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GUARDA COMPARTILHADA DE ANIMAIS DOMÉSTICOS: POSSIBILIDADES E LIMITES ANTE A AUSÊNCIA NORMATIVA BRASILEIRA

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Núbia Cristina Pinto Félfili
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Stela Velter Pacheco
RESUMO
O objetivo do presente artigo é trazer à tona um tema inovador decorrente das novas configurações familiares, as quais abrangem o avanço envolvendo sua
composição e a importância dos animais de estimação no seio familiar. Deve-se levar em consideração os óbices que ainda existem, quando se trata da aplicação
do instituto da guarda compartilhada aos casos concretos envolvendo dissolução conjugal dos tutores de tais animais, os quais, dentro dessa nova configuração
familiar, acabaram por tornar-se como verdadeiros membros, alvos de disputa judicial. O presente artigo abrangeu justamente a possibilidade de aplicação do
instituto da guarda compartilhada, ordinariamente atribuída à tutela de crianças, em casos envolvendo a titularidade de animais domésticos. Sua elaboração tem
por base pesquisas bibliográficas, estruturada em artigos já elaborados a respeito do tema, livros, legislação vigente, bem como casos e decisões envolvendo o
assunto, sobre as quais o judiciário já se manifestou.
Palavras-chaves: Família. Guarda compartilhada. Casamento. Animais de estimação. Dissolução conjugal.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo é fruto de pesquisa bibliográfica realizada acerca da possibilidade de aplicação do instituto da guarda compartilhada aos animais de
estimação, após eventual dissolução do vínculo conjugal de seus tutores.É sabido que, na grande maioria dos lares brasileiros, tem-se ao menos um bichinho de
estimação, por quem a família nutre especial carinho e atenção, não podendo, portanto, passar despercebido aos olhos da ciência jurídica, levando-se em
consideração ainda toda a transformação pela qual a sociedade e, consequentemente, as famílias, passaram, fato que contribuiu para seu desenvolvimento até os
dias atuais.
É importante salientar que o referido tema ainda não encontra disposição legal no ordenamento jurídico brasileiro, contudo sua existência é inegável e
reflete no contexto familiar. Justamente por isso o presente artigo demonstrou de qual forma poderá ocorrer, buscando atender aos interesses e necessidades dos
animais e de seus donos, sem ferir o sistema jurídico brasileiro. Ressalta-se que a proteção jurídica de tais seres vem se mostrando como uma necessidade,
especialmente após a Constituição Federal de 1988, a qual trouxe em seu texto proteção legislativa ambiental, abrangendo tanto a flora, quanto a fauna.
O presente artigo apresenta como objetivo principal realizar a análise da aplicabilidade do instituto, o qual corriqueiramente é atribuído à tutela de
crianças, emcasos envolvendo a titularidade dos animais domésticos, bem como possui objetivos específicos voltados à examinar o status jurídico dos mesmos em
nosso ordenamento e levantar a importância das relações afetivas criadas entre os donos e seus pets. Quando o casalse separa pode surgir a dúvida de quem irá
ficar e ser responsável pelo animal, e a guarda compartilhada, nesse contexto, pode se mostrar eficaz, solucionando a lide. Outrossim, o referido tema apresenta
uma contribuição científica, uma vez que pouco se fala ou tem publicações sobre o mesmo, além de possuir uma contribuição social demonstrada em razão dos
fortes vínculos formados no núcleo familiar.
Quanto ao método de pesquisa utilizada no presente artigo, foi a explicativa, visando explanar os motivos, efeitos e as causas relativas ao tema
proposto, bem como buscando compreender como é possível a utilização prática do tema apresentado. Ademais, foi utilizada a pesquisa bibliográfica, com base
em artigos já elaborados a respeito do tema, livros, dissertações e legislação vigente. De modo geral, o artigo em questão traz o enfoque de como a justiça
brasileira pode atuar, a fim de sanar litígios envolvendo o referido tema, sem deixar de lado as responsabilidades e interesses dos animais, devido as demandas
cada vez mais consideráveis que podem se sujeitar à tutela jurídica
2 CONCEITUAÇÃO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FAMÍLIA
Historicamente a família existe desde a antiguidade, inclusive até mesmo antes de o homem se estabelecer em comunidades, podendo dizer que se
constituía por um grupo de pessoas relacionadas a partir de um ancestral comum ou através do matrimônio. É necessário salientar a importância da família, pois
“já se disse, com razão, que a família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social.”
(GONÇALVES, 2011, p. 17).
Falar em família e em suas relações é trazer à baila noções de Direito de Família, o qual é “de todos os ramos do direito, o mais intimamente ligado à
própria vida, uma vez que, de modo geral, as pessoas provêm de um organismo familiar e a ele conservam-se vinculadas durante a sua existência [...]”
(GONÇALVES, 2018, p. 303). Conforme já mencionado a família constitui o sustentáculo da sociedade, o seu alicerce, e devido a isso possui uma proteção
especial do Estado, cuja importância pode ser visualizada quando se observa atentamente o art. 226, da Constituição Federal, o qual se refere a ela como sendo
justamente a “base da sociedade”, merecendo destaque:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.


§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

1
UNIVAG – Centro Universitário. Área do Conhecimento de Ciências Sociais Aplicadas. Curso de Direito. Aluno (a) da disciplina TCC II, turma DIR 15/1A. E-mail – nubiafelfili@hotmail.com.
2
UNIVAG – Centro Universitário. Área do Conhecimento de Ciências Sociais Aplicadas. Curso de Direito. Mestre, Orientador (a). E-mail –stelavelter@terra.com.br.
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§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.


§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal,

competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de
instituições oficiais ou privadas.
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito
de suas relações. (BRASIL, 1988).

Portanto, conforme salienta Cunha (2010) a família, para a ciência jurídica, se respalda na organização social estruturada a partir de laços
sanguíneos, jurídicos ou afetivos.
Na antiguidade a família se constituía sob os ordenamentos e autoridade de um patriarca, membro este que exercia sobre as mulheres e filhos o
chamado pater famílias, ou seja, o poder de comandar a família e tomar todas as decisões, atraindo para si a liderança da entidade familiar. Segundo Gonçalves
(2011, p. 31) “a família era, então, simultaneamente, uma unidade econômica, religiosa, política e jurisdicional.”
No entanto, com o passar dos anos, a evolução da sociedade e o progresso econômico aliado à globalização, novas configurações familiares foram se
destacando, ganhando espaço e ampliando a sua forma de se constituir, até chegar na realidade que hoje está se vivenciando.
Para Costa (2016, p. 5) “[...] a ideia de família sofreu significativas mudanças tendo como grande marco a igualdade de direitos entre homens e
mulheres”. O casamento deixou de ser baseado apenas no poder do homem em comandar a família, e passou a ter as mulheres como chefes e líderes, as quais
deixaram de ser submissas e passaram a ter voz, tomando frente em suas próprias decisões. Conforme preleciona Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 32):
Só recentemente, em função das grandes transformações históricas, culturais e sociais, o direito de família passou a seguir rumos próprios, com as
adaptações à nossa realidade, perdendo aquele caráter canonista e dogmático intocável [...] (GONÇALVES, 2011, p. 32).

Dentro da seara dos novos moldes familiares, os animais de estimação, inclusive, foram tornando-se parte e diversas famílias optaram por possuí-los,
tratando-os como filhos e verdadeiros membros de tal entidade. Assim, pode-se inferir que “as famílias começaram a ter mais autonomia para buscar seus
interesses e, principalmente, desenvolver sua personalidade e afeto” (JUNIOR, 2018, p. 11).
Bem como a família, o casamento também ganhou novos contornos e vêm se adaptando aos novos moldes e costumes da sociedade, e diante de tal
versatilidade, tornou-se bastante comum e com trâmites mais céleres, o que admite sua rápida consumação.
Consequentemente, nesse contexto, a dissolução conjugal acabou por tornar-se mais flexível, dentro das aspirações que são exigidas pela atual
sociedade. Com a finalidade de atender as situações de dissolução do vínculo conjugal, o divórcio é o método legal adequado, com o condão de dissolver o
casamento válido. Contudo, é importante destacar as considerações tecidas por Costa (2016, p. 8), de que:
Após o divórcio e todas as modificações pelas quais a família sofre inicia-se uma nova etapa de adaptação à nova realidade. Afinal os vínculos

conjugais se extinguiram, mas certas responsabilidades ainda perduram entre os ex-cônjuges como compartir da guarda de filhos ou até mesmo de
animais de estimação. (COSTA, 2016, p. 8).

Nesse sentido, percebe-se que é inevitável não se levar em consideração o fato de que diversas famílias, na atual configuração social, possuem em seu
meio animais de estimação, que passaram a fazer parte de suas vidas e com os quais estabeleceram vínculos afetivos intensos, revelando transformações
significativas no cotidiano de ambas as espécies.
2.1 AS RELAÇÕES DE AFETO ENTRE OS SERES HUMANOS E OS ANIMAIS
Sabe-se que a relação do homem com os animais, principalmente os de estimação, vêm desde as eras mais antigas, intensificando-se a cada dia. Os
animais de companhia estabeleceram um vínculo afetivo recíproco com seus donos, os quais hoje em dia, em muitos casos, não conseguem visualizar suas vidas
sem eles.
Inicialmente salienta-se que os vínculos afetivos nada mais são que “elos de ligação – emocional e relacional – que unem dois ou mais indivíduos, ou
duas ou mais partes dentro de uma pessoa” (CARRÃO, 2017, p. 26).
Dessa forma, a convivência do homem com seus animais de estimação evidenciou que essa relação é baseada no sentimento e no preenchimento de
laços afetivos, os quais vão além da companhia, estimulando mudanças no comportamento e estilo de vida das pessoas, proporcionando melhoras na saúde física e
psíquica do ser humano, bem como em seu bem estar. O afeto ganha espaço, então, como um elemento agregador.
Conforme destaca Tartuce (2014) “tornou-se comum, na doutrina contemporânea, afirmar que o afeto tem valor jurídico ou, mais do que isso, foi
alçado à condição de verdadeiro princípio geral.”
Ainda, de acordo com o que diz Junior (2018, p. 24) acerca de tal relação afetiva, é importante ressaltar:
Hoje, podemos dizer que os animais ocupam um espaço muito importante dentro do núcleo familiar. Em muitos lares, são considerados como um
membro da família, e isso não é de hoje, pois, se analisarmos a evolução da sociedade humana, podemos notar que a relação entre animais e

humanos é muito antiga. Essa afinidade entre animais e humanos fez com que os animais não se aproximassem somente do homem, mas que
também virassem dependentes dele. (JUNIOR, 2018, p. 24).

No princípio, o papel dos animais nas famílias diferenciava-se do que hoje em dia é, tais seres eram apenas utilizados para auxiliar o homem nas suas
atividades laborais ou cotidianas, não possuíam a importância afetiva que atualmente exercem em grande parte das entidades familiares. No entanto, ao correr dos
anos, tal configuração foi se modificando e os animais, “ao invés de serem vistos como um objeto que poderia ser domesticado e que poderia servir ao homem e
ajudar nos afazeres, começaram a fazer parte da vida e dos lares dos seres humanos.” (JUNIOR, 2018, p. 24).
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Destaca-se, outrossim, que tais seres contribuem não apenas como companhias do cotidiano familiar, mas também devido a sua interação com os
seres humanos, são capazes de captar sentimentos, percebendo o humor de seus tutores, contribuindo assim para uma melhora na qualidade de vida daqueles os
possuem sob a sua guarda.
Nesse viés, interessante mencionar o que expressa Marina Carrãoacerca de tais características:
Estudos mostram que os animais de estimação podem captar sentimentos, expectativas e intenções e, por terem o olfato bastante apurado e
capacidade de captar frequências inaudíveis para o homem, eles percebem também alterações químicas do organismo humano, possibilitando
identificar o humor, saúde e estado geral. (CARRÃO, 2017, p. 27).

Destarte, é possível inferir que a convivência com animais de estimação nos mostra a capacidade de compartilhar e respeitar o próximo, além de
estimular melhoras no aspecto da saúde.
Ademais, é sabido que tais animais e os seres humanos apresentam diversos aspectos em comum, não apenas a capacidade de retribuir afeto, mas
também aspectos físicos e psíquicos semelhantes, como por exemplo, desejos por comida, conforto emocional, sentem medo, dor e até mesmo sofrimento. Dessa
forma, diz-se que os animais são seres sencientes.
Santos (2014) afirma que ser senciente consiste na capacidade que os animais apresentam de sentir e ter consciência, ou seja, manifestam felicidades,
anseios, pensamentos, dor e também tristeza. Ainda declara a autora que tal capacidade é comumente presente nos animais vertebrados, os quais são aqueles que
possuem sistema nervoso central, bem como os seres humanos.
Diante disso, vislumbra-se diversas semelhanças que aproximam e tornam ainda mais fortes as relações afetivas com os humanos e em seus núcleos
familiares.
2.1.1 Família Multiespécie
Com as novas configurações familiares, impulsionadas pela globalização e transformação recorrente da sociedade, foi necessário considerar um novo
modelo de familiar constituído não só pelo casal e seus filhos, mas também por um membro que a cada dia que se passa vem sendo encontrado nos núcleos
familiares e sendo tratado como verdadeiro componente: o animal de estimação.
Como bem se sabe, sua relação com os seres humanos foi se estreitando ao longo dos anos e continua ocorrendo com mais frequência. Nos dias de
hoje os vínculos formados são tão expressivos que muitas famílias não veem suas vidas sem considerar um animal doméstico ao lado. Conforme preleciona Júnior
(2018, p. 19):
Atualmente, o vínculo afetivo é tão grande que os animais domésticos são tratados como filhos por seus donos, que os levam ao veterinário,
fazem festa de aniversário, compram roupas, dão-lhes carinho e outros cuidados, ou seja, como se fossem qualquer membro da família. (JUNIOR,

2018, p. 19).

Faz-se mister salientar que em muitos casos, o casal opta por não possuir filhos, e dessa maneira ao adotar e/ou adquirir um cão ou um gato, acaba
aflorando por estes um amor incondicional, e que em uma eventual dissolução conjugal, ao se ver longe do animal, por quem cultivou tanto carinho, pode chegar a
desenvolver quadros de depressão, ansiedade e demais patologias emocionais.
Júnior (2018, p. 20) também desenvolve ideia ao esclarecer que “[...] hoje, vivemos não somente fisicamente mais próximos dos animais, mas, como
convivemos diariamente com eles, a relação entre homem e bicho vem fazendo com que estejamos mais apegados emocionalmente a eles”.
Nessa esteira, surgem as chamadas famílias multiespécies, as quais caracterizam-se por ser aquelas que vão além das constituídas por pais e filhos,
sendo formadas por pessoas que identificam e legitimam seus animais de estimação como integrantes do núcleo familiar. Podendo defini-las ainda como aquelas
que integram tanto membros humanos, quanto não humanos, estabelecendo entre si a convivência baseada no respeito e na formação de laços afetivos.
Diante desse cenário, a ciência jurídica não pode ficar alheia, devendo estar atenta à dinamicidade do direito, e consequentemente, às mudanças que
advém com ela. Logo, nota-se que:
Com o número de animais nas casas crescendo paulatinamente e esses animais sendo considerados membros da família, mais especificamente

“filhos”, é mais que esperado que haja demandas judiciais relativas à custódia de animais de companhia, tais como na dissolução de união estável
ou do vínculo conjugal e pelo número de casos que têm como objeto a guarda ou até prestação de alimentos para os animais de estimação.

(CARRÃO, 2017, p. 20)

De tal forma, percebe-se que tais demandas envolvendo a titularidade dos animais de companhia só tendem a crescer, e com tal crescimento, chegam
até o crivo do Judiciário, exigindo um posicionamento para melhor solucionar os litígios.
Em relação ao grande volume dos pets nos lares, Arias (2015, apud JUNIOR, 2018, p. 20), preconiza que:
De cada cem famílias, 44 criam, por exemplo, cachorros e só 36 têm crianças até doze anos de idade. Contando os gatos e outros animais o

número sobe para cem milhões. Segundo o IBGE, as famílias brasileiras cuidam de 52 milhões de cães contra 45 milhões de crianças. E a
tendência indica que haverá cada vez mais espaço nas casas para os animais e menos para os filhos. [...] O mercado em torno dos novos filhos de

quatro patas que move, a cada ano, no Brasil a cifra de 16 bilhões de reais. [...] Esse crescimento do interesse das famílias brasileiras pelos
animais, a quem se devota muitas vezes um carinho igual aos dirigido às crianças, explica também o interesse cada vez maior dos políticos por

aprovar leis a favor de seus direitos, como os cemitérios personalizados, as clínicas veterinárias gratuitas para as famílias menos abastadas, ou
uma maior liberdade de movimentos nas cidades para que esses animais possam circular nos meios públicos de transporte. Ou também uma maior
permissividade para que os animais possam visitar seus donos nos hospitais.
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Assim, vislumbra-se que a família multiespécie é uma modalidade em ascensão, e ao analisar as atuais configurações familiares, tem-se a certeza de
que o elemento afetivo é a sua base, aquilo que os une, tornando-se deveras importante ao mundo jurídico.
2.2 STATUS JURÍDICO DOS ANIMAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Por mais que se saiba que os animais, tanto quanto os humanos, são seres sencientes, possuindo consciência e sentimentos, a legislação em vigor lhes
trata como coisas, colocando-lhes na posição de bens móveis, com definição dada pela redação do art. 82 do Código Civil, que dispõe “são móveis os bens
suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social” (Brasil, 2002), por isso são
classificados como semoventes, ou seja, aqueles que possuem a capacidade de mover por si mesmos.
Infere-se, portanto, que o ordenamento jurídico brasileiro preocupa-se unicamente com os interesses do ser humano, colocando os animais como
objetos. Entretanto, são seres que distinguem-se dessa concepção, pois, conforme já mencionado, possuem sentimentos, capacidade de sentir alegria, dor, medo,
saudades, dentre outros.
Ao serem tratados como coisas, diante de uma dissolução do vínculo conjugal, o Poder Judiciário têm encontrado entraves ao tratar do assunto, tendo
em vista que o animal “confunde-se ao patrimônio do casal, igualando-se a uma casa ou a um carro [...]” (JUNIOR, 2018, p. 21). Contudo, na maioria dos casos,
são vistos e tratados como verdadeiros membros, não podendo ser divididos como se uma simples coisa fossem. Diante desse cenário, o casal, ao se separar,
enfrenta dificuldades para estabelecer quem irá ficar com o animal sob sua guarda, precisando, então, do auxílio do judiciário a fim de solucionar a lide.
Insta salientar que, a atual Constituição Federal, apesar de não determinar direitos fundamentais aos animais, nem modificar sua natureza jurídica,
prevê que estes devem ser protegidos, estendendo tal proteção também ao ecossistema, conforme se observa do teor do art. 225, §1º, VII, da referida Magna Carta:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

[...]
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de

espécies ou submetam os animais a crueldade. (BRASIL, 1988).

Na mesma esteira, com intuito de garantir o direito dos animais, sua defesa e bem estar, foi aprovado, no ano de 1978, em Bruxelas, pela UNESCO, a
Declaração Universal dos Direitos dos Animais, diploma que conta com 14 artigos voltados a estabelecer os parâmetros para se respeitar, garantir o mínimo de
dignidade e tutelar a vida selvagem, assegurando, assim, a continuidade da referida espécie para as presentes e futuras gerações.
Faz-se necessário comentar que, no sistema jurídico brasileiro, apesar de não possuir legislação que regule de forma específica, tramitou na Câmara
dos Deputados o Projeto de Lei nº 1058/2011, o qual encontra-se atualmente arquivado, de autoria do deputado Ubiali (PSB-SP) e que dispõe a respeito da
aplicação da guarda dos animais domésticos em casos de dissolução litigiosa do vínculo conjugal dos seus possuidores, e dá outras providências. Tal Projeto de
Lei foi uma tentativa de regulamentar o tema, a fim de trazer ao ordenamento jurídico uma solução mais categorizada.
Ainda, outro Projeto de Lei de nº 1.365/2015, de autoria do deputado Ricardo Tripoli (PSDB-SP), foi também uma tentativa de regulamentar o
assunto, mais precisamente tal Projeto de Lei, foi um aprimoramento do já mencionado PL 1.058/2011, mas que, da mesma forma, encontra-se arquivado. Ambos
os projetos almejam regular a guarda do animal, levando em consideração o caso concreto, bem como aquele cônjuge que tem condições e disponibilidade de
cuidar, visando, acima de tudo, o bem estar para o animal.
Hanna (2015) salienta que não há como negar o aspecto sentimental do qual os animais são dotados, e que, inclusive, alguns países europeus já
modificaram suas legislações, a fim de não mais considera-los como simples coisas, como é o caso da Alemanha, Suiça e Áustria.
Assim, evidente o reconhecimento, ainda que de forma branda, da mudança de padrão e do papel social que os animais estão ocupando na vida e no
cotidiano das pessoas.
2.3GUARDA COMPARTILHADA NO BRASIL
A guarda, no âmbito do direito de família, é um instituto através do qual uma pessoa fica responsável por um menor de 18 anos de idade ou que não
possua capacidade de abastar suas necessidades.
No direito brasileiro, se apresenta sob as formas unilateral e a compartilhada. Há ainda a existência da modalidade alternada, mas que não está
disposta em lei, tratando-se apenas de uma corrente doutrinária. A compartilhada, bem como a unilateral encontram respaldo no Código Civil, mais precisamente
no art. 1.583, que assim dispõe:
Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.

§ 1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda
compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao
poder familiar dos filhos comuns.
§ 2º Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo

em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.


§ 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos.

[...] (BRASIL, 2002).


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Compreende a guarda compartilhada como aquela que ambos os genitores a exercem, de forma equilibrada, com a função precípua de atender aos
interesses dos filhos e da melhor maneira possível.Ambos os cônjuges exercem direitos e deveres para com os filhos, evitando o máximo possível de desgaste para
os mesmos, uma vez que estão passando por um período conturbado.
Nessa modalidade a “criança tem o referencial de uma casa principal, na qual vive com um dos genitores, ficando a critério dos pais planejar a
convivência em suas rotinas quotidianas e, obviamente, facultando-se as visitas a qualquer tempo” (GONÇALVES, 2011, p. 295).
Entende-se, então, que tal modalidade de guarda pode ser determinada tanto por consenso, quanto por determinação judicial.
Segundo Costa (2016), a modalidade compartilhada da guarda é muito bem vista pelos doutrinadores, uma vez que objetiva determinar o convívio de
forma equilibrada e partilhada.
É importante frisar que durante os anos, o direito de família, passou por grandes evoluções e, simultaneamente, procurou novas fontes e formas de
guarda, com a finalidade de atender as necessidades decorrentes de tal evolução e dinamicidade. Assim chegou-se ao que é hoje, apesar das constantes
modificações, que não podem e nem devem passar despercebidas.
2.4 A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA AOS ANIMAIS DOMÉSTICOS NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO
Conforme já exposto, os animais de estimação tem ganhado espaço nas famílias como verdadeiros membros, as quais foram se moldando e
modernizando, trazendo consigo a figura dos animais domésticos para dentro do seio familiar.
Diante dessa nova configuração, quando um casal se separa e possui dentro do seu círculo familiar um animalzinho, decidindo então “brigar” por
este, surge a possibilidade de aplicar o instituto da guarda compartilhada, a fim de resolver tais litígios. O Poder Judiciário viu-se com a necessidade de encontrar
soluções que realmente pudessem satisfazer as partes, pois as demandas envolvendo o referido tema foram chegando e se mostrando, e sabe-se que, por serem os
animais considerados seres com capacidade emocional, estão suscetíveis a sofrer com a separação de seus tutores e com o fim da vida que levavam juntos.
Ademais, apesar de ser uma situação incomum, tem se tornado corriqueira em face ao grande número de animais de estimação nos lares brasileiros.
Acerca de tal possibilidade, explana Júnior (2018, p. 35):
A guarda compartilhada ocorrerá quando o exercício da posse responsável for concedido a ambas as partes, sendo que o animal ficará com quem

tenha mais condições para criar e, também com quem possuir maior intimidade com o pet e a outra parte terá direito a passeios e a visitas, ou seja,
o pet não será tratado como um bem divisível, não podendo ser alvo, inclusive de qualquer modalidade de negociação dele por qualquer uma das
partes. (JUNIOR, 2018, p. 35).

Vislumbra-se, assim, que, bem como ocorre na guarda compartilhada de uma criança, o casal teria responsabilidades conjuntas para com o animal,
tendo direito,inclusive, a visitas. Cabe ressaltar que tratar de um animal exige não apenas oferecer lar, comida e carinho, mas também deve-se ter em mente
que é necessário o convívio familiar, atenção, levá-lo ao acompanhamento de um veterinário, todos os cuidados diários e tempo que poderão ser despendidos ao
animal, tendo em vista que estes, ao serem levados para o âmbito doméstico, são dependentes do ser humano, praticamente como uma criança. Outrossim, tal
relação deve ser analisada a longo prazo, uma vez que o tempo de vida de um animal é de anos, e deve ser protegida até o final, principalmente porque “[...] ao
contrário dos filhos menores, os animais nunca alcançarão sua autonomia, sendo dependentes de seus donos, do nascimento à morte.” (CARRÃO, 2017, p. 37).
Acerca da aplicação das normas relativas à guarda compartilhada, Chaves (2015, p. 23) explica que:
Diante da amplitude atual do conceito de família, do princípio da pluralidade familiar, da evolução dos direitos dos animais e do lugar que os
bichos passaram a ocupar dentro dos grupos, com papéis tipicamente familiares bem definidos, entende-se que é possível a aplicação dessas
regras, com as devidas adaptações. (CHAVES, 2015, p. 23).

Isso implica dizer que, ao decidir casos como esses, os juízes tem, de fato, levado em consideração o bem estar do animal, e enquanto uma legislação
específica não for editada, fazendo as devidas adaptações, como é o caso da aplicação da analogia.
O referido bem estar do animal, possui alguns vetores, se destacando as “condições de vida, frequência com que a pessoa vai interagir com o animal,
presença de outros animais ou crianças no lar e a afeição dirigida ao animal.” (CARRÃO, 2017, p. 21). Tudo isso ocorre, pois, conforme já explanado, tais seres
possuem sensibilidade e são inteligentes, com capacidade de corresponder ao afeto de seus tutores.
Além disso, Costa (2016) ressalta que a guarda compartilhada de animais, deve ser norteada por alguns princípios, como o da igualdade entre os
cônjuges, cujo objetivo é igualar direitos e deveres para com o animal e o princípio da afetividade, essencial nas relações da família, constituindo sua base e
evidenciado no amor dos donos e seus animais.
Por fim, resta claro que a possibilidade de aplicar a guarda compartilhada é destinada a proteger tanto o animal, quanto o ser humano, que padecem
com a separação, buscando, assim, saber o que é menos prejudicial aos envolvidos e sempre tendo em mente que os animais merecem um lar, carinho, proteção e
amor.
2.4.1Jurisprudências acerca do tema
Como se trata de um tema novo que ainda gera inúmeras dúvidas, a jurisprudência se faz presente a fim de adaptar ao caso concreto e a partir do
entendimento dos tribunais superiores, pacificar entendimentos, com intuito de sanar as dúvidas e solucionar os conflitos que lhes são submetidos.
Quanto ao tema apresentado no presente artigo, é importante trazer à baila o julgado da 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
(TJRJ), o qual tratou de um caso em que foi concedido ao dono de um cão da raça cocker spaniel o direito de visitá-lo em finais de semana alternados. O referido
animal encontrava-se em posse da ex-esposa, após a separação do casal. Salienta-se a ementa infra, a fim de esclarecer melhor o assunto:
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DIREITO CIVIL - RECONHECIMENTO/DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL - PARTILHA DE BENS DE SEMOVENTE - SENTENÇA

DE PROCEDÊNCIA PARCIAL QUE DETERMINA A POSSE DO CÃO DE ESTIMAÇÃO PARA A EX- CONVIVENTE MULHER
RECURSO QUE VERSA EXCLUSIVAMENTE SOBRE A POSSE DO ANIMAL - RÉU APELANTE QUE SUSTENTA SER O REAL

PROPRIETÁRIO - CONJUNTO PROBATÓRIO QUE EVIDENCIA QUE OS CUIDADOS COM O CÃO FICAVAM A CARGO DA
RECORRIDA DIREITO DO APELANTE/VARÃO EM TER O ANIMAL EM SUA COMPANHIA - ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO CUJO
DESTINO, CASO DISSOLVIDA SOCIEDADE CONJUGAL É TEMA QUE DESAFIA O OPERADOR DO DIREITO - SEMOVENTE QUE,
POR SUA NATUREZA E FINALIDADE, NÃO PODE SER TRATADO COMO SIMPLES BEM, A SER HERMÉTICA E

IRREFLETIDAMENTE PARTILHADO, ROMPENDO-SE ABRUPTAMENTE O CONVÍVIO ATÉ ENTÃO MANTIDO COM UM DOS
INTEGRANTES DA FAMÍLIA CACHORRINHO "DULLY" QUE FORA PRESENTEADO PELO RECORRENTE À RECORRIDA, EM

MOMENTO DE ESPECIAL DISSABOR ENFRENTADO PELOS CONVIVENTES, A SABER, ABORTO NATURAL SOFRIDO POR ESTA
- VÍNCULOS EMOCIONAIS E AFETIVOS CONSTRUÍDOS EM TORNO DO ANIMAL, QUE DEVEM SER, NA MEDIDA DO POSSÍVEL,

MANTIDOS - SOLUÇÃO QUE NÃO TEM O CONDÃO DE CONFERIR DIREITOS SUBJETIVOS AO ANIMAL, EXPRESSANDO-SE,
POR OUTRO LADO, COMO MAIS UMA DAS VARIADAS E MULTIFÁRIAS MANIFESTAÇÕES DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA, EM FAVOR DO RECORRENTE PARCIAL ACOLHIMENTO DA IRRESIGNAÇÃO PARA, A DESPEITO DA


AUSÊNCIA DE PREVISÃO NORMATIVA REGENTE SOBRE O THEMA, MAS SOPESANDO TODOS OS VETORES ACIMA
EVIDENCIADOS, AOS QUAIS SE SOMA O PRINCÍPIO QUE VEDA O NON LIQUET, PERMITIR AO RECORRENTE, CASO QUEIRA,
TER CONSIGO A COMPANHIA DO CÃO DULLY, EXERCENDO A SUA POSSE PROVISÓRIA, FACULTANDO-LHE BUSCAR O CÃO

EM FINS DE SEMANA ALTERNADOS, DAS 10:00 HS DE SÁBADO ÀS 17:00HS DO DOMINGO. SENTENÇA QUE SE MANTÉM. (TJ –
APELAÇÃO: 0019757-79.2013.8.19.0208, Relator: Desembargador MARCELO LIMA BUHATEM, Data de Julgamento: 27/01/2015, 22ª

CÂMARA CIVEL, Data de Publicação: DJe 04/02/2015).

O referido julgado é de relatoria do Desembargador Marcelo Lima Buhatem, e, no caso, o cão Dully foi um presente do apelante a apelada, durante
um momento de dificuldade que ambos passaram, contudo ao se separarem, a ex-esposa ficou com o cão, deixando o apelante em instabilidade emocional, devido
o vínculo formado com o mesmo, fato este que evidencia o quão forte pode ser um elo afetivo formado entre o ser humano e seu animalzinho de estimação.
Outrossim, o STJ, pela primeira vez, considerou ser possível a regulamentação judicial de visitas a animais de estimação, após a ocorrência da
dissolução de união estável. É possível observar tal entendimento, conforme o julgado a seguir:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA

CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO DOS COMPANHEIROS PELO ANIMAL. DIREITO DE


VISITAS.POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO.
1. Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou
se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve

questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal, como também pela necessidade de sua preservação
como mandamento constitucional [...] 2. O Código Civil, ao definir a natureza jurídica dos animais, tipificou-os como coisas e, por conseguinte,
objetos de propriedade, não lhes atribuindo a qualidade de pessoas, não sendo dotados de personalidade jurídica nem podendo ser considerados
sujeitos de direitos. [...] 3. No entanto, os animais de companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos

em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico dos bens não se vem
mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão
atinente à posse e à propriedade. [...] 6. Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente
- dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -, também devem ter o seu bem-estar

considerado. 7. Assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da
qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a

própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal. 8. Na hipótese, o Tribunal de origem
reconheceu que a cadela fora adquirida na constância da união estável e que estaria demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal

de estimação, reconhecendo o seu direito de visitas ao animal, o que deve ser mantido. 9. Recurso especial não provido.(STJ – Resp: 1713167 SP
2017/0239804-9, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 19/06/2018, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação:

DJe 09/10/2018).

Na referida decisão, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, a Corte concluiu que os bichos não podem ser considerados como apenas simples
coisas, considerando as relações de afeto estabelecidas com os seres humanos e a proteção constitucional da fauna.
No caso julgado, tratava-se de uma cadela da raça yorkshire, a qual, de acordo com o ex-companheiro, havia ficado em definitivo com a mulher, e
esta passou a impedir que ele tivesse contato com o animal, causando-lhe grandes angústias.
Dessa forma, resta demonstrado que, os entendimentos jurisprudenciais estão cada vez mais se atentando a dinamicidade do direito, aplicando a
norma ao caso concreto e trazendo soluções aos anseios da sociedade.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com as modificações pelas quais passaram a sociedade, dentre elas as mudanças das relações familiares, chega-se ao que é hoje. Nos dias atuais a
família é aceita nas mais diferentes modalidades de se compor, deixando o casamento, inclusive, de ser algo mais tradicional e o divórcio passando a ser mais
comum do que era anos atrás.
Diante dessa modernidade, ao ocorrer uma dissolução matrimonial, não apenas os filhos passam a ser única e exclusiva preocupação de um eventual
conflito, mas também os animais de estimação, os quais estão cada vez mais sendo encontrados nos núcleos familiares.
7

O afeto é o principal estimulador e formador de tais famílias, uma vez que possuem um apego tão grande com seus bichinhos que não conseguem
visualizar suas vidas e rotinas sem os mesmos. Em casos como esses, os animais ganharam o status de filhos e são tratados como tais, sendo alvos de disputas pela
sua guarda. Em tais situações, que envolvem um processo afetivo, de laços extremamente fortes, não parece correto tratar os animais como meros objetos, sendo
necessário reconhecer que possuem dignidade, sentimentos e são capazes de retribuir todo o carinho que recebem, confirmando, portanto, o aspecto de um ser
senciente. O ordenamento jurídico brasileiro, conforme já explanado no presente artigo, não conta com uma legislação específica a ser aplicada no referido caso
objeto de estudo, contudo, em razão de tais demandas estarem cada vez mais evidentes, o Judiciário precisa apresentar soluções, as quais devem ser voltadas ao
melhor resultado, tanto para os animais, quanto para seus tutores.
Vê-se, desse modo, que a estipulação de direito de visitas é uma maneira que permite que o cônjuge possa resgatar o afeto para com o animal e sanar
sua vontade de tê-lo por perto, e havendo a aplicação da guarda compartilhada, o bem estar do animal deve estar em primeiro plano, tendo em vista que são
merecedores de cuidado e proteção.

REFERÊNCIAS

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set. 2019.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº 0019757-79. 2013.8.19.0208. 22ª Câmara Cível. Relator: Des. Marcelo Lima Buhatem.
2015. Disponível em:http://www4.tjrj.jus.br/EJURIS/ImpressaoConsJuris.aspx?CodDoc=2740216&PageSeq=0. Acesso em: 06 out. 2019.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp nº 1713167 / SP. T4 - Quarta Turma. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. 2018. Disponível em:
https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/635855286/recurso-especial-resp-1713167-sp-2017-0239804-9/inteiro-teor-635855288 . Acesso em: 06 out. 2019.

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