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A Antropologia nos tempos de Malinowski

A Antropologia no início do século XX estava sob disputa de várias designações,


mas todas abordavam, de modo geral, o homem “primitivo”. Todo um novo ramo do
conhecimento para além dos estudos biológicos sobre a condição evolutiva humana como
espécie se descortinava com os estudos sobre costumes, moral, cultura material. No
panorama inglês tinha a Antropologia Cultural proposta pelo evolucionista Edward
Tylor), alguns também a denominavam de Etnologia, área que se inclinava para uma
perspectiva difusionista e o estudo da evolução histórica do homem primitivo e da
reconstituição hipotética da história de povos. A Etnografia detinha a primazia dos
relatos descritivos de culturas anteriores a escrita. Antropologia social viria a ser o estudo
comparativo das instituições em sociedades primitivas. Um outro recorte colocava a
Antropologia também em diálogo aberto por duas amplas abordagens: a geográfica (que
lidava com a difusão cultural e estudos mais particularistas) e a sociológica, já
amplamente estabelecida a partir dos círculos durkheimianos, que tendia a lançar mão da
comparação entre culturas e já revelava um acentuado pendor teórico, se ocupava de
instituições. Mas a ideia de uma evolução (histórica) das instituições dominará a
sociologia inglesa, rompida com o caráter sincrônico presente no funcionalismo
malinowskiano numa nova roupagem da Antropologia Social

Expedição da Universidade de Cambridge ao estreito de Torres (passagem entre a


Austrália e a Papua-Nova Guiné) em 1898-9. Uma primeira geração de pesquisadores de
campo se evidencia: Haddon, Rivers, Seligman, Mayer. O próprio Rivers distinguiu
“trabalho de pesquisa” e “trabalho intensivo”.

Contexto e diálogo intelectual na biografia intelectual de Malinowski

Romantismo pós-herderiano (Johann Herder). Malinowski é egresso de um país


subjugado na Europa, apreço/fascínio pelo exótico); cientificismo empírico anglo-
saxônico (individualismo); evolucionismo do XIX; sociologia durkheimiana; psicologia
experimental de Wundt (vida mental é fruto da experiência), que enfatiza a mentalidade
grupal, aquilo que seria definido por Durkheim como “consciência coletiva”. Para Wundt
os fatos mentais estariam interligados, o que daria força ao pressuposto funcionalista.
Ao invés de uma escola, um "amálgama pessoal", segundo Klaas
Woortmann. Rejeita a noção de "consciência coletiva" durkheimiana, naquilo que define
metodologicamente um fato social, seu caráter coercitivo. Enfatiza, portanto, o livre
arbítrio (individual).
A pesquisa de campo

Nova Guiné oriental

Ilhas Trobriand, Aldeia Omarakana no detalhe


Aos 30 anos no Sul da Nova Guiné entre os Mailu (1914); regressa ao campo em
1915 nas Trobriand (15-16; 17-18) – sete monografias publicadas entre 1922 e 1935;
nomeado para a cátedra de Antropologia na LSE (onde Seligman, seu tutor detinha
cátedra de Etnologia). Permaneceu até 1938, quando foi para os EUA (licença-prêmio)

Realidade etnográfica em suas múltiplas camadas (mais do que uma mera


descrição) só pode ser alcançada com a observação participante (cenário/atores e
regras)

Ação/representação; costumes/vontade individual; imponderáveis da vida


cotidiana; O ponto de vista do nativo. Não há autonomia do simbólico

Funcionalismo em Malinowski: unidade de análise: instituições (Malinowski


nunca produziu uma descrição única e coesa da “cultura”trobriandesa como um todo;
apesar da sua insistência nas interligações, faltou-lhe a noção de um sistema: “O osso do
dedão está ligado ao osso do pé, o osso do pé está ligado ao osso do tornozelo, e assim
por diante – o que é perfeitamente correto, mas está longe de ser uma teoria anatômica
(Adam Kuper, Antropólogos e Antropologia, 1973)); dimensão positivada na ideia de
função, ancorada em universais biológicos: instintividade e autopreservação do
indivíduo; satisfação das condições naturais básicas; pouca autonomia para o simbólico
e/ou o estrutural. Em Durkheim há uma preocupação com as consequências sociais dos
fatos, tomados sem juízo de valor. Em Malinowski os fenômenos sociais existem para
satisfazer o organismo biológico e/ou necessidades psicológicas. O funcionalismo
malinowskiano responde a uma concepção de ciência que não busca leis gerais
sociológicas propriamente ditas, mas leis que são expressões do domínio
comportamental, ativas nos e pelos indivíduos, refletindo as necessidades básicas
(universais). Leis que estão sob o escrutínio dos comportamentos individuais manifestos
de uma ordem que super as culturas e que está no nível de grandeza da espécie.

Conceito de Cultura: meio utilitário para satisfazer necessidades do organismo.


Mas a cultura regra tais necessidades, normatizando-as e promovendo a interação entre
os processos orgânicos e o recondicionamento do ambiente. Para Malinowski A cultura
se processa a partir das motivações individuais, dos impulsos e paixões em oposição às
regras. Daí seu funcionalismo não buscar padrões sociais, mas a prática ou o quanto os
indivíduos se afastam de tais padrões.

”se a cultura é um meio utilitário para satisfazer necessidades do organismo, ela


também domestica tais necessidades, em função das necessidades secundárias
(cooperação, hierarquias etc.). Por isso os homens vivem de acordo com normas e regras
resultantes da interação entre os processos orgânicos e o recondicionamento de seu
ambiente” (Woortman, A ideia de família em Malinowski, p. 10).
A função comparativa do Parentesco é equivalente de família nuclear para
Malinowski (a unidade universal de reprodução da espécie). A formação desse núcleo, ao
longo da obra vida sexual...se dá pelos imperativos psicológicos. “Tanto em seus escritos
sobre magia, ciência e religião, como em seus escritos sobre a família, a ênfase de
Malinowski recaiu totalmente sobre o indivíduo e suas metas” (Kuper, 1974:41)

Sexo e tabu: Malinowski tenta demonstrar uma sexualidade mais harmoniosa


entre os "selvagens". Um dos índices da civilização consiste nesta quebra das relações
harmoniosas com o sexo. Vai identificar no regime de matrilinhagem, em oposição ao
patriarcalismo acentuado no ocidente, os fundamentos para uma revisão das relações
psicológicas estabelecidas entre os termos da família elementar. No caso do ocidente,
amor e respeito estão confinados na figura do pai (na ambivalência freudiana, disputa da
mãe), ao passo que entre os trobriandeses há uma divisão desses papéis com o
avunculado (irmão da mãe/filho da irmã).

O MoBr é mantido longe do círculo da família elementar, o que faz prevalecer


uma relação mais amistosa do pai para com o filho. A autoridade de MoBr é mantida fora,
pois a residência é patrilocal, assim a fonte do conflito permanece externa à família
nuclear, pois o pai não é o responsável pela formação biológica do filho, amenizando o
caráter negativo do incesto. A imagem afetiva do pai minimiza o conflito. Malinowski
pretendeu demonstrar as limitações da teoria de Freud a respeito do complexo de Édipo,
pois nas ilhas Trobriand o ressentimento dos rapazes não se manifestava em relação ao
pai, pelo fato de ele ter relações sexuais com a mãe, e sim, em relação ao irmão da mãe
por causa de sua autoridade (Kuper, 1973, p 41).
Sociedade Trobriandesa (uma aldeia das ilhas Trobriand, p.34, A vida sexual
dos selvagens).

Malinowski narra um dos incidentes mais dramáticos que presenciou nas ilhas
Trobriand (p 40)

Aldeia Omarakana (capital de Kiriwina), chefe To’uluwa

Subclã Tabalu – parentes maternos do chefe To’uluwa

Sociedade Matrilinear (descendência corre pela linha materna). Dois princípios


opostos: amor paterno e o princípio matrilinear (pai é Tama, MoH)
Poligamia dos chefes (casamento com várias mulheres)
Casamento patrilocal (virilocal – mulheres ao se casarem passam a residir na
aldeia do marido

A esposa do pai de EGO (FaW), sua mãe, reside na aldeia do chefe To’uluwa

MoBr FaW Chefe To’uluwa

EGO 1 filho do chefe herdeiro do chefe

Namwana Guya’u Mitakata

Casamento de primos cruzados

Casamento: o significado do casamento está nos "sentimentos" e não em


uma estrutura subjacente a este jogo de alianças matrimoniais: família como unidade
cultural (instituição) de reprodução e o casamento como união entre indivíduos
(psicologismo de Malinowski). O autor minimiza a dimensão estruturante do círculo de
dádivas que é acionado com o casamento a partir das obrigações anuais da família da
noiva (sobretudo seus "irmãos", MoBr).

Círculo de dádivas que envolve os casamentos

Recebe pagamentos dos cunhados


Doa pelo casamento da irmã

MoBr FaW Chefe To’uluwa

EGO 1 filho do chefe herdeiro do chefe

Doa pelo casamento da irmã

O casamento coloca em movimento um sentido estrutural dessa obrigação de


presentear, não é uma contingência dada por motivações individuais, casar é uma das
obrigações de um sistema de trocas. Isto porque só é acessível à observação para
Malinowski os comportamentos manifestos e não qualquer estrutura prescritiva e ou
simbólica (representações). Sequer valoriza o fato de que há um "princípio de
descendência" envolvido entre o filho de uma mulher e o fato de ele pertencer ao clã do
tio materno. (não vê nem descendência, nem aliança). Fica centrado na família e a uma
explicação acentuadamente psicológica das relações do avunculado, do princípio
igualitarista entre os sexos, entre marido e mulher vivendo numa harmonia matrilinear
(pois EGO 1 sendo estranho na aldeia em que nasceu, buscará o equilíbrio com o
casamento, na condição de tama de EGO 2, marido da mãe).
Afeto e lei; sentimento ou estrutura?

MoBr Chefe To’uluwa

lei afeto

EGO 1 filho do chefe herdeiro do chefe

Namwana Guya’u Mitakata

afeto lei

EGO 2 filho do filho do chefe


Círculo de dádivas que envolve a magia

"(...) os filhos desfrutam da qualidade de membros da comunidade da aldeia do pai, embora a


sua verdadeira aldeia seja a da mãe. E, de novo, em questões de herança, vários privilégios lhes
são concedidos pelo pai. Destes, reveste-se de principal importância a transmissão do mais
valioso de todos os bens, a magia" (...) Ora, esta herança da magia de pai para filho revela uma
peculiaridade: é dada e não vendida. A magia tem, logicamente, de ser transmitida em vida do
homem, uma vez que há que ensinar as fórmulas e práticas. Quando o homem a transmite ao
seu veiola, ao seu irmão mais novo ou ao seu sobrinho materno (MoBR de EGO 1 na figura
abaixo), recebe pagamento, chamado neste caso pokala, e bastante vultuoso terá de ser.
Quando a magia é ensinada ao filho, não se verifica qualquer pagamento. Este, tal como muitos
outros aspectos dos costumes nativos, é extremamente confuso, porque os parentes maternos
têm direito à magia, enquanto o filho não tem qualquer direito pode, em determinadas
circunstâncias, ver-se privado do privilégio por aqueles que são seus titulares de direito; no
entanto, recebe-o gratuitamente, e os outros têm de o pagar a peso de ouro" (Malinowski,
Baloma, os espíritos...in Magia, Ciência e Religião, 1984:242)

MoBr Chefe To’uluwa

Recebe doa conhecimento

EGO 1 filho do chefe herdeiro do chefe

Namwana Guya’u Mitakata

Doa magia recebe pelo conhecimento dado

EGO 2 filho do filho do chefe

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