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FACULDADE DE DIREITO
DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO
PROFESSORA: MARIA REGINA FAY DE AZAMBUJA
DISCIPLINA: DIREITO CIVIL VII – Família
2º SEMESTRE/2016
1. DIREITO DE FAMÍLIA
O QUE É FAMÍLIA?
O conceito de família muda de acordo com o ramo da ciência adotada: Para a história e
sociologia, ela é o conjunto de pessoas que habitam a mesma casa. A antropologia já a define
em função da interdição de relações sexuais incestuosas. Na psicanálise, a definição parte dos
papéis psicológicos desempenhados pelas pessoas; o pai e a mãe não são necessariamente os
fornecedores dos gametas, mas aqueles que cumpriram determinadas funções na estruturação
da psique da pessoa. O direito, por sua vez, adota a definição de família tendo em vista certas
‘relações jurídicas’ entre os sujeitos.2
1
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2003, v. 6, p. 23.
2
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. V. 5. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 10-11.
3
NITSCHKE, R. G. Mundo Imaginal de ser família saudável. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de
Santa Catarina. Pelotas, 1999, p. 41.
1
A FAMÍLIA NO TEMPO
Para Amim: “A religião não formava a família, mas ditava as suas regras.
Juridicamente, a sociedade familiar era uma associação religiosa e não uma associação
natural”.7
Conforme Turkenicz,“em Roma, estando o pai vivo, seu filho, mesmo sendo um adulto,
não podia estabelecer um contrato, nem elaborar seu testamento, nem libertar um escravo,
nem fazer carreira pública sem o acordo do pai. A morte do pai punha fim a uma espécie de
escravidão. Nesse contexto, o parricídio não era uma prática infrequente. Provavelmente por
isso mesmo tenha sido fortemente condenado pelas leis.”8
Ariès, referindo-se à família nas sociedades tradicionais, afirma “que essa família antiga
tinha por missão – sentida por todos – a conservação dos bens, a prática comum de um ofício,
a ajuda mútua quotidiana num mundo que um homem, e, mais ainda, uma mulher isolados
não podiam sobreviver, e ainda, nos casos de crise, a proteção da honra e das vidas. Ela não
tinha função afetiva. (...) As trocas afetivas e as comunicações sociais eram realizadas,
portanto, fora da família, num ‘meio’ muito denso e quente, composto de vizinhos, amigos,
amos e criados, crianças e velhos, mulheres e homens, em que a inclinação se podia
manifestar mais livremente”9.
Já no decorrer dos séculos XVI e XVII, “os dicionários franceses e ingleses traziam
definições de família ora pontuadas na questão da coabitação, ora na do parentesco e da
consanguinidade”.10 Na pós-modernidade, a família, “mais do que uma unidade emocional,
constitui uma unidade sociológica, incumbindo-se de transformar organismos biológicos em
seres sociais”, cabendo aos pais a responsabilidade pela transmissão de padrões culturais,
valores ideológicos e morais.11
4
WERNER, Jairo; WERNER, Maria Cristina Milanez. Direito de Família e Psiquiatria Forense. In: TABORDA,
José J.; CHALUB, Miguel; ABDALLA-FILHO, Elias. Psiquiatria Forense. Porto Alegre: Artmed, 2004, p. 79.
5
OLIVEIRA LEITE, Eduardo de. Direito Civil Aplicado. v. 5. Direito de Família. São Paulo: RT, 2005, p. 23.
6
WELTER, Belmiro Pedro. Guarda Compartilhada: um jeito de conviver e de ser-em-família. Publicado na
INTRANET/Ministério Público Estadual, em 14/01/09.
7
AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In: MACIEL, Kátia
Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. Aspectos teórico e
práticos. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 3.
8
TURKENICZ, Abraham. Organizações Familiares: contextualização histórica da família ocidental. Curitiba:
Juruá, 2012, p. 91.
9
ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981, p. 10/11.
10
OLIVEIRA LEITE, Eduardo de. Op. cit, p. 23.
11
Ibidem.
2
DEFININDO DIREITO DE FAMÍLIA
“Conjunto de regras aplicáveis às relações entre pessoas ligadas pelo casamento, pelo
parentesco, pela afinidade e pela adoção”12.
12
GOMES, Orlando. Direito de Família. 11.ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1998, p. 1.
13
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil Comentado, v. 2., p. 6.
14
AGUIAR JR., Ruy Rosado de. A Unificação Supranacional do Direito de Família. In: VI Jornada Jurídica
nacional e I Jornada Internacional de Direito de Família. Seleções Jurídicas, março/abril 1998, p. 19.
3
DECRETO Nº 52.748, DE 24 DE OUTUBRO DE 1963
As evidências trazidas pela PNAD 2012 mostraram que 38% dos arranjos
familiares tinham como pessoa de referência mulheres, quando, em 2002, essa
proporção era 28%. No lugar de chefe de família utiliza-se a expressão pessoa de
referência
IBGE: Síntese de Indicadores Sociais. Uma análise das condições de vida da população
brasileira 2013. Disponível: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv66777.pdf.
Acesso em: 26.02.14
A FAMÍLIA ENCOLHEU
15
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 25.
4
A família brasileira está menor, mais fragmentada e se organiza de forma muito
mais diversa do que há dez ou vinte anos. Até 1990, os casais tinham 2,8 filhos em média,
80% dos lares eram encabeçados por um homem e a estrutura da família era, com raras
exceções, a clássica: pai, mãe e filhos. O Censo 2010 revela que hoje os domicílios
abrigam em média apenas três pessoas. Fonte: www.andi.org.br. Data: 22/11/2011.
Assumir responsabilidades de adulto aos 12, 14, 16 anos é uma realidade em 132
mil domicílios onde meninos e meninas de 10 a 14 anos são os principais responsáveis
pela casa, mostram os dados do Censo 2010, do IBGE, que revelam ainda que outros 661
mil lares são chefiados por adolescentes com idades entre 15 e 19 anos. Situação da
Adolescência Brasileira 2011. UNICEF. Disponível em:
http://www.unicef.org/brazil/pt/br_sabrep11.pdf. Acesso em: 26.02.14
5
e) consuma-se a igualdade entre os gêneros e entre os
filhos;
f) reafirma-se a liberdade de constituir, manter e
extinguir entidades familiares e a liberdade de planejamento familiar,
sem imposição estatal;
g) a família configura-se no espaço de realização pessoal
e da dignidade humana de seus membros16.
“Não se pode mais falar em família, mas sim em famílias. São recompostas, ampliadas,
monoparentais, hetero ou homossexuais, socioafetivas, entre tantas outras formas de viver
afeto e a solidariedade”17.
Como bem leciona Maria Helena Novaes, “a família continua a ser ainda sonhada e
desejada por homens de todas as idades, de todas as orientações sexuais e de todas as
condições, por ser capaz de estabelecer uma nova ordem simbólica”18.
6
guarnecem a relação familiar. A família-instituição foi substituída pela família-instrumento,
ou seja, ela existe e contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus
integrantes como para o crescimento e formação da própria sociedade, justificando, com
isso, a sua proteção pelo Estado”19.
19
DIAS, Maria Berenice. Op. cit., p. 39.
20
DIAS, Maria Berenice. Op cit. 8.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 54.
21
MORAES, Maria Celina Bodin. A nova família, de novo –Estruturas e função das famílias contemporâneas.
Revista Pensar, Fortaleza, v.18, n.2, p. 586-627, mai./ago.2013
22
A convivência entre parentes ou entre pessoas, ainda que não parentes, dentro de uma estrutura com identidade
de propósito, impõe o reconhecimento da existência de entidade familiar batizada com o nome de família
anaparetal. Ver: DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007, p. 46.
23
WELTER, Belmiro Pedro. Guarda Compartilhada: um jeito de conviver e de ser-em-família. Publicado na
INTRANET/Ministério Público Estadual, em 14/01/09.
7
conhecimento público dessa condição. O art. 42, § 2º, do ECA, que trata da adoção conjunta,
buscou assegurar ao adotando a inserção em um núcleo familiar no qual pudesse desenvolver
relações de afeto, aprender e apreender valores sociais, receber e dar amparo nas horas de
dificuldades, entre outras necessidades materiais e imateriais supridas pela família que, nas
suas diversas acepções, ainda constitui a base de nossa sociedade. A existência de núcleo
familiar estável e a consequente rede de proteção social que podem gerar para o adotando,
são os fins colimados pela norma e, sob esse prisma, o conceito de núcleo familiar estável
não pode ficar restrito às fórmulas clássicas de família, mas pode, e deve, ser ampliado para
abarcar uma noção plena de família, apreendida nas suas bases sociológicas. Restringindo a
lei, porém, a adoção conjunta aos que, casados civilmente ou que mantenham união estável,
comprovem estabilidade na família, incorre em manifesto descompasso com o fim perseguido
pela própria norma, ficando teleologicamente órfã. Fato que ofende o senso comum e
reclama atuação do interprete para flexibilizá-la e adequá-la às transformações sociais que
dão vulto ao anacronismo do texto de lei. O primado da família socioafetiva tem que romper
os ainda existentes liames que atrelam o grupo familiar a uma diversidade de gênero e fins
reprodutivos, não em um processo de extrusão, mas sim de evolução, onde as novas situações
se acomodam ao lado de tantas outras, já existentes, como possibilidades de grupos
familiares. O fim expressamente assentado pelo texto legal - colocação do adotando em
família estável - foi plenamente cumprido, pois os irmãos, que viveram sob o mesmo teto, até
o óbito de um deles, agiam como família que eram, tanto entre si, como para o então infante,
e naquele grupo familiar o adotado se deparou com relações de afeto, construiu - nos limites
de suas possibilidades - seus valores sociais, teve amparo nas horas de necessidade físicas e
emocionais, em suma, encontrou naqueles que o adotaram, a referência necessária para
crescer, desenvolver-se e inserir-se no grupo social que hoje faz parte. Nessa senda, a
chamada família anaparental - sem a presença de um ascendente -, quando constatado os
vínculos subjetivos que remetem à família, merece o reconhecimento e igual status daqueles
grupos familiares descritos no art. 42, §2, do ECA. Recurso não provido.” (STJ, REsp
1217415/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2012,
DJe 28/06/2012)
8
A família foi regulada pelo Direito Canônico até o Século XIX. O Direito de Família
Canônico era constituído por normas imperativas, inspiradas na vontade de Deus ou na
vontade do monarca. Constituía-se por cânones, regras de convivência impostas aos membros
da família e sancionadas com penalidades rigorosas. O casamento tinha caráter de
perpetuidade com o dogma da indissolubilidade do vínculo, tendo como finalidade a
procriação e a criação dos filhos. “No Brasil, a autoridade do direito canônico, através das
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1707), vigorou soberana até 1890, quando
se instituiu o casamento civil em nosso país (Decreto 181, de 24/01/1890)”. 25 Somente a
desvinculação do matrimônio da Igreja possibilitou a revisão dessa dogmática. 26 A influência
do Direito Canônico pode ser observada no Código Civil de 1916, por exemplo, ao mencionar
as condições de invalidade do casamento ao invés de enumerar os requisitos que devem ser
preenchidos para a sua validade e licitude. As concepções éticas e religiosas do catolicismo
influenciaram durante longo tempo o Direito de Família, somente perdendo força nos últimos
tempos. Ao lado do Direito Canônico, o Direito Português constitui-se na mais importante
fonte do Direito de Família brasileiro, em especial, as Ordenações Filipinas.27
9
possibilitando também, através de normas supletivas, acordos entre cônjuges na separação a
respeito do patrimônio, visita e guarda dos filhos, por exemplo30.
Para Maria Berenice Dias, “o direito das famílias, ainda que tenha características
peculiares e alguma proximidade com o direito público, tal não lhe retira o caráter privado,
não pode ser dito que se trata de um direito público”; “faz-se imperioso considerá-lo como
um microssistema jurídico, que mereceria um tratamento legal autônimo, um Código
apartado da codificação civil”. Para a autora, “a dinâmica cada vez mais acentuada em que
se desenvolve e se desdobra a família impõe que o direito de família passe a ser chamado de
direito das famílias”31.
Para Dimas Carvalho, “De todos os ramos do direito civil, o Direito de Família é o
mais privado de todos eles, por tratar da vida íntima das pessoas nas relações familiares, em
que predomina o afeto. É também o de maior alcance pois diz respeito a todas as pessoas
indistintamente, mesmo antes do nascimento, para proteção e auxílio da gestante (alimentos
gravídicos), e após a morte, nas relações de parentesco (ações investigatórias de
paternidade).”32
Embora tenha entrado em vigor mais de 13 anos após a promulgação da CF/88, o seu
projeto original foi aprovado pela Câmara dos Deputados, em 1987, recebendo inúmeras
emendas que restaram aprovadas pelo Senado Federal com o fim de melhor adaptá-lo à nova
ordem constitucional vigente. O Código Civil de 2002 procurou adaptar-se aos princípios e
normas constitucionais, bem como à evolução social e dos costumes. Incluiu disposições
normativas constantes de leis especiais (separação, divórcio, união estável e reconhecimento
30
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 24.
31
DIAS, Maria Berenice. Op. cit., p. 32.
32
CARVALHO, DIAS MESSIAS DE. Intervenção do Ministério Público no Direito de Família: entre o público
e o privado. In: Pereira, Rodrigo da Cunha (Coord). Família: entre o público e o privado. Porto Alegre:
Magister/IBDFAM, 2012, p. 77
10
de filhos havidos fora do casamento, entre outros), deixando de fora pontos polêmicos, em
especial, a filiação por reprodução assistida.
A matéria referente ao Direito de Família vem regulada nos artigos 1.511 a 1.783,
totalizando 273 artigos. Influenciaram as novas disposições, em especial, “a surpreendente
alteração do fenômeno social da família nas dobras do século XX”.33
Entre as muitas inovações do Código Civil de 2002, constam, conforme aponta José de
Farias Tavares34:
11
de um ano- separação falência, ou doença grave mental por mais de dois anos-
separação-remédio).
a) Personalíssimo;
b) Intransmissíveis;
c) Irrevogáveis;
d) Irrenunciáveis;
e) Indisponíveis;
35
RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 70041298191,
julgado em 18/02/2011; Agravo de Instrumento nº70040762742, julgado em 08/06/2011;
Apelação Cível nº 70042092916, julgado em 14/07/2011.
36
37
DIAS, Maria Berenice. Op. cit., p. 33.
12
h) a isonomia entre os filhos (art. 227, parágrafo 6º, CF).38
O Direito de Família contemporâneo “alcançou um status que exige que esse ramo das
ciências jurídicas tenha um conhecimento organizado com apoio na interdisciplinaridade,
agregando conhecimentos de outras áreas, sem o que a prestação jurisdicional, no âmbito
das relações familiares, revelar-se-á inadequada ou insuficiente”40.
13
democracia, o autoritarismo, a arbitrariedade, a violência, o totalitarismo, a opressão, a
tirania, pela conduta digna, democrática, humana, solidária, protetiva, hermenêutica,
genética, afetiva e ontológica no abrigo familiar”43 (grifo nosso).
Art. 3.º É protegida como família toda comunhão de vida instituída com a finalidade de
convivência familiar, em qualquer de suas modalidades.
43
WELTER, Belmiro Pedro. A compreensão dos preconceitos no Direito de Família pela hermenêutica
filosófica. In: Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, nº 58, maio/2006 a agosto/2006, p. 41-42.
44
MORAES, Maria Celina Bodin. A nova família de novo –Estruturas e função das famílias contemporâneas.
Revista Pensar, Fortaleza, v.18,n.2, p. 586-627, mai./ago.2013.
14