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As citações bíblica cujas fontes não foram mencionadas são de A Bíblia Viva,
Editora Mundo Cristão, 1983.
Conteúdo
Prefacio.......................................................................................................................1
1 Percepção da Necessidade.......................................................................................2
2 Olhar de Frente........................................................................................................4
3 Aprendendo a Ouvir................................................................................................6
4 Com o Coração........................................................................................................9
5 As Cinco Fases do Doente Grave..........................................................................11
6 A Oração da Fé......................................................................................................14
7 Mãos Que Socorrem..............................................................................................17
8 Distância................................................................................................................20
9 Meu Marido...........................................................................................................23
10 Quando a Estrada Viça Comprida Demais..........................................................26
Epílogo.....................................................................................................................28
1
Prefacio
Logo depois que eu soube estar com câncer, fui apresentada a uma
mulher de uma igreja próxima que ouvira falar de minha doença. Após
apertar minha mão e sorrir, ela me perguntou: "Como alguém como eu pode
ajudar uma pessoa com seu tipo de enfermidade?"
Sua pergunta foi admiravelmente direta, sem qualquer fingimento. Ela
disse ainda: "Quero compreender suas necessidades emocionais, físicas e
espirituais".
Pensei longa e refletidamente sobre essa pergunta. Ao tentar
responder-lhe — e a outras pessoas interessadas, amorosas, como ela — me
descobri escrevendo este livro.
O câncer e outras moléstias que apresentam maior risco de vida não
conhecem fronteiras.1 Somos todos vulneráveis ao ataque súbito da doença.
Inesperadamente, um marido, esposa, filho, vizinho ou amigo se torna
sua vítima, e já ouvi a mesma pergunta sendo repetida: "Como posso
ajudar?"
Através de minha longa batalha pela vida, aprendi aos poucos como
ser uma amiga mais interessada e cuidadosa para com aqueles que estão
doentes.
Muitas pessoas me foram úteis e outras mais poderiam ter ajudado,
com um pouco de encorajamento e percepção.
A doença não é confortável para ninguém. Ao enfrentar as realidades
da vida, você pode aprender algumas coisas sobre a sua própria pessoa que
talvez sejam humilhantes ou embaraçosas. Você pode perceber uma falta de
sensibilidade, o desejo de afastar-se de uma amiga necessitada. Ou quem
sabe descobrir uma ânsia sincera de ser útil, mas sem saber como. ; Tento
apresentar nestas páginas as sugestões que considero mais proveitosas e
práticas no sentido de prestar auxílio, alcançar e tocar de maneira
significativa a vida de uma pessoa amiga que esteja sofrendo de uma
doença fatal.
1
O câncer, por si só, tem um efeito devastador sobre a população. Segundo a Sociedade Americana de
Cancerologia, "Quase 56 milhões de americanos que agora estão vivos irão sofrer eventualmente da
doença; um em cada quatro segundo os índices atuais. No decorrer dos anos, o câncer irá atacar aproxi-
madamente duas entre três famílias. Nos anos 70 houve cerca de 3,5 milhões de mortes por causa do
câncer, mais de 6,5 milhões de novos casos e bem mais de 10 milhões de pessoas sob cuidados médicos
devido ao câncer" (American Câncer Society, 1981, Facts and Figures, American Câncer Society Inc.,
New York, N.Y., p. 3).
2
Betsy Burham Janeiro 1982
1 Percepção da Necessidade
Os pontos de minha enorme incisão abdominal repuxaram
desagradavelmente enquanto eu mudava de posição, a fim de olhar pela
janela. Eu me sentia grata por me achar pelo menos próxima do mundo lá
fora. Manchas de sol quente, filtrado, brincavam no peitoril e nas roupas de
cama esterilizadas aos meus pés. Embora os prédios altos e sombrios de
Boston impedissem em grande parte que eu pudesse ver o parque ali perto,
com suas árvores em flor, eu sabia que a primavera chegara. Na rua lá
embaixo eu avistava enfermeiras e ajudantes conversando, sem casaco.
Quando olhei para minha companheira de quarto, vi que repousava
tranqüila. Bárbara tinha 42 anos e sofria de câncer avançado. Seus cabelos
escuros se espalhavam sobre o travesseiro e tinha os olhos fechados.
Um movimento na porta chamou minha atenção. Duas mulheres bem
vestidas espiaram cautelosamente, como se temessem estar no lugar errado.
Ao ver Bárbara, pareceram aliviadas.
"Estará acordada?", a gordinha baixa sussurrou com voz rouca
enquanto se aproximava do leito na ponta dos pés. Os olhos de Bárbara se
abriram trêmulos.
"Oi, Bárbara!" Seu cumprimento alegre interrompeu-se ao chegarem
mais perto e olharem melhor a amiga.
"Helena, Maria. Que bom que vieram ver-me", murmurou Bárbara,
enquanto afastava o cabelo do rosto. Ela tentou debilmente fazer funcionar
o controle eletrônico da cama, a fim de poder sentar-se. Sua face se
mostrava contraída, muito magra, e sua pele acinzentada.
Enquanto ela se acomodava, as duas amigas se mantiveram hesitantes
ao pé da cama. Maria, a mais alta, de conjunto amarelo, tinha nas mãos um
cone de papel verde de floricultura. Eu podia perceber pelos sorrisos
nervosos delas e olhares enviesados que procuravam ansiosas as palavras
que diriam a seguir.
"Você parece ótima!" falou Maria sem pensar, agarrada às suas flores.
Eu estremeci intimamente. A incoerência da cena me surpreendeu.
Ninguém poderia olhar para Bárbara, uma mulher acabada, patética, e dizer
que parecia "ótima". Mesmo assim consegui sentir o esforço que aquelas
amigas estavam fazendo. Elas queriam muito mostrar-se positivas e
esperançosas em face da grave doença de Bárbara.
Helena falou em seguida, procurando um assunto menos embaraçoso.
"Que quarto simpático", exclamou e, por não saber como prosseguir,
tentou de novo. "Quando fiz minha histerectomia senti-me justamente como
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você — dolorida e cansada. Eles me deram medicamentos para tirar a dor
enquanto precisei, mas posso afirmar que os primeiros dias foram bem
difíceis. Depois, aos poucos, a gente volta ao normal. Antes do que pensa,
vai poder levantar-se sozinha. Mas talvez tenha de andar curvada por algum
tempo", acrescentou com um risinho.
"Eu já lhe contei sobre o estudante de medicina que quis tirar meus
pontos?" continuou. Bárbara sorriu de leve, sacudindo a cabeça, mas
Helena já estava contando a história.
"Olhe, foi terrível. Acho que ele nunca tinha tirado pontos antes. Ficou
cortando minha pele em vez dos pontos. Ih! Precisei de um sedativo depois
que tudo acabou."
Enquanto ela falava, fiquei perplexa. Bárbara não tinha sido internada
para uma operação. Estava sendo submetida a uma longa série de radiações,
numa tentativa desesperada de impedir que sua doença se espalhasse mais.
Por que Helena não parava então de falar sobre cirurgia?
A mulherzinha gorda prosseguiu. "Bem depressa chegará o dia de ir para
casa. Você não pode acreditar como é bom sair daqui. Fiquei tão contente
quando tive alta. É claro que terá de ser uma boa paciente em casa. Terá de
deixar que a visitemos e cuidemos de você."
Olhei para Bárbara com seus olhos escuros, profundos, e imaginei se
jamais voltaria para casa.
"Onde posso colocar estas flores?" Maria falou de novo, depois de
recobrar-se em parte de sua entrada embaraçosa.
Bárbara apoiou-se em um cotovelo e estendeu o outro braço para a
mesinha ao lado da cama. Ela empurrou fotos, copos e outras flores,
levantando um arranjo artificial. "Você pode jogar essas fora", sugeriu, "e
conseguir água fresca no banheiro".
Maria sentiu-se melhor ao fazer alguma coisa. Ela desapareceu no
banheiro para arranjar suas rosas.
"O dia está lindo lá fora!" Helena tirou seu elegante casaco de verão e
acomodou-se na poltrona de couro ao lado de Bárbara.
"A primavera parece ter finalmente chegado", continuou. "Tudo está
prestes a florir. Você deveria ver as azáleas em meu quintal. Gosto demais
desta época do ano."
Maria voltou, com as rosas colocadas no vaso, e sentou-se na beirada
da cama de Bárbara.
"Sabe, Bárbara, pensamos em você durante o almoço inteiro", entrou
ela na conversa. "Pedimos seu prato favorito — salada de caranguejo
fresco. Se você se apressar e ficar boa logo, vamos oferecer-lhe um almoço
especial. O que acha disso?"
Helena interrompeu. "Acho que no meio da tarde não é a melhor hora
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de dirigir no trânsito da cidade. Foi difícil encontrar o hospital. Eu sei onde
fica tudo no centro, mas quase nunca venho para este lado. Entrei errado
algumas vezes, ficamos presas numa rua em que estavam trocando o asfalto
e pensei que jamais encontraríamos uma vaga para estacionar", terminou
ela, revirando os olhos.
"Sinto muito que tivessem tanto trabalho para ver-me. Obrigada por
tudo", disse Bárbara baixinho. "Essas rosas são tão lindas. As rosas são as
minhas flores favoritas."
De onde eu me achava, podia ver que os olhos dela estavam fechando
e tinha afundado no travesseiro. Na maioria das tardes ela dormia bastante.
Mas eu sabia que desejava mostrar-se amável com as amigas.
"Como estão as coisas em casa — na igreja?" perguntou.
"Ótimas. Tudo muito bem", assegurou Maria de seu lugar no pé da
cama.
"Estamos nos mexendo", declarou Helena. "Tivemos um chá para as
mulheres que começaram a participar como membros e foi muito bom.
Sentimos porém falta do seu pão de nozes."
"O pastor fez um excelente sermão no domingo de Páscoa", Maria
entrou na conversa novamente. "Ele falou da primavera e da nova vida.
Havia muita gente. Todos se sentiam muito animados e. . ."
Bárbara procurava espantar valentemente o sono. Ela interrompeu, se
desculpando.
"Sinto muito ser uma desmancha-prazeres, meninas", falou, não sem
certo esforço. "Mas fico tão cansada. E a dor toma conta. Vou chamar a
enfermeira pedindo um comprimido para melhorar e tenho depois de
dormir.
"Ah! mas é claro, minha querida", Helena tocou de leve em seu braço.
"Vamos, Maria. Já ficamos demais com Bárbara. Ela está cansada."
Senti-me novamente surpresa com a reação superficial delas.
Bárbara está sofrendo tanto e elas nem sequer parecem perceber,
pensei. Se pelo menos perguntassem onde é a dor — ou como ela consegue
enfrentar emocionalmente a situação.
As duas mulheres recolheram seus casacos e bolsas e já se
encontravam na porta. Helena voltou-se e fez um último aceno alegre.
Depois se foram.
Uma enfermeira entrou e puxou a cortina em volta da cama de
Bárbara. Fiquei olhando o pingar do frasco no tubo ligado ao meu próprio
pescoço. O sol tinha subido um pouco mais pelas roupas de cama, mas
meus pensamentos permaneciam com as duas visitais que haviam ido
embora.
Tentei imaginá-las naquela hora, de pé no corredor, esperando talvez o
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elevador. Eu podia até sentir a mescla de emoções — alívio por estarem
longe do quarto da doente, pena, uma tristeza sufocante, frustração
indefesa, Elas provavelmente mal disseram alguma coisa. Seus olhos quem
sabe estavam cheios de lágrimas.
As perguntas começaram então a rolar em minha mente.
Tinha sido ótimo, concordei, que as amigas de Bárbara fizessem um
esforço para vê-la. Mas por que se mostraram tão incapazes de
compartilhar do sofrimento dela? Por que a visita foi cansativa em lugar de
aliviá-la? Claro, é difícil colocar-se no lugar de alguém deitado numa cama
de hospital. Mas será impossível realmente "compartilhar" com alguém que
está sofrendo?
As perguntas se aprofundaram. Aquelas amigas tinham na verdade ido
para ajudar Bárbara? Ou só se tratava de um sentimento de obrigação? A
evidência exterior era triste.
Elas permitiram que ela soubesse, talvez sem querer, que a viagem
fora aborrecida. Falaram de comidas gostosas e do tempo agradável que ela
estava doente demais para apreciar. Conversaram sobre acontecimentos em
casa, da qual se achava muito distanciada. Nem uma vez as duas falaram
diretamente sobre ela — sobre a sua doença, seu tratamento, sua família,
seus sentimentos.
Não, elas não se interessavam realmente por Bárbara. As flores, os
sorrisos, a tagarelice — tudo tinha o sentido de ajudar. Como acontece com
a maioria das pessoas, a intenção de ambas era boa. Mas havia um abismo
enorme entre suas intenções e sua habilidade para estender-se e prestar
ajuda verdadeira.
Mais ainda, aquelas senhoras tinham ido representar uma igreja. Como
mulher de pastor, fiquei triste ao compreender como a igreja tem feito
pouco para ensinar seus membros na questão de sensibilidade ao
sofrimento. Quase todos nós temos medo de tocar na dor real, estamos mal
preparados para enfrentar a verdadeira ansiedade.
Por que tememos ser sinceros, justamente quando as pessoas precisam
mais de nós? Esse pensamento me veio enquanto estava ali deitada, vítima
de um câncer ameaçador, semelhante ao de Bárbara.
E o câncer não é a única moléstia devastadora.
Agora eu me achava do outro lado do abismo, andando pela "terra
estranha" da doença da qual tão poucos amigos ou entes queridos conhecem
a entrada. Eu já passara por várias experiências de tentativas de auxílio mal
dirigidas. Descobrira também alguns amigos e parentes raros que sabiam
mostrar positivamente seu interesse nesse período de provação.
As pessoas precisam aprender como estender-se até um amigo
gravemente enfermo. A idéia não me deixava.
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Será que eu poderia ajudar alguém a compreender isso? Teria eu força
bastante para compartilhar minhas interações muito pessoais — boas e más,
tristes e alegres?
A partir daquele instante, sabia que deveria tentar.
2 Olhar de Frente
Só um indivíduo mórbido se demoraria na idéia de que todos temos
apenas um período de tempo limitado na terra. Nossas cabeças se agitam
com planos cheios de vida para nossas famílias e carreiras, interesses vitais
em música, esportes, arte, viagens. Nós abraçamos a vida — e isso é o
certo.
De repente, um amigo, um cônjuge, ou um filho tem uma doença
grave, correndo risco de vida. De um momento para outro, sem aviso,
enfrentamos a morte.
Antes de poder começar a ser útil, é importante compreender como seu
amigo poderá sentir-se depois de um diagnóstico médico de moléstia grave.
Quanta coisa está acontecendo sob a superfície. Umas poucas pessoas
notáveis que conheci encararam a possibilidade da doença ou da morte com
grande calma. Mas a maioria se vê apanhada num tremendo conflito íntimo.
Isso aconteceu comigo. Em um momento eu estava com boa saúde, era
mãe de duas filhas excelentes, trabalhava ativamente e com muita alegria na
igreja presbiteriana de Newton, Massachusetts, onde meu marido, Monty,
era o novo pastor principal. No minuto seguinte minha vida inteira foi
arrancada de minhas mãos. Bastou um só diagnóstico.
Os pensamentos e sentimentos são imensos, pessoais e profundos. A
maior parte das pessoas acha terrivelmente difícil abrir-se. Permita que eu
descerre um pouco a cortina para que você tenha um vislumbre da situação.
Havíamos acabado de nos mudar da Califórnia e o outono estava
começando a surgir na Nova Inglaterra, colorindo as árvores de vermelho e
ouro. Meu marido trabalhara antes com a organização "Young Life", um
ministério para adolescentes, e a seguir exercera o Co-pastorado. Ele era
agora o líder de uma igreja e eu me achava ansiosa para ajudá-lo. Era o
nosso ministério.
Enquanto colocava o papel de parede em nossa nova casa, senti-me
cansada até os ossos. Meus músculos doíam como se tivesse me esticado
demais. Três meses antes o médico examinou-me e disse que minha saúde
era ótima, portanto considerei os sintomas como a tensão natural da
mudança.
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O inverno começou. Minhas filhas Susana e Marina, com doze e dez
anos, eram loucas pela neve. Nós subimos com os trenós até uma colina
bem íngreme perto de casa, mas quando fiz minha primeira "corrida", aos
trancos e barrancos ladeira abaixo, deitada de bruços, tive uma sensação
esquisita e pouco confortável.
Em março, o ponto dolorido e inchado não podia mais ser ignorado.
Fiz uma série de chapas de raios-X e o médico enviou-as para serem
examinadas por um especialista, o Dr. Peter Mozden. Uma consulta foi
então marcada.
Quando Monty e eu lemos a placa na porta do Dr. Mozden, ficamos
chocados. Ela dizia: "Cirurgião, Ginecologista, Oncologista". Um
especialista em câncer!
Na sala de espera, relanceei os olhos pelos outros pacientes, me
perguntando quais os que teriam "aquilo".
O Dr. Mozden nos mostrou as chapas reveladoras, evidenciando a
massa que parecia encher minha cavidade abdominal. Seu rosto era grave.
"Precisamos marcar imediatamente uma operação. De fato, vou
providenciar para que seja feita na próxima segunda-feira", disse com
firmeza, e eu sabia que não tinha escolha. "Talvez seja um cisto no ovário,
mas o tamanho indica a probabilidade de ser maligno."
"Maligno!" Procurei jogar essa palavra para longe de mim como se
fosse uma granada.
Nos dias que se seguiram, embora a dor crescesse, eu lutei para acreditar no
melhor. Mas na noite de quinta-feira o sofrimento tornou-se insuportável.
Monty ligou para um número de emergência. Aquela foi exatamente a cena
que eu temia.
Uma ambulância chegou com as luzes vermelhas piscando. Monty
acordou as meninas, que ficaram sentadas ainda meio adormecidas e
confusas, enquanto uma vizinha vinha correndo para ficar com elas. A
última coisa que vi quando colocaram minha maca na ambulância foi
Susana enrolada em sua colcha favorita enfeitada com bonecas, e me
olhando da janela do quarto de Marina.
Todo o resto foi sofrimento. Sentia a vida sair do meu controle.
Voltei a mim depois da operação. Um tubo gastrointestinal passava por
uma das narinas e irritava o fundo de minha garganta. Mexi-me um pouco e
na mesma hora o rosto de Monty aproximou-se do meu.
"Monty", consegui dizer com dificuldade por causa do tubo, "eu tenho
câncer?"
Não confiando em sua capacidade para falar, ele fez um aceno triste
com a cabeça. Depois seus ombros começaram a sacudir-se com soluços
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convulsivos.
Fechei os olhos e um peso enorme caiu sobre o meu peito.
Eu me achava sozinha no escuro, olhando para o teto vazio. Uma
enfermeira do turno da noite passou pela porta e tudo era silêncio. Monty há
muito fora embora, para ficar com as meninas.
A visita do Dr. Mozden na parte da tarde permanecia fresca em minha
mente.
"O câncer avançou bastante, até o estágio três. A massa se apegou a
todos os seus órgãos vitais, que seriam prejudicados se tentássemos uma
remoção cirúrgica."
Ele aconselhou quimioterapia imediata, agressiva — e depois explicou
as desvantagens. Valia a pena lutar, disse ele, mas a minha condição era
considerada "incurável".
Eu posso morrer. O pensamento ficou.
Eu nunca pensara muito na morte — não em relação a mim mesma.
Poucas vezes o raio da morte abateu-se suficientemente perto para assustar-
me com o seu trovão.
Quando eu estava na escola, uma colega que jogava basquete perdeu o
equilíbrio e caiu contra o vidro de uma porta divisória. O vidro quebrou e
um estilhaço comprido e estreito cortou a veia jugular dela. A menina
morreu quase instantaneamente.
Mais tarde, a morte chegou bem mais próximo. A mágoa e a perda
foram bem piores. Aos 77 anos, meu pai continuava sendo a pessoa
espirituosa, algumas vezes dogmática, mas sempre bondosa e santa que eu
sempre amara. Embora continuasse vivendo num pensionato na
Pensilvânia, ele se abatia a olhos vistos. Certo dia chegou o telefonema:
Papai morrera.
Meus irmãos e irmãs que moravam mais perto dele, foram encontrar-
me no aeroporto quando cheguei. Pouco antes do enterro encontramos um
bilhete inacabado para uma das irmãs de papai. Ele escrevera estas
palavras: "Acho que estou quase indo para casa".
E para casa ele foi. O pensamento confortou-me quando olhei seu rosto
pela última vez: Papai está em seu lar no céu.
Por algum tempo lutei com sentimentos tremendos de tristeza e perda.
Mas a minha fé finalmente me trouxe paz. Descansei no conhecimento de
que, para o cristão, a morte é a continuação de uma jornada incrível. Meu
pai se encontrava num lugar belíssimo, permanente.
Eu continuava ainda olhando para o teto, em meu quarto de hospital. A
enfermeira passou de novo pela porta, fazendo barulho com as solas de
borracha dos sapatos.
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Desta vez seria eu quem provavelmente seguiria para um outro "lar".
Mas eu não queria ir. Ainda não estava pronta.
Fragmentos de poesias voejaram em meu cérebro — "Crossing the
Bar" ("Cruzando o Horizonte") de Tennyson e "Ode to Immortality" ("Ode
à Imortalidade") de Wordsworth. Certos livros haviam também
influenciado minha idéia da morte. Procurei mentalmente as páginas das
obras de vários autores2 que falavam sobre o assunto. O conhecido escritor
C. S. Lewis referiu-se à morte como algo "lá no alto e bem distante". A
Bíblia naturalmente descreve as ruas de ouro de uma cidade eterna onde
não haverá lágrimas a serem derramadas.
A gravidade da Terra era incrivelmente forte — mesmo que as ruas de
ouro do céu estivessem esperando meus passos. É claro que eu queria
embarcar nessa aventura — algum dia. Mas não estava pronta para uma
passagem de ida sozinha.
Lágrimas quentes escorreram do canto de meus olhos, entrando em
meus cabelos. Deixar minha família era o meu ponto fraco.
Monty estava no auge do chamado de sua vida. Dezoito anos de
casamento nos haviam fundido — duas personalidades muito diferentes
numa só. Nosso amor amadurecera em conflito criativo. Éramos
inseparáveis. Como poderia eu deixá-lo no vigor da vida?
Escondida em meus pensamentos achava-se uma espécie de culpa
desolada. Estaria deixando Monty com duas filhas pequenas para criar. Só
o fato de pensar em Susana e Marina me fazia sofrer.
Susana tinha entrado numa verdadeira montanha russa de emoções
adolescentes. Marina já se mostrara independente, amando a vida em toda
a sua plenitude e com todas as qualificações para sobreviver. De um modo
estranho, eu me sentia mais tranqüila em deixá-la do que a Monty e
Susana.
Se pudesse apenas ficar com eles mais alguns anos — para facilitar
as coisas para todos. No momento em que comecei a negociar com Deus,
eu sabia que estava tentando conseguir vantagens para mim também.
Minha família era jovem, precisava do amor de uma mulher e eu queria
gozar da companhia deles.
Percebi que minha mão agarrava o trilho metálico ao lado da cama do
hospital. Inspirei profundamente a fim de relaxar a tensão.
E se ficar aqui doente, sofrendo e inútil para minha família? E se me
tornar um fardo para eles e não um prazer? Quero realmente que
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Livros citados pela autora: "The Secret Garden" de Francês Hodgson Burnett; "Hind's Feet
on High Places" de Hannah Hurnard; "Behold Your God" de Agnes Sanford; "Our Town" de
Thornton Wilder e A Vitima Batalha (a ser publicado pela A. B. U. Editora) de C. S. Lewis.
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interrompam sua vida, vindo ver-me noite após noite, observando minha
desintegração?
Uma decisão finalmente chegou. Não, resolvi, devo morrer depressa e
facilmente.
Meu conflito interno me desgastara. Um sentimento de depressão
pesado e negro pousou sobre mim quando consegui a muito custo
adormecer.
Deus felizmente já preparara alguns amigos que sabiam a maneira
certa de aliviar o grande peso que eu sentia esmagar-me.
3 Aprendendo a Ouvir
Ajudar uma pessoa amiga a abrir-se e falar sobre a sua doença é uma
das melhores coisas que você pode fazer. Da mesma forma que lancetar
uma ferida, isso exige firmeza e sensibilidade. Aprendi esta virtude pelo
modo mais difícil.
Vários anos antes de nos mudarmos da Califórnia para Newton,
Massachusetts, uma jovem amiga chamada Palmira que freqüentava nossa
congregação ficou com a doença de Hodgkin, um câncer do sistema
linfático. É claro que a palavra "câncer" me causava horror, pois significava
que ela podia morrer.
Certa noite, Palmira e seu filhinho de cinco anos vieram jantar
conosco. Ao ver o filho dela rindo e comendo ao lado de minhas filhas
despertou algo em mim. Não conseguia tirar de minha cabeça a idéia de que
ele logo ficaria órfão. De repente, senti toda a dor e medo que Palmira
devia estar sentindo.
Depois de acabarmos de jantar, as crianças foram para um outro
aposento da casa, enquanto Monty saiu para dar alguns telefonemas. Eu
enchi duas xícaras de café bem quente e ficamos sentadas comodamente na
sala de estar.
Imediatamente encaminhei a conversa para um assunto não
ameaçador. Nós duas ensinávamos inglês e me ouvi fazendo várias
perguntas inofensivas sobre a experiência de Palmira em nossa profissão. A
prosa eventualmente mudou para as alegrias da educação dos filhos e
finalmente para algumas matérias novas que seriam ensinadas nas aulas da
igreja.
Em meu íntimo, porém, a tensão crescia. Observando minha amiga,
ouvindo-a falar, as perguntas martelavam em minha cabeça. Eu desejava,
eu queria mesmo perguntar: "Palmira, como é realmente — a
quimioterapia, a luta de vida e morte que está sendo travada em seu corpo?"
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Mas as palavras ficaram presas em minha garganta.
Dentro em breve as crianças voltaram, interrompendo nossa calma.
Monty também voltou. Eu perdera uma oportunidade dada por Deus para
ajudar Palmira através de alguns conflitos difíceis e pessoais — auxiliá-la a
afirmar sua personalidade.
Jamais tive outra oportunidade. E precisei caminhar através de meu
próprio sofrimento para reconhecer meu erro. Agora que sou também uma
vítima do câncer, vejo-me freqüentemente face a face com a difícil tarefa
de evitar qualquer menção à minha doença a fim de deixar os outros à von-
tade, quando desejo intensamente que sejam francos comigo.
Há dias em que tenho vontade de falar sobre meus sentimentos, meu
tratamento, o aborrecimento de ficar deitada de costas no hospital, minha
preocupação com meu marido e filhas. Outros dias não consigo nem sequer
tocar na idéia de câncer. Eu nunca sei qual vai ser a minha disposição. Mas
gostaria se meus amigos me perguntassem diretamente sobre o que eu
gostaria de conversar.
De todas essas experiências, aprendi que é necessário algum preparo
antes de visitar uma pessoa doente.
Na maioria dos casos, temos de aprender a falar, abertamente, o nome
da doença. É mais difícil do que você pensa. No caso de Palmira eu deveria
ter praticado dizer "câncer" ou "doença de Hodgkin". Se as tivesse
pronunciado de antemão, elas não teriam ficado presas em minha garganta.
Por outro lado, é melhor evitar palavras como "fatal", que não deixam
espaço para a possível intervenção divina.
Felizmente para mim, fui também abençoada com alguns amigos
esplêndidos, cuja gentileza e interesse sinceros abririam o coração de
qualquer um.
Judite, por exemplo, me ensinou que não se precisa ser
necessariamente um amigo íntimo antes de poder aproximar-se de alguém
doente. Ela estava morando temporariamente em Boston, enquanto seu
marido terminava um curso de pós-graduação em odontologia nessa cidade.
Ela se envolvera rapidamente nas atividades de nossa igreja e recusou a
intimidar-se com o fato de que mal nos conhecíamos.
Numa visita que me fez certa manhã, Judite admitiu: "Não conheço
você muito bem. Não tenho muito a dizer, mas pelo menos posso escutar".
Essas foram justamente as palavras certas e ela mostrou-se fiel às
mesmas. Durante nossa conversa, deu-me atenção concentrada. Eu sabia
que ela estava comigo, que queria realmente ter uma noção de como as
coisas corriam.
Outro bom ouvinte e amigo valioso é Dennis Doerr, o pastor-assistente
de nossa igreja. Em suas muitas visitas, ele me forneceu especialmente duas
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chaves para a arte de ouvir.
Dennis veio ao meu quarto no hospital poucos dias depois de minha
primeira operação, antes do início de meu tratamento. Suas sobrancelhas
estavam levemente franzidas, dando ao seu sorriso amável um ar de
genuína preocupação. Ele ficou sentado na beirada da cadeira ao lado de
minha cama e eu sabia que Monty naturalmente lhe contara sobre o diag-
nóstico do médico.
Ele apertou minha mão num cumprimento rápido e delicado. A seguir,
amável mas diretamente, entrou logo no assunto.
"Betsy, como você está aceitando os resultados cirúrgicos?"
perguntou, curvando-se na minha direção.
Demorei a responder. Dennis ficou esperando com paciência, sem
passar apressadamente para outro tópico, por causa do embaraço que sentia.
Quando finalmente respondi, custou-me muito dizer tudo o que desejava
expressar — parcialmente porque me sentia cansada e também porque
estivera fazendo uma seleção entre uma porção de pensamentos diferentes.
Dennis continuou ouvindo com atenção durante todo o tempo que levei
para responder a sua pergunta… e foi muito tempo mesmo. Ele sabia que eu
precisava descartar tudo — os sentimentos confusos de esperança e
depressão — tirá-los completamente de meu sistema. Enquanto eu expunha
todo o meu "eu", os olhos dele jamais deixaram os meus.
Só depois que expliquei completamente minha peregrinação
emocional, foi que ele mudou para outro ponto importante:
"E como serão os próximos tratamentos?"
Pus-me de novo a falar. Ele ocasionalmente me interrompia e
perguntava alguma coisa enquanto eu explicava, tão vagamente a princípio,
o processo da quimioterapia. Até suas perguntas me mostravam que se
interessava sinceramente, que estava comigo.
Essa foi a primeira de muitas visitas que Dennis me fez. Ele sempre
parecia ter real interesse no que eu tinha a dizer.
Esta é a primeira prioridade na arte de ouvir. Não prepare uma
"agenda" antecipadamente.
Certa vez uma amiga mais velha veio ver-me. Ela me perguntou como
me sentia e antes de eu começar a responder, lançou-se imediatamente
numa história de vinte minutos sobre a visita que fizera aos netos. Ela havia
"preparado" essa história para encher o tempo comigo.
É importante então que você permita que o doente estabeleça a
agenda. Só levam alguns minutos para a pessoa perguntar sobre mim e
depois prosseguir antes que tenha respondido. Eu logo entendo, ela não
quer ouvir realmente o que tenho a dizer e portanto recuo.
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A segunda prioridade que aprendi com Dennis Doerr é como ouvir
com atenção. Isto exige contato visual direto e verdadeira concentração.
Significa seguir a corrente de pensamentos da pessoa — mesmo que ela
vacile.
Por exemplo, a doença grave confina muito. Sua amiga (ou amigo)
pode ter de ficar na cama num hospital ou em casa por longo tempo.
Quando você pergunta: "Como você está se sentindo?" a resposta pode
muito bem ser esta: "Aborrecida(o)".
Neste ponto, não mude a conversa para uma descrição egoísta de todos
os últimos filmes que assistiu e esportes ao ar livre que praticou.
Sonde o tédio da pessoa. Ela talvez gostasse de ler algumas revistas ou
fazer algum trabalho manual. Combine visitas com um grupo de amigos,
sem esquecer-se da vitalidade física limitada dela, dos regulamentos do
hospital e das necessidades pessoais da família. Em muitos casos, o tédio é
provocado apenas pela idéia de que a vida continuou sem você, que
ninguém se importa em estar a seu lado no lugar em que se encontra.
As emoções são um ponto importante sobre o qual seu amigo ou
amiga talvez queira falar. Não se esqueça que esse é um terreno delicado.
Algumas vezes as pessoas perguntam: "Como você se sente passando
por tudo isso?" Minha resposta poderia ser geral: "Miserável".
Num momento assim, amigos especiais ajudarão a especificar a
emoção como um primeiro passo para tratar com ela. No curso da conversa,
você pode perguntar: "A sua doença o torna zangado?" "Sente-se
solitário?" Perguntas que talvez abrissem mais ainda a porta poderiam ser:
"Qual a sua maior preocupação?" "Quais as suas maiores necessidades?"
É claro que os sentimentos não são apenas emocionais. Seu amigo
provavelmente estará passando por desconforto físico genuíno. Dor. Ouvir
a respeito dos detalhes físicos da doença pode ser duro, mas valorizo muito
meus amigos que permanecem "firmes, sem piscar".
Minha amiga Dina perguntou-me um dia: "O que você faz durante
todas essas horas de doença?" Ela talvez pensasse que eu iria falar sobre
leitura, mas precisei responder num outro nível.
Olhei bem nos olhos dela e respondi. "Quase sempre me arrasto
exausta para a cama. Algumas vezes durmo. Mais freqüentemente, só fico
deitada com os pensamentos correndo em minha cabeça e" — meus ombros
descaíram com a idéia desagradável da verdade — "tenho um novo ataque
de vômitos".
Dina balançou a cabeça, mas não esmoreceu. Senti que queria
verdadeiramente entrar em minha pele, compreender a intensidade de meus
tratamentos. De alguma forma, ela procurava identificar-se com a minha
fraqueza. Com delicadeza, falou: "Deve ser terrível sentir como se estivesse
14
sendo virada do avesso".
Depois que ela saiu, pensei que Dina poderia ter mudado facilmente a
conversa para um tema mais agradável. Mas manteve todos os comentários
egocêntricos fora dela, sabendo que haveria outras ocasiões para uma prosa
mais leve e amena.
Seu amigo pode também ocasionalmente ter um bom dia. As emoções
ficam sob controle, o espírito se mostra saudável e animado novamente, e
algumas doenças até regridem por algum tempo, como aconteceu comigo.
Todos ficam contentes por ouvir o doente dizer que está verdadeiramente
"bem".
Este não é novamente um sinal para você pôr-se a contar uma longa
história pessoal. Não encha o tempo com seus planos e conversa. Faça seu
amigo falar dos planos dele, ou dela. Talvez deseje ir a um salão de beleza.
Ou talvez queira conversar sobre como é agradável estar de volta a uma
rotina familiar normal. Poderia ser uma visita planejada à praia, uma noite
na cidade ou a ida a uma competição esportiva. Em qualquer caso, lembre-
se de que a agenda é do doente.
Nem todas, mas a maioria das pessoas que enfrentam uma
enfermidade grave tornam-se agudamente conscientes da dimensão
espiritual de sua vida. Seu amigo talvez nunca tenha pensado muito sobre
Deus, sobre a vida eterna ou sobre o seu próprio espírito antes de adoecer.
Ou quem sabe seu amigo já possua uma fé forte e viva. Em qualquer caso,
a doença é na verdade uma batalha espiritual — uma época de luta, indaga-
ção e descoberta, talvez pela primeira vez, da verdadeira força de sua fé.
Este é um, ponto tão importante para mim que dediquei dois capítulos
ao mesmo mais adiante.
Ao ouvir seu amigo, você pode descobrir uma outra possibilidade. Ele
talvez não queira falar sobre a sua doença ou assuntos pessoais profundos
de modo algum. Algumas pessoas acham difícil abrir-se. Outras só fazem
confidências seletivamente. Se for este o caso, não force a situação.
Conheci uma mulher chamada Rute que demonstrou um espírito
vibrante, positivo, durante sua luta com uma moléstia que eventualmente
tirou-lhe a vida. Todos nós que a conhecíamos e amávamos tiramos grande
proveito de sua personalidade alegre, que se manteve forte até o fim.
Alguns de nós, porém se preocupava com o fato de ela nunca falar de
sua morte iminente. Ela conversava sobre as dificuldades diárias e as dores
que sentia. Até conseguia dizer o nome de seu mal. Mas jamais
descobrimos o que pensava da morte, que sabíamos ser iminente para ela, a
não ser que acontecesse um milagre.
Discuti isto com meu marido certa noite e ele não ficou preocupado.
Como clérigo, Monty participava do Grupo de Recuperação de Cancerosos
15
ao qual Rute pertencia.
"Oh! ela fala bastante sobre a morte", assegurou-me ele. "Sente grande
paz a respeito. Rute compartilha seus sentimentos, mas como acontece com
tantas pessoas — ela faz isso seletivamente."
No contexto daquele grupo, minha amiga sentia-se à vontade para falar
com franqueza. Rute aparentemente não achava necessário incluir esse
elemento em suas amizades mais íntimas. No caso dela, se alguém tivesse
forçado o assunto, talvez causasse sofrimento e não cura.
Do outro lado da escala, uma amiga decidiu fazer perguntas até forçar-
me a ficarmos íntimas. Estou certa de que as intenções dela eram boas
quando se propôs ser minha confidente. No início, enquanto meus
pensamentos estavam envolvidos na aceitação da realidade de minha
doença, eu apreciei o interesse dela. Mas quando saí do hospital e fiquei
suficientemente forte para voltar às minhas atividades normais, não queria
mais falar do que se passara.
Todavia, toda vez que essa amiga me via, onde quer que estivesse, ela
se aproximava e eu me encolhia intimamente, pois tinha certeza do que ia
perguntar. Em meio à conversa mais alegre e descontraída a respeito de
culinária, de filhos, ou da igreja, ela fazia as mesmas indagações sombrias:
"Como você está se sentindo? Sua doença piorou?"
Fiquei aborrecida. Naquela época eu precisava de pessoas que me
tratassem, na medida do possível, como alguém cuja vida fosse normal,
produtiva, criativa, em separado da idéia de que eu estivesse ao mesmo
tempo lutando contra o câncer. Infelizmente, eu não era mais Betsy
Burnham para essa mulher, mas "a senhora que sofre de câncer". A minha
doença era a única coisa constante de sua agenda, embora não acontecesse
isso comigo.
Em resumo, ouvir é um dos primeiros e melhores passos para ajudar
seu amigo ou amiga a vencer as lutas emocionais, mentais e espirituais que
acompanham a moléstia. Um amigo que ouve enfrenta a seu lado os
conflitos íntimos, levando juntamente o seu fardo, transmitindo-lhe parte de
sua energia para que possa lutar pela vida.
4 Com o Coração
No livro de Eclesiastes, a passagem mais bela, encorajadora e citada
com freqüência é aquela que diz: "Tudo tem o seu tempo determinado, e há
tempo para todo propósito debaixo do céu" (Eçl. 3:1 — Sociedade Bíblica
do Brasil, Edição Revista e Atualizada no Brasil, 1969).
Nessa mesma passagem, o autor nos fala com sabedoria a respeito de
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um "tempo de estar calado, e tempo de falar" (v. 7).
O tempo que você passa com um amigo gravemente enfermo envolve
certamente mais do que ouvir. Ouvir é o primeiro passo e capacita você a
saber o que dizer. Essa atitude lhe dá o direito e o "tempo de falar".
As palavras mais significativas e tocantes que alguém me disse não
foram frases feitas, tais como: "Anime-se. As coisas vão melhorar". Isso
não adianta. Algumas de minhas amigas têm não só o dom de "ouvir com
atenção", como também de falar coisas saídas do coração.
Dorothy Jayne, uma amiga sábia e antiga, ensinou-me muito sobre
como unir esses dois aspectos necessários da amizade.
Quando ela soube de meu diagnóstico, Dorothy tomou o primeiro
avião para Boston. Dorothy, assistente social de psiquiatria e conselheira
familiar, tem sido um valioso apoio emocional para mim e meu marido
durante todo o nosso ministério.
Ela sentou-se ao lado de minha cama de hospital durante uma tarde
inteira e conversamos. Eu estava enfraquecida e só podia conversar durante
períodos curtos, falando de meus sentimentos sobre meu próprio futuro,
minha preocupação com Monty — e especialmente com Susana e Marina.
Encontrava-me exausta demais, tanto física como emocionalmente, para
compreender a maior parte do que ela me respondeu no começo.
Mas numa outra tarde mais tranqüila, Dorothy sentou-se ao lado de
minha cama refletindo sobre a vida dela. Tinha sido duro, mas os tempos
difíceis ajudaram a formar seu caráter cristão forte e sensível, que se
evidenciava sempre. De alguma forma ela sabia exatamente o que se
passava em minha mente naquele momento.
"Betsy, eu tinha treze anos quando minha mãe morreu de câncer",
Dorothy lembrou-me. Ela estendeu o braço e apertou afetuosamente minha
mão.
Eu já tinha ouvido a história da mãe de Dorothy uma vez. Como é que
me esquecera?
Essa mulher sábia e maravilhosa tinha sido amparada durante os seus
anos de adolescência pelo amor do próprio Deus. Se o Senhor pudera
moldar uma personalidade tão bela com o Seu amor, presença e poder — e
sem a ajuda de uma mãe — eu sabia que Ele poderia guiar minhas filhas
em Seu caminho perfeito da mesma forma.
Fiquei olhando nossas mãos entrelaçadas e de repente a força e o
caráter de Dorothy parecera estar entrando em mim, como se uma corrente
elétrica estivesse passando através de seus dedos para os meus. Eu sabia
que não era fácil para ela visitar-me e suportar as memórias da doença e
morte da própria mãe.
Meus olhos se encheram de lágrimas. O ministério de Dorothy para
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mim foi realizado nessa viagem. Meu espírito descansou, confiando
sinceramente em Deus naquele instante.
Mas não foram apenas os amigos mais chegados que tocaram minha
vida. Em nossa sociedade apressada, você pode não ter tido anos para
construir um relacionamento tão próximo como o meu e o de Dorothy. Até
uma amizade nova pode estender-se para alguém, dizendo a palavra certa
no momento certo.
Pouco depois da visita de Dorothy, uma enfermeira que começara a
trabalhar recentemente no andar veio apresentar-se. Ela era jovem e sorria
com uma radiância incomum, refrescante. Embora pudesse ter lido minha
ficha e sabido tudo que era "profissionalmente"' necessário sobre mim, ela
usou deliberadamente o seu tempo para perguntar sobre minha família e
meu tipo particular de câncer.
Falei-lhe brevemente sobre o diagnóstico médico e os tratamentos
projetados. É provável que tenha notado o tremor em minha voz ao falar
de minha família e da idade de minhas filhas.
Quando terminei, seus olhos bondosos continuavam ainda presos aos
meus. Falou a seguir com uma voz suave, nada ameaçadora.
"Minha mãe morreu quando eu tinha quinze anos. Foi difícil",
confessou, "mas conseguimos continuar. A família inteira precisou unir-
se. Dividimos o trabalho entre todos. Mesmo assim acho que tive uma
adolescência normal."
"Agora sou casada e tenho um filho. Sei que as coisas aprendidas
durante a doença de minha mãe — e depois que ela se foi — me fizeram
uma mãe, esposa e enfermeira melhores."
Ela não precisou dizer mais nada. Eu sabia que suas palavras eram
verdadeiras por estar demonstrando sua força de caráter e amor. Fiz
novamente uma oração agradecida e silenciosa a meu Pai celestial por
enviar-me uma pessoa com as palavras certas.
Ambas essas amigas transmitiram palavras saídas direto de seus
corações e isso fez toda a diferença.
Com cuidado, elas tocaram no assunto que mais ocupava meus
pensamentos — Susana e Marina, assim como o futuro delas.
Elas mostraram empatia e não apenas simpatia sentimental. As duas
tinham tido experiência com um lado da vida parecido com aquele que eu
atravessava, mas não procuraram pregar ou "animar-me"
superficialmente. Com franqueza e doçura, elas me fizeram lembrar que
mesmo na doença e perda, o mal pode ser transformado em bem sob os
cuidados e proteção de Deus.
Mas, suponhamos que você e sua família jamais experimentaram uma
luta prolongada com uma doença que apresente risco de vida. Isso não
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significa que não tenha qualquer ponto em comum com seu amigo doente.
O melhor, no entanto, é descobrir o nível em que você pode relacionar-se.
Lembre-se de que muitos sentimentos fazem parte da enfermidade:
solidão, medo, tristeza, inutilidade, culpa, ira, frustração. Todos nós
tivemos esses sentimentos algumas vezes e em intensidades variadas. Esses
são os pontos comuns a serem observados.
Talvez seu amigo deixe perceber que está temeroso a respeito de uma
cirurgia ou tratamento que terá de fazer. E talvez você já passou por isso
em relação à vida de um filho, cônjuge, pai, ou até mesmo a sua própria.
Tente então encontrar uma oportunidade para falar brevemente sobre a
experiência. Esteja preparado para responder sinceramente a quaisquer
perguntas e lembre-se de não manter o resto da conversa concentrado em
você.
Compreendo que este nível de comunicação não é fácil para alguns. Já
encontrei grande constrangimento nesta área de confidência, de coração
para coração. Algumas pessoas não estão acostumadas a mostrar suas
emoções, outras temem parecer vulneráveis ou fracas, menos que perfeitas,
ou sem domínio próprio.
Certa noite, um casal jovem de amigos veio visitar-me. Depois de
alguns momentos de conversa trivial, eles me perguntaram como tudo
estava indo.
Acontece que eu tinha acabado de receber algumas notícias
desanimadoras. Os tratamentos não estavam retardando o progresso do
câncer como tinha esperado. Não tive forças para ocultar meu desaponto.
Quando repeti o relatório médico, os olhos da mulher se encheram de
lágrimas, que escorreram pelo seu rosto. Ela começou imediatamente a
desculpar-se: "Eu não queria chorar desse modo. Sinto muito".
O marido dela ficou sentado nervosamente no peitoril da janela,
mudando de posição a cada segundo. Finalmente confessou: "Não sei o que
dizer. Estou completamente embaraçado".
Eles não tinham de dizer nada. Foram ver-me. Seu amor e interesse eram
manifestos. Assegurei a minha jovem amiga que ela poderia ter feito coisa
muito pior do que chorar na minha presença.
Os realmente infelizes eram aqueles que ficaram de longe, como no
caso de outro jovem amigo que se aproximou de mim há pouco tempo.
"Enquanto você esteve no hospital, eu queria ir vê-la", começou. Seu
rosto ficou então vermelho: "Mas não fiz isso porque tinha medo de
chorar."
Na verdade, nós todos somos uma combinação de forças e fraquezas.
Não estou sugerindo que você deva rebentar em lágrimas para mostrar a seu
amigo que se importa realmente, mas pode entrar nesse nível mais profundo
19
de amizade que algumas pessoas perdem quando negam ou suprimem suas
emoções.
As relações mais satisfatórias se desenvolvem quando você muda de
posição: em vez de ouvir fatos passa a ouvir sentimentos. As comunicações
mais profundas têm lugar depois que os detalhes do prognóstico, dos
tratamentos e dos sintomas são esclarecidos. Os sentimentos involuntários
podem então emergir como parte da conversa.
É claro que temos muito maior facilidade para ouvir e responder às
circunstâncias positivas, felizes. Tenho vários amigos maravilhosos com
quem posso conversar quando me sinto esperançosa, cheia de energia,
paciente ou alegre. E seu encorajamento sempre me anima. Mas são os
amigos especiais que sabem como reagir à minha ira, ressentimento,
desânimo, medo e tristeza.
Muitas pessoas, mesmo nossos amigos mais chegados, talvez achem
difícil responder às emoções negativas. O problema é que quase todos nós
fomos condicionados a dar respostas superficiais nos momentos mais
sensíveis. Bem na hora em que nosso amigo está passando por um período
duro e precisa ouvir de coração para coração, damos uma resposta formal.
Um dos exemplos mais vivos e infelizes disso foi no dia em que visitei
uma cristã que estava morrendo. Ela sofria muito e sua debilidade física era
extrema. No meio da conversa, uma mulher de nome Sônia entrou e ficou
aos pés da cama.
"Olhe, não se preocupe", disse ela. "Tudo vai acabar bem. O dia está
lindo lá fora. Basta você aprender a manter-se firme e pensar em coisas
agradáveis que logo voltará para casa, quando menos esperar.
Fiquei espantada com a reação da Sônia naquela hora e senti ao
mesmo tempo pena dela. Era evidente que nossa amiga não ia sair do
hospital. (De fato, em três semanas ela morreu.) Desde que a sua fé era
sólida, tudo ia acabar "bem" no sentido eterno. Mas no aqui e agora ela
sofria muito.
Para ser justa com Sônia, suponho que ela simplesmente não
conseguiu identificar-se com qualquer das emoções de nossa amiga naquele
momento. Mas seu forte otimismo prejudicou mais do que ajudou. Se não
conseguia participar da tristeza da amiga, talvez devesse apenas segurar-lhe
a mão ou massagear com delicadeza suas costas doloridas. Esses atos
simples de amor teriam comunicado muito melhor seu interesse do que
palavras vazias.
Tenha sempre em mente que as emoções positivas ou negativas devem
ser expressas e não reprimidas. Admita seus sentimentos e não tenha medo
de manifestá-los.
Só o fato de saber que meus amigos se importam verdadeiramente
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comigo e compartilham de minhas emoções oscilantes, tem freqüentemente
renovado minha determinação e vontade de lutar, nos momentos em que
conviver com a doença se torna difícil.
Não quero de modo algum negar com isso que se possa também
transmitir força emocionalmente. A família de seu amigo doente pode achar
extremamente difícil enfrentar as emoções variáveis dele, por estar
demasiado envolvida na situação. No caso de as pessoas mais chegadas não
conseguirem controlar-se emocionalmente, seu amigo talvez venha a preci-
sar de todo o seu apoio e encorajamento.
Eu soube de um caso triste em que um jovem amigo teve de valer-se
apenas da ajuda emocional de estranhos quando os médicos lhe
participaram suas suspeitas de que seu caso era de leucemia.
O rapaz morava sozinho, tendo saído de casa para trabalhar no seu
primeiro emprego depois da faculdade. Um cansaço cada vez maior foi o
primeiro sinal de advertência, que ele ignorou. Em seguida os gânglios de
sua garganta incharam e doeram durante bastante tempo. Ele consultou o
médico, esperando ouvir dele que estava com alguma infecção sem
gravidade.
Quando os médicos fizeram o diagnóstico, esse jovem não contou a
ninguém de sua família durante meses, embora tivesse logo pedido orações
e apoio de amigos cristãos recentes — pessoas que mal conhecia. Ele
explicou a coisa assim:
"Minha mãe é muito preocupada, a vida inteira ela foi desse jeito.
Quando as coisas ficam pesadas, a saúde de mamãe se agrava e ela começa
a sangrar internamente. De repente, temos de cuidar da saúde dela além do
problema que estamos enfrentando.
"Decidi que agüentaria sozinho enquanto pudesse, sem contar a minha
família, a fim de não ter de suportar também a tensão emocional dela."
Os amigos cristãos felizmente o convenceram de que era importante
que a família soubesse do caso dele, quaisquer que fossem as
conseqüências. A ajuda desses amigos foi muito importante, fazendo com
que ele pudesse enfrentar a sua doença e um problema complexo com os
pais, que já existia há bastante tempo. Eles compartilharam das emoções
dele, compreenderam os seus sentimentos sobre a família e o encorajaram
quando teve de passar por uma experiência duplamente difícil.
Como é belo e agradável ouvir as palavras animadoras de um amigo
— alguém que fala com o coração!
Existe ainda um nível mais profundo, mais essencial, em que seu
amigo pode precisar de auxílio. Estou falando do espírito. O espírito de
uma pessoa é muitas vezes comparado a uma fonte de água. Ele pode ser
uma fonte jorrando alegria e força interior, ou no caso de uma doença
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grave, pode até vir a secar.
6 A Oração da Fé
"Suas visitas estão aqui", anunciou a enfermeira da porta, com um tom
de impaciência na voz. Ela encaminhou-se para o corredor, observando
com desaprovação meus cinco amigos, enquanto antes entravam no quarto.
"Oi, Betsy." Eles rodearam meu leito, cumprimentando-me um a um,
com um toque; sorrisos, um beijo de leve no rosto. Um olhar de excitação
passou entre nós, agora que todos os "conspiradores" se achavam reunidos.
Fora necessária uma permissão especial para os cinco amigos serem
admitidos no quarto ao mesmo tempo. Vizinhos e amigos da igreja tinham
me visitado continuamente e eu estava ainda me recuperando de uma
operação grave, tentando recobrar as forças antes de uma série de
tratamentos. Não era de admirar que as enfermeiras se sentissem inseguras
com esse novo fluxo de visitas.
Além disso, aquela não era uma simples reunião social. Esses amigos
tinham ido visitar-me para orar, pedindo minha cura de um câncer maligno.
Alguns meses antes eu teria olhado com desconfiança para o nosso
grupo. Alguns de meus amigos íntimos tinham ficado gravemente enfermos
e começado a orar pedindo uma cura completa. Mas eu só podia orar no
sentido de eles terem alívio de sua dor, resistência para suportar e paz
interior apesar das circunstâncias. Eu relutava em passar além dessas
coisas, pensando que estivessem realmente doentes demais para
restabelecer-se. Nem mesmo a oração tinha poder para ajudar numa
situação desse tipo, pensava.
De repente, era eu quem estava confinada a um leito de hospital.
Minha posição era tão pouco confortável quanto à daqueles amigos que eu
não tinha esperança que sarassem. Agora era a minha vez de perguntar a
Deus: Como devo reagir? O Senhor vai me curar?
Cura física hoje? No século vinte? Minha esperança era pouca.
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Veio então a cirurgia e o diagnóstico: câncer. Senti de súbito um
desejo pessoal e intenso de ser curada.
Esse grupo de amigos se reunira junto à minha cama para orar. No
passado, cada um me contara sobre uma cura física que acontecera com
eles pessoalmente ou que testemunhara em relação a uma pessoa amiga. Na
ocasião ouvi o que diziam sem dar muita atenção.
Observando-os, porém, agora, fiquei atenta a cada palavra. Eles
começaram a orar, cada um por sua vez.
"Senhor", começou um deles com voz suave, mas cheia de fervor,
"penetra em cada célula e tecido do corpo de Betsy com a tua luz e poder.
Dissolve esse tumor inoperável."
E assim por diante.
No dia seguinte despertei com uma sensação de bem-estar. Uma nova
energia parecia correr através de cada nervo e fibra de meu corpo. Até um
dos médicos notou a mudança em mim.
"Betsy, não sei por que, mas tenho a sensação de que você vai
recuperar-se", disse ele, parecendo confuso com esse "sentimento" vago.
Recebi eventualmente alta do hospital e fui para casa, embora os
tratamentos de quimioterapia continuassem. Eu jamais duvidei disso, como
sendo uma contradição à minha fé. Deus nos abençoou com o progresso
cada vez maior da ciência médica. Sei que os médicos administram os
remédios e tratamentos, mas sua eficácia está nas mãos de Deus. E Ele
pode curar independentemente dos médicos e seus tratamentos. E Ele faz
isso algumas vezes.
Quando minha quimioterapia começou, descobri que estava banhada
em um tipo diferente de tratamento vital — o tratamento da oração.
Na primeira crise de minha doença, senti-me realmente animada com a
idéia de que minha família na igreja formara uma vigília de oração a meu
favor. Seu amigo pode estar enfrentando horas sombrias de insônia, como
aconteceu comigo e os meus. Há também os exames penosos e enervantes,
seguidos de horas ou dias intermináveis de espera pelos resultados. Surgem
os sentimentos de dúvida e medo — todos os pensamentos e emoções que
já descrevi. Como é, porém confortante saber que a cada hora do dia ou da
noite, um amigo está orando por você.
Uma vigília de oração é fácil de arranjar.
Você pode estabelecer certos limites de tempo. Talvez a sua igreja ou
grupo de oração ache melhor dedicar um período de 24 horas, uma semana
inteira ou um dia por semana à oração intercessória. Cada pessoa escolhe
então uma hora certa — talvez quinze, trinta ou sessenta minutos durante
essa vigília — quando ela se encarrega de orar pelo seu amigo, tomando a
si o fardo de amor.
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Uma variação disto é a "corrente" de oração. Ela pode operar como um
sistema nervoso vivo, transmitindo energia a muitos cristãos
simultaneamente para o ato de orar. O plano é também muito simples.
Uma pessoa pode fazer o papel de contato entre a família de seu amigo
ou o ministro. Quando surge uma crise, o contato chama outra pessoa, que
telefona para outra e assim por diante. É melhor que todos mantenham uma
lista de nomes e números telefônicos dos membros da corrente, no caso de
seu contato não estar disponível. Nesse caso, você simplesmente chama o
próximo nome da lista. Verifique também se cada elemento está disposto a
receber telefonemas a qualquer hora do dia ou da noite, se necessário.
Quando amigos, espalhados pelos Estados Unidos e Europa, souberam
de minha doença, eles formaram grupos de oração para interceder a meu
favor. Esses amigos se reuniam muitas vezes com cristãos desconhecidos
para mim — completos estranhos. Eu não podia compreender tal amor,
interesse e gasto de tempo por parte de amigos, e muito menos de
desconhecidos. Quantas vezes chorei de alegria ao pensar num amor que
jamais soubera existir. Como isso é bom, consolador e animador!
Além do benefício pessoal, eu sentia que algo maravilhoso acontecia
igualmente com esses amigos.
Uma carta de um amigo tocou-me especialmente, mostrando como
você pode começar a identificar-se com alguém doente. Ela dizia:
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freqüência cansada, ou doente, depois dos tratamentos de câncer. Outras
vezes estávamos em meio de um período especial em família. Eu gostava
dos amigos que telefonavam antes e por sua bondosa -compreensão quando
percebiam que uma visita não seria conveniente.
Como disse no capítulo anterior, você, pode visitar seu amigo com
uma idéia de como gostaria de encher o tempo, mas deixe a "agenda" para
ele ou ela. As necessidades são muitas vezes diferentes daquelas que
esperamos encontrar.
Dependendo das limitações físicas de seu amigo, você pode sugerir
vários tipos de ajuda.
Talvez seu amigo possa começar finalmente a sair depois de uma longa
convalescença. Você faria bem então se oferecesse levá-lo para fazer
compras, para almoçar fora ou para assistir a uma peça de teatro. A
oportunidade de sair do confinamento será grandemente bem-vinda, esteja
certo disso.
Ofereça-se para escrever cartas e responder à correspondência,
enquanto ele dita. Se seu amigo for tão afortunado quanto eu em receber
cartas, ele ou ela podem precisar deste tipo de ajuda. As cartas pareciam
rolar para dentro de meu quarto, crescendo a cada dia como um
formigueiro. Eu sabia que a maior parte desses amigos interessados que
haviam escrito, não estavam "esperando" que eu respondesse. Mas queria
muito que soubessem de minha condição e como poderiam orar por mim.
Você pode até levar papel para tomar notas ou cartões com esse propósito.
Um passatempo que eu apreciava era quando alguém lia para mim. Eu
tinha condições para ler a maior parte do tempo, mas era tão agradável
ouvir a voz de outra pessoa. Muitos enfermos ficam fracos demais para ler.
Sugeri em outro ponto deste livro algumas passagens bíblicas que podem
dar ânimo ao doente. Monty e eu encontramos também vários livros que
nos foram de grande ajuda.
O brilhante livro A Última Batalha (a ser publicado pela A.B.U.
Editora), que conclui a série "Crônicas de Nárnia" de C. S. Lewis, tem um
lugar especial em meu coração. Monty com freqüência lê partes desse
pequeno e belíssimo livro para outros amigos que estão gravemente
enfermos ou enfrentando a morte. Seu efeito em mim é uma evidência de
que lê-lo para seu amigo pode fazer muito mais do que simplesmente
encher o tempo.
Eu estava ouvindo a história de novo outro dia, depois de tê-la lido
antes para minhas filhas. Quando o livro termina, os personagens principais
vêem a terra mudar, maravilhosa e misteriosamente diante de seus olhos. As
cores se tornam mais verdadeiras, mais belas, vibrantes e vivas. As árvores,
rochas e flores se tornam mais "sólidas" do que nunca antes. Eles caminham
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para uma nova terra gloriosa, "mais alta e mais distante", na verdadeira
Nárnia. Compreendem então, de súbito, que morreram, tendo passado sem
perceber de uma para outra vida.
Enquanto ouvia essas cenas fascinantes, senti-me profundamente
comovida. Foi um momento significativo e uma passagem importante que
muito me ajudou a aceitar a possibilidade de minha própria morte.
Essas são apenas algumas sugestões para você estender-se, ajudando
seu amigo de maneiras práticas. Você irá sem dúvida descobrir seus
próprios métodos de servir. O mais importante de tudo é que estará dando
de si mesmo — e seu amigo receberá tal coisa como um tesouro
inestimável.
8 Distância
Pouco antes de sua crucificação, Jesus estava ceando com Seus amigos
quando uma mulher timidamente aproximou-se dEle. Os discípulos ficaram
intrigados ao vê-la tirar das dobras do manto um precioso frasco de
alabastro — sua dádiva de amor ao Mestre.
Sem dizer palavra, ela abriu seu precioso tesouro e a fragrância exótica
do óleo de nardo — cujo preço superava o salário de um ano — envolveu a
cabeça de Jesus.
Um ato impulsivo? Os discípulos eram dessa opinião e se queixaram
do desperdício. Extravagante? Claro que sim. Mas o amor dessa mulher por
seu Mestre e Amigo valia mais para ela do que seus bens mais preciosos.
Eu já senti o mesmo tipo de amor extravagante sendo "derramado"
sobre mim por amigos e famílias que moram distantes. Vinte e quatro horas
depois de minha primeira cirurgia e diagnóstico chocante, três amigos da
Califórnia cruzaram o país para ficar a meu lado. Um outro amigo da Costa
Oeste veio ajudar-me quando voltei do hospital. Minha irmã viajou de um
outro Estado para prestar auxílio, e o mesmo fizeram a cunhada e os pais de
Monty.
O amor mostrado por eles envolveu grande sacrifício e nos sentimos
tremendamente gratos. Viajar não é fácil, pois envolve dinheiro e tempo.
Nossos amigos deixaram suas famílias, empregos, igrejas e planos pessoais
de lado; eles gastaram centenas de dólares. Sua extravagância comigo
elevou meu sentimento de auto-estima, dando-me a vontade de lutar contra
a morte.
Em nossa sociedade sempre em movimento, não é difícil que amigos
chegados vivam a milhares de quilômetros de distância. Nossa carreira,
educação e ministério podem levar-nos a amizades chegadas, fortes, e
depois nos afastar para extremidades opostas do país.
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A distância não precisa impedir você de ajudar seu amigo doente.
Viajar para vê-lo é apenas um dos meios em que pode mostrar seu interesse
sincero. Telefonemas e cartas são outras maneiras de provar-lhe que está
apenas longe da vista, mas não fora de sua mente e coração.
Para aqueles cujas finanças, responsabilidades familiares e empregos
são suficientemente flexíveis para permitir que viajem, existem algumas
perguntas a serem feitas antes de se porem a caminho.
Primeiro, esta é uma ocasião conveniente para uma visita? Entre em
contato com seu amigo e sua família para averiguar. Vários fatores podem
afetar sua decisão.
Por exemplo, seu amigo pode estar recebendo tratamentos para a
moléstia, como aconteceu comigo, que o deixam em desconforto físico.
Não é fácil aceitar a presença até mesmo do amigo mais querido ou parente
favorito quando você se sente exausto ou nauseado. Uma visita inesperada
pode ser decepcionante tanto para você como para seu amigo se a ocasião
não for adequada.
Por outro lado, sua presença no momento certo irá dar-lhe
oportunidade para ajudar seu amigo pessoalmente de maneira positiva.
Uma amiga da faculdade, a quem eu não via há anos, telefonou
avisando que viria à Nova Inglaterra para uma conferência profissional. Ela
estava ansiosa por ver-me, mesmo que isso implicasse em fazer um desvio
de centenas de quilômetros de seu destino. O momento era oportuno: eu me
sentia mais forte e aceitei sua bondosa oferta de uma visita.
A estada dela foi refrescante para mim. Ela não viera para "fazer"
nada, apenas para gozar de nossa amizade e renovar meu espírito. O tempo
dela era o meu. Ficamos até tarde da noite relembrando os dias da
faculdade, rindo — e chorando um pouco. Lembramos também os dias em
que passeávamos pelas ruas tortuosas, calçadas com pedras, de algumas
vilas de pescadores no Litoral Norte. Aquilo era justamente o que eu
precisava, uma oportunidade para "ligar-me" de novo a uma amiga íntima
que fazia parte de meu passado despreocupado.
Outra pergunta que precisa fazer é: Onde vou ficar?
Hospedar-se em casa de seu amigo pode ser inconveniente por várias
razões. Durante períodos de doença, as famílias parecem necessitar de uma
medida extra de privacidade. Outras visitas de pessoas de fora podem ter
sido também já programadas. Você talvez tenha de hospedar-se em outro
lugar ou marcar sua visita para uma outra ocasião.
Uma terceira e importante pergunta será: Por que estou indo?
Você pode ter uma mensagem específica de encorajamento, uma
orientação de Deus para fazer uma oração de cura, ou o desejo de servir.
Essas são razões válidas para visitar. Talvez você sinta também o impulso
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urgente de estar próximo de seu amigo. Se quiser vê-lo por obrigação ou
culpa, é melhor esperar até que tenha um outro motivo. Em qualquer caso,
ter um objetivo definido em mente pode ajudar você a ser uma força
estabilizadora numa situação em que as vidas foram repentinamente
interrompidas e a rotina entrou em colapso.
Posso lembrar-me ainda dos momentos maravilhosos que ocorreram
quando aquelas pessoas próximas de meu coração, mas distantes de minha
porta vieram cuidar de mim em minha enfermidade. A força íntima que
recebi ao apreciar o seu amor vale muito, muito mais do que o dinheiro que
gastaram.
Se uma viagem for impossível, você pode pôr de lado a cada semana
uma quantia extra para pagar por um chamado interurbano. Muitos dias
longos, monótonos e penosos se transformaram quando ouvi a voz de uma
pessoa amiga do outro lado do telefone. Fico surpresa ao pensar como um
simples telefonema pode fazer tanto, e agora não mais ignoro esses
empurrões interiores do Espírito para estender a mão e chamar pelo telefone
alguém em necessidade.
Pelos chamados que recebi e os que fiz, aprendi alguma coisa a
respeito de visitas pelo telefone.
Muitos dos que me chamavam, logo iam perguntando: "Esta é uma
boa hora para conversar, ou você gostaria que eu telefonasse outro dia?"
Eram pessoas sensíveis, permitindo que eu deixasse a conversa para outra
ocasião caso estivesse com outra visita, me sentisse doente ou cansada por
causa do tratamento, ou a enfermeira estivesse cuidando de mim. Quando
eu não podia chegar até o aparelho, elas simplesmente transmitiam uma
mensagem de amor e encorajamento através de Monty, de minhas filhas, ou
de quem quer que respondesse ao telefone. Cada mensagem desse tipo era
um novo tijolo no muro de apoio que meus amigos estavam construindo.
Caso seu amigo possa responder ao chamado, é melhor estabelecer o
objetivo de seu telefonema imediatamente. Você está querendo notícias
sobre o seu estado de saúde? Está oferecendo tempo ou ajuda numa área
específica de necessidade? Talvez sua mensagem seja apenas: "Amo você e
estou orando a seu favor".
É melhor não ficar falando interminavelmente, mantendo uma
conversa unilateral. Este tipo de chamado é difícil de suportar mesmo
quando estamos nos sentindo bem; mas é muito mais cansativo e aborrecido
quando doentes. Você pode lembrar de ocasiões em que não podia terminar
a conversa, porque a outra pessoa não tomava tempo nem para "respirar".
Com delicadeza, você pode dizer logo de início: "Se ficar cansado, me
avise. Se eu estiver falando alguma coisa e você tiver de interromper a
conversa de repente, não vou aborrecer-me".
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Para mim, é da maior importância transmitir encorajamento caloroso e
afetuoso durante uma visita por telefone. As emoções negativas como ira,
raiva ou depressão podem ser expressas em outra ocasião e de outra
maneira. Seu telefonema será mais útil se fizer assentar o pó emocional em,
lugar de levantá-lo.
Não quero dizer com isso que as emoções e ansiedades devam ser
ocultadas. Mas em lugar de uma explosão de sentimentos ao telefone, é
melhor expressar-se numa carta — ou em muitas se necessário. Algumas
das cartas que recebi são lidas e relidas, permitindo-me assimilar tudo o que
está sendo dito, pensamentos positivos ou negativos. Elas me ajudam repe-
tidamente.
As cartas que Monty e eu recebemos nos surpreendem pelo seu
volume. Cada uma tocou-nos de forma diferente. Gostaria de compartilhar
com você alguns trechos breves e as várias maneiras como nossos amigos
nos encorajaram.
Betsy, obrigado pelo sorriso que enruga o canto de seus olhos, pelo
amor que você tem expressado por tantos amigos. Obrigado por ser
apenas Betsy.
Monty, obrigado pelas longas horas de estudo e trabalho que têm
estimulado você a prosseguir no serviço do Senhor.
Afetuosamente, Ed
9 Meu Marido
Escrevi até agora aos amigos da pessoa doente. Todavia, meu amigo
mais íntimo e verdadeiro é meu marido, Monty.
Ninguém participa mais do tumulto e dificuldades que acompanham
uma doença do que o marido ou esposa. Da mesmo forma, ninguém tem
maior oportunidade do que um cônjuge de tocar e aliviar as dores
profundas, interiores.
Monty e eu já tínhamos um relacionamento positivo, maduro, quando
descobri que estava com câncer, pois havíamos passado anos polindo
algumas das asperezas em nosso casamento. Mas até mesmo um bom
relacionamento pode ficar tenso na batalha diária pela vida. Nós
conhecemos essas lutas por ter enfrentado juntos o desafio. O apoio de
Monty tem sido tão vital para mim como as inúmeras horas de cuidados e
tratamentos médicos — e de muitos modos, mais delicado, mais assíduo, e
mais paciente.
Acredito que o ponto de vista de Monty possa ser útil àqueles cujo
marido ou esposa esteja gravemente enfermo.
A doença de Betsy tem sido um cadinho em que cada aspecto de nosso
casamento tem sido provado cruelmente. Quando prometemos ser fiéis um
ao outro "na doença e na saúde", jamais suspeitamos que esse voto seria
posto realmente à prova. A maioria das pessoas não passa por isso.
Uma das grandes diferenças em nosso relacionamento depois de Betsy
ficar doente foi que tudo intensificou-se — nossas necessidades, atitudes
boas e más, falhas de comunicação, pontos fortes e fracos de caráter, tudo
manifestou-se como se sob a lente de aumento de um telescópio. Se uma
fraqueza se revela, você não pode dar-se ao luxo de varrê-la para baixo do
tapete de uma vida doméstica ocupada ou carreira, para ser tratada mais
tarde. Você é obrigado a tratar das coisas difíceis na hora, e vale à pena.
De maneira geral, comecei a aprender como nunca antes como ser
sensível, sincero e como apoiar minha esposa.
A maior carência de sensibilidade pode surgir em relação à auto-
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imagem de seu cônjuge. A doença muitas vezes provoca a incapacidade
física. A aparência exterior também pode mudar extremamente, em especial
nos casos em que são necessários certos tratamentos médicos.
Quando Betsy iniciou a quimioterapia, fomos avisados de que um
efeito colateral seria provavelmente a queda do cabelo. Aos poucos, seu
cabelo escuro e crespo começou a ficar mais ralo e ela manifestou sua
profunda ansiedade a esse respeito a mim e a alguns amigos. Uma dessas
senhoras sensíveis apareceu em nossa casa um dia com três caixas.
Sentando-se no sofá, ela removeu a tampa e mostrou três perucas novas ele-
gantes.
"A loja permitiu que trouxesse esses modelos para você experimentar",
explicou. "Se gostar de alguma, poderei pagá-la quando levar as outras de
volta."
Esse ato simples ajudou Betsy a resolver a mudança em sua aparência.
Essa mulher fez com que não se ocultasse do mundo, mas tomasse as
providências necessárias para ajustar-se e continuar caminhando. O ajuste
não foi porém fácil, como pensei a princípio.
Depois de anos de casados, eu sabia as coisas que devia fazer —
quando era hora de ser sério, romântico, engraçado, ou quando não fazia
mal arreliá-la. Todavia, os limites diminuíram em alguns casos e precisei
redefinir certos aspectos de nossa relação.
Por exemplo, Betsy gosta geralmente de brincar, aceitando uma
caçoada melhor do que muitas pessoas que conheço. Num momento de
frivolidade certa manhã, eu coloquei a peruca nova dela na cabeça e
comecei a fazer graça com nossas filhas. Foi um erro de cálculo penoso.
Betsy era extremamente sensível quanto à reação das meninas sobre
uma "mãe que estava ficando calva". A peruca era uma lembrança sempre
presente de sua perda. E sem qualquer intenção, eu havia cruzado a linha de
uma área onde caçoar não era mais engraçado, mas machucava.
Respeite as sensibilidades de seu parceiro. Eu continuo a aprender
ouvindo e jamais conjeturando, a fim de descobrir onde as novas "linhas"
foram marcadas — o que é ameaçador, o que pode ser discutido
abertamente, quais as necessidades e desejos especiais que devo perceber.
A sensibilidade anda de mãos dadas com a sinceridade. Achamos de
grande valor separar um período de tempo especial para uma troca de idéias
sincera, completamente franca.
Para nós dois, a parte da manhã, bem cedo, é quando nos apoiamos em
travesseiros na cama — com um bule de café fresco na mesinha de
cabeceira — e apenas conversamos. Sempre que puder, separe um horário
regular em seu dia para conversar e ouvir o seu cônjuge. Comentários feitos
às pressas ou de passagem se perdem facilmente e às vezes não são bem
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compreendidos. O tempo que investimos paga muitos dividendos no sentido
de união — mesmo quando se trata de assuntos difíceis.
Durante um de nossos momentos de descontração, Betsy fez uma
pergunta que a preocupava grandemente. Ela queria saber como me sentia a
respeito dela — com uma grande cicatriz atravessando seu abdome e cabelo
ralo e grisalho.
Fiz uma pausa, tomando um gole de café e aproveitei esse momento
para compor minha resposta. Como conheço Betsy, sabia que ela desejava
sinceridade e não adulação — queria também segurança.
Olhei-a nos olhos e respondi: "Querida, gostava mais de você com
cabelo e sem a cicatriz — tenho de admitir isso. Mas amo você do mesmo
modo."
À sua maneira típica, Betsy prosseguiu no assunto. "Desde que fiquei
doente, sei que tem sido duro para você — sexualmente, quero dizer. Penso
que suas necessidades sexuais não estão sendo verdadeiramente satisfeitas,
não é?"
Respondi de novo à franqueza completa dela com sinceridade. "Não,
minhas necessidades físicas não têm sido satisfeitas", e continuei com a
mesma honestidade, "Mas, Betsy, você sabe que há mais coisas em nosso
casamento do que o relacionamento físico."
Mencionei rapidamente as coisas que gostava de fazer com ela. Nós
dois gostamos de explorar as fascinantes vilazinhas antigas na zona rural
próxima à nossa casa. Relaxar junto à lareira é outro prazer compartilhado e
muitas noites foram passadas conversando, ao som de uma música suave
como pano de fundo. Muitas vezes lemos livros juntos em voz alta.
Continuamos também dormindo na mesma cama, mesmo durante as partes
piores da doença. Assegurei-lhe de que isso seria assim, acontecesse o que
acontecesse.
Betsy sentiu-se realmente mais segura e aprendi então duas coisas: A
honestidade é necessária e seu cônjuge pode ressentir-se se você ocultar ou
"adoçar" a verdade; todavia, uma segurança firme é igualmente importante.
Descobri também que é possível discordar sinceramente. Não é
incomum que as divergências do casal se concentrem em volta da própria
luta pela vida.
Durante os períodos mais difíceis, quando a quimioterapia deixou
Betsy bem mal, ela queria interromper a luta e permitir que o câncer
ganhasse a parada. Tive então de ficar firme e insistir que não desistisse.
Nossos papéis às vezes se inverteram. O desejo de Betsy lutar mostrou-se
forte, justamente quando eu estava prestes a desistir depois de observar
durante meses o sofrimento intenso da pessoa que amo.
Você deve lembrar nessas ocasiões que é o corpo e a vida de seu
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cônjuge que estão em jogo e não o seu. Por mais que discordássemos,
sempre assegurei a Betsy que estaria cem por cento com ela quer decidisse
continuar lutando contra a doença ou não.
As pessoas no geral tentam evitar outra questão, quando a completa
franqueza seria muito melhor. A pessoa gravemente enferma precisa talvez
falar sobre a morte — não de maneira abstrata, mas de sua própria morte.
Não se trata de histeria ou melancolia, mas de uma, necessidade
psicológica, espiritual e emocional verdadeira. Não prestamos serviço
algum à pessoa a quem amamos sinceramente, quando lhe damos um
tapinha na mão e dizemos, "Oh! não fale em morrer — isso não vai
acontecer com você!"
Certa vez a doença de Betsy piorou, percebi um olhar diferente,
longínquo em seus olhos, senti uma calma interior profunda e sabia que
desejava falar. Através de comentários anteriores, compreendi que ela
pensava muitas vezes na morte e até em seu próprio funeral — e suspeitei
que esses pensamentos estivessem de novo em sua mente.
"Betsy", disse eu, acomodando-me aos pés da cama e falando
gentilmente, "você já pensou no tipo de enterro que quer ter? Quero
realmente saber quais os seus desejos."
Ela tinha mesmo idéias definidas — nada de um funeral no sentido
estrito da palavra, mas uma "celebração da ressurreição" depois do
sepultamento, e ela havia também escolhido hinos favoritos e certas
passagens consoladoras. O modo de Betsy falar sobre a possibilidade de
morrer não foi de maneira alguma mórbido, mas um desabafo saudável.
Nós também conversamos sobre outros assuntos sensíveis, sempre que
um de nós sente necessidade disso. Para Betsy, a educação de nossas filhas
é naturalmente uma preocupação enorme. Alguns pais têm dificuldade em
"soltar" os filhos. Considere como seria então difícil pensar em que talvez
não pudesse estar presente para ajudá-los a crescer. Como todo pai ou mãe
amorosos, Betsy tem esperanças e sonhos que quer ver realizados para as
filhas. Compartilhar os mesmos pensamentos comigo ajuda a aliviar a dor
da idéia de que ela talvez não veja essas esperanças concretizadas.
Ao falar das filhas, Betsy ocasionalmente é levada a falar de um novo
casamento para mim, no caso de sua morte. Da primeira vez que ela
expressou este desejo, eu imediata e automaticamente afirmei que essa
possibilidade não entrava de modo algum em meus planos futuros. Em vez
de mostrar-se consolada pela minha mostra de dedicação e amor, ela ficou
um pouco espantada.
"Monty", replicou, "o maior elogio ao nosso casamento seria seu
desejo de ter uma nova união feliz. E quero que nossas filhas possam gozar
do amor materno."
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Você pode aprender também a dignificar os desejos de seu cônjuge,
ouvindo-o e não simplesmente interrompendo-o por temor de magoá-lo ou
por constrangimento.
Outro ato de amor é afirmar seu cônjuge, dedicando-se a aprofundar
seu relacionamento conjugal e encorajando o outro a alcançar seus alvos
pessoais.
Na medida do possível, procuramos não nos concentrar na doença de
Betsy. Não é possível escapar ou negar sua realidade, nem tentamos isso.
Mas se não tivermos cuidado, podemos perder horas preciosas de amor,
experiências felizes e realizações, permitindo que a doença domine cada
pensamento quando acordados. Para nós, a vida é um dom grande demais
para desperdiçar um dia sequer em auto-piedade.
Alguns casais erradamente "desistem" quando se trata de fortalecer seu
relacionamento. A dedicação conjugal jamais é tão necessária quanto nessas
ocasiões em que a doença se abate sobre um dos cônjuges.
Já mencionei nossas conversas de manhã enquanto tomamos café, os
passeios pelo campo e as noites ao pé do fogo. Também fomos a um
"Encontro de Casais" — um fim de semana de atividades orientadas, como
dizem os folhetos recebidos, no sentido de melhorar o casamento. Fomos
encorajados a falar dos pontos positivos e negativos que víamos um no
outro e a renovar nosso compromisso de amor. Quando terminou o
encontro, sentimos um desejo sincero de esforçarmos ainda mais para
amadurecer juntos. Para os casais que têm normalmente dificuldade em
expressar seus sentimentos mais profundos, existem muitos seminários
deste tipo que podem ajudá-los.
Nós todos temos também propósitos e sonhos. Betsy sempre foi meu
melhor crítico e melhor advogado durante o meu ministério. Eu agora a
encorajo igualmente na realização de alvos específicos, atingíveis — como
escrever. A compra de uma máquina elétrica, portátil, concretizou o
objetivo de Betsy de escrever um livro para ajudar outros.
Em todas essas coisas podemos afirmar o valor da vida, dos
relacionamentos íntimos, dos sonhos significativos que Deus introduziu em
nossos corações.
Embora este capítulo tenha sido escrito principalmente sobre a relação
marido-mulher, quero dizer algo' sobre o apoio externo ao seu casamento.
Alguns casais pensam que não devem "sobrecarregar" outros com seus
problemas, quando o amor e força dos amigos são mais necessários.
Durante os dois primeiros anos dá doença de Betsy, nós nos reuníamos
todas as semanas com um grupo de apoio composto por oito pessoas. Elas
permitiam que falássemos com sinceridade sobre os nossos sentimentos —
nossos momentos alegres e nossas derrotas — e oravam conosco durante as
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nossas crises. Esses amigos afetuosos que nos apoiaram tanto, nos
estimularam em muitos pontos em que nossa capacidade de enfrentar a
doença ou nossa confiança em Deus se enfraqueceu.
Se você ou seu cônjuge não se sentirem à vontade em falar de seus
sentimentos mais íntimos a um grupo, recomendo que procurem um amigo
chegado com quem possam falar com toda sinceridade.
Em resumo, fique em contato com seus sentimentos. Permita a si
mesmo o direito de sentir-se ferido, zangado, solitário ou deprimido. Estou
perfeitamente cônscio do desejo de ser "forte" por causa de nosso cônjuge,
mas também conheço o valor de ter um amigo em quem confiar quando
preciso colocar em perspectiva meus pensamentos antes de compartilhá-los
com Betsy.
Passei por períodos de agonia intensa durante a doença de minha
mulher, mas isso me fez sentir um amor ainda mais profundo por ela e um
respeito total pela sua coragem. De fato, a tenacidade de espírito de Betsy
não só ajudou a todos os que a conhecem a crescerem espiritualmente,
como também foi transferida para as páginas deste livro.
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removido de sua carne. Posso agora receber também a resposta de Deus:
"Minha graça te basta".
Enquanto procurava sair de minha decepção, queria que meus amigos
me cercassem mais do que nunca — que andassem comigo através do
caminho da mágoa e desespero. Eu sabia que deviam estar cansados de
orar, esperar, encorajar, manter um sorriso no rosto enquanto me visitavam.
Mas tinha certeza de que se reuniriam à nossa volta e ajudariam novamente
a carregar meu fardo emocional.
Minhas esperanças quase foram destruídas.
Não houve na verdade nenhuma redução nos cartões, cartas, pessoas
para limpar a casa ou fazer refeições — e eu me sentia grata por esse tipo
de auxílio contínuo. O que mudou dramaticamente foi a atitude. Alguns
entravam e saíam quase sem dizer palavra. Poucos perguntavam sobre a
cirurgia e um número menor ainda queria saber como eu me sentia por den-
tro. Eu não podia na verdade culpar ninguém, mas senti-me abandonada
num pântano sombrio de emoções vacilantes.
Eu não estava porém totalmente abandonada.
Algumas semanas depois da terceira operação, estava de volta ao
hospital para alguns exames, a fim de ver se meu corpo tinha condições de
suportar mais tratamentos de quimioterapia. Zangada, cansada e confusa, eu
queria deixar de lado os testes e voltar para casa com Monty. O que queria
realmente era desistir.
Fiquei olhando para o teto branco e estéril do quarto quando minha
amiga Greta chegou. Mal a olhei, nem sequer sorri. Quando ela me disse
como ficara triste com as notícias recentes, comecei a chorar copiosamente
e a queixar-me. Ela já passara por isso comigo outras vezes.
Greta ficou ouvindo até que eu acabasse, depois tentou consolar-me.
Achava-me tão deprimida que quase não dei atenção ao que dizia. Afinal de
contas, nem eu mesma estava mais gostando da minha própria companhia,
por que ela iria gostar?
Depois de uma visita breve, ela levantou-se para sair. Com gentileza,
tomou minha mão nas suas. Com um olhar amigo e afetuoso, ela assegurou-
me: "Betsy", estarei sempre aqui se precisar. Basta avisar-me o que posso
fazer".
Fiquei olhando enquanto saía e de repente ouvi outra mensagem nas
palavras que dissera. Uma voz macia soava em meus ouvidos, falando
diretamente ao meu coração. Ela dizia: "Lute, Betsy! Não desista. Você tem
amigos que ficarão a seu lado — porque vale a pena lutar por você!
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Fiz um esforço e agarrando o trilho ao lado da cama, sentei-me. Ondas
de coragem me envolveram como se uma vida nova tivesse surgido em meu
íntimo. Eu até me senti fisicamente mais forte.
"Vou fazer mais quimioterapia. Vou lutar!" Mais uma vez meu espírito
renovou-se, elevando-se no amor dos amigos que se interessavam o
bastante para ficar comigo nas horas mais difíceis.
Só o amigo muito especial se aproxima quando a estrada fica áspera e
comprida demais. Seu amigo talvez esteja sofrendo há muito, muito tempo,
sem um fim da doença em vista. Ou talvez o fim esteja claro, dentro de
semanas ou meses. Se você estiver disposto a fazer essa longa jornada,
quero encorajá-lo com outra passagem bíblica escrita pelo apóstolo Paulo:
"O amor é paciente, é benigno… O amor… tudo sofre, tudo crê, tudo
espera, tudo suporta. O amor jamais acaba… Agora, pois, permanecem
a fé, a esperança e o amor, estes três: porém o maior destes é o amor."
(1 Coríntios 13:4,7,8,13 — Sociedade Bíblica do Brasil, Edição
Revista e Atualizada no Brasil, 1969.)
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