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UNIDADE 02

CULTURA E CIVILIZAÇÃO:
MÚLTIPLAS PRODUÇÕES HUMANAS
Prof. Dr. Edilson Soares de Souza

Introdução
Cultura e Civilização brasileira são duas expressões que podem ser
consideradas quando pensamos na atuação da Capelania Social e Carcerária, pois
remetem à discussão sobre a formação de nossa sociedade, como já considerado no
capítulo anterior, quando tratamos da formação da sociedade brasileira e da inserção do
cristianismo, enquanto religião institucionalizada.
O principal objetivo da Unidade 02 é promover uma reflexão sobre a
importância de nossa cultura e alguns aspectos que podem ser associados a ela, como
também reconhecer que somos o resultado de um processo civilizador, que contou com
a participação de outros povos. Neste sentido, concebemos cultura e civilização como
experiências e construções humanas, sendo o resultado das múltiplas inter-relações que
ocorrem entre sociedades.
Uma pergunta que pode nos motivar é: qual a importância da cultura e do
processo civilizador na atuação da Capelania Social e Carcerária? A presente reflexão
é uma provocação inicial para caminharmos na direção de identificarmos algumas
respostas ao problema levantado.

Cultura brasileira
Sérgio Buarque de Holanda, autor de Raízes do Brasil, entendeu que a formação
da cultura brasileira está intimamente relacionada à cultura europeia, pois parte de
nossos hábitos e costumes foram transplantados de Portugal para o Brasil colônia. Para
Holanda, “a tentativa de implantação da cultura européia em extenso território, dotado
de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua tradição milenar, é,
nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e mais rico em consequências”
(HOLANDA, 1995, p. 31).
Na compreensão do autor,

trazendo de países distantes nossas formas de convívio, nossas instituições,


nossas ideias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes

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desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra.
Podemos construir obras excelentes, enriquecer nossa humanidade de
aspectos novos e imprevistos, elevar à perfeição o tipo de civilização que
representamos: o certo é que todo o fruto de nosso trabalho ou de nossa
preguiça parece participar de um sistema de evolução próprio de outro clima
e de outra paisagem (HOLANDA, 1995, p. 31).

As afirmações de Sérgio Buarque de Holanda provocam uma reflexão sobre o


processo formador de nossa sociedade e da constituição de nossa identidade, enquanto
povo colonizado por Portugal e, por tal motivo, tido como “civilizado” a partir dos
elementos da tradição europeia. No entanto, o povo que durante mais de três séculos foi
colonizado e moldado por referenciais ibéricos, submetido a um pensamento
eurocêntrico, alcançou em 1822 o direito de ser independente sob a liderança de Dom
Pedro. A partir daquele ano (1822), o Brasil assumiu a sua trajetória histórica, mesmo
com os erros e os acertos de suas escolhas. Desta forma, quando pensamos em
Capelania Social e Carcerária, não podemos deixar de tentar entender parte da
formação de nossa cultura e do chamado processo civilizador.
Lucia Santaella, partindo de outro viés, ajuda a entender a importância da
cultura. A autora procura analisar e identificar os elementos que fazem parte da cultura,
lembrando a complexidade que envolve tal discussão. Em certo sentido, cultura,
tradição e civilização são termos que se aproximam, mas que guardam também as suas
especificidades.
Para Santaella:

as definições da cultura são numerosas. Há consenso sobre o fato de que


cultura é aprendida, que ela permite a adaptação humana ao seu ambiente
natural, que ela é grandemente variável e que se manifesta em instituições,
padrões de pensamento e objetos materiais. Um sinônimo de cultura é
tradição, o outro é civilização, mas seus usos se diferenciaram ao longo da
história. Uma definição breve e útil é: a cultura é a parte do ambiente que é
feita pelo homem. Implícito nisto está o reconhecimento de que a vida
humana é vivida num contexto duplo, o habitat natural e seu ambiente social.
A definição também implica que a cultura é mais do que um fenômeno
biológico (SANTAELLA, 2003, p. 30-31).

Tomando como base a afirmação anterior, a cultura pode ser entendida como
uma elaboração humana e histórica, apontando para uma série de articulações que se
dão num dado espaço social. Como lembrado na citação, uma complexidade permeia a
expressão cultura, pois a mesma é o resultado dos variados elementos que a constituem,
no tempo e no espaço. Parece que Lucia Santaella entende que não é possível discutir
temas como cultura sem introduzir outro conceito importante, que é civilização.
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Fundamentando-se nos argumentos de Raymond Williams, ela afirmou que:

as distinções entre cultura e civilização, ao longo da história, foram


abundantes. Enquanto cultura derivou do sentido de crescimento natural, a
palavra civilização foi derivada de uma condição social real, aquela do
cidadão (civis, no latim). Essa palavra estava, assim, em contraste com
‘barbarismo’, outra condição social que significava originalmente o modo de
vida de um grupo estrangeiro (SANTAELLA, 2003, p. 35).

Civilização brasileira
Do que foi brevemente considerado, podemos notar que as expressões cultura e
civilização tendem a se aproximar, lembrando que os dois conceitos guardam elementos
distintos. No entanto, observamos que tanto a cultura quanto o processo civilizador são
aspectos que fazem parte de nossa trajetória social e histórica desde 1500, reconhecendo
que não há cultura ou civilização que não seja o resultado da troca que se estabelece
entre povos, com hábitos e costumes peculiares. No caso do Brasil, podemos
compreender que, de forma geral, a cultura foi constituída a partir das contribuições dos
nativos que ocupavam estas terras, além dos costumes dos portugueses e dos africanos
que aqui chegaram e permaneceram, ajudando a construir o que chamamos sociedade
brasileira. Não podemos, no entanto, desprezar a importância da religiosidade na
composição do processo civilizador brasileiro, sobretudo, as formas que o cristianismo
desenvolveu entre os brasileiros.
Mircea Eliade afirmou: “damo-nos conta da validade das comparações entre
fatos religiosos pertencentes a diferentes culturas: todos esses fatos partem de um
mesmo comportamento, que é o do homo religiosus” (ELIADE, 2001, p. 22-23). Eliade,
então, ajuda-nos na discussão, já que introduz outro conceito relevante: o que se
chamou de homo religiosus. No sentido proposto por Mircea Eliade, podemos aceitar
que a análise de dada cultura considera a presença da expressão religiosa na formação
da sociedade. Afinal, pensamentos, ritos e práticas religiosas manifestam-se no
ambiente social, perpassando cultura e civilização.
Outra contribuição pertinente em nossa reflexão é dada por Cristina Costa,
autora de Sociologia: introdução à ciência da sociedade.
Para Cristina Costa:

essa idéia da relação existente entre as culturas humanas e as condições de


vida de cada agrupamento mostra que as diferenças entre elas não são de
qualidade nem de nível: as diferenças cultuais devem-se às circunstâncias que
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as cercam, plenas de necessidades e obstáculos a serem ultrapassados e de
tradições herdadas do passado. Os diferentes hábitos alimentares, a presença
ou não da escrita, o uso de fontes energéticas ou o desenvolvimento
tecnológico são aspectos da cultura que só se explicam em função de sua
história e das necessidades enfrentadas (COSTA, 2005, p. 15).

Complementando suas observações, a autora afirmou que é importante


“conceber as diferentes culturas como essencialmente dinâmicas, desenvolvendo
mecanismos de conservação e mudança em permanente ajuste” (COSTA, 2005, p. 15).
Afinal, esclareceu Maria Cristiana Castilho Costa: “as culturas são conjuntos de
crenças, relações, formas de poder, linguagens cuja inter-relação tem sua história”
(COSTA, 2005, p. 16).

Breves considerações
Procurando responder a questão colocada na introdução desta Unidade 02, que
considerou “a importância da cultura e do processo civilizador na atuação da Capelania
Social e Carcerária”, podemos dizer que o trabalho de capelania será melhor
desempenhado se houver uma compreensão adequada da formação de nossa cultura e
dos elementos que perpassam a constituição de nossa chamada civilização.
Podemos entender que parte das demandas sociais, com desdobramentos no
ultrapassado sistema de reclusão ou carcerário, pode estar relacionada à determinadas
questões de ordem cultural, como também aos equívocos observados no
desenvolvimento de nossa sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COSTA, Maria Cristina Castilho. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. 3.ed.


rev. e ampl. São Paulo: Moderna, 2005.

ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. 5ª Tiragem. São Paulo: Martins Fontes,


2001.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26.ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.

SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à


cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003.

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