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O PONTIFICADO DE FRANCISCO E A SANTIDADE FAMILIAR

Arthur Kaôoma Amaral de França1

1. INTRODUÇÃO

As constantes mudanças na sociedade – como o avanço da tecnologia, a facilidade na


comunicação social, o acesso a livros e informações – tem proporcionado à sociedade grandes
facilidades, mas também inúmeras dificuldades. Dentre tantas, as famílias que presam por uma
intimidade maior com Deus acabam sofrendo com a dificuldade em viver e educar seus filhos
nos valores morais pautados na fé e na tradição. Este ensaio busca fazer uma análise dos
principais pontos do pontificado do Papa Francisco, os temas mais relevantes, frisando a
questão da santidade conjugal fazendo uma abordagem conceitual de família na sociedade atual.

2. O PONTIFICADO DE FRANCISCO

Jorge Mario Bergoglio é o 266º Papa da Igreja Católica, foi eleito Papa em 13 de março
de 2013 escolhendo o nome de Francisco. É o primeiro Papa nascido na América e se destaca
por sua humildade, a grande preocupação com os Pobres e com a santidade na vida ordinária.
Jesuíta, o Papa Francisco tem um olhar mais simples e em seus escritos e discursos utiliza muito
o método indutivo, com exemplos que vão da vida concreta para o âmbito geral. Seu jeito
simples é expressado nas ações espontâneas quando quebra protocolos para falar com enfermos,
crianças, pessoas que estão desapercebidas em meio à multidão etc.
Em seu pontificado, o Papa tem uma boa relação com a mídia, comunicação. Foi ele
quem criou o Discastério para a Comunicação, unificando rádio, TV, jornal etc. no Vaticano.
O pontificado de Francisco também está voltado para o acolhimento. Ele busca mostrar
exatamente o que é a Igreja, aquela que acolhe, que não tem medo de mostrar os seus problemas,
que fala abertamente de todas as realidades no mundo inteiro em relação às guerras, o tráfico
humano, o abuso das crianças, a homossexualidade, dentre vários outros assuntos. Além disso,
o pontificado do Papa Francisco também é marcado pela questão da ecologia, quando lançada
a Encíclica Laudato Si. Esta encíclica demonstra a preocupação de cobrar a responsabilidade
coletiva com a “casa comum”, o cuidado com o outro, com o próximo, com o mundo e com
tudo o que está dentro dele.

1
Acadêmico do Curso Bacharelado em Teologia pelo Instituto Católico de Estudos Superiores do Piauí-PI
1
Outro ponto importante está inteiramente ligado a este ensaio. O Papa Francisco tem
um olhar muito voltado para a questão da santidade. Para ele é uma forma do cristão ser feliz
sem ser consumista, sem desprezar ou ser indiferente com o outro. Para tanto, o Papa lançou a
Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate (Alegrai-vos e exultai), com uma proposta de vida
e um apelo para que os cristãos vivam, no ordinário da sua vida, a santidade, aquela ao pé da
porta, ou seja, nas coisas mais simples. Ainda antes da Gaudete et Exsultate, o Papa também
lançou a Exortação Apostólica Amoris Laetitia, sobre o amor na família, que em conteúdo
aborda firmemente a questão santidade no seio familiar.

3. UMA ABORDAGEM CONCEITUAL

Historicamente o conceito de família foi sendo modificado de acordo com a evolução


da própria sociedade. A Constituição2 Federal do Brasil de 1988 aborda, de forma bem ampla,
o conceito de família:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...)
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento. § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a
comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º Os
direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente
pelo homem e pela mulher. (...) § 7º Fundado nos princípios da dignidade da
pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre
decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e
científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por
parte de instituições oficiais ou privadas. § 8º O Estado assegurará a
assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando
mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

A Constituição indica a proteção que o Estado deve oferecer às famílias, e para isso
ela apresenta o conceito de família como toda aquela união instável entre homem e mulher;
uma comunidade formada pelo pai e seus filhos ou pela mãe e seus filhos, dando a ambos os
mesmos direitos. Essa definição dada pela Carta Magna nos faz entender a família como um
núcleo na qual o indivíduo desenvolve suas potencialidades e habilidades pessoais tendo em
vista os princípios da dignidade e o Direito da família.

2
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal:
Centro Gráfico, 1988.
2
Já para o Catecismo da Igreja Católica3, é a união de um homem e uma mulher casados
e com seus filhos que se forma uma família:

§2202 Um homem e uma mulher unidos em casamento formam com seus


filhos uma família. Esta disposição precede todo reconhecimento por parte da
autoridade pública; impõe-se a ela (isto é, não depende da autoridade civil para
se constituir) e deve ser considerada como a referência normal, em função da
qual devem ser avaliadas as diversas formas de parentesco. §2203 Ao criar o
homem e a mulher, Deus instituiu a família humana e dotou-a de sua
constituição fundamental. Seus membros são pessoas iguais em dignidade.
Para o bem comum de seus membros e da sociedade, a família implica uma
diversidade de responsabilidades, de direitos e de deveres.

A Igreja defende que Deus instituiu a família quando criou homem e mulher e é apenas
esse modelo aceitável. O homem que se une em casamento com a sua esposa e, com sua prole,
formam o seio familiar.
Diante desta visão católica de Família, podemos adentrar num conceito de
espiritualidade, que vai desembocar no modo como cada família é chamada a viver, segundo a
exortação Amoris Laetitia do Papa Francisco. Primeiramente é preciso entender que
espiritualidade não está inteiramente ligada à religião, embora existam razões históricas para
um vínculo intrínseco entre elas, ambas possuem uma sobreposição inevitável pois possuem
sentidos muito próximos. Enquanto a religiosidade está voltada para a questão ritual e/ou a
participação de cultos, a espiritualidade vai um pouco mais além. O cultivo do espiritual,
valores, transcendência, fé, são considerados parte do fenômeno da espiritualidade que é
encontrada em todas as culturas e todas as idades (Elkins, 1988)4.

4. A ESPIRITUALIDADE CONJUGAL E FAMILIAR

Partindo da premissa de que a espiritualidade está ligada à fé, ao cultivo espiritual,


valores humanos, a busca pelo transcendente etc., como já mencionado na sessão anterior,
entende-se que ela pode ser cultivada tanto de forma individual quanto coletiva, nas instituições
religiosas ou fora delas. O Papa Francisco, na Exortação apostólica Amoris Laetitia, trata em
seu capítulo IX justamente sobre a espiritualidade conjugal e familiar. É na Família onde deve
ser colocada a semente da vida, do Divino; é na família que as crianças devem aprender a rezar,

3
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 3ª. ed. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Paulinas, Loyola, Ave-Maria,
1993.
4
ELKINS, D. Além da religião. São Paulo: Pensamento, 1988.
3
a chamar Deus de Pai. A espiritualidade conjugal é quando os esposos se abrem para o encontro
com Deus e cultivam no coração dos seus filhos esse desejo de ser de Deus.
Esse encontro deve se tornar diário, mesmo com todos os sofrimentos, como afirma o
Papa Francisco:

315. A presença do Senhor habita na família real e concreta, com todos os seus
sofrimentos, lutas, alegrias e propósitos diários. Quando se vive em família, é
difícil fingir e mentir, não podemos mostrar uma máscara. Se o amor anima
esta autenticidade, o Senhor reina nela com a sua alegria e a sua paz. A
espiritualidade do amor familiar é feita de milhares de gestos reais e concretos.
Deus tem a sua própria habitação nesta variedade de dons e encontros que
fazem maturar a comunhão (...) (AMORIS LAETITIA, 2016, p.266) 5.

É no cotidiano da vida que Deus manifesta o seu amor. É no rosto sofrido de um pai
ou mãe de família que trabalha arduamente para o sustento da sua prole que surge e reflete para
a humanidade a santidade na labuta diária. Os casais devem oferecer também as cruzes que
aparecem diariamente para viver uma vida de santidade, de pertença a Deus em todos os
momentos do dia.
A santidade presente na simplicidade do dia a dia parece ir se tornando uma das marcas
do pontificado de Francisco. Mais tarde, na exortação apostólica Gaudete et Exsultate, o Papa
fala sobre a santidade ao pé da porta, reforçando o número 315 da Amoris Laetitia, lembrando
a todos os fiéis a importância de estar na presença de Deus em todos os lugares e instantes da
nossa vida:

7. Gosto de ver a santidade no povo paciente de Deus: nos pais que criam os
seus filhos com tanto amor, nos homens e mulheres que trabalham a fim de
trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a
sorrir. Nesta constância de continuar a caminhar dia após dia, vejo a santidade
da Igreja militante. Esta é muitas vezes a santidade «ao pé da porta», daqueles
que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus, ou – por outras
palavras – da «classe média da santidade». (GAUDETE ET EXSULTATE,
2018)6.

Criar os filhos com amor é o antidoto para uma banalização dos valores espirituais e
humanos que a sociedade vive nos dias atuais. Os meios tecnológicos e de comunicação muitas
vezes prejudicam a educação das crianças com uma programação totalmente distante do que é
essencial para uma vida espiritualizada. Só com amor é possível que a família cresça na

5
FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Amoris Laetitia (Sobre o amor na família). São Paulo: Paulus, 2016
6
FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate (Sobre o chamado à Santidade no mundo atual).
São Paulo: Paulus, 2018.
4
espiritualidade e na santidade. O Papa reafirma a questão da santidade daqueles que veem Cristo
nas coisas simples do dia a dia, os que ele chama de santos ao pé da porta, ou seja, aqueles que
conseguem refletir a imagem de Deus na sua vida diária.
A espiritualidade conjugal existe no casamento onde habita o amor divino, em que ele
é expressado no simples, no ordinário da vida. Esse amor se dá em comunhão. É possível
recordar o Papa João Paulo II, quando compreende a família como uma comunidade de pessoas
que vivem juntas, ou seja, em comunhão: “Somente as pessoas são capazes de viver em
comunhão. A família tem início na comunhão conjugal, na qual o homem e a mulher
mutuamente se dão e se recebem um ao outro” (CARTA ÀS FAMÍLIAS, 1994)7. A comunhão
familiar bem vivida é um verdadeiro caminho de santificação na vida ordinária e de crescimento
místico, um meio para a união íntima com Deus (AMORIS LAETITIA, 2016, p.266)8.

318. A oração em família é um meio privilegiado para exprimir e reforçar esta


fé pascal. Podem-se encontrar alguns minutos cada dia para estar unidos na
presença do Senhor vivo, dizer-Lhe as coisas que os preocupam, rezar pelas
necessidades familiares, orar por alguém que está atravessando um momento
difícil, pedir-Lhe ajuda para amar, dar-Lhe graças pela vida e as coisas boas,
suplicar à Virgem que os proteja com o seu manto de Mãe. Com palavras
simples, este momento de oração pode fazer muito bem à família (...)
(AMORIS LAETITIA, 2016, p. 268)9.

A oração conjugal é um sinal visível de um caminho de santificação. Os casais devem


plantar a semente da oração na vida das crianças, a participação da família nos eventos
espirituais, e no enriquecimento dessa espiritualidade familiar. A Igreja vive do amor e da
experiência do seu Senhor, que através do Espírito a envia para comunicar a Boa Nova.

CONCLUSÃO

Concluo este ensaio com a certeza de que o Papa Francisco tem dado grande
contribuição com o tema da santidade de modo geral, sobretudo no seio familiar em que a
espiritualidade não é simplesmente a pertença a este ou aquele tipo, algo “engessado”, longe do
alcance dos casais, mas a prática constante, os gestos inumeráveis de amor, seja na comunhão
familiar, ou no dia a dia, no ordinário da vida; gestos que dão sustento à vida à família.

7
JOÃO PAULO II, Papa. Carta às famílias. 8ª ed. São Paulo: Paulus, 2010.
8
FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Amoris Laetitia (Sobre o amor na família). São Paulo: Paulus, 2016
9
Ibidem
5

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