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A RESPONSABILIDADE CIVIL DO CONJUGE PELA SOBRECARGA MENTAL

GERADA NA MÃE EM RAZÃO DA CRIAÇÃO DOS FILHOS

THE FATHER'S CIVIL RESPONSIBILITY FOR THE MENTAL OVERLOAD


GENERATED ON THE MOTHER DUE TO THE REASONING OF THE CHILDREN

Nathália Augusta Neves Bezerra Batista 1


Silnara Grazielle Ferreira Diniz 2
Bruno Morais Gomes de Oliveira 3

Resumo: Há socialmente enraizado o modelo padrão de formação familiar e,


portanto, papéis pré-moldados de como cada membro deve se portar e quais são
suas obrigações em se tratando da família. É sabido, também, que o modelo
tradicional respinga de machismo a mulher que é colocada, na maioria esmagadora
das vezes, como inferior à figura masculina. Paradoxalmente, é simples para o
homem se distanciar dos seus deveres, pois a sociedade, apesar de não o aplaudir,
não o castiga e não o exclui, fato corriqueiro com as raras mulheres que fazem o
que os homens fazem cotidianamente: não cuidar da própria prole. Este estudo,
portanto, se debruça em estudos sobre quais são as consequências geradas na
mulher que precisa assumir sozinha, uma responsabilidade que deveria ser
compartilhada e a análise de uma possível reparação civil em virtude da sobrecarga
mental e física sofrida.

Palavras-Chave: Maternidade. Machismo. Saúde mental.

Abstract: There is socially rooted the standard model of family formation and,
therefore, pre-shaped roles of how each member should behave and what their
obligations are when it comes to the family. It is also known that the traditional model
splashes with machismo the woman who is placed, in most cases, as inferior to the
male figure. Paradoxically, it is simple for a man to distance himself from his duties,
because society, despite not applauding him, does not punish him or exclude him, a
common fact with the rare women who do what men do daily: not take care of their
own offspring. This study, therefore, focuses on studies on what are the
consequences generated in the woman who needs to assume alone, a responsibility
that should be shared and the analysis of a possible civil reparation due to the mental
and physical overload suffered.

Keywords: Maternity. Chauvinism. Mental health.

1
Graduanda em Direito pela Universidade Potiguar. E-mail: nathalianbezerra@gmail.com
2
Graduanda em Direito pela Universidade Potiguar. E-mail: silnara_grazielle@hotmail.com
3
Professor orientador. Professor especialista. E-mail: bruno.morais@unp.com
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1. INTRODUÇÃO

A construção do modelo familiar tido como tradicional tem levantado


discussões nos últimos anos, de forma a provocar a sociedade a questionar toda a
legitimidade que lhe foi atribuída.
Com os holofotes voltados à problemática dos “novos” modelos familiares e
não convencionais, as pessoas passaram a interrogar, cada vez mais o modelo pai-
mãe-filhos, trazendo à tona questões que anteriormente não eram debatidas.
Desde muito tempo o homem é tido como provedor e isento de obrigações
domésticas. Por sua vez, as mulheres sempre tomaram para si - ainda que
involuntariamente - a obrigação de cuidar da casa, mantendo-a sempre limpa e em
ordem, com refeições pontualmente preparadas. Com a chegada dos filhos, a
obrigação de cuidar e educar também recaía unicamente sob os ombros da mãe,
tornando o seu dia a dia cada vez mais exaustivo.
Não obstante, no mundo moderno, as mulheres cada vez mais se qualificam e
se inserem no mercado de trabalho, não abandonando, no entanto, as outras tarefas
historicamente delegadas ao sexo feminino. O resultado são mães com dupla - e até
tripla - jornada de trabalho.
Em paralelo, os homens continuam apenas com a obrigação socialmente
imposta de prover o sustento de sua esposa e filhos. Dessa forma, a divisão de
tarefas torna-se demasiadamente onerosa à mulher, causando-lhe danos para além
da exaustão física.
Quando se fala em pais que se separam, a desigualdade de atribuições e
responsabilidade fica ainda mais evidente, uma vez que na maioria esmagadora das
vezes, os filhos ficam sob cuidado da mãe e um curto período de tempo com o pai -
isto é, quando fica.
Dessa forma, torna-se importante atentar-se à saúde mental dessas mulheres
que se encontram em uma maternidade solo - ainda que com companheiros - e
analisar em que medida os pais podem ser responsabilizados por sua omissão a fim
de que sejam mais presentes na criação de seus filhos.
No Brasil, mais de 5,5 milhões de crianças sequer possuem o nome do pai
em seu registro de nascimento. O número é resultado de uma cultura que relativiza
a responsabilidade paterna, dando aos homens a falsa opção de cuidar ou não de
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seus filhos. O inverso, por sua vez, não ocorre. As mulheres não possuem tamanha
“regalia”.
De acordo com a Primeiríssima Infância – Creche, dos casos analisados em
uma pesquisa divulgada no ano de 2017, constatou-se que 89% dos filhos de até 03
(três) anos de idade são cuidados pelas mães. O percentual supracitado indica a
disparidade no que tange ao cumprimento das obrigações com os filhos e ao tempo
dispensado pelas mães nessa função.
É evidente, portanto, que as mulheres ocupam sozinhas as obrigações que
deveriam ser partilhadas com os genitores, o que finda, inegavelmente, em uma
sobrecarga mental que tende a ocasionar problemas relacionados à saúde psíquica.
Em se tratando de casais que rompem seus relacionamentos e possuem
filhos, a mãe é especialmente exposta a situações de estresse, cansaço e
constrangimento - uma vez que mães solo ainda são subjugadas na sociedade
brasileira.
Faz-se necessário, então, que haja meios que visem, de alguma maneira,
equilibrar a balança e compensar as mulheres que cumprem sozinhas o papel de
duas pessoas, sacrificando inúmeras atividades e responsabilidades do cotidiano.
Desse modo, pensou-se em estudar a fundo a possibilidade de uma
responsabilização civil objetivando reparar a mulher e punir o homem que não
colabora com a criação da prole, onerando a mãe.
Neste presente projeto analisamos a medida da responsabilização civil dos
cônjuges em se tratando da sobrecarga mental que recai sobre as mães no tocante
à educação e mantença dos filhos e a possibilidade de reparação por via judicial.
Apresentando a possibilidade de responsabilização civil do cônjuge em um contexto
de sobrecarga materna, abordando o contexto histórico para que o modelo familiar
que ocupa exacerbadamente a mãe e isenta o cônjuge tenha sido normalizado e
ainda utilizado e explorando as possibilidades para que haja a responsabilização
civil dos pais por suas omissões.
Serão utilizadas como base do estudo a documentação indireta, por meio de
obras que tratam do tema, tais como livros, artigos científicos, jurisprudências,
monografias e a legislação civil e processual civil. Sendo esse tipo de pesquisa
indispensável por apresentar ao pesquisador uma gama de fenômenos mais amplos
sobre os acontecimentos. Após a leitura e interpretação dos dados, eles são
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expressão de maneira a facilitar o desenvolvimento e compreensão sobre o assunto


tratado.

2. O HISTÓRICO DA CONSTITUIÇÃO FAMILIAR

Torna-se importante, nos dias de hoje, dedicarmo-nos a refletir acerca das


estruturas familiares existentes desde a antiguidade até os dias de hoje, pois as
configurações familiares vêm se modificando em decorrência da cultura e também
das novas oportunidades de vida oferecidas aos seres humanos. Sendo assim,
pensar a construção de uma estrutura familiar nos remete ao estudo sobre a história
desta instituição chamada família na experiência do processo civilizatório ocidental.
Os estudos iconográficos realizados por Aries (1981) apresentam diferentes
imagens de formação familiar ao decorrer dos tempos. Cita momentos em que a
família encontrava-se agrupada de forma rígida, sem laços de afetividade.
Aries (1981) relata que a imagem da família era feita através de retratos, e no
primeiro destes retratos diz que “o marido apoia a mão esquerda no ombro da
mulher; a seus pés, uma das crianças repete o mesmo gesto, apoiando a mão no
ombro da irmãzinha. ” (P. 140). Os membros da família eram colocados juntos,
ligados apenas por gestos, com a intenção de expressar seus sentimentos, porém
não participavam de uma ação comum.
Já, no século XVI, as famílias eram retratadas em volta de uma mesa coberta
de frutas, ou então a família fazendo música, o que exprimia um grau maior de afeto;
e, a partir do século XVIII o retrato era feito através de uma cena mais real da
família:

A ideia essencial dos historiadores do direito e da sociedade é que os laços


de sangue não constituíam um único grupo, e sim dois, distintos embora
concêntricos: a família ou mesnie, que pode ser comparada à nossa família
conjugal moderna, e a linhagem, que estendia sua solidariedade a todos os
descendentes de um mesmo ancestral. Em sua opinião, haveria, mais do
que uma distinção, uma oposição entre a família e a linhagem: os
progressos de uma provocariam um enfraquecimento da outra, ao menos
entre a nobreza. (ARIÈS, 1981, p.143).

A família conjugal moderna seria uma consequência da evolução, sendo que


no fim da Idade Média enfraqueceram a linhagem e as tendências a não divisão.
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Surge, então, na iconografia um sentimento considerado novo, o sentimento


da família; esta família com mais sentimentos existia no silêncio, o que não era
considerado importante para inspirar poetas e artistas. “Daí em diante, a família não
é apenas vivida discretamente, mas é reconhecida como um valor e exaltada por
todas as forças da emoção. ” (ARIÈS, 1981, p. 152).
Esse sentimento foi construído em torno da família conjugal, formada por pais
e filhos, que não mais permitiu reunir mais de duas gerações em uma tela, e,
quando netos ou filhos casados eram retratados junto, isso se dava de forma
discreta, sempre ao fundo das telas.

Nada aí lembra a antiga linhagem, nada acentua a ampliação da família ou


a grande família patriarcal, essa invenção dos tradicionalistas do século
XIX. Essa família, ou a própria família, ou ao menos a idéia que se fazia de
família ou representa-la e exaltá-la, parece igual à nossa. O sentimento é o
mesmo. (ARIÈS, 1981, p. 152).

Foi através das atitudes que tomavam com as crianças que se tornou
possível retratar como as famílias agiam em cada época.
Até meados do século XV, as crianças permaneciam em casa até os sete ou
nove anos, idade em que os meninos deixavam de ser cuidados pelas mulheres e
ingressavam na escola ou no mundo dos adultos; estas crianças, meninos e
meninas, eram levados para as casas de outras pessoas, para aprender os serviços
pesados e os serviços domésticos. As crianças permaneciam nas casas de outras
famílias até completar de quatorze a dezoito anos; durante este período elas eram
chamadas de aprendizes. Os pais mandavam seus filhos para casas alheias, e
recebiam os filhos de outros casais em suas casas, atitude que se tornou comum no
Ocidente medieval.

Mais tarde, numerosos contratos de aprendizagem que confiavam crianças


a mestres provam como o hábito de entregar as crianças a famílias
estranhas era difundido. Às vezes, é especificado que o mestre deveria
“ensinar” a criança e “mostrar-lhe os detalhes de sua mercadoria”, ou que
deveria “faze-la frequentar a escola”. São casos particulares. De um modo
mais geral, a principal obrigação da criança assim confiada a um mestre era
“servi-lo bem e devidamente”. (ARIÈS, 1981, p. 155).

Sendo assim, o serviço doméstico era confundido com a aprendizagem,


como uma maneira de educar, pois a criança deveria aprender através da prática; e
era desta maneira que os mestres, que recebiam filhos de outros em suas casas,
transmitiam os seus conhecimentos, experiências e valores.
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A família era uma realidade moral e social, mais do que sentimental. No


caso de famílias muito pobres, ela não correspondia a nada além da
instalação material do casal no seio de um meio mais amplo, a aldeia, a
fazenda, o pátio ou a “casa” dos amos e dos senhores, onde esses pobres
passavam mais tempo do que em sua própria casa. [...]. Nos meios mais
ricos, a família se confundia com a prosperidade do patrimônio, a honra do
nome. A família quase não existia sentimentalmente entre os pobres, e
quando havia riqueza e ambição, o sentimento se inspirava no mesmo
sentimento provocado pelas antigas relações de linhagem. (ARIÈS, 1981, p.
158).

A partir do século XV, o sentimento da família se transformou. A educação


passou a ser fornecida pela escola, que deixou de ser instrumento dos clérigos para
se tornar um instrumento de iniciação social, era utilizada na passagem da infância
para o estado adulto.

Essa evolução correspondeu a uma necessidade nova de rigor moral da


parte dos educadores, a uma preocupação de isolar a juventude do mundo
sujo dos adultos para mantê-la na inocência primitiva, a um desejo de
treiná-la para melhor resistir às tentações dos adultos. Mas ela
correspondeu também a uma preocupação dos pais de vigiar seus filhos
mais de perto, de ficar mais perto deles e de não abandona-los mais,
mesmo temporariamente, aos cuidados de uma outra família. (ARIÈS, 1981,
p. 159).

Significa que a família estava se concentrando mais na criança e esta, por


sua vez, só deixava os pais para ir para uma escola distante.
A criança conquistou seu lugar junto dos pais entre o fim da Idade Média e os
séculos XVI e XVII. Ariès (1981) menciona: “Essa volta das crianças ao lar foi um
grande acontecimento: ela deu à família do século XVII sua principal característica,
que a distinguiu das famílias medievais. ” (P. 189). A criança passou a ser vista
como incluída para a vida cotidiana, e principalmente para os adultos, que
começaram a se preocupar com sua educação, com sua carreira e principalmente
com seu futuro.
Entretanto, a família do século XVII, não era a família moderna, era distinta
desta em função da grande massa de sociabilidade que conservava; ela estava nas
grandes casas, era vista como um centro de relações sociais, considerada por Ariès
(1981) “a capital de uma pequena sociedade complexa e hierarquizada, comandada
pelo chefe de família”. (P. 189).
Já a família moderna, faz o contrário, separar-se do mundo e opõe à
sociedade o grupo só (solitário) de pais e filhos; o grupo concentrava suas energias
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na promoção das crianças, cada uma delas particularmente, sem ambições


coletivas.

Essa evolução medieval para a família do século XVII e para a família


moderna durante muito tempo se limitou aos nobres, aos burgueses, aos
artesãos e aos lavradores ricos. Ainda no início do século XIX, uma grande
parte da população, a mais pobre e mais numerosa, vivia como as famílias
medievais, com as crianças afastadas da casa dos pais. O sentimento da
casa [...] não existia para eles. O sentimento da casa é uma outra face do
sentimento da família. A partir do século XVIII, e até nossos dias, o
sentimento da família modificou-se muito pouco. Ele permaneceu o mesmo
que observamos nas burguesias rurais ou urbanas do século XVIII. Por
outro lado, ele se estendeu cada vez mais a outras camadas sociais.
(ARIÈS, 1981, p. 189).

Até algum tempo atrás, o modelo de família existente era pai-mãe-prole. Este
era considerado o modelo ideal pelo seu modo dominante de pensar na sociedade.
Atualmente, segundo Ariès (1981) é possível observar diversos tipos de estrutura
familiar, decorrentes da cultura e dos novos padrões de relações humanas
existentes.
A família intitulada monogâmica é considerada um ponto de partida no
decorrer da história. Bock, Furtado e Teixeira (2002) citam:

Pesquisas realizadas pelo antropólogo americano L. H. Morgan (1818-1881)


demostraram que, desde a origem da humanidade, houve, sucessivamente:
a família consanguínea – intercasamento de irmãos e irmãs carnais e
colaterais no interior de um grupo; a família punaluana – o casamento de
várias irmãs, carnais e colaterais, com os maridos de cada uma das outras;
e, os irmãos também se casavam com as esposas de cada um dos irmãos.
Isto é, o grupo de homens era conjuntamente casado com o grupo de
mulheres; a família sindiásmica ou de casal – o casamento entre casais,
mas sem obrigação de morarem juntos. O casamento existia enquanto
ambos desejassem; a família patriarcal – o casamento de um só homem
com diversas mulheres; e, finalmente, a família monogâmica, que se funda
sobre o casamento de duas pessoas, com obrigação de coabitação
exclusiva... a fidelidade, o controle do homem sobre a esposa e os filhos, a
garantia de descendência por consanguinidade e, portanto, a garantia do
direito de herança aos filhos legítimos, isto é, a garantia da propriedade
privada. (P. 248).

Ainda citando Bock, Furtado e Teixeira (2002):

A família está inserida na base material da sociedade ou, dito de outro


modo, as condições históricas e as mudanças sociais determinam a forma
como a família irá se organizar para cumprir sua função social, ou seja,
garantir a manutenção da propriedade e do status quo das classes
superiores e a reprodução da força de trabalho – a procriação e a educação
do futuro trabalhador – das classes subalternas. (P. 248).
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A função social atribuída a esta instituição chamada família é a de transmitir


os valores culturais, os ideais dominantes da história, ou seja, tem a função de
educar as gerações seguindo os padrões dominantes e hegemônicos de valores e
condutas de uma cultura.
Forbes (2009) propõe: “A família de hoje se diferencia em um aspecto
fundamental da família de ontem: ela é fruto de uma era onde o laço social é
horizontal, enquanto, na anterior, era vertical. ” (P. 1). O momento anterior se
organizava de forma diferente com relação ao laço social, “organizava o laço social
em torno a símbolos maiores: na família o pai; na empresa, o chefe; na sociedade
civil, a pátria. ” (P. 1). A satisfação encontrava-se na proximidade com os ideais
propostos, o mundo era padronizado e o futuro era previsível, e é possível perceber
estes fatos principalmente na forma com que os pais se referiam a seus filhos; os
pais falavam com seus filhos utilizando as palavras “se, então”, “se não fizer tal
coisa, então não conseguirá outra”.

3. DIREITOS E DEVERES DE CRIAÇÃO DOS FILHOS

Antigamente, os romanos davam ao chefe de familia, o direito, inclusive, de


matar seu filho (jus vitae et necis), propaga-se esse poder até período da República,
mesmo que com algumas moderações. Contudo, apenas no século II, sob a
influência de Justiniano, os poderes do chefe de família fixaram-se aos direitos de
correção dos atos da prole.
Sobre o tema discorre Washington de Barros Monteiro:

O pátrio poder foi instituído perfeitamente organizado em Roma.


Primitivamente, no direito romano, a pátria potestas visava tão somente ao
exclusivo interesse do chefe de família. Nos primeiros tempos, os poderes
que se enfeixavam na autoridade do pai, tanto os de ordem pessoal como
os de ordem patrimonial, se caracterizavam pela sua larga extensão
(MONTEIRO, 2001, p. 287).

Se referente ao pessoal o pai exercia o direito de expor o filho ou matá-lo, jus


vitae et necis, de transferi-lo a outrem, in causa mancipi, ou mesmo de entregá-lo
como indenização, noxae deditio, no que se refere ao patrimonial, o filho, como o
escravo, não possuía nada próprio. Tudo que o filho conquistava, era para o pai,
principio que só não se estendia em relação às dívidas.
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Com o passar dos anos ouve uma grande mudança no instituto do pátrio
poder, acompanhando o avanço das relações familiares, distanciando-se de sua
função natural que era focada no interesse do chefe de família e no exercício de
poder dos pais sobre os filhos.
Essa evolução, restringiu os poderes concedidos ao chefe de família, sob o
aspecto pessoal, reduzindo o absolutismo opressivo dos pais a simples direito de
correção.
Atualmente o denominado poder familiar, chamado até 2002 de pátrio poder,
está previsto na Legislação Civil, Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002, cuja matéria
vem disciplinada nos artigos 1.630 a 1.689.
O centro do poder familiar resulta de uma necessidade natural do homem.
Constituída a família e nascidos os filhos, não basta prover os alimentos e deixá-los
crescer à lei da natureza, como os animais, é necessário educá-los e dirigi-los, com
a intenção de prover a proteção necessária nos primeiros anos de vida.
Sobre as necessidades dos seres humanos, ressalta Carlos Roberto
Gonçalves:
O ente humano necessita, durante sua infância, de quem o crie e eduque,
ampare e defenda, guarde e cuide dos seus interesses, em suma, tenha a
regência de sua pessoa e seus bens. As pessoas naturalmente indicadas
para o exercício dessa missão são os pais. A eles confere a lei, em
princípio, esse mistério, organizando-o no intuito do poder familiar
(GONÇALVES, 2006, p. 357).

A concepção de um filho é uma experiência gratificante, que vem


acompanhada de algumas responsabilidades. Os pais devem preparar o filho para a
vida, que consciente ou inconscientemente, repassa seus valores e sua visão de
mundo. A grande responsabilidade que os pais exercem para com seus filhos, é
inerente a um poder que é atribuído a tal.
O poder familiar pode ser denominado não como o exercício de uma
autoridade, mas sim, uma função imposta pela paternidade e maternidade,
decorrente de lei. Deste modo, entende-se que o poder familiar é um conjunto de
direitos e deveres confiados aos genitores para com sua prole, desde que os filhos
não sejam maiores ou emancipados.
Estabelece um direito da pessoa o poder familiar, deste modo não pode ser
alienado ou mesmo renunciado, delegado ou substabelecido. Em decorrência a tal
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particularidade, qualquer acordo em que o pai ou a mãe renuncie desse poder é


considerada nula.

3.1 DEVER DE CUIDADO DOS GENITORES

Como compromisso prioritário os pais devem, antes de tudo, assistir seus


filhos, na mais ampla e integral destreza de proteção, não apenas da função de
alimentar e manter, mas também, para mantê-los sob sua guarda, segurança e
companhia, assegurando todo o suporte necessário para conduzi-los ao completo
desenvolvimento, cabendo aos filhos a necessária obediência.
No passado, o poder familiar era exclusivamente exercido pelo pai, e ao
cônjuge varão era atribuída a chefia da sociedade conjugal, tornando possivel a sua
substituição apenas por motivo de sua ausência ou impedimento, diferentemente da
atualidade, onde não se é pensado na possibilidade de um pátrio poder
compartilhado
O poder inerente ao pai foi abolido pela Constituição da República Federativa
do Brasil, em seu artigo 226, parágrafo 5º, que relata: Art. 226 [...]§ 5º Os direitos e
deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e
pela mulher.

Percebe-se dessa forma que a igualdade dos cônjuges na chefia da


sociedade conjugal, cuja igualdade deve ser estendida aos companheiros da união
estável, e a qualquer outra forma de entidade familiar, somente passou a ser
consagrada com a publicação da atual Constituição Federal.
Os direitos e deveres atribuídos ao poder familiar, não são atribuídos
exclusivamente aos pais que constituíram família legitima, podendo ser exercido
somente pela mãe ou pelo pai, quando esses não forem casados.
O conteúdo do poder familiar encontra origem no artigo 229 da Constituição
Federal, ao comandar como dever inerente aos pais os de assistir, criarem e
educarem os filhos menores.
Sobre o dever dos pais preceitua a Constituição Federal:

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e
os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,
carência ou enfermidade.
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O poder familiar é um poder-dever dos pais para com seus filhos. Ao Estado
cabe a legitimidade de fiscalizar e defender os menores que nele vivem. Assim,
reserva-se o direito de fiscalizar o adimplemento de tal encargo, podendo suspender
ou excluir o poder familiar. Quando um ou ambos os genitores deixam de cumprir
seus deveres decorrentes do poder familiar, o estado pode e deve intervir.
A lei disciplina casos em que o titular, os pais, devem ser privados de seu
exercício temporariamente ou definitivamente.
Nesse sentido preceitua Paulo Lôbo (2010):

Por sua gravidade, a perda do poder familiar somente deve ser decidida
quando o fato que ensejar for de tal magnitude que ponha em perigo
permanente a segurança e a dignidade do filho. A suspensão do poder
familiar ou adoção de medidas eficazes devem ser preferidas à perda,
quando houver possibilidade de recomposição ulterior dos laços de
afetividade. A perda é imposta no melhor interesse do filho; de sua
decretação que lhe trouxe prejuízo, deve ser evitada (LÔBO, 2010, p. 305).

Deste modo temos sempre a criança e o adolescente protegidos pela


legislação, e dispomos de formas diferentes de preservar os interesses dos mesmos.
Sendo a suspensão e a extinção do poder familiar, sanções aplicadas aos genitores
pela infração dos deveres que incumbem aos responsáveis pelo exercício do poder
familiar, ainda que não sirva como pena ao pai faltoso. O intuito principal não é
punir, visa muito mais preservar o direito do menor, afastando influencias nocivas.
Diante de todo o exposto, pode ser considerado o poder familiar, uma
evolução do pátrio poder, que visa proteger o interesse do menor. Sendo então, o
poder familiar um múnus que deve ser exercido fundamentalmente no interesse do
filho menor, e o Estado pode interferir nessa relação, que em resumo, afeta a
entidade familiar.

3.1.1.O PAPEL DA MULHER NA CRIAÇÃO DOS FILHOS.

É perceptível que socialmente as mulheres tendem a abarcar mais tarefas


que os homens tanto no lar quanto na criação dos filhos, isto é, ainda que se procure
uma igualdade na divisão de tarefas, a presença da mãe ou mulher responsável
tende a ser mais capaz de influenciar a criança, por ser mais acentuada.
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São as mulheres as principais cuidadoras das crianças. Diversas pesquisas


apontam que a mãe tende a se envolver mais com a educação dos filhos
(GAUVIN; HUARD, 1999; STRIGHT; BALES, 2003), mesmo que alguns
estudos mencionem os pais como dividindo essas tarefas (WAGNER et
al., 2005). Historicamente percebe-se que, até a década de 1980 os pais
desempenhavam tarefas baseadas na divisão de papéis tradicionais,
segundo o gênero. A partir da década de 1980, os papéis parentais
passaram por modificações. No entanto, ainda se percebe que, em muitas
famílias, coexiste o modelo patriarcal (homem público; mulher privada, do
lar), no qual a principal cuidadora das crianças é a mulher (WAGNER et al.,
2005).

O aspecto materno, tanto socialmente quanto biologicamente tem um peso


maior do que o aspecto paterno, ou seja, espera-se mais da mulher do que do
homem quando se trata do cuidado depositado no desenvolvimento dos filhos.

4. A POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO CÔNJUGE

Como demonstrado em supra, a responsabilidade que recai sobre a


mãe/mulher responsável por uma criança sem a divisão de obrigações com o pai
acaba por ser excessiva, gerando uma sobrecarga mental e física, tendo em vista
que o dever que seria compartilhado, será exercido de maneira solitária.
Não obstante, as mães solo findam por tomar para si demasiadas
responsabilidades no campo afetivo e financeiro, o que pode vir a lhes causar,
inclusive, danos à saúde mental. Nesse sentido, será analisada a possibilidade de
reparação civil dos genitores que se desvencilham de suas responsabilidades como
pai, deixando-as somente para as mães.

4.1. DEVER X CUIDADO X OBRIGAÇÃO DE AMAR

A partir do momento que os filhos passam a ser os protagonistas nas relações


paterno filial, lhe são assegurados constitucionalmente, vários direitos, dentre eles, o
direito à vida, à saúde, educação, a dignidade, o respeito, à liberdade e à
convivência familiar, conforme assegura a Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988.
Cabe mencionar que independentemente da relação existente entre os pais, a
relação entre esses e seus filhos deve ser fundamentada principalmente na
paternidade responsável, dever jurídico este onde os pais são responsáveis pela
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criação adequada e pela dispensa dos cuidados necessários para o crescimento e


desenvolvimento de seus filhos (CARVALHO, 2019).
A responsabilidade dos pais frente aos filhos fundamenta-se em princípios
constitucionais, principalmente os declarados em seu artigo 229, que profere ser
dever dos pais assistir, criar e educar os filhos menores, importando que a
dissolução da relação entre os genitores, não implica na extinção dos deveres de
cuidado para com seus filhos (CARVALHO, 2019).
O dever de criação dos filhos que se inicia a partir da concepção, subsiste a
princípio, até a sua maioridade e consiste no provimento das necessidades
biopsíquicas do filho, ou seja, no atendimento às suas necessidades básicas, como
cuidados com sua saúde, apoio moral e psicológico, afeto, carinho, solidariedade, o
vestir, o abrigar, o alimentar e o cuidar de suas condições físicas e espirituais
(TEIXEIRA, 2005).
À assistência, se embute o dever de sustento, que é intrínseco ao poder
familiar, competindo aos pais proporcionar os recursos necessários para a
sobrevivência de seus filhos. Quanto ao dever de educar, este refere-se tanto ao
incentivo intelectual, quanto a oferta de condições indispensáveis para que os filhos
alcancem sua autonomia pessoal e profissional.
É a obrigação de proporcionar ao filho o desenvolvimento pleno de sua
personalidade, de forma a torná-lo apto para o exercício da cidadania e também
qualificá-lo para o trabalho, devendo sempre ser respeitado com exclusividade as
condições pessoais de cada um (TEIXEIRA, 2005).
Cabe ressaltar que o exercício dos deveres da autoridade parental, como a
criação, educação e assistência dos filhos, não é um ato de simples liberalidade,
mas sim, um comando imperativo cujo descumprimento é gerador potencial do
abandono moral, que deve ser compensado por meio de indenização (MORAES;
TEIXEIRA, 2016).

4.2. DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NA


PERSPECTIVA DE PAIS DIVORCIADOS

O art. 2º da Lei do Estatuto da Criança e do Adolescente considera criança


até 12 anos de idade e adolescentes entre 12 anos e 18 anos de idade incompletos.
Segundo Amin (2014) levou-se em conta o critério biológico para fixação do âmbito
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da aplicação do estatutário. Assim, é necessário abordar os direitos essenciais para


os jovens que garantem as condições para um viver digno e respeitável, uma vez
precisando de auxílio, a sociedade e o próprio Estado devem criar um ambiente
propício para o desenvolvimento saudável.
No âmbito do Estatuto da Criança e do Adolescente, os direitos fundamentais
da criança e do adolescente são divididos em: a) direito à vida e à saúde (art. 7 a
14), b) direito à liberdade, ao respeito e à dignidade (art. 15 a 18), c) direito à
convivência familiar e comunitária (art. 53 a 59), d) direito à educação, à cultura, ao
esporte e a lazer (art. 53 a 59) e e) direito à profissionalização e à proteção no
trabalho (art. 60 a 69). Além disso, vale destacar que esse rol é exemplificativo,
devendo ser aplicado em todos os campos, direitos fundamentais que também estão
destacados no art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, como assim dispõe:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do


poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária.

O direito à vida é um direito fundamental homogêneo considerado como


elementar e absoluto dos direitos, pois indispensável para o exercício dos demais. É
o direito de viver bem, desde o momento da formação do ser humano (Amin, 2014).
Trata-se de assegurar dignidade na forma de viver, seja ela propiciando uma
cadeira de rodas, transporte escolar e eventual cirurgia, todas as formas de
resguardar o sadio desenvolvimento da criança. Existe proteção a personalidade
civil da pessoa desde no nascimento com vida, em que são postos a salvo os
direitos do nascituro, de acordo com o art. 2º do Código Civil.
O Estatuto da Criança e do Adolescente menciona no art. 7º que esse direito
chama o Estado para o dever de efetivar as políticas públicas que permitam o
nascimento e o desenvolvimento harmonioso (LAMENZA, 2011).
Contudo, no direito fundamental à saúde, diz respeito à integridade física da
criança e do adolescente, mas também o equilíbrio entre o físico e o psicológico no
organismo em fase de desenvolvimento, mediante a efetivação de políticas públicas
que permitam o nascimento e o desenvolvimento harmonioso, disposto no art. 7º do
Estatuto da Criança e do Adolescente.
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Além disso, o Estado é chamado para que assegure a saúde das crianças e
adolescentes, mediante o fornecimento de medicamentos necessários para o
combate de doenças, pela estrutura de hospitais e para redução de dificuldades
vivenciadas no dia-a-dia pelos portadores de necessidades especiais (LAMENZA,
2011).
No sistema de garantias do Estatuto da Criança e do Adolescente, cabe à
família, à comunidade e o poder público assegurar esse direito fundamental. Cabe
aos pais, como dever inerente do poder familiar, cuidar do bem-estar dos filhos,
levando-os regularmente no médico e principalmente na infância, período mais frágil.
No aspecto psíquico, já que os filhos acolhidos, amados e ouvidos terão menos
problemas de sofrerem abalos psicológicos (AMIN, 2014).
No tocante aos direitos fundamentais à liberdade, ao respeito e à dignidade.
O direito à liberdade não pode ser tolhido das crianças e adolescentes, eles são
livres para ir e vir, para pensar, para se expressar e para se dedicar ao credo
religioso. O art. 16 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que
liberdade é também a liberdade de brincar, praticar esportes e participar da vida em
família.
No entanto, essa liberdade não é absoluta, há oportunidades que o Estado
pode valendo-se de seu papel de protetor dos interesses infanto-juvenis expressos
na Lei nº 8.069/90, não apenas como dever de intervir, mas garantir a integridade
física e moral, conforme salienta Lamenza (2011, p. 42):

O art. 75 da referida Lei menciona hipótese em que crianças e jovens têm


direito a acesso a diversões e espetáculos público, “classificados como
adequados a sua faixa etária”, vedando-se o ingresso em eventos ou
ambientes perniciosos a sua regular formação [...] o direito fundamental da
liberdade de locomoção e circulação de crianças e jovens ainda sofre
restrições por parte do Estado no tocante a sua viagem em território
nacional ou para o estrangeiro, sendo fixadas condições para sua
autorização em caso de deslocamento sem os pais ou responsáveis [...]

O direito fundamental ao respeito e à dignidade também merece destaque. O


direito ao respeito está previsto no art. 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente
que versa sobre o direito da inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral
dos jovens, abrangendo os valores, crenças e identidade. No entanto, respeitar a
criança e o adolescente é não agir com abuso de poder disciplinado, sejam eles
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pais, padrastos, responsáveis, que transformam a criança e o adolescente em meros


objetos.
Destarte, há processos nas Varas de Família nos quais os pais separados
fazem os filhos verdadeiros joguetes, pedindo que inventem histórias ou que ocultem
verdades, como é o caso do pai e a mãe que cala a filha para que não denuncie
abusos sofridos. Essa conduta, além de não trazer nada de positivo para o
encerramento das pendências judiciais entre as partes, contribui para lançar os
filhos nessa fogueira que já estão traumatizados pelo rompimento do vínculo dos
pais (LAMENZA, 2011)
Por outrora, temos o direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer. O
processo educacional visa à integral formação da criança e do adolescente,
buscando o seu desenvolvimento, para o preparo do exercício da cidadania,
disposto no art. 205 da Constituição Federal e no art. 53 do Estatuto da Criança e do
Adolescente.
É um direito fundamental que permite a instrumentalização dos demais, pois
sem conhecimento não há o implemento dos demais direitos. A ignorância leva a
uma passividade generalizada que impede questionamentos e impede o
amadurecimento da nação (AMIN, 2014).
Ressalta-se que apesar da educação ser um direito fundamental, seu
exercício deve ser regular. Caso a criança ou adolescente que se comporta de
maneira contrária à escola, prejudicando o regular exercício, num primeiro momento
cabe à escola em conjunto com o os pais diagnosticar os motivos que levam o aluno
a apresentar um comportamento prejudicial, podendo ser aplicado medidas
disciplinar (AMIN, 2014).
Pela cultura, a criança e o adolescente apreendem o que está ao seu redor e
desenvolvem noções conceituais. A cultura deve ser respeitada conforme as
peculiaridades regionais e as relativas à origem dos povos, de modo que as crianças
possam expressar livremente o resultado de sua criação. No esporte, os infantes
desenvolvem atividades físicas, favorecendo seu bem-estar corporal e também seu
equilíbrio interior. E o lazer está caraterizado pelas práticas de atividades que
venham em benefício de sua recreação e da quebra das rotinas do dia a dia, como a
leitura e o descanso (LAMENZA, 2011).
E por fim, temos o direito à profissionalização e à proteção no trabalho de
crianças e adolescentes. O art. 7º, XXXIII da Constituição Federal versa sobre a
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possibilidade do jovem de 16 anos de idade possam iniciar atividade laborativa, com


a exceção dos aprendizes, que podem começar com 14 anos a trabalhar.

4.4. FATOS GERADORES DE RESPONSABILIDADE CIVIL PARA O GENITOR

Não bastasse as inúmeras obrigações socialmente impostas às mulheres e a


pressão social que lhes é causada, muitas delas precisam lidar, além de tudo, com a
sobrecarga de responsabilidades que deveriam ser divididas, como ocorre no caso
em que o pai, ainda que não esteja separado, se opõe à execução de suas
responsabilidades.
O Código Civil em seu artigo 186 traz a seguinte redação: aquele que, por
ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano
a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Nesse sentido, é
possível compreender, a partir deste dispositivo, a possibilidade de geração de
responsabilidade de todo genitor que finda por atribuir somente à mulher a obrigação
que deveria ser de ambos.
Cabe esta interpretação na medida em que a atitude de se esquivar de um
dever atribuindo dever em dobro para outrem e consequentemente sobrecarga
mental e física, é geração de dano, principalmente quando se leva em consideração
a grande tendência que essa responsabilidade exacerbada pode desencadear
doenças psíquicas, como ansiedade e depressão.
Não obstante, o artigo 927, também do Código Civil, dispõe que: aquele que,
por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Ademais, seu parágrafo único nos traz que “haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para
os direitos de outrem” (BRASIL, 2015).
Desse modo, resta claro que é possível a responsabilização do genitor pela
sobrecarga gerada na mãe, em função da criação dos filhos, sendo decorrente da
omissão no que tange à responsabilidade como pai. Como forma de punir, tem-se a
possibilidade de sanção pecuniária, a fim de não só indenizar a parte que sofreu o
dano, como desencorajar os demais a fazerem o mesmo.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista todo o estudo bibliográfico realizado para a composição do


presente trabalho, resta claro que além da responsabilidade para com o filho, o
genitor possui responsabilidade para com a mãe a partir do momento que debruça
sobre ela toda a responsabilidade acerca dos cuidados no que tange à criação da
prole.
Portanto como foi demonstrado anteriormente, na evolução histórica da
família, os papeis que o homem e a mulher têm na criação dos filhos, o dever deles
para com os filhos, os direitos e deveres das crianças e dos adolescentes, a mulher
esta colocada com uma sobrecarga mental e algumas vezes física, devido a falta de
compartilhamento de responsabilidades em razão da criação dos filhos com o
genitor.
Além de demonstrar as dificuldades enfrentadas pelas mães/mulheres, vemos
que essa sobrecarga pode gerar consequências também para o menor. Pois ele tem
que lidar, às vezes, com a falta da figura paterna na sua criação, nos casos de pais
separados. Ou, pode sentir-se deixado de lado, por não ter atenção da sua figura
paterna, mesmo quando essa é presente dentro de casa, porem não dar atenção
necessária a criança ou adolescente. Podendo assim, nos dois exemplos, acarretar
em problemas psicológicos para o menor.
Após o desenvolvimento pode-se chegar a resposta para a problemática do
presente trabalho, de que se possível falar da responsabilidade civil do genitor
tratando-se da sobrecarga mental gerada na mãe pela criação dos filho.
Desta feita, é mais que viável que haja responsabilização civil dos genitores
que não foram responsáveis moralmente, se esquivando de suas obrigações e
negligenciando a criação dos filhos.
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REFERÊNCIAS

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aspectos práticos e teóricos. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 75-96.
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Livro, São Paulo 1970.

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