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DIREITO DAS FAMÍLIAS E A DIVERSIDADE DA COMPOSIÇÃO DO

NÚCLEO FAMILIAR

RESUMO
O presente artigo cientifico, teve como objetivo, analisar a recepção de novos
arranjos familiares no âmbito do direito de família, utilizando-se para essa
finalidade a legislação brasileira a doutrina e a jurisprudência pátria, para
chegar-se a uma conclusão de que foi necessária uma ampliação do conceito
de família proposto pelo legislador, afim de proporcionar os mesmos direitos e
garantias a famílias formadas pelo vínculo da afetividade, corrigindo com isso,
uma expressa omissão legislativa, proporcionado a essas famílias a justa tutela
jurisdicional.

PALAVRA CHAVE: Casamento, afetividade, jurisprudência, arranjo familiar,


segurança jurídica.

INTRODUÇÃO
O Direito de Família no Código Civil de 1916, nada mais era do que o reflexo
de uma sociedade conservadora, patriarcal, agrária e patrimonialista. Nesse
contexto, a instituição casamento, era o meio legal, único e legítimo de
formação da família, que consistia na união heterossexual de indivíduos com o
proposito de procriação. Desse modo, qualquer outro tipo de união diverso
desse modelo, encontrava-se fadado ao desprezo da lei, da sociedade e
consequentemente sofria com as perdas dos direitos e garantias advindas do
Direito de família vigente.

Entretanto, o modo de vida sociedade do início do século XX, assim como o


pensamento e a cultura da sociedade não permaneceu inalterada com o passar
de algumas décadas, duas grandes guerras mundiais, desenvolvimento
tecnológico, regime militar, inserção da mulher no mercado de trabalho,
movimentos feministas etc, sinalizam que a sociedade nesse século está a
passar por grandes transformações.

Nesse contexto, é preciso fazer um recorte nas relações interpessoais, mais


precisamente, no direito de família, uma vez que a sociedade evoluiu e outros
modos de formação de família começaram a ser tornar uma realidade que aos
moldes do cód. Civil de 1916, não poderiam gozar da tutela do Estado.
Nesse ínterim, parte da doutrina e da jurisprudência, começaram a se debruçar
sobre o tema e, baseando-se no princípio da afetividade, frente a uma
crescente demanda, referente ao direito de reconhecimento de novos arranjos
familiares, fato social, que injustamente, encontrava-se excluído dos direitos e
garantias previstos ao casamento formal, deu-lhes a devida atenção e
prestação jurisdicional em face da expressa omissão legislativa, reconhecendo-
os como entidade familiar inserindo-os dentro do escopo do direito de família.

1. O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE

Por certo a concepção de família tradicional, vinculada ao matrimonio


heterossexual, as formalidades registrais, apego as tradições religiosas, o
papel do homem e da mulher na sociedade foram sendo suprimidas, melhor
dizendo, superadas pouco a pouco, com o desenvolvimento social,
principalmente nos períodos pós- 2ª guerra mundial.

Desse modo, um novo paradigma foi sendo adotado, ou seja, um modelo que
lança um olhar compreensivo a dinâmica e complexa realidade das relações
interpessoais e admite, novas formas de conceber o conceito de família, que
seja aberto e inclusivo, que abrange toda a sociedade, reconhecendo o
aspecto da subjetividade individual, abarcado unicamente pelo parâmetro da
afetividade.
Essa nova realidade acabou por apresentar demandas imprevistas e
cada vez mais complexas, para muitas das quais o direito de família
não tinha previsão legislada. Tomem-se como exemplo as uniões
estáveis (homo e heteroafetivas), os parentescos socioafetivos, os
casos de multiparentalidade, inseminações artificiais (até mesmo post
mortem), as famílias simultâneas, as famílias solidárias, as demandas
poliafetivas, entre diversos outros casos no mínimo instigantes a um
ordenamento que não os regula previamente. 1

Esse novo paradigma, por certo, é mais condizente com a realidade do mundo
atual. Porém, o Direito civil brasileiro, ainda não processou essa evolução
social ao ponto de positiva-los em seu ordenamento, de tal sorte que, esse
entravo legislativo, acaba por obstar as diversas demandas sociais no direito
de família, causando irreparáveis injustiças, pela omissão e desrespeito aos
1
12-Principio-da-Afetividade-no-Direito-de-Familia.pdf (tjba.jus.br) p.142.
princípios constitucionais, quais sejam, a dignidade da pessoa humana, da
igualdade, liberdade, não discriminação e da afetividade.

Nesse sentido, é de grande destaque a contribuição de parte dos doutrinadores


brasileiros nessa temática, demonstrando com isso, o quanto essa corrente
tem se aproximado da realidade dos fatos rumo a concretização cada vez mais
coerente, tendo em vistas a efetivação, reconhecimento e ampliação do
conceito de família, no ordenamento jurídico pátrio.
Afeto – Do latim affectus. Para a Psicanálise é a expressão que
designa a quantidade de energia pulsional e exprime qualquer estado
afetivo, agradável ou desagradável. Para a Filosofia é o que diz
respeito aos sentimentos, às emoções, aos estados de alma e,
sobretudo, ao amor. Espinosa diz que somo construídos por nossos
afetos e pelos laços que nos unem a outros seres. (...) Desde que a
família deixou de ser, preponderantemente, um núcleo econômico e
de reprodução, e as uniões conjugais passaram a se constituir,
principalmente em razão do amor, a família tornou-se menos
hierarquizada e menos patrimonializada. O afeto, tornou-se, então,
um valor jurídico e passou a ser o grande vetor e catalisador de toda
a organização jurídica da família. (...) O afeto ganhou tamanha
importância no ordenamento jurídico brasileiro que recebeu força
normativa, tornando-se o princípio da afetividade o balizador de todas
as relações jurídicas da família15.2

Porém, é relevante ressaltar que juridicamente, o reconhecimento desse


princípio, só é possível por meio de manifestações externas, ou seja, pela
dimensão objetiva, ao passo que na dimensão subjetiva, apenas, esse
reconhecimento não lhes é permitido, uma vez que não há possibilidades de se
mensurar laços afetivos no campo da subjetividade desprovidos de provas.

Nesse sentido, cabe ao mundo jurídico se debruçar apenas nas manifestações


exteriorizadas, dimensão objetiva, aquelas que são visíveis e que podem ser
atestadas, tendo sua veracidade comprovada por meio de provas materiais
decorrentes de sua manifestação social, que, uma vez demostrada de forma
fática, presume-se como legítima, a dimensão subjetiva, ou seja, o sentimento
das pessoas envolvidas.

Ademais, o princípio da afetividade aplica-se a todos, tanto aos que possuem


vínculos de parentalidade ou conjugalidade, quer seja, matrimonial ou mesmo
na forma de união estável, constituindo lhes um dever jurídico, visto serem
2
12-Principio-da-Afetividade-no-Direito-de-Familia.pdf (tjba.jus.br) p. 143,144
modelos já reconhecidos pelo sistema jurídico, quanto as novas formas de
reconhecimento familiar, ou seja, aquelas que ainda não estão positivadas no
sistema de forma explicita, mas que estão presentes no mundo fático, que
precisam de reconhecimento e proteção do jurídica.

2. A CONTRIBUIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA NO ENFRENTADO AO TEMA

O Código Civil de 2002, capítulo IV, trata Do Direito de Família, e os arts, 511 e
seguintes tratam do subtítulo I, Do Casamento, de suas disposições gerais, da
capacidade, dos impedimentos, das causas suspensivas, do Processo de
Habilitação, da celebração, das provas, da eficácia, da Dissolução da
Sociedade e do vínculo conjugal, da Proteção da Pessoa dos Filhos.

Contudo, apesar de extenso, o Direito de família não foi claro e explicito o


suficiente o suficiente para dirimir todos os conflitos sociais ao conceito de
família na sociedade moderna. Quanto ao casamento, o termo homem e
mulher, presentes no art. 226 da CF/88 e no CC/02, parecia ser preciso e
indiferente aos a outros tipos de formação de família causando repulsa aos
defensores da família tradicional.

Tem-se com isso uma pequena amostra da legislação vigente, que a despeito
da realidade social, não tem coragem de ampliar os dispositivos positivados no
ordenamento jurídico e desafogar o judiciário, dando visibilidade jurídica a
novas de entidade familiar presente sociedade.
Art. 1.514. O casamento se realiza no momento em que o homem e a
mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer
vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.
Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente
a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos
encargos da família.
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre
o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e
duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. 3

Coube ao judiciário resolver, esses conflitos abarcando-se do arcabouço


principiológico presente no ordenamento jurídico brasileiro atualizando assim o

3
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm
conceito de família corrigindo com isso as injustiças lançadas aos demais
arranjos familiares.

Nesse sentido, o supremo do STF julgou em 2011 a, ADI 4277 e a ADPF 132,
reconhecendo a união estável para casais do mesmo sexo. A partir desse
julgado, torna-se claro, que não há possibilidades de marginalizar os casais
homoafetivos, mitigando-lhes seus direitos, uma vez que eles são reconhecidos
como entidade familiar
O ministro Ayres Britto argumentou que o artigo 3º, inciso IV, da CF
veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que,
nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em
função de sua preferência sexual. “O sexo das pessoas, salvo
disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”,
observou o ministro, para concluir que qualquer depreciação da união
estável homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do artigo 3º da
CF. Os ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa,
Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem
como as ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen
Gracie, acompanharam o entendimento do ministro Ayres Britto, pela
procedência das ações e com efeito vinculante, no sentido de dar
interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer
significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o
reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como
entidade familiar.4

Outro julgado importante foi o da ADI 5971, situação em que a Lei Distrital
6.160/2018, excluía os casais homoafetivos de serem comtemplados pelas
políticas públicas.
Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF)
decidiu que, para fins de aplicação de políticas públicas no Distrito
Federal, o reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo
sexo não pode ser excluído do conceito de entidade familiar. A
decisão foi tomada no julgamento em sessão virtual da Ação Direta
de Inconstitucionalidade (ADI) 5971. [...], O ministro ressaltou, no
entanto, que o dispositivo, se interpretado no sentido de restringir o
conceito de entidade familiar exclusivamente à união entre homem e
mulher, apresentará violará os princípios constitucionais da dignidade
da pessoa humana e da isonomia. Ele explicou que o STF, no
julgamento da ADI 4277 e da Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) 132, excluiu do dispositivo do Código
Civil qualquer interpretação que impeça o reconhecimento da união
contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como
família segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências
da união estável heteroafetiva. Quando a norma prevê a instituição de
diretrizes para implantação de política pública de valorização da
família no Distrito Federal, deve-se levar em consideração também
aquelas entidades familiares formadas por união homoafetiva”,
concluiu.5

4
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931
5
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=423582
Dessa forma, percebe-se que a jurisprudência tem dado vida ao direito, uma
vez que com o olhar voltado para a realidade social, passa a interpretar as
lacunas deixadas pela legislação, dando interpretação abrangente e inclusiva,
fundamentada em princípios constitucionais condizentes com os direitos
humanos.

Muitos outros julgados importantes e divisores de águas tem se destacado no


cenário nacional no que se refere a novos arranjos familiares, repercutindo
dessa forma no Direito de Família.

Tem-se o acordão proferido em 2012 pelo STJ, que admitiu a reparação civil
pelo abandono afetivo (STJ, REsp 1.159.242/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi,
Terceira Turma, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012).

Em 2016 o STF reconheceu-se a legitimidade da multiparentalidade


O relator do RE 898060, ministro Luiz Fux, considerou que o princípio
da paternidade responsável impõe que, tanto vínculos de filiação
construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto aqueles
originados da ascendência biológica, devem ser acolhidos pela
legislação. Segundo ele, não há impedimento do reconhecimento
simultâneo de ambas as formas de paternidade – socioafetiva ou
biológica –, desde que este seja o interesse do filho. Para o ministro,
o reconhecimento pelo ordenamento jurídico de modelos familiares
diversos da concepção tradicional, não autoriza decidir entre a filiação
afetiva e a biológica quando o melhor interesse do descendente for o
reconhecimento jurídico de ambos os vínculos. [...] O ministro Luiz
Fux (relator), ao negar provimento ao recurso extraordinário, foi
seguido pela maioria dos ministros: Rosa Weber, Ricardo
Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e a
presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia. De acordo com a
ministra Rosa Weber, há possibilidade de existência de paternidade
socioafetiva e paternidade biológica, com a produção de efeitos
jurídicos por ambas. Na mesma linha, o ministro Ricardo
Lewandowski reconheceu ser possível a dupla paternidade, isto é,
paternidade biológica e afetiva concomitantemente, não sendo
necessária a exclusividade de uma delas.6 

CONCLUSÃO

6
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=325781
Diante do exposto, pode-se afirmar que o Direito de Família brasileiro tem
alcançado um avanço significativo por conta dessas decisões ao receber as
atualizações consoantes a dinâmica das relações interpessoais da sociedade
moderna.

Nesse sentido, ampliar o conceito de família de modo a abarcar as relações


diversas da convencional, heterossexual, é dar um gigante passa em prol da
segurança jurídica e justiça social, uma vez que, aproxima o direito da
realidade fática das pessoas.

Ademais, o reconhecimento pelos tribunais, de novos arranjos familiares,


abarcados pelo princípio da afetividade, corrige de certa forma, algumas
décadas de descaso e invisibilidade àquelas famílias que se encontravam
marginalizadas, garantindo-lhes com isso a segurança jurídica das quais
gozavam exclusivamente as famílias tradicionais, formadas pela união
heterossexual, quais sejam, direitos a pensão alimentícia, direitos sucessórios,
direito a visitação, ou seja, tem-se um direito de família, amplo, moderno e
isonômico.

BIBLIOGRAFIA
CALDÉRON, Ricardo. 12-Principio-da-Afetividade-no-Direito-de-Familia.pdf
(tjba.jus.br)
TARTUCE, Flávio. O Princípio da Afetividade no Direito de Família. In
Revista Consulex nº 378, 2012. Disponível em:
www.flaviotartuce.adv.br/assets/uploads/artigos/201211141217320.ARTIGO_A
FETIVIDADE_CONSULEX.doc.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=423582
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=325781

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