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UNIDADE 1

Cultura Afro-Brasileira e Indígena:


HISTÓRIA E EDUCAÇÃO
INTERCULTURAL

Organizadores:
Bianca Luiza Freire de Castro França | Erick Reis Godliauskas Zen | Madalena Marques Dias Grassl
Pablo Rodrigo Bes Oliveira | Patricia da Costa Machado | Ursula Boeck
unidade

1
As Relações Étnico-Raciais
Prezado estudante,
Estamos começando uma unidade desta disciplina. Os textos que a compõem foram organizados
com cuidado e atenção, para que você tenha contato com um conteúdo completo e atualizado
tanto quanto possível. Leia com dedicação, realize as atividades e tire suas dúvidas com os
tutores. Dessa forma, você, com certeza, alcançará os objetivos propostos para essa disciplina.

Objetivo Geral
Apropriar-se do conhecimento etnocultural e suas particularidades nas problematizações de raça e etnia e
demonstrar as mudanças no ensino sobre a cultura afro-brasileira e indígena no Brasil.

Objetivos Específicos
• Compreender as concepções de raça e etnia;
• Entender os aspectos históricos e legais que envolvem as relações étnico-raciais;
• Conhecer o que são as políticas afirmativas;
• Ampliar o reconhecimento e o respeito à diversidade cultural na sala de aula;
• Fortalecer a educação antirracista para o reconhecimento e respeito da cultura;
• Realizar um histórico do ensino da cultura afro-brasileira e indígena.

Questões Contextuais
• Podemos entender raça e etnia como tendo o mesmo significado?
• Que aspectos históricos e legais envolvem as relações étnico-raciais?
• Afinal, o que são políticas ou ações afirmativas?
• Pensando um pouco sobre tudo o que você aprendeu sobre história brasileira, até hoje, como e quando
foram abordados temas sobre a Cultura Afro-brasileira e indígena em sala de aula?
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1.1 O que é Cultura?


Prezado aluno, seja bem-vindo à disciplina de Cultura Afro-brasileira e Indígena.
Nessa primeira Unidade iremos apresentar os conceitos de raça, etnia e cultura; um
breve histórico do ensino da cultura afro-brasileira e indígena no Brasil, abordado
através das trajetórias negras e indígenas; e um panorama sobre lutas sociais e ação
afirmativa a favor de uma educação decolonial e antirracista.

GLOSSÁRIO

Decolonial: o pensamento decolonial é uma vertente da crítica pós-colonial,


especialmente das teorias surgidas na Ásia e África, no contexto das lutas
de vários países colonizados pela libertação, produzindo reflexões acerca
do que representou o Colonialismo para os países colonizados pela Europa
(ALMEIDA; SILVA, 2015).

Primeiramente, você precisa saber que o conceito de cultura é muito abrangente


e sofreu modificações e reconfigurações históricas importantes que repercutem
diretamente nos tempos atuais. Hoje, a cultura ocupa um papel de destaque no mundo
inteiro, sendo garantida e protegida por lei em diversas nações, inclusive aqui no Brasil.
Entender como esse conceito surge e se expande historicamente é essencial neste
primeiro momento, para podermos pensá-lo no formato como o encontramos hoje.

Uma das primeiras associações do termo cultura, que surge na literatura do século
XV, tem relação com o cultivo agrícola. Até hoje podemos ver, ao percorrer as cidades do
interior, a associação da palavra às plantações que estão sendo cultivadas. Assim, temos as
palavras que daí derivam, como agricultura, suinocultura, floricultura e muitas outras.
O mais curioso é que se considerou, no início da utilização da palavra culter, a palavra
“natureza”, como seu antônimo, como se a cultura se posicionasse como contrária, oposta à
natureza. É importante, neste primeiro momento, guardar essa informação, pois representa
a ideia inicial de cultura como algo que se vale da natureza para criar, produzir algo.

Já a raiz latina da palavra “cultura” está associada a colere, que possui seu
significado associado a cultivar, habitar, adorar e proteger. Esse radical apresenta
aproximações à palavra colonus, a qual gerou “colonização”. Você pode perceber que
essa origem etimológica nos dá pistas de como pensamos o conceito de colonização e de
como esta ocorreu no período das grandes descobertas, por exemplo. No caso específico
do Brasil, ao chegarem em nossas terras e perceberem os índios na sua condição natural,
os portugueses logo pensaram em colonizá-los e transmitir a eles sua cultura.
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“Cultura” ainda se aproxima da religião por meio de cultus, abarcando em si


a ideia da força e da imponência das tradições religiosas. Ainda hoje identificamos
o uso da palavra “culto” quando as pessoas se referem a determinadas reuniões
religiosas, não é mesmo?

Já no século XVI, o conceito de cultura como produção agrícola foi transposto


para a mente humana. Esta passou a ser vista como o campo fértil onde ideias poderiam
vir a ser cultivadas. É importante perceber esse deslocamento da noção de cultura, antes
associada ao uso da natureza e, a partir deste período, referindo-se à mente humana.
Porém, esse conceito de mente a ser cultivada irá se restringir aos indivíduos e grupos
com acesso a este “cultivo das mentes”, por meio de uma educação escolarizada,
estabelecendo, então, uma diferenciação entres aqueles que seriam cultos (com elevado
padrão de cultura e civilização) e os demais.

A cultura nos mostra que esse conceito vem se modificando ao longo da história.
Porém, a ideia de Cultura (com “c” maiúsculo) pode ser entendida de uma maneira
muita clara. Ela está associada a uma certa elite da população que possui acesso aos
grandes clássicos literários e pode frequentar óperas, peças teatrais, cinema, museus.
Por isso, essa ideia de cultura ainda permanece presente nos dias atuais.

Algumas vezes, você já deve ter presenciado pessoas se referirem a alguém que
não tenha muito conhecimento sobre algo como “ignorante” ou “sem cultura”, certo?
Isso é um reflexo dessa maneira de entender a cultura, que já foi um dia dominante,
algo que mudou em nossa realidade atual.

É somente no século XX que a noção de cultura passa a incluir a cultura popular


e se estende a todos os estratos sociais. Esse movimento é chamado por alguns autores
de virada cultural.

Por virada cultural, podemos entender um movimento que surge na metade do


século XX e que faz com que a cultura se torne central na vida contemporânea. Stuart
Hall, um estudioso do termo, em seu artigo “A centralidade da cultura: notas sobre as
revoluções do nosso tempo”, nos traz que:

A expressão “centralidade da cultura” indica aqui a forma como


a cultura penetra em cada recanto da vida social contemporânea,
fazendo proliferar ambientes secundários, mediando tudo. A cultura
está presente nas vozes e imagens corpóreas que nos interpelam das
telas, nos postos de gasolina. Ela é um elemento chave no modo como
o meio ambiente doméstico é atrelado, pelo consumo, pelas tendências
e modas mundiais. É trazida para dentro de nossos lares através dos
esportes e das revistas esportivas, que frequentemente vendem uma
imagem de íntima associação ao lugar e ao local através da cultura do
futebol contemporâneo (HALL, 1997, p. 5).
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É importante percebermos que essa virada cultural ocorre ao mesmo tempo que
o mundo se transforma em relação às formas de trabalho, comunicação e mobilidade,
advindas do fenômeno da chamada globalização. Ela reconfigura o conceito de cultura,
a qual passa a abranger também, em seu leque de possibilidades, o que antes era visto
em segundo plano, considerado por alguns autores até mesmo como “baixa cultura” em
relação à “cultura da elite”.

GLOSSÁRIO

“A ‘globalização’ se refere àqueles processos, atuantes numa escala global,


que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e
organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em
realidade e em experiência, mais interconectado” (HALL, 2005, p. 67).

Peter Burke (2003) traz um conceito simples para definir cultura quando diz que
esta é um sistema de integração, diferenciação e referência o qual organiza e concede
um sentido à atividade dos seus membros. Isso significa pensar que somos constituídos
pelos elementos de nossas culturas, que nos integram e perpassam nossas vidas desde
o nascimento (ou até mesmo antes), que nos fornecem uma referência, padrões e normas
de como agir, como viver. A cultura atualmente é entendida como esse conjunto de
práticas, que podem ser discursivas ou não, que nos envolvem e fazem com que nossas
identidades sejam construídas.

DESTAQUE

“Cultura identifica-se, assim, com a forma geral de vida de um dado grupo


social, com as representações da realidade e as visões de mundo adotadas por
esse grupo” (MOREIRA, 2008, p. 12).

Assim, podemos dizer que possuímos hoje diversas culturas que compõem os
inúmeros grupos sociais dos quais as pessoas participam, o que nos traz pistas da
importância de entendermos o conceito da diversidade cultural, que trataremos mais
adiante em nossos estudos.

Uma vez entendido o conceito de cultura como plural, representando todo o


conjunto de práticas que encontramos nos modos de viver e ser dos grupos que nos
constituem como pessoas (seres humanos), fica simples entender os motivos que o seu
estudo deva ser incentivado e perseguido, não é mesmo?
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Vamos imaginar, a partir de agora, que, entre nós, na sociedade, existem inúmeras
culturas que coabitam o mesmo espaço geográfico e que interagem entre si; porém,
nem sempre compartilham das mesmas ideias sobre as coisas e sobre o mundo. Com
certeza, o não entendimento do quanto a cultura é elemento importante na constituição
da pessoa pode ser uma das explicações que nos leva a cenas terríveis de preconceitos
e intolerâncias em relação a alguns costumes, tradições ou práticas culturais.
Por esse motivo, nosso próximo passo será analisar brevemente o histórico do
ensino da cultura afro-brasileira e indígena, para que possamos identificar de maneira
mais certeira o que deveremos abordar em sala de aula.

1.2 Etnia, Povo, Raça, Nação...


É Tudo a Mesma Coisa?
Muitas pessoas se confundem e consideram que “etnia”, “povo”, “raça” e
“nação” possuem o mesmo significado. Porém, na verdade, são quatro definições
com significados totalmente diferentes. Vamos conhecer brevemente cada um destes
conceitos na imagem a seguir.

Figura 1.1 – Conceitos básicos de Etnia, Povo, Raça e Nação.

Etnia identidade cultural do grupo

grupo de pessoas que possuem


Povo
unicamente um ponto em comum

fatores biológicos, políticos,


Raça
religiosos e sociais

consciência coletiva de
Nação
valores e tradições
Povo
Grupo de pessoas que possuem
Fonte: Adaptado
unicamente um ponto em comumpor Universidade La Salle (2020) com base em Gomes (2011).

Nilma Lino Gomes (2011, p. 2) explica que:

sociólogos, antropólogos, psicólogos sociais e educadores, bem como


o Movimento Negro, quando usam o conceito de raça, não o fazem
alicerçados na ideia de raças superiores e inferiores como originalmente
foi usado pela ciência no século XIX. Pelo contrário, usam-no com uma
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nova interpretação que se baseia na dimensão social e política dele. E


ainda o empregam porque a discriminação racial e o racismo existentes
na sociedade brasileira se dão não apenas em razão dos aspectos culturais
presentes na história e na vida dos descendentes de africanos, no Brasil
e na diáspora, mas também graças à relação que se faz entre esses e os
aspectos físicos observáveis na estética corporal desses sujeitos.

GLOSSÁRIO

Diáspora: significa dispersão de povos, por motivos políticos ou religiosos.


Disponível em: http://gg.gg/atxdd.

DESTAQUE

“O Brasil é considerado um país com uma enorme miscigenação étnica, como


os indígenas, portugueses, holandeses, italianos, negros, japoneses, árabes,
etc. Mas não se pode dizer que há diferença racial entre os brasileiros, já
que a raça humana é uma só. Cada região brasileira, devido ao seu contexto
histórico particular, possui uma predominância de determinada etnia. Os
processos migratórios no Brasil foram fundamentais para a variedade de
etnias brasileiras. Além dos grupos culturais de imigrantes, a miscigenação
permitiu a criação de grupos étnicos próprios do Brasil, como os caboclos e
mulatos”. Disponível em: http://gg.gg/atxdj.

Figura 1.2 – Somos todos parte de uma nação, de um povo,


com características da raça humana e de uma etnia.

Fonte: Brasileiros nos Estados Unidos (2017).


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1.3 Histórico do Ensino da Cultura Afro-


Brasileira e Indígena no Brasil: Racismo
e Branqueamento nas Políticas Públicas
e na Compreensão da História Nacional
A história educacional brasileira desde seu início é construída de forma
excludente, preconceituosa e racista. Desde o século XIX, quando o Brasil começa a
ser delineado enquanto Nação, os grupos da elite europeia que colonizaram nosso país,
por meio de ações institucionalizadas, pensaram a Educação enquanto uma ferramenta
de segregação, visando apenas seus pares e a Cultura e História europeias. Por sua vez,
a elite local, a fim de “europeizar-se”, buscando o branqueamento da cultura nacional
assume vertentes europeias para contar nossa História.

O conceito de ideologia do embranquecimento está presente e é marcante


nos diversos meios de comunicação e na grande mídia, podendo ser
identificada naquilo que chamamos de ressignificações cotidianas do
racismo no Brasil. A valorização excessiva dos elementos estéticos e
culturais não negros ou não indígenas produz consequências que levam
ao negligenciamento da diversidade étnico-racial do país, fazendo com
que os referenciais históricos da população afro-brasileira e indígena
se tornem invisíveis.

O mais grave dessa ideologia diz respeito ao nível psicológico social,


que fica inebriado pelas positividades dispensadas à população
branca, e as negatividades à negra e índia, fomentando, dessa forma,
uma sistemática rejeição da aparência de origem africana e indígena,
paralelamente, incentivando uma compulsão social de brancura.
Essas representações sociais se constituem no tecido social e atingem
as mais diversas instituições, ficando bem marcadas nas instituições
educacionais (SEEDF, 2012, p. 21).

No Brasil, permanece o que Munanga (2000) afirma ser as três ideologias/


mecanismos de subjugação da classe dominante: a degenerescência do mestiço, o ideal
de branqueamento e a “democracia racial”.
O que isso quer dizer? A degenerescência é o definhamento cultural através
da ideia de cultura superior e cultura inferior. Ou seja, a cultura europeia é dada
como superior, enquanto a cultura afro-brasileira e indígena são inferiores, e por isso
devem ser levadas ao definhamento. Uma das principais características da política
de branqueamento que caracterizou o racismo no Brasil foi a geração de estereótipos de
inferioridade e/ou superioridade racial.
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DESTAQUE

Os discursos da ideologia do branqueamento junto com o da “democracia


racial” propagaram a não existência de diferenças raciais no país e a falsa visão
da convivência harmoniosa e pacífica entre as pessoas, que, por conseguinte,
gerava direitos iguais a todos (FREYRE, 1933).

No século XIX, o acesso à Educação foi pensado pelas elites e executado por meio
de ações institucionalizadas que visavam educar apenas seus pares, e esse fato fez com
que, até os dias de hoje, se perpetue todo o preconceito e o racismo, individualizados e
institucionalizados em nossa sociedade.

Figura 1.3 – Escola Brasileira no Século XIX.

Fonte: Pixabay (2019).

Quando, em algum momento o negro e, principalmente, o índio, são abordados


pela historiografia nacional, permanece a criação de personagens romanceados,
longe das realidades vividas por esses atores histórico sociais. Muito do que sabemos
sobre o negro no Brasil está atrelado somente ao período da escravidão, que é sempre
rememorado no 20 de novembro (Dia da Consciência Negra) e apagado nos outros
364 dias do ano, o que definha a história e cultura de homens e mulheres que foram
retirados de seus países de origem, de suas famílias e vidas para servirem de escravos
em um outro continente. Privados de sua liberdade, língua e crenças.
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Por outro lado, a população indígena não fica para trás. Dizimados aos montes,
ora pela violência da colonização, ora pelas doenças do contato, esses povos foram
escravizados, violentados, usurpados de suas terras e riquezas, assimilados, tutelados e
criminalizados. Porém, o índio retratado na historiografia oficial era o nosso antepassado
valoroso e celebrado no 19 de abril (Dia do Índio), amigo e guardião das matas. Muito
distante dos caboclos, mestiços e ribeirinhos massacrados nos rincões do país.
Ao negar Educação formal igualitária aos povos negros e indígenas, dá-se início
também ao processo de definhamento dessas culturas. Pois, uma vez que os escravizados
e os indígenas possuíam culturas oralizadas, ou seja, suas histórias e tradições eram
passadas através das gerações pela fala, pelo contar histórias e repassar conhecimentos
orais, pois não sabiam escrever e/ou ler, não tinham como registrar suas Histórias de
forma oficial, como os brancos europeus.
Buscaremos, então, novas alternativas, fontes e pesquisas, além da tal Historiografia
Oficial, que não dá conta da complexidade das culturas Afro-brasileira e Indígena. Assim,
iniciaremos um breve histórico destas culturas analisando aspectos negligenciados
sobre as mesmas.

Figura 1.4 – Diversidade do Povo brasileiro.

Fonte: Adaptado por Universidade La Salle (2019) com base em Freepik (2019).
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VÍDEO

Para que você compreenda ainda mais as temáticas que estamos estudando até
agora, assista ao debate “A obrigatoriedade do estudo da história e cultura
afro-brasileira e indígena”, comandado pelo jornalista Luis Nassif no canal da
TV Brasil. O link está aqui: http://gg.gg/fyp0e.

1.3.1 Educação e Cultura Afro-Brasileira (Breve Histórico)


Podemos iniciar o nosso histórico no século XIX, época em que uma série de
leis brasileiras relacionadas à Educação permitiram que várias parcelas da população
fossem excluídas do acesso aos bancos escolares, principalmente a população negra.

Em 22 de dezembro de 1837, a Lei Municipal n.º 14, de São Leopoldo (RS),


proibia terminantemente escravizados e pretos, ainda que livres ou libertos, de
frequentarem aulas públicas.

Em 1838, foram proibidos de frequentar aulas públicas, em Sergipe, os negros


portadores de doenças contagiosas.

Em 17 de fevereiro de 1854, a Lei n.º 1.331/54, estabeleceu a proibição de ingresso


de escravizados jovens na escola.

A Lei n.º 7.031–A, de 06 de setembro de 1878, estabelecia que negros só poderiam


estudar em cursos noturnos, porém não havia luz nas escolas.

Em São Paulo, no ano de 1893, Institutos de Educação Católicos instituíram o


Regulamento do Seminário Episcopal, no qual em seu art. 10 prescrevia que: para ter
lugar entre os gratuitos e pensionistas do seminário o pretendente não poderia ser negro.

No final do século XIX, logo após a Lei Áurea (1888), surgiram as primeiras leis
a respeito da obrigatoriedade do ensino fundamental não contemplando negros.
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DESTAQUE

No século XX, na década de 1930, o Brasil vive um discurso de ocultação


do racismo forçado pelo processo de desenvolvimento nacional. O discurso
é pautado na valorização da mestiçagem, reafirmando uma unidade do povo
brasileiro como produto das diferentes raças (europeu, negro e índio), e cuja
convivência é harmônica. Tal discurso, fez com que na década de 1940, a
imprensa internacional passe a registrar, de forma equivocada, a ideia de
democracia racial, apresentando o Brasil como referência de justiça social.

Na década de 1970, no período da Ditadura Civil-Militar, os ministros das


Relações Exteriores (Mário Gibson Barbosa e Azeredo da Silveira) tratam
como se não houvesse discriminação racial no Brasil e que, portanto, não
havia necessidade de se tomar medidas de natureza legislativa, judicial e/ou
administrativa para assegurar a igualdade de raças. Com isso, o debate sumiu
da pauta nacional, sendo retomado apenas na redemocratização do país, no
final da década de 1980, diluído nas questões da justiça social.

Segundo as orientações pedagógicas do Distrito Federal, o processo democrático


estabelecido na Constituição Brasileira de 1988, relativamente às populações negra
e indígena, historicamente excluídas no que diz respeito à Educação, só passa a
ser regulamentado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, Lei
n.º 9.394/96, na década de 1990. Essa legislação estabelece a obrigatoriedade do ensino
sobre história e cultura afro-brasileira e indígena no âmbito de todo o currículo escolar,
resgatando sua contribuição decisiva para o desenvolvimento social, econômico, político
e cultural do país (SEEDF, 2012, p. 9).
Apenas no século XXI, nos anos 2000, a questão racial ganhou visibilidade nos
mais diversos setores. O Estado brasileiro passa a se reconhecer racista a partir das
lutas e reivindicações dos Movimentos Sociais e, em 21 de março de 2003, institui a
Secretaria de Política de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR. Com essa instituição,
Estados, Municípios e o Distrito Federal passam a se organizar rumo ao estabelecimento
de políticas de inclusão educacional (SEEDF, 2012, p. 9).
No ano de 2003, a Lei n.º 10.639 é promulgada, alterando a Lei n.º 9.394 de 1996,
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial
da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”.
Em 2004, foi criada a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade - SECAD, hoje Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão - SECADI, com objetivo de “contribuir para a redução das
desigualdades educacionais por meio da participação de todos os cidadãos em políticas
públicas que assegurem a ampliação do acesso à Educação” (SEEDF, 2012, p. 18).
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SAIBA MAIS

Infelizmente, a extinção da SECADI foi determinada por meio do Decreto n.°


9.465, de 2 de janeiro de 2019. Para saber mais sobre o assunto e os motivos
que causaram seu encerramento, leia a matéria “A extinção da SECADI e o
campo da Educação na conjuntura atual”, do site Justificando. O link está
aqui: http://gg.gg/nxjt4.

A este quadro podemos associar vários fatores internos, como a Constituição


de 1988; a Marcha Zumbi dos Palmares contra o racismo, pela cidadania e a vida, em
1995; e a LDB, de 1996; e, externos, como a Conferência Mundial Contra o Racismo,
Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, em 2001, em Durban, África
do Sul, que contribuíram para o avanço das políticas públicas com o viés racial no
Brasil (SEEDF, 2012, p. 18).

1.3.2 Educação e Cultura Indígena (Breve Histórico)


Em relação aos indígenas, segundo as orientações pedagógicas do material do
Distrito Federal, durante todo o período que se estende desde a chegada dos Portugueses,
no século XVI, até a década de 1970, a educação escolar indígena esteve, na maior parte
do tempo, a cargo de entidades religiosas e grupos religiosos. Desde o século XVI, a
partir da chegada dos Portugueses ao Brasil, os índios passaram por um processo de
catequização e socialização para que fossem “assimilados” pela sociedade brasileira.
(SEEDF, 2012, p. 22).

A tradição indigenista, desde essa época até os anos de 1970, se pautava no


estímulo a formas sociais e econômicas que geravam dependência e subordinação da
terra e do trabalho indígena a uma lógica de acumulação. (KAHN; FRANCHETTO,
1994). Do final do Império até o início do século XX, o Estado dividiu com as ordens
religiosas católicas, mais uma vez, a responsabilidade pela educação formal para
índios (BRASIL, 2009).

No século XX, nos anos seguintes a instauração e consolidação do


regime republicano, o Estado iniciou a sistematização de uma política
indigenista com a clara intenção de mudar a imagem do Brasil
perante a sociedade nacional e punição contra discriminações. Órgãos
governamentais foram criados com as funções de prestar assistência
aos índios e protegê-los contra atos de exploração e opressão e de gerir
as relações entre os povos indígenas, os não índios e os demais órgãos
de governo (SEEDF, 2012, p. 24).
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A Educação escolar, uma das ações de proteção e assistência sob a responsabilidade


desses órgãos indigenistas, assume papel fundamental no projeto republicano de
integração do índio à sociedade nacional por meio do trabalho. Ela é posta como
fundamental para a sobrevivência física dos índios e inclui não só o ensino da leitura
e da escrita, mas também de outros conhecimentos como higiene, saneamento, estudos
sociais, aritmética. Além de ensinamentos práticos de técnicas agrícolas, marcenaria,
mecânica e costura, constituindo uma reserva alternativa de mão de obra barata para
abastecer o mercado de trabalho (BRASIL, 2009). Nesse espírito, foi criado, em 1910,
o Serviço de Proteção aos Índios - SPI, extinto em 1967, quando suas atribuições são
repassadas para a Fundação Nacional do Índio - FUNAI (FREIRE, 2011).

Nos anos 1970, ações alternativas às do governo militar passaram a surgir


com a emergência mundial de debates em torno dos direitos humanos, possibilitados
pelos processos de descolonização e pela tendência à globalização. Paralelamente, os
povos indígenas passaram a se articular politicamente para defender seus direitos e
projetos de futuro, criando suas próprias organizações e associações, o que culminou
na fundação, em 1980, da União das Nações Indígenas, inicialmente Unind e hoje
UNI (BRASIL, 2009).

A partir de então, de acordo com Kahn e Franchetto (1994), houve uma


revolução nas práticas e rumos da educação indígena brasileira que passa a ser
inserida, legitimada e legalizada junto ao poder público. São criadas, então, parcerias
entre órgãos governamentais, em âmbito federal, estadual e municipal, e movimentos
indígenas, além de organizações pró-índio. Aos poucos, experiências educacionais
bem-sucedidas, desenvolvidas por iniciativa própria ou a pedido das comunidades
indígenas, passam a ser referência para as agências governamentais na construção de
suas políticas (BRASIL, 2009).

Até a Constituição Federal de 1988, nenhuma outra instância havia feito


referência aos povos indígenas, o que ocorreu anteriormente foram algumas ações com
vistas à preservação da cultura indígena, como o Serviço de Proteção ao Índio, criado
em 1910 pelo Marechal Rondon e substituído em 1967 pela Fundação Nacional do Índio,
a FUNAI (FREIRE, 2011).

A cartilha de orientações pedagógicas do Governo do Distrito Federal, indica que:

[...] a tradição legislativa e administrativa brasileira sempre refletiu uma


representação estereotipada do indígena, entendendo-o como categoria
étnica e social transitória, contribuindo para o seu desaparecimento
histórico e cultural. Contudo, a Constituição Federal de 1988 significou
um grande marco, pois as políticas públicas voltadas à Educação
Escolar Indígena, a partir daí, passaram a se pautar no respeito aos
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conhecimentos, às tradições e aos costumes de cada comunidade,


tendo em vista a valorização e o fortalecimento das identidades étnicas.
Assim, em seu artigo 210, fica assegurado aos povos indígenas o direito
de utilizarem suas línguas e processos próprios de aprendizagem.

Em 1991, é atribuída ao Ministério da Educação a responsabilidade


pela definição, coordenação e regulamentação dessas políticas públicas,
contudo somente em 10 de março de 2008, com a Lei n.º 11.645/2008,
que o Estado brasileiro instituiu o ensino da história e cultura indígenas
nas escolas. Essa lei altera a Lei n.º 9.394/96 (LDB), modificada pela
Lei n.º 10.639/2003 (SEEDF, 2012, p. 27-28).

A seguir, estão listadas algumas das legislações vigentes que garantem os


direitos dos indígenas, além de ampará-los legalmente na manutenção de sua cultura e
de suas tradições:

• Constituição Federal de 1988: reconhecimento do direito do indígena de ter


tradições e modos de vida peculiares a sua cultura, respeitados e protegidos
pelo Estado brasileiro.

• Estatuto do Índio - Lei n.º 6.001, de 19 de dezembro de 1973.

• Estatuto dos Povos Indígenas, de 05 de junho de 2009.

• Lei n.° 9.394, de 20 de dezembro de 1996: Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Nacional - LDB, artigos 78 e 79.

• Lei n.º 10.558/2002, conhecida como Lei de Cotas.

• Lei n.º 11.645, de 10 de março de 2008, que altera a Lei n.º 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, modificada pela Lei n.º 10.639, de 9 de janeiro de 2003.

Atualmente, no Brasil, vivem mais de 800 mil índios, cerca de 0,4% da população
brasileira, segundo dados do Censo de 2010 (IBGE, 2012). Eles estão distribuídos
entre 683 Terras Indígenas e algumas áreas urbanas. Existem, ainda, grupos que estão
requerendo o reconhecimento de sua condição indígena junto ao órgão federal indigenista.
A diversidade étnica e linguística brasileira está entre as maiores do mundo. São cerca
de 220 povos indígenas e mais de 70 grupos de índios isolados, sobre os quais ainda
não há informações objetivas. No entanto, dentre as cerca de 1300 línguas diferentes
que eram faladas no Brasil há 500 anos, permanecem apenas 180, pertencentes a mais
de 30 famílias linguísticas diferentes, número que exclui aquelas faladas pelos índios
isolados, que ainda não puderam ser estudadas e conhecidas (FREIRE, 2011).
As Relações Étnico-Raciais | UNIDADE 1 25

Figura 1.5 – Dados sobre a população indígena brasileira.

OS ÍNDIOS NO 180
BRASIL HOJE línguas reconhecidas

2.480 escolas indígenas 178.714


6 mil estudantes, da educação
em território nacional universitários infantil ao ensino médio
10 225 460 mil 54
faculdades de formação tribos vivem em aldeias e universidades brasileiras
de professores indígenas 100 a 190 mil oferencem ações afirmativas
moram para o ingresso de indígenas
em cidades

Fonte: Adaptado por Universidade La Salle (2019) com base em Instituito Socioambiental ISA (2019).

Como podemos perceber, desde o século XIX a História do Brasil é marcada


por alterações sociais, políticas e econômicas, nas quais a questão racial apresentou-se
como um dos elementos para a configuração do Estado brasileiro, que se caracterizou
por muito tempo pelo colonialismo e escravismo. Dessa forma, indígenas e negros
foram escravizados, coisificados e excluídos do acesso à educação e riqueza produzida
no país, e tiveram suas histórias e culturas relegadas à personagens estereotipados da
constituição do povo brasileiro. Uma das grandes consequências dessa constituição
histórica é o fato de o Brasil ter se tornado o país com a pior distribuição de renda e
maior desigualdade racial do planeta, com triste condição perpetuada até o século XXI.
E esse racismo residual (FERNANDES, 1978) faz com que permaneçam em nossa
sociedade a exclusão racial e atitudes preconceituosas ressignificadas no cotidiano,
contribuindo para a manutenção da miserabilidade e marginalização das populações
negra e indígena.
O racismo residual é aquilo que faz com que permaneçam na nossa sociedade
estruturas que propiciam a exclusão racial e atitudes preconceituosas ressignificadas
no cotidiano, contribuindo para manutenção da miserabilidade e marginalização
das populações negra e indígena. Por exemplo, quando a gente diz “a coisa vai ficar
preta”, ou “você está me denegrindo”, até mesmo a expressão “mulata”, quem vem de
mula, são formas preconceituosas de se referir a negritude e que contribuem para a
marginalização da população negra.
CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA: Bianca Luiza Freire de Castro França | Pablo Rodrigo Bes |
26 HISTÓRIA E EDUCAÇÃO INTERCULTURAL Ursula Boeck

É fundamental que, todos juntos, busquemos uma nova narrativa que critique
preconceitos e intolerâncias, além de difundir os valores e tradições dos povos Afro-
brasileiro e Indígena. Assim, será possível criar estratégias e pontes para um país
melhor e uma sociedade mais justa.

1.4 Lutas Sociais, Ação Afirmativa


e a Educação Antirracista
Agora, iremos ver algumas questões sobre as lutas sociais, ações afirmativas
e a educação antirracista. É fundamental lembrar que não basta a educação não ser
racista, é preciso construir uma educação que combata o racismo e todos os tipos de
discriminação. E você já se perguntou de forma podemos avançar nesse debate? Iremos
ver mais adiante algumas sugestões.

A partir da nossa leitura, até aqui, você conseguiu perceber a importância dessa
disciplina? Até agora, pudemos ver que ao negro e ao índio, até a metade do século
passado, ficaram relegados os papéis de subalternos, escravizados e seres estereotipados,
sem acesso à educação e sem direito a reafirmação de suas Histórias e Culturas.

É importante deixar claro que negros e indígenas ao longo da História do Brasil


não foram apenas vítimas do sistema colonial/escravista. Estes são atores históricos
independentes e é preciso levar em consideração que como filhos de seu tempo agiram
conforme as condições se impunham. Indígenas foram aliados dos colonizadores, mas
também foram resistentes. Negros foram escravizados, mas também estiveram ao
lado dos senhores escravagistas. As relações humanas são complexas, e é por isso que
precisamos analisar as fontes, os discursos e sempre que possível fazer crítica ao que
lemos e ouvimos. A história é escrita por homens que estão à serviço de seu tempo,
seus interesses e políticas. Nem todo discurso oficial corresponde a pluralidade das
histórias envolvidas, e devemos sempre que possível refletir e questionar a forma como
determinado discurso é disseminado a cerca de um povo, de um grupo e/ou de um
acontecimento. Toda história é passível de análise, questionamento e crítica.

Segundo as orientações pedagógicas do Distrito Federal (SEEDF, 2012, p.10-12),


ao longo da história do Brasil, que se deu hegemonicamente por meio da colonização,
a escravidão e o autoritarismo contribuíram para a introjeção, no imaginário social, do
sentimento de incapacidade das populações negras e indígenas brasileiras. As formas
de perceber o mundo com suas subjetividades, abarcando necessidades individuais e ou
coletivas, que representam diversas identidades e os simbolismos, mobilizam e legitimam
os movimentos sociais. Tais visões passam a ter influência no pensamento de um coletivo
social, na medida em que expressões, sentimentos e atitudes passam a ser externadas.
As Relações Étnico-Raciais | UNIDADE 1 27

O negro brasileiro foi, desde sua chegada ao Brasil, o grande responsável pelas
resistências à escravidão e às lutas pelo acesso à educação.

Pensar o movimento social negro brasileiro é visibilizar um conjunto


de vozes que ecoam clamando por ideais comuns, porque, ao contrário
do que muitos pensam, os movimentos sociais não são apenas fontes de
conflitos e climas de tensões, mas é a partir deles que surgem agendas
e encaminhamentos de políticas sociais e públicas que provocam
transformação social.

A ideia de que, no Brasil, a situação dos negros, descendentes de


africanos que foram escravizados, teve um desfecho pautado na
harmonia e na fraternidade é uma visão do senso comum. A sociedade
brasileira resistiu à aceitação da nova condição dos negros, que
passaram de escravizados a libertos, gerando um clima de animosidade
na relação entre os antigos senhores de engenho e os ex-escravizados
(SEEDF, 2012, p. 11).

Conforme aponta o SEEDF (2012, p. 12), o processo de luta e resistência negra


tomou outros rumos e encontrou diversos obstáculos. A mobilização, a reação e a
resistência tiveram essencial significado na história do negro brasileiro, e a marcou
profundamente. A compreensão de que a população negra nunca aceitou passivamente a
condição de desigualdade, a que foi e é submetida, é imprescindível para o reconhecimento
do valor dessa população. Ao buscar a conquista pela dignidade, homens e mulheres
negros travaram lutas com muito derramamento de sangue. O Movimento Negro no
Brasil é dividido em três fases:

• Primeira fase: 1889-1937;

• Segunda fase: 1945-1964;

• Terceira fase: 1978-2000.

DESTAQUE

As três fases desse movimento apresentam como premissa básica a luta pelos
direitos dos negros, diferenciando-se apenas na dimensão dos temas e na
organização dos integrantes dos grupos. Na primeira fase, são estabelecidos
métodos de luta, com a criação de agremiações negras, palestras, atos públicos
e publicações de jornais. Na segunda fase, há um foco no teatro, na imprensa,
nos eventos acadêmicos e nas ações que visam à sensibilidade da elite branca
para os problemas enfrentados pelos negros no país. Já a terceira fase ocorre
a apoderação de manifestações públicas, imprensa, formação de comitês de
base e movimentos nacionais (SEEDF, 2012, p. 12).
CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA: Bianca Luiza Freire de Castro França | Pablo Rodrigo Bes |
28 HISTÓRIA E EDUCAÇÃO INTERCULTURAL Ursula Boeck

DESTAQUE

Após a abolição da escravatura, um setor mais organizado da população negra


criou vários tipos de associações, onde estavam entre seus iguais e tinham
direito ao lazer em clubes, centros cívicos, grêmios literários, sociedades
recreativas e dançantes.

Posteriormente, essas associações se tornaram das pessoas de cor, e a


organização no sentido da conscientização da população negra e do acesso
aos direitos de cidadão iniciou-se por meio de publicações de jornais e de
ações sócio-político-culturais.

Desde o século XIX, em pleno período da escravidão, encontramos referências


sobre as lutas da população negra brasileira pelo direito à educação.
Documentos datados de 1856 demonstram que um grupo de pais negros
enviou requerimento à Corte, apontando a necessidade que seus filhos
tinham de aprender as primeiras letras com perfeição, pois eles não estavam
conseguindo alcançar uma aprendizagem desejável nas escolas devido às
práticas discriminatórias. Diante dessa provocação, a Inspetoria Geral da
Instrução Primária e Secundária da Corte autorizou o funcionamento de escola
destinada para meninos de cor, sob a direção de um professor negro.

Portanto, o movimento negro tem sido imprescindível na luta pelos direitos à


educação da população negra. Outro aspecto relevante para o entendimento
dessa luta diz respeito ao conhecimento para a desconstrução de ideologias
racistas, tão impregnadas no seio da sociedade brasileira (SEEDF, 2012, p. 14).

Figura 1.6 – Movimento Negro Unificado - MNU.

Fonte: Domínio Público (2019).


As Relações Étnico-Raciais | UNIDADE 1 29

Sobre a questão indígena, é preciso que analisemos a cultura como um elemento


que não é parado no tempo. Ou seja, a cultura é modificada e transformada por meio
das ações dos sujeitos localizados em situações históricas específicas, de acordo com as
condições possíveis de seu exercício em cada época. A cultura também muda conforme
os contatos e trocas culturais.

As identidades, a forma como nos entendemos e nos apresentamos ao mundo,


muitas vezes são marcadas por meio das diferenças culturais e utilizadas diante
determinadas situações e podem combinar diferentes modos que não se excluem. Por
exemplo, é perfeitamente possível haver um indivíduo que ora se identifique como
indígena, ora como ribeirinho, ora como pardo. As identidades dependem das redes
de pertencimento às quais o indivíduo esteja se referindo. A ideia de uma única
identidade, total e absoluta, não provém dos grupos sociais, mas, sim, do Estado, em
seu processo de gerenciar as demandas administrativas das classificações raciais:
indígena, não-indígena.

O entendimento sobre as políticas específicas que tratam de raça no Brasil


passa, necessariamente, pela compreensão de como o racismo se processa no país.
Henriques e Cavalleiro (2005) apontam que a dinâmica das relações raciais no Brasil
é permeada por “uma lógica de segregação amparada em preconceitos, discriminações
raciais disseminados e reproduzidos pelas mais diversas instituições sociais, entre elas
a escola” (HENRIQUES; CAVALLEIRO, 2005, p. 211).

VÍDEO

Assista o documentário Pisa Ligeiro, dirigido por Bruno Pacheco, que apresenta
um painel da variedade de bandeiras e estratégias de luta que orientaram o
movimento indígena brasileiro, especificamente após a Constituição de 1988.
Veja mais no vídeo disponível no link: http://gg.gg/fyp5d.
CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA: Bianca Luiza Freire de Castro França | Pablo Rodrigo Bes |
30 HISTÓRIA E EDUCAÇÃO INTERCULTURAL Ursula Boeck

1.4.1 Por uma Educação Antirracista


No documentário Pisa Ligeiro, o indígena Agnaldo, em seu depoimento,
cobra da escola o papel de produzir a libertação dos povos indígenas. Ao referir-se
à escola, ele denuncia o sistema mais amplo de controle imposto aos indígenas e que
teve naquela instituição a reprodução dessa dominação. A história não oprimiu apenas
os indígenas. Os mecanismos de dominação impostos a esse grupo foram largamente
utilizados como meios de subjugação dos ditos subalternos (negros, mulheres, índios,
homossexuais). Nesse sentido, reescrever a história indígena é apontar os meios de
trilhar a libertação de todos.

Ou seja, é somente por meio da pesquisa e do ensino que a revisão dos processos
históricos e a construção de novas trajetórias tornam-se possíveis. E é fundamental
apostar na contribuição da formação dos professores e a ação dos mesmos promovendo um
diálogo mais profícuo com os seus estudantes, possibilitando que eles se compreendam
como sujeitos históricos capazes de reinventar as suas trajetórias.

Segundo as orientações pedagógicas do Distrito Federal:

Embora exista uma legislação que determina a obrigatoriedade da


educação para as relações étnico-raciais e o respeito à diversidade
humana e que criminaliza práticas preconceituosas e discriminatórias,
a realidade das práticas sociais e escolares ainda é marcada por
discriminação, preconceito e exclusão educacional.

A sociedade brasileira, em seu imaginário social, mantém o mito da


democracia racial, o que dificulta o reconhecimento da existência do
preconceito. Persiste, também, a crença de que a desigualdade social
pode ser entendida essencialmente pela situação de pobreza e péssimas
condições de vida de uma grande parcela da população. [...]
É necessário, portanto, uma reflexão histórica desses dados, pois é pelo
estudo que esses mitos podem ser desvelados. É premente a reflexão e
a proposição de estratégias de superação das desigualdades raciais e
sociais presentes em nossas escolas. A percepção e a compreensão da
dinâmica das relações raciais no cotidiano das instituições educativas
representam uma importante ferramenta no combate ao racismo e às
desigualdades predominantes na sociedade. Reconhecer a existência
do racismo na sociedade e na escola é condição indispensável para
se arquitetar um projeto novo de Educação, que possibilite a inserção
social e o desenvolvimento igualitário dos indivíduos. A superação da
discriminação racial passa pelo reconhecimento, pela reparação e pela
promoção da diversidade étnico-racial (SEEDF, 2012, p. 29-30).
As Relações Étnico-Raciais | UNIDADE 1 31

SAIBA MAIS

Como afirma Denise Carreira, coordenadora da área de educação da


Ação Educativa - AE:
O racismo tem que ser entendido como um obstáculo
à garantia do direito humano à educação porque ele
limita as oportunidades, ele limita as condições para
que a população negra seja reconhecida como detentora
de direitos. O racismo no cotidiano cria um conjunto
de obstáculos que estão refletidos nas atitudes, nas
discriminações habituais, mas também nas políticas
públicas. Então, ele é um entrave muito concreto para
que a população negra possa exercer os seus direitos.

Para ler a entrevista de Denise Carreira na íntegra, acesse a matéria “Por


que o racismo é um obstáculo à garantia do direito à educação?”, do portal
Geledés. O link está aqui: http://gg.gg/nxi9i.

O reconhecimento deve se colocar em duas dimensões: a primeira dimensão é


reconhecer a existência do racismo, do preconceito e da discriminação racial, o que
demanda uma mudança de postura diante dos eventos que envolvem relações étnico-
raciais na realidade escolar. Identificar os eventos que envolvem discriminação,
preconceito e negação de direitos exige um esforço diário de autocrítica, individual e
coletiva, uma vez que o preconceito é constituído historicamente.

A segunda dimensão passa pela releitura do processo histórico de forma crítica


e questionadora, buscando identificar a contribuição dos povos negros e indígena
na construção do conhecimento e do desenvolvimento humano e reconhecendo,
respeitando e valorizando outros processos civilizatórios que não se enquadram nos
padrões eurocêntricos (SEEDF, 2012, p. 30-31).

[...] o reconhecimento deve conduzir a sociedade e o Estado à reparação


das desigualdades, exclusões e marginalizações, por meio de políticas
públicas afirmativas, baseadas na justiça e nas igualdades étnico-
racial e social. O reconhecimento e a reparação são condições para
a promoção da igualdade racial e corroboram para a valorização do
legado africano e indígena no processo de constituição da identidade
nacional brasileira (SEEDF, 2012, p. 31).
CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA: Bianca Luiza Freire de Castro França | Pablo Rodrigo Bes |
32 HISTÓRIA E EDUCAÇÃO INTERCULTURAL Ursula Boeck

1.5 Conclusão
Chegamos ao fim de nossa primeira Unidade. Esperamos que, ao final das leituras
e sugestões de vídeos, você possa refletir sobre o conceito de Cultura, a importância
dos estudos culturais e de como a História e Educação brasileiras foram construídas
nesses quase duzentos anos de nação.

A história educacional brasileira, desde seu início, é construída de forma


excludente, preconceituosa e racista, relegando aos povos negro e indígena papéis ora
subalternizados, ora exotizantes. Sem obter devido acesso à Educação, a história e a
cultura oralizada desses povos, por muito tempo, foram registradas pelos europeus sob
a ótica colonial, em um processo de branqueamento da nação, sob a História Oficial,
que não dá conta da complexidade desses povos.

Através da luta do Movimento Negro e dos Povos Indígenas é que suas demandas
por direitos humanos são atendidas, apenas, e de forma mais ou menos efetiva, a partir
da segunda metade do século XX, no período de redemocratização do Brasil. A partir
da década de 1990, e já no século XXI, mais precisamente nos anos 2000, é que de fato
leis são criadas para assegurar a obrigatoriedade da abordagem da História e Cultura
Afro- brasileira e Indígena nas salas de aula.

Para tal abordagem, é preciso investir na pesquisa, no ensino e na revisão dos


processos históricos e a construção de novas trajetórias. É fundamental apostar na
contribuição da formação dos professores e a ação dos mesmos promovendo um diálogo
mais profícuo com os seus estudantes.

Assim, finalizamos nossa primeira Unidade construindo uma narrativa crítica


aos preconceitos e a intolerância, difundindo valores e tradições dos povos indígenas,
na busca da valorização da pluralidade, sempre reforçando a análise dos processos
sociais relativos aos movimentos identitários de afirmação étnica.
As Relações Étnico-Raciais | UNIDADE 1 33

Síntese da Unidade
Nesta Unidade buscamos entender a diferença entre raça e etnia, tema um tanto
confuso no entendimento popular. Além disso, buscamos compreender os aspectos
históricos e legais que envolvem as relações étnico-raciais e o que são, realmente, as
políticas afirmativas.

A Unidade realizou um histórico do ensino das culturas afro-brasileira e indígena


e do acesso desses povos à Educação. Analisamos também a omissão no ensino a partir
das perspectivas racistas de “branqueamento” nas políticas públicas e na compreensão
da história nacional.

Finalizamos esta etapa com a reflexão sobre a colaboração das lutas sociais
desses povos para a construção e execução de ações afirmativas governamentais para
acesso à educação e abordagem da História e Cultura Afro-brasileira e Indígena em
sala de aula, em favor de uma educação antirracista.
CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA: Bianca Luiza Freire de Castro França | Pablo Rodrigo Bes |
34 HISTÓRIA E EDUCAÇÃO INTERCULTURAL Ursula Boeck

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