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Relações sociais e instituições de poder

A vida em sociedade é regida por normas que delimitam aquilo que é permitido e o que é
proibido, quais comportamentos são aceitáveis e que ações devem ser combatidas, para manter a
sociedade de maneira estável, integradora, coesa. São diversas as instituições que determinam o
regramento da vida social: no âmbito da vida privada, a família, orientada por seus valores e
princípios morais e religiosos, atua em primeira instância na formação dos indivíduos; na esfera
pública, o Estado e as categorias de poder que dele descendem exercem um papel regulador e
conformador de signos e símbolos em torno dos quais uma determinada ordem coletiva se
identifica.
Ao longo deste capítulo, serão abordados aspectos relacionados às complexidades das
relações sociais e à atuação de diferentes instituições de poder no disciplinamento de práticas e
costumes.

A organização familiar
A família é considerada a mais antiga instituição social da história e a primeira a garantir a
socialização dos indivíduos. No percurso de sua evolução, ela foi muitas vezes revestida de certa
sacralidade, tida como instituição maior, capaz de regrar a vida social a partir do disciplinamento
dos corpos e das expectativas dos indivíduos. Na Roma Antiga, onde as práticas religiosas eram
realizadas no âmbito da vida privada, deuses chamados lares eram tomados como referências
para o ordenamento da vida social. Os comportamentos relacionados, por exemplo, à vida
religiosa, eram conduzidos por figuras masculinas (pater familias) que exerciam papel central na
definição de uma ordem simbólica em torno da qual os indivíduos eram agrupados.
Durante longo tempo, a família foi considerada um fenômeno natural e biológico, e somente
em fins do século XIX e início do XX ela passou a ser compreendida como um uma instituição
social, cultural e histórica.
No campo das ciências sociais, vários pesquisadores têm se dedicado a compreender essa
instituição como entidade ordenadora de microexperiências sociais e que interage com outras
entidades de poder – a exemplo do Estado –, intercambiando, nessa medida, valores, crenças,
opiniões etc.
Família é um grupo de pessoas que compartilham suas vivências. O conceito de família tornou-se
abrangente com vista a se adequar às diferenças entre os grupos familiares.

Essa perspectiva sociológica extrapola o entendimento de família como um grupo social


estruturado por meio de relações de afinidade, descendência e consanguinidade, e critica o
princípio que considera a família como unidade de reprodução humana. Essa abordagem
biologizante – há tempos criticada, mas ainda presente como forte traço do senso comum –
negligencia os diferentes casos de famílias que são constituídas com base na interação entre
sujeitos diferentes e no compartilhamento de lugares e experiências comuns entre eles.
A esse respeito, vale citar casos de estudantes residentes em repúblicas acadêmicas, os quais
conseguem estruturar um corpo familiar marcado pela solidariedade e pelo compartilhamento de
crenças e expectativas de futuro. Como toda família, os estudantes que comungam de um mesmo
espaço e crença, em uma república acadêmica, por exemplo, atuam como formadores de padrões
comportamentais a serem seguidos por indivíduos que desejam fazer parte daquele grupo
familiar. Portanto, a família, como instituição, constrói-se com base em uma estrutura de poder
capaz de influenciar as formas de ler o mundo social, de transformar ou reafirmar um conjunto de
princípios.

A família, como toda instituição, tem aspectos conservadores, assim como indicadores de
mudança. Para [a socióloga argentina] Elizabeth Jelin, a família é uma instituição formadora de
futuras gerações e mediadora entre a estrutura social e o futuro dessa estrutura. Nesse caso, sem
intervenção externa, a família termina por transmitir e reforçar padrões de hierarquia e
desigualdade já existentes na sociedade. Pela família, por exemplo, podem passar preconceitos
raciais, ideias arcaicas sobre o papel dos gêneros, entre outros valores. Assim, a família é um
espaço paradoxal: tanto pode ser o lugar do afeto e da intimidade, como o lugar da violência
muda e silenciosa. No quadro familiar, a violência de gênero ganha relevo, pois são as mulheres
as principais vítimas. Na classificação da socióloga, a violência familiar atinge sobretudo as
mulheres, na relação conjugal, depois as meninas e, em menor escala, os meninos, na relação
filial. Os anciãos também compõem o número das vítimas. Essas considerações nos levam a
observar que o estudo da organização familiar deve, primeiro, respeitar a diversidade de padrões
familiares existentes, além de relacionar essa instituição a outros assuntos correlatos, como
cotidiano, gênero, violência, o papel do Estado etc.
SILVA, Kalina Vanderlei. Dicionário de conceitos históricos. 2.ed., 2ª reimpressão.
São Paulo: Contexto, 2009. p. 139. (adaptado)

Organizações sociais e de poder


Todo grupo de pessoas que comungam de valores e princípios comuns tendem a constituir
uma rede de relações que configuram organizações sociais de diferentes matizes. Pode-se dizer
que se trata de um grupo que interage entre si e com o mundo ao redor em função de
determinados objetivos (lúdicos, intelectuais, religiosos, políticos, ideológicos etc.), estruturam
essas organizações e as legitimam socialmente.
Jovens mobilizados, manifestando os seus direitos políticos em favor de uma causa comum,
formam uma organização que precisa interagir com outras instituições para que o seu projeto
político e de poder seja legitimado. Enquanto isso, trabalhadores compartilham interesses
comuns e identificam grupos que nutrem expectativas diferentes das suas. Esses trabalhadores,
para erguerem as suas bandeiras de luta, fazem circular os anseios do grupo com vistas a
conformar uma identidade de classe e a confrontar o status quo em busca de melhores salários e
condições de trabalho, por exemplo. Os sindicatos, ainda, cumprem um papel agregador de
indivíduos de diferentes gêneros, que compartilham lugares sociais comuns e nutrem
expectativas que se assemelham sob o ponto de vista político-ideológico e de poder.
Essa rede de socialização, marcada pelo tornar-se parte do meio social no qual se está
inserido e se quer pertencer, é norteada por relações identitárias e marcada por trocas culturais.

Instituições e convenções sociais


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Todas as sociedades se organizam em torno de instituições sociais, sob sua orientação ou


domínio. Estas, para se constituírem enquanto tal, precisam ser aceitas pela maior parte da
sociedade em geral. Instituições são formas estáveis de organização em relação às quais as
pessoas se familiarizam e passam a compartilhar dos seus princípios. A família, o Estado e a Igreja
são exemplos de instituições sociais, uma vez que possuem identidade material e concreta, mas
também um caráter subjetivo pautado no conjunto de normas e princípios.
As instituições sociais são estruturas móveis, socialmente aceitas e legitimadas. Exatamente
por isso, ora encontram o apoio necessário para se manterem firmes, ora são negadas e extintas
frente a uma nova ordem de valores e princípios morais e político-econômicos. A respeito do
sentido móvel das instituições, vale recordar a escravidão, uma das mais destacadas instituições
sociais do Brasil Colonial aceita e consensualmente legitimada pelas sociedades da cana-de-
açúcar, do ouro, do café, entre outras. Ao longo de 340 anos, aproximadamente, a empresa
escravocrata foi mantida como traço marcante do próprio Estado brasileiro. Enquanto
instituição, posto que sustentava uma lógica própria de funcionamento e embasava o trato social
entre os diferentes grupos da sociedade brasileira, o escravismo constituía-se como suporte de
uma instituição social mais complexa: o Estado brasileiro.
Vale mencionar que a palavra estado vem do latim status, verbo stare, “manter-se em pé,
sustentar-se”. Acerca dessa pretensão de permanência fundada em uma estrutura de poder, o
sociólogo Max Weber afirmou que o Estado Moderno se definiu a partir de dois princípios:
“existência de um aparato administrativo cuja função seria prestar serviços públicos, e
o monopólio legítimo da força”.

Em seu significado mais generalizado, a palavra Poder designa a capacidade ou a possibilidade


de agir, de produzir efeitos. Tanto pode ser referida a indivíduos e a grupos humanos, como a
objetos ou a fenômenos naturais (como nas expressões “poder calorífico” e “poder de absorção”).
Se a entendermos em sentido especificamente social, ou seja, na sua relação com a vida do
homem em sociedade, o Poder torna-se mais preciso, e seu espaço conceptual pode ir desde a
capacidade geral de agir até à capacidade do homem em determinar o comportamento do
homem: Poder do homem sobre o homem. O homem é não só o sujeito, mas também o objeto do
Poder social. É Poder social a capacidade que um pai tem para dar ordens a seus filhos ou a
capacidade de um Governo de dar ordens aos cidadãos. Por outro lado, não é Poder social a
capacidade de controle que o homem tem sobre a natureza nem a utilização que faz dos recursos
naturais. [...] Como fenômeno social, o Poder é, portanto, uma relação entre os homens, devendo
acrescentar-se que se trata de uma relação triádica. Para definir um certo Poder, não basta
especificar a pessoa ou o grupo que o detém e a pessoa ou o grupo que a ele está sujeito: ocorre
determinar também a esfera de atividade à qual o Poder se refere ou a esfera do Poder. A mesma
pessoa ou o mesmo grupo pode ser submetido a vários tipos de Poder relacionados com diversos
campos. O Poder do médico diz respeito à saúde; o do professor, à aprendizagem do saber; o
empregador influencia o comportamento dos empregados sobretudo na esfera econômica e na
atividade profissional; e um superior militar, em tempo de guerra, dá ordens que comportam o
uso da violência e a probabilidade de matar ou morrer.
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de
política. v. 1. 13. ed. Brasília: Editora UNB, 2007. p. 933-934.

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