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partir daquelas leituras já não se podia crer nas ilusões “re”: reeducação,
ressocialização, reintegração. Pelo contrário, a clientela do sistema penal foi
sempre a dos dessocializados, desintegrados, desclassificados. A prisão surge
como um grande fracasso nos seus objetivos explícitos, mas sempre um sucesso
para diferenciar, arrumar e controlar as ilegalidades. A justiça penal é construída
para o controle diferencial das ilegalidades populares.
A América Latina era um território de resistência nos anos 70, com a
incorporação da criminologia crítica e uma produção de alta qualidade. O olhar
latino-americano de Rosa Del Olmo mostra esse percurso no seu livro dos anos
70, A América Latina e sua Criminologia.3 Uma das categorias surgidas na nossa
periferia é a extensão do conceito foucaultiano de “instituições de seqüestro”
(prisões, escolas, asilos etc.) para a colônia em si; nosso continente seria um
“território de seqüestro”. A partir da lógica de incorporação ao capital central, os
ciclos econômicos constituem “moinhos de gastar gente”. 4
O fim do século XX e o começo do XXI apresentam uma atualização deste
processo de acumulação de capital: “a projeção genocida de um tecno-
colonialismo correspondente à última revolução (tecno-científica) faria empalidecer
a cruel história dos colonialismos anteriores”. 5 Aí está, diante dos nossos olhos,
uma realidade aterradora. Como os militantes anti-franquistas na Espanha, temos
que reconhecer que a “democracia”, pela qual tanto lutamos, tortura, extermina e
mata muito mais do que nunca.
Loïc Wacquant demonstra o gigantesco processo de criminalização da
pobreza nos Estados Unidos, a partir das novas estratégias de destruição do
Estado Previdenciário e da construção de um Estado Penal. 6 Alessandro De
Giorgi, nessa vertente crítica, trabalha a economia política da pena no
desemprego pós-fordista com a idéia de excedente. A pós-industrialização se
3
DEL OLMO, Rosa. A América Latina e sua Criminologia. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de
Criminologia/Revan, 2004.
4
Cf. Darcy Ribeiro in O pocesso civilizatório: estudos de antropologia da civilização. Petrópolis:
Vozes, 1987; e O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.
5
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas. Rio de Janeiro: Revan, 1991. p.
122.
6
WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de
Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia/Revan, 2003.
3
8
GIORGI, Alessandro De. Op. cit., p. 17.
9
Op. cit., p. 21.
5
O fato é que, quando isso acontecer, e la canaille não for mais a canalha,
este será também o momento em que novamente o cárcere será visto
como um resíduo arcaico do passado e serão previstas novas
“alternativas” punitivas, “correcionais” e “reeducativas”; ao mesmo tempo,
em algum canto do mundo, as primeiras patrulhas em busca de uma
nova “canalha” estarão começando a apressar-se, num incansável
movimento, em direção aos confins do contrato social/império. 10
10
GIORGI, Alessandro De. Op. cit., p. 23.
11
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.
12
SANTOS, Joel Rufino dos. Épuras do social: como podem os intelectuais trabalhar para os
pobres. Rio de Janeiro: Global, 2005.
6
13
BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. 2.
ed. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia/Revan, 2003.
14
Op. cit., p. 65 – “à soldada” era uma prática comum no começo do século XX, em que meninas
“abandonadas” eram entregues para trabalhar em “casas de família”. As famílias deveriam vestí-
las, calçá-las, alimentá-las e depositar mensalmente em caderneta da Caixa Econômica Federal
quantias que variavam de 5 a 10 mil réis, o que nunca se dava na prática. O que acontecia mesmo
era uma forma de permanência do trabalho escravo no pós-Abolição.
15
Op. cit., p. 130.
7
16
Cf. a produção acadêmica e a clínica de Cecília Coimbra, Maria Lívia do Nascimento, Regina
Benevides, Eduardo Passos, Cristina Rauter, Silvia Tedesco e discípulos, enfim o conjunto de
reflexões oriundas da área de Psicologia da Universidade Federal Fluminense.