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A ESPIRITUALIDADE CONJUGAL NO DIA A DIA DA FAMÍLIA

Arthur Kaôoma Amaral de França1

1 INTRODUÇÃO
As constantes mudanças na sociedade – como o avanço da tecnologia, a
facilidade na comunicação social, o acesso a livros e informações – tem proporcionado
à sociedade uma maior facilidade em discutir, opinar e definir conceitos que lhes
favorece. Diante de tudo isso, as famílias que presam por uma intimidade maior com
Deus acabam sofrendo com a dificuldade em viver e educar seus filhos nos valores
morais pautados na fé e na tradição.
Este ensaio busca fazer uma abordagem conceitual da família na sociedade atual.
Como o poder civil enxerga a instituição familiar e o que diz a Igreja Católica
Apostólica Romana em seu catecismo? Em seguida, uma análise de como a Igreja
Católica trata e ensina sobre a espiritualidade familiar e conjugal de acordo com o
capítulo nove da Exortação Apostólica Amoris Laetitia, analisando-a com outros
documentos da Igreja.

2 UMA ABORDAGEM CONCEITUAL


Historicamente o conceito de família foi sendo modificado de acordo com a
evolução da própria sociedade. Segundo Evanildo Bechara (2009, p. 397) 2, em seu
minidicionário da língua portuguesa, família é:

Sf. 1 Conjunto de pessoas ligadas por parentesco. 2 Conjunto de


pessoas formado por pai, mãe e filhos. (...). 3 Pessoas ligadas entre si
pelo casamento e pela filiação ou adoção. 4 Grupo de seres ou coisas
com características em comum. 5 Conjunto de pessoas pertencentes à
mesma fé, corrente política, lugar etc. (...) 6 Biol. Categoria
taxonômica situada abaixo da ordem e acima do gênero. 7 Ling.
Conjunto de palavras de origem comum, formadas com o mesmo
radical. 8 Ling. Conjunto de línguas de um tronco comum. (...).
Família homoafetiva: União, baseada no afeto familiar, entre duas
pessoas do mesmo sexo, podendo-se reunir neste núcleo familiar
filhos provenientes de relacionamentos anteriores, e tendo direito à
adoção de filhos.
Vemos claramente a quantidade de conceituações que o homem apresenta para o
termo família. Notadamente são definições que tentam abranger todas as categorias,

1
Acadêmico do Curso Bacharelado em Teologia pelo Instituto Católico de Estudos Superiores do Piauí-
PI
2
BECHARA, Evanildo. Minidicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
sejam elas heterossexual ou de cunho homossexual. Diversas noções de família são
apresentadas: as mais elementares que são grupos com adultos e seus filhos por eles
gerados ou até mesmo adotados; os grupos que se relacionam com um mesmo objetivo;
e também as relações homoafetivas, casais do mesmo sexo que se unem e formam uma
família.

A Constituição3 Federal de 1988 também aborda, de forma bem ampla, o


conceito de família:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado. (...) § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a
união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,
devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º Entende-se,
também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer
dos pais e seus descendentes. § 5º Os direitos e deveres referentes à
sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela
mulher. (...) § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa
humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre
decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos
educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada
qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou
privadas. § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de
cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a
violência no âmbito de suas relações.
A Constituição Federal indica a proteção que o Estado deve oferecer às famílias,
e para isso ela apresenta o conceito de família como toda aquela união instável entre
homem e mulher; uma comunidade formada pelo pai e seus filhos ou pela mãe e seus
filhos, dando a ambos os mesmos direitos. Essa definição dada pela Carta Magna nos
faz entender a família como um núcleo na qual o indivíduo desenvolve suas
potencialidades e habilidades pessoais tendo em vista os princípios da dignidade e o
Direito da família.

Já para o Catecismo da Igreja Católica 4, é a união de um homem e uma mulher


casados e que com seus filhos que formam a família:

§2202 Um homem e uma mulher unidos em casamento formam com


seus filhos uma família. Esta disposição precede todo reconhecimento
por parte da autoridade pública; impõe-se a ela (isto é, não depende da
autoridade civil para se constituir) e deve ser considerada como a
referência normal, em função da qual devem ser avaliadas as diversas
formas de parentesco. §2203 Ao criar o homem e a mulher, Deus
instituiu a família humana e dotou-a de sua constituição fundamental.
3
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal: Centro Gráfico, 1988.
4
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 3ª. ed. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Paulinas, Loyola, Ave-
Maria, 1993.
Seus membros são pessoas iguais em dignidade. Para o bem comum
de seus membros e da sociedade, a família implica uma diversidade de
responsabilidades, de direitos e de deveres.
Diferentemente do dicionário da língua portuguesa e da Constituição Federal, o
Catecismo da Igreja não apresenta uma união homoafetiva ou algo parecido. A Igreja
defende que Deus instituiu a família quando criou homem e mulher e é apenas esse
modelo aceitável. O homem que se une em casamento com a sua esposa e, com sua
prole, formam o seio familiar.
Diante desta visão católica de Família, a que terá maior enfoque neste trabalho,
podemos adentrar num conceito de espiritualidade, que vai desembocar no modo como
cada família é chamada a viver, segundo a exortação Amoris Laetitia do Papa Francisco.
Primeiramente é preciso entender que espiritualidade não está inteiramente ligada à
religião, embora existam razões históricas para um vínculo intrínseco entre elas, ambas
possuem uma sobreposição inevitável pois possuem sentidos muito próximos. Enquanto
a Religiosidade está voltada para a questão ritual, a participação de cultos, a
espiritualidade vai um pouco mais além. O cultivo do espiritual, valores,
transcendência, fé, são considerados parte do fenômeno da espiritualidade que é
encontrada em todas as culturas e todas as idades (Elkins, 1988)5.

3 A ESPIRITUALIDADE CONJUGAL E FAMILIAR


Partindo da premissa de que a espiritualidade está ligada à fé, ao cultivo
espiritual, valores humanos, a busca pelo transcendente etc., como já mencionado na
sessão anterior, entende-se que ela pode ser cultivada tanto de forma individual quanto
coletiva, nas instituições religiosas ou fora delas. O Papa Francisco, na Exortação
apostólica Amoris Laetitia, trata em seu capítulo IX justamente sobre a espiritualidade
conjugal e familiar. É na Família onde deve ser colocada a semente da vida, do Divino;
é na família que as crianças devem aprender a rezar, a chamar Deus de Pai. A
espiritualidade conjugal é quando os esposos se abrem para o encontro com Deus e
cultivam no coração dos seus filhos esse desejo de ser de Deus.
Esse encontro deve se tornar diário, mesmo com todos os sofrimentos, como
afirma o Papa Francisco:
315. A presença do Senhor habita na família real e concreta, com
todos os seus sofrimentos, lutas, alegrias e propósitos diários. Quando
se vive em família, é difícil fingir e mentir, não podemos mostrar uma
máscara. Se o amor anima esta autenticidade, o Senhor reina nela com
5
ELKINS, D. Além da religião. São Paulo: Pensamento, 1988.
a sua alegria e a sua paz. A espiritualidade do amor familiar é feita de
milhares de gestos reais e concretos. Deus tem a sua própria habitação
nesta variedade de dons e encontros que fazem maturar a comunhão
(...) (AMORIS LAETITIA, 2016, p.266) 6.
É no cotidiano da vida que Deus manifesta o seu amor. É no rosto sofrido de um
pai ou mãe de família que trabalha arduamente para o sustento da sua prole que surge e
reflete para a humanidade a santidade na labuta diária. Os casais devem oferecer
também as cruzes que aparecem diariamente para viver uma vida de santidade, de
pertença a Deus em todos os momentos do dia.

A santidade presente na simplicidade do dia a dia parece ir se tornando uma das


marcas do pontificado de Francisco, mais tarde, na exortação apostólica Gaudete et
Exsultate, o Papa fala sobre a santidade ao pé da porta, reforçando o número 315 da
Amoris Laetitia, lembrando a todos os fiéis a importância de estar na presença de Deus
em todos os lugares e instantes da nossa vida:

7. Gosto de ver a santidade no povo paciente de Deus: nos pais que


criam os seus filhos com tanto amor, nos homens e mulheres que
trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas
consagradas idosas que continuam a sorrir. Nesta constância de
continuar a caminhar dia após dia, vejo a santidade da Igreja militante.
Esta é muitas vezes a santidade «ao pé da porta», daqueles que vivem
perto de nós e são um reflexo da presença de Deus, ou – por outras
palavras – da «classe média da santidade». (GAUDETE ET
EXSULTATE, 2018)7.

Criar os filhos com amor é o antidoto para uma banalização dos valores
espirituais e humanos que a sociedade vive nos dias atuais. Os meios tecnológicos e de
comunicação muitas vezes prejudicam a educação das crianças com uma programação
totalmente distante do que é essencial para uma vida espiritualizada. Só com amor é
possível que a família cresça na espiritualidade e na santidade. O Papa reafirma a
questão da santidade daqueles que veem Cristo nas coisas simples do dia a dia, os que
ele chama de santos ao pé da porta, ou seja, aqueles que conseguem refletir a imagem de
Deus na sua vida diária.
A espiritualidade conjugal existe no casamento onde habita o amor divino, em
que ele é expressado no simples, no ordinário da vida. Esse amor se dá em comunhão. O
Papa João Paulo II compreende a família como uma comunidade de pessoas que vivem
6
FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Amoris Laetitia (Sobre o amor na família). São Paulo:
Paulus, 2016
7
FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate (Sobre o chamado à Santidade no
mundo atual). São Paulo: Paulus, 2018.
juntas, ou seja, em comunhão. E continua: Somente as pessoas são capazes de viver em
comunhão. A família tem início na comunhão conjugal, na qual o homem e a mulher
mutuamente se dão e se recebem um ao outro (CARTA ÀS FAMÍLIAS, 1994) 8. A
comunhão familiar bem vivida é um verdadeiro caminho de santificação na vida
ordinária e de crescimento místico, um meio para a união íntima com Deus (AMORIS
LAETITIA, 2016, p.266)
318. A oração em família é um meio privilegiado para exprimir e
reforçar esta fé pascal. Podem-se encontrar alguns minutos cada dia
para estar unidos na presença do Senhor vivo, dizer-Lhe as coisas que
os preocupam, rezar pelas necessidades familiares, orar por alguém
que está atravessando um momento difícil, pedir-Lhe ajuda para amar,
dar-Lhe graças pela vida e as coisas boas, suplicar à Virgem que os
proteja com o seu manto de Mãe. Com palavras simples, este
momento de oração pode fazer muito bem à família. As várias
expressões da piedade popular são um tesouro de espiritualidade para
muitas famílias (...) (AMORIS LAETITIA, 2016, p. 268).

A oração conjugal é um sinal visível de um caminho de santificação. Os casais


devem plantar a semente da oração na vida das crianças, a participação da família nos
eventos espirituais, nos momentos espirituais e no enriquecimento dessa espiritualidade
familiar. A Igreja vive do amor e da experiência do seu Senhor, que através do Espírito
a envia para comunicar a Boa Nova.

CONCLUSÃO
Concluo este ensaio com a certeza de que a espiritualidade familiar não é
simplesmente a pertença a este ou aquele tipo de espiritualidade, algo “engessado”,
longe do alcance dos casais, mas a prática constante, os gestos inumeráveis de amor,
seja na comunhão familiar, ou no dia a dia, no ordinário da vida; gestos que dão
sustento à vida da família

8
JOÃO PAULO II, Papa. Carta às famílias. 8ª ed. São Paulo: Paulus, 2010.

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