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Introdução
marginais ou ancestrais, ainda resistem em diversas partes do mundo. Essas diferenças muitas
vezes têm a ver com os processos de consumo. Afirma-se frequentemente, num tom de pesar,
que a nossa é uma “sociedade de consumo” ou uma “cultura de consumo”. Tais rótulos –
emergentes após a Segunda Guerra Mundial e tornados famosos por autores como Marcuse,
Galbraith, Packard e Baudrillard – foram utilizados para sugerir que a sociedade em que vivemos
é uma variante particular do capitalismo caracterizada pela primazia do consumo. Na realidade,
porém, por baixo da aparente simplicidade da expressão “sociedade de consumo” reside uma
profunda ambiguidade. Desde a sua primeira aparição, este termo tem sido usado mais para
transmitir condenação do que para descrever; em particular, em vez de ser utilizado para
compreender o que caracterizava as práticas reais de consumo, serviu para estigmatizar o que
parecia ser uma paixão crescente e descontrolada pelas coisas materiais. Naquela altura, a
“sociedade de consumo” constituía um ataque ao chamado “consumismo”: uma procura
contínua e incessante de coisas novas, elegantes mas supérfluas, que os críticos sociais
classificaram como causadoras de descontentamento pessoal e desinteresse público no
capitalismo avançado.
Com os seus tons apocalípticos, esta conotação moralista e moralizante mascara
continuidades substanciais, bem como diferenças importantes entre a nossa sociedade e outras
formações sociais. Mesmo sociedades radicalmente diferentes das nossas podem ser
caracterizadas, pelo menos em parte ou em certos sectores da população, como materialistas e
aquisitivas. Assim, as pessoas nas sociedades “tribais” também utilizam objectos para se
distinguirem e marcar hierarquias sociais, alianças e conflitos; mesmo nestas sociedades
podemos encontrar formas de consumo conspícuo que servem principalmente para reforçar a
dominação social e cultural de certos membros. Por seu lado, o “novo” e o “exótico” revelaram-se
muitas vezes fascinantes e sedutores mesmo em sociedades tão cautelosas e tradicionais como a
medieval – sendo um exemplo bem conhecido a notável difusão por toda a Europa das
especiarias orientais que começou neste período. Ainda assim, é evidente que estas sociedades
estão, em muitos aspectos, bastante distantes da nossa. Como, então, podemos começar a
pensar sobre a peculiaridade da cultura de consumo contemporânea? Como podemos capturar a
especificidade do nosso tempo?
Procurarei entrar nessas questões tomando emprestadas as palavras que Max Weber
(1980, orig. 1923) usou para definir o capitalismo ocidental maduro: a sociedade de
consumo é um tipo de sociedade em que “a satisfação das necessidades diárias” é
realizada “através da modo capitalista”. Isto quer dizer que os desejos diários são
satisfeitos através da aquisição e utilização de “mercadorias”, bens que são produzidos
para troca e estão à venda no mercado. Mesmo que encontremos várias formas de
capitalismo em todos os períodos históricos (isto é, formas de produção caracterizadas
pela maximização do lucro), segundo Weber, isso ocorre apenas no Ocidente, e apenas a
partir de um determinado momento no desenvolvimento da economia moderna.
capitalismo, que podemos encontrar este tipo de sociedade. A isto acrescentarei que na
sociedade de consumo não apenas satisfazemos as nossas necessidades diárias mais
elementares através de mercadorias; também conceituamos a compra e o uso de bens
como atos de “consumo”. Além disso, estamos habituados a ser tratados como
“consumidores” por uma infinidade de disciplinas científicas, discursos mundanos e
instituições sociais que contribuem para circunscrever e delinear o que significa “consumo”
e que tipo de pessoas somos quando agimos como “consumidores”. O consumo parece ser
um mundo em si, composto de lugares e tempos especificamente dedicados, considerados
justapostos e separados dos do trabalho. Como é evidente, o consumo é cada vez mais
codificado como lazer, e o lazer é cada vez mais
Nascido para consumir 3
bens novos e diversos para mais perto de nós, bens produzidos em lugares distantes, através de processos muitas vezes
Como ficará evidente ao longo deste livro, o consumo é melhor considerado como um
conjunto complexo de práticas económicas, sociais e culturais, interligadas com todos os
fenómenos mais importantes que passaram a constituir a sociedade contemporânea.
6 Introdução
Estrutura do livro