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Se pararmos para tentar definir o amor, certamente falharemos.

Por isso, esta


reportagem não tem tal intuito. Esse sentimento, conhecido por quase todos, poderia
ter infinitos significados. Social e filosoficamente, cada pessoa, comunidade e
cultura o enxerga e vive à sua própria maneira. Quimicamente, talvez pudéssemos
chegar a conclusões mais exatas, dada a natureza da ciência. Ainda assim, a forma
como neurotransmissores e hormônios se comportam em nossos corpos não conjura uma
definição muito aceitável para a maioria. Então, cabe a nós apenas especular,
provocar e apresentar algumas formas de amar.
Em seu livro Por que amamos, o professor Renato Noguera traz diversas filosofias,
mitologias e visões sobre o amor no mundo. Para o povo dagara, da África Ocidental,
o amor é um caminho coletivo de intimidade, a partir do qual é preciso deixar o ego
de lado. Já a teoria evolucionista, baseada em Charles Darwin, acredita que o amor
nada mais é do que a natureza fazendo seu papel para a produção de descendentes e a
continuidade da vida humana.

O livro do professor Renato Noguera nos ajuda a investigar o tema. | Imagem:


Divulgação
Paralelamente, a história de Adão e Eva pautou muito da relação conjugal
estabelecida na sociedade ocidental. Eles são representados como o primeiro casal
do mundo criado por Deus, sendo a mulher feita a partir do homem. O paraíso para
onde vão inicialmente pode representar a paixão inicial das relações, enquanto o
mundo real que surge após o pecado apresenta o cotidiano como é, com suas
dificuldades e provações.
Uma das questões que hoje vem à tona, com base na análise dessa passagem bíblica, é
que muito do formato dos relacionamentos conjugais foi pautado a partir da ideia de
inferioridade e dependência feminina em relação ao homem. Aliado a isso, vem também
da mitologia cristã a ideia de união eterna ou de “até que a morte nos separe”,
cada vez mais fortalecida por meio de representações românticas e idealistas.

O amor romântico
Provavelmente, você já ouviu falar de Romeu e Julieta, o casal que ficou eternizado
por não conseguir viver seu grande amor e ser tragicamente separado pela morte. Em
Titanic, o amor entre Jack e Rose também vive apenas na imaginação e nas
lembranças. A ideia de amor romântico – que vemos em filmes, livros, músicas e até
mesmo em publicidade, com a famosa família de margarina – estabelece relações
amorosas entre dois parceiros que se complementam em todos os aspectos, tornando-se
um só e vivendo “felizes para sempre” ou “até que a morte os separe”.
No entanto, a reprodução desses valores e princípios influencia a concepção
individual sobre o que de fato é uma relação amorosa, resultando em um processo de
idealização dessa experiência. Nesse sentido, como não buscar uma relação perfeita
recebendo tantos estímulos?

Gabriel e Eloana estão casados há 5 anos e tem uma filha de dois anos, Maria Flor.
| Foto: Fábio Caffé (SGCOM/UFRJ)
A engenheira naval Eloana Barreto e o professor e b-boy Gabriel Barreto estão
casados há 5 anos e afirmam com veemência que não são uma família de margarina,
pois acreditam que esse conceito não existe. Numa trajetória que pode parecer
perfeita para muitos, o casal fez todo o processo tradicional: namoro, noivado,
casamento com festa. Hoje, tem uma filha de dois anos: Maria Flor, resultado da
união. Ainda assim, apesar das fotos de família perfeita nas redes sociais, Gabriel
defende que ninguém sabe o que acontece quando a câmera desliga. “Isso aqui é a
vida real. As pessoas criam inspiração no casal perfeito, mas é preciso ver poesia
no dia a dia. Não é fácil, mas gosto de estar aqui, apesar de tudo”.
Para Eloana, é uma questão de escolha. Ela admite que não é fácil dividir todas as
demandas de uma casa e da filha e ainda manter a relação entre os dois. Mas, apesar
dos desafios da relação conjugal, a engenheira afirma que essa sempre foi a sua
opção de vida. “A lógica do ‘se não der certo, acaba’ faz com que tudo passe a ser
descartável, quando muitos casos podem ser resolvidos no diálogo. Isso pode
acontecer, mas não é o que rege a relação. Casamento é difícil, mas não existe
outra vida pra mim agora. É uma escolha”, confirma.

Monogamia x Não monogamia


Nem todas as pessoas, no entanto, se identificam com esse formato de relação. Para
alguns, a ideia de ter apenas uma pessoa exclusiva para compartilhar a vida “até
que a morte nos separe” não contempla as diversas possibilidades afetivas que se
apresentam ao longo da existência de um ser humano. É aí que precisamos entrar nos
termos monogamia e não monogamia.
Enquanto o primeiro é o regime de relacionamentos estabelecido como padrão pela
sociedade ocidental moderna, o segundo atua no sentido oposto. A monogamia
estabelece um acordo em que dois indivíduos decidem se relacionar entre si de forma
exclusiva: o formato tradicional de namoro e casamento já conhecido. Já na não
monogamia, as pessoas envolvidas entendem que é possível manter relações paralelas
com outros parceiros de forma simultânea ou casual, e que isso não interfere no
sentimento de nenhuma das partes.
Dentro das relações não monogâmicas, podem existir diferentes formatos: em um
relacionamento aberto, por exemplo, um casal central pode estabelecer um acordo em
que os dois possam se envolver com outras pessoas, eventualmente; outro formato
possível é o da relação em V, quando um indivíduo se relaciona ao mesmo tempo com
outros dois. Já nas relações de poliamor, três ou mais pessoas se envolvem todas
entre si.

Ras e Elisa vivem uma relação não monogâmica há dois anos. | Foto: Fábio Caffé
(SGCOM/UFRJ)
É o caso do massoterapeuta Ras Yohaness e da estudante de fisioterapia Elisa
Guimarães. Eles se relacionam ao mesmo tempo com uma outra pessoa X, que não se
sentiu confortável para participar da entrevista e das fotos. Ras e Elisa estão
juntos há quase dois anos, residem no mesmo espaço há quase um e, além dessa
relação de poliamor, eles ainda têm outras relações paralelas – o que é conversado
explicitamente e sem tabus. Para eles, essa é uma maneira de não anular os próprios
desejos para caber dentro de uma relação para que não se estabeleça uma ideia de
posse.
Sem nomear a relação, eles se afastam do que as pessoas chamariam de casamento: “O
que legitima o relacionamento é a afetividade, e o amor não é uma coisa rígida. As
afetividades são diferentes: não dá pra comparar pais, filhos, amores”, explica
Ras. Já Elisa não acha possível que o mesmo afeto intenso seja mantido por um longo
período sem que haja interesse por nenhuma outra pessoa. Por isso, enxergou sentido
nas relações não monogâmicas: “Essa forma de se relacionar não é falta de amor,
inclusive supre a nossa necessidade de afeto”.

Afinal, então o que é o amor?


Chegando ao fim sem resposta concreta para pergunta tão abstrata, podemos ver que
cada um tem a sua verdade quando se trata desse sentimento. Enquanto para Elisa e
Ras o amor é algo múltiplo, para Eloana e Gabriel ele tem a ver com poder contar um
com o outro. Não há respostas certas, mas apenas vivências e experiências. E para
você, o que é o amor?
Por que o amor só pode ser único?
Ras Yohaness
Não é porque a gente se relaciona de uma forma diferente que a gente não tem amor
também.
Elisa Guimarães
O amor é o que a gente tem de verdade de mais importante entre a gente.
Gabriel Barreto
No final, só a gente sabe o que é a gente se ter.
Eloana Barreto

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