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Introdução: Por uma antropologia da ética do parentesco

James D. Faubion

O parentesco já pareceu ser o mais exaustivamente mapeado dos territórios antropológicos.


Nas últimas duas décadas, aproximadamente, ele se mostrou ao mesmo tempo mais expansivo e
mais complexo do que as cartografias estabelecidas haviam revelado anteriormente. O que ele pro-
duziu veio, em certa medida, por meio de uma mudança metodológica de atenção. Uma ecologia
mais antiga foi capaz de determinar uma correlação aproximada, mas sistemática, entre os modos
de organização da produção e reprodução e os modos de classificação terminológica e extensão efe-
tiva das relações de parentesco.1 Seus resultados continuam a ser o material antropológico padrão.
No entanto, uma mudança mais recente em direção à análise interinstitucional trouxe à tona correla-
ções mais íntimas, sensibilidades e emaranhados mais íntimos; o Estado-nação, a lei, a igreja, as
economias simbólicas de gênero e sexualidade podem ter seus efeitos sobre o parentesco, que por
sua vez pode ter seus efeitos sobre todos eles.2 Um formalismo mais antigo foi capaz de elaborar
uma tipologia de sistemas de parentesco e, após a publicação de Formas Elementares do Parentesco
(1969), de Claude Lévi-Strauss, pressionar cada vez mais pela primazia teórica da aliança (no ca-
samento e por meio dele) sobre a filiação ou descendência. Uma mudança mais recente da semânti-
ca para a pragmática dos sistemas de parentesco, das regras para as práticas de relacionamento en-
quanto parentes, no entanto, mostrou que as questões de forma são, na melhor das hipóteses, um
guia ruim para o conteúdo mais confuso da vida cotidiana. 3 As pessoas "simulam" - muitas vezes
com a cumplicidade alegre das pessoas ao seu redor. Elas criam parentes; mudam de parentes; for-
jam e consagram alianças, de tipos muito diversos, no próprio vocabulário da filiação e da descen-
dência.4 Se a antropologia mais antiga do parentesco ainda está conosco, ela também teve de supor-
tar as perturbações de um "suplemento" cada vez mais indisciplinado (um termo que uso, em seu

1 A etnohistória da América do Norte nativa tem se mostrado particularmente esclarecedora nesse aspecto. Veja, por
exemplo, Eggan 1937; 1955: 92-95; e 1966. Mais recentemente, consulte Godelier, Trautmann e Fat 1998.
2O livro Development of the Family and Marriage in Europe (1983), de Jack Goody, é fundamental. Consulte também
Watt 1992; e a nota 10, abaixo.
3Essa virada atesta, entre outras coisas, o impacto de Outline of a Theory of Practice (Bourdieu, 1977), de Pierre Bour-
dieu.
4 O terreno "clássico" da atenção antropológica e dos debates sobre essa inventividade é o da Austrália aborígine. Para
uma análise, consulte Shapiro 1979. O parentesco "espiritual" (paternidade divina, por exemplo) também recebeu um
tratamento contínuo, especialmente entre os etnógrafos do sul da Europa e da América Latina. Consulte Mintz e Wolf
1950; Lewis 1951; Hammel 1968; e Nutini e Bell 1980-1984. Consulte também a nota 10, abaixo.
sentido derrideano, para denotar a resolução necessária e talvez antitética de uma categoria primá-
ria, hegemônica e intelectualmente confortável).

Os estudos incluídos neste volume enriquecem ainda mais esse suplemento - ampliando-o,
refletindo sobre ele, intrigando-se com ele. Em uma forma muito mais curta e provisória, a maioria
dos capítulos foi originalmente produzida para um curso sobre direções significativas no pensamen-
to antropológico desde a Segunda Guerra Mundial, que ofereci na Rice University no semestre de
outono de 1996. Um terço do curso foi dedicado ao parentesco; no final do curso, pedi aos inscritos
que (1) representassem graficamente seu próprio sistema de parentesco da maneira que achassem
mais perspicaz e (2) oferecessem um relato ponderado da imagem que haviam desenhado. Em ter-
mos gráficos, metodológicos e analíticos, o que eles produziram foi provocador o suficiente para
inspirar uma conferência no ano seguinte. Intitulada Kinship and Cosmopolitanism (Parentesco e
Cosmopolitismo), a conferência trouxe John Borneman, de Cornell, como orador principal, e Susan
Ossman, atualmente na Universidade Americana de Paris, como debatedora. Os professores Bor-
neman e Ossman contribuíram com seus próprios artigos para o volume (consulte os capítulos 1 e
7), assim como vários outros alunos meus que não faziam parte do grupo original.5 Alguns dos que
decidiram participar da conferência expressaram - e talvez continuem expressando - preocupação
com o fato de que o ponto de partida autobiográfico que eu lhes impus poderia facilmente levar a
um exercício involuntário ou, de qualquer forma, involuntário de "autoexotificação" e, portanto, de
autocolonização (consulte especialmente o capítulo 4 de Lamia Karim neste volume). Esses, talvez,
sejam os horizontes atuais de recepção. No entanto, devo esperar que não seja mais do que sim-
plesmente fútil apontar que nenhuma das obras exibe aquela bela moeda da "autoridade nativa" que
tão frequentemente tem o exotismo como seu outro lado. Seja de forma implícita ou - na maioria
das vezes - explícita, todos começam, em vez disso, colocando o eu como uma questão antropológi-
ca, partindo da inevitável singularidade do "eu" para seu status de "sujeito" e desse status para as
arenas mais amplas nas quais um único sujeito nunca é mais do que um entre muitos outros. O "eu"
permanece, mas como uma criatura composta em parte pelo que já é sempre não (exclusivamente)
ele mesmo, sempre já um pouco igual a outro, um sujeito que já é sempre intersubjetivo. Portanto, a
exotização deve ter seus limites - um deles, na alteridade que cada eu tem em comum com todos os
outros. Deixando de lado os horizontes atuais de recepção, a investigação reflexiva da alteridade
compartilhada não se baseia, e de fato não pode se basear, apenas na autoridade do "eu/olho" etno-

5 Gostaria de aproveitar a oportunidade para agradecer à professora Betty Joseph, do Rice Department of English, que
também atuou como debatedora durante a conferência.
gráfico. Ela também deve se apoiar na autoridade pragmática ou heurística dos conceitos que a an-
tropologia e suas disciplinas aliadas criaram para abordar o próprio domínio intersubjetivo ou, no
mínimo, na autoridade dos conceitos que a antropologia e suas disciplinas aliadas criaram para
abordar o próprio domínio intersubjetivo ou, no mínimo, na autoridade dos conceitos que, importa-
dos ou novos, são igualmente intersubjetivos em seu escopo. Consequentemente, o olhar de tal in-
vestigação nunca é umbilical. Seus eus e seus olhos são necessariamente múltiplos e estereoscópi-
cos.
O parentesco é, de fato, ilustrativo da constituição da intersubjetividade, da alteridade orga-
nizada, em dois aspectos. Primeiro, mesmo quando "descritivos" ou "egocêntricos", os termos de
parentesco são muito parecidos com os de cargos [office], abertos a qualquer número de indivíduos
que por acaso (na maioria das vezes, por uma questão de nascimento) estejam qualificados para
ocupá-los. Minha mãe pode, portanto, ser única, mas as mães (e os filhos) são uma legião. Em se-
gundo lugar, os termos de parentesco são inerentemente termos de ligação; sempre e em todos os
lugares, eles definem o eu em e por meio de sua relação com determinados outros (e vice-versa).
Assim, as mães são quem são somente por causa de seus filhos (ou filhas); os filhos são quem são
somente por causa de suas mães (ou pais). No entanto, características como essas dificilmente reve-
lam tudo o que é característico do parentesco, semântica ou pragmaticamente; muito menos revelam
o que parece ser exclusivo dele. Os trabalhos deste volume contribuem para sua compreensão mais
completa e precisa.
Para começar, entretanto, é melhor nos voltarmos para a tensão, o aparente paradoxo, que
anima praticamente todos os textos, embora em alguns ela seja mais vívida do que em outros. A ten-
são em questão não foi de forma alguma ignorada anteriormente, mas tornou-se menos branda e
mais saliente à medida que a pesquisa suplementar aumentou. Ela exigiu muitas formulações, a
maioria delas familiares, embora não totalmente adequadas. Assim, por exemplo, ela apareceu sob o
disfarce da tensão entre a base supostamente "natural" do parentesco e os muitos casos óbvios de
sua "invenção",6 ou entre o caráter supostamente determinado [ascriptive] e supostamente perma-
nente das relações de parentesco e sua frequente construção e reconstrução,7 ou entre a suposta qua-
lidade "dada" do parentesco e sua ampla suscetibilidade à refiguração.8 Sob todos esses disfarces,

6 O parentesco espiritual é um caso óbvio (veja a nota 4, acima); a adoção é outro (veja Modell 1994 e Bargach, capítu-
lo 3 neste volume).
7 Veja, por exemplo, Weston 1991 e Borneman 1992. Para um caso bastante diferente, consulte Weismantel 1995.
8 After Nature (1992), de Marilyn Strathern, é uma abordagem um tanto conturbada das consequências refigurativas dos
desenvolvimentos político-econômicos e biogenéticos para tudo, desde o parentesco até a disciplina da própria antropo-
logia. Cf. também as observações de Paul Rabinow sobre o surgimento da "biossocialidade" (1992).
esconde-se a mesma presença plástica: um modo de organizar a alteridade que parece repousar em
um terreno biologicamente definido, do qual, no entanto, tende a flutuar livremente; ou, inversa-
mente: uma estrutura de relações, proibições e obrigações ostensivamente convencionais, das quais
pelo menos algumas são, de fato, tão difundidas, tão profundamente convincentes e tão pouco va-
riáveis que parecem expressões diretas da "natureza humana".

DEPOIS DO NATURALISMO, DEPOIS DE SCHNEIDER

Em As estruturas elementares do parentesco, Lévi-Strauss traça a dupla face do parentesco


até a dupla face do que ele considera ser o princípio fundamental de todo sistema de parentesco: a
proibição do incesto entre mães e filhos, pais e filhas e irmãos e irmãs. A tese que ele defende inter-
preta essa proibição como o equivalente lógico e funcional do que Marcel Mauss já havia identifi-
cado como o princípio cardeal de todos os sistemas de troca recíproca: a obrigação de dar a outro
um objeto que se possui como próprio. Correlativamente, os homens emergem como os agentes dos
grupos lineares aos quais pertencem; as mulheres (no sistema logicamente mais simples, suas ir-
mãs) são os objetos, os presentes, que eles passam obedientemente entre si de uma geração para ou-
tra. A fidelidade teórica de Lévi-Strauss está na cibernética, não na sociobiologia. No entanto, com
o objetivo de explicar a universalidade do tabu do incesto e do horror que sua violação inspira, ele é
incapaz de resistir a apelar para certos "fatos da natureza". Para Lévi-Strauss:

As mulheres são um estimulante natural, e o único estimulante cuja satisfação pode ser adiada e,
consequentemente, o único para o qual, no ato da troca e por meio da consciência da reciprocidade,
pode ocorrer a transformação de estimulante em signo e, definindo por esse processo fundamental a
transformação da natureza em cultura, assumir o caráter de uma instituição. (1969: 62-63)

Os laços de "fraternidade e paternidade" - entre irmãos e suas irmãs, e entre pais e suas fi-
lhas - são, além disso, outros "fatos da natureza" que o tabu do incesto deve especificamente dirigir
(1969: 42). Se falhar, se a "natureza" não ceder lugar à cultura, pouco restará além da guerra de to-
dos contra todos de Thomas Hobbes, a repetição interminável da cena primordial parricida de Sig-
mund Freud e a regressão ao atomismo ciumentamente associal ou antissocial.

O próprio Lévi-Strauss viria a considerar sua distinção entre natureza e cultura como de in-
teresse mais metodológico do que teórico. Mesmo assim, o naturalismo do edifício explicativo de
As estruturas elementares é inescapável e teve sua parcela de detratores. Edmund Leach (1970: 111-
13) e Jack Goody (1990: 341-54, 381, 390-91) citam evidências dos arquivos do antigo Egito e de
Roma que sugerem que a proibição do sexo e do casamento entre irmãos não é estritamente univer-
sal. Leach levanta outras objeções à redução de Lévi-Strauss da proibição de relações sexuais inces-
tuosas à proibição da endogamia (casamento dentro de um determinado grupo de linhagem). Em um
ensaio que inspirou amplas discussões entre feministas e analistas de gênero e sexualidade, Gayle
Rubin argumenta que a postulação de um "instinto" heteroerótico serve apenas para mascarar uma
intervenção cultural pelo menos tão fundamental quanto o tabu do incesto, e à qual o "tráfico de
mulheres" heteroerótico deve pelo menos a mesma parte de sua onipresença antropológica: o tabu
contra a relação sexual homossexual e o casamento homossexual (1975; cf. também Pateman 1988).
Essa última proibição está longe de ser universal por si só, mas a variabilidade histórica, transcultu-
ral e intracultural da atração erótica acaba dando um peso ainda maior às premissas das quais Rubin
parte.9

Dentro da antropologia, entretanto, o cético mais completo e talvez mais intransigente da


naturalização do parentesco continua sendo o falecido David Schneider. Sua conclusão mais cons-
trutiva em A Critique of the Study of Kinship (1984) - de que, independentemente do que sejam, os
sistemas de parentesco são sistemas simbólicos, cuja interpretação deve derivar não do ponto de
vista do analista, mas do ponto de vista dos nativos - é também a menos original. De fato, é tão ve-
nerável quanto o trabalho de Bronislaw Malinowski, com quem o ponto de vista dos nativos teve
um de seus primeiros defensores. No entanto, Schneider demonstra que não apenas Malinowski,
mas praticamente todos os antropólogos que o seguiram (ou Émile Durkheim, antes dele), ao insis-
tirem que os fatos do parentesco não são naturais, mas sim socioculturais, caíram no naturalismo
com uma coerência assustadora, muitas vezes apesar de si mesmos (1984: caps. 11-14). Esse desli-
zamento se manifesta na mais padronizada das práticas de tradução da disciplina: a substituição das
terminologias de parentesco de povos não ocidentais por uma ou outra terminologia inescapavel-
mente biológica há muito estabelecida na Europa. Na opinião de Schneider, essa prática é "apenas
um exemplo particular da característica mais geral da cultura européia em relação a . . . formas 'bio-
logistas' de conceber o caráter humano, a natureza humana e o comportamento humano" (175). A
"presunção antropológica fundadora de que o parentesco é um sistema primordial, universal e orga-
nizacionalmente fundamental é, por sua vez, pouco mais do que uma generalização técnica daquela
parte distintamente européia da sabedoria popular que diria que "o sangue é mais espesso do que a

9O primeiro volume de History of Sexuality (1978) de Michel Foucault é seminal. Consulte também Greenberg 1988;
Laqueur 1990; Herdt 1991a, 1991b; e Epple 1998.
água" (165-75). Não menos importante, devido ao seu próprio trabalho de campo entre os yapês,
Schneider "duvida seriamente" que as pessoas em todos os lugares tenham a mesma sabedoria e,
portanto, duvida seriamente que o parentesco seja tão primordial, universal ou organizacionalmente
fundamental quanto seus colegas europeus, leigos ou profissionais, estariam inclinados a acreditar
(175).
Não seria totalmente arbitrário sugerir que, pelo menos nos Estados Unidos, o estudo antro-
pológico do parentesco poderia ser dividido em períodos "pré-schneideriano" e "pós-
schneideriano". Embora corra o risco de atribuir demasiada influência ao próprio Schneider, a peri-
odização marca de forma aproximada e imediata a ascensão de várias tendências que se aglutinam
em sua crítica. O declínio disciplinar do parentesco, que começou com a inquieta reflexividade do
final dos anos 60, é apenas uma dessas tendências. Schneider duvida ainda mais da integridade teó-
rica da política, da economia e da religião - que, juntamente com o parentesco, constituem os outros
três membros canônicos do indispensável quarteto institucional da antropologia (1984: e.g., 184).
Ele desconfia do conceito de primitivo e do evolucionismo do qual ele deriva (163-73). Ele também
desconfia metodologicamente do funcionalismo, que considera irremediavelmente impreciso
(182-83), e do formalismo, seja ele estruturalista ou cognitivista, que considera analiticamente im-
perioso (154-55). Ele sugere que nada menos que uma "revisão geral" da disciplina está em ordem
(201) e, embora hesite em definir sua agenda completa, está preparado para especificar seu impera-
tivo categórico:

Antropologia . . é o estudo de culturas específicas. A primeira tarefa da antropologia, pré-requisito


para todas as outras, é entender e formular os símbolos e significados e suas configurações em que
consiste uma determinada cultura. (196; a tipografia segue o original)

De meados da década de 1980 até bem perto do presente, os antropólogos da corrente domi-
nante culturológica concordaram amplamente.
Muito do que foi acrescentado à discussão antropológica sobre parentesco seguiu o prece-
dente simbólico que o próprio Schneider proclamou em Critique, mas estabeleceu bem antes, em
American Kinship (1968). Exemplos dignos de nota são os ensaios reunidos em Gender and
Kinship (1987), de Jane Collier e Sylvia Yanagisako, Families We Choose (1991), de Kath Weston,
After Nature (1992), de Marilyn Strathern, e Belonging in the Two Berlins (1992)de , John Borne-
man. Collier e Yanagisako propõem uma crítica paralela e "unificada" da naturalização do gênero e
do parentesco e juntam-se a muitos de seus colegas colaboradores ao enfatizar não apenas a variabi-
lidade transcultural, mas também histórica do primeiro, do segundo e dos vínculos entre eles (1987:
29-42). Weston explora as tensões e as possibilidades que surgiram para os gays e lésbicas que tive-
ram de recorrer a categorias familiares de parentesco e afinidade para definir as relações íntimas nas
quais entraram, bem como aquelas nas quais nasceram. Strathern aborda a semiótica do parentesco
da classe média inglesa, mas também as forças econômicas, políticas e tecnológicas às quais ela
atribui sua ruptura desde a década de 1960. Borneman investiga as disputas e as concessões que
animaram os "esquemas" oficiais e pessoais de estar em relação nas Alemanhas divididas.

Embora não sejam nem temática nem metodologicamente abrangentes, esses exemplos pelo
menos sugerem as arenas tópicas nas quais a pesquisa sobre parentesco se desenvolve atualmente.10
Eles também sugerem que a "reforma" que Schneider parece ter imaginado não foi completa; o pa-
rentesco - para não mencionar a política, a religião e a economia - ainda está entre nós, mesmo que
sua reputação teórica esteja um pouco diminuída. O próprio Schneider previu que seria tratado com
mais leveza do que achava que merecia - um único aparte irônico que parece colocar a culpa na
inércia disciplinar (1984: 182). No entanto, outros motivos podem estar em jogo. Não menos impor-
tante, suas conclusões são quase que inteiramente negativas; elas levam a muito pouco além de um
programa renovado da mais meticulosa descrição "êmica", que finalmente (ou assim parece ter sido
suposto) deixaria para trás um longo século antropológico de erros e equívocos. Além disso, eles
devem praticamente toda a sua força a uma filosofia de descrição, conceitualização e comparação
sociocientífica, cuja solidez está longe de ser evidente. Schneider declara de forma reveladora:

Falei sobre a Doutrina da Unidade Genealógica da Humanidade como essencial para o estudo do
parentesco. Ela afirma que as relações genealógicas são as mesmas em todas as culturas. Se não
fossem, a comparação entre culturas não seria possível. (174; minha ênfase)

Vários parágrafos depois, ele declara ainda que "na medida em que o estudo comparativo do
parentesco é um esforço sustentável ou legítimo, deve-se presumir que o parentesco é um fenômeno
unitário" (177; minha ênfase). Essa é uma rejeição autoconsciente da propriedade analítica da "clas-
se politética", que Ludwig Wittgenstein iluminou em sua análise de jogos e (não irrelevantemente)
"semelhanças de família" e que Rodney Needham posteriormente apresentou para um amplo servi-

10 Contribuições mais recentes para essa constelação crescente incluem as seguintes: M. Stacey 1992; "Edwards et al.
1993; Ginzburg e Rapp 1995; Holmgren 1995; Maynes et al. 1995; Mundy 1995; Yanagisako e Delaney 1995; Allan
1996; Palriwala e Risseeuw 1996; Smith 1996; Stivens 1996; Thompson e Tyagi 1996; Dube 1997; Franklin 1997; Pas-
ternak, Ember e Ember 1997; Francisconi 1998; Franklin e Ragoné, eds. 1998; Hansen e Garey 1998; Roces 1998; e
Carsten 2000.
ço antropológico.11 Juntas, essas declarações implicam, em termos inequívocos, que Schneider
mantém sua própria disciplina nos mesmos padrões epistemológicos que prevalecem nas ciências
naturais ou, pelo menos, naqueles que prevalecem na filosofia positivista das ciências naturais, para
os quais os conceitos que carecem de precisão referencial ou de "generalização essencial" são con-
ceitos "ruins" e são especialmente inadequados para fundações disciplinares.12 Portanto, ele suspeita
do próprio conceito de parentesco e da grande maioria dos outros conceitos que chegaram à antro-
pologia a partir da consciência coletiva do "povo" [folk] europeu. Sua suspeita não é totalmente
descabida. A tensão entre as noções naturalistas e sociológicas de parentesco é suficiente, por si só,
para tornar o "parentesco" categoricamente vago. A mesma tensão torna a noção de parentesco mui-
to menos geral do que a de, digamos, um elétron ou um cromossomo, mesmo que talvez não seja
tão vinculada ao contexto como a noção de, digamos, originalidade ou ‘Monicagate’[NT. refere-se
ao escândalo envolvendo Bill Clinton e Monica Lewinsky].
O pai da antropologia simbólica é de fato um positivista? Surpreendentemente, ele pode
muito bem ser. De qualquer forma, ele não é um hermeneuta. Sua antropologia é um empreendi-
mento adequada ou idealmente dedicado ao acúmulo de casos particulares e à indução de tipos uni-
versais a partir deles. Pelo menos nesse aspecto, sua metodologia de formação de conceitos aspira
ao rigor científico natural. Os hermenêuticos rejeitam tais aspirações em nome da historicidade - a
inevitável contingência, especificidade e contextualidade - de todos os artefatos humanos, todas as
invenções humanas, inclusive o parentesco. Entre as coisas históricas - de ações a idiomas - rara-
mente, ou nunca, são encontradas "equivalências e unidades invariantes" exatas. Ao comparar uma
coisa histórica com outra, o hermeneuta raramente, ou nunca, tem algo mais do que uma semelhan-
ça familiar sempre um tanto "vaga" a observar. Seu empreendimento não se sustenta ou cai com a
adivinhação do universal. Em vez disso, ele aposta no diagnóstico contextual e na tradução pragmá-
tica, na "descrição detalhada" e na "compreensão interpretativa".13

INTERPRETAÇÃO DO PARENTESCO

Veja Needham 1974 e Wittgenstein 1953. A posição de Schneider aqui é ainda mais impressionante por ser simples-
11
mente afirmada, não defendida.
12 Para um epítome acessível da posição positivista, consulte Hempel 1974.
13 Asmetodologias hermenêuticas ou interpretativas talvez não precisem mais de uma introdução. De qualquer forma,
devo esclarecer que estou usando "hermenêutica" e "interpretação" como aparecem na tradição que vem desde Wilhelm
Dilthey (1961) e Max Weber (1968) até Clifford Geertz (1973, 1983) e seus contemporâneos interpretativistas (consulte
Rabinow e Sullivan 1987). Lealdades filosóficas ou teorias mais específicas não estão aqui em questão.
Não obstante a aparente oposição de Schneider, um engajamento hermenêutico ou interpre-
tativo com o parentesco é uma possibilidade viva, e é precisamente a possibilidade que Collier e
Yanagisako, Weston, Strathern, Borneman e, com Borneman, os outros colaboradores deste volume
buscam ativamente. Nenhum deles, portanto, aspira a definir o parentesco, seja por meio de apelo às
relações genealógicas ou por meio de apelo a outras relações de escopo supostamente universal.
Eles também não são obrigados a banir o parentesco do âmbito antropológico pelo simples fato de
ter origens vulgares. Se Schneider libertou os pesquisadores contemporâneos da tirania teórica do
biologismo, ele também correu o risco de ter que lidar com a prevalência ostensiva e o poder sim-
bólico e normativo ostensivo do "sangue" (entre os colaboradores, veja especialmente Reddy e Bar-
gach). O princípio hermenêutico da caridade, por si só, tornaria precipitado, e até mesmo irrespon-
sável, descartar como um provável lapso etnocêntrico o que os etnógrafos dentro e fora da Europa
têm, afinal, relatado de forma consistente há muito tempo: que os seres humanos, com muita
frequência e de forma muito ampla, tratam “os laços de sangue” como critérios de evidência do que
parece ser eminentemente traduzível como "parentesco", mesmo que não seja o único, ou sempre o
mais decisivo, critério. Esses laços, em resumo, ainda pertencem ao manual de tradução do intérpre-
te itinerante, mesmo na ausência de uma função gramatical ou lógica clara. Da forma como está, no
entanto, esse manual - de muitos autores - já começou a indicar que os laços de sangue são, em si,
um simbolismo importante, mas ainda parcial, do que a moda sociológica e antropológica nos faria
falar agora como "identidade".

Parentesco e cuidados

Entre os pós-schneiderianos, Borneman equipou uma hermenêutica do parentesco com um


alcance especialmente generoso. Suas caracterizações permanecem preliminares e precisam de mais
refinamento, mas, mesmo assim, elas têm muita virtude. Por um lado, elas se afastam elegantemen-
te da naturalização, seja de um tipo biologístico ou de qualquer outro tipo. Por outro lado, elas per-
mitem a devida consideração do registro etnográfico existente, seja ele funcionalista, estruturalista
ou social-psicológico em sua orientação. Em Belonging in the Two Berlins, ele talvez esteja mais
próximo dos funcionalistas ao abordar o parentesco como uma resposta a uma rede distinta de preo-
cupações humanas duradouras (mesmo que não sejam as preocupações de todos os seres humanos).
Sua formulação, no entanto, é intencionalmente imprecisa. Ele propõe que entendamos o parentesco
como compreendendo mais ou menos tudo e qualquer coisa que tenha a ver com "lares, parcerias,
cuidados com os filhos e o eu" (1992: 77). Assim, Borneman ressalta uma forte afinidade entre o
simbolismo do parentesco e a organização da esfera doméstica, mas não pretende derivar o primeiro
do segundo. Diferentemente da maioria dos funcionalistas (e também de alguns estruturalistas),
Borneman se abstém de atribuir importância teórica especial à "família" ou ao vínculo mãe-filho,
embora as políticas sociais das Alemanhas de seu estudo pudessem muito bem tê-lo tentado a fazer
isso. Ele também tem o cuidado de esclarecer que o parentesco não é a única grade semiótica da
domesticidade. Em meio à experimentação cultural e social dos berlinenses do pós-guerra, como em
nossa atual Era das Alternativas, outras expressões idiomáticas podem ter precedência ocasional -
entre elas, as de "amizade" e "amor". Tampouco devemos nos esquecer de outros experimentos, em
certos coletivos utópicos da França e dos Estados Unidos do século XIX, no início da União Sovié-
tica e em Israel, que procuraram colocar o parentesco sob o apagamento de uma semiótica mais
abrangente de communitas.14
O parentesco - descendência e filiação - foi, no entanto, o idioma ao qual cada uma das
Alemanhas, cada uma “à sua maneira", deu um lugar de destaque na construção e execução da "po-
lítica do todo" do pós-guerra. De onde vem esse privilégio? Borneman não o percebe nem na natu-
reza nem mesmo na "sobrevivência" do costume comum; como a maioria das outras coisas alemãs,
o parentesco de fato não resistiu à Segunda Guerra Mundial totalmente intacto. Em vez disso, ele
aponta para a força e a variedade de interesses investidos em outra afinidade: entre o parentesco e a
ideologia da nação. De fato, uma comunidade imaginada, mas imaginada, em última análise, como
uma unidade genealógica, a nação alemã emergiu da guerra duplamente dividida: em ocidental e
oriental, mas também em uma geração mais velha cujos entusiasmos políticos se tornaram literal-
mente indescritíveis e uma geração mais jovem cujas lealdades estavam profundamente abaladas e
confusas (Borneman 1992: 188-95). O parentesco serviu para ambas as Alemanhas como uma ma-
triz primária em suas tentativas separadas de articular um corpo nacional, de um cidadão aparentado
para outro. Serviu a ambas também na preservação da visão da futura articulação de dois corpos,
duas cidadanias colaterais, em uma (79). Serviu a eles - assim parece agora - muito bem. No entan-
to, isso tem implicações que se estendem muito além de suas fronteiras recentemente fundidas. O
tratamento de Borneman sugere que o parentesco provavelmente estará próximo da vanguarda do
imaginário coletivo sempre que o imaginário coletivo também for nacional e, provavelmente, ainda
mais quando for ativamente nacionalista.15 Neste volume (capítulo 2), Denise Youngblood oferece a

14Sobre Charles Fourier e seu rebanho, consulte Beecher 1986. Sobre a Comunidade Oneida, consulte Hine 1974 e
Hudson 1974. Sobre o comunalismo soviético, consulte Bartlett 1990; e sobre os kibutzim, consulte Spiro 1970 e Near
1992.

O parentesco (ou "a família") também tem estado, é claro, na vanguarda da imaginação biopolítica, que nos deu as
15
muitas modalidades do estado de bem-estar.
Trinidad "cosmopolita" como uma corroboração; mas não seria necessário procurar muito longe
para encontrar muitos outros.
Borneman e Youngblood se esforçam para nos lembrar - embora seja difícil esquecer - que o
parentesco funciona como uma matriz de inclusão nacional e de exclusivismo nacional ao mesmo
tempo. Borneman nos lembra especialmente de mais uma faceta de sua potencial utilidade política:
é uma matriz não apenas de relacionamentos, mas também de afeto, de um sentimento distinto ou
sensação de "pertencimento". O humanismo planetário de nossos virtuosos espirituais é um modelo
pobre. O sentimento de parentesco, assim como o sentimento de amizade ou o sentimento de amor,
é, em vez disso, tipicamente mais "eficaz", mais limitado; mais determinado, mais particular em seu
objeto. Independentemente de ser ou não considerado "primordial", como Edward Shils gostaria
que fosse (1957; cf. Geertz 1973: 255-310), ele é certamente onipresente e, mesmo em sua extensão
nacionalista, evidentemente bastante convincente do ponto de vista humano (mesmo que, mais uma
vez, não seja igualmente convincente para todos os seres humanos). Há muita coisa disponível por
meio da simples observação. Entretanto, também aqui os fatos precisam ser interpretados. Os psica-
nalistas, de Freud a Žižek e Kristeva, aceitaram o desafio, mas os pós-schneiderianos (e os
durkheimianos antiquados) podem muito bem hesitar em adotar suas resoluções uniformemente na-
turalistas.16
No trabalho que ele fornece para este volume (capítulo 1), Borneman direciona sua intuição
para outro tipo de resolução, embora não a desenvolva em grande parte. Depois de analisar as táti-
cas labirínticas que várias pessoas de seu convívio tiveram de elaborar para contornar leis e políti-
cas que as impediriam de ser as famílias que "queriam ser", ele extrai uma lição e faz uma acusação.
A lição: que muitas das políticas modernas que se apresentam como "pró-família", na verdade, con-
sagram famílias apenas de certos tipos substantivos, deixando o resto abjeto. A acusação: essas
mesmas políticas - e os antropólogos que afirmam ter "descoberto" a essência da cultura e da socie-
dade humana na diferença entre os sexos ou na reprodução heterossexual - são culpados, ao mesmo
tempo, de frustrar a capacidade humana de inventar e sustentar novas formas de relacionamento e
novos modos de pertencer juntos, e de privar um número incontável de seus cidadãos do direito de
reivindicar e cultivar plenamente um dos sintomas mais persistentes e urgentes da condição huma-
na. Especificando esse sintoma, Borneman recorre a Martin Heidegger:

Em Ser e Tempo (1962), Heidegger baseou sua análise existencial em Sorge (o conceito temático de
cuidado). Ele dessubstancializou a experiência humana e insistiu que "a temporalidade deve ser en-

16 O texto fundamental de Freud é Moses and Monotheism (1957). Depois dele, veja Žižek, 1989; e Kristeva, 1993.
contrada não em uma essência ou forma humana, mas na dialética de vir a ser, de ter sido e de se
fazer presente. O Dasein, viver/ser no tempo, é definido não em uma simples sucessão de "agoras"
discretos, mas na constituição temporal do cuidado. Os seres humanos, portanto, não são egos cegos
que seguem sequências determinísticas de eventos, de paradigmas e regras culturais. Eles planejam
sequências de experiências em narrativas organizadas em torno de quem e com o que se importam.
(p. 41-42)

O "cuidado" não denota, pelo menos em Ser e Tempo, um "instinto". Nem mesmo denota
uma experiência humana particularmente comum. Como Borneman deixa claro, em vez disso, de-
nota a condição sine qua non da "atividade" humana, o sentimento ou a sensação sem a qual os se-
res humanos não podem sequer começar a escapar da passividade de sua existência cotidiana e con-
tinuar a criar uma vida genuinamente significativa.
À primeira vista, a posição normativa defendida por Borneman pode parecer apenas um eco
um pouco mais abstrato da normatividade do próprio parentesco. Independentemente disso, o fato
de sermos parentes nos obriga a nos preocuparmos e cuidarmos de determinadas pessoas, e obriga
determinadas pessoas a se preocuparem e cuidarem de nós. Seu emaranhado com tais obrigações é
denso e abrangente, e frequentemente visitado neste volume (além de Borneman, veja Reddy, Car-
penter, Babula, Peterson, Bargach, Deckha e George). No entanto, o fato de a Sorge não ser uma
questão cotidiana já é suficiente para indicar que nem o existencialismo de Heidegger nem o apelo
de Borneman a ela têm como inspiração o que normalmente consideramos como laços de parentes-
co. Pelo contrário: na medida em que o parentesco é "dado", é algo que recebemos passivamente ou
- para usar uma fraseologia mais heideggeriana - algo no qual somos "jogados", ele nos sobrecarre-
ga com inautenticidade e com "cuidados" que apenas nos distraem de um projeto existencial mais
autêntico. Os conhecidos de Borneman dificilmente são receptores passivos do parentesco que teri-
am com os outros; suas "buscas por relacionamentos voluntariamente forjados" são bastante ativas.
Por isso, o "deslocamento" que Borneman busca realizar: em vez do substancialismo da diferença
biológica entre os sexos ou dos fatos da vida reprodutiva heterossexual, ele quer que coloquemos o
cuidado em primeiro lugar, teórica e normativamente.
No entanto, se dificilmente alguém poderia se opor ao espírito dessa defesa, ainda poderia se
opor à sua letra. Talvez os conhecidos de Borneman "se importem” [care] no sentido técnico do
termo de Heidegger. No entanto, se for esse o caso, eles devem se importar [care], antes de mais
nada, com seu próprio ser. A Sorge de Heidegger - que requer um pouco de reflexão existencial até
mesmo para ser reconhecida como tal - tem a potencialidade do ser como seu objeto formal. É "so-
bre" o significado da própria existência; é sobre o significado que falta à existência quando se é o
mero receptor dos termos da própria vida, quando ainda não se embarcou em um projeto próprio
(Heidegger 1962: 322-24). O fato de o projeto de alguém poder envolver a constituição de afilia-
ções de cuidado recíproco com os outros - o modo de cuidado que Borneman afirma em última aná-
lise - é apenas uma entre inúmeras possibilidades. A existência autêntica não exigiria isso de forma
alguma. Muito menos exigiria o estabelecimento de parentesco. Mas então nos deparamos com um
quebra-cabeça muito semelhante ao que o próprio Schneider nos deixou: Se os seres humanos não
precisam de parentesco, então por que tantos deles se apegam a ele com tanto vigor, mesmo quando
estão plenamente conscientes de sua contingência?

Parentesco e subjetivação

Heidegger e Borneman, depois dele, de fato apontam para uma possível solução para esse
quebra-cabeça, pois ambos nos levam a considerar de forma mais geral o lugar que o parentesco
ocupa entre todos os outros sistemas que pesam sobre o eu - o "eu" maussiano (1968) - e sobre sua
definição de si mesmo. O parentesco - como provisoriamente pensamos nele - resiste à conceitua-
ção como um "sistema de status", pelo menos como Max Weber o entendia. O parentesco nem sem-
pre é constitutivo de "propriedades"; e se seus termos são, com muita frequência, índices de status
diferencial, raramente são índices de "padrões de consumo" ou "estilos de vida" comuns (cf. Weber,
1946). O parentesco e o status parecem ser sistemas do mesmo nível ou ordem. Os termos de ambos
são termos aos quais o eu está “sujeito", e de acordo com os quais ele é um "sujeito" de um ou outro
conjunto de características ou de um ou outro tipo. Os termos de parentesco, entretanto, têm certas
características, menos notáveis individualmente do que em sua soma. Primeiro, como já mencionei,
eles qualificam o eu como um sujeito por meio de sua relação com os outros. Correlativamente, eles
qualificam os outros para identificar o eu por meio de sua relação com ele. Em segundo lugar, eles
são finitistas. Embora raramente individualizem, eles rotulam o eu em sua particularidade e, especi-
ficamente, na particularidade de suas relações com determinados outros. Terceiro, sejam eles dados
ou "adotados", eles são normativamente permanentes. Uma vez atribuídos, eles presumivelmente
permanecem com o eu durante o curso de sua vida e até mesmo após sua morte.17 Finalmente, eles
são termos de ser, não de fazer. Eles podem e, é claro, muitas vezes vêm acompanhados de roteiros
ou manuais de regras. No entanto, a normatividade do parentesco é exatamente isso: definitiva não
por ser parente, mas por ser um parente bom ou ruim. (O filho pródigo não deixou de ser filho de
seu pai, por mais ingrato que tenha sido.) À luz dessas características, não é surpreendente que o
"sangue" seja um símbolo de parentesco tão difundido, mas também não é surpreendente que seja,
de fato, apenas um entre muitos - do "leite" (neste volume, veja Bargach [capítulo 3]; cf. Delaney
1991: 157-58) e o "juramento" sacro ou legal ao "batismo" formal ou informal (veja Borneman,
Bargach e Carpenter [capítulos 1, 3 e 8, respectivamente]).
Em seus últimos escritos, Michel Foucault começou a conceber uma análise que, com sur-
preendente adequação, poderia abranger tanto os sistemas de status quanto os sistemas de parentes-
co. Ambos são vistos de forma instrutiva como sistemas foucaultianos de "subjetivação [assujetis-
sement]". Em seu uso técnico, "subjetivação" tem um duplo sentido. Por um lado, refere-se a todos
os processos por meio dos quais os indivíduos são rotulados ou transformados em sujeitos de um ou
outro tipo; assim, abrange o domínio da "sujeição" ou do que Louis Althusser chamou de "interpe-
lação" (Althusser 1971). Por outro lado, refere-se a todos os processos pelos quais os indivíduos
podem se transformar em sujeitos de um ou outro tipo; portanto, também abrange o domínio do que
Foucault caracterizou como "a relação do eu consigo mesmo", "a prática reflexiva da liberdade" ou
simplesmente "ética". O contraste não deve ser confundido com o contraste de Heidegger entre o
ser autêntico e o inautêntico; a análise de subjetivação de Foucault não é um existencialismo. Tam-
pouco deve ser confundido com uma identidade imposta versus uma identidade criada do nada. A
sujeição é de fato imposta, mas a prática reflexiva da liberdade está muito longe de ser totalmente
livre. Seus recursos vêm de um repertório de "tecnologias do eu" que pertencem ou devem ser fa-
bricadas a partir de um determinado repositório coletivo. Seu fim - a sujeição - pode ser algo como
um "original". No entanto, ele nunca pode ser tão original a ponto de ultrapassar o entendimento
intersubjetivo, nunca tão original a ponto de não poder ser contado publicamente como um sujeito,

17 Devo enfatizar "normativamente". A permanência real dos laços de parentesco (e as identidades que os acompanham)
é outra questão. No entanto, mesmo quando mecanismos mais ou menos formais de transformação das relações de pa-
rentesco estão em vigor, a transformação em si parece ser praticamente universal e ter um custo considerável. Na Grécia
antiga, por exemplo, um homem poderia se casar com uma epiklêros - uma mulher que, sem irmãos ou qualquer outro
parente colateral masculino adequado, deveria receber o legado de seu pai. Em troca, o noivo era obrigado a renunciar a
seus antigos laços patrilineares e adotar os de seu sogro. Assim, os filhos dessa união não pertenceriam à linhagem natal
de seu pai, mas à de seu avô materno. Essas uniões de fato ocorriam - mas significavam uma perda precipitada de status
para o noivo e parecem ter sido apenas uma espécie de último recurso para o homem que não via outra forma de adqui-
rir riqueza ou garantir uma herança para os filhos que desejava gerar (cf. Goody 1990; Cohen 1994). É claro que o fol-
clore ocidental moderno está repleto de histórias de "reinterpelações" comparáveis, de Paris Is Burning a Six Degrees of
Separation. Mas a maioria desses contos oferece relatos da fuga de um indivíduo da intolerabilidade do abuso ou da
abjeção da pobreza ou da degradação, e quase todos têm um final nitidamente triste e cauteloso.
mesmo que seja apenas para ser depreciado. O contraste também não deve ser confundido com um
contraste entre os sujeitos que as pessoas são forçadas a ser e os sujeitos que elas gostariam de ser.
Para o bem ou para o mal, os seres humanos são capazes de saborear positivamente sua sujeição; e
também são capazes de recuar diante da própria ideia de autotransformação. A sujeição é, antes, o
pano de fundo, o modo básico, do que pode ser considerado um regime humano geral de subjetiva-
ção, que tem tido muitos e variados modos, e tantas e tão variadas técnicas à sua disposição, de um
lugar e de uma época para outra. A ética surge como uma possibilidade dentro dele, na medida em
que as técnicas de sujeição dadas ainda deixam espaço para a prática reflexiva da liberdade, para a
implantação e o exercício de técnicas de autotransformação.
Em suas formas mais familiares - na maioria de suas formas antropológicas - o parentesco
parece pertencer muito mais ao pano de fundo da sujeição do que aos espaços abertos da ética.
Onde reina o individualismo ou o cosmopolitismo, seus termos tendem a não dominar a definição
do eu. No entanto, como atestam vários dos colaboradores deste volume, até mesmo o individualista
ou o cosmopolita pode sentir seu ser-pele como especialmente intransigente, e ainda mais quando as
obrigações que o acompanham começam a incomodar (neste volume, consulte Reddy, Peterson e
Babula nos capítulos 5, 10 e 11, respectivamente). A advertência de Schneider contra o fato de que a
constância universal do “aperto" [grip] do parentesco não é algo garantido ainda merece atenção.
De qualquer forma, os laços do ser-em-relação parecem ser excepcionalmente estreitos entre muitos
outros povos além dos europeus (como atestam vários de nossos colaboradores), e até mesmo entre
muitos povos para os quais outras coisas além do "sangue" são mais espessas do que a água. Se o
naturalismo tem se mostrado sedutor para tantos teóricos do parentesco, isso se deve, em parte, ao
fato de que ele parece oferecer uma explicação exatamente para essa peculiaridade. Os vínculos em
questão são tão onipresentes e tão estreitos como são - assim quer o naturalismo - porque estão fun-
damentados em "instintos" ou em "necessidades" psicobiológicas tão profundas e onipresentes
como a "necessidade de reprodução" malinowskiana (viz. Malinowski 1939). O naturalismo deve
ser deixado para trás; mas, nesse caso, o que poderia ser melhor em seu lugar? Um funcionalismo
sociológico mais rigoroso, talvez, seria melhor. Assim, poderíamos afirmar que há certas condições
ou atividades vitais para a sobrevivência de qualquer sociedade - a substituição de seus membros
constituintes, por exemplo, ou a organização da criação dos filhos - que o parentesco serve para sus-
tentar; e que a força peculiar de seus laços (e suas obrigações correspondentes) deriva da importân-
cia sociológica primordial do que ele faz. Schneider se preocupou com a circularidade dessa expli-
cação (ver 1984: 138-39), mas a maioria de suas preocupações é um tanto descabida, pelo menos de
uma perspectiva interpretativa.18 Mesmo assim, a explicação tem as deficiências usuais. Como Bor-
neman certamente gostaria de nos lembrar, ela é suspeitamente heteronormativa. Ela também não
aborda a questão de por que o parentesco - em vez da comuna de Fourier ou qualquer outra alterna-
tiva concebível - deveria ser um meio tão privilegiado e tão amplamente disperso de organização da
reprodução social. Ele mal começa a levar em conta todas as outras funções que o parentesco pode,
de fato ou concebivelmente, cumprir. Como bem observou Schneider (1984: 139), corre-se o risco
de confundir o que o parentesco faz com o que ele é.
Voltemos, então, ao parentesco como um sistema - ou conjunto de sistemas - de subjetiva-
ção, se é que talvez haja muitas outras coisas também. Entre os intérpretes, os puristas devem se
abster de definir seus parâmetros finais, pelo menos até que a história chegue ao fim. Os mais eclé-
ticos podem se voltar para Françoise Héritier, cujo recente esforço para completar e emendar o rela-
to de Lévi-Strauss sobre a proibição do incesto permanece histórica e semioticamente sensível e
heuristicamente provocativo, mesmo que suas ambições teóricas testem a propriedade interpretati-
va. Héritier é descaradamente uma alta teórica. No entanto, ela consegue construir uma teoria que
preserva grande parte da antropologia do parentesco do passado sem compartilhar o mais questio-
nável de seus preconceitos naturalistas. Ela parte de uma proibição comum, mas de modo algum
universal: a que proíbe um homem de se casar ou ter relações sexuais com a irmã ou a mãe de sua
esposa (1994: 23-24). Assim como as proibições de sexo ou casamento entre parentes espirituais ou
adotivos, essa não tem uma lógica consanguínea. Ela proíbe o que Héritier considera "incesto de um
segundo tipo" (11). Diferentemente de praticamente todos os seus predecessores, no entanto, ela se
recusa a derivá-lo "por extensão" da proibição do sexo entre consanguíneos (que, por sua vez, está
muito longe de ser universal). Em vez disso, ela propõe o oposto: que o último tipo de proibição
tem sua inspiração no primeiro, o "segundo" tipo.
Héritier passa a localizar a fonte dessa inspiração na interseção de três preocupações (pre-
sumivelmente) universais. Uma delas é a preocupação semiótica com a identidade e a diferença.
Outra é uma preocupação intelectual e afetiva com a química das combinações, da "acumulação do
idêntico" (1994: 12) e a conjunção do diferente. A última - a matéria prima da primeira (228) - é
uma preocupação com as diferenças anatômicas e fisiológicas entre os sexos. Em sua interseção, e
somente após uma profunda interrogação sobre a classificação dos corpos entre aqueles que são
idênticos ao eu e aqueles que são diferentes do eu, de atração e repulsão, uma única conclusão pode
surgir: "a identidade não é produtiva”; "seja biológica ou social, a reprodução exige

18 A questão para o intérprete não pode ser se uma interpretação é "circular", porque toda interpretação é circular. Em
vez disso, a questão deve ser se essa circularidade é ou não "viciosa" - ou seja, se é ou não meramente tautológica.
diferença" (365). A proibição de relações sexuais entre consanguíneos (selecionados) tem, portanto,
seu sentido semiótico, mas apenas como um símbolo específico da proibição mais abstrata contra a
acumulação ou mistura "excessiva" das mesmas substâncias, dos mesmos fluidos e humores em ou
entre dois ou mais corpos sexuados. A semiótica do excesso e dos humores é, obviamente, variável.
Héritier argumenta que a proibição de tipos secundários de incesto varia junto com eles - mas so-
mente até certo ponto. A tolerância humana para a acumulação do idêntico encontra seus limites
comuns nessa possível impossibilidade, "a união sexual do perfeitamente idêntico" (365).
É claro que muitos outros sistemas de subjetivação revelam uma preocupação com a seme-
lhança e a alteridade. No entanto, como o tratamento de Héritier certamente sugere, o parentesco
permite uma comparação mais útil com muito menos deles do que se poderia esperar. Assim como a
nacionalidade, a raça e a casta evocam a ideologia de uma vasta unidade genealógica que é, ao
mesmo tempo, mais restritiva e mais abstrata do que as ideologias - sejam elas genealógicas, legais
ou espirituais - que fornecem as justificativas para as unidades operativas e afetivas, os "corpos"
coletivos do parentesco. Entre os corpos mais ou menos diretamente comparáveis, consigo pensar
em apenas um: o corpo dos eleitos, como é concebido nas religiões abraâmicas e, especialmente,
como é concebido primeiramente no Evangelho de Mateus e - lido literalmente - no Livro do Apo-
calipse.19 O autor do Evangelho - ou talvez o próprio Jesus - dificilmente poderia ter reconhecido a
relação entre os dois de forma mais lúcida; em Mateus, embora com ecos em muitos outros versícu-
los bíblicos, parentesco e eleição são opostos binários, e opostos tão estruturalmente precisos que os
termos do primeiro servem também como termos para o segundo. Em Mateus, os "poucos escolhi-
dos" (o Livro do Apocalipse estabelece seu número "em 144.000") devem deixar todos os seus pa-
rentes mundanos para trás. Eles encontrarão outro pai; serão irmãos e irmãs em seu espírito. Assim
como o parentesco, a eleição torna o sujeito por meio de sua relação com os outros e em sua parti-
cularidade. Seja ela dada (como Agostinho e outros predestinadores a entenderiam) ou "conquista-
da", ela é indelével e é uma inscrição no âmago do ser de uma pessoa. É um crisma que confere ao
seu portador muitos fardos. No entanto, também confere a ele ou a ela um estigma totalmente inali-
enável e indefectível, que tem sua manifestação experimental ou epistêmica na fé resoluta e inaba-
lável. Os eleitos são santos. Independentemente do que possa ser dito sobre o vasto restante da hu-

19 A concepção judaica de eleição (pelo menos como a encontramos no Antigo Testamento) é "etnicamente" restritiva.
Suas contrapartes no Novo Testamento não são. No entanto, apesar de todos os comentários que acadêmicos têm feito
sobre o "universalismo" da concepção cristã de filiação à igreja, a própria eleição - o carisma do influxo da graça divina
- era claramente uma condição de poucos, nem mesmo potencialmente uma condição disponível a todos. Era exatamen-
te isso que distinguia o santo da corrida comum de mulheres e homens.
manidade, eles pelo menos têm um propósito determinado. Eles têm a promessa certa de vidas e
vidas posteriores memoráveis.
Os próprios eleitos certamente declarariam que a inevitabilidade de sua condição, um estig-
ma tão absoluto que exige nada menos que a rendição, é o trabalho e a vontade de seu deus. O an-
tropólogo - infiel profissional - deve antes observar que a permanência normativa do parentesco
meramente mundano e a permanência normativa da eleição têm pelo menos uma fonte comum. Os
termos de ambos constituem uma espécie de absolutismo cibernético.20 Eles fixam alguns poucos
parâmetros privilegiados do eu que, uma vez fixados, são normativamente tão inegociáveis quanto
(bem...) a própria natureza. Dessa forma, eles reduzem drasticamente a complexidade cibernética
desses parâmetros e uma redução relativa da complexidade de quaisquer outros com os quais eles se
cruzem. Eles efetuam uma redução muito mais drástica da complexidade do que a que poderia ser
alcançada por sistemas de subjetivação indefinidos, abstratos e potencialmente infinitos, como os de
nacionalidade, raça ou casta, ou ainda de classe, gênero ou sexualidade. Talvez seja desnecessário
dizer que eles impõem muito mais ordem cibernética do que se poderia esperar de relações particu-
laristas como a amizade ou o amor romântico, dos quais a "complexidade" é a própria especiaria
(ou maldição, conforme o caso). Assim, elas tornam o eu exclusivamente "comunicável" - para os
outros, mas também para si mesmo. Elas não prometem uma tigela de cerejas, "mas pelo menos
permitem que o eu se lance - ou seja lançado - em qualquer outra coisa que possa vir a acontecer em
sua identidade e no curso de sua vida em uma condição que seja, pelo menos, um pouco inferior a
uma crise de identidade constante e completa.
Em As estruturas elementares, o próprio Lévi-Strauss já sugere uma modelagem cibernética
- ou, mais precisamente, semiológica - de um número limitado de sistemas de parentesco - aqueles
que, ao mesmo tempo, proíbem o casamento entre certas categorias de relações de parentesco e
prescrevem o casamento entre outras (1969: xxiii-xxiv). Semiologicamente, esses sistemas são de
fato os mais elegantes que temos (pelo menos se a análise de Lévi-Strauss estiver aproximadamente
correta). Eles estabelecem uma linha de base normativa na qual a complexidade do eu é reduzida à
complexidade (ou seja, à incerteza) de sua posição de sujeito, e na qual a complexidade da comuni-
cação é reduzida à complexidade da troca recíproca de mulheres (representativas) entre grupos

20Refiro-me à cibernética aqui, de forma bastante vaga, como qualquer "teoria da informação", mas de forma alguma
pretendo que ela seja entendida como a teoria sociológica e culturológica dos fundamentos que seus primeiros defenso-
res defendiam. Pelo contrário: como Luhmann (1990) e outros argumentaram de forma bastante persuasiva, a "informa-
ção" - como notícia, quebra-cabeça, evidência ou fato - só é perceptível como tal contra o pano de fundo do que é con-
siderado garantido. A semiótica é, portanto, o ninho da cibernética, e a cibernética é a métrica da complexidade semio-
lógica ou informacional relativa. Compartilho com Luhmann e, mais uma vez, com muitos outros a presunção - que
muitas informações sustentam - de que os seres humanos são profundamente avessos, talvez até incapazes, de tolerar
uma complexidade ilimitada ou até mesmo indefinidamente limitada desse tipo.
constituídos linearmente. Todos os sistemas restantes que conhecemos são de fato (mais) comple-
xos; praticamente sem exceção, eles preservam uma proscrição semelhante (um tabu de incesto),
mas abandonam qualquer prescrição semelhante. Eles deixam os cursos de vida e as alianças aber-
tos a um número maior de opções e motivos, mas, como consequência, aumentam as incertezas de
ambos.
Para ter certeza, nenhuma dessas extrapolações implica uma explicação do "horror universal
ao incesto" - mas, a julgar pelo número de casos de violação, como dizem Lévi-Strauss e Héritier,
tal explicação não parece necessária.21 No entanto, eles sugerem fortemente uma explicação para a
resistência do parentesco em face de todos os outros sistemas de subjetivação e socialidade que os
seres humanos conseguiram criar até agora (e uma explicação para o alarme característico que as
ligações incestuosas, homossexuais ou outras ligações "perigosas" provocam em tantos seres huma-
nos quanto continuam a provocar). Elas sugerem que, ciberneticamente, até mesmo os sistemas
complexos de parentesco são, de fato, menos complexos do que quaisquer outros que tenham se
tornado disponíveis para nós. Isso sugere, portanto, que, ciberneticamente (ou seja, tanto cognitiva
quanto afetivamente), o parentesco ainda é nossa "rede de segurança" mais segura (neste volume,
veja especialmente Carpenter e Babula nos capítulos 8 e 11; e cf. George no capítulo 9). Se a ras-
garmos, a retrairmos, a destruirmos, inevitavelmente enfrentaremos maior incerteza, maior risco
subjetivo e social - a menos, é claro, que tenhamos a sorte de estar entre os eleitos.
Como praticamente todos os colaboradores deste volume nos ensinam, o que se tornaria
mais incerto seria a história que o eu poderia contar, ao mesmo tempo sobre si mesmo e sobre seu
lugar em seu ambiente. O parentesco é informático; também é poético ou, pelo menos, está entre os
mais difundidos e arraigados dos vários motivos e fórmulas de narração da vida. Sem dúvida, nem
todo mundo se apega a eles - muito menos lhes atribui prioridade poética na determinação da iden-
tidade pessoal ou de um projeto pessoal. Um sistema de subjetivação, afinal de contas, o parentesco
pode se transformar em pura opressão, e uma opressão ainda mais severa quando (como é pratica-
mente sempre o caso) está imbricada com classe, casta, raça ou nacionalidade (veja Karim, Young-
blood e George nos capítulos 4, 2 e 9, respectivamente). O romance familiar pode se tornar desa-
gradavelmente azedo, até mesmo positivamente venenoso. A admoestação de "não esquecer as raí-

21 Héritier, por sua vez, reconhece que a prática de "atos de incesto de todos os tipos" é uma "verdade estatística e soci-
al. Mas não é verdade que se trate de um evento comum, ordinário e banal" (1994: 24-25) - daí sua insistência em rela-
tar uma "fantasia" que, em sua opinião, continua sendo "um dos principais motores de nosso imaginário social" (1994:
25). Cf. o desenvolvimento adicional de Hage de suas teses centrais (Hage 1997). Entretanto, não gostaria de exagerar a
discordância entre nós. Héritier e Hage estão interessados principalmente nas formalidades lógicas das várias nomencla-
turas de parentesco, e apenas derivativamente no que as pessoas realmente fazem com, para ou contra as nomenclaturas
das quais são herdeiras (e menos ainda no que elas "sentem"). Além disso, com Héritier e Hage, compartilho a convic-
ção de que o parentesco informa profundamente a definição e a trajetória do eu - formalmente e na prática.
zes" pode vir a impedir a ampliação dos horizontes sociais e poéticos (ver George no capítulo 9; cf.
Carpenter no capítulo 8). Entre seus muitos outros atributos, o corpo do parentesco muitas vezes
delimita a arena na qual o eu obtém sua legitimação primária; é muitas vezes um tribunal de primei-
ra e última instância nos julgamentos de validação do eu. No entanto, o corpo pode rejeitar os
membros que considera indignos ou corruptos, deixando o excluído para lidar com as intolerâncias
do exílio ou para procurar juízes mais simpáticos. Alguns psicanalistas podem discordar, mas não
há nenhuma boa razão antropológica para insistir que somente a cartografia do parentesco mapeia a
rota para a maturidade ou para a vida adulta "saudável".
Como todos os sistemas de subjetivação, o parentesco limita as possibilidades do eu e de
suas relações com os outros. Ele também produz essas possibilidades. Precisamente por causa de
sua segurança cibernética, ele permite que o eu se coloque em risco, explore territórios incertos que,
de outra forma, poderiam parecer perigosos demais até mesmo para começar a percorrer. Pelo me-
nos do ponto de vista semiológico e cibernético, pode-se concordar com Lévi-Strauss que o paren-
tesco "sobrevive" porque "é tão fundamental que qualquer transformação . . . não foi possível nem
necessária" (1969: 62). No entanto, pode-se ainda observar que os próprios atributos da "moderni-
dade" social que impedem o parentesco de reinar organizacionalmente supremo - aqueles que os
teóricos, de Durkheim e Weber a Niklas Luhmann, trataram sob a rubrica de "diferenciação funcio-
nal" - também tenderam a reforçar suas atrações cibernéticas e poéticas. O eu moderno tem vários
territórios que pode começar a percorrer, desde a religião e a política até os negócios e a arte. Entre-
tanto, como Luhmann argumentou de forma persuasiva, nenhum desses territórios tem qualquer
pretensão de soberania semiológica (Luhmann 1990: 431-32). Exceto por fiat arbitrário, nenhum é
mais organizacionalmente definitivo do que qualquer outro - inclusive o parentesco (ou "a esfera
doméstica"). Cada território, portanto, oferece apenas uma vantagem sobre o que o próprio eu pode-
ria ser. No entanto, com a possível exceção da religião, o parentesco continua a ter suas garantias
relativas para recomendá-lo; e a recomendação pode muito bem ser tanto mais forte quanto mais o
eu não for meramente capaz, mas positivamente obrigado a "fazer algo de si mesmo" em territórios
onde a identidade é algo a ser conquistado ou perdido (ver Ossman e Carpenter nos capítulos 7 e 8,
respectivamente). Portanto, se o individualista fervoroso pode, às vezes, achar o parentesco incô-
modo, até mesmo ele ou ela pode achá-lo um conforto moderno peculiar (consulte Babula no capí-
tulo 11 e Karim no capítulo 4).

RUMO A UMA ANTROPOLOGIA DA ÉTICA DO PARENTESCO


Especialmente em organizações sociais funcionalmente diferenciadas - aquelas em que pra-
ticamente todos os seres humanos vivem atualmente - há, em princípio, embora de forma muito
mais variável na realidade, muito a ser feito da vida além do parentesco. No entanto, quando o re-
gistro etnográfico inclui qualquer nota sobre o assunto, sugere que em praticamente todos os tipos
de organização social conhecidos por nós, passados ou presentes, sempre houve algo a ser feito da
vida dentro dos parâmetros do parentesco também. Em nenhum lugar parece que o parentesco,
como um sistema de subjetivação, tenha assumido o caráter exclusivo de um sistema de sujeição.
Talvez tenha chegado perto e, em suas várias interfaces com classe, raça ou gênero, mais perto ain-
da. No entanto, parece sempre ter ficado aquém do puro aprisionamento, da pura escravidão. Assim,
parece sempre ter deixado um pouco de espaço - se é que para alguns seres em relação (geralmente
homens adultos heteronormativos) o espaço é maior do que para outros - para o que Foucault quer
que entendamos como ética.
O que Foucault quer que entendamos como ética, no entanto, requer uma análise mais apro-
fundada. Para reiterar, ele quer que a entendamos como o domínio nem da autenticidade heidegge-
riana nem do "projeto livre" existencial. Ao caracterizá-la, em vez disso, como o domínio da relação
do eu consigo mesmo, Foucault busca, antes de tudo, restaurar a distinção entre ética e moralidade,
que foi em grande parte perdida no discurso filosófico contemporâneo (e também na linguagem
mais comum). A moralidade compreende todos os códigos e regras que estabelecem a conduta certa
e errada, o que deve ou não deve, o que deve e o que não deve ser feito. A ética, para Foucault, en-
volve a avaliação do eu sobre sua relação com esses códigos e regras, sua aplicabilidade e relevân-
cia situacional. Além disso, envolve a avaliação do eu sobre sua relação com o tipo de sujeito que
ele é ou pode ser, sobre a aplicabilidade e a relevância de um ou outro "modelo" ou ideal caractero-
lógico. Portanto, nunca é uma questão de simples subjetivação, mas sim de (1) "modo de subjetiva-
ção" do eu, da maneira como ele se orienta em relação a um determinado ambiente de normas, e (2)
"fins" éticos, de tipos reais e possíveis de ser ético.
Essas são duas das dimensões da orientação ética. Foucault identifica duas outras: (3) a
"substância" da preocupação ética do eu, aquele "material" que é o foco do cultivo ético; e "(4) a
askêsis do eu, os trabalhos ou exercícios que ele deve realizar, ou o treinamento que deve empreen-
der, a fim de se realizar como um sujeito de certo tipo (Foucault 1985: 3-25; cf. Foucault 1997b e
Rabinow 1997).
Tudo isso talvez faça com que a ética pareça uma preocupação bastante pessoal, a ser con-
duzida sozinha e em particular. No entanto, Foucault se debruça longamente sobre o que pode ser
considerado uma troca ética. Sua atenção também não é arbitrária. Considere suas observações so-
bre a antiga ética grega do cuidado de si:

O cuidado consigo mesmo é ético por si só, mas implica relações complexas com os outros, na me-
dida em que esse ethos de liberdade também é uma forma de cuidar dos outros. É por isso que é im-
portante para um homem livre que se comporta como deve ser capaz de governar sua esposa, seus
filhos, sua casa; é também a arte de governar. Ethos também implica um relacionamento com os
outros, na medida em que o cuidado consigo mesmo permite que a pessoa ocupe sua posição de di-
reito na cidade, na comunidade ou nos relacionamentos interpessoais, seja como magistrado ou
como amigo. E o cuidado de si mesmo também implica um relacionamento com o outro, na medida
em que o cuidado adequado de si mesmo exige ouvir as lições de um mestre. É preciso um guia, um
conselheiro, um amigo, alguém que seja sincero com você. Assim, o problema do relacionamento
com os outros está presente em todo o desenvolvimento do cuidado consigo mesmo. (1997a: 287)

A maioria dessas observações vai pouco além dos gregos, ou pelo menos além da antigu-
idade. A última delas, entretanto, é mais abrangente. Ela reconhece que a ética, assim como a lin-
guagem, deve ser ensinada. Se a prática reflexiva da liberdade pode, às vezes, ocorrer no isolamento
remoto de uma caverna no deserto, sua cena primordial deve, no entanto, ser uma cena de instrução,
uma cena de pedagogia, daquela arte interativa que tem como fim primordial a transformação de
seres humanos em seres de arte ética.
Isso, por sua vez, pode parecer seguir os passos de Aristóteles, cuja Ética a Nicômaco pode-
ria muito bem ser lida como um tipo de manual de pedagogia ética. No entanto, a noção de ativida-
de ética de Foucault, de fato, diverge bastante da de Aristóteles, como revela claramente a análise
de phronêsis, ou "sabedoria prática", feita por este último. A sabedoria prática, virtude intelectual
fundamental do ator ético, não pode, na mente de Aristóteles, ser uma "ciência", pois lida com o
variável, não com o fixo e determinado. "Tampouco", continua ele, "pode ser o mesmo que uma
'arte' (ou 'ofício', tekhnê) ... [e] não arte, porque praticar (praxis) e fazer (poiêsis) são diferentes em
espécie. O fim do fazer é distinto dele; o fim da prática não é: praticar o bem é o próprio fim" (NE
VIv3). Pouco antes disso, ele terá declarado que "toda arte trata de trazer algo à existência; e buscar
uma arte significa estudar como trazer à existência uma coisa que pode existir ou não existir, e cuja
causa eficiente (arkhê) está no criador e não na coisa feita" (NE VIiv4; minha ênfase).
Esse argumento tem uma série de implicações surpreendentes. Primeiro, as várias atividades
que constituem a pedagogia parecem estar do lado da poiêsis, não da práxis e, portanto, estritamente
falando, fora do âmbito ético de Aristóteles. O mesmo deve ser dito das várias atividades às quais
Foucault se refere como "práticas do eu" ou "técnicas do eu" ou "tecnologias do eu" (Foucault,
1997c). Portanto, elas se enquadram em um domínio de atividade que Aristóteles concebe como
anterior ou ainda não envolvendo "escolha" (proairesis). Ou talvez nem mesmo isso possa ser dito.
Em vez disso, Aristóteles pode não ter espaço, ético ou "pré-ético", para as práticas, técnicas e tec-
nologias do eu de Foucault. Tomando-o estritamente em suas palavras, ele pelo menos não tem es-
paço para elas no reino da "arte", pois tudo o que é arte manifesta uma fissura causal entre o criador
e as coisas feitas. Para Aristóteles, a "voz do meio" da atividade reflexiva, de uma agência na qual o
eu é ao mesmo tempo sujeito e seu próprio objeto, fazedor e aquilo para o qual algo é feito, não tem
tom poético.22 Foucault restaura seu tom e, ao fazê-lo, restaura grande parte da genuína "complexi-
dade da pedagogia ética". Ele não é o primeiro: pode-se voltar a Friedrich Nietzsche, a Jean-Jacques
Rousseau ou a Michel Montaigne. Deixando de lado as questões de originalidade, no entanto, a
reincorporação analítica da poiêsis reflexiva no domínio ético é uma emenda crucial de uma omis-
são de longa data.
Ainda assim, devemos dar a Aristóteles o que lhe é devido. Se ele não discerniu adequada-
mente a importância, ou até mesmo a possibilidade, do "autodidatismo" ético (um termo que intro-
duzo de forma prudente, uma vez que a pedagogia ética nunca pode ser puramente autodidática,
mesmo em sua forma mais reflexiva), ele ainda deve receber crédito por discernir, ou reiterar (veja
NE VIiv2: mais uma vez, questões de originalidade são irrelevantes), a profundidade da divisão en-
tre produzir [making] e realizar [doing], entre criação e escolha. É lamentável que tão poucos mo-
dernos tenham preservado essa parte de sua sabedoria mais ampla. Ao descartá-la, muitos filósofos
modernos do eu se encontram oscilando desconfortavelmente entre dois polos igualmente inaceitá-
veis: Um que colocaria tanto a criação quanto a escolha sob a influência transcendental de uma psi-
que quase demoníaca (ou cultura, ou sociedade); e outro que liberaria ambos para as extensões elí-
sias da pura contingência - daí, eu sugeriria, a disputa decididamente moderna entre "primordialis-
tas" e "construtivistas" que continua a nos atormentar, incluindo aqueles que abordam o tema do
parentesco. Penso que o fato de os antagonistas de ambos os lados dessa disputa terem reivindicado
Foucault como aliado indica menos sua ambiguidade do que o fato de ele não pertencer mais a um
lado do que ao outro. Com Aristóteles, ele vê na poiêsis uma atividade nem passivamente determi-
nada nem deliberadamente desejada. Ou, dito de forma mais positiva: para Aristóteles, assim como
para Foucault, a poiêsis é uma atividade na qual a dinâmica peculiar do pensamento se interpõe en-
tre a reação e a ação. Para Foucault, a casa indeterminada de espelhos que assim permite o acesso é
a casa do eu na formação ética.23

22 Devo muito de minha compreensão da poética distinta da voz média a Stephen Tyler. Veja especialmente Tyler 1998.
23Os cinco parágrafos anteriores aparecem com vários detalhes adicionais em meu tratamento mais extenso da análise
de subjetivação e ética de Foucault, "Toward an Anthropology of Ethics" (©2001 by The Regents of the University of
California. Reproduzido de Representations, No. 74)
A alusão à imagem lacaniana do espelho é intencional, mas não tem a intenção de sugerir
afinidade. Foucault talvez pudesse concordar com alguma versão adequadamente diluída do postu-
lado de Aristóteles de que "a vida de conduta correta é prazerosa em si mesma" (NE Iviii10). Ele
poderia pelo menos concordar que o prazer é um índice epistemológico importante para a investiga-
ção ética (cf. Rabinow 1997: xxxvii). Mas, ao contrário de Jacques Lacan, ele não é um teórico do
desejo (ou "libido"). Em vez disso, ele é um genealogista das "práticas pelas quais os indivíduos
[foram] levados a concentrar sua atenção em si mesmos, a decifrar, reconhecer e se reconhecer
como sujeitos de desejo, colocando em jogo entre eles e eles mesmos uma certa relação que lhes
permite descobrir, no desejo, a verdade de seu ser" (Foucault 1985: 2). Sua análise também não está
fechada para outras genealogias, outras práticas, outros sujeitos. Com seu escopo mais generoso, ela
oferece uma alternativa refrescante às psicanálises automáticas que muitos criptologistas contempo-
râneos da subjetividade empregam ao transferir - geralmente com garantia empírica duvidosa - as
estruturas profundas da psique lacaniana para o plano social, o plano da interação. Isso também nos
dá a oportunidade de reconsiderar toda a dialética da internalização e da objetivação por meio da
qual a própria socialização transparece. É especialmente impressionante o fato de Foucault colocar
entre parênteses algo parecido com o husserliano, o princípio predominante de que nossa socializa-
ção mais antiga, nossa socialização primária, nos confere nossa saúde ou patologia posterior, nosso
destino psíquico posterior. Ele nos convida a considerar a possibilidade de que as tecnologias do eu
nem sempre sirvam como instrumentos de reiteração e reforço das catexias e dos traumas, das defe-
sas e dos disfarces de nossa infância, mas, às vezes, também como instrumentos de sua revisão.
Aqueles de nós que abordam o tema do parentesco devem, creio eu, considerar essa possibilidade
muito seriamente; nossos "dados" estão muito próximos de exigir que façamos isso.24

Trópicos éticos e os trópicos do parentesco

Essa possibilidade não existiria, entretanto, se o Imaginário ético fosse simplesmente um


duplo sombrio de um determinado Simbólico ético (e vice-versa). Em outras palavras, ela não exis-
tiria se a poiêsis ética se limitasse meramente à mimese, se seu único tropo mestre fosse o tropo do
símile. Foucault, por sua vez, não desenvolve uma semiologia ética, um guia do criador para a cria-

24 O "nominalismo" de Foucault era, de qualquer forma, uma postura metodológica, não ontológica (veja meu tratamen-
to em Faubion, 1998). Em grande parte, compartilho dessa postura; mas, por outro lado, as generalizações que podem
entrar em conflito com o nominalismo metodológico nem sempre são fáceis - e nem sempre úteis - de serem evitadas.
ção ética, mas a partir dos casos e comentários que ele nos deixou, podemos dizer algo sobre o que
esse guia teria de incluir. Assim como a práxis, a poiêsis requer raciocínio sobre meios e fins, de
modo que ela também deve se apoiar na lógica da capacidade intelectual que Aristóteles considera
como a assinatura da sabedoria prática: a capacidade de deliberação. No entanto, como figuração,
ela deve ainda se apoiar em uma tropologia, para a qual o símile seria adequado somente se a vida
ética consistisse sempre e em toda parte em "viver de acordo com" um determinado exemplo ou
ideal. A valorização cristã da imitatio Christi é um caso óbvio, mas o caso sobre o qual Foucault
comenta em Os usos do prazer não está em conformidade tropológica com ele. Para a ética "orien-
tada para a prática" da elite grega clássica, uma ética que tem seu ponto de apoio no hiatus irratio-
nalis entre a generalidade do preceito e a particularidade da situação, o símile frequentemente cede
seu lugar à ironia, trágica ou cômica, de uma instância para outra. Eu mesmo argumentei que a me-
talepsis é o tropo mestre de uma corrente proeminente de auto(re)formação na Grécia contemporâ-
nea (Faubion 1993). Ou, como alternativa, poderíamos visitar os Hagenianos da Nova Guiné Supe-
rior, para os quais a autoformação se processa em uma sinédoque aberta que Marilyn Strathern con-
siderou "ciborgânica" (Strathern 1991). Em uma boa parte da América do Norte contemporânea,
poderíamos encontrar um povo estranho cujo individualismo ético tem seu resumo tropológico na
grande metáfora de Walt Whitman: "Eu sou tudo". Correndo o risco de defender um formalismo que
contrariaria o nominalismo metodológico de Foucault, não posso deixar de propor que a tropologia
poderia, de fato, constituir a estrutura para uma hermenêutica comparativa dos modos éticos de sub-
jetivação. A variedade e o escopo de suas figuras, sua substância tropoplógica, devem, é claro, con-
tinuar sendo questões de pesquisa etnográfica.
Da tropologia é apenas um pequeno passo para a narrativa de vida e, a partir daí, outro pe-
queno passo para as narrativas de vida dessas modalidades distintas de ser-em-relação que são o
parentesco. Assim, chegamos novamente às contribuições para este volume, que, apesar de toda a
sua diversidade, demonstram repetidamente que uma ética do parentesco está totalmente ligada à
recepção, negociação e revisão de histórias sobre o eu e um grupo "eleito" de outros, alguns vivos,
outros mortos. Os tropos mestres de tais histórias são a metonímia e a sinédoque, tropos de partes e
todo, elementos e totalidades. Os modos de subjetivação dos quais elas são testemunho são bastante
diversos. Para vários dos colaboradores, a irremediável doação do parentesco descritivo é um moti-
vo central (veja Karim, Reddy, Carpenter e Babula nos capítulos 4, 5, 8 e 11); Para vários outros, a
tensão entre as relações atribuídas e as relações alcançadas (veja Youngblood, Bargach, George e
Peterson nos capítulos 2, 3, 9 e 10); para outros ainda, que histórias poderiam ser contadas e que
vidas em relação poderiam ser vividas, se houvesse mundo e tempo suficientes (veja Deckha, Oss-
man e Borneman). Aprendemos sobre o entrelaçamento de parentesco e memória, de parentesco e
"destino". Aprendemos também sobre o amplo espaço para a invenção prática que os parâmetros de
parentesco podem permitir, às vezes inibidos, mas às vezes favorecidos por suas interseções com
classe, casta, raça, gênero ou nacionalidade. Todos os gêneros conhecidos são bem aproveitados:
comédia, tragédia, farsa, drama e até mesmo um pouco de realismo mágico aqui e ali.
Isso, com certeza, não quer dizer que o parentesco, assim como o resto da vida, seja arte;
apenas que seria eticamente muito menor sem ele. Confie nas contribuições que se seguem para ex-
plicar os detalhes.

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