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QUESTÃO 01) SE O NECROPODER MELANCOLIZA PARA PODER GOVERNAR, DESCREVA,

ENTÃO, COMO OS DISPOSITIVOS NECROGOVERNAMENTAIS DO DESAPARECIMENTO


PRODUZEM DESSUBJETIVAÇÕES E QUAIS OS EFEITOS ONTOLÓGICOS DA DESREALIZAÇÃO DO
OUTRO.

Compreender a necropolítica, termo criado por Achille Mbembe, se baseia no


entendimento de que se trata do uso do poder político e social, especialmente por
parte do Estado, de forma a determinar, por meio de ações ou omissões (gerando
condições de risco para alguns grupos ou setores da sociedade, em contextos de
desigualdade, em zonas de exclusão e violência, em condições de vida precárias),
quem pode permanecer vivo ou quem deve morrer. Dessa forma, o necropoder entra
em estado de melancolia objetivando o poderio governamental e para isso utiliza
alguns dispositivos de desaparecimento para dessubjetivar às pessoas acerca do
entendimento de morte. Inicialmente, o que se busca é a culminância da produção do
cadáver desconhecido. Para produzí-lo, muitos fatores são expostos a fim de provocar
uma progressiva perda dos referenciais espaçotemporais, da identidade e dos
princípios de organização do comportamento. Para Suely Aires ( AIRES, S. 2018 ),
histórica e politicamente é construída certa inteligibilidade, modos de reconhecer quais
corpos e vidas são humanos. Ou seja, uma vida tem que ser inteligível como uma vida
humana, tem de ser apreendida segundo certas regras ou normas que preparam o
caminho para a aceitação de seu valor de vida a ser preservada. Retirados desse
enquadramento, alguns corpos serão expostos à morte, conduzidos à morte, sem que
sequer haja a admissão de que ali houve um assassinato, uma morte humana. Pura e
simples eliminação do vivo. Para que uma vida seja deslegitimada como humana,
diferentes procedimentos se articulam: a animalização, a objetalização, a abjeção, a
construção de um inimigo mostram-se como recursos de grande impacto. Como bicho
ou coisa se designa algo que já não mais se encontra sob o registro do humano, do
semelhante. Não há qualquer vínculo comum entre o eu e o ele; ou entre o eu e o isso,
que sequer pode ser claramente nomeado. Sem admissão da humanidade em jogo,
abre-se o campo para a violência e o extermínio. Esses diferentes modos de exclusão
do registro da humanidade inserem tais corpos e vidas em outra inteligibilidade,
transformando-os discursivamente em vidas destrutíveis em potencial e corpos
marcados para morrer. Segundo o livro, ao forçar um desaparecimento, o objetivo era
ocultar dissidentes políticos, dissimular a execução sumária e conquistar a adesão da
população por meio da gestão de seus afetos. Isso leva à invisibilização de si mesmos
às últimas consequências em que buscarão alcançar uma dupla ausência: deles
mesmos e de seus efeitos. Dessa forma, os centros clandestinos de detenção, tortura
e extermínio existentes em todas as ditaduras latino-americanos, aos quais podemos
acrescentar as sepulturas clandestinas, individuais ou coletivas, existiam “no discurso
social da época da ditadura– quando muito– só na forma de um ‘espaço em branco’,
de ‘segredo lúgubre’ou de ‘buraco negro’”.
QUESTÃO 2) DESCREVA, COM BASE NA OBRA, DE QUE MANEIRA O
DESAPARECIMENTO FORÇADO SE CONSOLIDOU COMO UMA NOVA
RACIONALIDADE NECROPOLÍTICA NO BRASIL PÓS-1964.
Após a chamada redemocratização do Brasil, cujo marco foi a promulgação da
Constituição de 1988, essa guerra continuou, envolveu novos atores, voltou-se para
outros alvos, uniu forças com as estruturas administrativas e legais instaladas
previamente, aprimorou técnicas e estratégias bélicas, e se consolidou como a versão
brasileira e avant la lettre do que Bernard Harcourt identificou nos Estados Unidos pós-
11 de Setembro como “um novo modo de governar inspirado pela teoria e prática da
guerra de contrainsurgência”,¹ que opera permanentemente, quer haja uma
insurgência ou revolução quer não. No Brasil, a inspiração para esse novo modo de
governar, atesta Malhães, veio de fora e resultou numa profunda mudança na lógica
carcerária até então predominante. Não que as prisões tenham sido abandonadas–
isso a superpopulação carcerária no país não nos permitiria supor–, mas, a partir
desse ensinamento estrangeiro, o dispositivo carcerário passou a se orientar por outra
lógica: o desaparecimento.

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