segunda, foi a confiança de Richard Ward.
— Mas o que pensa que está...!?
— Sabe quem sou, mas eu também sei muito bem quem o senhor é, Sr. Deroy! — O rosto
do velho endureceu em frieza e a rispidez e agressividade de Mitch aumentaram. — Então,
escolha bem suas palavras antes que eu lhe faça cuspir dente por dente, seu cretino asqueroso!
A intensidade dos olhos de Mitchell beirava a loucura mais insana, ao perigo mais
iminente, como uma bomba a explodir.
— N-Não vai querer fazer isso, Sr. Wolfheart.
As mãos puxaram-no para mais perto, deixando o velho nas pontas dos pés.
— Tem certeza?
— Creio que não... que não seja de seu desejo que todos saibam do antro que organiza, não
é? O escândalo que isso seria destruiria sua família.
— Assim como a sua.
Richard franziu o cenho, as sobrancelhas grisalhas unindo-se entre uma fenda de sua testa.
— Como é?
— Revelar que o senhor frequenta um clube de libertinagem, que agrediu mulheres. Ora,
isso levaria a sua família à ruína, também.
O velho engoliu em seco e Mitchell prosseguiu:
— A honra de Madeline evaporaria, seu filho, um bom rapaz, teria o sobrenome manchado
por um velho nojento que seria repudiado por todos nessa sociedade. — Uma de suas mãos
soltou-se da veste fina, apanhando a bengala encostada sobre a mesa, virando a ponta prateada na
direção do olho de Richard. — Eu farei com que nenhum outro lugar aceite o senhor ou sua
família. Seja um antro, uma boutique, uma casa de chás ou um palácio! Vocês serão esquecidos
com o tempo!
Por entre seu ego vulgar, o Sr. Ward conseguiu forças para erguer uma sobrancelha e sorrir
com o canto dos lábios.
— Não tem todo esse poder, Sr. Wolfheart.
Os olhos de Mitch apertaram-se, ameaçadores, e seus dentes rangeram a tal ponto que ele
pareceu rosnar antes de dizer:
— Quer tentar a sorte?
Então, quando o sorriso se desfez do rosto dele, Mitchell largou-o violentamente de volta à
sua cadeira, a bengala descendo contra a perna do velho em uma única pancada, que arrancou um
grito gutural conforme a empunhadura de prata rasgava o tecido das calças e cravava-se na pele,
fazendo-o sangrar.
— Meu Deus, o que foi isso!? — Judy surgiu, assustada.
— Oh, não se preocupe, apenas o ferimento de guerra que está doendo — explicou
afastando-se e penteando os cabelos para trás, ambos se virando para o corredor ao ouvirem
passos corriqueiros pelas escadas.
Era Margareth quem descia, desolada, a mão direita deslizando no balaústre branco, o
vestido em ondas amarelas e o coração apertado revelado em seus olhos conforme os lábios
chamavam por ele:
— M-Mitch...
O homem abriu a porta e segurou-a pela mão a tempo de assistir ao espanto da Sra. Ward
quando viu-o tomá-la nos braços, virando as costas para aquela casa sem explicação alguma.
— Nos tire daqui — pediu-a conforme inspirava o ar fresco da noite.
— Prometo que não precisará fazer mais isso. — Ele lhe deu um beijo sobre a testa, os fios
achocolatados flutuando pela brisa sobre seu rosto. — Nunca mais.
Então, por entre toda a dor, os dedos de Margareth agarraram-se às vestes dele, seu porto
seguro, sua grande paixão.
Seu protetor.
Ela sabia que, com Mitchell, sempre estaria voltando para casa.
Capítulo XXIV

— Tem certeza de que ele nos deixará em paz?


Na sala privativa da propriedade dos Wolfheart, tomando um drinque verdadeiramente
decente, depois de toda a confusão, Mitchell arfou, cansado, conforme apertava os olhos. Do
outro lado da pequena sala, Adrian e Damian fitavam-no.
— Creio que sim.
— “Crer” não é ter certeza, Mitch — afirmou o mais novo.
— Fizemos o que podíamos — replicou com um olhar tardio, com o brilho abatido. —
Viram como Margareth voltou... isso não lhe fez bem.
— Era a única maneira. — Os lábios de Adrian relembraram disso. — Ao menos, sabemos
que o cretino de Richard é o nosso homem, e que nunca mais colocará os pés no Oasis.
— Especialmente agora que Mitch quase quebrou a bengala na perna dele.
Esse foi um fato bastante óbvio para todos, ao mesmo tempo que surpreendente. Os
gêmeos não esperavam que o mais velho tivesse tanto autocontrole para parar de agredir alguém
depois de começar.
— Ainda assim, pelo que nos foi narrado... fomos longe, mas não sinto que foi o bastante
— insistiu Damian.
— E o que quer fazer? Acionar o Sr. McGraw? — Adrian não escondia seu desgosto para
com aquela ideia.
— Não — negou Mitchell. — Não quero mais nada disso acontecendo. Se Margareth
souber...
— Ela não saberia — sobrepôs o mais novo. — Um pedido seu, e McGraw passa uma
mensagem mais severa ao Sr. Ward. Estamos ficando cada vez mais ricos, Mitchell, ele não irá
se opor em nos ajudar.
Mas eu não quero ser como eles.
Verbalizar aquela frase seria criar um alvo sobre sua cabeça para que os irmãos lhe
lançassem chacotas, porém aquela era a verdade.
Com Margareth, Mitchell queria ser melhor.
— Vamos apenas dormir, esta noite. Não quero ouvir mais sobre.
— Fugir dos problemas não os resolve — lembrou-o Damian conforme o irmão abri a
porta da pequena sala, ouvindo-o retrucar:
— Eu abri um buraco na perna do problema.
Então, conforme caminhava, Mitchell voltou a atenção para seu drinque, perguntando-se se
permitir que Margareth ficasse sozinha com Maud teria sido a melhor das opções.

— O-Olive já dormiu? — gaguejou Margareth conforme Maud lhe tomava os cabelos,


penteando-os de frente ao espelho do quarto de Mitch, o pente suavemente abrindo seus fios
como pequenos arados na terra.
— Há um tempo.
— Mesmo?
— Sim. Contei-lhe uma história e ele adormeceu.
Margareth sentiu os ombros tremerem e os olhos umedeceram-se, o corpo coberto por
aquela camisola fina, revelando grandiosa parte da pele de seus seios, as clavículas saltadas e as
veias de seu pescoço aparecendo conforme sentia dificuldade para engolir.
— Péssima noite, não foi?
A amiga sorriu ante a pergunta de Maud, que pareceu tão inocente à luz das velas.
— Péssima.
— Tem muita coragem, Margareth, mesmo.
A mulher baixou o rosto por um instante e a amiga parou o movimento com a escova,
perguntando-a:
— O que foi?
Antes que pudesse responder, lágrimas rolaram pelo rosto de Margareth, pesadas e frias,
dividindo as bochechas conforme ela fungava.
— Oh, Margareth... — Os braços de Maud a envolveram, apertados, trazendo conforto e
calor. Era incrível como, assim como Mitchell, ela tinha uma pele tão quente. — Respire fundo.
— I-Isso... i-isso passa? — perguntou aos tropeços conforme a amiga ajoelhava-se para
ficar na sua altura.
— Como assim?
— E-Essa... essa dor. — Os dedos dela tremiam tanto que ela apenas tentou escondê-los de
Maud. — Esse medo. Maud, eu fiquei apavorada naquela casa quando o vi...
Então, a amiga entrelaçou seus dedos nos dela, sentindo seus tremores, toda a emoção que
caía sobre seu corpo na forma daquelas lágrimas.
— Margareth Mae, quero que me ouça bem. — Seus grandes olhos se arregalaram na
direção dela, capturando-os. — O medo faz parte da vida de uma mulher. Não é uma escolha
senti-lo.
O chorar veio aos tropeços e inundou seu rosto.
— M-Mas... eu não aguento mais, Maud. Não dá...
— Tudo bem perder uma batalha, Margareth — assegurou com um sorriso doce. —
Ninguém está livre desse medo e ele irá, sim, nos vencer muitas vezes. — O ar ficou quieto, por
um momento, conforme as palavras formavam-se cautelosamente nos lábios da amiga. — Ele
mesmo já me venceu incontáveis vezes.
Margareth franziu o cenho e fungou o nariz.
— Achei...
— ... que eu não sentisse medo? — completou Maud, rindo de forma singela. — Isso seria
tolice, Margareth.
A amiga conseguiu conquistar-lhe um riso.
— Não... eu sempre sinto medo, desde o dia em que entendi o porquê de algumas mulheres
enrolarem seus seios em tecido, para que não apareçam nas ruelas, à noite. — O pesar de suas
palavras descer arranhando sua garganta. — Não é uma vida fácil, mas não podemos deixar de
vivê-la por conta de homens horríveis.
Margareth fungou o nariz e, em alento, Maud segurou suas mãos com ainda mais força.
— Passamos pelo inferno, juntas, mas ainda estamos aqui — afirmou conforme os próprios
olhos enchiam-se de lágrimas. — E eu não estou indo a lugar algum, Margareth.
Um sorriso quebrantado surgiu nos lábios trêmulos.
Ainda assim, era um sorriso.
— Dorme comigo, esta noite?
Maud anuiu com o acenar da cabeça, os cabelos negros caindo por sobre os ombros.
— Acho que está na hora de colocar o ricaço do Sr. Wolfheart para dormir no sofá, não é?
Então a risada emanou genuína, tamborilando pelo quarto até alcançar o corredor, por onde
Mitchell passava, um sorriso discreto formando-se no canto dos lábios sem que soubesse o
motivo da risada.
Pouco importava.
Mas, antes que seu coração pudesse relaxar, uma das portas do corredor se abriu, o ranger
fazendo um arrepio percorrer sua espinha, como um mau presságio.
— Sr. Wolfheart?
A voz da Sra. Laurel soou atrás dele, fazendo-o olhar por sobre o ombro.
— Sra. Laurel... ainda está com seu uniforme! — ressaltou, surpreso. — Já deveria estar
descansado.
— Sei disso, senhor, mas... — Ela parecia nervosa e os lábios repuxavam-se para trás.
— O que houve?
— Uma jovem passou por aqui, mais cedo.
O coração dele parou naquele instante e o sorriso se desfez em um esgar.
— Uma jovem? — perguntou sem intenção de demonstrar-se abatido.
— S-Sim, senhor — gaguejou visivelmente ansiosa, os pés revirando-se no carpete.
Mitchell sentiu como se deslizasse até ela pela rapidez com que se aproximou.
— Ela lhe fez mal?
— Não, senhor...
— Então, o que houve?
— Ela pediu para que eu lhe entregasse isso. — De dentro do bolso de suas vestes escuras,
ela puxou um pequeno envelope, amassado nas pontas, dando-lhe com cuidado como se passasse
uma joia. — Disse que não devia fazê-lo a mais ninguém, somente o senhor...
— Obrigado, Sra. Laurel.
Mas ela não havia terminado:
— ...dessa vez.
Ele sentiu as sobrancelhas se unindo em um ponto de seu crânio, dolorosas e pesadas.
— Como é?
— Ela disse que, dessa vez, deveria entregar a carta somente ao senhor.
Aquilo o fez suar frio.
— Então, essa jovem tem a intenção de voltar?
— Foi o que entendi.
Isso não era bom. Irredutivelmente perigoso, tal que a carta já lhe pesava nas mãos como
se fosse a âncora de um navio.
— Obrigado pelo aviso e a discrição, Sra. Laurel. — Ele lhe fez uma pequena mesura. —
Agora, vá descansar.
— O senhor também.
Ele duvidada que isso fosse meramente possível, nesse instante.
— Boa noite, senhor.
— Boa noite.
Então ela fechou a porta e deixou-o sozinho no corredor escuro, onde uma carta poderia
iluminar seus piores medos.
Pois, então, não teve escolha, apanhando um abridor de cartas, leve e sutil, na gaveta de
seu escritório, rasgando o papel antes de encaminhar-se para o único quarto de hóspedes ainda
vago, acendendo uma vela já pela metade, roliça e chorando fios de cera, os olhos recaindo sobre
a caligrafia, bela e precisa, da mensagem exposta:
Não lhe peço mais do que me deve. Apenas quero que me aceite.
Mas o envelope permaneceu pesado, tal que ele se deparou com uma segunda mensagem:
Conte-os ou eu contarei. É sua última chance
Mitchell sentiu o peso da carta passar a seu peito, afundando-o entre a cama
desconfortável. Ele não devia estar ali, deveria estar com Margareth. Aquela garota... não devia
estar importunando-o, deveria apenas desaparecer.
Mas, agora, entre a tensão, ele conseguia até mesmo sentir como a chama da vela ao seu
lado era demasiadamente quente. Ou talvez fosse ele. Sua pele começou a ferver, e não
importava quantos botões ele abrisse, ela não iria refrescar, assim como os pensamentos não se
aquietariam.
Prepare-se para uma noite em claro, Wolfheart pensou a contragosto conforme apertava
os olhos.
Porém, permanecer no escuro privativo de seus olhos pareceu ainda pior. Sufocante. Então
ele voltou sua atenção à vela. Ela tremia e dançava sobre a brisa morna de sua respiração,
batendo de um lado para outro na escuridão, resistente, revelando espirais em escalas
empoeiradas no círculo de luz até que desapareciam nas sombras.
Ele sentia que, se não fosse por Margareth, teria sucumbido em suas sombras, naquele ano,
pois há um limite para o quanto um coração pode carregar.
Amar é dividir angústias na mesma medida que anseios.
— Só espero que me perdoe, Margareth — sussurrou, fazendo a chama tremer ainda mais,
olhando-a pelo passar da noite até que, finalmente, seus olhos fecharam-se no adormecer.

Ele abriu seus olhos não tão depois de cair no sono, onde sonhou que estava envolta de
Margareth Mae Howells.
Não.
Margareth Mae Wolfheart. Ela era sua mulher, ainda que apenas entre eles dois, e, no
sonho, sua ereção batia-lhe na altura de sua cintura, a respiração brincava com os cabelos em sua
nuca e o aroma doce encantava as narinas, ela profundamente adormecida na segurança de seus
braços.
Porém, despertar lhe ocorreu de uma forma inesperada.
Ela estava ali, sua amada, segurando uma bandeja com um desjejum leve, sem nada que
pudesse lhe fazer mal depois de uma noite turbulenta.
Mitchell sorriu em ver como trocavam de papeis e cuidavam um do outro. Isso era
previsivelmente bom, mas muito difícil de se encontrar.
— Bom dia — ela murmurou, tímida, com um meio sorriso, e ele franze a testa, sonolento,
piscando os olhos castanhos até que se encontraram com os dela.
— Eu perdi a hora? — questionou.
— Na verdade, são nove da manhã — explicou aconchegando-se na beirada de sua cama,
camadas e camadas de um belo vestido carmesim cobrindo suas pernas. — Vim ver se estava
bem.
Então, surpreendendo-a, ele dobrou o corpo para frente, os botões de sua camisa, abertos,
revelando os pelos indecentes de seu corpo, apontando para sua virilidade mais perfeita
conforme Mitchell aninhava-se contra o pescoço de Margareth, beijando-lhe a pele quente,
inalando profundamente seu aroma.
Ela estava ali, isso não era um sonho.
— Estou devidamente melhor, agora — admitiu em tom baixo, dando-lhe um beijo na
bochecha. — Mas eu é que deveria estar lhe perguntando sobre isso, não?
A mulher meneou a cabeça, dispensando a ideia.
— Senti-me com vontade de vir.
— Não é um dever, sabe disso, não é?
— Sei — admitiu sorrindo com os lábios unidos. — Justamente por isso, vim até aqui. —
Ela repousou a bandeja sobre suas pernas e tocou-lhe o rosto, subindo para seus cabelos
despenteados. — E arrependo-me de não o ter feito antes.
Ele franziu o cenho.
— Por que diz isso?
— Onde mais eu o veria com cabelos tão bagunçados? — zombou conforme ria, sentindo
os enormes e fortes braços envolvendo-a pela cintura. — Mitch! Derrubará a comida, assim,
cuidado!
— Não estou muito preocupado com ela — falou, o brilho em seu olhar refletindo a luz de
dentro dela, da gentileza e força de suas palavras. — Desculpe por ontem.
Novamente, ela tentou dispensar o comentário, porém ele segurou seu rosto e recapturou
seu olhar azul, cintilante naquele momento.
— Falo isso de todo coração, Margareth.
— Fizemos o que tínhamos de fazer.
— Quero conversar sobre isso. Sobre como seguiremos daqui para frente.
Sobre o último segredo que resguardo de ti.
Mas então, quando ele se move, vagarosamente suas pernas se ajeitam, e não teve como
não notar o grande volume que lutava para rasgar suas calças. Mitchell sorri lentamente quando a
vê desaprovar tal ato.
— Não tenho muito controle sobre essa parte de meu corpo, acho que deveria saber disso.
— Vou me esforçar para acreditar que sim.
— É verdade!
Ela não pareceu acreditar.
— O que foi? Não ensinam isso na escola de boas moças?
— Não — negou conforme ria.
— Bem, veja como estar comigo é uma fonte de conhecimentos — replicou, zombeteiro.
— Saiba que... — Seus olhos recaíram para a braguilha de sua calça. Ela não aguentaria muito
tempo e o botão parecia prestes a sair voando pelos ares. — Bem... na conjectura em que me
encontro, temos algumas possibilidades que podemos seguir.
Margareth estreitou seu olhar conforme mordiscava o lábio, considerando a ideia, porém o
pensamento sobre a carta que detinha ali, escondida debaixo do travesseiro, tão perto dela, o fez
se antecipar e dizer:
— Todavia, talvez seja melhor deixarmos isso para depois.
— Temos todo o tempo que precisar, não?
Ele se inclina e, para surpresa dela, deixa um beijo gentil em seus lábios.
— Temos.
Só espero, realmente, que me perdoe. Com esse pensamento, Mitchell propôs:
— O que acha de levarmos Olive para uma volta no parque?

Preston Park. Margareth não achou que o veria com outro olhar até estar ali, sentada ao
lado de Mitchell, por entre as sebes e a sombra de uma árvore, os ventos de um mês turbulento
que já se findava na esperança de que o próximo fosse melhor.
Tinha de ser.
Como em todo fim de semana, o parque estava muito mais movimentado, com homens
exibindo-se à luz do sol para serem notados, lançando pequenos cumprimentos com seus chapéus
na direção de Mitchell, quando o viam, até arregalarem os olhos por vê-los em proximidade tão
diminuta para com uma dama.
Quando chegaram, não traçaram um caminho direto até a maior área do parque, onde
crianças corriam livremente, tomando sorvetes, empinando pipas, jogando seus piões sobre a
grama apenas para se decepcionarem e verem que ali não era o melhor lugar para isso, chorando.
Na verdade, perambularam pelas sebes, observando as pérgolas, o céu claro, mas com
nuvens pesadas e escuras vindo pelo horizonte.
— Espero que não chova quando formos ao festival — comentou ela enquanto
caminhavam.
— Não irá.
Ela lhe lançou um olhar provocativo.
— Não confia em mim? — resmungou ele.
— Confio, mas duvido que seus poderes tenham algum reflexo nas questões do tempo.
E isso o fez rir, assim como o fazia, agora, sentados, observando Olive correndo atrás de
pombos.
O amor de verdade requer paciência, sutileza, um comprometimento que torna o simples
fato de estar sentado em um parque o maior dos prazeres, pois nada no mundo superaria isso.
— Uma calmaria nos faz bem — ressaltou ela apoiando o rosto sobre seu ombro. — Olive
ama vir ao parque.
— É um bom garoto.
— Espero que ele se torne um homem como o senhor.
Ouvir aquilo o fez engolir em seco, o cenho franzido diante tamanha declaração.
— Tem certeza disso? Sou um libertino devasso.
Ela sorriu.
— Já comentei sobre isso com Maud, anteriormente. É verdade, Mitch. — Ela escorou-se
sobre seu corpo e ergueu os olhos cerúleos em sua direção. Nunca estiveram tão honestos quando
agora. — Terei muita sorte se ele se tornar um homem que protege quem ama.
Isso Mitchell não poderia negar; ele indubitavelmente a protegia, agora — assim como seu
filho. Mas que raios! Aquele moleque ele tratava como se fosse seu próprio primogênito. Sua
família.
O ar esvaiu de todo o seu peito ao pensar na carta da madrugada passada.
E ele sufocou-se ao ver a remetente caminhando, na sebe oposta, olhando para eles,
discreta, com um terninho justo em suas curvas, cinzento, a saia escorregando para trás, como
um rastro a ser seguido.
O sangue dele gelou.
Achou que estava pronto para revelar tudo a Margareth, mas queria que fosse feito à sua
maneira. Se a garota estava ali, tão perto, então os riscos de tudo dar errado eram muito grandes.
— Por que não compra um pouco de sorvete para Olive? — sugeriu ele apanhando a
carteira no bolso das calças, entregando-lhe algumas coroas. — Pegue para você, também.
— Está tudo bem? — Ela sentiu a súbita mudança em seu tom, ainda que a frase fosse
inocente.
— Sim. Eu só... acho que avistei Adrian, neste parque. — Mitchell ajudou-a a se levantar e
alinhou as vestes. — E, se está aqui, Valerie Reed também.
— Pensei que ele tivesse ficado na casa.
Os olhos dele tentaram enganá-la.
— Nisso somos dois. — Ele lhe beijou a mão rapidamente. — Quero ter certeza de que ele
não fará nenhuma besteira.
Todavia, era ele quem estava a caminho de fazer a maior das bobagens, a catástrofe mais
escandalosa que poderia cometer. Iria falar com a garota, iria dizer que contaria aos irmãos a
respeito de tudo, que explicaria a história a Margareth, mas que ela deveria esperar, deixá-lo
pensar em como o faria.
Mitchell notou quando a garota o avistou, pois ela parou de andar, revelando uma
sombrinha na frente do corpo. Foi como um alerta a ele, de que ela tinha algo para se proteger e
para chamar a atenção de todos, se fosse preciso.
— Mitch... — falou quando ele se aproximou.
— Aqui, não.
— Recebeu minha carta, não foi?
— Já disse que aqui, não — vociferou. — Há muitos olhares, aqui.
Ele esperava que a garota se acuasse, ou ao menos se surpreendesse, porém sua reação
resumiu-se a dar um sorriso delicado, ainda que não tivesse delicadeza alguma em sua próxima
frase:
— Assim como os de sua amada, não é?
Que moça ousada, ela era, pensou por entre o ranger dos dentes, estreitando o olhar.
Primeiro mandou cartas, agora nem se intimidava ao vê-lo.
Não dava para negar que se parecia muito com ele.
— Podemos passear juntos, por um instante? — perguntou ele oferecendo-lhe o braço.
Ela lhe deu um olhar furtivo, estudando-o antes de abrir a sombrinha, colocando-a sobre o
ombro ao aceitar repousar seu braço sobre o dele.
— Sei que está tentando ganhar tempo... — A voz da garota pareceu levemente
desconfortável, como se não soubesse como seguir com as palavras, deixando a frase solta pelo
ar.
— Quero que saiba que, sim, recebi sua carta. — Ele a guiou para as sebes mais altas, onde
apenas o topo da sombrinha poderia ser visto. As pessoas eram tão curiosas que especulavam
sobre a conversa de terceiros se pudessem meramente ler seus lábios.
— E?
— E irei contar aos meus irmãos. Contarei tudo.
Os olhos dela se agitaram e as sobrancelhas se arquearam.
— Não está falando sério.
— Estou.
— Mitch... obrigada — Sua voz carregou-se de sentimento.
— Mas, não será agora.
O sentimento se desfez e os olhos frustraram-se.
— Como é?
— Não... — ele pigarreou. — Não posso fazê-lo, neste momento.
Os braços dela se desvencilharam dos dele.
— Patético.
— Deixe-me, ao menos, explicar!
— Não há o que explicar, Mitchell! — Seus olhos, castanhos tais quais os dele,
embaçaram-se em lágrimas áridas. — Eu não peço por nada que não seja direito meu!
— Seu direito!? — Os olhos dele semicerraram-se. — Não tem posição alguma reivindicar
direitos sobre mim!
— Como não!? — Ela lhe segurou o pulso, sentindo seus batimentos sob a pele, os cílios
se embaraçando conforme a voz, deturpada de emoção, apertava seu coração. — Eu não escolhi
para nascer, Mitchell, e culpar-me por um erro....
— Um enorme erro! — vociferou dando um passo para frente, fazendo-a recuar.
— Mas que não foi cometido por mim! — relembrou ela fungando o nariz. — Só me
reconheça, Mitch... por favor.
A intensidade dos olhos dele era irredutível.
— Eu cansei de não ter uma família — choramingou conforme enxugava suas lágrimas nas
bochechas vermelhas.
— E por que acha que ele seria sua família?
O sangue de Mitchell embebedou-se em adrenalina e frio. Ele achou que o peito congelaria
entre o temor de ouvir aquela voz suave, que foi comprar sorvete com o filho e agora estava ali,
parada, revelando-se por detrás da sebe.
Ele fechou os olhos com força, como se tivessem lhe dado um soco na boca do estômago;
tudo que conseguia fazer era amaldiçoar céus e terra!
Então, retomando o ar e aceitando as consequências de sua escolha, Mitchell encarou
Margareth, parada em meio à grama, linda por entre os tons das árvores e com Olive segurando
sua mão conforme tomava seu sorvete
— Por que, Mitchell? — repetiu ela, intensa na mesma medida que temerosa. — Por que
ela seria sua família? Quem ela é?
Maldição! Não era para nada acontecer daquele jeito. Queria ter tido tempo de pensar em
como abordar tudo, em como revelar a maior das verdades, prepará-la para seu último segredo
que abalaria todos os Wolfheart.
— Você contará... — A voz da garota tremeu entre o casal, encarando Mitch em uma
mistura de raiva, dor e frustração — ... ou quer que eu faça as honras?
Capítulo XXV

Margareth nunca foi a um festival itinerante, e ela tinha quase certeza de que, como estava
se sentindo, destoava de todos. Olive, por outro lado, pareceu mergulhar no frenesi dos ânimos
dos mais novos, que riam, encantavam-se com as luzes penduradas em fios sobre suas cabeças,
uma sensação fria surgindo em sua barriga como se uma corda o puxasse cada vez mais perto de
tudo.
Ele estava encantado.
E, na verdade, errado seria não estar, tal que Margareth forçava um sorriso toda vez que o
garoto lhe olhava para trás, hesitante em disparar pelo píer e se perder. Mas ele encontrava seu
porto seguro nela, em um vestido longo e azul, ao lado de Mitchell, com seu colete, lenço no
pescoço e uma cartola alta, que lhe servia como ponto de referência caso tivesse ido longe
demais.
No ar, suas narinas divertiam-se entre os aromas: caramelo salgado flutuando pela brisa da
noite, algodão doce sendo enrolado como se fossem as nuvens do céu, que não ousaram chover
sobre festança tão bela, além da pipoca estourando à direita em panelas de latão, tudo contornado
pelo perfume fresco de outono, misturado à brisa do sal, estourando em bolhas logo abaixo deles.
Caminhar pelo píer era como guiar-se ao horizonte, onde uma enorme tenda vermelha e
branca fora estiada, e para onde Olive ansiava verdadeiramente por ir, apontando, rindo,
apertando as mãos contra os lábios por entre a risada sem conseguir conter a felicidade.
Era uma doçura sutil e honesta.
— Comprarei os ingressos — falou Mitchell, seco, frio, girando nos calcanhares e indo até
a bilheteria, onde um senhor de óculos de fundo de garrafa o recebeu, os cabelos finos e escassos
de quem já viveu muito.
— Mamãe, vamos! — cantava o menino puxando-a pela mão.
— Olive, calma...
— Mas eu quero ir! É o circo, mamãe! É o circo!
— Maud chega daqui a pouco, então poderá ir em todos os brinquedos e tendas, está bem?
Mas preciso que respire fundo.
Antes de chegarem ali, assistiram ao crepúsculo, a como o fim de um dia poderia dar vida
à noite, como uma fronteira que separava os tons, e, depois, uniram-se à fila de pessoas, novos
ricos ou trabalhadores, todos ao redor querendo assistir ao espetáculo.
Assim como Olive, agora as pessoas ao seu redor estavam ficando inquietas com a espera,
o mar arrastando-se por debaixo deles como um relógio através das horas.
— Vamos? — Mitchell reapareceu e Olive saltou.
Margareth esperou que ele lhe tocasse o meio das costas, ou lhe oferecesse o braço, como
sempre fizera, porém nada disso aconteceu.
Eles caminharam lado a lado, como um casal, mas sentiam-se como perfeitos estranhos.
A mulher temeu que fosse ser assim, dali para frente.
— Olive, venha, a entrada é por aqui — chamou ela, tomando-lhe pela mão conforme
Mitchell entregava seus ingressos ao cobrador, impecavelmente vestido da cabeça aos pés, em
preto e vermelho.
— Aproveitem o espetáculo. — Então ele puxou as pesadas cortinas vermelhas e permitiu-
os passagem.
Se o lado de fora era impressionante, por dentro era como viver em um conto de fadas;
havia muito mais luzes ali, tremeluzindo pelas enormes bancadas de madeira, como se vaga-
lumes muito brilhantes estivessem divertindo-se pelo ar, em uma valsa estonteante, conforme
Mitchell ajudava-os a subir.
Seu toque foi firme para com a mão dela, ajudando-a a não cair, conforme encolhiam as
pernas ao se sentarem, Margareth ajeitando a saia para que não incomodasse o casal sentado à
frente.
Demoraram alguns minutos até que todos se acomodassem e o espetáculo pudesse ter
início. Primeiro, houve uma explosão, a qual fez Olive dar um salto, faíscas brancas e brilhantes
iluminando-se no centro do picadeiro onde um homem magrelo e esguio, trajado de um fraque
vermelho e preto, fazia sua grande entrada.
— SENHORAS E SENHORES! — A voz grave tinha uma potência tão firme que parecia
que ele falava ao lado dela. — É COM MUITO ORGULHO E PRAZER, QUE LHES
APRESENTO O MAIOR ESPETÁCULO NA TERRA! O SONHO DE TODOS OS SONHOS!
A FANTASIA EM REALIDADE! SE NÃO ACREDITAM NO IMPOSSÍVEL, PREPAREM-
SE PARA ACREDITAR! — Tambores surgiram pelas sombras, ditando o batimento cardíaco de
todos.
Olive mal conseguia permanecer sentado.
— SENHORAS E SENHORES, COM VOCÊS, O KNIGHT CIRCUS!
Então, uma nova explosão e ele desaparece por entre as palmas, uma enorme cortina ao
fundo se abrindo conforme cavaleiros montados surgiam, bradando suas espadas. Olive gritou
em felicidade, e isso fez Margareth apanhá-lo no colo, sentindo sua inquietação, ouvindo seus
agudos excitados e vendo as mãos frenéticas aplaudindo. Ela o acompanhou em sua diversão.
Depois, surgiram as acrobatas, dobrando-se, girando, roupas tão curtas que eram vulgares,
mas que ali encantaram a todos, assovios surgindo dos mais velhos e arrancando risadas adultas
até que todos voltaram a ser crianças quando os palhaços surgiram, já tropeçando.
A maior risada foi a do garoto e Margareth sentiu uma lágrima escorrer por sua bochecha.
— Não chore, mamãe! — falou o menino, franzindo o cenho, tentando equilibrar sua
atenção para a mulher e o espetáculo à sua frente. — Isso é incrível!
Mas nada era melhor do que saber que ela havia conseguido; que, depois de tanto esforço,
eles estavam ali, juntos, em segurança, sem senhorios arrogantes e abusivos, sem ter de vender o
corpo ou se preocupar em estar sendo perseguida.
Não mais.
O que importava era que ela estava com Olive, e um de seus sonhos estava realizado.
— Tem razão, querido... — Ela fungou o nariz conforme os cílios tentavam dispersar as
lágrimas. — Isso é incrível.
Assim como deveria ser, o espetáculo transcorreu bem, entre risadas, assombros e espanto,
especialmente quando um homem engoliu uma espada; muitas senhoras esconderam os rostos
com as mãos.
Na verdade, seria certo dizer que tudo foi melhor do que bem.
Os palhaços arrancavam risadas, a mulher barbada impressionava e o ventríloquo tinha
piadas especiais aos adultos, mas não explícita o bastante para afastar os menores, ainda assim,
quando a apresentação acaba e todos agradecem, Margareth sente seu coração dar um nó, vendo
como Mitchell lhe olhava de esguelha, até aquele instante.
Era irrequieto não saber o que passava em sua mente, e ainda pior não saber o tamanho das
consequências que seu ato estava tendo.
Margareth olhou para todo mundo que passava, conforme saíam, e ninguém parecia estar
no mesmo conflito interno que eles dois.
Então, só podia essa ser a verdade. O festival e o circo estavam ótimos, ela é que não
conseguia se sentir inteiramente feliz, porque não se sentia capaz de esquecer a conversa que
tiveram mais cedo, e duvidava muito de que, algum dia, a esqueceria.
Mas foi preciso confrontar a garota que os seguia, ela só reconsiderava se o fizera de
maneira correta.
— Mitchell... por favor, fale alguma coisa — pediu ela depois de tudo, quando sentaram-se
em uma mesa de madeira e não havia mais segredo algum.
— O que quer que eu diga, Margareth Mae? — A resposta escapou ríspida e a mulher
agradeceu por Olive estar tão entretido com seu sorvete. — Agora sabe que menti, que guardei
esse segredo de você, de meus irmãos...
Os olhos dele estavam bem fechados e o queixo, tenso. Mitchell mergulhou num silêncio
completo.
— Eu entendi o motivo.
Ele ainda nada disse.
— Mitch...
— Não.
— Ouça-me, apenas, se acha que não tem mais o que falar — replicou, calma,
escorregando a mão sobre a mesa para tocar-lhe. Ele não permitiu e isso a fez engolir em seco.
— Só conseguirá seguir em frente quando aceitar tudo o que aconteceu.
Uma risada displicente escapou dos lábios dele, um sorriso torto, ainda que charmoso,
substituindo um grosseiro revirar de olhos.
— Não consigo perdoar, Margareth. — Ele voltou a reabrir os olhos, doloridos. — Não
dá...
Ela inspirou fundo antes de escorregar seu corpo para perto do dele.
— Por que não?
— Eu me odiaria por isso.
A mulher franziu o cenho.
— Iria se odiar por perdoar alguém?
— Sim. — O queixo dele tornou-se ainda mais acentuado. — Se a perdoar, serei o monstro
que a fez passar por tudo. Eu estaria confessando que lhe cometi uma injustiça.
— E não acha que cometeu?
Mitchell engoliu em seco, fitando as sebes altas, não conseguindo olhá-la nos olhos que,
antes de tudo, eram sua visão favorita.
— Mitchell, eu não irei ter vergonha alguma em estar ao seu lado sabendo do que fez no
passado.
— Diz isso, mas não entende as consequências. Como meus irmãos iriam reagir!?
— Eles irão entender.
— Isso os afeta, também. Acha que Adrian simplesmente vai... — As mãos dispensaram a
ideia pelo ar, nervosas conforme ele meneava o rosto. — Não era para estar acontecendo assim.
Não era para você descobrir dessa maneira.
Margareth mordiscou o interior de sua bochecha, o cenho pesado vendo tamanha mágoa
que ele carregava em seu peito.
— Mas você iria me contar, então?
As narinas dele dilataram e expiraram agressivamente.
— Eu ia, Margareth, ou então ela o faria.
Aquilo atingiu a mulher de um jeito diferente, agora, tal que ela endireitou seus ombros, os
cabelos caindo pelo lado direito.
— Só por isso iria me contar?
Os olhos dele, sofridos, embebedaram-se em dúvida, nesse instante quando os lábios
questionaram:
— O que quer dizer?
— Não... iria me contar por nenhum outro motivo?
A pergunta foi verdadeiramente dolorosa e ele soube que estava acuado, tenso, como se
uma corda prendesse seu peito e o lançasse ao fundo do oceano que eram os olhos dela. Mitchell
não sabia como respirar.
— Não confia em mim, Mitch?
O homem sabia que, se nada dissesse, arriscaria perder o amor de sua vida. Não deixaria
que seu passado lhe tomasse mais isso.
— É claro que confio.
— Então por que...
— Porque é difícil, inferno! — replicou dando um tapa sobre a mesa, fazendo-a saltar por
um instante. — Reneguei-a por todos esses anos. A cada carta, a cada pista que comprovava o
que ela dizia... não sei se tenho força o suficiente para isso.
Dessa vez, sem que ele tivesse a chance de se esquivar, Margareth tomou-lhe os dedos,
alisando as falanges cobertas por fios escuros, estudando-as como se fossem as maiores
preciosidades que já vira, o tamanho tão desproporcional de seus dedos a fez sorrir, singela.
— Teve força para abrir seu coração e acolher uma mulher que só queria cuidar de seu
filho — falou sem encará-lo, mas sentindo como seu olhar recaiu quente sobre sua nuca, as
mechas de seu cabelo escuro acariciando as bochechas. Se o olhasse agora, achou que vacilaria,
um risco que não poderia se dar ao luxo de ter. — Isso é de tremenda coragem, Mitchell. Muita
força.
— Ainda assim... não. Não dá...
— Fizemos o acordo, com ela. À noite, quando voltarmos do festival, irá contar aos seus
irmãos.
Os lábios do homem crisparam-se em hesitação.
— Eles não vão gostar.
— Não sabe disso.
— Conheço eles. Quando eu contar, irão me matar.
— Não quando entenderem a razão de tê-lo feito — assegurou ela tentando demonstrar
toda a confiança que tinha a seu respeito. — Não está sozinho, Mitchell. Eu estou com você.
Mas, parada naquela feira, assistindo a Maud chegar acenando a eles conforme o cabelo
prendia-se para trás, ela não tinha certeza se o homem realmente a queria ali. Trocaram olhares
fugazes, mas o desconforto estava claro.
— E então, Sr. Howells, como foi o espetáculo? — perguntou a amiga para receber o
abraço apertado de Olive, como se não tivessem visto um ao outro naquele dia.
— Foi maravilhoso!
— Maravilhoso, é? — Os olhos dela subiram até os de Margareth.
— Foi lindo — reforçou com meio sorriso. — Deveria ter vindo conosco.
— Sei disso, mas... quis ajudar a Sra. Laurel, já que o Sr. Friederick ainda não melhorou.
— Achei que ele estivesse melhor — comentou Margareth para com Mitchell, porém ele
apenas negou com um singelo movimento de rosto.
— Tia Maud, vamos comprar pipoca! — cantarolou ele já puxando sua convidada pela
saia.
— Pipoca? Onde!?
— Ali! — Ele apontou para um carrinho de ferro fundido onde milhos estalavam e o aroma
salgado inebriava o ar. — Vamos! Vamos, por favor!
— Tudo bem, uma pipoca até que cairia bem — comentou revirando os bolsos de sua saia,
encontrando algumas coroas. — Querem alguma coisa?
Antes que Margareth pudesse responder, o homem o fez:
— Vou levar Margareth ao carrossel, comemos depois.
— Está bem.
Então eles se afastaram, o garotinho saltitante e a melhor amiga, que não percebeu como a
tonalidade dele soou mais severa e imponente. O peito de Margareth pesou ainda mais ao
perguntar:
— Carrossel?
— Eu quero me desculpar — comentou conforme oferecia-lhe o braço. Hesitante, ela se
apoiou nele e começaram a andar na direção do brinquedo, onde uma grande peça circular
brilhante girava em torno de um eixo firme, sustentando a tenda metálica, recheada de luzes
douradas encantadoras, até mesmo em suas extremidades, onde figuras de madeira no formato de
cavalos surgiam muito convidativas.
— Achei que estivesse zangado comigo.
— Isso não anula minha vontade — replicou engolindo em seco ao pararem na pequena
fila. Havia três casais à sua frente e uma avó com sua neta.
— Então... realmente está zangado — constatou mordiscando os lábios.
— Se continuar provocando-me com essas mordidas, não creio que ficarei por muito mais
tempo.
Ela sentiu a reprimenda, porém nem por isso seu rosto deixou de ruborizar.
— Mitch, eu...
— Nem tente se desculpar, Margareth Mae. Não fez nada de errado. — Os olhos dele,
firmes e densos, fitaram-na, sérios, as sobrancelhas grossas alinhando-se. — Eu agi como um
tolo, dei-lhe um tratamento de silêncio infantil, porque não conseguia lidar com meus
pensamentos.
— Mas eu lhe forcei a aceitar o acordo com ela...
— E fez o certo — admitiu conforme o dono da atração, um bigodudo engraçado e gentil,
que cumprimentava a todos e os convidava a entrarem, abria a pequena grade que os separava da
atração.
A garotinha disparou na frente, saltitante, laços e mais laços em seus cabelos conforme a
avó a seguia, ambas se sentando em um largo banco, como uma carruagem.
— Um homem que foge do seu passado não vive o futuro. — Ele entregou alguns trocados
para o bigodudo da entrada antes de colocar Margareth na frente de seu corpo, a mão direita
tocando-lhe as costas, guiando-a até os cavalos mais robustos, belos, esculpidos à mão em
madeira maciça. — E eu quero viver meu futuro com você, Margareth.
Os olhos dela iluminaram-se e o coração, irremediavelmente apaixonado, acelerou na
iminente ideia de tomá-lo nos lábios conforme as mãos firmes seguravam-na de uma só vez, ao
redor da cintura, lançando-a sobre o cavalo, vendo-a sentar-se como uma devida lady.
— Não posso seguir com esse tratamento. Não posso permitir-me perdê-la.
Margareth se inclinou na direção dele, a mão esquerda segurando à crina do cavalo, seu
coração na garganta e o alto dos seios subindo e descendo, apertados no corselete, as madeixas
acastanhadas caindo em ondas longas e tornando-a uma visão esplendida debaixo daquelas luzes.
— Eu amo o senhor, Mitchell Wolfheart, e isso nunca irá mudar.
— Nunca?
Ouvi-lo perguntar apenas a fez sorrir ainda mais.
— Jamais, Mitch. Amo-o deliberadamente, completamente, e meu coração não mais bate
por um só. Desde o dia em que o vi, soube que seria sua.
— Prontos!? — perguntou o dono da atração, ansioso para que vissem toda a maravilha
pela qual pagaram.
— Sim — respondeu Mitchell quando seus olhares se cruzaram.
— Espere, não irá montar em um cavalo, também?
Sem ligar para toda a indecência que as pessoas pensariam, Mitchell saltou no lombo do
cavalo em que ela estava, sentindo-a arfar com sua presença tão firme, as mãos, grandes e
protetoras, envolvendo sua cintura, causando-lhe arrepios, os quais fizeram-na inspirar por entre
os lábios.
Charmoso e estimulante, como apenas ele saberia ser, Mitchell Wolfheart inclinou-se por
entre os ombros de Margareth Mae, a barba acariciando sua pele macia conforme ele apreciava
seu inebriante aroma adocicado, beijando-lhe a pele quente e dizendo:
— Confio minha vida a ti para que guie as rédeas.
Então o carrossel a vapor se moveu, uma brisa amena envolvendo-a, assim como os lábios
dele, suaves, encantadores, entregando-se através do deslumbre da atração e do toque de seus
corpos. Ali, não havia julgamento, perigo ou incertezas, apenas amor.
E o sentimento estava iluminado por todas aquelas luzes, tal que as próprias estrelas do
anoitecer sentiram inveja de seu brilho.
Epílogo

Indubitavelmente, Mitchell não estava inteiramente satisfeito, isso era fácil de ler no rosto
dele. Mas, sem mais discussões, ele decidiu enfrentar seu passado com louvor, como um homem.
Ele cometeu um erro.
Se aquela garota estava ali, se tudo era verdade — como ele sabia que era — então ele não
tinha direito algum de privá-la de ter uma família, também. Ainda assim, foi enervante vê-la
parada na frente da casa, o corpo coberto por um vestido simples, mas elegante, em tons de vinho
e marrom, as mãos cobertas por luvas e os cabelos, sempre soltos, esvoaçavam conforme a brisa.
— Quem é ela? — questionou Maud, tensa, sentada ao lado de Olive na carruagem em que
voltavam, o braço instintivamente colocando-se diante dele.
— Está tudo bem — garantiu Margareth já que o maxilar de Mitchell parecia tenso o
bastante. — Ela não vai nos machucar.
Mas isso não respondia à pergunta de Maud, no entanto, a amiga apenas aquiesceu
rapidamente, embora o cenho permanecesse franzido e ela não estivesse disposta a abrir mão de
sua postura defensiva tão rapidamente.
Margareth pensou em como ela também seria uma ótima mãe.
— Vamos — definiu ele abrindo a porta assim que o coche parou, sem esperar pelo criado,
o ar fresco da noite que já lançava caminhos de névoa pela rua recebendo-os.
A garota que os esperava não ousou dizer nada, mas em seus olhos havia gratidão, um
alívio pelo que estava prestes a acontecer e a emoção sobressaindo em um marejar súbito, o
corpo tão magro revelando cada músculo do pescoço ao inspirar fundo diante a presença de
Mitchell, as clavículas perfeitamente marcadas conforme o queixo tremia.
— Querida, importar-se-ia de entrar acompanhada de Maud? Chame todos à sala de estar,
está bem?
A amiga fitou-a com estranhamento ao ouvi-la responder:
— É claro.
Confusa, os braços dela se entrelaçaram e elas subiram a escadaria curva da construção,
dando dois toques com a aldrava até que a Sra. Laurel os recebeu.
— Eu sei que isso não será fácil, Mitch... — começou ela, a voz um tanto trêmula pelo
nervosismo, os dedos se repuxando por entre a pelica.
— Não diga nada — ordenou estudando seus traços por sob a noite.
Não. Ele nunca a vira tão perto, nem parara para observar como seus traços eram
parecidos, desde o tom dos olhos, até o modo como o maxilar pronunciava-se belo, firme. Uma
marca dos Wolfheart.
Uma marca de seu sangue.
Ele não podia mais renegá-la.
— Devia tê-la permitido vir aqui na primeira carta.
— Entendo o motivo de não o ter feito.
Mitchell sorriu, nervoso, as mãos suando conforme ele notava as luzes do interior se
acendendo.
— Mas eu deveria. Isso é... imperdoável. — Ele sentiu o pomo de adão subir e descer
conforme a saliva lhe arranhava a garganta. — Julgá-la por algo que não era sua culpa...
Então, subitamente, ela apenas sorriu, e era um sorriso lindo, fios flutuando entre seus
olhos antes de penteá-los atrás da orelha.
— Vamos entrar? — Oferecer-lhe o braço foi uma das coisas mais difíceis que estava
fazendo, mas, em retrospecto, Margareth tinha razão: coragem e força não faltavam naquele
homem.
— Com prazer. — Uma lágrima escorreu de seus olhos, felizes conforme subiam as
escadas, como se estivessem a caminho do palácio da realeza britânica.
Ele a guiou como um perfeito cavalheiro pela porta da frente aberta, as sombras do
corredor fugindo da luz da sala de estar enorme, em tons quentes, com sofás longos e tapetes
importados, uma lareira e almofadas com enfeites dependurados em suas pontas.
Seria um retrato perfeito de ser pintado, já que todos estavam ali. Todos que importavam,
impecavelmente vestidos, Adrian de pé, ao lado da lareira acesa com uma dose de hidromel na
mão, Damian sentado, um livro fechado ao seu lado e os óculos de leitura sendo guardados no
bolso do casaco azul, e Margareth sentada sobre o sofá, junto a Olive e Maud, fitando-o por
sobre o encosto de brocado.
— Por que tanto suspense, Mitchell? — questionou Adrian com o cenho franzido. —
Conseguiu o incrível feito de reunir a todos, aqui, então espero uma exímia justificativa.
Porém, o irmão, que sempre soubera o que falar, perdeu todas as palavras, o rosto
atravessando-se em questionamentos conforme uma figura feminina surgia ao lado do mais
velho, a saia arrastando-se pelo caminho conforme os olhos ainda não tinham coragem de fitá-
los.
— Margareth? — questionou Damian, como se para ela certificá-los de que estava ciente
que Mitchell acompanhava outra mulher, naquele instante.
Pedindo para Olive continuar sentado ao lado de Maud, a qual parecia tão perplexa quanto
todos eles, Margareth se ergueu, alinhando a saia até parar ao lado do homem mais corajoso que
já conhecera, entrelaçando seus dedos em sua mão livre, sentindo-a quente.
— Tudo bem, que diabos está acontecendo!? — vociferou Adrian, predatório, virando o
hidromel de uma única vez.
A garota engoliu em seco, os olhares deles deixando-a nervosa, tal que procurou por
Mitch, que lhe lançou um sorriso com o canto dos lábios.
Ele apertou a mão de Margareth com mais força, o rosto tornando-se feroz, de repente,
mostrando a seriedade de tudo aquilo.
— Eu devo desculpas a vocês, meus irmãos. Há um segredo que nunca lhes contei, porque
não conseguia perdoar o passado.
Os gêmeos trocaram um breve olhar, desconfiados e tensos. Damian até mesmo se ergueu,
na defensiva.
— O que você fez? — perguntou, presumindo pelo pior.
O mais velho desejou que os irmãos tivessem a paciência de esperar até que todos os seus
pensamentos se alinhassem, porém isso não era do feitio de nenhum, ali, tal que Adrian insistiu
em suas dúvidas:
— Quem é essa garota, Mitchell?
Por uma última vez, ele respirou fundo, endireitou o rosto e, com a voz grave e firme,
respondeu:
— Esta é Iliana. — Não havia mais volta. — Ela é nossa irmã.
Agradecimentos
Um livro é uma jornada, e com ela podemos sentir amor, ódio, raiva, empatia, desejo... e
tantos outros sentimentos que flutuam pelas páginas conforme sentimos seu cheirinho
inigualável. Espero, de todo o coração, que Mitchell Wolfheart e Margareth Mae tenham lhe
dado a esperança de um amor genuíno, honesto, que não procura outros interesses além de te
fazer o mais feliz que puder. Espero que encontrem, nesse amor, o seu melhor amigo, o seu herói
num cavalo branco — se assim precisar —, e que dividam dores e medos.
Lembre-se sempre: é necessário fragilidade para que se possa amar.
É preciso ser vulnerável.
Por isso, agradeço, é claro, à minha mãe, a mulher que me amará por toda a vida e que eu
sei que posso confiar no meu momento mais delicado.
Agradeço ao time da Cabana Vermelha, que acreditou nessa trilogia tendo tido somente a
premissa do primeiro livro.
E sempre agradecerei, de todas as formas que eu puder, a você, leitora, por ter pegado este
livro e pensado: vou dar uma chance.
Sem você, meu trabalho não existiria.
Sem você, meus finais felizes viveriam numa gaveta.
Sem você, eu não estaria onde estou hoje.
Com um quentinho no coração e todo o orgulho por este livro,
Gui Ribeiro
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Sobre o Autor

Gui Ribeiro é paulista, leonino, geek de coração e internacionalista, mas a paixão pela escrita
vem antes de tudo isso. Desde os oito anos, tendo lançado seu primeiro livro aos doze, sempre
soube que tinha alma de escritor, contando romances de aquecer o coração até suspenses de gelar
a espinha, com um objetivo claro expresso em cada palavra: conquistar e emocionar seus leitores
desde a primeira página.

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[1]
Margareth é um nome inglês que se originou a partir do latim Margarita, que por sua vez veio do grego margarítes, que quer
dizer “pérolas”

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