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A AUTORA

Lúcia de Fátima Pereira


Professora da Escola Estadual de Ensino
Fundamental Mufarrege Salomão Chamma,
Mairiporã, São Paulo.

AUTO-ESTIMA PARA
APROPRIAÇÃO DO SABER

Aquisição do conhecimento é um processo que envolve a integridade


das experiências das crianças na família e nu escola

oi em 1998que priorizei traba- No início do ano letivo, os professores


lhar com os alunos do ensino organizam um calendário de atividades
fundamental duas vertentes: onde incluem seus projetos. No plano da
auto-estima e domínio de saberes. O obje- escola existe uma proposta mais abrangen-
tivo foi o de criar meios que facilitassem a te conhecida por Mostra de Ciências e
troca de experiênciasentre as crianças. Este Cultura, momento para apresentação de
trabalho, naturalmente, foi fruto de estu- atividades escolhidas por cada professor.
dos, experimentos e práticas fundamenta- Essa Mostra tem características de feira e
das em teorias socioconstrutivistasl . é realizada no final do segundo semestre
Durante o projeto, o trabalho junto às (outubro/novembro). Na elaboração do
crianças foi favorecido pela extrema boa calendário, os professores também deci-
vontade, compromisso e responsabilidade dem qual tema desejam apresentar na
da direção da Escola, que participou con- Mostra. Normalmente, estão relacionados
tribuindo com diferentes maneiras de orien- aos conteúdos escolares e a temas contem-
tar, estimular e incentivar seus professores porâneos. Podemos realizar pesquisas so-
à realização de seu trabalho diário. bre os temas dos projetos durante todo o

1. "As teorias constmtivistas representam um esforço na busca de caminhos que dêem conta da complexidade do
processo de aprendizagem. (...) prevalece a orientação antropológica histórico-social, pela qual o ser humano se faz na
interação social...". Seus principais representantes teóricos são: Jean Piaget, Lev Semenovich Vygotsky e Emilia Fer-
reiro. Referência extraída de: ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da educação. 2. ed. São Paulo: Moderna,
1996. p. 202. (N. Ed.)
Comunicação & Educação, São Paulo, (20):100 a 105,jan./abr.2001

ano letivo. Ressalto que a ausência de es- pre com o cuidado de valorizar suas refe-
tímulo impossibilita a realização de bons rências e ampliando sua auto-estima. As
trabalhos por parte dos professores. respostas das atividades eram corrigidas no
dia seguinte, tendo como leitor a professo-
OBJETIVOS E ATIVIDADES ra ou a criança. Essas atividades ficavam
coladas nos cadernos de lição de casa como
O objetivo do projeto foi o de levar a bilhetes. As crianças habituaram-se a rea-
criança a perceber e praticar atitudes so- lizar lições de casa e seguiam esse ritual
lidárias e afetivas, contribuindo, com sua constante, criando organização e hábito de
postura acolhedora, com o processo de estudo. Tais lições eram realizadas de se-
apropriação de diferentes saberes. Garan- gunda a quinta-feira.
tir, assim, uma aprendizagem mais tran-
qüila e segura, principalmente no espaço MODELO DO BILHETE:
escolar, onde o aluno manifesta muitas
características de baixa auto-estima, em 1-Cabeçalho
geral resultante de um tratamento inade- 2-Converse com seus pais ou responsáveis e
quado dos adultos responsáveis por seu escreva ou desenhe quem escolheu seu nome.
desenvolvimento. 3-Qual o significado de seu nome?
O projeto envolveu pais, professor e Não esqueça, você já sabe, use letra maiús-
alunos. Primeiro conversamos sobre o que cula, minúscula, parágrafo e ponto final.
aconteceria na Mostra. Iniciamos por in-
vestigar sinais do nosso tema de trabalho Brilhe, muito, sempre!
a partir das experiências vivenciadas em Um beijo, da prô!
sala de aula. Quem ainda não escreve e
lê? Por que algumas crianças respondem É muito importante notar que o profes-
de uma maneira hostil às ordens dadas à sor alfabetizador exercita a prática
classe? O que leva certas crianças a apre- interdisciplinar no seu dia-a-dia. Creio
sentarem atitudes violentas com o cole- que isso conduz a uma contínua reflexão
ga? Essas primeiras indagações fornece- sobre todas as coisas. Ele é um pensador
ram os dados para o nosso trabalho. Par- do cotidiano e do seu tempo: que cumpre
tindo dessas informações, desenvolvemos o seu ofício verdadeiro, alimenta-se e se
a linha de pesquisa que constou da elabo- dilui entre as pessoas comuns, essas mes-
ração de atividades relativas ao registro mas que estão em pequenos grupos, em
dos sinais e marcas da origem das crian- inúmeras salas de aulas.
ças e do grupo com o qual elas convivem.
As atividades foram elaboradas basica- TEATRO DE FANTOCHES,
mente a partir de questões para discussão TELEVISÃO, FILME
com os pais e pesquisas realizadas junto
às famílias. Estimulou-se a percepção de Resolvemos, após conversa dirigida,
fatos que aconteciam com as crianças, sem- que o projeto teria o perfil de um progra-
Auto-estima para apropriação d o s a b e r

ma de televisão: então, usamos o teatro tro), cartaz com desenho da fecundação,


de fantoches para fazer de conta que era mensagens escritas em computador com
uma televisão. características de manchete, álbum de pa-
Assistimos a um filme sobre a repro- pel canson para registros de nomes e im-
dução de diversos animais e fomos apon- pressão digital, cartolina branca para a
tando as diferenças entre a reprodução confecção de corações com mensagens
deles e a humana. fraternas, estrelinhas douradas (fechando
o diploma contendo escrita de sentimen-
0 amor foi um ponto tos positivos) e adesivos coloridos para re-
importante na nossa discussão presentar as emoções dos visitantes.
sobre reprodução e ponto de Os pirulitos, as mensagens em diplo-
mas, corações, os adesivos coloridos e as
partida para - a estrelas douradas foram entregues como
reconhecer o que era af na1 a brindes aos visitantes da mostra.
auto-estima. Essa montagem só foi possível graças
à cumplicidade, ao compromisso e a mui-
Os materiais necessários para montagem ta boa vontade de todos os envolvidos,
do estande foram trazidos pelos alunos ou direta ou indiretamente no projeto.
produzimos em aula. Para mostrar nossa
representação utilizamos espelhos, papel DINÂMICAS DO PROJETO
crepom, fitas de tecidos, fitas adesivas,
canetinhas hidrocor, porta canetas, papel Após assistirmos ao filme Reproduçãd ,
laminado, suporte para canetinhas,cesta para criamos um espaço para conversa e coloca-
colocar os bilhetes de trocas de sentimen- ção de relatos. As crianças falavam tudo o
tos, bilhetinhos com diversos sentimentos que lembravam sobre o assunto em ques-
positivos, pirulitos em forma de coração, tão. As atividades normalmente eram reali-
xerox de mensagens sobre auto-estima, car- zadas em grupo ou em duplas.
tolinas, cordonetes para fazer crachás, pre- Na leitura das lições de casa, representá-
gos (para segurar um grande espelho que foi vamos como tinham acontecido as pesquisas
colado dentro da cabine azul, onde as pes- em casa. Era muito enfatizada a atitude dos
soas viam suas imagens e liam a mensagem adultos que respondiam com carinho e inte-
sobre auto-estima), xerox de imagens que resse às pesquisas das crianças. Ao entrega-
representavam cenas de auto-estima, placas rem as fotos, os alunos trocavam idéias,
de isopor para fixar as fotos dos alunos com brincavam, faziam fofocas. Denominamos
registros de momentos importantes da vida essa atividade descontraída de fofoca no
da criança (a criança que não tinha foto a ar. A intenção era despertar a curiosidade
professora fotografou em algum momento pelo outro colega. Sempre havia o cuidado
da elaboração do trabalho), papel camurça de colocar as crianças mais seguras emo-
(para fazer e recortar as letras para o nome cionalmente próximas ao coleguinha que
do programa e fixá-lo na estrutura do tea- apresentava algum tipo de insegurança.

2. Reprodução: produção e direção de Bárbara Burst; edição David Hil; texto Nigel Henbest. Discovery Channel:
Super Interessante. v. 5. Abnl Vídeo. Duração 25 minutos, 1995.
Comunicação & Educação, São Paulo, (20): 100 a 105, jan./abr. 2001

Troca de Sentimentos acordo com as diferentes falas das


Brincamos de troca de sentimentos. Em crianças. Elas foram organizadas em
círculo, olhando um para o outro e aper- equipes para que todas pudessem par-
tando a mão dizíamos: "Vamos trocar um ticipar das apresentações. Para a mon-
sentimento?'Procuramos evidenciar sem- tagem concreta do estande, contamos com
pre os sentimentos positivos. Era como a doação de muitos materiais dos pais das
trocar figurinhas. crianças, da professora, de parentes e
amigos da professora.
Hora do abraço
Tendo o professor como mediador, em Estações do estande:
círculo, as crianças manifestavam-se Teatro de fantoche "a televisão"
quando sentiam algo de triste. Imediata- Fala das crianças:
mente, um colega levantava a mão e dizia CRIANÇA - A - Nós somos da
que poderia dar um abraço, para que aque- primeira série "B" e gostaríamos de pedir
la sensação triste passasse. Isso acontecia sua participação na nossa Feira de
até que todos tivessem a chance de trocar Ciências e Cultura.
um abraço. Essa atividade foi realizada CRIANÇA - B - Você saberia res-
durante os vinte dias da pesquisa e tor- ponder qual sentimento você tem bastante
nou-se prática até o final do ano, sempre
nos últimos momentos da aula.

Ajuda
Durante o decorrer das aulas, as
crianças tentavam ajudar um colega que
apresentava dificuldades no domínio dos
conteúdos escolares, sempre após ter
realizado suas atividades do dia. Essa
atitude foi de grande importância,
surgindo muitas conquistas em relação à
confiança e à autonomia de muitos alunos
com baixa auto-estima.
Na cabine azul, as crianças mostravam:
APRESENTAÇÃODO PROJETO você é um teouro.
NA MOSTRA
e que poderia doar um pouco para ajudar
Foi elaborado roteiro com as falas das as pessoas a conviverem melhor umas com
crianças e, a partir dele, ensaiávamos o as outras?
nosso programa: "Você é um tesouro." CRIANÇA - Entre e reconheça um te-
Nosso estande foi organizado em souro único e sem igual em qualquer par-
estações com caracterização própria, de te do mundo.
Auto-estima para apropriação d o saber

Leia o bilhete fixado ao espelho da


cabine azul:

, "Você se lembra? Em algum lugar do


passado, um e apenas um espermatozóide
fecundou um óvulo, e nesse momento
você participou da maior competição da
vida e venceu!
Venceu para conquistar uma vida
inteirinha que Deus lhe deu e a graça
de ter nascido com um corpo sadio, per-
feito e capaz de realizar coisas incrí-
veis e fantásticas.

Crianças estimulam visitantes a


olharem-se no espelho

Painel de fotos
CRIANÇA - A - Aqui nós temos re-
gistros que mostram o quanto os pais gos-
tam de seus filhos.
CRIANÇA - B - Esse tipo de coisa aju-
Os meninos levaram a sério o trabalho com o da a criar auto-estima.
público da mostra.
CRIANÇA - Cada um de nós é único
O espíritoda conquista está dentro de você. no mundo, temos uma identidade e senti-
Você foi feito para dar certo, para ser feliz e mentos próprios.
para conquistar seus sonhos e objetivos."
Com muito amor! Primeira série "B" Espelhos médios
CRIANÇA -A - Nossa idéia é ajudar
Espelhos as pessoas a perceberem o quanto elas são
CRIANÇA -A - Em cada espelho que lindas e maravilhosas.
você olha, você descobre algo bom dentro CRIANÇA - B - Descubra a grandeza
de você. Assim aumenta sua auto-estima. que existe dentro de você para estimar e
CRIANÇA - B -Você sabe o que é auto- contribuir na convivência entre as pesso-
estima? É quando começo a descobrir os as. Assim, as pessoas podem viver mais
meus valores e as minhas qualidades. alegres, sadias e felizes.
Comunicação & Educação, São Paulo, (20):lOOa 105, jan./abr.2001

Álbum de registros
CRIANÇA - Deixe aqui o sinal de sua
identidade e seu nome.

Cesta de sentimentos
CRIANÇA -Troque aqui um sentimen-
to muito usado por outro bem novinho.

Revelando meu estado emocional


CRIANÇA - Você está alegre ou tris-
te? A partir da resposta, a criança fixa um
adesivo: laranja para emoções alegres e
verde para tristezas. Obrigado pela sua
participação. Meninas agradecem aos participantes da mostra.

Resumo: Professora da primeira série do ensi- Abstract Afirst grade teacher, the author works
no fundamental trabalha para elevar a auto- at elevating the children's self-esteem, creating
estima das crianças, criando ambiente favorá- a favorable environment - one that is sensitive,
vel - sensível, positivo, amigável - e com isso positive, friendly - and, by this, she aims at
melhorar a apreensão dos conteúdos discipli- improving the reception of class content, relating
nares, relacionando-os com a vida concreta. A it to the children's concrete life. The teacher
professora desenvolve seu projeto ao longo do carries out her project throughout the school
ano letivo e o apresenta, de forma criativa, na year and presents it, in a creative manner, at
Mostra de Ciências e Cultura da escola. the school's Science and Culture fair.

Palavras chave: auto-estima, família, escola, Key words: self-esteem, family, school,
aprendizagem, ensino fundamental learning, fundamental teaching

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