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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

DIREITO CIVIL VI – DIREITO DE FAMÍLIA (ERE)


GUIA DE ESTUDOS PARA A P11

SUMÁRIO

1. Direito de Família.......................................................................................................................................2
1.1. Definição de Família...............................................................................................................................2
1.2. Definição de Direito de Família............................................................................................................3
1.3. Princípios do Direito de Família...........................................................................................................4
1.4. Tipos de Família......................................................................................................................................6
2. Parentesco...................................................................................................................................................8
2.1. Espécies de Parentesco..........................................................................................................................8
2.2. Graus de parentesco...............................................................................................................................8
3. Contrato de Namoro...............................................................................................................................10
4. Esponsais..................................................................................................................................................11
5. Casamento................................................................................................................................................12
5.1. Natureza jurídica...................................................................................................................................12
5.2. Princípios e proibições.........................................................................................................................13
5.3. Condições de existência.......................................................................................................................14
5.4. Condições de validade..........................................................................................................................14
5.5. Condições de regularidade formal......................................................................................................15
5.6. Capacidade e Idade Núbil....................................................................................................................17
5.7. Impedimentos Matrimoniais...............................................................................................................18
5.8. Causas suspensivas...............................................................................................................................20
5.9. Casamentos especiais...........................................................................................................................22
5.10. Provas do Casamento.........................................................................................................................23
5.11. Pacto antenupcial................................................................................................................................24
5.12. Espécies de Regimes de Bens............................................................................................................26
5.12.1. Comunhão Parcial de Bens............................................................................................................26
5.12.2. Separação Obrigatória de Bens......................................................................................................29
5.12.3. Comunhão Universal de Bens.......................................................................................................30
5.12.4. Separação Convencional de Bens..................................................................................................31
5.12.5. Participação Final nos Aquestos....................................................................................................32
6. União Estável...........................................................................................................................................37
6.1. Regime de bens na União Estável.......................................................................................................39
7. Bem de Família.........................................................................................................................................40
7.1 Bem de Família convencional..............................................................................................................40
7.2 Bem de Família legal..............................................................................................................................43
7.3. Exceções à impenhorabilidade do bem de família............................................................................46

1Compilado elaborado por Camila Soares Souza. Agradecimentos especiais a João Pedro Loyola, Rodrigo Ferrari e
Vinicius Lira pelos PDFs.
1. DIREITO DE FAMÍLIA

1.1. DEFINIÇÃO DE FAMÍLIA

A família, como ente social, vem evoluindo gradativamente desde os tempos mais remotos até
a atualidade. E a referida evolução vai desde a forma como é composta até sua função na sociedade.
Sob a perspectiva clássica, a família era patriarcal e hierarquizada, sendo o pátrio-poder
exclusividade do homem, chefe da família. A mulher era relativamente incapaz, ela saia da
responsabilidade de seu pai para ficar sob a responsabilidade de seu marido, não podia possuir ou
administrar patrimônio.

Somente se constituía uma família através do casamento, o qual era indissolúvel. A formação da
família objetivava a manutenção do patrimônio e, por isso, o casamento deveria ser heteropaerental
e apenas pertencia à família os entes com vínculos biológicos e legítimos. Nesse sentido, com o
casamento buscava-se a reprodução para aumento da família e consequentemente maior produção
e aumento de patrimônio. Era tão clara a função do casamento que a infertilidade da mulher era
uma causa de anulação do casamento.

Num contexto atual, diversos autores discordam acerca do conceito de família, uma vez que se
trata de uma instituição sociopolítica existente desde os primórdios da civilização, e possui
estrutura, filosofia e características diferentes a depender do recorte de etnia e período histórico
desejado. Para fins dessa disciplina, Pablo Stolze define família como:

a) núcleo existencial composto por mais de uma pessoa: a ideia óbvia é que, para ser
família, é requisito fundamental a presença de, no mínimo, duas pessoas;
b ) vínculo socioafetivo: é a afetividade que forma e justifica o vínculo entre os membros
da família, constituindo-a. A família é um fato social, que produz efeitos jurídicos;
c) vocação para a realização pessoal de seus integrantes: seja qual for a intenção para a
constituição de uma família (dos mais puros sentimentos de amor e paixão, passando pela
emancipação e conveniência social, ou até mesmo ao extremo mesquinho dos interesses
puramente econômicos), formar uma família tem sempre a finalidade de concretizar as
aspirações dos indivíduos, na perspectiva da função social.
É preciso compreender que a família, hoje, não é um fim em si mesmo, mas o meio para
a busca da felicidade, ou seja, da realização pessoal de cada indivíduo, ainda que existam
— e infelizmente existem — arranjos familiares constituídos sem amor.
Trata-se, em nosso sentir, de um ente despersonalizado, célula-mater da sociedade, cuja
definição é ditada pelo vinculo de afetividade que une as pessoas, não cabendo ao Estado
definir, mas, tão-somente, reconhecer esses núcleos (típicos ou não).2

Apesar da definição acerca da quantidade de pessoas a fim de constituir-se uma família em um


tópico posterior será descrita a família unipessoal, reconhecida pelo IBGE e por parte da doutrina
brasileira. Dessa forma, pode-se concluir que a família em si é um instituto cuja definição em termos

2 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume 6: direito de
familia. 9ª ed. Saraiva Educação, 2019.

2
gerais é uma tarefa árdua (até mesmo o sentido religioso de família difere de acordo com a crença
do grupo religioso estudado), e que a tarefa do Estado em regulamentar as relações familiares por
meio do direito mostrou-se igualmente complexa.

1.2. DEFINIÇÃO DE DIREITO DE FAMÍLIA

O direito de família regula as relações patrimoniais e morais decorrentes do casamento, das


demais entidades familiares e da relação de parentesco, englobando ainda fatores obrigacionais
decorrentes dessas relações (atualmente se entendem como afetivas, não somente sanguíneas).

Nesse sentido, Flávio Tartuce apresenta um pequeno gráfico ilustrando os dois aspectos do
direito de família, além de definir de forma sucinta seus objetos de estudo:

Direito de Família pode ser conceituado como sendo o ramo do Direito Civil que tem
como conteúdo o estudo dos seguintes institutos: a) casamento; b) união estável; c)
relações de parentesco; d) filiação; e) alimentos; f) bem de família; g) tutela, curatela e
guarda. Além desse conteúdo, acrescente-se a investigação das novas manifestações
familiares. O Direito de Família
contemporâneo pode ser dividido em dois grandes livros, o que consta do
CC/2002:
Pelo diagrama, o Direito Existencial de Família está baseado na pessoa humana, sendo
as normas correlatas de ordem pública ou cogentes. Tais normas não podem ser
contrariadas por convenção entre as partes, sob pena de nulidade absoluta da convenção,
por fraude à lei imperativa (art. 166, inc. VI, do CC).
Por outra via, o Direito Patrimonial de Família tem o seu cerne principal no patrimônio,
relacionado a normas de ordem privada ou dispositivas. Tais normas, por óbvio, admitem
livremente previsão em contrário pelas partes.3

3 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. Grupo Gen-Método, 2020.

3
Pode-se afirmar, ainda segundo Tartuce, que os institutos tratados entre os artigos 1.511 e 1.638
referem-se ao plano existencial do Direito de Familia, enquanto os institutos tratados entre os
artigos 1.639 a 1.722 tratam do plano patrimonial do Direito de Família.

A doutrina diverge acerca da natureza jurídica do direito de família, mas é possível afirmar que
trata-se de ramo do direito privado, uma vez tratando das relações entre indivíduos (contrato de
namoro, casamento, partilha de bens), possuindo aspectos públicos no que tratar de melhor
interesse de crianças e adolescentes (guarda, alimentos, adoção, entre outros), mediados pelo
Ministério Público, assim como quanto às causas impeditivas de casamento.

1.3. PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA

Seguindo a linha de constitucionalização do direito civil, pode-se dizer que boa parte dos
princípios regentes do direito de família podem ser encontrados entre os artigos da nossa
Constituição de 1988, embora existam ainda princípios exclusivamente pertencentes ao direito de
família. A seguir uma tabela constando os principais:

Princípios Constitucionais do Direito de Família (CRFB)


Dignidade da Dignidade dos membros da família, personalidade dos filhos,
pessoa 1º, III4 e 2275 igualdade entre homens e mulheres, possibilidade de
Humana dissolução conjugal, planejamento familiar.
No plano jurídico, os deveres de cada um para com os outros
Solidariedade
3º, I6 impuseram a definição de novos direitos e deveres jurídicos,
familiar
inclusive na legislação infraconstitucional.

4 CRFB/88, “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e
do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade
da pessoa humana;”
5
CRFB/88, “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
6
CRFB/88, “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária;”

4
Filhos havidos ou não das relações do casamento ou por
7
Igualdade 227, §6º / adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidos
entre filhos 1.596 (CC)8 quaisquer discriminações. Igualdade entre os filhos, não há
mais distinção entre os filhos legítimos e ilegítimos.
Igualdade
226, §5º9 / Reconhece a igualdade entre homens e mulheres no que se
entre
1.511 (CC)10 e refere à sociedade conjugal ou convivencial formada pelo
cônjuges e
1.56711 casamento ou pela união estável.
companheiros
Atender ao interesse superior da criança e à sua condição de
Maior
sujeito de direitos e de cidadã; incluir a participação da
interesse da 22712 / 1.58313
criança na definição das ações que lhe digam respeito, em
criança e do e 1.58414 (CC)
conformidade com suas características etárias e de
adolescente
desenvolvimento;
As relações familiares devem ser analisadas dentro do
Função social
226 15 contexto social e diante das diferenças regionais de cada
da família
localidade.
Não existe limitação de filhos (natalidade), mas existem
Paternidade
226 §7º 16 programas governamentais para incentivar o planejamento
responsável e
familiar.

7 CRFB/88, “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do
casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias
relativas à filiação.”
8 CC/2002, “Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos

e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”


9 CRFB/88, “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...)

§3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,
devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.”
10 CC/2002, “Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres

dos cônjuges.”
11 CRFB/88, “Art. 1.567. A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher,

sempre no interesse do casal e dos filhos.”


12 CRFB/88, “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,

com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
13 CC/2002, “Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. (...) §2º Na guarda compartilhada, o tempo de

convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as
condições fáticas e os interesses dos filhos.
§ 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos
interesses dos filhos”
14 CC/2002, “Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: (...) § 5º Se o juiz verificar que o filho não

deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza
da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.”
15 CRFB/88, “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.”
16 CRFB/88, “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 7º Fundado nos

princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do

5
planejamento
familiar

Princípios próprios do Direito de Família (CC e Doutrina)


Não cabe ao Estado definir conceitos ou
17
Não intervenção do Estado 1.513 espécies de famílias, mas sim reconhece-las e
dar-lhes a devida proteção.
O afeto não se confunde necessariamente com o
amor, caso o fizesse seria apenas um valor que
pode ou não ser cultivado pelas pessoas. Nesse
sentido, o princípio da afetividade não vincula
Afetividade Doutrina
aos entes do núcleo familiar ao dever de amor
ou convivência entre eles, mas sim ao de
assistência. A exemplo o
REsp 1.159.242/SP STJ18
Relações são baseadas em afeto. (sem obrigação
Comunhão plena de vida Doutrina
de casar/viver em união estável)
As pessoas têm direito à autodeterminação, à
liberdade de tomar suas próprias decisões
Livre desenvolvimento da
Doutrina naquela esfera que só diz respeito a sua
personalidade
individualidade, desde que isso não afete
terceiros.
Liberdade de constituir Pode casar com quem quiser, com exceção dos
Doutrina
comunhão de vida familiar casos previstos em lei.

1.4. TIPOS DE FAMÍLIA

Família Matrimonializada - Este modelo de família é o mais tradicional no âmbito do direito,


por esse modelo a família se institui através do matrimônio., sexos diferentes, forma solene,
indissolúvel. Definição antiga.

Família Fática - Esse modelo refere-se ao conjunto de pessoas que convivem de fato como uma
família, mas sem estar formalmente instituída a família. A constituição no Art. 226, §3o, reconhece
a União Estável como entidade familiar.

casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada
qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.”
17 CC/2002, “Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida

instituída pela família.”


18

6
Família Uniparental - É a família composta por apenas uma pessoa. O reconhecimento desse
modelo de família proporciona segurança jurídica a quem vive sob essa realidade, pois terá
protegido seus bens de família, o que não poderia ocorrer sem tal reconhecimento.

Família Monoparental - É a família composta por parentalidade exclusiva que seria os


descendentes com um dos pais.

Família Recomposta - É a família composta por uma situação de convivência reformulada,


também chamada de mosaico. Esse modelo se dá quando uma pessoa se une a outra como cônjuge
ou companheiro sendo um deles o ente de um núcleo monoparental. Dessa forma, o que chegou
passa a ser padrasto ou madrasta dos filhos que a outra pessoa possuía.

Família Homoafetiva - É a família composta por pares de pessoas do mesmo sexo que se tomam
por cônjuges ou companheiros.

Família Simultânea - É a família que possui pluralidade sincrônica de núcleos diversos tendo
eles um membro em comum em uma relação afetivo-sexual. Também chamada de adulterina ou
concubina.

Família Anaparental - É a família pluriparental constituída pela colateralidade de vínculos. Nesse


sentido, esse modelo pode ser constituído pela convivência de irmãos, de tios e sobrinhos, de
primos ou outros.

Família Poliafetiva - É a família composta por mais de dois entes que se tomam por
companheiros. Nesse modelo os entes se vinculam em comum acordo, pois, se não fosse,
configuraria o concubinato. Esse modelo também é chamado de poliamorismo.

Família Adotiva - relação entre adotante e adotado. (Se equipara a família natural)

Família Binuclear - formada pelos dois núcleos que ser formaram após o divórcio, o núcleo do
pai e o núcleo da mãe.

Família Canguru - filhos maiores e independentes continuam residindo com os pais.

7
2. PARENTESCO

Parentesco é a área de Direito de amília que estuda as relações entre pessoas ligados por laços
sanguíneos ou afetivos. Segundo Stolze:

Entende-se por parentesco a relação jurídica, calcada na afetividade e reconhecida pelo


Direito, entre pessoas integrantes do mesmo grupo familiar, seja pela ascendência,
descendência ou colateralidade, independentemente da natureza (natural, civil ou por
afinidade). O conceito de parentesco não se identifica com a noção de família, pois os
cônjuges ou os companheiros, por exemplo, embora constituam uma família, não são
parentes entre si.”

Já Flavio Tartuce define parentesco como “o vínculo jurídico estabelecido entre pessoas que
têm mesma origem biológica (mesmo tronco comum); entre um cônjuge ou companheiro e os
parentes do outro; e entre as pessoas que têm entre si um vínculo civil”.

2.1. ESPÉCIES DE PARENTESCO

O parentesco pode ser subdividido entre consanguíneo19, civil ou afim20:

Consanguíneo é o vínculo biológico que surge com a descendência;

Civil é o vínculo criado ou reconhecido por ato jurídico como ocorre na adoção ou no
parentesco socioafetivos;

Afim: é o vínculo criado pela união dos cônjuges, sendo esse vínculo entre um cônjuge e
determinados parentes do outro21, mas não entre os cônjuges em si. Os cônjuges não se tornam
parentes um do outro pelo matrimônio. Segundo o Código, o vínculo criado não se extingue 22 com
a dissolução do casamento ou união estável.

2.2. GRAUS DE PARENTESCO23

Pode-se dividir ainda o parentesco de duas formas quanto à linhas: são a reta e a colateral

19
CC/2002, “Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem”
20
CC/2002, “Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.
21
§1º O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou
companheiro.
22
§2º Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável”
23 CC/2002, “Art. 1.594. Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na colateral,

também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro
parente.”

8
O parentesco em linha reta é definido por aqueles parentes que possuem relação de
ascendência e descendência24. Não possuem limitação, podendo se estender infinitamente tanto
para o sentido de ascendência quanto para o sentido de descendência.

Já o parentesco em linha colateral (ou transversal) os parentes cuja ligação seja uma derivação
do tronco familiar. Pode se usar como exemplo os tios, tios avós, os primos, os sobrinhos, e
assim sucessivamente25. Diferentemente da linha reta, o código define o limite caracterizador de
parentesco como até o quarto grau. A seguir uma imagem explicativa:

24 CC/2002, “Art. 1.591. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de
ascendentes e descendentes.”
25
CC/2002, “Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de
um só tronco, sem descenderem uma da outra”

9
3. CONTRATO DE NAMORO

De acordo com a legislação brasileira, não há nenhum conceito que especifique o que é o
namoro. Consultando uma das definições da palavra no dicionário, podemos verificar que namoro
é quando “duas pessoas têm um relacionamento amoroso em que a aproximação física e psíquica,
fundada numa atração recíproca, aspira à continuidade.”

Nas palavras de Olga Tessari: “O namoro da atualidade é mais aberto, as pessoas dormem
juntas, viajam juntas, conversam muito e este convívio propicia um conhecimento mútuo muito
mais profundo o que pode levar a casamentos mais estáveis”.

Devido a esse maior grau de intimidade, relações mais duradouras, aparente fidelidade e a
convivência contínua do casal, em que há uma publicidade social dessa relação, surgem confusão
entre o namoro e a união estável, pois podem ser encontrados cada vez mais nos atuais namoros,
requisitos pertencentes às uniões estáveis.

Devido a evolução dos relacionamentos, hoje em dia, onde diversas pessoas vivem sob o mesmo
teto, convivendo de forma semelhante como uma entidade familiar, contudo se relacionando sem
o objetivo de constituição de família.

Assim, por possuírem receio de serem reconhecidos como família e para assegurarem os seus

patrimônios após o término do relacionamento, muitos casais começaram a elaborar o contrato


de namoro, para afastar a comunicabilidade patrimonial.

“Diferentemente, dos companheiros, cujos direitos pessoais e patrimoniais são resguardados


pela lei, os namorados não têm direito a herança nem a alimentos. Assim, com o fim do namoro,
não há qualquer direito na meação dos bens do ex namorado. Aliás, nem há de se falar em regime
de bens ou em partilha de bens entre namorados. Os namorados não têm nenhum direito, pois o
namoro não é uma entidade familiar. (MALUF, Carlos Alberto Dabus, MALUF, Adriana Caldas
do Rego Freitas Dabus, 2013, p. 376-377).”

De acordo com Maria Berenice Dias (2011, p. 178), o denominado “contrato de namoro”,
possui como objetivo evitar a incomunicabilidade do patrimônio presente e futuro e assegurar a
ausência de comprometimento recíproco.

10
4. ESPONSAIS

O noivado ou esponsais — lembra-nos Antônio Chaves — como um meio pelo qual os noivos
ou nubentes podem aquilatar as suas afinidades e gostos, firmando, de maneira séria e inequívoca,
um compromisso de casamento.
A ruptura injustificada do noivado pode, sim, acarretar, em situações especiais, dano moral ou
material indenizável. Não o simples fim da afetividade, mas a ruptura inesperada e sem fundamento
pode determinar a responsabilidade civil extracontratual do ofensor, pelos prejuízos efetivamente
sofridos, excluídos, por óbvio, os lucros cessantes.
É o caso, por exemplo, do noivo que deixa a sua pretendente, humilhada, no altar, sem razão
ou aviso; ou a desistência operada pouco tempo antes do casamento, tendo a outra parte arcado
com todas as despesas de bufê, enxoval e aprestos, na firme crença do matrimônio não realizado;
na mesma linha e não menos grave, o anúncio constrangedor do fim da relação em plena festa de
noivado ou chá de cozinha, por vingança; e, finalmente — exemplo extraído de parte da doutrina
brasileira — temos a hipótese da noiva que deixa o emprego para casar e, com a posterior recusa
do prometido, fica sem o trabalho e o marido.
Nesse sentido, a jurisprudência brasileira tem reconhecido, em determinadas situações, a
responsabilidade civil pelo fim do noivado:

“Apelação cível — Responsabilidade civil — Dano moral — Promessa de casamento —


Ruptura injustificada de noivado às vésperas da realização da cerimônia — Ausência de
motivo justo — Lesão às honras objetiva e subjetiva configuradas — Responsabilidade
— Culpa do réu pelo rompimento — Imprudência verificada — Dano moral
configurado — Desrespeito ao princípio da boa-fé — Valor da indenização fixado
exageradamente — Necessidade de readequação — Agravo retido não conhecido e apelo
parcialmente provido. Em que pese a possibilidade de rompimento de noivado até o
momento da celebração das núpcias, existindo evidente promessa de casamento e ruptura
injustificada do compromisso, que acarreta dano às honras objetiva e subjetiva da noiva,
certa é a incidência do instituto da responsabilidade civil, com a consequente imposição
de indenização” (18.ª Câmara Cível do TJPR, Por maioria, Acórdão n. 4.417, Processo
0282469-5, Apelação Cível, rel. Luiz Sérgio Neiva de L. Vieira, julgamento em 16-8-
2006).
“Responsabilidade civil — Casamento — Cerimônia não realizada por iniciativa exclusiva
do noivo, às vésperas do enlace — Conduta que infringiu o princípio da boa-fé,
ocasionando despesas, nos autos comprovadas, pela noiva, as quais devem ser
ressarcidas. Dano moral configurado pela atitude vexatória por que passou a nubente,
com o casamento marcado. Indenização que se justifica, segundo alguns, pela teoria da
culpa in contrahendo, pela teoria do abuso do direito, segundo outros. Embora as
tratativas não possuam força vinculante, o prejuízo material ou moral, decorrente de seu
abrupto rompimento e violador das regras da boa-fé, dá ensejo à pretensão indenizatória.
Confirmação, em apelação, da sentença que assim decidiu” (TJRJ, 5.ª Câm. Cível; AC n.
2001.001.17643/RJ; rel. Des. Humberto de Mendonça Manes, j. 17-10-2001, v.u.).
“O nosso ordenamento ainda admite a concessão de indenização à mulher que sofre
prejuízo com o descumprimento da promessa de casamento. Art. 1.548, III, do C. Civil.
Falta dos pressupostos de fato para o reconhecimento do direito ao dote e à partilha de
bens. Recurso não conhecido” (STJ, REsp 251689, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU
30-10-2000, p. 162, 4.ª Turma).

11
5. CASAMENTO

Quanto ao casamento, podem-se enunciar as seguintes características:

Formal ou solene: deve obediência às normas quanto a sua celebração.

Livre: as partes gozam de plena liberdade tanto para contrair o matrimônio quanto para dissolvê-
lo.

Permanente: o casamento não possui termo, ou seja, não possui uma data pré-definida para o
fim da sociedade conjugal. Portanto, enquanto os cônjuges não optarem por dissolvê-lo, o
casamento possui caráter permanente.

Dissolúvel: como manifestação da liberdade, pode qualquer dos cônjuges, a qualquer momento,
optar por encerrar a sociedade conjugal pondo fim ao casamento através do divórcio.

Personalíssimo: o casamento é o ato de formalização do afeto entre as partes, portanto, deve


ser celebrado entre os interessados. Entretanto, a lei autoriza a celebração do casamento através de
mandato com concessão de poderes especiais ao mandatário para tal finalidade.

Monogâmico: o ordenamento jurídico brasileiro veda o casamento simultâneo de pessoa já


casada, ou seja, é proibida a contração do matrimônio por pessoa que já esteja regularmente casada
com outra.

Plurilateral: duas ou mais pessoas convergindo as vontades em busca do eudemonismo, em


outras palavras, em busca da felicidade.

5.1. NATUREZA JURÍDICA

Por conta da divergência doutrinária, pode-se notar três correntes:

Contratualista: por essa teoria o casamento seria um contrato a ser apreciado nos planos da
existência, da validade e da eficácia. Isso porque seria um negócio jurídico realizado pela livre
manifestação da vontade das partes, de modo a produzir seus efeitos. Por tal corrente o casamento
seria de ordem privada.

Institucionalista: por essa teoria o casamento seria uma instituição. Isso porque o casamento é
regido por normas de ordem públicas, as quais definem seus efeitos jurídicos, impondo deveres e
estabelecendo direitos das partes desta instituição, ou seja, os cônjuges. Tais direitos e deveres não

12
podem ser mitigados pela livre manifestação da vontade dos cônjuges, portanto, o casamento não
pode ser considerado um mero contrato.

Eclética ou híbrida: diante do impasse entre as teorias anteriores, surge essa teoria que concebe
o casamento como um complexo de natureza mista por coexistirem no casamento as características
contratuais e institucionais, sendo uma instituição quanto ao conteúdo e um contrato especial
quanto à formação. Por esse entendimento as partes exerceriam sua autonomia de vontade apenas
na escolha do parceiro, na escolha de regime de bens (salvo os casos de obrigatoriedade legal do
regime) e na escolha sobre a permanência ou não na relação familiar. Já quanto aos efeitos pessoais
como a alteração do estado civil, o surgimento dos vínculos de parentesco, ou o surgimento dos
deveres, são instituídos por normas de ordem pública já que não podem ser regulados por
contratos. – Teoria mista ou eclética:

5.2. PRINCÍPIOS E PROIBIÇÕES

Monogamia26 - não podem casar as pessoas casadas; o que constitui um impedimento


matrimonial a gerar a nulidade absoluta do casamento (art. 1.548, inc. II, do CC). Na opinião deste
autor, tal princípio continua tendo aplicação para o âmbito do casamento.

Princípio da liberdade de escolha, como exercício da autonomia privada 27 - salvo os


impedimentos matrimoniais, há livre escolha da pessoa do outro cônjuge como manifestação da
liberdade individual.

Princípio da comunhão plena de vida, regido pela igualdade entre os cônjuges 28 e 29 - O casamento
estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges e
pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros
e responsáveis pelos encargos da família”.

Quanto às proibições, podem-se citar alguns exemplos no aspect patrimonial. É proibido aos
cônjuges (caso não exista pacto antenupcial determinando o contrário) alienar, hipotecar ou gravar
de ônus real os bens imóveis, ou direitos reais sobre imóveis alheios; pleitear, como autor ou réu,

26
CC/2002, “Art. 1.521. Não podem casar: VI - as pessoas casadas;”
27 CC/2002, “Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida
instituída pela família.”
28 CC/2002, “Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres

dos cônjuges.”
29 CC/2002, “Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes,

companheiros e responsáveis pelos encargos da família”

13
acerca desses bens e direitos; prestar fiança ou aval – procura-se evitar o comprometimento dos
bens do casal; fazer doação de bens ou rendimentos comuns ou dos que possam integrar futura
meação.

5.3. CONDIÇÕES DE EXISTÊNCIA

Consentimento: por ser uma manifestação da autonomia de vontade, para que o ato se
concretize deve haver uma manifestação clara e inequívoca do consentimento de ambos os
contraentes. Caso um deles fique em silêncio, ou faça qualquer alusão de recusa, ainda que em tom
de brincadeira, a celebração deverá ser suspensa pela autoridade celebrante. Caso seja celebrado
sem respeito ao pressuposto do consentimento, o ato será inexistente.

Celebração por autoridade competente - a autoridade competente para a celebração é o juiz de


casamento, o qual é nomeado pelo secretário de justiça. Mas, em comarcas menores poderá ser o
próprio juiz de Direito o competente para celebrar o casamento. Em território estrangeiro a
autoridade competente para celebrar o casamento será a autoridade consular, devendo o ato
praticado em território estrangeiro ser registrado no cartório do domicilio dos cônjuges em até 180
dias, a contar da volta para o Brasil.

5.4. CONDIÇÕES DE VALIDADE

Potência - é a aptidão para a conjunção carnal, os nubentes deverão ter aptidão para a vida
sexual, dois são os tipos de potência: potência de cópula e potência de gerar.

Puberdade - a lei estabelece um limite de idade no qual, presumivelmente, todos se tornam


púberes, trazendo como idade núbil 16 anos, independente do sexo do nubente. Caso os
pretendentes não tiverem atingido a capacidade civil, será necessária a autorização dos
representantes legais.

Sanidade - o código civil não previu como condição necessária à validade do casamento, o exame
pré-nupcial não é obrigatório, salvo nos casos de casamento de colaterais de 3º grau (tios e
sobrinhos).

Condições de ordem moral e social: são de duas ordens - o grau de parentesco e a existência de
casamento anterior: A monogamia resulta a proibição de segundo casamento.

14
O grau de parentesco - Constitui obstáculo ao casamento a relação de parentesco, sejam os
parentes em linha reta, ou linha colateral, seja parentesco consanguíneo ou afim.

Inexistência de casamento anterior - A monogamia resulta a proibição de segundo casamento.


Mas, a proibição se dá sobre a pluralidade de casamentos simultâneos. Nada obsta que uma pessoa
seja casada e após se divorciar venha contrair novas núpcias.

5.5. CONDIÇÕES DE REGULARIDADE FORMAL

Estando a documentação em ordem (habilitação 30), o oficial extrairá o edital, que se afixará
durante 15 dias nas circunscrições do Registro Civil de ambos os nubentes, e, obrigatoriamente, se
publicará na imprensa local, se houver. Trata-se da publicação dos proclamas do casamento,
formalidade considerada em regra como essencial, mas que poderá ser dispensada pela autoridade
competente pela homologação do casamento em casos de urgência 31. Nos termos do enunciado
aprovado na V Jornada de Direito Civil, em 2011, “o juiz não pode dispensar, mesmo
fundamentadamente, a publicação do edital de proclamas do casamento, mas sim o decurso do
prazo.” (Enunciado n. 513). Não se filia ao teor do enunciado doutrinário, pois ele está distante do
texto legal e do princípio da operabilidade, no sentido de facilitação dos institutos civis, um dos
baluartes da atual codificação privada.

O oficial do Registro Civil tem o dever de esclarecer os nubentes a respeito dos fatos que podem
ocasionar a invalidade do casamento, bem como sobre os diversos regimes de bens. Ilustrando,
deve o oficial informar a respeito dos impedimentos matrimoniais, sob pena de responsabilização
civil. Tanto os impedimentos quanto as causas suspensivas serão opostos em declaração escrita e
assinada, instruída com as provas do fato alegado, ou com a indicação do lugar onde possam ser
obtidas.

30
CC/2002, “Art. 1.525. O requerimento de habilitação para o casamento será firmado por ambos os nubentes, de
próprio punho, ou, a seu pedido, por procurador, e deve ser instruído com os seguintes documentos:
I - certidão de nascimento ou documento equivalente;
II - autorização por escrito das pessoas sob cuja dependência legal estiverem, ou ato judicial que a supra;
III - declaração de duas testemunhas maiores, parentes ou não, que atestem conhecê-los e afirmem não existir
impedimento que os iniba de casar;
IV - declaração do estado civil, do domicílio e da residência atual dos contraentes e de seus pais, se forem conhecidos;
V - certidão de óbito do cônjuge falecido, de sentença declaratória de nulidade ou de anulação de casamento, transitada
em julgado, ou do registro da sentença de divórcio.”
31
CC/2002, “Art. 1.527. Estando em ordem a documentação, o oficial extrairá o edital, que se afixará durante quinze
dias nas circunscrições do Registro Civil de ambos os nubentes, e, obrigatoriamente, se publicará na imprensa local, se
houver.”

15
Opostos esses, o oficial do registro dará aos nubentes ou a seus representantes a nota da
oposição, indicando os fundamentos, as provas e o nome de quem a ofereceu (art. 1.530 do CC).
Apresentado o impedimento, o oficial dará ciência do fato aos nubentes, para que indiquem, em
três dias, prova que pretendam produzir, remetendo os autos a juízo. Ainda pelo último comando,
produzidas as provas pelo oponente e pelos nubentes no prazo de dez dias, e ouvidos os
interessados e o órgão do Ministério Público em cinco dias, decidirá o juiz em igual prazo. Se
cumpridas as formalidades previstas em lei e verificada a inexistência de fato obstativo (v.g.,
impedimento matrimonial), o oficial do registro extrairá o certificado de habilitação. Essa
habilitação terá eficácia de noventa dias, contados de quando for extraído o certificado.

Relativamente à celebração do casamento, está ocorrerá no dia, hora e lugar previamente


designados pela autoridade que houver de presidir o ato, mediante petição dos contraentes, que se
mostrem habilitados com a certidão de habilitação 32. A autoridade para presidir o casamento, nos
termos do Texto Maior, é o juiz de paz. O art. 98, inc. II, da CF/1988, determina que a União, no
Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão “justiça de paz, remunerada, composta de
cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e competência
para, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de ofício ou em face de impugnação
apresentada, o processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional,
além de outras previstas na legislação”. Porém, muitas unidades da federação ainda não
regulamentaram a justiça de paz. Ilustrando, em São Paulo, quem celebra o casamento é o juiz de
casamento, cuja atuação não é remunerada, sendo indicado pelo Secretário da Justiça.

O ato solene relativo ao casamento será realizado na sede do cartório, com toda publicidade, a
portas abertas, presentes pelo menos duas testemunhas, parentes ou não dos contraentes. Se as
partes quiserem, e consentindo a autoridade celebrante, o casamento poderá ser celebrado em outro
edifício, público ou particular33. No último caso, ficará o edifício particular de portas abertas
durante o ato. O número de testemunhas aumenta para quatro, o que igualmente se aplica se algum
dos contraentes não souber ou não puder escrever.

32
CC/2002, “Art. 1.533. Celebrar-se-á o casamento, no dia, hora e lugar previamente designados pela autoridade que
houver de presidir o ato, mediante petição dos contraentes, que se mostrem habilitados com a certidão do art. 1.531.”
33
CC/2002, “Art. 1.534. A solenidade realizar-se-á na sede do cartório, com toda publicidade, a portas abertas,
presentes pelo menos duas testemunhas, parentes ou não dos contraentes, ou, querendo as partes e consentindo a
autoridade celebrante, noutro edifício público ou particular.
§ 1º Quando o casamento for em edifício particular, ficará este de portas abertas durante o ato.
§2º Serão quatro as testemunhas na hipótese do parágrafo anterior e se algum dos contraentes não souber ou não
puder escrever.”

16
Estando presentes os contraentes, pessoalmente ou por procurador especial (no caso de
casamento por procuração), juntamente com as testemunhas e o oficial do registro, o presidente
do ato, após ouvir dos nubentes a afirmação de que pretendem casar por livre e espontânea
vontade.

5.6. IDADE NÚBIL

Não se pode confundir a incapacidade para o casamento com os impedimentos matrimoniais.


Isso porque a incapacidade é geral, impedindo que a pessoa se case com qualquer um que seja. Já
os impedimentos matrimoniais atingem determinadas pessoas, em situações específicas. Em outras
palavras, os impedimentos envolvem a legitimação, que é a capacidade especial para celebrar
determinado ato ou negócio jurídico.

Aspecto que sempre mereceu críticas é o fato de o CC/2002 não trazer um rol específico a
respeito das pessoas capazes (ou incapazes) de casar, tratando apenas da idade mínima para casar 34.

Como não há regras específicas a respeito da capacidade para o casamento, sempre foi
necessário socorrer-se à Parte Geral do CC/2002, em complemento ao que consta do seu art. 1.517.

Os incapazes para o casamento são apenas os menores de 16 anos, nos termos do art. 1.517 do
Código Civil e do novo art. 3.º do Código Civil, devidamente atualizado com a Lei 13.146/2015.
Como se verá a seguir, o Estatuto da Pessoa com Deficiência também retirou do sistema a
possibilidade de nulidade absoluta do casamento da pessoa enferma mental, tendo sido revogado
o art. 1.548, I, da codificação material. Isso também colaborou para a citada coerência técnica, na
opinião deste autor.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência, como se vê, pretendeu igualar a pessoa com deficiência
para os atos existenciais, o que representa um notável avanço. Na tutela das pessoas com
deficiência, substituiu-se a premissa da dignidade-vulnerabilidade pela da dignidade-igualdade.

Feitas tais considerações e em complemento, nos termos do art. 1.517, caput, do Código Civil
o homem e a mulher em idade núbil, com 16 anos completos, podem casar, exigindo-se autorização
de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil (18
anos). Em havendo divergência entre os pais, a questão será levada ao juiz, que decidirá de acordo

34
CC/2002, “Art. 1.517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos
os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil.”

17
com o caso concreto, sempre buscando a proteção integral do menor e da família (art. 1.517,
parágrafo único, do CC).

Conforme esclarecedor enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil, em 2011, “o artigo


1.517 do Código Civil, que exige autorização dos pais ou responsáveis para casamento, enquanto
não atingida a maioridade civil, não se aplica ao emancipado” (Enunciado n. 512).

Previa originalmente o art. 1.518 do Código Civil que a autorização especial para o casamento
poderia ser revogada pelos pais, tutores ou curadores até a celebração do casamento. Esse comando
também foi alterado pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), passando a
enunciar que “até a celebração do casamento podem os pais ou tutores revogar a autorização”.
Como se percebe, não há mais menção aos curadores, uma vez que não se decreta mais a nulidade
das pessoas que estavam mencionadas no art. 1.548, inc. I, do CC/2002, ora revogado pelo mesmo
Estatuto, como antes destacado. O art. 1.520 do CC/2002 foi modificado pela Lei 13.811, de 12
de março de 201935.

5.7. IMPEDIMENTOS MATRIMONIAIS

O art. 1.521 do CC36 traz um rol taxativo de pessoas que não podem casar, em situações que
envolvem a ordem pública. Assim, não podem casar:

Os ascendentes com os descendentes até o infinito (impedimento decorrente de parentesco


consanguíneo). Ilustrando, o filho não pode casar com a mãe, o neto com a avó, o bisneto com a
bisavó, o trineto com a trisavó e assim sucessivamente, até o infinito. Duas são as razões do
impedimento: 1.º) Razão moral - evitar o incesto (relações sexuais entre pessoas da mesma família);
2.º) Razão biológica - evitar problemas congênitos à prole, comuns em casos tais.

Os colaterais até terceiro grau, inclusive (impedimento decorrente de parentesco consanguíneo),


pelas mesmas razões acima. Não podem se casar os irmãos, que são colaterais de segundo grau,

35
CC/2002, “Art. 1.520. Não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil,
observado o disposto no art. 1.517 deste Código.”
36
CC/2002, “Art. 1.521. Não podem casar:
I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II - os afins em linha reta;
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V - o adotado com o filho do adotante;
VI - as pessoas casadas;
VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

18
sejam bilaterais (mesmo pai e mesma mãe) ou unilaterais (mesmo pai ou mesma mãe). Também
não podem casar os tios e sobrinhas, tias e sobrinhos (colaterais de terceiro grau). Porém, segundo
o entendimento majoritário, continua em vigor o Decreto-lei 3.200/1941, que autoriza o casamento
entre tios e sobrinhos se uma junta médica apontar que não há risco biológico (nesse sentido:
Enunciado n. 98 do CJF/STJ). Esse casamento é denominado avuncular.

Os afins em linha reta (impedimento decorrente de parentesco por afinidade). Há parentesco


por afinidade entre um cônjuge (ou companheiro) e os parentes do outro consorte (ou convivente).
O impedimento, por razão moral, existe apenas na afinidade em linha reta até o infinito (sogra e
genro, sogro e nora, padrasto e enteada, madrasta e enteado, e assim sucessivamente). Os cunhados
podem se casar, depois de terminado o casamento, pois são parentes afins colaterais. No que
concerne ao parentesco por afinidade na linha reta descendente, merece destaque a consolidada
valorização social da afetividade, na relação constituída entre padrastos, madrastas e enteados, tema
que ainda será aprofundado.

O adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; os
ascendentes e descendentes em casos envolvendo a adoção; o adotado com o filho do adotante
(impedimentos em decorrência do parentesco civil formado pela adoção). Vale a máxima pela qual
a adoção imita a família consanguínea. Sendo assim, até por ausência de previsão legal, o adotado
pode se casar com a irmã do adotante, pois esta seria como se sua tia fosse. Como visto, não há
esse impedimento na família natural se uma junta médica afastar os problemas congênitos à prole,
que aqui não estarão presentes.

As pessoas casadas (impedimento decorrente de vínculo matrimonial). O atual Código continua


consagrando o princípio da monogamia para o casamento. Mesmo sendo tratada como
impedimento matrimonial – e assim deve ser visualizada como categoria jurídica criada pela lei –,
a hipótese parece ser de incapacidade matrimonial. Isso porque a pessoa casada não pode contrair
matrimônio com qualquer um que seja.

O cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o


seu consorte (impedimento decorrente de crime). Tal impedimento somente nos casos de crime
doloso e havendo trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Ilustrando, se o casamento
ocorre no curso do processo criminal, será reputado válido, pois quando da celebração não havia
a limitação à autonomia privada. Em reforço, incide o princípio da presunção da inocência. O
casamento permanece válido, mesmo no caso de sentença penal transitada em julgado

19
superveniente, ou seja, posterior ao matrimônio, o que demonstra a reduzida aplicação prática da
previsão, que deve ser extinta, conforme o Estatuto das Famílias (PL 470/2013).

Em relação aos efeitos, os impedimentos matrimoniais impossibilitam a celebração do


casamento mediante procedimento administrativo que corre perante o Cartório de Registro das
Pessoas Naturais37 e 38. A sua oposição poderá ocorrer até o momento da celebração, por qualquer
pessoa capaz39. Caso o oficial do registro ou qualquer juiz tenha conhecimento do impedimento,
deverá reconhecê-lo de ofício (ex officio). Caso o casamento seja celebrado, será ele nulo de pleno
direito, havendo nulidade absoluta40.

5.8. CAUSAS SUSPENSIVAS

As causas suspensivas do casamento são situações de menor gravidade, relacionadas a questões


patrimoniais e de ordem privada. Não geram a nulidade absoluta ou relativa do casamento, mas
apenas impõem sanções patrimoniais aos cônjuges. A sanção principal é o regime da separação
legal ou obrigatória de. O art. 1.523 do CC/200241 faz uma recomendação, prevendo que não
devem casar:

Viúvo ou viúva que tiver filho do cônjuge falecido enquanto não fizer o inventário dos bens
do casal com a respectiva partilha, para evitar confusão patrimonial. Além da imposição do regime
da separação obrigatória de bens, essa causa suspensiva gera uma segunda sanção, qual seja a
imposição de uma hipoteca legal a favor dos filhos sobre os bens imóveis dos pais que passarem a
outras núpcias antes de fazerem o inventário do cônjuge falecido.

Viúva ou mulher cujo casamento se desfez por nulidade absoluta ou relativa até dez meses
depois do começo da viuvez ou da dissolução da sociedade conjugal. O objetivo é evitar confusões

37 CC/2002, “Art. 1.529. Tanto os impedimentos quanto as causas suspensivas serão opostos em declaração escrita e
assinada, instruída com as provas do fato alegado, ou com a indicação do lugar onde possam ser obtidas.”
38 CC/2002, “Art. 1.530. O oficial do registro dará aos nubentes ou a seus representantes nota da oposição, indicando

os fundamentos, as provas e o nome de quem a ofereceu.”


39 CC/2002, “Art. 1.522. Os impedimentos podem ser opostos, até o momento da celebração do casamento, por

qualquer pessoa capaz.”


40 CC/2002, “Art. 1.548. É nulo o casamento contraído: II - por infringência de impedimento.”
41 CC/2002, “Art. 1.523. Não devem casar:

I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha
aos herdeiros;
II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo
da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;
III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;
IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada
ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.”

20
sobre a paternidade do filho que nascer nesse espaço temporal. Com os avanços da medicina, esta
causa suspensiva tende a desaparecer, pois se busca cientificamente a realização de um exame que
demonstre a parentalidade da criança via exame de DNA, sem que isso ofereça riscos à prole e à
sua mãe.

O divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal,
o que também visa a evitar confusões quanto ao patrimônio. Essa previsão foi incluída no
CC/2002, uma vez que o divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens, o que
abrange o divórcio extrajudicial. Anote-se que a lei exige apenas a homologação ou decisão da
partilha e não a sua efetivação em si.

Tutor e curador e seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos com a pessoa
tutelada ou curatelada, enquanto não cessada a tutela ou curatela, ou não estiverem saldadas as
respectivas contas prestadas. A razão é moral, pois, supostamente, o tutor ou o curador poderia
induzir o tutelado ou o curatelado a erro, diante de uma relação de confiança, o que geraria
repercussões patrimoniais.

Em todas as hipóteses, enuncia o parágrafo único do art. 1.523 do Código Civil42 que desaparece
a causa suspensiva se for provada a ausência de prejuízo aos envolvidos. Exemplificando, sendo
demonstrada a ausência de gravidez ou o nascimento de filho no caso do inc. II, a causa suspensiva
é afastada. Ainda, no caso do inc. I, sendo elaborado um inventário negativo, inclusive
extrajudicialmente, apontando que aquele casal dissolvido não tinha bens, do mesmo modo cessa
a causa suspensiva. Destaque-se que a Resolução n. 35/2007 do CNJ (Conselho Nacional de
Justiça) enuncia em seu art. 28 a possibilidade do inventário negativo, por escritura pública.

A respeito da arguição das causas suspensivas, essa somente pode ser realizada por parentes em
linha reta de um dos cônjuges, consanguíneos ou afins e pelos colaterais em segundo grau,
consanguíneos ou afins43. Como consequência, as causas suspensivas não podem ser conhecidas
de ofício por eventual juiz ou pelo oficial do registro civil. Em complemento, pelo teor do
Enunciado n. 330 da IV Jornada de Direito Civil (2006), o direito de alegar a causa suspensiva ainda
deve atingir os parentes civis: “as causas suspensivas da celebração do casamento poderão ser

42 CC/2002, “Art. 1.523. Não devem casar: (...) Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não
lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de
prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso
II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo.”
43
CC/2002, “Art. 1.524. As causas suspensivas da celebração do casamento podem ser arguidas pelos parentes em
linha reta de um dos nubentes, sejam consanguíneos ou afins, e pelos colaterais em segundo grau, sejam também
consanguíneos ou afins.”

21
arguidas inclusive pelos parentes em linha reta de um dos nubentes e pelos colaterais em segundo
grau, por vínculo decorrente de parentesco civil”.

5.9. CASAMENTOS ESPECIAIS

O casamento, conforme demonstrado anteriormente, é ato formal e solene. Entretanto, existem


algumas situações que permitem a realização do casamento mesmo com inobservância de alguns
requisitos necessários ao seu regular andamento. Os casamentos que se realizam de forma
excepcionais são:

Casamento em caso de moléstia grave44 - Estando gravemente enfermo um dos nubentes, não
lhe sendo possível deslocar-se até a sede do cartório, o juiz celebrante realizará o ato aonde o
enfermo se encontre. Nesse caso, o ato deverá ser acompanhado por no mínimo duas testemunhas
que saibam ler e escrever, podendo ser inclusive parentes dos nubentes. Caso o nubente não possa
assinar serão necessárias quatro testemunhas. Ressalta-se que para o casamento em caso de moléstia
grave faz-se necessário o procedimento regular de habilitação.

Casamento nuncupativo45 - Estando um dos nubentes em iminente risco de morte, e não sendo
possível a presença da autoridade competente ou de seu substituto, o casamento poderá se
realizado com a simples manifestação da vontade dos nubentes na presença de pelo menos seis
testemunhas. Entretanto, para o casamento nuncupativo as testemunhas não podem ter parentesco
em linha reta ou colateral, até o segundo grau, com os nubentes. Ressalta-se que para o casamento
nuncupativo é dispensado o rito das formalidades preliminares. Dessa forma, os ritos serão
executados a posteriori. O processo especial para a formalização do casamento nuncupativo deverá
ter início em até dez dias a contar a sua celebração. Poderá ser requerido por qualquer das
testemunhas ou qualquer interessado perante o juiz mais próximo do local onde se encontrava o
enfermo. No processo será tomado o depoimento das testemunhas para constatar que estas foram

44
CC/2002, “Art. 1.539. No caso de moléstia grave de um dos nubentes, o presidente do ato irá celebrá-lo onde se
encontrar o impedido, sendo urgente, ainda que à noite, perante duas testemunhas que saibam ler e escrever.
§1º A falta ou impedimento da autoridade competente para presidir o casamento suprir-se-á por qualquer dos seus
substitutos legais, e a do oficial do Registro Civil por outro ad hoc, nomeado pelo presidente do ato.
§2º O termo avulso, lavrado pelo oficial ad hoc, será registrado no respectivo registro dentro em cinco dias, perante
duas testemunhas, ficando arquivado.”
45
CC/2002, “Art. 1.540. Quando algum dos contraentes estiver em iminente risco de vida, não obtendo a presença
da autoridade à qual incumba presidir o ato, nem a de seu substituto, poderá o casamento ser celebrado na presença
de seis testemunhas, que com os nubentes não tenham parentesco em linha reta, ou, na colateral, até segundo grau.”

22
convocadas pelo enfermo; que lhes parecia este em risco iminente de morte; que os nubentes
declararam, em sua presença, a vontade de casarem-se.

Verificando-se a inexistência de fato que obste o casamento o juiz decidirá, devendo o ato ser
lavrado o assento em livro de registro e os efeitos do casamento retroagirão à data de sua
celebração. Convalescendo o enfermo, as formalidades exigidas serão dispensadas devendo o
casamento ser ratificado pelo nubente que estava enfermo. Se não houver ratificação o casamento
não terá valor algum.

Casamento por procuração46 - Ocorre se um dos nubentes ou ambos não possam estar
presentes. A procuração deve ser por instrumento público, com poderes especiais para contrair
casamento, mencionando o regime de bens. O mandato não poderá exceder a 90 dias e a
procuração pode ser revogada a qualquer tempo antes da celebração do casamento, mas também
será exigido o instrumento público para a revogação.

5.10. PROVAS DO CASAMENTO

Prova direta47 - Em regra, o casamento celebrado no Brasil é provado pela certidão do seu
registro. Em relação ao casamento de brasileiro celebrado no estrangeiro, perante as respectivas
autoridades ou os cônsules brasileiros, este deverá ser registrado em 180 dias, a contar da volta de
um ou de ambos os cônjuges ao Brasil. Esse registro deverá ocorrer no cartório do respectivo
domicílio, ou, em sua falta, no 1.º Ofício da Capital do Estado em que passarem a residir48.

Provas diretas complementares ou supletórias49 - justificada a falta ou perda do registro civil, é


admissível qualquer outra espécie de prova. Exemplos: documentos em que consta a situação de
casado, tais como a cédula de identidade, o passaporte e a certidão de proclamas.

46 CC/2002, “Art. 1.542. O casamento pode celebrar-se mediante procuração, por instrumento público, com poderes
especiais.
§ 1º A revogação do mandato não necessita chegar ao conhecimento do mandatário; mas, celebrado o casamento sem
que o mandatário ou o outro contraente tivessem ciência da revogação, responderá o mandante por perdas e danos.
§2º O nubente que não estiver em iminente risco de vida poderá fazer-se representar no casamento nuncupativo.
§3º A eficácia do mandato não ultrapassará noventa dias.
§4º Só por instrumento público se poderá revogar o mandato.
47 CC/2002, “Art. 1.543. O casamento celebrado no Brasil prova-se pela certidão do registro”
48 CC/2002, “Art. 1.544. O casamento de brasileiro, celebrado no estrangeiro, perante as respectivas autoridades ou

os cônsules brasileiros, deverá ser registrado em cento e oitenta dias, a contar da volta de um ou de ambos os cônjuges
ao Brasil, no cartório do respectivo domicílio, ou, em sua falta, no 1 o Ofício da Capital do Estado em que passarem
a residir.”
49CC/2002, “Art. 1.543. (...) Parágrafo único. Justificada a falta ou perda do registro civil, é admissível qualquer
outra espécie de prova”

23
Prova indireta50 e 51 - fundada na posse de estado de casados, na demonstração efetiva da situação
de casados. Conforme se extrai da doutrina de Eduardo de Oliveira Leite, três são os requisitos
para a sua comprovação: nomen ou nominatio – um cônjuge utiliza o nome do outro; tractatus ou
tractatio – as partes se tratam como se fossem casados; fama ou reputatio – a sociedade reconhece
nas partes pessoas casadas (reconhecimento geral ou reputação social).

Essa regra deverá ser aplicada salvo se existir certidão do Registro Civil que prove que já era
casada alguma delas, quando contraiu o casamento impugnado. Se a prova da celebração legal do
casamento resultar de eventual processo judicial, o registro da sentença no livro do Registro Civil
produzirá, tanto no que toca aos cônjuges como no que diz respeito aos filhos, todos os efeitos
civis desde a data do casamento - efeitos ex tunc.

5.11. PACTO ANTENUPCIAL

O pacto antenupcial constitui um contrato formal e solene pelo qual as partes regulamentam as
questões patrimoniais relativas ao casamento. A natureza contratual do instituto é afirmada por
juristas como Silvio Rodrigues, Paulo Lôbo e Maria Helena Diniz. Sendo um contrato, é
perfeitamente possível aplicar ao pacto antenupcial os princípios da função social do contrato e da
boa-fé objetiva.

Trazendo requisito formal e solene para o pacto antenupcial, o negócio deve ser feito por
escritura pública no Cartório de Notas, sendo nulo se assim não o for e ineficaz se não ocorrer o
casamento52. Sendo desrespeitada tal formalidade, o pacto será nulo, por desrespeito à forma e à
solenidade53. Todavia, diante do princípio da conservação dos negócios jurídicos, a nulidade do
pacto não atinge o casamento, que será válido e regido pela comunhão parcial de bens.

50 CC/2002, “Art. 1.545. O casamento de pessoas que, na posse do estado de casadas, não possam manifestar vontade,
ou tenham falecido, não se pode contestar em prejuízo da prole comum, salvo mediante certidão do Registro Civil que
prove que já era casada alguma delas, quando contraiu o casamento impugnado.”
51 CC/2002, “Art. 1.546. Quando a prova da celebração legal do casamento resultar de processo judicial, o registro da

sentença no livro do Registro Civil produzirá, tanto no que toca aos cônjuges como no que respeita aos filhos, todos
os efeitos civis desde a data do casamento.”
52 CC/2002, “Art. 1.653. É nulo o pacto antenupcial se não for feito por escritura pública, e ineficaz se não lhe seguir

o casamento.”
53 CC/2002, “Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: (...) IV - não revestir a forma prescrita em lei; V - for

preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;”

24
Em relação ao pacto antenupcial celebrado por menor, a sua eficácia fica condicionada à
aprovação de seu representante legal, salvo as hipóteses do regime de separação obrigatória de
bens54.

É nula a convenção ou cláusula que constar no pacto que conflite com disposição absoluta de
lei55, ou seja, que colida com normas de ordem pública. A norma limita a autonomia privada no
pacto, assim como a função social do contrato o faz nos contratos em geral.

Não há qualquer óbice jurídico para que o pacto antenupcial tenha por objeto um conteúdo
existencial, como regras relativas à boa convivência do casal. Nessa linha, o teor do Enunciado n.
635, da VIII Jornada de Direito Civil, realizada em abril de 2018. Nos seus termos, que contaram
com o nosso apoio, “o pacto antenupcial e o contrato de convivência podem conter cláusulas
existenciais, desde que estas não violem os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade
entre os cônjuges e da solidariedade familiar”.

Consigne-se que a nulidade da cláusula do pacto antenupcial, em regra, não prejudica o restante
do ato, aplicando-se o princípio da conservação dos negócios jurídicos. Reduz-se o negócio
jurídico, retirando-se a cláusula nula e mantendo-se o restante do pacto.

No que concerne ao pacto antenupcial que adotar o regime da participação final dos aquestos,
é possível convencionar a livre disposição dos bens imóveis desde que particulares 56. Isso é assim,
pois, conforme será exposto, durante o casamento por tal regime há uma separação convencional
de bens57.A norma mitiga a regra do art. 1.647, inc. I, do CC, dispensando a outorga conjugal se
isso for convencionado.

Por derradeiro sobre a categoria, para que tenha efeitos erga omnes, ou seja, contra terceiros, os
pactos antenupciais deverão ser averbados em livro especial pelo oficial do Registro de Imóveis do
domicílio dos cônjuges58. A eficácia perante terceiro do pacto decorre da escritura pública e do
posterior regime do casamento. Sendo assim, parece desnecessário o citado registro se o casal não
tiver bens imóveis.

54 CC/2002, “Art. 1.654. A eficácia do pacto antenupcial, realizado por menor, fica condicionada à aprovação de seu
representante legal, salvo as hipóteses de regime obrigatório de separação de bens.”
55 CC/2002, “Art. 1.655. É nula a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta de lei.”
56 CC/2002, “Art. 1.656. No pacto antenupcial, que adotar o regime de participação final nos aqüestos, poder-se-á

convencionar a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares.”


57 CC/2002, “Art. 1.688. Ambos os cônjuges são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos

rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial.”
58 CC/2002, “Art. 1.657. As convenções antenupciais não terão efeito perante terceiros senão depois de registradas,

em livro especial, pelo oficial do Registro de Imóveis do domicílio dos cônjuges.”

25
5.12. ESPÉCIES DE REGIMES DE BENS
Seu objetivo é disciplinar o patrimônio dos cônjuges antes e na vigência do casamento, de
acordo com a sua vontade, mas dentro dos limites legais. É o estatuto patrimonial dos cônjuges.

Como regra os cônjuges têm liberdade para escolher qual o regime de bens vigorará entre eles
desde que não desrespeite a lei. Na habilitação de casamento, os nubentes podem optar por um
dos regimes previstos em lei, que começa a vigorar na data da celebração do casamento.

Três princípios fundamentais informam o sistema: o princípio da liberdade de escolha 59, o


princípio da variabilidade59 e o princípio da mutabilidade60.

O primeiro afirma que, em regra, os nubentes podem, de acordo com a sua autonomia privada
e liberdade de opção, escolher o regime que bem lhes aprouver. Não deve o Estado, salvo quando
houver relevante motivo amparado em norma específica, intervir coativamente na relação
matrimonial, impondo este ou aquele regime.

Já o princípio da variabilidade traduz a ideia de que a ordem jurídica não admite um regime
único, mas sim uma multiplicidade de tipos, permitindo, assim, aos noivos, no ato de escolha, optar
por qualquer deles.

Finalmente, com o Código de 2002, admitiu-se o direito à mudança de regime, a qualquer tempo,
desde que observados os requisitos da lei. Por tais razões, o terceiro princípio informativo do
regime patrimonial passou a ser o da mutabilidade.

5.12.1. COMUNHÃO PARCIAL DE BENS

Trata-se do regime legal que valerá para o casamento se não houver pacto entre os cônjuges ou
sendo este nulo ou ineficaz61. A regra básica do regime da comunhão parcial é a seguinte:
comunicam-se os bens havidos durante o casamento com exceção dos incomunicáveis 62

59 CC/2002, “Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que
lhes aprouver.”
60 CC/2002, “Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que

lhes aprouver. (...) §2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado
de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.”
61
CC/2002, “Art. 1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os
cônjuges, o regime da comunhão parcial.
62
CC/2002, “Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na
constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.”

26
Destaque-se que os bens comunicáveis formam os
aquestos, sobre os quais o outro cônjuge tem direito à
meação. Entretanto, há bens que não se comunicam nesse
regime, descritos no art. 1.659 do CC:

I – Os bens que cada cônjuge já possuía ao casar e


aqueles havidos por doação ou sucessão, bem como os
sub-rogados no seu lugar (sub-rogação real, substituição
de uma coisa por outra). A norma trata dos bens
particulares, que são os bens anteriores e os havidos por
herança ou doados a um dos cônjuges.

II – Os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-


rogação dos bens particulares. A previsão deve ser interpretada restritivamente, no sentido de que
se o bem é adquirido também com esforço do outro cônjuge, de qualquer natureza, haverá
comunicação.

III – As obrigações anteriores ao casamento, caso das dívidas pessoais que cada cônjuge já
possuía ao casar.

IV – As obrigações decorrentes de ato ilícito, salvo reversão em proveito do casal. A título de


exemplo, se os cônjuges possuem uma fazenda e o marido, na administração desta, causar um dano
ambiental, haverá responsabilidade solidária do casal, respondendo todos os seus bens. Isso porque
a atividade desenvolvida na fazenda era realizada em benefício do casal.

V – Os bens de uso pessoal de cada um dos cônjuges (v.g., joias da família, roupas, escova de
dentes, relógios, celulares, CDs, DVDs); os livros (v.g., obras jurídicas, coleções raras etc.); e os
instrumentos de profissão (bisturi, fita métrica, máquina de costura).

VI – Os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge, o que inclui o salário, as remunerações


em sentido amplo e a aposentadoria. Há problema técnico em relação a tal comando, pois se
interpretado na literalidade, nada ou quase nada se comunicará nesse regime. Desse modo, na
esteira da melhor doutrina, a norma merece interpretação restritiva. A correta interpretação deve
ser no sentido de que se os proventos forem recebidos durante a união haverá comunicação,
prevalecendo a norma do art. 1.688 do CC.

VII – As pensões (quantias pagas de forma periódica em virtude de lei, decisão judicial, ato inter
vivos ou mortis causa, visando a subsistência de alguém), meios-soldos (metade do valor que o

27
Estado paga ao militar reformado) e montepios (pensão paga pelo Estado aos herdeiros de um
funcionário público falecido), bem como outras rendas semelhantes e que têm caráter pessoal. Mais
uma vez deve-se interpretar restritivamente a previsão, pois se tais valores forem recebidos durante
o casamento, haverá comunicação dos bens.

II – Os bens adquiridos por fato eventual com ou sem colaboração do outro cônjuge. Exemplos:
valores recebidos em decorrência de jogos, apostas e loterias em geral. Aplicando tal norma a uma
união estável, julgou o Tribunal da Cidadania que “o prêmio da lotomania, recebido pelo ex-
companheiro, sexagenário, deve ser objeto de partilha, haja vista que: (i) se trata de bem comum
que ingressa no patrimônio do casal, independentemente da aferição do esforço de cada um; (ii)
foi o próprio legislador quem estabeleceu a referida comunicabilidade; (iii) como se trata de regime
obrigatório imposto pela norma, permitir a comunhão dos aquestos acaba sendo a melhor forma
de se realizar maior justiça social e tratamento igualitário, tendo em vista que o referido regime não
adveio da vontade livre e expressa das partes; (iv) a partilha dos referidos ganhos com a loteria não
ofenderia o desiderato da lei, já que o prêmio foi ganho durante a relação, não havendo falar em
matrimônio realizado por interesse ou em união meramente especulativa” (STJ, REsp
1.689.152/SC, 4.ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 24.10.2017, DJe 22.11.2017).

III – Os bens adquiridos por doação, herança ou legado em favor de ambos os cônjuges. Haverá
comunicação eis que o benefício é dado a ambos.

IV – As benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias em bens particulares de cada cônjuge. As


benfeitorias são bens acessórios, introduzidas de forma onerosa e que valorizam a coisa principal,
havendo uma presunção de aquisição onerosa. A comunicação deve ser estendida às acessões,
conforme propõe o PL 276/2007, a partir das lições da doutrina.

V – Os frutos civis (rendimentos) ou naturais decorrentes de bens comuns ou particulares de


cada cônjuge percebidos na constância do casamento, ou pendentes quando cessar a união. Devem
ser incluídos, por analogia, os produtos.

A administração do patrimônio comum compete a qualquer um dos cônjuges, diante da


isonomia constitucional e do sistema de colaboração presente nesse regime de bens (art. 1.663 do
CC). As dívidas contraídas no exercício dessa administração obrigam os bens comuns e particulares
do cônjuge que os administra, e os do outro cônjuge na razão do proveito que houver auferido
(art. 1.663, § 1.º). Concretizando, o marido tem uma empresa, anterior ao casamento, e a administra
sozinho. Por tal conduta de administração, a parte que a esposa tem nos bens comuns e os seus

28
bens exclusivos não respondem por dívidas contraídas pelo marido na administração da empresa,
uma vez que o bem é anterior.

Finalizando o tratamento da comunhão parcial, o art. 1.666 do CC determina que as dívidas


contraídas por qualquer dos cônjuges na administração de seus bens particulares e em benefício
destes não obrigam os bens comuns.

5.12.2. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS

O regime da separação obrigatório de bens mostra-se


quando existem causas suspensivas.63

Como regra básica do regime, não haverá a comunicação


de qualquer bem, seja posterior ou anterior à união,
cabendo a administração desses bens de forma exclusiva a
cada um dos cônjuges64. Justamente por isso, cada um dos
cônjuges poderá alienar ou gravar com ônus real os seus
bens mesmo sendo imóveis, nas hipóteses em que foi
convencionada a separação de bens. Em relação à separação
legal ou obrigatória, há comunicação de alguns bens,
conforme se retira da Súmula n. 377 do STF.

Como se nota, normalmente, nada muda no regime na questão patrimonial. Na separação


obrigatória de bens, ambos os cônjuges são obrigados a contribuir para as despesas do casal na
proporção dos rendimentos do seu trabalho e de seus bens.

63 CC/2002, “Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:


I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;
III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.”
64 CC/2002, “Art. 1.687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada

um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real.”

29
5.12.3. COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS

Comunicam-se tanto os bens anteriores, presentes e posteriores à celebração do casamento, ou


seja, há uma comunicação total ou plena nos aquestos,
o que inclui as dívidas passivas de ambos65.

Assim, em regra, todos os bens adquiridos durante


a união, por um ou ambos os cônjuges, são
comunicáveis na comunhão universal. Também se
comunicam os bens recebidos por um ou por ambos
por herança ou doação durante o casamento.
Destaque-se que a comunicação de bens é plena, mas
não absoluta, pois existem bens incomunicáveis
descritos no art. 1.668 do CC:

I – Bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade, e os correspondentes sub-


rogados (sub-rogação real, substituição de uma coisa por outra). Por essa cláusula, como o próprio
nome já diz, afasta-se a comunhão em qualquer regime. Se instituída por testamento na legítima,
enuncia o art. 1.848 do CC que esta cláusula deve ser justificada.

II – Bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a


condição suspensiva. O fideicomisso é uma forma de substituição testamentária em que um
primeiro herdeiro (fiduciário) pode ser substituído por outro (fideicomissário). Quando o bem
estiver com o fiduciário (1.º herdeiro) haverá incomunicabilidade, pois a sua propriedade é
resolúvel, protegendo-se o direito do fideicomissário (2.º herdeiro).

III – As dívidas anteriores ao casamento, salvo se tiverem como origem dívidas relacionadas
com o casamento, ou aquelas que se reverterem em proveito comum. Desse modo, são
comunicáveis, as dívidas relativas à aquisição do imóvel do casal, da mobília e do enxoval; bem
como as despesas para a festa do casamento.

IV – As doações antenupciais feitas por um dos cônjuges a outro, com cláusula de


incomunicabilidade.

V – Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659 do CC (bens de uso pessoal, livros,
instrumentos de profissão, proventos do trabalho de cada um e pensões em geral). Como apontado

65 CC/2002, “Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e
futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte.”

30
no estudo da comunhão parcial de bens, as duas últimas previsões merecem interpretação restritiva.
Quanto aos frutos, são eles comunicáveis, mesmo que sejam retirados de bens incomunicáveis,
mas desde que vençam ou sejam percebidos na constância do casamento (art. 1.669 do CC). Para
ilustrar, os aluguéis retirados por um dos cônjuges em relação a um imóvel recebido com cláusula
de incomunicabilidade são comunicáveis.

Quanto à administração dos bens na comunhão universal, devem ser aplicadas as mesmas regras
vistas para a comunhão parcial66. Desse modo, os arts. 1.66367, 1.66568 e 1.66669 do CC subsumem-
se à comunhão universal de bens.

Por derradeiro, sendo extinta a comunhão pela dissolução do casamento e sendo efetuada a
divisão do ativo e do passivo entre as partes, cessará a responsabilidade de cada um para os credores
do outro70. Obviamente, sobre uma eventual dívida que surja após o fim da união, mas cuja origem
está no período da vida em comunhão, haverá responsabilidade do cônjuge.

5.12.4. SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS

O regime da separação convencional de bens tem origem


em pacto antenupcial.

Como regra básica do regime, não haverá a comunicação


de qualquer bem, seja posterior ou anterior à união,
cabendo a administração desses bens de forma exclusiva a
cada um dos cônjuges71. Justamente por isso, cada um dos
cônjuges poderá alienar ou gravar com ônus real os seus
bens mesmo sendo imóveis, nas hipóteses em que foi
convencionada a separação de bens.

66 CC/2002, “Art. 1.670. Aplica-se ao regime da comunhão universal o disposto no Capítulo antecedente, quanto à
administração dos bens.”
67 CC/2002, “Art. 1.663. A administração do patrimônio comum compete a qualquer dos cônjuges”
68 CC/2002, “Art. 1.665. A administração e a disposição dos bens constitutivos do patrimônio particular competem

ao cônjuge proprietário, salvo convenção diversa em pacto antenupcial.”


69 CC/2002, “Art. 1.666. As dívidas, contraídas por qualquer dos cônjuges na administração de seus bens particulares

e em benefício destes, não obrigam os bens comuns.”


70 CC/2002, “Art. 1.671. Extinta a comunhão, e efetuada a divisão do ativo e do passivo, cessará a responsabilidade

de cada um dos cônjuges para com os credores do outro.”


71 CC/2002, “Art. 1.687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada

um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real.”

31
Esclareça-se que não se aplica à separação convencional de bens a Súmula n. 377 do STF, como
bem decidiu recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, que cita esta obra. Nos termos de
trecho de sua ementa, que diz respeito à união estável, “o pacto realizado entre as partes, adotando
o regime da separação de bens, possui efeito imediato aos negócios jurídicos a ele posteriores,
havidos na relação patrimonial entre os conviventes, tal qual a aquisição do imóvel objeto do litígio,
razão pela qual este não deve integrar a partilha. Inaplicabilidade, in casu, da Súmula 377 do STF,
pois esta se refere à comunicabilidade dos bens no regime de separação legal de bens (prevista no
art. 1.641, CC), que não é caso dos autos. O aludido verbete sumular não tem aplicação quando as
partes livremente convencionam a separação absoluta dos bens, por meio de contrato antenupcial.
Precedente” (STJ, REsp, 1,481,888/SP, 4.ª Turma, Rel. Min. Marco Buzzi, j. 10.04.2018, DJe
17.04.2018). Como não poderia ser diferente, a afirmação vale igualmente para o casamento.

Como se nota, normalmente, nada muda no regime na questão patrimonial. Porém, seja na
separação convencional ou na separação obrigatória de bens, ambos os cônjuges são obrigados a
contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos do seu trabalho e de seus bens,
salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial72.

Mesmo sendo clara a norma, no sentido de que cabe regra em contrário no pacto, conclui-se
que a convenção não pode trazer situação de enorme desproporção, no sentido de que o cônjuge
em pior condição financeira terá que arcar com todas as despesas da união. Essa patente
onerosidade excessiva gera a nulidade absoluta da cláusula constante da convenção antenupcial 73.

5.12.5. PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS

Como regra fundamental do regime, durante o casamento há uma separação convencional de


bens, e, no caso de dissolução da sociedade conjugal, algo próximo de uma comunhão parcial de
bens. Finda a união, cada cônjuge terá direito a uma participação daqueles bens para os quais
colaborou para a aquisição, devendo provar o esforço patrimonial para tanto, cabendo o direito à
metade dos bens adquiridos a título oneroso durante a união.74

72 CC/2002, “Art. 1.688. Ambos os cônjuges são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos
rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial.”
73 CC/2002, “Art. 1.655. É nula a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta de lei”
74 CC/2002, “Art. 1.672. No regime de participação final nos aqüestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio,

consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos
bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento”

32
Isso porque se forem levados em conta como
momentos antes do casamento e depois do casamento
– como nos outros regimes –, nada muda, pois há uma
separação convencional de bens durante a união.
Vejamos:

Deve ficar claro que os bens de participação não se


confundem com a meação, pois a última independe da
prova de esforço comum para a comunicação. Sendo
assim, como aponta Silmara Juny Chinellato, há
equívoco nos dispositivos que fazem uso do termo
meação75, 76 e 77. Diante disso, onde se lê meação, deve-se entender participação.

Integram o patrimônio próprio ou particular os bens que cada cônjuge possuía ao casar e os por
ele adquiridos, a qualquer título, na constância do casamento. A administração desses bens é
exclusiva de cada cônjuge, que os poderá livremente alienar, se forem móveis, na constância da
união78. Nesse comando é que reside diferença fundamental em relação à comunhão parcial, pois
no último caso os bens adquiridos durante a união, em regra, presumem-se de ambos.

Porém, ocorrendo a dissolução do casamento e da sociedade conjugal, deverá ser apurado o


montante dos aquestos (parte comunicável), excluindo-se da soma dos patrimônios próprios, nos
termos do art. 1.674 do CC: Os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram
(substituição real ou objetiva); Os bens que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou
liberalidade; As dívidas relativas a esses bens.

Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos durante o casamento os bens móveis 79 (art.
1.674, parágrafo único, do CC). Nesse último ponto, está presente proximidade a comunhão
parcial, havendo uma presunção relativa (iuris tantum) de participação.

75 CC/2002, “Art. 1.676. Incorpora-se ao monte o valor dos bens alienados em detrimento da meação, se não houver
preferência do cônjuge lesado, ou de seus herdeiros, de os reivindicar.”
76 CC/2002, “Art. 1.678. Se um dos cônjuges solveu uma dívida do outro com bens do seu patrimônio, o valor do

pagamento deve ser atualizado e imputado, na data da dissolução, à meação do outro cônjuge.”
77 CC/2002, “Art. 1.682. O direito à meação não é renunciável, cessível ou penhorável na vigência do regime

matrimonial.”
78 CC/2002, “Art. 1.673. Integram o patrimônio próprio os bens que cada cônjuge possuía ao casar e os por ele

adquiridos, a qualquer título, na constância do casamento.”


79 CC/2002, “Art. 1.674. Sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal, apurar-se-á o montante dos aqüestos,

excluindo-se da soma dos patrimônios próprios: (...) Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-se
adquiridos durante o casamento os bens móveis.”

33
Ao se determinar o montante dos aquestos, será computado o valor das doações feitas por um
dos cônjuges, sem a necessária autorização do outro80 (art. 1.675 do CC). Nesse caso, o bem poderá
ser reivindicado pelo cônjuge prejudicado ou por seus herdeiros; ou declarado no monte partilhável
por valor equivalente ao da época da dissolução. Mais uma vez, apesar da lei falar em reivindicação,
anote-se que, realizada a doação sem a outorga conjugal, o ato é anulável, sujeita a ação anulatória
a prazo decadencial de dois anos81 e 82.

O valor dos bens alienados em detrimento da meação (ou melhor, da participação) deve ser
incorporado ao monte partível, se não houver preferência do cônjuge lesado, ou de seus herdeiros,
de reivindicá-los83. Como se pode notar, o regime é justo, pela valorização do trabalho, mas de
difícil aplicação prática diante de sua complexidade. No que tange às dívidas posteriores ao
casamento, contraídas por um dos cônjuges, somente este responderá, salvo prova de terem
revertido, parcial ou totalmente, em benefício do outro ou do casal 84 (art. 1.677 do CC).

Se um dos cônjuges solveu uma dívida do outro com bens do seu patrimônio, o valor do
pagamento deve ser atualizado e imputado, na data da dissolução, à meação do outro cônjuge85.
Isso deverá ser provado por quem alega o pagamento da dívida, como, por exemplo, por meio de
recibos ou notas fiscais, que devem ser guardados por aquele que fez o desembolso.

Para essa prova, é possível até que um cônjuge exija recibo do outro, o que demonstra a
inviabilidade do regime, diante do espírito de conduta do brasileiro. Essa exigência, nos comuns
relacionamentos de nosso País, até pode motivar a separação do casal.

Além dessas regras de divisão, “no caso de bens adquiridos pelo trabalho conjunto, terá cada
um dos cônjuges uma quota igual no condomínio ou no crédito por aquele modo estabelecido” 86.

80 CC/2002, “Art. 1.675. Ao determinar-se o montante dos aqüestos, computar-se-á o valor das doações feitas por
um dos cônjuges, sem a necessária autorização do outro; nesse caso, o bem poderá ser reivindicado pelo cônjuge
prejudicado ou por seus herdeiros, ou declarado no monte partilhável, por valor equivalente ao da época da
dissolução.”
81 CC/2002, “Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro,

exceto no regime da separação absoluta”


82 CC/2002, “Art. 1.649. A falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária (art. 1.647), tornará anulável

o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade
conjugal.”
83 CC/2002, “Art. 1.676. Incorpora-se ao monte o valor dos bens alienados em detrimento da meação, se não houver

preferência do cônjuge lesado, ou de seus herdeiros, de os reivindicar.”


84 CC/2002, “Art. 1.677. Pelas dívidas posteriores ao casamento, contraídas por um dos cônjuges, somente este

responderá, salvo prova de terem revertido, parcial ou totalmente, em benefício do outro.”


85 CC/2002, “Art. 1.678. Se um dos cônjuges solveu uma dívida do outro com bens do seu patrimônio, o valor do

pagamento deve ser atualizado e imputado, na data da dissolução, à meação do outro cônjuge.”
86 CC/2002, “Art. 1.679. No caso de bens adquiridos pelo trabalho conjunto, terá cada um dos cônjuges uma quota

igual no condomínio ou no crédito por aquele modo estabelecido.”

34
Em regra, vale a divisão igualitária, o que comporta prova em contrário no sentido de que houve
uma colaboração superior à metade do valor do bem.

As coisas móveis, em face de terceiros, presumem-se do domínio do cônjuge devedor, salvo se


o bem for de uso pessoal do outro87. Ilustre-se com a hipótese em que um dos cônjuges assina
contrato de financiamento para aquisição de um veículo. Perante o credor, o bem é do cônjuge que
constar do contrato.

Por outra via, os bens imóveis são de propriedade do cônjuge cujo nome constar no registro,
salvo impugnação dessa titularidade, cabendo ao cônjuge proprietário o ônus de provar a aquisição
regular dos bens de forma individual88.

Nota-se que no último caso o ônus de provar não é de quem alega o domínio, mas daquele cuja
titularidade consta do registro, havendo uma inversão do ônus da prova. A regra é injusta, diante
da dificuldade de prova, podendo-se falar em prova diabólica. Em suma, recomenda-se que,
durante o regime, um cônjuge solicite ao outro uma declaração, de que o bem imóvel foi adquirido
somente por seus recursos. Mais uma vez, essa exigência documental pode desestabilizar o
relacionamento.

O direito à meação nesse regime é irrenunciável, incessível e impenhorável 89. Mais uma vez,
repise-se, na esteira da melhor doutrina, que onde se lê meação, deve-se entender participação.

Em havendo dissolução do casamento, será verificado o montante dos aquestos à data em que
cessou a convivência, o que objetiva evitar fraudes por aquele que detêm a titularidade ou a posse
do bem partível90. Não sendo possível nem conveniente a divisão de todos os bens em natureza,
calcular-se-á o valor de alguns ou de todos para a reposição em dinheiro ao cônjuge não
proprietário. Por fim, não sendo possível realizar a reposição em dinheiro, serão avaliados e,
mediante autorização judicial, alienados tantos bens quantos bastarem para o pagamento das
respectivas quotas91. As mesmas premissas servem se o casamento for dissolvido por morte, com

87 CC/2002, “Art. 1.680. As coisas móveis, em face de terceiros, presumem-se do domínio do cônjuge devedor, salvo
se o bem for de uso pessoal do outro.”
88 CC/2002, “Art. 1.681. Os bens imóveis são de propriedade do cônjuge cujo nome constar no registro.”
89 CC/2002, “Art. 1.682. O direito à meação não é renunciável, cessível ou penhorável na vigência do regime

matrimonial.”
90 CC/2002, “Art. 1.683. Na dissolução do regime de bens por separação judicial ou por divórcio, verificar-se-á o

montante dos aqüestos à data em que cessou a convivência.”


91 CC/2002, “Art. 1.684. Se não for possível nem conveniente a divisão de todos os bens em natureza, calcular-se-á o

valor de alguns ou de todos para reposição em dinheiro ao cônjuge não-proprietário.”

35
a ressalva de que a herança deve ser deferida na forma estabelecida no capítulo que regulamenta o
Direito Sucessório.

Como última regra a ser comentada, as dívidas de um dos cônjuges, quando superiores à sua
meação, não obrigam ao outro, ou a seus herdeiros, o que complementa as primeiras regras básicas
quanto ao regime aqui comentadas92. Em conclusão, percebe-se que o regime não é de fácil
aplicação, do ponto de vista operacional, em razão das intrincadas questões que dele suscitam e
dos conflitos que pode gerar aos cônjuges.

92
CC/2002, “Art. 1.686. As dívidas de um dos cônjuges, quando superiores à sua meação, não obrigam ao outro,
ou a seus herdeiros.”

36
6. UNIÃO ESTÁVEL

É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada
na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de
família.93

Sobre os elementos caracterizadores da união estável, pode-se citar: publicidade; continuidade;


estabilidade; objetivo de constituição de família.

O primeiro elemento caracterizador essencial da união estável é a publicidade da convivência.


Com efeito, não é razoável se imaginar que um relacionamento que se trava de maneira furtiva
possa ser considerado um núcleo familiar. A ideia de o casal ser reconhecido socialmente como
uma família, em uma convivência pública, é fundamental para a demonstração, eventualmente
judicial, da existência de uma união estável. Atenta contra tal ideia a concepção de um
relacionamento “clandestino”. Esse elemento permite diferenciar a união estável, por exemplo, de
um “caso”, relacionamento amoroso com interesse predominantemente sexual.

Outro importante elemento caracterizador da união estável é o seu caráter contínuo.


Relacionamentos fugazes, sem animus de permanência e definitividade, por mais intensos que
sejam, não têm o condão de se converter em uma modalidade familiar. Este é um elemento que
permite diferenciar, à primeira vista, a união estável de um mero namoro, ainda que se reconheça
que há certos namoros que, de tão longos, são conhecidos, jocosamente, como “casamentos por
usucapião”, o que, obviamente, não se reconhece como fato que origine efeitos jurídicos, salvo na
hipótese de uma legítima e inquestionável expectativa de constituição de família.

A união estável não se coaduna com a eventualidade, pressupondo a convivência contínua,


sendo, justamente por isso, equiparada ao casamento em termos de reconhecimento jurídico.

O terceiro elemento essencial para a caracterização da união estável é a convivência duradoura


entre os sujeitos. A exigibilidade dessa circunstância é intuída até mesmo do adjetivo “estável” que
qualifica essa relação.

O principal e inafastável elemento para o reconhecimento da união estável, sem sombra de


dúvidas, é o teleológico ou finalístico: o objetivo de constituição de família. Isso porque o casal que
vive uma relação de companheirismo realiza a imediata finalidade de constituir uma família, como
se casados fossem. ssa aparência de casamento, essa finalidade de constituição de um núcleo estável

93
CC/2002, “Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada
na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”

37
familiar é que deverá ser investigada em primeiro lugar, pelo intérprete, ao analisar uma relação
apontada como de união estável.Trata-se da essência do instituto no novo sistema
constitucionalizado, diferenciando uma união estável de uma relação meramente obrigacional.

Compreendidos os elementos essenciais para a caracterização da união estável, passemos a


enfrentar, alguns outros elementos que, embora acidentais, auxiliam em sua caracterização.

Chamamos de elementos acidentais as circunstâncias de fato que, embora não sejam essenciais
para a caracterização da união estável, facilitam a sua demonstração judicial, reforçando
imensamente a tese da sua existência.

É o caso do tempo de convivência, a existência de prole ou a exigência de coabitação.

Note-se, de logo, no vigente sistema codificado civil, não haverem sido consagrados critérios
objetivos para o reconhecimento do vínculo, diferentemente do que fizera a Lei n. 8.971 de 1994,
a qual exigiu um tempo mínimo de convivência (mais de 5 anos) ou a existência de prole comum.

A configuração da união estável, portanto, no Código Civil de 2002, na mesma vereda da Lei n.
9.278 de 1996, poderá se dar qualquer que seja o tempo de união do casal e, bem assim, quer
existam ou não filhos comuns. Se, por um lado, levanta-se o argumento crítico no sentido da
insegurança gerada pela ausência de um critério temporal, por outro, afirma-se que a exigência de
um lapso mínimo desembocaria em situações de inequívoca injustiça, a exemplo do casal que não
teve a união estável reconhecida por terem desfeito o vínculo dias antes de atingirem o limite
mínimo de tempo.

E, nesse contexto, cumpre-nos acrescentar ainda que a coabitação - entendida como a


convivência sob o mesmo teto - também não se afigura indispensável, posição já consolidada há
muito no próprio Supremo Tribunal Federal: Súmula 382. “A vida em comum sob o mesmo teto,
‘more uxorio’, não é indispensável à caracterização do concubinato”. Na linha de entendimento
desta súmula, conclui-se que, mesmo vivendo em casas separadas, o casal pode haver constituído
a união estável.

O legislador brasileiro é categórico ao afirmar que a união estável não se constituirá caso
concorram qualquer dos impedimentos constantes no art. 1.521, já estudados no tópico de
impedimentos, porém com uma diferença94:

94
CC/2002, “Art. 1.723. (...) §1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não
se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.”

38
Assim, uma relação entre dois irmãos ou qualquer outra forma incestuosa - impedidos, portanto,
de casar - não subsumiria no conceito de união estável, desembocando na árida regulamentação do
simples concubinato.

Mas, note-se que, de acordo com a ressalva constante na parte final do dispositivo, não
configurará óbice ao reconhecimento da união estável o fato de um dos companheiros ainda estar
oficialmente casado, desde que esteja separado de fato ou judicialmente. Quer-se com isso dizer
que pessoas casadas, uma vez separadas de fato ou mediante sentença judicial, embora ainda
impedidas de convolarem novas núpcias, já podem constituir união estável.

Frise-se ainda que, a teor do § 2.º do art. 1.723, as causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão
a caracterização da união estável95. Configurada qualquer dessas causas, impõe-se ao casal a adoção
necessária do regime de separação obrigatória de bens.

Nesse diapasão, como dito, para aqueles que convivam em união estável, essa normatização
impositiva não se lhes aplicaria.

6.1. REGIME DE BENS NA UNIÃO ESTÁVEL

É possível a celebração de um contrato que regule aspectos patrimoniais da união estável —


como o direito aos alimentos ou à partilha de bens —, não sendo lícita, outrossim, a declaração
que, simplesmente, descaracterize a relação concubinária, em detrimento da realidade. A Lei Civil
de 2002, diferentemente do que se poderia imaginar, não inovou na matéria. Manteve a sistemática
da Lei de 1996, ao não utilizar critérios objetivos para o reconhecimento da união. A novidade de
maior relevo foi a adoção expressa do regime de comunhão parcial de bens do casamento,
ressalvada a celebração de um contrato escrito que discipline a divisão patrimonial dos conviventes.

95
CC/2002, “Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada
na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.(...) §2º As causas
suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.”

39
7. BEM DE FAMÍLIA

Segundo Flavio Tartuce bem de família pode ser conceituado como “o imóvel utilizado como
residência da entidade familiar, decorrente de casamento, união estável, entidade monoparental, ou
entidade de outra origem, protegido por previsão legal específica.”

Já Pablo Stolze define bem de família como “o bem jurídico cuja titularidade se protege em
benefício do devedor — por si ou como integrante de um núcleo existencial —, visando à
preservação do mínimo patrimonial para uma vida digna. A proteção tem por base, em primeiro
plano, o direito constitucional à moradia, tutelando, nessa linha, também, a própria família.”

Pode ser dividido entre bem de família convencional ou voluntário e bem de família legal.

7.1 BEM DE FAMÍLIA CONVENCIONAL

O bem de família convencional ou voluntário pode ser instituído pelos cônjuges, pela entidade
familiar ou por terceiro, mediante escritura pública ou testamento, não podendo ultrapassar essa
reserva um terço do patrimônio líquido das pessoas que fazem a instituição 96. O limite estabelecido
pela legislação visa a proteger eventuais credores. Ainda pelo que consta da parte final desse
dispositivo, o bem de família convencional não revogou o bem de família legal, coexistindo ambos
em nosso ordenamento jurídico. No caso de instituição por terceiro, devem os cônjuges aceitar
expressamente o benefício.

Para que haja a proteção prevista em lei, é necessário que o bem seja imóvel residencial, rural
ou urbano, incluindo a proteção a todos os bens acessórios que o compõem, caso inclusive das
pertenças97. A proteção poderá abranger valores mobiliários, cuja renda seja aplicada na
conservação do imóvel e no sustento da família.

Constituindo novidade, os valores mobiliários não poderão exceder o valor do prédio instituído,
diante da sua flagrante natureza acessória. Tais valores, ademais, devem ser individualizados no

96 CC/2002, “Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar
parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente
ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei
especial.”
97 CC/2002, “Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e

acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda
será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.”

40
instrumento de instituição do bem de família convencional. Se se tratar de títulos nominativos, a
sua instituição como bem de família também deverá constar dos respectivos livros de registro 98.

Eventualmente, o instituidor da proteção pode determinar que a administração desses valores


seja confiada a uma instituição financeira, bem como disciplinar a forma de pagamento das rendas
a todos os beneficiários99. Nessas hipóteses, a responsabilidade dos administradores obedecerá às
regras previstas para o contrato de depósito voluntário (arts. 627 a 646 do CC).

A instituição do bem de família convencional deve ser efetuada por escrito e registrada no
Cartório de Registro de Imóveis do local em que o mesmo está situado 100. Em todos os casos, pela
regra especial e expressa do art. 1.711 do CC, há necessidade de escritura pública ou testamento,
não importando o valor do imóvel. Assim, não merecerá aplicação o art. 108 do CC, que dispensa
a elaboração de escritura pública nos negócios envolvendo imóveis com valor igual ou inferior a
trinta salários mínimos.

Com a instituição do bem de família convencional ou voluntário, o prédio se torna inalienável


e impenhorável, permanecendo isento de execuções por dívidas posteriores à instituição.
Entretanto, tal proteção não prevalecerá nos casos de dívidas com as seguintes origens 101: dívidas
anteriores à sua constituição, de qualquer natureza; dívidas posteriores, relacionadas com tributos
relativos ao prédio, caso do IPTU (obrigações propter rem ou ambulatórias); despesas de
condomínio (outra típica obrigação propter rem ou ambulatória), mesmo posteriores à instituição.

Destaque-se que essas são as exceções relativas ao bem de família convencional, não se
confundido com aquelas previstas para o bem de família legal (art. 3.º da Lei 8.009/1990).

O parágrafo único, do art. 1.715 do CC102, está em sintonia com a proteção da pessoa, prevendo
que, no caso de execução dessas dívidas, o saldo existente deva ser aplicado em outro prédio, como

98 CC/2002, “Art. 1.713. Os valores mobiliários, destinados aos fins previstos no artigo antecedente, não poderão
exceder o valor do prédio instituído em bem de família, à época de sua instituição.
§1º Deverão os valores mobiliários ser devidamente individualizados no instrumento de instituição do bem de família.
§2º Se se tratar de títulos nominativos, a sua instituição como bem de família deverá constar dos respectivos livros de
registro.”
99 CC/2002, “Art. 1.713. Os valores mobiliários, destinados aos fins previstos no artigo antecedente, não poderão

exceder o valor do prédio instituído em bem de família, à época de sua instituição. (...) §3º O instituidor poderá
determinar que a administração dos valores mobiliários seja confiada a instituição financeira, bem como disciplinar a
forma de pagamento da respectiva renda aos beneficiários, caso em que a responsabilidade dos administradores
obedecerá às regras do contrato de depósito.”
100 CC/2002, “Art. 1.714. O bem de família, quer instituído pelos cônjuges ou por terceiro, constitui-se pelo registro

de seu título no Registro de Imóveis.”


101 CC/2002, “Art. 1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que

provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio.”


102 CC/2002, “Art. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que

provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio. Parágrafo único. No caso de execução

41
bem de família, ou em títulos da dívida pública, para sustento familiar, a não ser que motivos
relevantes aconselhem outra solução, a critério do juiz.

A inalienabilidade é regra geral103, sendo somente possível a alienação do referido bem mediante
consentimento dos interessados (membros da entidade familiar), e de seus representantes, ouvido
o Ministério Público. Como fica claro pelo dispositivo, a possibilidade de alienação depende de
autorização judicial, sendo relevantes os motivos para tanto.

Eventualmente, comprovada a impossibilidade de manutenção do bem de família convencional,


poderá o juiz, a requerimento dos interessados, extingui-lo ou autorizar a sub-rogação real de bens
que o constituem em outros, ouvido o instituidor e o Ministério Público. Trata-se de uma hipótese
de dissolução judicial do bem protegido104.

No que concerne à sua administração, salvo previsão em contrário, cabe a ambos os cônjuges
ou companheiros, sendo possível a intervenção judicial, em caso de divergência. Traz também uma
tendência de judicialização dos conflitos conjugais, pois o juiz irá decidir sobre a questão que
interessa aos membros da entidade familiar. É importante a constatação de que essa tendência não
é a atual, de fuga do Judiciário, o que pode ser captado pela leitura do Novo Código de Processo
Civil, pela valorização da desjudicialização em vários de seus comandos. No caso de falecimento
de ambos os cônjuges, a administração caberá ao filho mais velho, se ele for maior. Caso contrário,
a administração caberá a seu tutor105.

A instituição dura até que ambos os cônjuges faleçam, sendo que, se restarem filhos menores
de 18 anos, mesmo falecendo os pais, a instituição perdura até que todos os filhos atinjam a
maioridade106. Mais uma vez se percebe a intenção do legislador de proteger a célula familiar.
Todavia, a extinção do bem de família convencional não afasta a impenhorabilidade prevista na Lei
8.009/1990.

pelas dívidas referidas neste artigo, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos
da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz.”
103 CC/2002, “Art. 1.717. O prédio e os valores mobiliários, constituídos como bem da família, não podem ter destino

diverso do previsto no art. 1.712 ou serem alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes
legais, ouvido o Ministério Público.”
104 CC/2002, “Art. 1.719. Comprovada a impossibilidade da manutenção do bem de família nas condições em que foi

instituído, poderá o juiz, a requerimento dos interessados, extingui-lo ou autorizar a sub-rogação dos bens que o
constituem em outros, ouvidos o instituidor e o Ministério Público.”
105 CC/2002, “Art. 1.720. Salvo disposição em contrário do ato de instituição, a administração do bem de família

compete a ambos os cônjuges, resolvendo o juiz em caso de divergência. Parágrafo único. Com o falecimento de
ambos os cônjuges, a administração passará ao filho mais velho, se for maior, e, do contrário, a seu tutor.
106
CC/2002, “Art. 1.716. A isenção de que trata o artigo antecedente durará enquanto viver um dos cônjuges, ou, na
falta destes, até que os filhos completem a maioridade.”

42
A dissolução da sociedade conjugal, por divórcio, morte, inexistência, nulidade ou anulabilidade
do casamento, não extingue o bem de família convencional. Dissolvida a sociedade conjugal por
morte de um dos cônjuges, o sobrevivente poderá pedir a extinção da proteção, se for o único bem
do casal107. Porém, mais uma vez, a extinção do bem de família voluntário ou convencional não
afasta a proteção da lei específica.

Por fim, enuncia o art. 1.722 do CC que se extingue o bem de família convencional com a morte
de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos à curatela 108. Pela terceira
vez elucidando, essa extinção não impede a aplicação da proteção constante da Lei 8.009/1990,
sobre a qual se começa a tratar.

7.2 BEM DE FAMÍLIA LEGAL

O bem de família legal encontra-se na Lei 8.009/90, prevendo o seu art. 1.º que “O imóvel
residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer
tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges
ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas
nesta lei”. Trata-se de importante norma de ordem pública que protege tanto a família quanto a
pessoa humana.

Isso justifica a Súmula 205 do STJ, segundo a qual a Lei 8.009/1990 tem eficácia retroativa,
atingindo as penhoras constituídas antes da sua entrada em vigor. Trata-se do que denominamos
retroatividade motivada ou justificada, em prol das normas de ordem pública. Sendo norma de
ordem pública no campo processual, a impenhorabilidade do bem de família legal pode ser
conhecida de ofício pelo juiz.

De toda sorte, nos termos do Novo CPC, antes do conhecimento de ofício, o julgador deve
ouvir as partes, instaurando o contraditório. Como é notório, o art. 10 do CPC/2015 veda as
chamadas decisões-surpresa, em prol da boa-fé objetiva processual, estabelecendo que “o juiz não
pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se

107 CC/2002, “Art. 1.721. A dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família. Parágrafo único.
Dissolvida a sociedade conjugal pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente poderá pedir a extinção do bem de
família, se for o único bem do casal.”
108 CC/2002, “Art. 1.722. Extingue-se, igualmente, o bem de família com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade

dos filhos, desde que não sujeitos a curatela.”

43
tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva
decidir de ofício”.

Ato contínuo, antes de arrematação do bem, a alegação de impenhorabilidade cabe por simples
petição, não sendo o caso de preclusão processual. Por fim, o bem de família é irrenunciável, ou
seja, o seu oferecimento à penhora não torna o bem objeto de constrição. Como se percebe, a
jurisprudência nacional vem entendendo que o bem de família legal acaba por quebrar alguns
paradigmas processuais, premissa que deve ser mantida com a emergência do Novo CPC,
especialmente pela regra contida no seu art. 8.º, que determina ao julgador levar em conta a
dignidade da pessoa humana ao aplicar o ordenamento jurídico. Ora, reafirme-se que uma das
aplicações desse princípio constitucional nas relações privadas diz respeito à proteção do bem de
família.

Em regra, a impenhorabilidade somente pode ser reconhecida se o imóvel for utilizado para
residência ou moradia permanente da entidade familiar, não sendo admitida a tese do simples
domicílio (art. 5.º, caput, da Lei 8.009/1990). O Superior Tribunal de Justiça, contudo, entende
que, no caso de locação do bem, utilizada a renda do imóvel para a mantença da entidade familiar
ou para locação de outro imóvel, a proteção permanece, o que pode ser concebido como um bem
de família indireto. A questão consolidou-se de tal forma que, em 2012, foi editada a Súmula 486
do STJ, in verbis: “é impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a
terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia
da sua família”. Entendeu-se, ainda, que a premissa igualmente vale para o caso de único imóvel
do devedor que esteja em usufruto, para destino de moradia de sua mãe, pessoa idosa.

Tal tendência de ampliação da tutela da moradia também pode ser retirada de aresto de data
mais próxima, publicado no Informativo n. 543 do STJ, ao deduzir que “constitui bem de família,
insuscetível de penhora, o único imóvel residencial do devedor em que resida seu familiar, ainda
que o proprietário nele não habite”. Nos termos da publicação do aresto, que conta com o total
apoio deste autor, “deve ser dada a maior amplitude possível à proteção consignada na lei que
dispõe sobre o bem de família (Lei 8.009/1990), que decorre do direito constitucional à moradia
estabelecido no caput do art. 6.º da CF, para concluir que a ocupação do imóvel por qualquer
integrante da entidade familiar não descaracteriza a natureza jurídica do bem de família” (STJ,
EREsp 1.216.187/SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 14.05.2014). O julgado menciona, ainda,
a proteção constitucional da família, encartada no art. 226, caput, do mesmo Texto Maior.

44
Na mesma esteira, igualmente dando uma interpretação extensiva à tutela da moradia, entende
o Tribunal da Cidadania que “o fato do terreno encontrar-se desocupado ou não edificado são
circunstâncias que sozinhas não obstam a qualificação do imóvel como bem de família, devendo
ser perquirida, caso a caso, a finalidade a este atribuída” (premissa 10, publicada na Ferramenta
Jurisprudência em Teses, Edição 44). Trata-se do que se pode denominar bem de família vazio.

Não se pode impor a penhorabilidade em casos semelhantes ou próximos ao do julgamento,


pois o fato de o imóvel encontrar-se vazio, desocupado, inabitado, não é imputável à conduta do
devedor, mas a ato ou omissão da administração pública. Sendo assim, a impenhorabilidade é
medida que se impõe, com vistas à proteção de um direito à moradia potencial, que se encontra
dormente no momento da discussão da penhora, mas que pode voltar a ter incidência concreta a
qualquer momento.

Como outra hipótese de interpretação extensiva da norma jurídica para a tutela da moradia, o
Superior Tribunal de Justiça concluiu ser impenhorável o imóvel objeto de alienação fiduciária em
garantia, em financiamento que ainda está sendo pago pelo devedor. Nos seus termos, que contam
com o nosso apoio doutrinário, “a regra da impenhorabilidade do bem de família legal também
abrange o imóvel em fase de aquisição, como aqueles decorrentes da celebração do compromisso
de compra e venda ou do financiamento de imóvel para fins de moradia, sob pena de impedir que
o devedor (executado) adquira o bem necessário à habitação da entidade familiar. Na hipótese,
tratando-se de contrato de alienação fiduciária em garantia, no qual, havendo a quitação integral da
dívida, o devedor fiduciante consolidará a propriedade para si, deve prevalecer a regra de
impenhorabilidade” (STJ, REsp 1.677.079/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j.
25.09.2018, DJe 1.º.10.2018).

A residência da entidade familiar pode ser comprovada pela juntada de comprovantes de


pagamento de contas de água, luz, gás e telefone, sendo certo que outros meios probatórios podem
conduzir o magistrado ao reconhecimento da penhorabilidade ou não (nesse sentido, ver: TJRS,
Acórdão 70006884670, Torres, 18.ª Câmara Cível, Rel. Des. Mario Rocha Lopes Filho, j.
11.12.2003).

No caso de a pessoa não ter imóvel próprio, a impenhorabilidade recai sobre os bens móveis
quitados que guarneçam a residência e que sejam da propriedade do locatário (art. 1.º, parágrafo
único, da Lei 8.009/1990). Os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos estão
excluídos da impenhorabilidade (art. 2.º). A penhorabilidade dos veículos de transporte, em visão
ampliada, atinge as vagas de garagem com matrícula própria, segundo a Súmula 449 do STJ (“A

45
vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de família
para efeito de penhora”). A súmula merece críticas, pois diante do princípio da gravitação jurídica
(o acessório segue o principal), se a impenhorabilidade atinge o imóvel do mesmo modo deve
atingir a vaga de garagem. Nas situações concretas de imóvel locado, a impenhorabilidade atinge
também os bens móveis do locatário, quitados, que guarneçam a sua residência (art. 2.º, parágrafo
único, da Lei 8.009/1990).

7.3. EXCEÇÕES À IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA

A impenhorabilidade, como dispõe o art. 3.º da Lei n. 8.009/90109, é oponível “em qualquer
processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista, ou de outra natureza”, salvo se movido
(exceções à impenhorabilidade legal): pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado
à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função
do respectivo contrato; pelo credor de pensão alimentícia; para a cobrança de impostos, predial ou
territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; para a execução de hipoteca
sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; por ter sido
adquirido com produto de crime ou para a execução de sentença penal condenatória a
ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; por obrigação decorrente de fiança concedida
em contrato de locação.

A Lei n. 8.245/91 (Lei do Inquilinato) acrescentou o inciso VII ao art. 3.º da Lei n. 8.009/90,
estabelecendo mais uma exceção à impenhorabilidade legal do bem de família: a obrigação
decorrente de fiança em contrato de locação. Em outras palavras: se o fiador for demandado pelo
locador, visando à cobrança dos aluguéis atrasados, poderá o seu único imóvel residencial ser
executado, para a satisfação do débito do inquilino.

Não ignorando que o fiador possa se obrigar solidariamente, o fato é que, na sua essência, a
fiança é um contrato meramente acessório, pelo qual um terceiro (fiador) assume a obrigação de

109L8.009/90, “Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária,
trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite
dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o
devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento,
indenização ou perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.”

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pagar a dívida, se o devedor principal não o fizer. Partindo-se da premissa de que as obrigações
do locatário e do fiador têm a mesma base jurídica - o contrato de locação - não é justo que o
garantidor responda com o seu bem de família, quando a mesma exigência não é feita para o
locatário. Isto é, se o inquilino, fugindo de suas obrigações, viajar para o interior da Bahia e comprar
um único imóvel residencial, este seu bem será impenhorável, ao passo que o fiador continuará
respondendo com o seu próprio bem de família perante o locador que não foi pago.

À luz do Direito Civil Constitucional - pois não há outra forma de pensar modernamente o
Direito Civil -, parece-nos forçoso concluir que tal dispositivo de lei viola o princípio da isonomia,
insculpido no art. 5.º, da CF, uma vez que trata de forma desigual locatário e fiador, embora as
obrigações de ambos tenham a mesma causa jurídica: o contrato de locação.

Infelizmente, todavia, o Supremo Tribunal Federal já firmou, em precedente jurisprudencial, a


possibilidade da penhora, conforme se verifica da seguinte ementa:

“Agravo Regimental no Recurso Extraordinário. Penhora. Fiador. Bem de Família.


Legitimidade. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE n. 407.688, decidiu pela
possibilidade de penhora do bem de família de fiador, sem violação do art. 6.º da Constituição do
Brasil. Agravo regimental a que se nega provimento” (RE-AgR 477953/SP Ag.Reg. no Recurso
Extraordinário, rel. Min. Eros Grau, julgado em 28-11-2006, 2.ª Turma). Tendendo tal precedente
a se consolidar, a disciplina judiciária imporá a sua observância.

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