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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE DIREITO
DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO
PROFESSORA: MARIA REGINA FAY DE AZAMBUJA
DISCIPLINA: DIREITO CIVIL VII – Família
2º SEMESTRE/2016

1. DIREITO DE FAMÍLIA

1.1 Objetivo da Disciplina, método e bibliografia


1.2 Conceito, conteúdo e caracteres
1.3 Características e Princípios
1.4 A Família: conceito, origem e evolução histórica até os
dias atuais
1.5 A constitucionalização do Direito de Família

O QUE É FAMÍLIA?

A família “é um fenômeno fundado em dados biológicos, psicológicos e sociológicos


regulados pelo direito”1. Qualquer estudo sobre a família é inseparável do direito, porquanto o
direito e o legislador agem diretamente sobre os fenômenos derivados da família.

O conceito de família muda de acordo com o ramo da ciência adotada: Para a história e
sociologia, ela é o conjunto de pessoas que habitam a mesma casa. A antropologia já a define
em função da interdição de relações sexuais incestuosas. Na psicanálise, a definição parte dos
papéis psicológicos desempenhados pelas pessoas; o pai e a mãe não são necessariamente os
fornecedores dos gametas, mas aqueles que cumpriram determinadas funções na estruturação
da psique da pessoa. O direito, por sua vez, adota a definição de família tendo em vista certas
‘relações jurídicas’ entre os sujeitos.2

A família de hoje não apresenta a mesma configuração da família de séculos anteriores.


Conforme Nitschke, “falar em família é mergulhar em águas de diferentes e variados
significados para as pessoas, dependendo do local onde vivem, de sua cultura e, também, de
sua orientação religiosa e filosófica, entre outros aspectos” 3. A mudança de cultura, de hábitos
e as exigências da vida contemporânea provocaram alterações, não só no dia a dia das
famílias, como também na sua própria concepção legal.

1
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2003, v. 6, p. 23.
2
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. V. 5. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 10-11.
3
NITSCHKE, R. G. Mundo Imaginal de ser família saudável. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de
Santa Catarina. Pelotas, 1999, p. 41.

1
A FAMÍLIA NO TEMPO

Na Antiguidade, a família “era uma unidade econômica, constituída pelos antecedentes


e descendentes, escravos, animais, terra, edificações, plantações, bens móveis e imóveis”
(Chauí, 2005).

Na Roma Antiga, a palavra família significava “o conjunto de empregados de um


senhor”; “o pertencimento a uma família era determinado mais pela autoridade a que a pessoa
estava submetida do que pelos laços de sangue”4. “O termo família não se referia ao casal e
seus filhos, ou ao casal e seus parentes, mas ao conjunto de escravos, servos que trabalhavam
para a subsistência de parentes que se achavam sob a autoridade do paterfamilias”.5 No
direito romano, “a família era unidade religiosa, jurídica e econômica, em que o pai tinha o
poder de vida e de morte sobre seus filhos, a mulher e os escravos”6.

Para Amim: “A religião não formava a família, mas ditava as suas regras.
Juridicamente, a sociedade familiar era uma associação religiosa e não uma associação
natural”.7

Conforme Turkenicz,“em Roma, estando o pai vivo, seu filho, mesmo sendo um adulto,
não podia estabelecer um contrato, nem elaborar seu testamento, nem libertar um escravo,
nem fazer carreira pública sem o acordo do pai. A morte do pai punha fim a uma espécie de
escravidão. Nesse contexto, o parricídio não era uma prática infrequente. Provavelmente por
isso mesmo tenha sido fortemente condenado pelas leis.”8

Ariès, referindo-se à família nas sociedades tradicionais, afirma “que essa família antiga
tinha por missão – sentida por todos – a conservação dos bens, a prática comum de um ofício,
a ajuda mútua quotidiana num mundo que um homem, e, mais ainda, uma mulher isolados
não podiam sobreviver, e ainda, nos casos de crise, a proteção da honra e das vidas. Ela não
tinha função afetiva. (...) As trocas afetivas e as comunicações sociais eram realizadas,
portanto, fora da família, num ‘meio’ muito denso e quente, composto de vizinhos, amigos,
amos e criados, crianças e velhos, mulheres e homens, em que a inclinação se podia
manifestar mais livremente”9.

Já no decorrer dos séculos XVI e XVII, “os dicionários franceses e ingleses traziam
definições de família ora pontuadas na questão da coabitação, ora na do parentesco e da
consanguinidade”.10 Na pós-modernidade, a família, “mais do que uma unidade emocional,
constitui uma unidade sociológica, incumbindo-se de transformar organismos biológicos em
seres sociais”, cabendo aos pais a responsabilidade pela transmissão de padrões culturais,
valores ideológicos e morais.11

4
WERNER, Jairo; WERNER, Maria Cristina Milanez. Direito de Família e Psiquiatria Forense. In: TABORDA,
José J.; CHALUB, Miguel; ABDALLA-FILHO, Elias. Psiquiatria Forense. Porto Alegre: Artmed, 2004, p. 79.
5
OLIVEIRA LEITE, Eduardo de. Direito Civil Aplicado. v. 5. Direito de Família. São Paulo: RT, 2005, p. 23.
6
WELTER, Belmiro Pedro. Guarda Compartilhada: um jeito de conviver e de ser-em-família. Publicado na
INTRANET/Ministério Público Estadual, em 14/01/09.
7
AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In: MACIEL, Kátia
Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. Aspectos teórico e
práticos. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 3.
8
TURKENICZ, Abraham. Organizações Familiares: contextualização histórica da família ocidental. Curitiba:
Juruá, 2012, p. 91.
9
ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981, p. 10/11.
10
OLIVEIRA LEITE, Eduardo de. Op. cit, p. 23.
11
Ibidem.

2
DEFININDO DIREITO DE FAMÍLIA

Clóvis Beviláqua, autor do Código Civil de 1916, em 1937, definiu o Direito de


Família como:

“O complexo das normas que regulam a celebração do casamento, sua validade e os


efeitos que dele resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a
dissolução desta, as relações entre pais e filhos, o vínculo de parentesco e os institutos
complementares da tutela e da curatela”.

Orlando Gomes, por sua vez, define o Direito de Família como:

“Conjunto de regras aplicáveis às relações entre pessoas ligadas pelo casamento, pelo
parentesco, pela afinidade e pela adoção”12.

Clóvis Beviláqua, na atualidade, assim define Direito de Família:

“Direito de Família é o complexo de normas que regulam a celebração do casamento


(e da união estável), sua validade e os efeitos que (deles) resultam, as relações pessoais e
econômicas da sociedade conjugal (e da união estável), as relações entre pais e filhos, o
vínculo de parentesco (do companheirismo) e os institutos complementares da tutela e
curatela”13.

Ruy Rosado de Aguiar Júnior, com propriedade, assinala:

“O prof. Alain Bénabent, na introdução do seu “Detroit Civile- La Famile”(Litec,


Paris, 1993, p.12) observa que o fundamento do Direito de Família resulta essencialmente do
estado sociológico da população, estando diretamente influenciado por concepções morais e
religiosas vigorante em um momento dado. É por isso que o Direito de Família, mais que os
outros, retraça o perfil moral de uma nação. Além disso, nos últimos tempos, ou mais
precisamente nas últimas três décadas, está sofrendo profundas modificações, cuja
velocidade é diferente em cada país. Basta lembrar que o divórcio foi introduzido no Uruguai
em 1907, no Brasil em 1977, na Argentina em 1987 e no Paraguai apenas em 1999, depois de
sobre ele ter silenciado o Código Civil de 1985”14.

Dentro deste panorama, o Código Civil de 1916, retratando a realidade do início do


século XX, referendou inúmeras discriminações: a) contra a mulher, relativamente incapaz,
equiparada aos índios, pródigos e menores púberes (art. 5º); submetida inteiramente ao
marido, até para exercer profissão; chefia da sociedade conjugal exclusiva do marido (art.
233), figura do pater familias do direito romano, reproduzida no Código de Napoleão; b)
contra os filhos ilegítimos: desigualdade na herança, proibição de reconhecimento dos
espúrios (incestuosos e adulterinos, art. 358); c) contra as uniões de fato: total
desconhecimento do fenômeno social, restrições diversas à concubina de homem casado
(proibida de receber doações (art. 1.177); legados (art. 1.719, III); seguros (art. 1.474).

12
GOMES, Orlando. Direito de Família. 11.ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1998, p. 1.
13
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil Comentado, v. 2., p. 6.
14
AGUIAR JR., Ruy Rosado de. A Unificação Supranacional do Direito de Família. In: VI Jornada Jurídica
nacional e I Jornada Internacional de Direito de Família. Seleções Jurídicas, março/abril 1998, p. 19.

3
DECRETO Nº 52.748, DE 24 DE OUTUBRO DE 1963

Institui o DIA NACIONAL DA FAMÍLIA


O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o artigo 87,
inciso I, da Constituição e
CONSIDERANDO que a família, desde os estágios iniciais da civilização, vem
constituindo a célula-base dos aglomerados humanos;
CONSIDERANDO que, posteriormente, já nas sociedades perfeitamente organizadas
e independentes de ideologia, sistema político, organização social ou credo religioso, continua
sendo a família o elo fundamental das mesmas,
DECRETA:
     Artigo único. Fica instituído o "Dia Nacional da Família", a ser comemorado em
todo o território nacional, no dia 8 de dezembro de cada ano.
Brasília, 24 de outubro de 1963; 142º da Independência e 75º da República.
JOÃO GOULART

A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: MUDANÇAS PROFUNDAS NO


DIREITO DE FAMÍLIA

Nos dias atuais, a família continua considerada “a base da sociedade”, “o primeiro


agente socializador do ser humano”15, merecendo especial proteção do Estado”(art. 226,
caput, CF).

DICIONÁRIO REFORMULA CONCEITO DE FAMÍLIA A PARTIR DE


SUGESTÕES DE INTERNAUTAS
Segundo o Dicionário Houaiss:
Família é o núcleo social de pessoas unidas por laços afetivos, que geralmente
compartilham o mesmo espaço e mantêm entre si uma relação solidária.
Fonte: IBDFAM 11/05/2016

A FAMÍLIA MUDOU DE FORMATO

As evidências trazidas pela PNAD 2012 mostraram que 38% dos arranjos
familiares tinham como pessoa de referência mulheres, quando, em 2002, essa
proporção era 28%. No lugar de chefe de família utiliza-se a expressão pessoa de
referência
IBGE: Síntese de Indicadores Sociais. Uma análise das condições de vida da população
brasileira 2013. Disponível: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv66777.pdf.
Acesso em: 26.02.14

A FAMÍLIA ENCOLHEU

15
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 25.

4
A família brasileira está menor, mais fragmentada e se organiza de forma muito
mais diversa do que há dez ou vinte anos. Até 1990, os casais tinham 2,8 filhos em média,
80% dos lares eram encabeçados por um homem e a estrutura da família era, com raras
exceções, a clássica: pai, mãe e filhos. O Censo 2010 revela que hoje os domicílios
abrigam em média apenas três pessoas. Fonte: www.andi.org.br. Data: 22/11/2011.

Independentemente de se tratar de casal sem filhos ou casal com filhos, houve um


aumento considerável da proporção de mulheres responsáveis pelos núcleos familiares
entre 2002 e 2012. No caso dos núcleos formados por casal sem filhos, a proporção de
mulheres passou de 6,1% para 18,9%, nos casais com filhos de 4,6% passou para 19,4%.
Nas monoparentais, as mulheres sempre foram maioria, proporção que se mantém no
período. IBGE: Síntese de indicadores sociais. Uma análise das condições de vida da
população brasileira 2013. Disponível em:
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv66777.pdf. Aceso em: 26.02.14

AUMENTA NÚMERO DE ADOLESCENTES CHEFES DE FAMÍLIA

Assumir responsabilidades de adulto aos 12, 14, 16 anos é uma realidade em 132
mil domicílios onde meninos e meninas de 10 a 14 anos são os principais responsáveis
pela casa, mostram os dados do Censo 2010, do IBGE, que revelam ainda que outros 661
mil lares são chefiados por adolescentes com idades entre 15 e 19 anos. Situação da
Adolescência Brasileira 2011. UNICEF. Disponível em:
http://www.unicef.org/brazil/pt/br_sabrep11.pdf. Acesso em: 26.02.14

A Constituição Federal de 1988 provocou profundas mudanças no conceito de


família, cabendo mencionar:

1) proteção à família constituída: a) pelo casamento civil; b) pelo casamento


religioso com efeitos civis; c) pela união estável entre o homem e a mulher;
d) pela comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes;
2) ampliação das formas de dissolução do casamento, ao estabelecer
facilidades para o divórcio;
3) proclamação da plena igualdade de direitos e deveres do homem e da
mulher na vivência conjugal;
4) consagração da igualdade dos filhos havidos ou não do casamento, ou por
adoção, garantindo-lhes os mesmos direitos e qualificações.

Paulo Lôbo, referindo-se à CF/88, chama a atenção para os seguintes aspectos:

a) a proteção do Estado alcança qualquer entidade


familiar, sem restrições;
b) a família, entendida como entidade, assume
claramente a posição de sujeito de direitos e obrigações;
c) os interesses das pessoas humanas, integrantes da
família, recebem primazia sobre os interesses patrimonializantes;
d) a natureza socioafetiva da filiação torna-se gênero,
abrangente das espécies biológica e não biológica;

5
e) consuma-se a igualdade entre os gêneros e entre os
filhos;
f) reafirma-se a liberdade de constituir, manter e
extinguir entidades familiares e a liberdade de planejamento familiar,
sem imposição estatal;
g) a família configura-se no espaço de realização pessoal
e da dignidade humana de seus membros16.

FORMAS DE CONSTITUIR FAMÍLIA

“AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE -


EXAME DE DNA NEGATIVO QUANTO À PATERNIDADE BIOLÓGICA - REALIZAÇÃO
DE ESTUDO TÉCNICO PSICOLÓGICO E/OU SOCIAL - POSSIBILIDADE - NOVOS
CONTORNOS DA CONCEPÇÃO DE FAMÍLIA, SOB A ÉGIDE DA CONSTITUIÇÃO DE
1988. - Após o advento da Constituição Federal de 1988, surgiu um novo paradigma para as
entidades familiares, não existindo mais um conceito fechado de família, mas, sim, um
conceito eudemonista socioafetivo, moldado pela afetividade e pelo projeto de felicidade de
cada indivíduo. Assim, a nova roupagem assumida pela família liberta-se das amarras
biológicas, transpondo-se para as relações de afeto, de amor e de companheirismo. -
Inexistindo prova suficiente do parentesco entre as partes, ante a negativa do exame de DNA,
entendo que a realização de estudo técnico para reconhecimento de possível paternidade
socioafetiva é medida que se impõe. - Recurso desprovido.” (TJMG, Agravo de Instrumento
nº 1.0024.11.106058-8/001, em 09/04/2013, Rel. Des. Eduardo Andrade, 1ª Câmara Cível,
Belo Horizonte).

Segundo a CF/88 e o Código Civil de 2002, outras formas de configuração da família


foram descritas, além do casamento: a) a união estável; b) a família monoparental (qualquer
um dos pais e seus descendentes). Para a maioria dos autores, trata-se de hipóteses
exemplificativas, como assinala Cláudia Maria da Silva:

“Não se pode mais falar em família, mas sim em famílias. São recompostas, ampliadas,
monoparentais, hetero ou homossexuais, socioafetivas, entre tantas outras formas de viver
afeto e a solidariedade”17.

Como bem leciona Maria Helena Novaes, “a família continua a ser ainda sonhada e
desejada por homens de todas as idades, de todas as orientações sexuais e de todas as
condições, por ser capaz de estabelecer uma nova ordem simbólica”18.

Segundo Maria Berenice Dias:

“O novo modelo da família funda-se sobre os pilares da repersonalização, da


afetividade da pluralidade e do eudemonismo, impingindo nova roupagem axiológica ao
direito de família. Agora, a tônica reside no indivíduo, e não mais nos bens ou coisas que
16
LÔBO, Paulo. Direito Civil, Famílias. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.6.
17
SILVA, Cláudia Maria da. Descumprimento do dever de convivência familiar e indenização por danos à
personalidade do filho. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, n. 25, ago./set. 2004, p. 130.
18
NOVAES, Maria Helena. A convivência entre as gerações e o contexto sociocultural. In: PEREIRA, Tânia da
Silva; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). A ética da convivência familiar: sua efetividade no cotidiano dos
tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, pp. 215-230, p. 227.

6
guarnecem a relação familiar. A família-instituição foi substituída pela família-instrumento,
ou seja, ela existe e contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus
integrantes como para o crescimento e formação da própria sociedade, justificando, com
isso, a sua proteção pelo Estado”19.

Família EUDEMONISTA é a identificação da família pelo seu envolvimento afetivo,


baseada na busca pela felicidade, amor e solidariedade. A família eudemonista busca a
felicidade individual vivendo um processo de emancipação de seus membros.”20

Maria Celina Bodin de Moraes, referindo-se à família, diz:

“À família como instituição corresponde a atual família democratizada, criada e


protegida pela Constituição de 1988, cujos protagonistas são os filhos. Desse microcosmo
começam a ser partes integrantes aspectos que antes ficavam da porta para fora: direito ao
respeito, garantia de liberdade de crença, proteção em face da síndrome da alienação
parental, garantia do estado de filiação, direito de conhecer as origens genéticas,
averiguação oficiosa da paternidade, presunção legal da paternidade em caso de recusa do
exame de DNA e responsabilização civil por abandono moral foram alguns dos instrumentos
postos, nos últimos anos, a serviço da proteção dos filhos em face de seus progenitores”21.

Para Belmiro Welter:

“No Brasil, a contar do texto constitucional democrático, laico e hermenêutico de


direito de 1988, a família passou a ser nuclear, pluralizada, desencarnada, democratizada e
dessacralizada, um gênero que envolve várias formas de unidade familiar, como conjugal,
convivencial, monoparental, unipessoal, socioafetiva, anaparental22, reconstituída, etc.”23.

“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO PÓSTUMA.


VALIDADE. ADOÇÃO CONJUNTA. PRESSUPOSTOS. FAMILIA ANAPARENTAL.
POSSIBILIDADE. Ação anulatória de adoção post mortem, ajuizada pela União, que tem por
escopo principal sustar o pagamento de benefícios previdenciários ao adotado - maior
interdito -, na qual aponta a inviabilidade da adoção post mortem sem a demonstração cabal
de que o de cujus desejava adotar e, também, a impossibilidade de ser deferido pedido de
adoção conjunta a dois irmãos. A redação do art. 42, § 5º, da Lei 8.069/90 - ECA -,
renumerado como § 6º pela Lei 12.010/2009, que é um dos dispositivos de lei tidos como
violados no recurso especial, alberga a possibilidade de se ocorrer a adoção póstuma na
hipótese de óbito do adotante, no curso do procedimento de adoção, e a constatação de que
este manifestou, em vida, de forma inequívoca, seu desejo de adotar. Para as adoções post
mortem, vigem, como comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar, as mesmas
regras que comprovam a filiação socioafetiva: o tratamento do menor como se filho fosse e o

19
DIAS, Maria Berenice. Op. cit., p. 39.
20
DIAS, Maria Berenice. Op cit. 8.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 54.
21
MORAES, Maria Celina Bodin. A nova família, de novo –Estruturas e função das famílias contemporâneas.
Revista Pensar, Fortaleza, v.18, n.2, p. 586-627, mai./ago.2013
22
A convivência entre parentes ou entre pessoas, ainda que não parentes, dentro de uma estrutura com identidade
de propósito, impõe o reconhecimento da existência de entidade familiar batizada com o nome de família
anaparetal. Ver: DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007, p. 46.
23
WELTER, Belmiro Pedro. Guarda Compartilhada: um jeito de conviver e de ser-em-família. Publicado na
INTRANET/Ministério Público Estadual, em 14/01/09.

7
conhecimento público dessa condição. O art. 42, § 2º, do ECA, que trata da adoção conjunta,
buscou assegurar ao adotando a inserção em um núcleo familiar no qual pudesse desenvolver
relações de afeto, aprender e apreender valores sociais, receber e dar amparo nas horas de
dificuldades, entre outras necessidades materiais e imateriais supridas pela família que, nas
suas diversas acepções, ainda constitui a base de nossa sociedade. A existência de núcleo
familiar estável e a consequente rede de proteção social que podem gerar para o adotando,
são os fins colimados pela norma e, sob esse prisma, o conceito de núcleo familiar estável
não pode ficar restrito às fórmulas clássicas de família, mas pode, e deve, ser ampliado para
abarcar uma noção plena de família, apreendida nas suas bases sociológicas. Restringindo a
lei, porém, a adoção conjunta aos que, casados civilmente ou que mantenham união estável,
comprovem estabilidade na família, incorre em manifesto descompasso com o fim perseguido
pela própria norma, ficando teleologicamente órfã. Fato que ofende o senso comum e
reclama atuação do interprete para flexibilizá-la e adequá-la às transformações sociais que
dão vulto ao anacronismo do texto de lei. O primado da família socioafetiva tem que romper
os ainda existentes liames que atrelam o grupo familiar a uma diversidade de gênero e fins
reprodutivos, não em um processo de extrusão, mas sim de evolução, onde as novas situações
se acomodam ao lado de tantas outras, já existentes, como possibilidades de grupos
familiares. O fim expressamente assentado pelo texto legal - colocação do adotando em
família estável - foi plenamente cumprido, pois os irmãos, que viveram sob o mesmo teto, até
o óbito de um deles, agiam como família que eram, tanto entre si, como para o então infante,
e naquele grupo familiar o adotado se deparou com relações de afeto, construiu - nos limites
de suas possibilidades - seus valores sociais, teve amparo nas horas de necessidade físicas e
emocionais, em suma, encontrou naqueles que o adotaram, a referência necessária para
crescer, desenvolver-se e inserir-se no grupo social que hoje faz parte. Nessa senda, a
chamada família anaparental - sem a presença de um ascendente -, quando constatado os
vínculos subjetivos que remetem à família, merece o reconhecimento e igual status daqueles
grupos familiares descritos no art. 42, §2, do ECA. Recurso não provido.” (STJ, REsp
1217415/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2012,
DJe 28/06/2012)

A reforçar a posição majoritária dos autores, o STF, em decisão da ADI 4277/DF, de


14/10/2011, reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Em seu voto, o relator,
Ministro Ayres Britto, salientou que a Constituição Federal veda qualquer discriminação em
virtude de sexo, raça ou cor e, que, portanto, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em
função de sua preferência sexual:

“Logo, diferentemente do casamento ou da própria união estável, a família não se


define como simples instituto ou figura de direito em sentido meramente objetivo. Essas duas
objetivas figuras de direito que são o casamento civil e a união estável é que se distinguem
mutuamente, mas o resultado a que chegam é idêntico: uma nova família, ou, se se prefere,
uma nova “entidade familiar”, seja a constituída por pares homoafetivos, seja a formada por
casais heteroafetivos”.24

FONTES DO DIREITO DE FAMÍLIA

As principais fontes do Direito de Família brasileiro são o direito canônico e o direito


português, sendo que o segundo vem representado, especialmente, pelos costumes que os
lusitanos trouxeram para o Brasil. Em âmbito mais remoto, pode-se apontar o Código de
Napoleão, de 1804, paradigma de toda a codificação civil ocidental.
24
BRASIL, Supremo Tribunal Federal, ADI 4.277/DF, Tribunal Pleno, Relator Ministro Ayres Britto, Julgado
em 05/05/2011.

8
A família foi regulada pelo Direito Canônico até o Século XIX. O Direito de Família
Canônico era constituído por normas imperativas, inspiradas na vontade de Deus ou na
vontade do monarca. Constituía-se por cânones, regras de convivência impostas aos membros
da família e sancionadas com penalidades rigorosas. O casamento tinha caráter de
perpetuidade com o dogma da indissolubilidade do vínculo, tendo como finalidade a
procriação e a criação dos filhos. “No Brasil, a autoridade do direito canônico, através das
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1707), vigorou soberana até 1890, quando
se instituiu o casamento civil em nosso país (Decreto 181, de 24/01/1890)”. 25 Somente a
desvinculação do matrimônio da Igreja possibilitou a revisão dessa dogmática. 26 A influência
do Direito Canônico pode ser observada no Código Civil de 1916, por exemplo, ao mencionar
as condições de invalidade do casamento ao invés de enumerar os requisitos que devem ser
preenchidos para a sua validade e licitude. As concepções éticas e religiosas do catolicismo
influenciaram durante longo tempo o Direito de Família, somente perdendo força nos últimos
tempos. Ao lado do Direito Canônico, o Direito Português constitui-se na mais importante
fonte do Direito de Família brasileiro, em especial, as Ordenações Filipinas.27

REGULAMENTAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA

O Direito de Família, “ramo do Direito Civil com características peculiares, é


integrado pelo conjunto de normas que regulam as relações jurídicas familiares, orientado por
elevados interesses morais e bem-estar social” 28. Originalmente, no Brasil, o Direito de
Família vinha regulado exclusivamente no Código Civil. Com o passar do tempo, princípios
constitucionais e diversas leis complementares derrogaram parcialmente vários dispositivos
do Código Civil de 1916, além de disciplinarem outros fenômenos e fatos jurídicos
relacionados direta ou indiretamente com a família.

O Código Civil (2002), seguindo os princípios constitucionais de 1988, “procura


estabelecer a mais completa igualdade jurídica dos cônjuges e companheiros, do homem e da
mulher”, além da igualdade jurídica de todos os filhos, independentemente de sua origem.
Substituiu, ainda, a denominação pátrio poder, derivada do caudilhesco pater famílias do
Direito Romano, por poder familiar, exercido como um poder-dever em igualdade de
condições por ambos os progenitores.29

DIREITO DE FAMÍLIA: direito público ou privado?

O Direito de Família é ordenado por um grande número de normas de ordem pública,


sem que, com isto, integre o direito público. Parte da doutrina procurou situá-lo no campo do
direito público. As normas de ordem pública no direito privado têm por finalidade limitar a
autonomia de vontade e a possibilidade de as partes disporem sobre suas próprias normas nas
relações jurídicas. A ordem pública resulta, portanto, de normas imperativas, em
contraposição às normas supletivas, sem que as relações assim ordenadas deixem de ser de
direito privado. No Direito de Família, “a ordem pública prepondera dispondo sobre as
relações pessoais dos cônjuges, relações entre pais e filhos, regimes matrimoniais, celebração
e dissolução do casamento, etc.” O Estado tem interesse no direcionamento da família,
entendida como a célula básica, dedicando-lhe especial proteção (art. 226, “caput”, CF),
25
OLIVEIRA LEITE, Eduardo de. Op. cit., p. 27/28.
26
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 23.
27
GOMES, Orlando. Op. cit., p. 9/10.
28
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 24.
29
Ibidem.

9
possibilitando também, através de normas supletivas, acordos entre cônjuges na separação a
respeito do patrimônio, visita e guarda dos filhos, por exemplo30.

No entanto, em que pese a existência de inúmeras normas imperativas no âmbito do


Direito de Família, “a pretensão de deslocar a família do direito privado representa um contra-
senso”, como afirma Guilhermo A Borda. No dizer de Sílvio de Salvo Venosa, “não se pode
conceber nada mais privativo, mais profundamente humano do que a família, em cujo seio o
homem nasce, vive, ama, sofre e morre”.

“O Direito de Família visto como direito público prepara o terreno para um


intervencionismo intolerável do Estado na vida íntima, como tantos que ocorrem
ordinariamente”; “(...) não há como admitir o direito de família como direito público em um
Estado democrático, porque cabe a ele tutelar e proteger a família, intervindo de forma
indireta apenas quando essencial para a sua própria estrutura”; “(...) sente-se na atualidade
que o Direito de Família desgarra-se cada vez mais do Direito Civil, ganhando autonomia de
estudos e consequentemente de especialistas”;”(...)os chamados direitos de família
constituem na verdade um complexo de direitos e deveres, como o pátrio poder ou poder
familiar; o direito de família está centrado nos deveres, enquanto nos demais campos do
direito de índole patrimonial o centro orientador reside nos direitos, ainda que também
orientados pelo cunho social, como a propriedade” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito
Civil: Direito de Família. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 25/26).

Para Maria Berenice Dias, “o direito das famílias, ainda que tenha características
peculiares e alguma proximidade com o direito público, tal não lhe retira o caráter privado,
não pode ser dito que se trata de um direito público”; “faz-se imperioso considerá-lo como
um microssistema jurídico, que mereceria um tratamento legal autônimo, um Código
apartado da codificação civil”. Para a autora, “a dinâmica cada vez mais acentuada em que
se desenvolve e se desdobra a família impõe que o direito de família passe a ser chamado de
direito das famílias”31.

Para Dimas Carvalho, “De todos os ramos do direito civil, o Direito de Família é o
mais privado de todos eles, por tratar da vida íntima das pessoas nas relações familiares, em
que predomina o afeto. É também o de maior alcance pois diz respeito a todas as pessoas
indistintamente, mesmo antes do nascimento, para proteção e auxílio da gestante (alimentos
gravídicos), e após a morte, nas relações de parentesco (ações investigatórias de
paternidade).”32

O CÓDIGO CIVIL E O DIREITO DE FAMÍLIA


ARTS. 1.511 A 1.783 CC

Embora tenha entrado em vigor mais de 13 anos após a promulgação da CF/88, o seu
projeto original foi aprovado pela Câmara dos Deputados, em 1987, recebendo inúmeras
emendas que restaram aprovadas pelo Senado Federal com o fim de melhor adaptá-lo à nova
ordem constitucional vigente. O Código Civil de 2002 procurou adaptar-se aos princípios e
normas constitucionais, bem como à evolução social e dos costumes. Incluiu disposições
normativas constantes de leis especiais (separação, divórcio, união estável e reconhecimento
30
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 24.
31
DIAS, Maria Berenice. Op. cit., p. 32.
32
CARVALHO, DIAS MESSIAS DE. Intervenção do Ministério Público no Direito de Família: entre o público
e o privado. In: Pereira, Rodrigo da Cunha (Coord). Família: entre o público e o privado. Porto Alegre:
Magister/IBDFAM, 2012, p. 77

10
de filhos havidos fora do casamento, entre outros), deixando de fora pontos polêmicos, em
especial, a filiação por reprodução assistida.

A matéria referente ao Direito de Família vem regulada nos artigos 1.511 a 1.783,
totalizando 273 artigos. Influenciaram as novas disposições, em especial, “a surpreendente
alteração do fenômeno social da família nas dobras do século XX”.33

O Código Civil, com vigência desde 11 de janeiro de 2002, no campo do Direito de


Família, agora dividido em quatro Títulos (Do Direito Pessoal - arts. 1.511 a 1.638, Do
casamento, Das relações de Parentesco; Do Direito Patrimonial - arts. 1.639 a 1.722, Do
regime de Bens entre os Cônjuges, Do usufruto e da Administração dos Bens dos Filhos
Menores, Dos Alimentos, Do Bem de Família; Da União Estável - arts. 1.723 a 1.727; Tutela
e Curatela - arts. 1.728 a 1.783), veio consolidar conquistas que ocorreram, em especial, a
partir de meados do século XIX, como as que vieram com o Estatuto da Mulher Casada (Lei
n. 4.121, de 1962); posteriormente, com a Emenda Constitucional n.9, que excluiu o caráter
indissolúvel do casamento; mas, principalmente, com a CF/88 . O Código Civil de 2002
aboliu a visão patriarcal, presente no Código de 1916, ampliou as formas de constituição do
ente familiar, consagrou a igualdade de tratamento entre marido e mulher, bem como a
igualdade entre os filhos, independente de sua origem familiar.

Entre as muitas inovações do Código Civil de 2002, constam, conforme aponta José de
Farias Tavares34:

a) maioridade civil: a capacidade civil da pessoa humana é antecipada para 18


anos (art. 5º), com importantes reflexos para o Direito de Família, como
autorização paterna para o casamento; sujeição ao poder familiar; cessação da
tutela; redução para os 16 anos o limite para emancipação dos filhos por
outorga paterna (art. 5º, parágrafo único, inciso I); a capacidade nupcial para o
homem e a mulher passa a ser 16 anos (art. 1.517).

b) casamento civil e religioso: disposições sobre o casamento religioso


facilitam o registro desta união legal, a qualquer tempo, mesmo depois de
vencido o prazo de 90 dias de sua realização, bastando que se renove a
habilitação, providência que visa apurar a inexistência de impedimentos para o
casamento.

c) impedimentos matrimoniais: reduz os impedimentos matrimoniais a sete


situações (art. 1.521).

d) dissolução da sociedade conjugal: a partir da vigência do Código Civil de


2002, as normas de natureza material, atinentes às causas, requisitos e espécies
da separação judicial e do divórcio, estabelecidas na Lei n. 6.515/77, ficam
revogadas, prevalecendo em vigor os dispositivos de cunho processual.

e) separação judicial: permanecem as duas formas: consensual (por mútuo


consentimento) e litigiosa (seja decorrente da culpa de um dos cônjuges ou de
causas objetivas independentes de culpa: ruptura da vida em comum por mais
33
OLIVEIRA, Euclides; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Do Direito de Família. In: DIAS,
Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família e o Novo Código Civil. Belo Horizonte: Del
Rey, 2001, p. 6.
34
OLIVEIRA, Euclides Benedito. Direito de Família no Novo Código Civil. Revista Brasileira de Direito de
Família. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v. 5, n.1, jun./jul. 2003, p. 01/29.

11
de um ano- separação falência, ou doença grave mental por mais de dois anos-
separação-remédio).

f) divórcio: permanecem as duas formas: indireto (pela conversão da separação


judicial, decorrido o prazo de um ano contado da sentença de separação ou da
prévia separação de corpos); direto (pela comprovada separação de fato por
mais de dois anos, conforme dispõe o art. 1.580, parágrafos primeiro e segundo
do Novo Código Civil). Não há que se falar em culpa na motivação do
divórcio, bastando o decurso do tempo estabelecido para cada uma das
situações. Não é mais necessária a prévia partilha para a decretação do divórcio
(art.1.581).

EMENDA CONSTITUCIONAL nº 66, DE 2010 - O casamento civil pode ser


dissolvido pelo divórcio (art. 226, § 6º, CF).35

CONTEÚDO DO DIREITO DE FAMÍLIA

a) Personalíssimo;
b) Intransmissíveis;
c) Irrevogáveis;
d) Irrenunciáveis;
e) Indisponíveis;

Personalíssimo (adere indelevelmente à personalidade da pessoa em virtude de sua


posição na família durante toda a vida); em sua maioria, são direitos intransmissíveis,
irrevogáveis, irrenunciáveis e indisponíveis. “A imprescritibilidade também ronda o direito de
36
família. Ninguém pode ceder o poder familiar ou renunciar ao direito de pleitear o estado de
filiação. O reconhecimento do filho é irrevogável, sendo imprescritível o direito de investigar
a paternidade”37.

PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA

b) o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF);


b) o princípio da igualdade (art. 5º, caput, e art. 226, parágrafo 5º, CF);
c) o princípio da solidariedade (art. 3º, inciso I, CF);
d) o princípio da paternidade responsável (art. 226, parágrafo 7º, CF);
e) princípio do pluralismo das entidades familiares (art. 226, parágrafos 3º e 4º, CF);
f) o princípio da tutela especial à família, independentemente da espécie (art. 226,
caput, CF);
g) a proteção integral da criança e do adolescente (art. 227, caput, CF) e

35
RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 70041298191,
julgado em 18/02/2011; Agravo de Instrumento nº70040762742, julgado em 08/06/2011;
Apelação Cível nº 70042092916, julgado em 14/07/2011.
36

37
DIAS, Maria Berenice. Op. cit., p. 33.

12
h) a isonomia entre os filhos (art. 227, parágrafo 6º, CF).38

Paulo Luiz Netto Lobo, com propriedade, assinala:

“Emergem da Constituição brasileira, os seguintes princípios aplicáveis ao direito de


família: a) PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS: I- Dignidade da pessoa humana; II-
Solidariedade familiar; b) PRINCÍPIOS GERAIS: III- Igualdade; VI- Liberdade; V-
Afetividade; VI- Convivência familiar; VII- Melhor interesse da criança”39.

O Direito de Família contemporâneo “alcançou um status que exige que esse ramo das
ciências jurídicas tenha um conhecimento organizado com apoio na interdisciplinaridade,
agregando conhecimentos de outras áreas, sem o que a prestação jurisdicional, no âmbito
das relações familiares, revelar-se-á inadequada ou insuficiente”40.

Para Rodrigo da Cunha Pereira, “o Direito de Família é o mais humano de todos os


ramos direitos. (...) se torna imperativo pensar o Direito de Família na contemporaneidade
com a ajuda e pelo ângulo dos Direitos Humanos, cujas bases e ingredientes estão, também,
diretamente relacionados à noção de cidadania”41.

Sérgio Resende de Barros, ao tratar dos direitos humanos fundamentais, assinala:

“Quando se pensa em direitos humanos fundamentais o primeiro que vem à mente é o


direito à vida. Mas, já neste instante primário se evidencia o quão fundamental é a família,
pois no mundo dos seres humanos – e, portanto, dos direitos humanos, - não se pode pensar a
vida sem pensar a família. Uma implica a outra, necessariamente, a partir do nascimento e
ao longo do desenvolvimento do ser humano. Daí que – também necessariamente – o direito
à vida implica o direito à família, fundando-o primordialmente: como o primeiro na ordem
jurídica da família, o mais fundamental dos direitos de família”42.

Para Belmiro Pedro Welter:

“A compreensão do Direito de Família deve ser no sentido de que lidamos com um


ser humano não apenas genético, mas também afetivo e ontológico, o que exige a
interpretação do Direito não mediante um método subjetivo, e sim universal, em que o
intérprete, mediante o círculo hermenêutico e a fusão de horizontes, mergulha na tradição
histórica do Direito de Família, procurando compreender o atual texto constitucional pelo
contexto histórico das evoluções e das revoluções da família. Com efeito, pelo Direito
Romano, o homem tinha o poder de vida e de morte sobre a mulher, os filhos e escravos. No
Brasil, por longos séculos, imperaram os paradigmas da discriminação, da hierarquia, da
desigualdade familiar e da manutenção do casamento em detrimento da felicidade de seus
membros. Mas, a contar de 5 de outubro de 1988, a Constituição Cidadã fez prevalecer os
direitos e desejos de todos os membros da família, substituindo a hierarquização pela
38
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A Função Social da Família. In: Revista Brasileira de Direito de
Família, Síntese: Porto Alegre, n. 39, dez/jan 2007, p. 157.
39
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Conferência Magna: Princípio da Solidariedade Familiar. In: PEREIRA, Rodrigo da
Cunha (org.). Família e Solidariedade, teoria e Prática do Direito de Família. Rio de Janeiro: IBDFAM Lúmen
Júris Editora, 2008, p. 4.
40
BARBOSA, Águida Arruda. A falta. Boletim IBDFAM, n.60, Ano 10, janeiro/fevereiro 2010, p.9.
41
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Família, Direitos Humanos, Psicanálise e Inclusão Social. In: Revista do
Ministério Público do Rio Grande do Sul, nº 58, maio/2006 a agosto/2006, p. 196.
42
BARROS, Sérgio Resende de. Direitos Humanos da Família: Dos fundamentais aos operacionais. In:
GROENING, Giselle Câmara; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família e Psicanálise, rumo a uma
nova epistemologia. Rio de Janeiro: Imago, 2003, p. 147/148.

13
democracia, o autoritarismo, a arbitrariedade, a violência, o totalitarismo, a opressão, a
tirania, pela conduta digna, democrática, humana, solidária, protetiva, hermenêutica,
genética, afetiva e ontológica no abrigo familiar”43 (grifo nosso).

Maria Celina Bodim de Moraes finaliza:

“O processo de democratização da família indica que a vida familiar deve conseguir


combinar escolhas individuais e solidariedade familiar. A democracia, nesse contexto
familiar, implica igualdade, respeito mútuo, autonomia, proteção contra a violência e
integração social”44.

LEI Nº 12.647, de 16 de maio de 2012 – Institui o Dia Nacional de


Valorização da Família.

Art. 1º. Fica instituído o Dia Nacional de Valorização da Família a ser


comemorado, anualmente, no dia 21 de outubro, em todo o território nacional.
Art. 2º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

ESTATUTO DAS FAMÍLIAS


PL da Câmara dos Deputados nº 2285/2007 e nº 6583/2013

Art. 2.º O direito à família é direito fundamental de todos.

Art. 3.º É protegida como família toda comunhão de vida instituída com a finalidade de
convivência familiar, em qualquer de suas modalidades.

Art. 4º Os componentes da entidade familiar devem ser respeitados em sua integral


dignidade pela família, pela sociedade e pelo Estado.

Art. 5º Constituem princípios fundamentais para a interpretação e aplicação deste


Estatuto a dignidade da pessoa humana, a solidariedade familiar, a igualdade de gêneros, de
filhos e das entidades familiares, a convivência familiar, o melhor interesse da criança e do
adolescente e a afetividade.

Em 18/07/16: Mesa Diretora da Câmara dos Deputados


No Senado Federal, passou a tramitar, em 2013, o PLS 470/2013, que se
encontra na Comissão de Direitos Humanos

43
WELTER, Belmiro Pedro. A compreensão dos preconceitos no Direito de Família pela hermenêutica
filosófica. In: Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, nº 58, maio/2006 a agosto/2006, p. 41-42.
44
MORAES, Maria Celina Bodin. A nova família de novo –Estruturas e função das famílias contemporâneas.
Revista Pensar, Fortaleza, v.18,n.2, p. 586-627, mai./ago.2013.

14

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