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ASSOCIAÇÃO EDUCATIVA DO BRASIL- SOEBRAS

FACULDADES INTEGRADAS DO NORTE DE MINAS – FUNORTE


CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE E AS UNIÕES POLIAFETIVAS

JULIANA NOGUEIRA CORRÊA


MARIA FERNANDA SOARES FONSECA

MONTES CLAROS – MG
2017
RESUMO

O presente artigo aborda a temática do poliamor e suas implicações jurídicas para o


Direito Brasileiro, com enfoque no Principio da Afetividade, fundamento balizador
das novas formas de família. Tal tipo de relacionamento é constituído entre três ou
mais pessoas e caracteriza-se pelo propósito de constituição familiar. Para se
caracterizar uma união poliamorosa não pode haver má-fé de nenhum dos
conviventes, os companheiros poliamoristas não se relacionam em pares exclusivos,
e todos devem estar conscientes da presença e da existência dos outros que
excedem o tradicional par. Neste artigo serão abordados o Poliamor e as Uniões
Poliafetivas, o Princípio da Afetividade e a Dignidade da pessoa humana e sua
aplicabilidade nas relações poliafetivas e a tutela dos direitos nas uniões poliafetivas.
A pesquisa foi realizada numa abordagem qualitativa do tema levando em
consideração os posicionamentos doutrinários, jurisprudenciais, legislação vigente e
artigos científicos a fim de se chegar a um resultado consolidado. Sob um critério
descritivo, obedeceu a revisão bibliográfica como procedimento norteador do
trabalho.

Palavras-chave: Poliamor. Uniões poliafetivas. Princípio da Afetividade.

ABSTRACT

This article addresses the issue of polyamory and its legal implications to the
Brazilian Law, focusing on the affectivity principle, basis of the new family forms. That
kind of relationship consists of three or more people and it’s characterized by the
purpose of forming a family. To characterize a polyamorous union it can be no bad
faith of any part, the polyamorists do not relate in exclusive pairs and all of them
should be aware of the presence and existence of the other mates. In this article Will
be addressed the polyamory and its unions, the Principle of Affection and the Dignity
of the Human Person, and the applicability of poliaffective relations and the
protection of rights in these unions. This research was made in a qualitative
approach to the subject, considering doctrinal positions, jurisprudence, current
legislation and scientific articles in order to find a result. Under a descriptive aspect,
obeyed the bibliographical revision as guiding procedure of the work.

Key words: Polyamory. Poliaffective unions. Principle of Affection.


2

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objetivo abordar a temática do poliamor e suas


implicações jurídicas para o Direito Brasileiro, bem como a possibilidade de
reconhecimento pelas ciências jurídicas e consequente tutela dos direitos gerados
através dessas uniões.
As novas relações sociais configuram-se em formas de famílias não
tradicionais. O conceito de família teve seu conceito ampliado, surgindo nesse
contexto formas de família que excedem o tradicional par. A união plúrima é
constituída por três ou mais pessoas que se relacionam com o propósito de
constituição familiar e continuidade. Busca-se assim, explicar e elucidar tal união,
bem como esclarecer as dúvidas sobre essa nova forma de relação familiar.
Este artigo será divido em três seções, abordando-se na primeira o
Poliamor e as Uniões Poliafetivas: aspectos sociojurídicos, serão apontados os
aspectos conceituais, sociojurídicos acerca da família, das entidades familiares na
contemporaneidade, da monogamia e da poligamia, a segunda seção versa sobre o
Princípio da Afetividade e a Dignidade da pessoa humana e sua aplicabilidade nas
relações poliafetivas e na terceira seção será analisada a tutela dos direitos nas
uniões poliafetivas.
A pesquisa será realizada numa abordagem qualitativa do tema e levará
em consideração os posicionamentos doutrinários, jurisprudenciais, legislação
vigente e artigos científicos a fim de se chegar a um resultado consolidado. Sob um
critério descritivo, obedecerá a revisão bibliográfica como procedimento norteador do
trabalho.

POLIAMOR E UNIÕES POLIAFETIVAS: ASPECTOS SOCIOJURÍDICOS

Nesta seção serão apresentados aspectos conceituais do poliamor e das


uniões poliafetivas, apontando e discorrendo os aspectos sociojurídicos do tema.
Busca-se a conceituação da família, bem como sua evolução jurídica, propõe-se a
diferenciação dos institutos de poligamia e poliamor, observando o instituto da
monogamia.
3

A complexidade das novas relações sociais traz para a sociedade


realidades que por vezes contradizem seus princípios pessoais. Várias são as
modalidades familiares possíveis, independente das regras impostas na sociedade.
O conceito de família ampliou-se, a ideia atual de família não corresponde
ao modelo de séculos atrás. Atualmente é possível encontrar inúmeros formatos
familiares que foram evoluindo e modificando-se. Concluindo-se assim, que não
existe uma estrutura única, o modelo de família então firmado não é estático. Ele
continua a evoluir e a modificar-se continuamente (PASSOS, 2014).
A verdade é que vários são os arranjos familiares possíveis nas
sociedades, passando a família a ser entendida como um instrumento de realização
da personalidade e da dignidade de seus componentes (RAMALHO NETO, 2015).
A doutrina tem apresentado definições diferentes sobre família. Venosa
(2007, p. 2) apresenta o significado de família da seguinte forma:

[...] importa considerar a família em sentido amplo, como parentesco,


ou seja, o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de
natureza familiar. Nesse sentido, compreende os ascendentes,
descendentes e colaterais do cônjuge, que se denominam parentes
por afinidade ou afins.

Segundo Gonçalves (2011), família seria aquela que abrange todas as


pessoas ligadas por vínculo sanguíneo e que procedem de um tronco ancestral
comum, compreendem neste contexto os cônjuges, os companheiros e aqueles
unidos por afinidade.
Analisando a família como um todo, há de se constatar que ela não segue
um único padrão, a definição de família está sempre sofrendo mudanças, o que
torna difícil os traços precisos de seu contorno. Para Dias (2010, p. 40) “Pensar em
família ainda traz à mente o modelo convencional: um homem e uma mulher unidos
pelo casamento [...]. Hoje todos já estão acostumados com famílias que se
distanciam do perfil tradicional”.
A lei brasileira conceitua família na Lei Maria da Penha (11.340/2006) seu
artigo 5°, II, dispõe que: “no âmbito da família, compreendida como a comunidade
formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços
naturais, por afinidade ou por vontade expressa”.
4

O artigo 226 da Constituição da República de 1988 rege sobre a proteção


da família e a prioriza como elemento essencial à sociedade, dispondo da seguinte
forma:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do


Estado.
(...)
§3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a
lei facilitar sua conversão em casamento.
§4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

A família, por ser considerada base da sociedade é detentora de especial


proteção do Estado e não se constitui por um conceito único, vez que está em
constante modificação. Assim explica o Ministro Ayres Britto, em seu voto na ADI nº
4.277/DF1 (2011):

Mais que um singelo instituto de Direito em sentido objetivo, a família


é uma complexa instituição social em sentido subjetivo. Logo, um
aparelho, uma entidade, um organismo, uma estrutura das mais
permanentes relações intersubjetivas, um aparato de poder, enfim.
Poder doméstico, por evidente, mas no sentido de centro subjetivado
da mais próxima, íntima, natural, imediata, carinhosa, confiável e
prolongada forma de agregação humana. Tão insimilar a qualquer
outra forma de agrupamento humano quanto a pessoa natural
perante outra, na sua elementar função de primeiro e insubstituível
elo entre o indivíduo e a sociedade. Ambiente primaz, acresça-se, de
uma convivência empiricamente instaurada por iniciativa de pessoas
que se vêem tomadas da mais qualificada das empatias, porque
envolta numa atmosfera de afetividade, aconchego habitacional,
concreta admiração ético-espiritual e propósito de felicidade tão
emparceiradamente experimentada quanto distendida no tempo e à
vista de todos. Tudo isso permeado da franca possibilidade de
extensão desse estado personalizado de coisas a outros membros
desse mesmo núcleo doméstico, de que servem de amostra os filhos
(consangüíneos ou não), avós, netos, sobrinhos e irmãos. (STF.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.277/DF. Rel.
Ministro Ayres Britto. DJe 14/10/2011)

O Código Civil de 2002 em seu artigo 1.723 estabelece que a união


estável é a entidade familiar, composta por um homem e uma mulher, que vivem de
forma pública, contínua, duradoura, e com o objetivo de constituir família. Logo, se

1
Trata-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277/DF que buscou a declaração de
reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
5

observadas às condições impostas pela lei para a caracterização da união estável,


entende o Estado existir família (BRASIL, 2002).
Dias (2010, p. 43) afirma que:

É necessário ter uma visão pluralista da família, abrigando os mais


diversos arranjos familiares, devendo se buscar o elemento que
permite enlaçar no conceito de entidade familiar todos os
relacionamentos que tem origem em um elo de afetividade,
independente de sua conformação.

Surgem neste contexto, novas relações sociais, novos estilos de vida e


diversas formas de família conhecidas como uniões estáveis concomitantes,
também chamadas de poliamor.
Ramalho Neto (2015, p. 93) define que:

O poliamor se trata de relação afetiva íntima entre mais de duas


pessoas, que, de forma transparente, e gozando da sua autonomia
da vontade, exercem seu direito de se relacionarem afetiva e
sexualmente, com o intuito duradouro.

O poliamor pode ser entendido como a união entre três ou mais pessoas,
com o objetivo de constituição de família, caracteriza-se pela notoriedade no meio
social, continuidade (no sentido de animus de permanência), estabilidade e
propósito de constituição familiar. (VARELA GONÇALVES, 2015).
Afirma Dias (2010, p. 51), que “Negar a existência de famílias paralelas -
quer um casamento e uma união estável, quer duas ou mais uniões estáveis - é
simplesmente não ver a realidade”.
Para Santos, Suzuki e Queiroz. (2015, p. 11)

O poliamor trata-se de uma família simultânea, uma nova forma de


convívio que ainda não está tutelado, mas que está se enquadrando
na lista da família do futuro [...], mostrando também que se pode
amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo.

O autor Madaleno (2013, p. 26) afirma que:

[...] a família poliafetiva, integrada por mais de duas pessoas que


convivem em interação afetiva dispensada da exigência cultural de
uma relação de exclusividade apenas entre um homem e uma
mulher vivendo um para o outro, mas sim de mais pessoas vivendo
todos sem as correntes de uma vida conjugal convencional. É o
6

poliamor na busca do justo equilíbrio, que não identifica infiéis


quando homens e mulheres convivem abertamente relações afetivas
envolvendo mais de duas pessoas.

Acerca da diferença entre poliamor e concubinato Ramalho Neto (2015, p.


94) afirma que “o conceito do poliamor é diferente do concubinato. Na realidade,
poliafetividade são relações concomitantes, com a ciência e consentimento dos
envolvidos, que procura ser estável”.
A caracterização do concubinato ocorre nos termos do artigo 1.727 do
Código Civil: “As relações não eventuais entre homem e mulher, impedidos de
casar, constitui concubinato”.
O Supremo Tribunal Federal distingue união estável de concubinato:

Companheira e concubina – distinção. Sendo o Direito uma


verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e
vocábulos, sob pena de prevalecer a babel. União estável – proteção
do Estado. A proteção do Estado à união estável alcança apenas as
situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato (...)
Percebe-se que houve um envolvimento forte, projetado no tempo –
37 anos –, dele surgindo prole numerosa – nove filhos -, mas que
não surte efeitos jurídicos ante a ilegitimidade, ante o fato de haver
sido mantido o casamento com quem Valdemar contraíra núpcias e
tivera onze filhos (...) No caso, vislumbrou-se união estável, quando,
na verdade, verificado simples concubinato, conforme
pedagogicamente previsto no artigo 1.727 do Código Civil. (...) O
concubinato não se iguala à união estável referida no texto
constitucional, no que esta acaba fazendo as vezes, em termos de
consequências, do casamento. Tenho como infringido pela Corte de
origem o parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição Federal, razão
pela qual conheço e provejo o recurso para restabelecer o
entendimento sufragado pelo Juízo na sentença prolatada (STF, RE
397.762/BA, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 12/09/2008).

Para se configurar a juridicidade de uma união poliamorosa, faz-se


necessário considerações sobre a monogamia, a fim de identificar se ela é
realmente um princípio, ou se deveria ser mantida como um preceito jurídico.
O poliamor diferencia-se das outras formas de não monogamia, as uniões
poliafetivas são relações com a ciência e anuência dos envolvidos. Pressupõe
honestidade e transparência dos participantes (RAMALHO NETO, 2015).
Dias (2010, p. 60) afirma que:

Uma ressalva merece ser feita com relação à monogamia. Não se


trata de um principio do direito estatal de família, mas sim de uma
7

regra restrita à proibição de múltiplas relações matrimonializadas. [...]


não há como considerar a monogamia como principio constitucional,
até porque a Constituição não a contempla.

A monogamia deve ser entendida apenas como um traço cultural da


sociedade ocidental, sem poder normativo concreto e sem qualquer previsão no
ordenamento, sendo assim apenas uma regra restritiva (RAMALHO NETO, 2015).
Rêgo e Souza, (2013, p. 189) afirmam que “antes mesmo de ser um valor
moral, a monogamia nasce com o objetivo de legitimar uma forma de poder, qual
seja o poder patriarcal”.
Assim, faz-se necessário diferenciar o poliamor do que se conhece como
poligamia. O conceito de poligamia está associado ao homem ou a mulher que
possuem mais de um esposo ou esposa. É importante ressaltar que na poligamia
não há envolvimento reciproco de todos os envolvidos, mas sim relações
simultâneas, que independem da aceitação dos seus indivíduos. (PASSOS, 2014).
Assim, afirma Santos, Suzuki e Queiroz. (2015, p. 12) que “a poligamia,
nada mais é do que o casamento de pessoas já casadas”.
A bigamia é crime, trazido pelo artigo 235 do Código Penal, impõe pena
de reclusão para aquele que é casado e contrai novo casamento. O artigo 1.521,
inciso VI, combinado com o artigo 1.548, inciso II do Código Civil, acarreta a
nulidade do segundo casamento. No poliamor não há casamento, há apenas união
estável.
Na mesma linha, Santos, Suzuki e Queiroz. (2015, p.13) afirmam que:

Nenhuma família é igual à outra e todas merecem ser igualmente


respeitadas em suas particularidades, de modo que o Estado não
detém qualquer direito de interferir na formação dos núcleos
familiares, devendo estes serem formados conforme a liberdade de
seus membros da forma que melhor lhe aprouver e que lhes traga
felicidade e realização pessoal de seus integrantes.

Todos os seres humanos são diferentes entre si, assim cabe a cada um
saber o que é melhor para seu desenvolvimento e realização pessoal. A vontade
individual é uma característica única de cada ser humano, sem a qual não se
consegue viver dignamente ou se desenvolver (RAMALHO NETO, 2015).
8

Assim, conclui Dias (2014, p. 02) “Negar a existência de famílias


poliafetivas como entidade familiar é simplesmente impor a exclusão de todos os
direitos no âmbito do direito das famílias e sucessório”.
A inegável realidade é que a concepção de família evoluiu com os anos, e
assim como foram reconhecidas as uniões estáveis e as homoafetivas, não se pode
descartar a possibilidade de se reconhecer no futuro arranjos familiares atualmente
marginalizados, como os poligâmicos.

O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NAS


RELAÇÕES POLIAFETIVAS

Nesta seção serão apresentados os princípios da afetividade e a


dignidade da pessoa humana, apontando e discorrendo sobre seus principais
aspectos, fundamentos jurídicos e discussões. Faz-se necessário o estudo dos
princípios norteadores do Direito de Família, vez que os mesmos passaram a ser
base dos novos entendimentos, por vezes substituindo ou adequando a lei aos
casos concretos.
Os postulados da Dignidade da Pessoa Humana e Afetividade, como
regentes do Direito de Família, traduzem fundamento e base do ordenamento
moderno, traduzindo os valores essenciais à formação das novas formas de família.
Para Tartuce (2012) os princípios são como orientações que estruturam o
ordenamento, geram consequências concretas e alterações profundas no Direito
Brasileiro.
O Principio da Afetividade reconhece a família como um núcleo familiar
concebido fora dos padrões institucionais, os laços afetivos são o que tornam válida
o conjunto de pessoas, formando assim o que se chama de comunidade de afeto.
Tartuce (2012, p. 01) afirma que “[...] o afeto não se confunde necessariamente com
o amor. Afeto quer dizer interação ou ligação entre pessoas”.
O afeto é o elemento essencial para a constituição de uma família, é
também o valor primordial para que esta permaneça unida, pois não é possível a
manutenção de uma estrutura familiar sem vínculos afetivos, formada apenas por
uma estrutura formal (VIANNA, 2011).
O afeto é o princípio que norteia as relações familiares, na concepção de
Dias (2010, p. 10) afeto é:
9

Envolvimento emocional que subtrai um relacionamento do âmbito do


direito obrigacional – cujo núcleo é a vontade – e o conduz para o
direito das famílias, cujo elemento estruturante é o sentimento de
amor, o elo afetivo que funde as almas e confunde patrimônios,
fazendo gerar responsabilidades e comprometimentos mútuos.
 
O afeto passou a se configurar como base de sustentação das novas
famílias, a entidade familiar deixou de ser um núcleo individualizado, passando a
abranger, além do casamento, a união estável, a família monoparental e os
relacionamentos extramatrimoniais (RÊGO, SOUZA, 2013).
O que mantem a união familiar é o afeto, reconhecido como um dos
fundamentos das famílias atuais foi elevado à condição de principio geral, traduzindo
a garantia da vida intima do individuo, assegurando o direito de buscar sua
felicidade, devendo ser preservado e protegido, não cabendo ao Estado regular
sobre a sua intimidade (TARTUCE, 2012).
Salientou o Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, em seu voto
na ADI nº 4.277/DF (2011),

O que faz uma família é, sobretudo, o amor – não a mera afeição


entre os indivíduos, mas o verdadeiro amor familiar, que estabelece
relações de afeto, assistência e suporte recíprocos entre os
integrantes do grupo. O que faz uma família é a comunhão, a
existência de um projeto coletivo, permanente e duradouro de vida
em comum. O que faz uma família é a identidade, a certeza de seus
integrantes quanto à existência de um vínculo inquebrantável que os
une e que os identifica uns perante os outros e cada um deles
perante a sociedade. Presentes esses três requisitos, tem-se uma
família, incidindo, com isso, a respectiva proteção constitucional
(STF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.277/DF.
Rel. Ministro Ayres Britto. DJe 14/10/2011)

A afetividade surge da convivência, sem interesses materiais, revela-se


em uma união de pessoas que se unem voluntariamente e desejam constituir
família, podendo se concluir que onde houver uma relação ou comunidade unidas
por laços de afetividade haverá família.
A palavra afeto não se encontra expressamente presente no texto
constitucional, entretanto assim conforme leciona Dias (2009, p. 69), a mesma
encontra-se de implícita e base das novas decisões.
10

[...] ao serem reconhecidas como entidade familiar merecedora da


tutela jurídica as uniões estáveis, que se constituem sem o selo do
casamento, tal significa que o afeto, que une e enlaça duas pessoas,
adquiriu reconhecimento e inserção no sistema jurídico.

A afetividade assim traduz e corresponde a um dos pilares da sociedade,


constituí elemento essencial à formação do direito de família, Vianna (2011, p. 533)
discorre que:
O afeto é digno de tutela porque responde fielmente àquilo que se
observa na sociedade. Fingir que não existem famílias que não
correspondem à estrutura consignada na Lei é restringir o direito a
todos que dele precisam, ou melhor, é transformar as relações
sociais em algo mínimo, perfazendo-se tal conduta em um ato claro
de inconstitucionalidade, pois o afeto é intrínseco ao homem, e
desconsiderá-lo é violar sua dignidade.

Para Varela Gonçalves (2015) o afeto está intimamente relacionado com


a dignidade da pessoa humana, enquanto princípio que constitui fundamento da
comunidade familiar, pois é através do afeto e da convivência que as famílias se
desenvolvem.
Atuais decisões do Direito de Família indicam o afeto como um elemento
importante à esfera jurídica, como esta abaixo:

APELAÇÃO. UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO DE


UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA. Embora reconhecida na parte
dispositiva da sentença a existência de sociedade de fato, os
elementos probatórios dos autos indicam a existência de união
estável. PARTILHA. A união homossexual merece proteção jurídica,
porquanto traz em sua essência o afeto entre dois seres humanos
com o intuito relacional. Caracterizada a união estável, impõe-se a
partilha igualitária dos bens adquiridos na constância da união,
prescindindo da demonstração de colaboração efetiva de um dos
conviventes, somente exigidos nas hipóteses de sociedade de fato.
NEGARAM PROVIMENTO (APELAÇÃO CÍVEL N° 70006542377,
Oitava Câmara Cível, TJRS. Rel. Rui Portanova. DJe 11/09/2003)

A realização da afetividade é função essencial à família da atualidade,


para a constituição de uma família é necessário o afeto familiar como princípio
basilar de sua constituição. A efetivação do afeto é indispensável para a constituição
de um núcleo familiar, entretanto, ele deve ser amparado por outros princípios do
direito de família, tais como a dignidade da pessoa humana (PEREIRA, 2012).
Inserido no artigo 1°, III, da Constituição Federal de 1988, a Dignidade da
Pessoa Humana é considerado fundamento da Republica e impulso de todo o
11

ordenamento jurídico. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana


constitui a garantia de que o ser humano deve ser tratado com dignidade,
pressupondo respeito às suas convicções pessoais.
No Supremo Tribunal Federal, o Ministro Celso de Mello, relator do RE nº
477.5542 (2011) ao discorrer sobre a dignidade da pessoa, assim entendeu o
alcance da expressão:

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E BUSCA DA FELICIDADE. - O


postulado da dignidade da pessoa humana, que representa -
considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III)-
significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma
e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País,
traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se
assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada
pelo sistema de direito constitucional positivo. Doutrina. - O princípio
constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do
núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa
humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação,
gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em
função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de
práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer,
afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais. -
Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à
busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito,
que se qualifica como expressão de uma ideia-força que deriva do
princípio da essencial dignidade da pessoa humana. Precedentes do
Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte americana.
Positivação desse princípio no plano do direito comparado. (STF, RE
N° 477.554 AgR. Rel. Ministro Celso de Mello. Julgamento em
16/08/2011, Segunda Turma, DJe 26/08/2011)

Nas palavras de Ramos (2015, p. 74) a dignidade da pessoa humana


“consiste em atributo que todo individuo possui, inerente à sua condição humana,
não importando qualquer outra condição à nacionalidade, opção política, orientação
sexual, credo etc.”.
Como afirma o Ministro Carlos Ayres Brito em seu voto na ADPF 132 3:

a preferência sexual se põe como direta emanação do princípio da


‘dignidade da pessoa humana’ (inciso III do art. 1º da Constituição da
2
Trata-se do Recurso Extraordinário 477554/MG- Recurso contra decisão que não reconheceu a
existência de união estável homoafetiva para fins de pagamento de beneficio previdenciário de
pensão por morte.
3
Trata-se da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132 proposta pelo
governo do Estado do Rio de Janeiro onde alegou que o não reconhecimento da união homoafetiva
contraria preceitos fundamentais como igualdade, liberdade e o principio da dignidade da pessoa
humana.
12

República Federativa do Brasil), e, assim, poderoso fator de


afirmação e elevação pessoal. [...] Afinal, se as pessoas de
preferência heterossexual só podem se realizar ou ser felizes
heterossexualmente, as de preferência homossexual seguem na
mesma toada: só podem se realizar ou ser felizes
homossexualmente. (STF, ADPF N° 132/RJ, Rel. Ministro Ayres
Britto, DJe 05/05/2011)

A ausência de normatização sobre determinadas matérias não pode servir


como justificativa para infrações ao principio da dignidade da pessoa humana,
especialmente, quando a matéria versa sobre relações pessoais de caráter
afetivo/familiar (TARTUCE, 2012).
A autora Dias (2013, p. 66) afirma que:

O direito das famílias está umbilicalmente ligado aos direitos


humanos, que têm por base o princípio da dignidade da pessoa
humana, versão axiológica da natureza humana. O princípio da
dignidade humana significa, em última análise, igual dignidade para
todas as entidades familiares. Assim, é indigno dar tratamento
diferenciado às várias formas de filiação ou aos vários tipos de
constituição de família, com o que se consegue visualizar a
dimensão do espectro desse princípio, que tem contornos cada vez
mais amplos.

Para a sociedade, a finalidade da família consiste em possibilitar aos seus


integrantes o real desenvolvimento de sua personalidade e convicções pessoais.
Pautados pelos princípios da Afetividade e Dignidade da Pessoa Humana, as uniões
poliafetivas possibilitam a seus membros a busca pela felicidade.
O conceito moderno de família é baseado em laços de afetividade e
dignidade, sendo elementos caracterizadores desde a sua formação, importando o
bem social. Portanto o afeto traduz a verdadeira noção de comunidade, unindo
aqueles que se pautam por verdades individuais na busca da realização pessoal.

A TUTELA DOS DIREITOS NAS UNIÕES POLIAFETIVAS

Nesta seção serão apresentados os posicionamentos do Supremo


Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, bem como o posicionamento de
Tribunais de Justiça brasileiros, apontando e discorrendo sobre decisões e
jurisprudências que versam sobre as novas concepções de família. Faz-se
13

necessário tal estudo vez que os mesmos são entendimentos fundamentais ao


direito brasileiro.
Conforme DIAS (2012) as uniões poliafetivas tornaram-se conhecidas
quando um cartório do Município de Tupã, interior de São Paulo, realizou o primeiro
registro conhecido de uma escritura pública de união estável poliafetiva. A lavratura
objetivava formalizar uma união estabelecida entre um homem e duas mulheres.
A partir desse fato, surgiram várias posições doutrinárias acerca da
escritura pública, nas palavras de Dias (2012), é preciso aprender a respeitar e viver
nessa sociedade plural, reconhecendo os diversos tipos de relacionamentos e
desejos que fazem parte da sociedade atual.
A tabeliã argumentou que não haveria vedação legal que impediria a
lavratura da escritura de união estável. Destaca-se assim um trecho da referida
escritura:
Os declarantes, diante da lacuna legal no reconhecimento desse
modelo de união afetiva múltipla e simultânea, intentam estabelecer
as regras para garantia de seus direitos e deveres, pretendendo vê-
las reconhecidas e respeitadas social, econômica e juridicamente,
em caso de questionamentos  ou litígios surgidos entre si ou com
terceiros, tendo por base os princípios constitucionais da liberdade,
dignidade e igualdade.4 (DIAS, 2012, p. 01)

Assim, conclui Dias (2016, p. 285) “nada afeta a validade da escritura.


Tivessem eles firmado dois ou três instrumentos declaratórios de uniões dúplices, a
justiça não poderia eleger um dos relacionamentos como válido e negar a existência
das demais manifestações.”.
O Direito de Família atual não reconhece a tutela aos direitos das uniões
poliafetivas, sendo ainda consideradas uniões marginalizadas e por vezes tratadas
de maneira preconceituosa. Entretanto, decisões de diversos órgãos julgadores
embasam novos entendimentos que se firmam como novidades ao direito brasileiro
e que podem ser usados de maneira analógica em futuras decisões.
O ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Aires Britto, em seu voto
no julgamento do Recurso Extraordinário n. 397.762 assim salientou:

Sabido que, nos insondáveis domínios do amor, ou a gente se


entrega a ele de vista fechada ou já não tem olhos abertos para mais
4
DIAS, Maria Berenice. Escritura reconhece união afetiva a três. Disponível em:
http://www.ibdfam.org.br/noticias/4862/novosite. Publicado em 21/08/2012. Acesso em: 10 de maio de
2017.
14

nada? Pouco importando se os protagonistas desse incomparável


projeto de felicidade a dois sejam ou não, concretamente,
desimpedidos para o casamento civil. Tenham ou não uma vida
sentimental paralela, inclusive sob a roupagem de um casamento de
papel passado? (vida sentimental paralela que, tal como a
preferência sexual, somente diz respeito aos respectivos agentes)?
[...] a união estável se define por exclusão do casamento civil e da
formação da família monoparental. É o que sobra dessas duas
formatações, de modo a constituir uma terceira via: o tertium genus
do companheirismo, abarcante assim dos casais desimpedidos para
o casamento civil, ou, reversamente, ainda sem condições jurídicas
para tanto. […] Sem essa palavra azeda, feia discriminadora,
preconceituosa, do concubinato. Estou a dizer: não há concubinos
para a Lei Mais Alta do nosso País, porém casais em situação de
companheirismo. […] à luz do Direito Constitucional brasileiro o
que importa é a formação em si de um novo e duradouro núcleo
doméstico. A concreta disposição do casal para construir um lar
com um subjetivo ânimo de permanência que o tempo objetivamente
confirma. Isto é família, pouco importando se um dos parceiros
mantém uma concomitante relação sentimental a dois. […] Ele,
coração humano, a se integrar num contexto empírico da mais
entranhada privacidade, perante o qual o Ordenamento Jurídico
somente pode atuar como instância protetiva. Não censora ou por
qualquer modo embaraçante. (STF, RE N° 397.762/ BA, Primeira
Turma, Rel. Ministro Marco Aurélio, DJe 12/09/2008) (grifo nosso).

Faz-se imprescindível destacar que a união poliafetiva caracteriza-se pela


presença da boa-fé e os integrantes convivem em affectio maritalis, possuindo
propósito de constituição familiar. Se reconhecidas como uniões estáveis, as
relações paralelas abarcarão todos os direitos garantidos aos companheiros,
incluindo os sucessórios. A jurisprudência, ainda que não unânime, já reconhece
uniões paralelas ou dúplices, conforme seguinte julgado:

UNIÃO ESTÁVEL. DISPUTA ENTRE DUAS COMPANHEIRAS.


SITUACAO PUTATIVA. PROVA ORAL. RECONHECIMENTO.
Reconhecimento de união estável. Conviventes, uma desde 1978 e
outra desde 1960 que mantiveram relações concomitantes, notórias
e ininterruptas com o de cujus, até o seu falecimento. Prova oral que
confirma o reconhecimento do companheirismo concomitante com
ambas perante parcelas distinas da sociedade pela qual transitava o
falecido, tendo elas vivido em affectio maritalis com o de cujus, cada
qual a sua forma. Pessoas de boa índole e bem intencionadas que
firmemente acreditavam na inexistência de uma relação amorosa
intensa do obituado com a outra, havendo êxito deste em ludibria-las
por longos anos, e de se reconhecer a existência de união estável
putativa com a apelante e com a apelada. Aplicação por analogia do
art. 221 do CC de 1916. Desprovimento do recurso. (TJRJ. Agravo:
15225/2005. Órgão julgador: 2º Câmara Civil. Data do julgamento:
10/08/2005).
15

Se, presentes os elementos caracterizadores de uma entidade familiar,


tais como a vida em comum contínua, duradoura e afetiva, não há que se falar em
inexistência de uma união estável. Não se pode negar a existência do poliamor, bem
como das famílias paralelas. Acerca do tema, também se posiciona o Tribunal de
Justiça de Minas Gerais:

DIREITO DAS FAMÍLIAS. UNIÃO ESTÁVEL CONTEMPORÂNEA A


CASAMENTO. UNIÃO DÚPLICE. POSSIBILIDADE DE
RECONHECIMENTO FACE ÀS PECULIARIDADES DO CASO.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Ao longo de vinte e cinco
anos, a apelante e o apelado mantiveram um relacionamento afetivo,
que possibilitou o nascimento de três filhos. Nesse período de
convivência afetiva - pública, contínua e duradoura - um cuidou do
outro, amorosamente, emocionalmente, materialmente, fisicamente e
sexualmente. Durante esses anos, amaram, sofreram, brigaram,
reconciliaram, choraram, riram, cresceram, evoluíram, criaram os
filhos e cuidaram dos netos. Tais fatos comprovam a concreta
disposição do casal para construir um lar com um subjetivo ânimo de
permanência que o tempo objetivamente confirma. Isso é família. O
que no caso é polêmico é o fato de o apelado, à época dos fatos,
estar casado civilmente. Há, ainda, dificuldade de o Poder Judiciário
lidar com a existência de uniões dúplices. Há muito moralismo,
conservadorismo e preconceito em matéria de Direito de
Família. No caso dos autos, a apelada, além de compartilhar o leito
com o apelado, também compartilhou a vida em todos os seus
aspectos. Ela não é concubina - palavra preconceituosa - mas
companheira. Por tal razão, possui direito a reclamar pelo fim da
união estável. Entender o contrário é estabelecer um retrocesso
em relação a lentas e sofridas conquistas da mulher para ser
tratada como sujeito de igualdade jurídica e de igualdade social.
Negar a existência de união estável, quando um dos companheiros é
casado, é solução fácil. Mantém-se ao desamparo do Direito, na
clandestinidade, o que parte da sociedade prefere esconder.
Como se uma suposta invisibilidade fosse capaz de negar a
existência de um fato social que sempre aconteceu, acontece e
continuará acontecendo. A solução para tais uniões está em
reconhecer que ela gera efeitos jurídicos, de forma a evitar
irresponsabilidades e o enriquecimento ilícito de um companheiro em
desfavor do outro (TJMG. APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0017.05.016882-
6/003 - RELATORA: EXMª. SRª. DESª. MARIA ELZA – DJ
20.11.2008) (grifo nosso).

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também se posicionou


favoravelmente às uniões paralelas, conforme julgado:

APELAÇÃO CÍVEL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL


PARALELA AO CASAMENTO E OUTRA UNIÃO ESTÁVEL. UNIÃO
DÚPLICE. POSSIBILIDADE. PARTILHA DE BENS. MEAÇÃO.
16

"TRIAÇÃO” 5. ALIMENTOS. A prova dos autos é robusta e firme a


demonstrar a existência de união estável entre a autora e o réu em
período concomitante ao seu casamento e, posteriormente,
concomitante a uma segunda união estável que se iniciou após o
término do casamento. Caso em que se reconhece a união dúplice.
Precedentes jurisprudenciais. Os bens adquiridos na constância
da união dúplice são partilhados entre a esposa, a companheira
e o réu. Meação que se transmuda em "triação", pela duplicidade
de uniões. O mesmo se verificando em relação aos bens adquiridos
na constância da segunda união estável. Eventual período em que o
réu tiver se relacionado somente com a apelante, o patrimônio
adquirido nesse período será partilhado à metade. Assentado o
vínculo familiar e comprovado nos autos que durante a união o varão
sustentava a apelante, resta demonstrado os pressupostos da
obrigação alimentar, quais sejam, as necessidades de quem postula
o pensionamento e as possibilidades de quem o supre. Caso em que
se determina o pagamento de alimentos em favor da ex-
companheira. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (SEGREDO
DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70022775605, Oitava Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em
07/08/2008) (grifo nosso).

Deste modo, ressalta-se os julgados acima expostos referem-se a uniões


paralelas que diferentemente da união poliafetiva, apenas uma pessoa é polígama,
mas considerada adepta do poliamor, nas palavras de Dias (2016, p. 284), o
poliamor difere-se das uniões paralelas pois o mesmo se configura “quando o
vinculo de convivência de mais de duas pessoas acontece sobre o mesmo teto.”
assim, é necessário que todos os conviventes compartilhem o afeto e a vontade de
permanecerem juntas.
As uniões paralelas, no sentido da palavra, ocorrem concomitantemente e
por vezes não possuem a boa-fé como elemento balizador, entretanto os
conviventes de ambas as relações possuem concreta disposição para a constituição
de uma família. (DIAS, 2016)
Portanto para as uniões poliafetivas não há ainda posicionamento
específico, no entanto o reconhecimento das uniões paralelas garante a existência
do poliamor juridicamente. O STF ao julgar o RE 590779/ ES, apontou o poliamor
como nova modalidade de relacionamento, reconhecendo que arranjos familiares
atualmente marginalizados podem no futuro serem tutelados, conforme seguinte
decisão:

5
Consiste em outra forma de partilhar, que vai denominada, com a vênia do silogismo, de "triação",
que é a divisão em três e que também deve atender ao princípio da igualdade.
17

O chamando poliamorismo é uma nova filosofia de amar. O


direito precisa se adequar a esta nova demanda social e não
simplesmente negar o fato da sua existência. Não cabe ao
legislador fechar os olhos para novos anseios sociais, pelo contrário,
tem a obrigação de sentir essas mudanças e, na maior brevidade
possível criar mecanismos para reconhecimento e tutela jurisdicional.
[...] O que se busca dizer é que todos esses anseios sociais, aos
poucos, foram ganhando o amparo do judiciário na medida que hoje
já é possível o reconhecimento de união estável e até casamento
entre pessoas do mesmo sexo, ou adoção unilateral em famílias
monoparentais. Já é possível a cirurgia de adequação sexual para
transexuais, bem como alteração de seus nomes no registro civil,
alterando, em conjunto, seu gênero. Sendo assim, não se duvida
que daqui há algum tempo, com a rotatividade ministral e com a
posse de novos ministros que se preocupem com essas questões
haverá, sim, o reconhecimento das relações paralelas
modificando esse entendimento que, ao nosso sentir, tem bases
principiológicas tradicionais. Entretanto, precisamos lembrar que
tanto a ética como a moral possuem bases principiológicas
tradicionais, porém cabe ao legislador e, em sua omissão, ao
magistrado utilizando-se da hermenêutica, derivar esses princípios
para que os mesmos se adequem a nova realidade social. (RE
590779/ES, Relator(a): Min. MARCO AURELIO, Primeira turma,
julgado em 10/02/2009). (grifo nosso).

Assim sendo, embora a jurisprudência ainda não tenha se posicionado


em relação às uniões poliafetivas de forma específica, cabe salientar que o Direito
Brasileiro está em constante mutação e mesmo que ainda não sejam reconhecidas
como entidade familiar as uniões poliafetivas são uma realidade e estão presentes
em alguns julgados que as mencionam, ainda que de forma periférica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer de toda a história foi possível observar que a família tem


sofrido grandes transformações, tanto no conceito, quanto na sua formação e na sua
regulação pelo direito, em razão da cultura e do comportamento social de cada
época.
O conceito de família, que não pode ser estático, modificou-se e ainda
poderá mudar, assim, pouco a pouco novas formas de família foram sendo aceitas
pelo ordenamento jurídico pátrio e pela sociedade em geral.
Observa-se que, eventualmente, haverá uma família quando houver uma
comunhão plena de vida e interesses, bem como os elementos de convivência
18

duradoura, pública e contínua, com finalidade de constituir família, elementos estes


presentes nas uniões poliafetivas.
Portanto, ante o exposto, conclui-se que o poliamorismo caracteriza-se,
atualmente, em uma realidade social e fática, portanto é possível que não demore
para que tais relações necessitem de uma tutela especifica por parte do
ordenamento jurídico brasileiro.
Deste modo é dever do direito tratar os indivíduos de maneira isonômica,
não podendo existir desrespeito às suas convicções pessoais. O Estado deve
regular todas as formas de relacionamento, não podendo discriminar as novas
formas de família com base em argumentos de ordem moral ou religiosa. Assim,
configura função do direito resguardar as novas formas de família e as pluralidades
de relações, sendo necessário que o ordenamento torne possível o alcance de todos
os princípios norteadores do Direito de Família às novas uniões.
A família atual não se justifica e não se configura sem os princípios da
dignidade da pessoa humana e da afetividade, podendo ser predominantes em
relação a vínculos sanguíneos.
O poliamor é um instituto que ainda tem muito a evoluir e ainda que não
reconhecidas, as uniões poliafetivas são realidade e embora o carecimento de
regulamentação ou normatização exista, em alguns julgados, ela aparece de forma
periférica com relação à união paralela, mas que pode ser interpretada através da
analogia com esta.
Assim, configura-se como dever essencial do Direito resguardar a
pluralidade de famílias existentes, bem como reconhecer a prevalência dos
princípios constitucionais, vez que todos devem ter direito à segurança jurídica,
independente de suas opções amorosas.

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